23
Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 1 Módulo 1 • Unidade 1 Identidade, valores e ética Para início de conversa... Você já observou que mesmo sendo (igualmente) humanos, somos diferentes uns dos outros em nossos modos de viver? Há culturas onde as pessoas se comportam de um jeito que, em outras, seria considerado mui- to estranho. Essa diversidade cultural pode ser notada em vários aspectos da vida. Por exemplo: a) Em relação à comida e alimentação em geral – Há culturas que gostam de misturar o doce e o salgado nas refeições e outras em que isso é bem separado. Para alguns, comer abacate, abacaxi, laranja e outras frutas na hora das refeições, junto com os alimentos preparados com sal, é mais do que natural. Para outras culturas, esse costume parece estranho. b) Em relação aos estilos de roupa – há culturas onde as pessoas quase não usam cobertura nos corpos, como em algumas sociedades indíge- nas, por exemplo. Há outras onde o corpo nu ou seminu é considerado uma ofensa aos demais ou mesmo a alguma divindade. c) Em relação às formas de parentesco – Há culturas que privilegiam como parentes aqueles que tem vínculos familiares com a mãe. Outras, os vín- culos com a família do pai e, em outras ainda, não se faz tal separação. d) Em relação ao sagrado e o sobrenatural – temos uma diversidade enor- me de expressões religiosas de diferentes origens que possuem costu- mes diversificados. Partem de compreensões diferentes do que seja o “sagrado” e de como nos relacionamos com ele. e) Em relação à base econômica e produção de riquezas – temos diferen- ças que historicamente marcaram a identidade de determinados po- vos. Por exemplo: tivemos algumas nações que usavam o trabalho es- cravo como componente de sua identidade cultural. Em outras, como na Idade Média, tivemos as relações entre senhores feudais e servos; nas sociedades capitalistas temos a exploração da mão de obra dos tra- balhadores e sua remuneração em salários.

Módulo 1 • Unidade 1 Identidade, valores e éticaªncias_Humanas_Unidade1... · A partir desse relato do Prof. Roque Laraia sobre o riso, onde mostra que em diferentes culturas

Embed Size (px)

Citation preview

Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 1

Módulo 1 • Unidade 1

Identidade, valores e éticaPara início de conversa...

Você já observou que mesmo sendo (igualmente) humanos, somos

diferentes uns dos outros em nossos modos de viver? Há culturas onde as

pessoas se comportam de um jeito que, em outras, seria considerado mui-

to estranho. Essa diversidade cultural pode ser notada em vários aspectos

da vida. Por exemplo:

a) Em relação à comida e alimentação em geral – Há culturas que gostam de misturar o doce e o salgado nas refeições e outras em que isso é bem separado. Para alguns, comer abacate, abacaxi, laranja e outras frutas na hora das refeições, junto com os alimentos preparados com sal, é mais do que natural. Para outras culturas, esse costume parece estranho.

b) Em relação aos estilos de roupa – há culturas onde as pessoas quase não usam cobertura nos corpos, como em algumas sociedades indíge-nas, por exemplo. Há outras onde o corpo nu ou seminu é considerado uma ofensa aos demais ou mesmo a alguma divindade.

c) Em relação às formas de parentesco – Há culturas que privilegiam como parentes aqueles que tem vínculos familiares com a mãe. Outras, os vín-culos com a família do pai e, em outras ainda, não se faz tal separação.

d) Em relação ao sagrado e o sobrenatural – temos uma diversidade enor-me de expressões religiosas de diferentes origens que possuem costu-mes diversificados. Partem de compreensões diferentes do que seja o “sagrado” e de como nos relacionamos com ele.

e) Em relação à base econômica e produção de riquezas – temos diferen-ças que historicamente marcaram a identidade de determinados po-vos. Por exemplo: tivemos algumas nações que usavam o trabalho es-cravo como componente de sua identidade cultural. Em outras, como na Idade Média, tivemos as relações entre senhores feudais e servos; nas sociedades capitalistas temos a exploração da mão de obra dos tra-balhadores e sua remuneração em salários.

Módulo 1 • Unidade 12

Qual a origem dessas diferenças? O que promove a construção de cada identidade

cultural e a forma como nos relacionamos com os valores de modo geral e com os valores

morais em especial? Isso é o que vamos analisar e descobrir nesta unidade.

Objetivos de aprendizagem � Compreender a influência de fatores religiosos, econômicos, sociais, culturais na constitui-

ção da identidade individual e coletiva.

� Caracterizar os valores como norteadores das ações do indivíduo.

� Analisar as ações e comportamentos humanos sob o ponto de vista ético.

Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 3

Seção 1Fatores que influenciam a formação da identidade

Pesquisadores tentaram explicar a diversidade cultural e elaboraram teorias diversas

sobre isso. Houve quem tentasse explicar a diversidade das culturas acreditando que a geo-

grafia, ou seja, as características do lugar onde viviam as comunidades primitivas há muitos

séculos fossem determinantes da cultura. Assim, quem vivesse perto do litoral teria uma cul-

tura diferente de quem vivesse nas montanhas ou de quem vivesse em região de florestas ou

mesmo em lugares muito secos, como os desertos.

No entanto, essa teoria não se sustentou, pois temos povos que vivem em regiões mui-

to semelhantes e que possuem culturas muito diferentes. Podemos dar exemplos de povos

que vivem no Brasil, na região do Xingu (centro-norte do Brasil) que possuem culturas dife-

rentes. Também no Ártico temos os Esquimós e os Lapões que, mesmo vivendo em regiões

semelhantes, desenvolveram culturas com traços bem diferentes.

Povos que vivem na região do Xingu.

Os xinguanos propriamente ditos (Kamayu-rá, Kalapalo, Trumai, Waurá etc.) desprezam toda a reserva de proteínas existentes nos grandes mamíferos, cuja caça lhes é inter-ditada por motivos culturais, e se dedicam mais intensamente à pesca e caça de aves. Os Kayabi, que habitam o Norte do Parque, são excelentes caçadores e preferem justa-mente os mamíferos de grande porte, como a anta, o veado, o caititu etc. (LARAIA, 2001)

Módulo 1 • Unidade 14

Esquimós e Lapões

Os esquimós constroem suas casas

cortando blocos de neve, organi-

zando esses blocos em formato de

colmeia e forrando por dentro com

peles de animais. Quando precisam

se mudar, apenas retiram as peles e

deixam essas casas, chamadas iglus.

Os esquimós, ainda não criam renas.

Já os lapões, vivendo em condições

semelhantes, são bons criadores de

renas e constroem suas moradias

com tendas de peles de rena. Quando precisam se mudar, desmontam as tendas, o que dá

muito trabalho, por estarem cobertas de neve e preparam as peles para serem transportadas.

Dessa forma, hoje, uma posição bastante aceita é a de que:

Temos todo um conjunto de fatores econômicos, políticos, religiosos, geográficos, sociais que

aos poucos formam e, também, alteram as culturas. Em cada momento, um ou outro fator

pode ser mais forte que outro, mas nunca é um só que é determinante na cultura.

O que são cada um desses fatores?

Fatores econômicos, ou seja, a existência de produção agrícola ou pecuária ou indústria

e comércio e se esses são fortes ou não influenciam a cultura local. Por exemplo, há regiões no

Brasil em que se produz muito milho e seus derivados. O milho acaba, tendo uma presença for-

te na cultura local. Muitas pessoas trabalham na plantação, colheita e beneficiamento do milho

e na fabricação de produtos derivados como margarina, pamonha, óleo, e outros. É comum

nessas localidades ocorrer a festa do milho que é expressão da importância dele na vida local.

O simbolismo que o milho tem para as pessoas dessa localidade acaba sendo bem diferente

daquele para as pessoas que apenas conhecem o milho comprado nos supermercados.

Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 5

Fatores religiosos como a existência de uma única

religião numa localidade ou a existência de muitas religi-

ões e, neste caso, se as pessoas que praticam essas religiões

possuem mais ou menos tolerância umas com as outras,

é um importante fator de formação cultural. Por exemplo,

onde existe apenas a prática de uma religião, as pessoas

poderão ser educadas para acharem estranho que alguém

não siga aquela religião. E se isso ocorre, quem não segue

aquela religião ou não segue nenhuma pode sofrer discri-

minação negativa.

Fatores sociais e políticos agem conjuntamen-

te para definir a identidade, ou seja, o conjunto de ca-

racterísticas comuns de uma comunidade, que a dife-

renciam de outras comunidades, povos, culturas. Por

exemplo, lugares onde uma luta contra a desigualdade

entre os sexos é mais consolidada historicamente, con-

seguem ter homens e mulheres em condições de igual-

dade para disputar vagas no mercado de trabalho e na

divisão das tarefas domésticas. Em países como o Brasil,

onde esses valores de igualdade entre homens e mu-

lheres ainda precisam avançar muito, situações de dis-

criminação das mulheres comumente acontecem. Há

estudos no Brasil mostrando que, mesmo fazendo as

mesmas funções em uma empresa, é comum os homens

ganharem melhores salários que elas.

Outro exemplo da relação de diferentes fatores con-

tribuindo para consolidar a identidade cultural podem ser

as festas religiosas. Para os judeus, por exemplo, algumas

festas eram ligadas à economia, como a época do plantio e

de colheita. A festa de Pentecostes era inicialmente associa-

da à Festa das Colheitas. Fatos semelhantes eram comuns

em vários povos antigos.

Figura 1: Cultivo de milho

Figura 2: A prática da religião

Figura 3: As mulheres estão em pé de igualdade com os homens?

Módulo 1 • Unidade 16

É importante lembrar também que, em qualquer cul-

tura, as pessoas não têm uma participação igual. Assim, as

crianças, participam de uma forma diferente dos adultos, pois

suas atividades são diferentes. Homens e mulheres adultas

também vão tendo seus papéis sociais definidos pela cultura.

Os idosos têm mais participação e importância em algumas

culturas orientais que em outras como a nossa.

Enquanto, em nossas sociedades ocidentais, os mais idosos são vistos muitas vezes apenas como

menos capazes, menos ágeis e como ultrapassados e velhos, em lugares como o Japão e a China,

os idosos são saudados como portadores de sabedoria que vem da vida vivida e a eles se devota

muito respeito. Os mais jovens possuem orgulho de dizer aos demais a idade dos idosos da família.

Liste dois costumes ou tradições (pode ser uma festa social, religiosa ou um

tipo de comida, uma dança) que você conhece e que são típicos da região em que

você vive. Pesquise perguntando a pessoas ou consultando documentos históricos

de sua cidade, sobre esse costume ou tradição e escreva como surgiram e que fatores

(econômicos, políticos, religiosos ou outros) influenciam sua prática.

O conjunto de fatores

econômicos, religio-

sos, sociais e outros

vai definindo diferen-

tes formas de parti-

cipação das pessoas

na cultura.

Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 7

Pessoas de culturas diferentes riem de coisas diversas. O repetitivo paste-lão americano não encontra entre nós a mesma receptividade da comé-dia erótica italiana, porque em nossa cultura a piada deve ser temperada com uma boa dose de sexo e não melada pelo arremesso de tortas e bo-los na face do adversário. Voltando aos japoneses: riem muitas vezes por questão de etiqueta, mesmo em momentos evidentemente desagradá-veis. Enfim, poderíamos continuar indefinidamente mostrando que o riso é totalmente condicionado pelos padrões culturais, apesar de toda a sua fisiologia. (Laraia, Roque de Barros, Cultura: um conceito antropológico. 14.ed. — Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. Pág.69)

A partir desse relato do Prof. Roque Laraia sobre o riso, onde mostra que em

diferentes culturas o riso é diferente, descreva “jeitos” de sentar, de falar, de cumpri-

mentar, vestir ou outros costumes em culturas que você consegue diferenciar.

Seção 2Valores e a identidade

Quando nascemos não temos noção de certo e errado, nem do que é bonito ou feio.

Também não temos ainda consciência sobre as consequências de nossas ações. É nossa vida

Módulo 1 • Unidade 18

no meio de uma família que, por sua vez, compartilha com outras uma determinada cultura

que vai formando nossos valores. Aos poucos, vamos aprendendo o que em nossa cultura é

considerado bonito, bom e correto, e o que é considerado feio, mau e errado. Em tribos mais

isoladas que não adotam costumes típicos da cidade, as crianças se apropriam da cultura

na medida em que crescem e participam da vida coletiva, enquanto que nós, desde criança

somos colocados em escolas e outras instituições que nos transmitem os valores e conheci-

mentos de nossa sociedade.

Em nossa sociedade, temos espaços como a família, escola, igrejas, clubes de servi-

ço, associações de moradores, sindicatos, cooperativas e outros espaços que servem para a

transmissão da cultura para cada membro da comunidade. E, aos poucos vamos aceitando

ou questionando o padrão cultural da comunidade ou povo do qual participamos. Quando

muitos começam a questionar o padrão ou começam a adotar outros padrões, a cultura vai

se modificando.

Temos diferentes tipos de valores que nos permitem fazer comparações e opções

entre as coisas e os comportamentos. Temos valores econômicos que nos ajudam a ter

noção de valor de compra e venda de produtos e

serviços; temos valores estéticos que nos permi-

tem definir o que é bonito ou feio para nós; temos

valores políticos que nos permitem definir nossas

preferências sobre as formas de governo e outros

assuntos correlacionados; temos os valores morais

que definem o que consideramos certo ou errado

nos comportamentos humanos.

Essa variação significa que valores são histórica e geograficamente delimitados, ou

seja, não são universais. Eles nascem em uma determinada região e em determinada época e

vão moldando o modo de viver das pessoas. Ao mesmo tempo, diversos fatores podem atu-

ar para modificar a cultura local. Um desastre ecológico como um vulcão, um terremoto ou

tempestades fortes pode provocar mudanças nos costumes de uma localidade, pois podem

provocar que multidões tenham de mudar de localidade de moradia, bem como podem pro-

vocar mudanças econômicas, alterando a geografia do lugar. Podem levar a mudar o tipo de

agricultura e pecuária que é desenvolvida, além de provocar outras mudanças.

É verdade que alguns valores são mais difundidos e aceitos em vários países que ou-

tros, mas isso pode ser fruto do poder de um povo dominar outros econômica, política ou

O que é fundamental é sabermos

que esses valores são construídos

culturalmente e tanto podem

variar entre diferentes culturas,

como podem variar em uma mes-

ma cultura ao longo do tempo.

Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 9

culturalmente. Um exemplo é a força política e econômica da indústria cinematográfica dos

Estados Unidos. Seus filmes conseguem penetrar nos mercados e até serem a maior parte do

que é exibido em cinemas e canais de televisão no Brasil e em muitos outros países.

Como participamos de forma diferente das culturas, como afirmado anteriormente, e

como as culturas são dinâmicas, ou seja, elas mudam com o tempo, dentro de uma mesma

cultura também podemos ver padrões ou expressões de valores diferentes.

Analise o caso apresentado a seguir e responda aos questionamentos propostos:

Todo sábado à tarde, um grupo de roda de samba apresenta-se no bar do Tadeu.

Eles tocam durante cerca de três horas, com volume alto, e as pessoas que frequentam

o bar quase sempre exageram na bebida, gritam e deixam sujeira na rua. Imagine que

você mora bem em frente ao bar do Tadeu, e que um dos seus vizinhos de porta, o Jo-

sué, que detesta samba e música alta, está muito zangado com isso que ele chama de

“a maior bagunça no quarteirão”. Já o outro vizinho, o Maneco, toca pandeiro na roda

de samba e não aguenta mais as reclamações do Josué. Os dois estão prestes a sair no

tapa e você é amigo/a de ambos. Observe que nesse conflito há questões relacionadas

aos valores de cada um e são valores estéticos, econômicos e morais. Pense no melhor

que você poderia fazer para tentar impedir uma briga feia entre o Josué e o Maneco,

respeitando ao máximo os valores, o desejo e o bem estar de cada um. Explique por

que essa escolha parece ser para você a melhor possível, isto é: por que ela poderia

acalmar o ânimo dos dois, respeitando valores, desejo e bem estar de cada um? Você

poderia depois apresentar esse caso para outras pessoas e ouvir qual seria a opinião

delas, o que elas fariam.

Módulo 1 • Unidade 110

Seção 03Valores morais e ética

O que costumamos chamar de certo e errado é expressão dos valores morais. É in-

teressante pensar que quase tudo que hoje é considerado certo ou errado em uma cultura

pode ser diferente em outras. Andar com pouca roupa, gritar, dar gargalhadas, sexo antes

do matrimônio, poligamia e tantos outros comportamentos são tratados de forma diferente

dependendo da cultura.

A moral é formada pelo conjunto de hábitos e costumes de um determinado povo ou

comunidade. Esses costumes têm relação com os diferentes fatores (econômicos, políticos,

sociais, religiosos) que já abordamos neste texto. Um povo ou comunidade pode ter costu-

mes que, em outros povos, podem parecer muito estranhos ou até serem proibidos. Podemos

ver isso, com muita facilidade, ao observarmos a diferença entre nós brasileiros de modo ge-

ral e povos indígenas ou algumas culturas árabes e orientais. O uso de roupas pelas mulheres

parece ser um bom exemplo, pois enquanto as mulheres indígenas quase não usam roupas,

as mulheres da cidade diferenciam ocasiões em que se usam mais roupas e outros, como na

praia ou piscina onde quase não usam. Já mulheres mulçumanas em, alguns países usam

roupas longas e, inclusive, cobrem os rostos.

Mesmo numa cultura, podemos ver como os valores morais se modificam ao longo

do tempo. Por exemplo: a forma como namoros e casamentos no interior de Minas Gerais e

de outros estados, sofreu modificações e hoje existem posturas muito mais liberais do que

anteriormente.

O modo de produção em uma sociedade, ou seja, o jeito como são organizadas as

estruturas e processos econômicos são condicionantes de valores morais. Em nossa socie-

dade, o modo de produção é o capitalismo que estimula o individualismo, a competição e

o aumento de eficácia, eficiência em função do aumento da produtividade das empresas. A

palavra de ordem no meio das empresas é a inovação com vistas ao lucro.

Isso nos coloca questões sobre os juízos morais que fazemos sobre o comportamento

das pessoas. É possível fazer um juízo sobre o comportamento de alguém que compartilha

nossa cultura e, da mesma forma, julgar um comportamento semelhante de alguém de outra

Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 11

cultura? Numa cultura, o uso de roupas é considerado sinal de decência, em outras, não tem

nenhuma importância estar ou não vestido. Se isso é assim, podemos nos perguntar: haveria

valores morais universais?

Veja esse exemplo de dois comportamentos apresentados pelo antropologo Roque

Laraia: o homossexualismo e a prostituição, e como eram vistos em outras culturas diferentes

da nossa. Não eram rejeitados e, pelo contrário, eram valorizados.

Entre algumas tribos das planícies norte-americanas, o homossexual era visto como um

ser dotado de propriedades mágicas, capaz de servir de mediador entre o mundo social e o

sobrenatural, e, portanto, respeitado. Um outro exemplo

de atitude diferente de comportamento desviante encon-

tramos entre alguns povos da Antiguidade, onde a prosti-

tuição não constituía um fato anômalo: jovens da Lícia pra-

ticavam relações sexuais em troca de moedas de ouro, a

fim de acumular um dote para o casamento. (LARAIA,2001)

Mas, então, tudo é permitido? E se tudo é permitido, como podemos entender, nesse

contexto, a existência de uma Declaração Universal dos Direitos do Homem (considerando

aqui, homem no sentido de humanidade) como foi proclamado em 1948 pela ONU? Aqui

temos um exemplo de um conjunto de valores, no que se refere a direitos das pessoas, que

aos poucos, em decorrência da maior interação e integração internacional, foram sendo com-

partilhados por diferentes povos. Determinados comportamentos foram sendo considerados

impróprios, e esses valores foram sendo adotados por diferentes países estabelecendo um

padrão moral mundial ou, ao menos, aceito nos países que assinaram a declaração.

A declaração universal dos direitos do homem

A seguir, um trecho com os sete primeiros artigos da Declaração dos Direitos Humanos. Ela é

um dos documentos básicos das Nações Unidas (ONU), enumerando direitos que são conside-

rados comuns a todos os seres humanos.

Artigo I – Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão 

e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

Artigo II – Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta De-

claração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua,  religião, opinião política

ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 

Como já dissemos anteriormen-

te sobre valores em geral, acre-

ditamos que não existem valo-

res morais universais.

Módulo 1 • Unidade 112

Artigo III – Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo IV – Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escra-

vos serão proibidos em todas as suas formas.   

Artigo V – Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano

ou degradante.

Artigo VI – Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa

perante a lei.

Artigo  VII – Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual prote-

ção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presen-

te Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.   

Seção 04 Lei, moral e ética

Podemos fazer uma distinção importante entre lei, moral e ética. A lei é um costume, um

hábito institucionalizado em uma sociedade. Ela é mais restrita que a moral, pois essa é com-

posta também por outros costumes que não estão escritos na lei, como por exemplo, vários

costumes sobre namoro, casamento, relações entre pais e filhos, alimentação e tipos de vesti-

mentas característicos daquela localidade. A Ética inclui ainda a subjetividade da pessoa, pois

não bastaria apenas obedecer aos costumes para ser ético, mas sim ter uma postura livre, cons-

ciente e responsável no assumir ou se contrapor ao que é a lei e a moral em uma comunidade.

Olhando algumas situações no Brasil, podemos observar comportamentos que estão

dentro da lei, mas que podem ser objeto de avaliação ética. Por exemplo: senadores e de-

putados federais podem legislar sobre seus próprios salários e outras formas de receberem

dinheiro do estado. Ao aprovarem leis que beneficiam a eles, muito acima do que é possível

para o conjunto da sociedade, eles estão fazendo algo que é legal, pois a lei permite, mas

certamente seu comportamento poderia ser considerado não ético.

Da mesma forma, podemos ter comportamentos que contrariem alguma norma ou

lei, mas que podem ser considerados éticos. Por exemplo, alguém que, considerando abusiva

Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 13

alguma lei que aumenta os impostos em uma cidade ou estado, promove uma mobilização

social de desobediência civil em protesto contra a lei. Ele não paga o imposto, declara isso

publicamente e incentiva outros a entrarem no movimento. Essa postura pode ser julgada

como ilegal, porém pode ser perfeitamente ética.

O que é um comportamento ético? Como analisar se um comportamento foi ou não ético.

O que deveria ser o objeto da ética, ou seja, o que deveria definir os princípios para

conduzir nosso comportamento teve diferentes respostas na tradição filosófica.

Aristóteles acreditava que a finalidade última da vida era a

felicidade e que todas as ações deveriam buscar essa meta.

Para ele a felicidade não estava em dinheiro, poder ou prazer,

mas no saber conduzir racionalmente a vida. A vida bem con-

duzida é aquela que é virtuosa, ou seja, que pratica virtudes.

E o que seriam as virtudes? Segundo ele “a virtude moral é um

meio-termo entre dois vícios, um dos quais envolve o excesso

e o outro deficiência”( ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, Livro

II). Entre dois vícios como a temeridade (excesso) e a covardia

(deficiência) o correto seria a prática do meio termo que é a

virtude da coragem.

Kant, que foi um importante filósofo moderno, acreditava que

a razão humana era suficientemente capaz de encontrar quais

deveriam ser as normas morais a serem obedecidas. Para ele,

o homem deve obedecer ao que a razão bem instruída pode

orientar. Elaborou um princípio que ele acreditava ser possí-

vel de nortear nossas decisões morais: “age apenas segundo a

máxima que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne

lei universal” (KANT, Immanuel. Fundamentos da metafísica dos

costumes, p.59). Observe que, para ele, se você está em uma fila

e pretende furar a fila, deve antes se perguntar: eu quero que

furar a fila seja uma lei universal? Se a resposta for negativa,

é sinal que você não deve furar a fila. Da mesma forma,se for

contar uma mentira, deve antes se perguntar se falar mentiras

deve ser um princípio que todos devem seguir. Se a resposta

for negativa, então não se deve mentir.

Módulo 1 • Unidade 114

Habermas, importante filósofo atual, buscou construir uma

teoria sobre a ética fundamentada na busca do diálogo e no

consenso entre as pessoas. Observa que as pessoas quando

defendem sua opinião sobre o que deva ser certo ou errado,

as fazem como se esta opinião fosse uma grande verdade

sobre o assunto. Ele entende, assim, que todas as opiniões,

ou teorias, possuem o mesmo valor em termos de verdade.

Assim, propôs que a verdade não está em um ou outro, mas

naquilo que se constrói com o diálogo livre e no consenso,

numa situação de igualdade entre esses que dialogam. Com

essas condições se construiria uma ética democrática, pois

estaria construída em valores aceitos consensualmente.

Poderíamos ainda listar várias outras pos-

turas éticas construídas na história da filosofia e

que mostram que é um assunto controvertido e

polêmico. As definições aqui apresentadas nos

permitem pensar em nossos comportamentos

diante do que é considerado o certo ou o legal em

nossas cidades, estados e no Brasil como um todo.

Em nossa sociedade, a educação em diferentes níveis, está normalmente preocupada

com a formação moral dos cidadãos, que consistiria em formar pessoas que respeitem as leis

e que andem conforme os costumes. Isso não está propriamente errado, mas é insuficiente,

pois precisamos de algo mais que cidadãos ajustados às regras da sociedade.

Em muitas situações precisamos é de pessoas que estejam tão indignadas com a

forma como a sociedade, inclusive as leis e costumes, estão organizados, que possam se

insurgir contra tudo aquilo que mesmo sendo moralmente aceito, mesmo estando legaliza-

do, precisa ainda ser ético. Existe a necessidade de educar as novas gerações e nós mesmos

para uma postura mais arriscada de criação de novos costumes e novos valores para gerar

uma sociedade diferente da que está aí, pois os dados econômicos e sociais mostram que

é muito injusta e desigual.

O discurso de governantes e dos

meios de comunicação muitas vezes

querem impor uma única verdade

sobre os valores morais, mas o que

acabamos de ler nos mostra que é im-

portante cultivar uma postura crítica.

Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 15

Com suas palavras, procure fazer mostrar a diferença entre a moral e a ética.

A partir do que foi apresentado nessa unidade, percebemos que o que nos

identifica como um grupo, comunidade e povo é fruto de influência de diferentes fa-

tores e que isso acontece por meio de processos historicamente construídos.

A unidade apontou ainda que os valores morais fazem parte desse processo de

constituição de nossa identidade. E, por último, ao diferenciar moral de ética, procurou

nos alertar que aquilo que nos identifica como valores morais em uma coletividade,

nos dá uma orientação sobre o certo e o errado, mas não determina nosso comporta-

mento, pois para sermos agentes éticos, que agem com liberdade, consciência e res-

ponsabilidade, precisamos avaliar os costumes e valores vigentes na sociedade e não

simplesmente seguir as normas passivamente.

Leia o texto a seguir e analise as alternativas a seguir como corretas ou erradas.

“Para que haja conduta ética é preciso que exista o agente consciente, isto é,

aquele que conhece a diferença entre bem e mal, certo e errado, permitido e proibi-

do, virtude e vício. A consciência moral não só conhece tais diferenças, mas também

reconhece-se como capaz de julgar o valor dos atos e das condutas morais, sendo por

isso responsável por suas ações e seus sentimentos e pelas consequências do que faz

e sente. ” (Chauí, 1998)

De acordo com o texto da filósofa Brasileira Marilena Chauí, em que explica o

que seria um agente ético com consciência moral e responsável pelos seus atos, pode-

se afirmar que :

Módulo 1 • Unidade 116

Alguém tem uma conduta ética quando obedece rigorosamente às leis e nor-

mas existentes sem questionar as mesmas.

Não se pode julgar eticamente alguém que cumpre fielmente a lei.

A conduta ética é aquela que é feita com consciência e responsabilidade.

Não há relação entre consciência e responsabilidade na conduta moral, pois o

importante é o agente ético.

As consequências das condutas não devem ser parâmetros de avaliação para

julgar a conduta ética.

� Assista aos filmes que mostram alguma temática ligada à cultura, como se forma costumes, conflitos. Podem ser muito interessantes para ilustrar algumas passagens desse texto:

a) “A Vila” – nele poderá perceber o modo de vida de uma comunidade e que aos pou-cos vai sendo revelado como se originaram alguns costumes daquela vila.

b) “A missão” – esse filme mostra, entre outras coisas, as diferenças culturais entre europeus e os indígenas Guaranis e o conflito que surge devido aos interesses po-líticos de Portugal e Espanha.

Seção 01 – Fatores que influenciam a formação da

identidade

Atividade 01

Resposta Pessoal

O importante é que se faça o movimento de se saber como a cultura local foi se

formando a partir da pesquisa de algum traço cultural. A própria dificuldade de encontrar

Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 17

informações já é,em si, material muito interessante para a conversa em sala, pois pode

permitir conversar sobre como se conserva a memória histórica daquela localidade.

Atividade 02

Resposta Pessoal

Seção 02 – Valores e a identidade

Atividade 03

Saber pesar equilibradamente e valorizar ambas as posições dos personagens

do caso, ajuda a desenvolver habilidades de distanciamento de situações e processos

para análise dos mesmos. Quando dizemos que, cada um no caso tem valores, expres-

samos valores estéticos e morais. Mais que uma análise muito elaborada, o importante

é o movimento e a resposta ser lógica e coerentemente elaborada.

Seção 04 – Lei, moral e ética

Atividade 04

Resposta Pessoal

não há um conceito apenas para ética e moral e muitos manuais e outros livros

até tratam moral e ética como sinônimos, pois ambos possuem etimologicamente ori-

gens semelhantes. Ética tem, além do sentido de costume, também o de caráter, de

postura individual. Assim, respostas que se aproximem de moral relacionada a costu-

mes e hábitos e de éticam como postura diante dos códigos moraism pode ser consi-

derada adequada.

Atividade 05

Comentários sobre cada uma das respostas:

Módulo 1 • Unidade 118

Errada, pois o texto não afirma isso nem deixa margem para essa interpretação,

pois seu foco está justamente na existência de um agente ético que seja consciente e

responsável e não apenas cumpridor de normas.

Errada, pois a proposição contida nela é, na prática, a mesma do item “a” escrita

de forma diferente. Essa afirmação ignora a importância da existência de um agente

ético que seja consciente e responsável e não apenas cumpridor de norma.

Correta. O texto foca essas duas condições para que exista um agente ético:

consciência e responsabilidade.

Errada, pois afirma exatamente o contrário do que o texto propõe e ainda tenta

confundir ao dissociar essas condições do que seja o agente ético que as pressupõe.

Errada, pois o texto não trata dessa questão. Essa afirmação é típica de éticas

normativas, mas não encontra respaldo no texto.

Referências

Bibliografia Consultada

� Laraia, Roque de Barros, Cultura: um conceito antropológico. 14.ed. — Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001

O livro Cultura: um conceito antropológico do antropologo Roque Laraia pode aju-dar muito a compreender questões sobre a diversidade cultural e como a cultura interfere no modo de vida das pessoas e como ela mesma é modificada ao longo do tempo. É uma leitura bem agradável.

� Textos Básicos de Ética. De Platão a Foucault escrito pelo Danilo Marcondes e publicado pela Ed. Zahar.do Rio de Janeiro. Nele o autor, de forma bem didática, apresenta os pen-sadores, trechos das obras e faz comentários sobre o pensamento ético dos filósofos pro-postos no livro.

� Chauí, M. Convite à Filosofia. São Paulo. Editora Ática. 1998.

Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 19

Imagens

  •  http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=1207518  •  Roger Kirby.

  •  http://www.flickr.com/photos/ministeriodacultura/4795181298/ 

  •  http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Eskimo_Family_NGM-v31-p564-2. 

  jpg?uselang=pt-br

  •  http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Corn_Field.JPG

  •  http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ostrabrama-prayer.jpg

  •  http://www.flickr.com/photos/embajadaeeuu-chile/3974747907/

  •  http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Busto_di_Aristotele_conservato_a_Pala

  zzo_Altaemps,_Roma._Foto_di_Giovanni_Dall%27Orto.jpg?uselang=pt-br

  •  http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Kant_foto.jpg

  •  http://commons.wikimedia.org/wiki/File:JuergenHabermas_crop2.jpg

  •  http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=1220957  •  Ivan Prole.

  •  http://www.sxc.hu/985516_96035528.

Módulo 1 • Unidade 120

Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 21

Anexo • Módulo 1 • Unidade 1

O que perguntam por aí?

(ENEM 2010, Ciências Humanas e suas Tecnologias, ques-

tão 44)

Na ética contemporânea, o sujeito não é mais um sujeito substancial, soberano e abso-

lutamente livre, nem um sujeito empírico puramente natural. Ele é simultaneamente os dois,

na medida em que é um sujeito histórico-social. Assim, a ética adquire um dimensionamento

político, uma vez que a ação do indivíduo não pode mais ser vista e avaliada fora da relação

social coletiva. Desse modo, a ética se entrelaça, necessariamente, com a política, entendida

esta como a área de avaliação dos valores que atravessam as relações sociais e que interliga

os indivíduos entre si.

(Severino, A. J. Filosofia. São Paulo: Cortez. 1992, adaptado)

O texto, ao evocar a dimensão histórica do processo de formação da ética na socieda-

de contemporânea, ressalta:

a) os conteúdos éticos decorrentes das ideologias político-partidárias;

b) o valor da ação humana deriva de preceitos metafísicos;

c) a sistematização de valores desassociados da cultura;

d) o sentido coletivo e político das ações humanas individuais;

e) o julgamento da ação ética pelos políticos eleitos democraticamente.

A alternativa correta é a “d”.

Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 23

Anexo • Módulo 1 • Unidade 1

Caia na Rede!

Nesta aula, abordamos, dentre outras coisas, a identidade cultural. No link que dispo-

nibilizaremos a seguir, você verá um artigo muito interessante. O que faz deste artigo especial

é que ele foi escrito como se fosse a descrição que um antropologo faz de uma cultura distan-

te, mas na verdade ele está descrevendo a cultura americana da década de 70 .

Observe o trecho abaixo:

Além do ritual bucal privado, as pessoas procuram o mencionado sacerdote-da- boca uma ou duas vezes ao ano. Estes profissionais têm uma impressionante coleção de instrumentos consistindo de brocas, furadores, sondas e agulhões. O uso destes objetos no exorcismo dos demônios bucais envolve para o cliente, uma tortura ritual quase inacreditável.

Repare que o trecho apresentado trata do hábito de escovar os dentes (“ritual bucal”) e

dos dentistas (chamados “sacerdote-da-boca”), só que descritos por alguém (supostamente)

pertencente a uma cultura distante.

Este artigo é recomendado em praticamente todas as faculdades de Ciências Sociais.

Para lê-lo na íntegra (é curtinho, são só três páginas), acesse o link a seguir e clique em “abrir”:

poars1982.files.wordpress.com/2008/03/nacirema.doc