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A modularidade da mente Resenha da obra: The modularity of mind, Jerry A. Fodor, 10.ª ed., Cambridge, Massachusetts: Bradford Books, 1996. 144 pp. Autor: André Sathler Guimarães ([email protected] ), doutor em filosofia pela Universidade Federal de São Carlos. Fodor realiza, em uma obra relativamente pequena (144 pp), um grande passo na conquista científica da mente, ao propor uma explicação coerente e plausível para várias de suas funcionalidades. O autor introduz a noção de processos psicológicos verticais e modulares, como base para comportamentos biológicos coerentes. A obra inicia discorrendo sobre quatro aspectos da estrutura mental, a partir da compreensão do autor de que a organização do comportamento é um fator derivado da estrutura mental e não vice-versa. Nesse tópico, explica as chamadas faculdades mentais horizontais (i.e. memória, julgamento), que vêm sendo relativamente bem pesquisadas no campo da psicologia. Invariáveis, as faculdades horizontais se aplicam às variadas situações (portanto não são domínio- específicas) e são “sistemas cognitivos distintos funcionalmente, cujas operações cruzam domínios de conteúdo” (p. 13). Fodor assume os processos mentais como computacionais, além de cognitivos, ou que todo processo cognitivo é um processo computacional, pois, para ele, uma função típica dos mecanismos cognitivos é realizar a transformação de representações mentais.

Modularidade Da Mente

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Resenha de um dos mais importantes livros do cientista cognitivo americano Jery Fodor. A proposta é que a mente seja entendida como um conjunto de módulos correspondentes, cada um, a uma determinada função cognitiva.

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A modularidade da mente

A modularidade da mente

Resenha da obra: The modularity of mind, Jerry A. Fodor, 10. ed., Cambridge, Massachusetts: Bradford Books, 1996. 144 pp.

Autor: Andr Sathler Guimares ([email protected]), doutor em filosofia pela Universidade Federal de So Carlos.

Fodor realiza, em uma obra relativamente pequena (144 pp), um grande passo na conquista cientfica da mente, ao propor uma explicao coerente e plausvel para vrias de suas funcionalidades. O autor introduz a noo de processos psicolgicos verticais e modulares, como base para comportamentos biolgicos coerentes.

A obra inicia discorrendo sobre quatro aspectos da estrutura mental, a partir da compreenso do autor de que a organizao do comportamento um fator derivado da estrutura mental e no vice-versa. Nesse tpico, explica as chamadas faculdades mentais horizontais (i.e. memria, julgamento), que vm sendo relativamente bem pesquisadas no campo da psicologia. Invariveis, as faculdades horizontais se aplicam s variadas situaes (portanto no so domnio-especficas) e so sistemas cognitivos distintos funcionalmente, cujas operaes cruzam domnios de contedo (p. 13). Fodor assume os processos mentais como computacionais, alm de cognitivos, ou que todo processo cognitivo um processo computacional, pois, para ele, uma funo tpica dos mecanismos cognitivos realizar a transformao de representaes mentais.

Continuando a obra, Fodor indica (e d o devido crdito) o trabalho de Franz Joseph Gall como fonte inspiradora de seu conceito de faculdades verticais. Gall foi o fundador da frenologia e seu trabalho recebeu bastante descrdito por conta disso, quando a prpria frenologia foi desacreditada. Para Gall, uma faculdade vertical domnio-especfica, geneticamente determinada, associada estruturas neurais distintas e (j na viso de Fodor) computacionalmente autnoma.

O fato de ser domnio-especfica, ou seja, suas operaes no cruzam domnios de contedo, faz com que um sistema cognitivo vertical aplique-se somente a determinado tipo de situao.Ser geneticamente determinado significa que o sistema independe de um processo de aprendizado. No so montados, no sentido de que no so resultado do acmulo de subprocessos mais elementares. So hardwired, ou associam-se diretamente a sistemas neurais especficos, localizados e estruturalmente elaborados. E so computacionalmente autnomos. Um sistema cognitivo com essas caractersticas , para Fodor, um mdulo, que, por sua vez, no deixa de ser uma espcie de faculdade vertical.

Uma viso de mente que contemple a questo dos mdulos, na perspectiva apresentada por Fodor, assemelha-se a um canivete suo, que pode apresentar diversas lminas para diferentes tarefas, cada uma das lminas sendo resultado do processo evolutivo especfico da espcie. Fodor prossegue destacando que os sistemas cognitivos modulares compartilham um certo papel funcional na vida mental dos organismos e prope uma taxonomia funcional para os mesmos: sistemas subsidirios e sistemas centrais.

Os principais candidatos a sistemas subsidirios so os sistemas perceptuais, ou de entrada de dados. Fodor passa ento a dedicar boa parte do livro demonstrao de como os sistemas de entrada preenchem adequadamente os requisitos para serem considerados modulares.

J caminhando para a concluso da obra, o autor fala dos sistemas centrais, que seriam as faculdades horizontais. Para Fodor, os sistemas centrais no so modulares (e, portanto, desencapsulados informacionalmente) e representam o local de interface das representaes oriundas dos diversos sistemas de entrada. O autor reala a importncia da existncia desses sistemas desencapsulados: a domnio-especificidade tem a ver com o leque de questes para as quais um dispositivo fornece respostas (o leque de inputs para os quais ele computa anlises); enquanto que o encapsulamento tem a ver com o leque de informaes que o dispositivo consulta ao decidir quais respostas fornecer.

Segundo Fodor, os sistemas centrais olham para os dados entregues pelos sistemas subsidirios, ento olham para o que existe na memria, e usam essa informao para restringir a computao s melhores hipteses sobre como a realidade de fato. Na verdade, as explicaes que o autor d para os sistemas centrais permanecem inconclusivas e lembram o teatro cartesiano. Em sua defesa, pode-se dizer que o autor assume explicitamente essa fraqueza: quanto mais global um processo cognitivo , menos se consegue entend-lo. Processos muito globais, como o raciocnio analgico, no so compreensveis de nenhuma maneira (p. 107).

Ciente dessas limitaes, o autor prev progressos na compreenso cientfica dos sistemas subsidirios, inclusive com a possibilidade de identificao de correlatos neurais a essas funes (token-identity). Mas assume que quase nada se sabe sobre o que acontece nos sistemas centrais. Ou seja, nas palavras do prprio autor, o fantasma foi lanado mais para o fundo da mquina, mas ainda no foi exorcizado (p. 127).