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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 111 Módulo 1 • Unidade 4 Sociedades indígenas e Sociedades africanas Para início de conversa... No princípio dos tempos, a Terra era uma região desabitada, coberta de água e pântanos. Os orixás, habitantes do mundo celestial, desciam de vez em quan- do, por meio de teias de aranha, para ver a superfície das águas. Passaram-se milhares de anos, até que um dia, Olorun, divindade suprema, chamou seu filho mais velho, Oxalá, e lhe ordenou que criasse um mundo abaixo do mundo ce- leste. Deu-lhe, então, um saco de terra e uma galinha com pés de cinco dedos. Antes de iniciar sua jornada, Oxalá foi consultar Orunmilá para receber conse- lhos do grande orixá da sabedoria. A divindade disse-lhe que era preciso rea- lizar as oferendas, para que tudo corresse bem. Oxalá, porém, esqueceu-se de uma oferenda muito importante, a ser entregue a Exu, senhor dos caminhos e da comunicação. Ofendido, Exu lançou-lhe um feitiço e o fez se embriagar e adormecer. Tudo isso foi visto de perto por Odudua, um orixá importante que apanhou o saco de terra e a galinha, e retornou ao mundo celestial para contar o ocorrido ao pai de todas as divindades, Olorun. Este entregou a missão a Odudua que jogou o saco de terra sobre as águas, formando um pequeno monte, depois lançou a galinha que caiu sobre o monte de terra. Esta ciscou e espalhou a terra para todos os lados. Odudua então falou “Ilé nfé!” Naquele lugar, surgiria a primeira cidade do mundo, chamada Ifé. Olorun reservou ao orixá Obatalá outra missão: criar os seres vivos que habita- riam o mundo criado. Do barro, Obatalá modelou o homem e a mulher e, com um sopro Olorun lhes deu vida.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 111

Módulo 1 • Unidade 4

Sociedades indígenas e Sociedades africanasPara início de conversa...

No princípio dos tempos, a Terra era uma região desabitada, coberta de água e pântanos. Os orixás, habitantes do mundo celestial, desciam de vez em quan-do, por meio de teias de aranha, para ver a superfície das águas. Passaram-se milhares de anos, até que um dia, Olorun, divindade suprema, chamou seu filho mais velho, Oxalá, e lhe ordenou que criasse um mundo abaixo do mundo ce-leste. Deu-lhe, então, um saco de terra e uma galinha com pés de cinco dedos.

Antes de iniciar sua jornada, Oxalá foi consultar Orunmilá para receber conse-lhos do grande orixá da sabedoria. A divindade disse-lhe que era preciso rea-lizar as oferendas, para que tudo corresse bem. Oxalá, porém, esqueceu-se de uma oferenda muito importante, a ser entregue a Exu, senhor dos caminhos e da comunicação. Ofendido, Exu lançou-lhe um feitiço e o fez se embriagar e adormecer.

Tudo isso foi visto de perto por Odudua, um orixá importante que apanhou o saco de terra e a galinha, e retornou ao mundo celestial para contar o ocorrido ao pai de todas as divindades, Olorun. Este entregou a missão a Odudua que jogou o saco de terra sobre as águas, formando um pequeno monte, depois lançou a galinha que caiu sobre o monte de terra. Esta ciscou e espalhou a terra para todos os lados. Odudua então falou “Ilé nfé!” Naquele lugar, surgiria a primeira cidade do mundo, chamada Ifé.

Olorun reservou ao orixá Obatalá outra missão: criar os seres vivos que habita-riam o mundo criado. Do barro, Obatalá modelou o homem e a mulher e, com um sopro Olorun lhes deu vida.

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Módulo 1 • Unidade 4112

Essa narrativa faz parte da mitologia iorubá, um dos inúmeros povos africanos cujas histórias foram transmitidas

há séculos pela tradição oral. Há versões variadas sobre essa narrativa, registrada por vários autores, entre os quais, o

antropólogo Reginaldo Prandi, no livro “Mitologia dos Orixás” (Companhia das Letras, 2001).

A criação da Terra e do Homem é um aspecto central de todas as culturas e apresenta elementos muito

importantes do modo de vida ou da visão de mundo de cada povo.

Observe que no mito iorubá há um Deus criador, Olorun, e outras divindades que lhe são obedientes, mas que

possuem seus interesses, vontades e funções. A criação dependeu da ação de duas entidades, envolvidas numa trama

de acontecimentos: consultas a um oráculo (Orunmilá), oferendas, estratagemas de outros orixás e a disputa para ser

o preferido por Olorun. Finalmente, o resultado final representa a ação compartilhada de dois orixás, Oxalá e Odudua,

expressão de forças opostas e complementares.

Todos esses aspectos revelam a complexidade cultural da religião iorubá, baseada numa mitologia, isto é, um

conjunto de narrativas das origens que explica o modo de funcionamento do mundo.

Você conhece outras narrativas mitológicas? Já assistiu a filmes ou leu algo sobre a mitologia grega? Você

considera que existem pessoas que ainda acreditam em histórias mitológicas?

Nas sociedades urbanas e industrializadas, a mitologia perdeu o papel central na explicação do mundo, pois,

passamos a interpretá-lo a partir dos conhecimentos científicos. No entanto, ainda existem importantes elementos

religiosos na nossa formação cultural, especialmente, no Brasil. A maioria das pessoas ainda se declara pertencente a

uma determinada religião, ainda que não pratique rigorosamente seus princípios.

Mesmo assim, sentimos um estranhamento enorme, quando tratamos de mitologias. Isto, porém, é resultado

de uma falsa distância entre as culturas. Uma distância provocada pelo preconceito produzido contra culturas que

desconhecemos.

Para pensar nossa própria cultura, por exemplo, no mito judaico-cristão da criação do mundo e do homem,

falamos em religião, mas para definir as outras culturas, usamos o termo “mitologia” ou a noção de “seita”, “crendice” e

outros termos depreciativos como esses.

Os meios de comunicação nos oferecem uma infinidade de imagens e histórias sobre o mundo, através de

filmes, reportagens, livros, fotografias, sites etc. Se prestarmos atenção, veremos, todos os dias, imagens de pessoas

de diferentes culturas e com traços físicos distintos (cor da pele, tipo de cabelo, formato dos olhos etc.). São imagens

de povos que habitam as regiões distantes do planeta ou mesmo de certos grupos sociais que vivem no território

brasileiro, mas que desconhecemos.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 113

Na imensa diversidade que caracteriza a população humana, é muito comum que nos chame a atenção os

indivíduos ou grupos que nos parecem muito diferentes da nossa cultura. Observe as imagens abaixo:

Figura 1: A primeira imagem é de um guerreiro do Quênia, na África; a segunda é de uma mulher alemã e a terceira é a foto de uma mulher Kayuan (ou Karenni), um grupo étnico pequeno que habita a Birmânia e a Tailândia, na Ásia.

Qual dessas imagens produz mais estranhamento? Qual delas nos parece a mais comum e natural? Qual delas

provoca nosso riso ou, talvez, um sentimento de repulsa? Poderíamos imaginar com facilidade mulheres, utilizando

argolas para alongar o pescoço?

Quanto maior a diferença, maior é o estranhamento que sentimos em relação ao outro. Assim, também é maior

nosso desconhecimento sobre a cultura de povos muito diferentes e que nos chegam em imagens fragmentadas

ou deformadas, especialmente, pelos filmes de ficção norte-americanos. Todos nós já assistimos a alguma cena

em que heróis enfrentam um bando de tribo estranha, com hábitos agressivos ou infantis, numa floresta densa e

impenetrável. Tocando tambores, com pintura no rosto e se comunicando em idiomas incompreensíveis, assim são

comumente caracterizados os povos não Ocidentais, especialmente os povos que vivem ou viveram em áreas rurais

e pequenas comunidades.

Nesta unidade, vamos estudar a diversidade das culturas humanas a partir da história de algumas sociedades

indígenas que habitam o Brasil e de um povo que habita o continente africano.

Objetivos de aprendizagem � Compreender o papel do etnocentrismo na construção histórica de preconceitos culturais;

� Caracterizar as sociedades indígenas e africanas como povos organizados política e socialmente;

� Interpretar as transformações históricas provocadas pelos conflitos entre esses povos e o colonizador

europeu;

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Módulo 1 • Unidade 4114

Seção 1Um mundo diverso e desigual

Para podermos conviver em um mundo repleto de diferenças culturais, é importante compreender que a

diversidade é natural, que nossa cultura não representa o “jeito certo” de se viver. Tampouco ela é a “melhor” cultura

ou a mais desenvolvida, ainda que assim nos pareça, pois estamos acostumados a viver, segundo nossas crenças,

nossos hábitos e conhecimentos.

Estamos mais próximos de reconhecer as culturas como diversas, mas não enquanto superiores umas às

outras, quando nos situamos como um grupo social e étnico dentro de um mundo de grande diversidade, e quando

aceitamos que nosso modo de viver e de compreender as sociedades humanas é apenas um entre muitos possíveis.

Chamamos de “etnocentrismo” a visão de mundo que define a sua própria cultura como modelo e que descreve

as demais culturas como incompletas, pouco evoluídas, imaturas ou mesmo indecentes.

“Etnocêntrico” é, portanto, um individuo ou um modo de pensar que transforma a sua própria etnia no “centro”

da experiência humana. Isso pode ser expresso de diversas formas, como pelo simples estranhamento diante de um

hábito diferente, pelo preconceito que ridiculariza a outra cultura, pela intolerância quando se entra em contato com

as diferenças ou pela xenofobia, isto é, pelo ódio expresso contra o estrangeiro. Visões etnocêntricas justificam atos

de violência física e moral que se perpetuaram ao longo da história humana.

Uma das formas mais radicais do etnocentrismo é o racismo, pois ele reúne uma visão de mundo e uma prática

social a partir do ódio e do extermínio a outra etnia ou cultura. O racismo identifica no diferente, o seu inimigo. Ele

quer nos fazer acreditar que a diversidade entre culturas é uma ameaça para a nossa cultura e que, para desenvolver-

se, é preciso exterminar ou subjugar o outro.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 115

No mundo todo, centenas de pessoas e de organizações sociais lutam atualmente para denunciar as práticas

de intolerância e as concepções etnocêntricas e racistas. Acordos internacionais foram assinados pela maior parte dos

países, criando compromissos para que os Estados e as sociedades tomem medidas eficazes no combate ao racismo

e na valorização da diversidade cultural e étnica em todas as regiões do planeta. No entanto, essas práticas são muito

recentes na história da humanidade, elas contrariam séculos de intolerância, racismo e destruição da diferença.

A visão etnocêntrica da Europa sobre o resto do mundo produziu ideias preconceituosas e racistas sobre

indígenas e povos africanos durante mais de quatro séculos. A cultura europeia tornou-se, desde a época da

conquista da América, no século XVI, o modelo a ser seguido, transformando as sociedades não Ocidentais em

povos sem cultura, sem história, sem conhecimentos. Essa visão aparecia nos livros de história, na literatura e até

nas pesquisas científicas.

O historiador Fernando Novais, em entrevista concedida ao jornal Folha de São

Paulo em 2000, por ocasião das comemorações de 500 anos da chegada de Pedro Álvares

Cabral ao Brasil, aponta para o etnocentrismo presente na concepção de “descobrimento”

do Brasil naquela ocasião.

Caracterizar a viagem de Cabral como a do “Descobrimento do Brasil” e a carta de

Pero Vaz de Caminha como uma “certidão de batismo” tem pressupostos que precisam

ser discutidos. Há um etnocentrismo evidente que expressa a visão do conquistador, do

vencedor. Os portugueses seriam o agente e os índios, os “descobertos”, os protagonistas

passivos do episódio.

(Fernando Novais. Folha de São Paulo, 24/04/2000, Primeiro Caderno, p. 6.)

De acordo com o que vimos sobre o etnocentrismo e nos argumentos de Fernando

Novais expostos acima, explique por que não deveríamos caracterizar a chegada dos

portugueses em 1500 como o “descobrimento” do Brasil.

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Módulo 1 • Unidade 4116

Baseado nesse pensamento, os europeus justificaram a dominação militar e econômica sobre os outros

territórios como se fosse um benefício para os povos dominados. Afinal, os europeus levariam consigo a civilização e,

com isso, supostamente trariam benefícios e desenvolvimento para as sociedades africanas ou indígenas.

Nesta unidade, vamos estudar algumas sociedades indígenas e africanas, apresentando um pouco de suas

histórias e suas formas de ver o mundo. Também vamos analisar de que modo reagiram e se relacionaram com o

homem branco ocidental, transformando-se e adaptando-se às novas condições impostas.

Seção 2 As sociedades indígenas

É comum começarmos a estudar a história do Brasil a partir da chegada dos portugueses, em 1500, mas ela se

iniciou muito antes disso, com os primeiros habitantes dessa terra. “Pindorama” (terra das palmeiras) era o nome que

os Tupis deram ao que hoje conhecemos como Brasil. Estima-se que existiam em torno de 3 a 6 milhões de nativos

vivendo no território.

A dominação portuguesa, a escravidão e as mortes ocasionadas por doenças provocaram uma drástica

diminuição dos povos indígenas. Na década de 1980, estimava-se que a população indígena havia chegado a cerca

de 230 mil habitantes. Atualmente existem pouco mais de 800 mil pessoas. Apesar do crescimento populacional, dos

mais de 1000 povos originais, pelo menos 762 desapareceram.

A maior parte da população indígena reside em terras indígenas, mas muitos vivem nas cidades. A Constituição

Federal de 1988 reconheceu o princípio de que os indígenas são os primeiros e naturais senhores da terra. Isso significa

que, em teoria, eles têm o direito sobre as áreas que ocupam. Nas demarcadas terras indígenas, os índios têm posse

permanente e controle das fontes naturais necessárias para sobreviverem e manterem vivas suas tradições e cultura.

No entanto, essas regras nem sempre são respeitadas.

A diversidade de povos indígenas do país é enorme. Antes de 1500, existiam quatro grupos principais: Tupi,

Auak, Karib e Jê, além de outros menores. Apesar da existência de alguns elementos em comum, cada nação tinha

cultura própria. Inclusive, eles não se reconheciam como “índios”, nem havia uma palavra para definir os habitantes da

América. Eles eram simplesmente os “humanos”.

Vamos estudar um pouco a formação sociocultural e a história de três povos indígenas, cujas diferenças

revelam um pouco dessa diversidade.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 117

Os Guarani, um povo de muitas terras

Há, aproximadamente, 85 áreas guarani oficialmente reconhecidas. Eles habitam regiões do Brasil, Paraguai,

Uruguai e Argentina. No território brasileiro, somam cerca de 50.000 indivíduos, de acordo com cálculos aproximados

realizados em 2008, e vivem nos Estados da região Sul, em São Paulo, no Rio de Janeiro, Espírito Santo e Mato Grosso.

Há três grandes grupos entre os guarani. São os nãndeva, os kaiowa e os mbya. Cada um deles tem diferenças

culturais bastante significativas, apesar de compartilharem a mesma origem histórica e o mesmo idioma.

Para a formação da identidade guarani, há três elementos centrais: o ava ñe’ë, que é a alma do homem; o tamõi,

que se refere aos ancestrais míticos e o ava reko, que diz respeito ao comportamento em sociedade. De certa forma,

esses elementos respectivamente expressam o que chamamos de individualidade, religião e política, mas eles não se

separam dessa forma na concepção guarani.

O povo guarani surgiu nas florestas tropicais das bacias do rio Paraná, conforme apontam descobertas das

pesquisas arqueológicas. Esta cultura teria se diferenciado da cultura Tupi no século V, quando começou a se estruturar

tal como a conhecemos hoje.

Na época da chegada dos portugueses, essas populações ocupavam uma extensa região do litoral e do

interior, da atual cidade de Cananéia, em São Paulo, até o Rio Grande do Sul. Durante os séculos XVI e XVIII, a história

dos Guarani foi marcada pela presença dos padres jesuítas e pelas expedições bandeirantes. Os jesuítas organizaram

agrupamentos, chamados de Missões, para receber os indígenas e catequizá-los, isto é, convertê-los ao Cristianismo.

Os bandeirantes, por outro lado, atacavam as aldeias guarani e as Missões, para aprisionar e escravizar os indígenas.

Além disso, os Guarani estavam em uma região que pertencia a Coroa espanhola e, por isso, também sofreram

com o sistema da “encomienda”, que os obrigava a um tipo de escravidão, através do trabalho compulsório e pelo

pagamento de impostos.

A região que habitavam também possuía importância estratégica para a época. Ela era palco da disputa entre

portugueses e espanhóis, expressada no Tratado de Tordesilhas (que, basicamente, propunha uma divisão do mundo

entre Espanha e Portugal).

Apesar de todas essas circunstâncias, os Guarani conseguiram sobreviver a longa história de conflitos entre

as fronteiras das colônias e, posteriormente, as fronteiras dos países que se formaram na região. Os aldeamentos nas

matas e o comportamento discreto e fugidio os distanciaram dessas disputas. Por circunstâncias históricas, desde o

século XVII os Guarani assentaram-se no atual Mato Grosso do Sul, enquanto outros grupos instalaram-se na região

do atual Paraguai.

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Módulo 1 • Unidade 4118

As primeiras reservas indígenas em território brasileiro foram criadas em 1913, sob a liderança do etnólogo

alemão Curt Nimuendaju, para conter os movimentos migratórios dos Guarani em direção à costa Atlântica. No Paraná,

também foram criadas reservas, contudo, a política vigente de integrar os índios à sociedade impôs um modelo de

desenvolvimento totalmente avesso à cultura indígena.

A partir dos anos 1920 até a década de 1960, uma colonização sistemática e efetiva iniciou-se no território

guarani, provocando a desapropriação de suas terras.

Nos últimos 20 anos, grande parte do território tornou-se alvo da exploração da erva mate por empresas que

conseguiram o monopólio deste produto nas regiões do atual Paraná, Mato Grosso do Sul, norte da Argentina e Paraguai.

Além disso, nas regiões litorâneas, eles sofreram com a transformação socioambiental provocada pelo turismo

e pelo desenvolvimento da região, especialmente nos Estados do Sul e em São Paulo.

Os assentamentos guaranis são feitos a partir de núcleos familiares autônomos e não formam aldeias

circulares como se costumam ver em muitos povos indígenas. Os povos Guarani possuem um princípio de constantes

deslocamentos, o oguata (constante caminhar), que pode representar visitas a outras aldeias, mudanças definitivas,

casamentos etc.

A base da organização social, econômica e política guarani é a família extensa, composta pelo casal, filhos,

genros, netos e irmãos. Ela constitui uma unidade de produção e consumo. Cada família tem uma liderança, em geral

masculina, denominada Tamõi (avô) ou Jari (avó). O líder é responsável por aglutinar parentes e orientá-los política e

religiosamente. A importância das redes de parentesco é expressa em todas as situações guarani. Os homens casam-

se entre 16 e 18 anos e as mulheres após a segunda ou terceira menstruação. Há uma nítida divisão sexual do trabalho

e a agricultura é a principal atividade econômica.

A explicação sobre as origens do mundo é feita a partir de mitos e seres divinos. Os Guarani possuem diversas

narrativas cujos heróis são animais, e é também através da mitologia que os acontecimentos dos últimos 200 anos

são narrados.

As atividades religiosas, como as práticas de cânticos, as rezas e as danças são realizadas cotidianamente. Os

rituais são fundamentais e se relacionam às necessidades da vida.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 119

Os Xavante, um povo guerreiro

Os Xavante autodenominam-se A’uwe (gente) e formam junto com os Xerente um grupo pertencente à

família linguística Jê. Em 2007, eles somavam cerca de 13.000 pessoas que viviam em terras Indígenas, localizadas

no leste mato-grossense. Essa região é caracterizada por uma complexa zona ecológica que combina cerrado e

mata de galeria (com duas estações bem definidas, o inverno seco e o verão chuvoso). Ela é a base do modo de

vida tradicional Xavante.

A história Xavante, a partir do século XVIII, foi afetada pela descoberta do ouro na então província de Goiás

e, consequentemente, pela chegada de mineradores, bandeirantes, colonos e missionários. A pressão sofrida

pela população indígena local foi intensa, e logo surgiram conflitos entre ela e os novos habitantes. O processo

foi marcado por guerras, epidemias e migrações. Velhos xavantes contam histórias dramáticas da separação dos

Xerente, que aconteceu quando cruzaram o rio Araguaia. Foi depois disso que eles se estabeleceram no atual

estado do Mato Grosso.

Tekoha: a territorialidade guarani

A situação histórica imposta pelo contato levou os Guarani a dialogar com as categorias

sociais dos brancos e a criar mecanismos de defesa. Os esforços de territorialização por parte

do Estado no início do século XX acabaram por constranger a população indígena a espaços

limitados e a fronteiras fixas. Neste contexto, os Guarani criaram o conceito de tekoha, que

denomina os lugares que ocupam. O tekoha é um lugar físico que deve reunir condições

específicas que garantam a realização do teko (o “modo de ser” guarani). Dessa maneira, o

tekoha funciona como uma unidade política, religiosa e territorial que garante o acesso ao

espaço geográfico por parte dos Guarani.

O que a criação nativa do conceito de tekoha pode nos dizer sobre a história dos

Guarani? É possível afirmar que eles se transformaram a partir do contato com os brancos?

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Módulo 1 • Unidade 4120

Os Xavante ficaram conhecidos no Brasil a partir da propaganda da “Marcha para o oeste” ou “marcha para o

progresso” empreendida pelo Estado Novo durante a década de 1940. Esta campanha tinha como objetivo promover

a colonização, a expansão capitalista e a “pacificação dos Xavante”. No entanto, é essencial notar que, para os Xavante,

os “pacificados” foram os brancos.

Na década de 1960, incentivos fiscais do governo para o desenvolvimento econômico da região resultaram em

fraudes e no assalto às terras xavantes em nome da produção capitalista.

As intensas lutas pela recuperação territorial e para garantir a demarcação das terras ocupadas marcaram os

anos 1970 e 1980. Os Xavantes precisaram enfrentar os poderosos fazendeiros que detinham grande poder político.

A agropecuária Suiá-Missu, por exemplo, desalojou diversos grupos. A violência, concreta ou como ameaça, iniciou-

se em diversas localidades. Mesmo assim, os Xavante desenvolveram táticas eficazes para exercer pressão sobre o

Estado e conseguiram o reconhecimento de direitos sobre porções de terra relativamente extensas.

É importante destacar o líder xavante, Mário Juruna, que em 1982 foi eleito deputado federal pelo Rio de

Janeiro, tornando-se símbolo da luta indígena por terra e melhores condições de vida.

O contato com o homem branco influenciou os grupos xavante de maneiras distintas. Crenças e práticas

religiosas, bem como instituições sociais foram afetadas. Mesmo assim, sua cultura continua a se manifestar com

extrema vitalidade.

A coleta é essencial para a economia Xavante. O cultivo agrícola, sobretudo de milho, e a caça desempenham

papel secundário. No entanto, para os homens, a caça não é apenas atividade econômica, mas um elemento da

capacidade masculina. O padrão de ocupação é marcado pelas prolongadas excursões e por isso o território necessário

para sua subsistência deve abarcar uma extensão que possibilite a exploração anual. Hoje o padrão de excursões

praticamente desapareceu em função da redução das terras disponíveis, dando espaço à monocultura agrícola e à

criação de gado.

Em todas as sociedades Jê a organização social é binária, ou seja, em agrupamentos de “metades”. Isso significa,

por exemplo, que os indivíduos só podem se casar com pessoas de outro grupo ou “metade”. Essa filosofia dualista

também se expressa no complexo agrupamento por idades, marcado por diversas cerimônias, como a corrida de

revezamento de toras, chamada uiwede.

Os Yanomami, povos da floresta

O território Yanomami, de aproximadamente 192.000 km2, encontra-se na fronteira entre Brasil e Venezuela.

Os Yanomami formam um grupo cultural com pelo menos quatro subgrupos que falam línguas da mesma família:

Yanomae, Yanõmami, Sanima e Ninam. Em 2011, a população total dos Yanomami no Brasil era composta por 19.338

pessoas, repartidas em 228 comunidades.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 121

Leia o trecho retirado de uma entrevista com o líder Yanomami Davi Kopenawa sobre

os riscos provocados no garimpo de ouro (xawara) que atingiu as terras indigenas:

“Nós chamamos estas epidemias de xawara. Omamë (entidade espiritual) mantinha

a xawara escondida. Mas hoje os nabëbë (os brancos), depois de terem descoberto nossa

floresta, foram tomados por um desejo frenético de tirar esta xawara do fundo da terra

onde Omamë a tinha guardado. Xawara é também o nome do que chamamos booshikë,

a substância do metal, que vocês chamam "minério". A xawara do minério é inimiga dos

Yanomami, de vocês também. Quando os brancos tiram o ouro da terra, eles o queimam.

Isto faz sair fumaça dele. Assim se cria a xawara. É por isso que estamos morrendo. Por causa

desta fumaça. A terra também fica doente. Mesmo Omamë está atingido. Tem também a

fumaça das fábricas. Nós sabemos que as coisas andam assim, por isso estamos passando

estas palavras para vocês. Mas os brancos não dão atenção. Não há pajés entre os brancos,

é por isso. Nós Yanomami temos pajés que inalam o pó de yakõana, que é muito potente, e

assim sabemos da xawara e ficamos muito inquietos. Não queremos morrer. Nós, os pajés,

também trabalhamos para vocês, os brancos. Por isso, quando os pajés todos estiverem

mortos, vocês não conseguirão livrar-se dos perigos que eles sabem repelir”.

O depoimento do líder Davi Kopenawa Yanomami é bastante significativo e pode

nos ajudar a conhecer melhor as concepções e o modo de vida Yanomami.

a. A partir das palavras de Kopenawa, como você descreveria a situação dos Yanomami?

b. Qual é a mensagem transmitida pelos Yanomami para o homem branco?

De acordo com a tradição oral Yanomami e documentos antigos, o centro histórico de sua localização situa-se

no extremo oeste do estado de Roraima, que até hoje é a área mais densamente povoada de seu território. A dispersão

dos Yanomami iniciou-se na primeira metade do século XIX, após a penetração colonial na região. Mas esse processo

só foi possível por causa do aumento da população que durou até o começo do XX. Acredita-se que esse crescimento

demográfico aconteceu em função de transformações econômicas motivadas pela descoberta de novas plantas de

cultivo e pelo uso de ferramentas metálicas adquiridas através de guerras (ou em trocas com grupos indígenas vizinhos).

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Módulo 1 • Unidade 4122

Os primeiros contatos diretos ocorreram entre as décadas de 1920 e 1940 com representantes da fronteira

extrativista local, soldados da Comissão de Limites, funcionários do SPI (Serviço de Proteção aos Índios) ou viajantes

estrangeiros. Os pontos de contato permanente se deram a partir da abertura de postos do SPI e de missões católicas

e evangélicas.

A partir dos anos 1970 e 1980, diversos projetos de desenvolvimento do Estado lançados pelos governos

militares submeteram os Yanomami ao contato mais intenso. A construção de estradas, os garimpos, as serrarias

e os projetos de colonização provocaram surtos epidêmicos, altas perdas demográficas e graves fenômenos de

desestruturação social.

Dentro deste quadro, podemos destacar a “corrida do ouro” do final da década de 1980, quando a publicidade

dada ao potencial mineral do território Yanomami atraiu algo em torno de 35 mil garimpeiros. Este número

representava cerca de cinco vezes a população indígena local.

Os projetos de colonização criaram um fluxo migratório direcionado para

Roraima, que tende a ultrapassar os limites da demarcação das terras Yanomami.

Estes limites foram apagados por um incêndio que atingiu o estado em 1998. Além

disso, três bases militares do Programa Calha Norte foram implementadas nas

áreas Yanomami, provocando graves problemas sociais (tais como a prostituição)

e suscitando protestos de lideranças Yanomami, como podemos evidenciar no

depoimento do líder Davi Kopenawa.

As aldeias Yanomami são feitas em forma de cone. São chamadas de Yano

ou Xapono. As casas são coletivas e funcionam como uma unidade econômica e

política autônoma.

Todos os grupos sustentam uma rede de relações e se consideram aliados,

formando uma complexa malha sociopolítica que liga as aldeias. Aqueles que

estão fora deste espaço são vistos com desconfiança, são os “outros” (yaiyo thëpë),

categoria na qual os brancos (napëpë) estão incluídos.

O espaço da floresta é usado circularmente. O primeiro círculo (num raio

de cinco quilômetros) corresponde a uma área de uso imediato da comunidade:

pequena coleta feminina, pesca e atividades agrícolas. O segundo círculo é a

área de caça individual e da coleta familiar. O terceiro é onde acontecem as caças

coletivas e os rituais funerários. Os Yanomami também costumavam passar alguns meses do ano em acampamentos

provisórios nas florestas, no entanto, essa prática diminuiu com o contato regular com os brancos.

Programa Calha Norte

Trata-se de um programa do go-

verno federal, iniciado em 1985,

com o objetivo de proteger as

fronteiras do território nacional,

na região Norte do país. Ele foi

criado para impedir a entrada de

guerrilheiros na fronteira com a

Colômbia, mas também preten-

deu combater o narcotráfico e ou-

tras ações ilegais.

O Programa atua, através da pre-

sença militar constante na área de

fronteira, para criar uma “calha”,

isto é, um corredor de separação

entre o Brasil e os países vizinhos.

Mas, a infraestrutura necessária

para instalar as bases militares co-

loca em risco a autonomia do ter-

ritório e a vida das comunidades

indígenas.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 123

Para o Yanomami, a floresta é uma entidade viva e repleta de misticismo. Eles acreditam em espíritos, que

podem ser vistos e reconhecidos pelos pajés a partir da inalação de um pó alucinógeno. O ritual acompanha danças

e ornamentos coloridos.

A habilidade dos pajés em ver e responder os espíritos xapiripë faz deles os pilares da sociedade, um escudo

contra todos os poderes maléficos. Os xapiripë são “imagens” xamânicas de entes da floresta ou entidades cósmicas

(a lua, o sol, o trovão etc.).

Seção 3As sociedades africanas

Assim como os povos indígenas das Américas, os nativos africanos apresentam uma grande variedade cultural,

linguística e étnica. Existem milhares de línguas nativas da África, apesar dos países africanos terem em geral adotado

como línguas oficiais os idiomas europeus de seu período de colonização. Mandinga, ioruba, suaíli, banto e zulu são

algumas das línguas faladas pelos nativos africanos antes da chegada dos europeus e que se mantêm vivas até hoje.

A existência de sociedades complexas e urbanizadas na África pré-colonial foge do estereótipo de uma África

essencialmente selvagem e não civilizada. Tal imagem é em grande parte fruto de uma visão etnocêntrica, isto é, da

ideia de que todas as civilizações devem ter a mesma aparência que a nossa, de que só é civilizada a sociedade que

se porta como a civilização ocidental. Para entendermos um pouco melhor as sociedades africanas e suas civilizações,

vamos olhar para suas formas de organização.

A organização política dos grupos nativos africanos também era muito diversificada. Pequenas aldeias e

grandes reinos coexistiam. A maior parte da população africana vivia em aldeias. Essas eram formadas por diversas

famílias, cada uma com seu chefe, em geral o homem mais velho, que obedecia ao chefe da aldeia. Trabalhava-se em

conjunto e repartia-se a produção entre as famílias. Já os reinos eram formados pela união de diversas aldeias, com

uma capital na qual residia um chefe maior, um rei, com autoridade sobre os outros chefes locais.

Os reinos africanos funcionavam de modo muito semelhante aos reinos absolutistas europeus: o rei detinha

poder quase que total e não havia separação dos poderes. Sua capacidade em arrecadar fundos (em geral através

do controle do comércio) e de formar fortes exércitos era o principal meio de se manter no poder. Entre os principais

reinos da África Ocidental (de maior contato com o Brasil), podemos destacar os reinos de Gana, Mali e Ioruba.

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Módulo 1 • Unidade 4124

Figura 2: A África pré-colonial possuiu diversos reinos e impérios, o comércio era intenso e existiam diversas cidades.

O comércio era altamente desenvolvido e já ligava os povos da África subsaariana com os muçulmanos do

norte da África muito antes da chegada dos Europeus, com as grandes navegações. As cidades de Tombuctu e Djenné

cresceram e prosperaram em função de sua condição de entrepostos comerciais entre as rotas que

atravessavam o saara (através de caravanas a camelo) e as que vinham do sul do continente.

Ali se cobravam taxas dos comerciantes que paravam para reabastecer seus suprimentos de água e comida,

assim como dos produtos lá comercializados. Com a riqueza adquirida pelo comércio, essas cidades tornaram-se

grandes centros urbanos, com templos (mesquitas), escolas e universidades. Por ali, passavam produtos, como: sal,

ouro, tecidos, alimentos e escravos.

A escravidão de africanos transportados para América, região do Mediterrâneo e Ásia provocou um violento

despovoamento do continente. Dados recentes estimam que, entre os séculos XVI e XIX, cerca de 12,5 milhões de

africanos foram escravizados e retirados do continente. Destes, cerca de 5,6 milhões deixaram o continente durante

o século XVIII, em virtude do aumento da produção de algodão nos Estados Unidos e da descoberta e extração de

ouro em Minas Gerais, no Brasil.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 125

Da região da África Ocidental, saíram quase 60% do total de escravizados, seguida pela região do atual Congo

e Angola. Essas duas regiões foram, portanto, as mais atingidas.

Figura 3: Mapa da Divisão da África utilizada pela Organização das Nações Unidas (ONU).

África Ocidental

Norte da África

África Central

África Oriental

África Austral

Escravidão na África

O comércio de escravos era uma prática existente na África, desde tempos remotos. No entanto, foi

apenas com a chegada dos europeus que o tráfico de pessoas tornou-se um grande negócio no conti-

nente. Isto motivou inúmeras guerras que tinham como objetivo a captura de pessoas a serem vendi-

das como escravos a mercadores europeus, que os levariam ao continente americano.

A escravidão na África pré-colonial não era a mesma que no período posterior. O escravo era integrado

a uma família e era propriedade coletiva da mesma, não estando sujeito a um único indivíduo e era

também vinculado a ela, não podendo ser vendido. Seus filhos nasciam livres e ele mantinha certa

autonomia econômica e cultural, embora fosse obrigado a pagar diversos tributos aos seus senhores.

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Módulo 1 • Unidade 4126

Com o início do tráfico de escravos (conhecido também como “tráfico negreiro”), mobilizado pelos

europeus, a prática da escravidão espalhou-se por regiões onde até então esta atividade era escassa.

A atração dos altos lucros, obtidos pelo comércio de seres humanos com povos europeus, fez com

que este se tornasse a principal fonte de renda de muitos Estados africanos, que passaram a concen-

trar seus esforços na captura e na venda de escravos. Para isso, o investimento na força militar, com o

crescimento de exércitos e a utilização de armas modernas, obtidas junto aos colonizadores europeus,

mudou a dinâmica entre os povos africanos.

Aldeias inteiras desapareçam, outras ficaram tão despovoadas que se tornaram alvo fácil de etnias rivais e

saqueadores. As relações sociais e econômicas entre diversas sociedades foram radicalmente transformadas ou

dissolvidas. A drástica diminuição populacional de algumas regiões desorganizou o comércio, interferiu diretamente

na agricultura, na pesca e na produção artesanal.

Além disso, foram aprisionados e escravizados líderes religiosos, sábios, guerreiros, matriarcas e outras figuras

importantes nas comunidades tradicionais. Isso abalou as estruturas religiosas tradicionais, os conhecimentos orais

sobre a natureza, a medicina e o mundo após a morte, além dos vínculos familiares e de parentesco.

Da perspectiva africana, a escravidão é chamada de diáspora negra

ou diáspora africana, pois, foi um processo de imigração forçada para fora do

continente. A história da África foi, portanto, marcada por um divisor de águas:

depois da diáspora as mais diversas sociedades e reinos haviam se transformado

radicalmente. Alguns enriqueceram e se tornam poderosos, aliando-se aos

europeus; outros tiveram que imigrar fugindo do cativeiro; outros ainda quase

desapareceram e tiveram que reorganizar suas tradições e seu modo de vida.

No final do século XIX, quando a escravidão foi, finalmente, abolida pelos países europeus e na América,

o continente africano viveu, então, outra forma de conquista. Em virtude da expansão do capitalismo, a África foi

dividida e transformada em colônia das potências europeias. Inglaterra, França, Holanda, Bélgica, Portugal, Espanha

e Alemanha praticamente retalharam o continente em regiões coloniais. Cada país incorporou vastas regiões ao seu

domínio ou transformou os Estados africanos em “protetorados”, isto é, territórios sob proteção dos Estados europeus.

A partir da metade do século XX, um intenso movimento de libertação se espalhou por todo o continente,

provocando guerras de independência. Um a um, os países africanos se tornaram nações soberanas. Em 1975, Angola e

Moçambique eram as duas últimas colônias na África, quando derrotaram Portugal e se proclamaram independentes.

Diáspora

Significa a dispersão de um povo

ou de alguns de seus membros,

por motivação política ou religio-

sa.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 127

Observe atentamente o mapa abaixo, com a divisão política do continente africano,

depois responda às questões a seguir:

a. Compare esse mapa com o mapa anterior que indica as grandes regiões do

continente. Depois, procure identificar quais países da África atual estão na região

Ocidental do continente.

b. Qual foi a importância dessa região durante o período da diáspora africana?

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Módulo 1 • Unidade 4128

Agora vamos analisar a história do povo iorubá, identificando suas características culturais, seu modo de vida

e suas transformações ao longo do tempo.

Um povo chamado Iorubá

Os iorubá são um grupo étnico da África Ocidental que compartilha uma história ancestral, uma cultura e,

principalmente, o idioma (também chamado iorubá). Historicamente, também possuíam a mesma religião e um

único Deus, chamado de Olodumare ou Olorun. A narrativa que abriu essa unidade vem da tradição religiosa iorubá.

Essa religião inspirou a formação do candomblé, no Brasil e a santeria, em Cuba. Atualmente, a maioria dos iorubá é

cristã, cerca de 25% é muçulmana e os demais ainda professam a religião tradicional.

Estima-se que existam cerca de 30 milhões de iorubas vivendo no continente africano (Nigéria, Benin, Togo,

Gana e Serra Leoa), mas há descendentes de iorubás em Cuba, na República Dominicana e no Brasil.

Os iorubás habitam aquela região africana, chamada de Golfo da Guiné, desde o primeiro milênio da Era Cristã.

Eles eram originários de processos migratórios e da miscigenação com povos locais. Desde o século XI (1001-1100) há

registros da presença da cultura iorubá na região e da existência de núcleos urbanos bem estabelecidos.

Os iorubás viviam em Cidades-Estado independentes e até o século XVIII não tinham uma identidade comum.

Em outras palavras, eles não se autodefiniam como “iorubás”, mas se viam como pertencentes a estas cidades.

Profundamente urbanos, construíram suas cidades nas bordas das grandes florestas do golfo da Guiné. Eles

mantinham intensas trocas comerciais entre si e com regiões distantes, cujos contatos se faziam por tradicionais rotas

de comércio que atravessavam o continente africano.

Duas cidades tiveram grande destaque em épocas diferentes, Ilé-Ifé e Oyo. Elas se transformaram em pequenos

reinos, definidos por um poder político dinástico, isto é, sob o comando de uma linhagem de parentesco, a dinastia.

Mas, nunca houve um império iorubá centralizado, dominando as outras cidades, nem uma identidade cultural forte

o suficiente para agregá-los.

O poder político era exercido por uma aristocracia que controlava as armas, o comércio e cobrava os impostos.

Além disso, as práticas religiosas eram dominadas por um sacerdote que também estava associado à elite local. Ele

exercia o papel de mediador entre o mundo terrestre e o mundo espiritual, uma espécie de “tradutor” dos desígnios

das entidades divinas.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 129

Até o século XVI, comerciantes árabes tiveram importância relevante na transformação da região. Além da

constante troca de mercadorias, eles também trouxeram a religião islâmica para diversos povos, como os iorubás

e os hauças (ou haussás).

A partir do século XVI, no entanto, a presença europeia e o início da diáspora negra transformaram bastante

as sociedades iorubás. Cabe ressaltar não apenas o despovoamento da região, mas o caráter violento do tráfico e

das relações estabelecidas com os europeus e entre os povos vizinhos. Houve uma intensa cristianização levada

adiante por missionários católicos e pela imposição da Coroa portuguesa. Posteriormente, nos séculos XVIII e XIX, a

interferência britânica trouxe também religiões protestantes, como a anglicana e a metodista.

O domínio político europeu interferiu nos assuntos locais e submeteu as cidades ao controle de um

administrador e das tropas militares. Além disso, durante o século XVIII, o reino do Daomé, situado no atual Benim,

expandiu-se por toda a região, beneficiado pelo comércio de escravos. O crescimento do Daomé colaborou

decisivamente para ampliar a escravidão de iorubás e enfraquecer algumas cidades importantes, como Oyo.

Parte significativa de escravos que vieram para a Bahia, principalmente no século XIX, era de origem iorubá.

Como os traficantes (e os europeus, em geral) não consideravam a diversidade cultural africana, os registros da

entrada dos escravos não estavam vinculados ao grupo étnico ou linguístico. Registrava-se o “tipo” africano a partir

dos portos de origem, na África. Esses portos, porém, reuniam povos de diversos grupos étnicos, inclusive, grupos

rivais. Assim, todos os escravos vindos do porto estabelecido em Moçambique, por exemplo, eram chamados de

“escravos moçambiques”.

Também era comum que os traficantes utilizassem o nome dos grupos de escravos a partir da nomenclatura

utilizada pelos comerciantes africanos que os aprisionavam. No caso dos iorubás, eles foram chamados na Bahia

de nagôs. Até hoje a palavra “Nagô” ou “Anago” é utilizada para identificar a cultura iorubá, inclusive, nos rituais

religiosos. No entanto, “nagô” era o nome dado aos iorubás que viviam no reino de Ketu, atual República do Benim.

A designação vinha de outro idioma, o Fon, falado pelo povo do Daomé, e tinha um significado negativo.

Na Bahia, em Cuba e em certas regiões do sul dos Estados Unidos, a presença da cultura iorubá marcou

profundamente as práticas culturais e religiosas. O surgimento do candomblé e, por extensão, da umbanda no

Brasil e da santeria, em Cuba, foi resultado da incorporação e transformação da religião tradicional iorubá.

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Módulo 1 • Unidade 4130

Leia o trecho abaixo e responda a pergunta a seguir:

“Todos esses reinos, todas essas organizações, frequentemente instáveis, possuem

longa história de lutas e guerras que poderiam bloquear alternativamente as rotas do

tráfico ou, ao contrário, abrir aos negreiros novas fontes de cativos. Em todo caso, é certo,

porém, que a chegada à África das poderosas nações europeias, bem armadas e ávidas de

lucros, contribuiu para aviventar as rivalidades, alimentou as guerras tribais e sobretudo

abalou fortemente esses conjuntos sociais e culturais, e fez desabarem certas tradições”.

(Kátia de Queirós Mattoso. Ser escravo no Brasil. 3ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 2001, pp. 27-28)

Tendo em vista o trecho acima, justifique por que é possível afirmar que a chegada

dos europeus ocasionou uma grande mudança na organização política e social dos povos

africanos?

ResumoNesta aula, nós vimos que:

� A diversidade cultural e étnica do mundo é um elemento importante do desenvolvimento humano.

� O desrespeito contra a cultura dos outros povos e a ignorância sobre as diferenças culturais provocaram,

historicamente, preconceitos e racismos que atingiram diversas sociedades.

� As sociedades indígenas e africanas foram as mais atingidas pelo olhar etnocêntrico dos colonizadores eu-

ropeus, desde o século XVI. Também foram essas sociedades que reagiram com maior força a esse processo

de dominação.

� Entre as centenas de povos indígenas que habitam o território brasileiro, há uma imensa diversidade cul-

tural que envolve variedade de idiomas, de práticas religiosas e organização política. Cada povo também

interagiu com o homem branco de modos distintos.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 131

� Os guaranis, ianomamis e xavantes viveram diferentes formas de contato com o colonizador branco desde

o século XVI até os nossos dias.

� As sociedades africanas também possuem uma multiplicidade de formas de organização sociocultural, em-

bora todas tenham vivido o impacto provocado pela diáspora africana.

� Chamamos de diáspora o processo de despovoamento do continente africano provocado pelo tráfico de

escravos para os demais continentes, especialmente, a América.

� Os iorubás constituem um dos povos africanos que habitam a região Ocidental do continente e se transfor-

maram profundamente ao longo dos séculos.

� A partir da diáspora africana, os iorubás sofreram a influência das religiões ocidentais, especialmente, do cris-

tianismo, mas também difundiram sua cultura para as regiões da América, para onde foram como escravos.

Veja ainda...

Filmes

� Hans Staaden. Direção: Luiz Alberto Pereira. Brasil, 2000, 92 min.

� Apresenta a história de um náufrago alemão que é capturado por uma tribo Tupinambá, no século XVI.

Apresenta também o cotidiano de uma sociedade indígena brasileira. Realizado a partir do relato real de

Hans Staaden.

� Kiriku e a Feiticeira. Direção: Michel Ocelot. França/Bélgica, 2000, 71 min.

� Desenho animado, premiado na Europa, que representa um mito de algumas sociedades tradicionais da

África ocidental. Nele podem ser observados valores e costumes de alguns povos africanos.

Sites

� Site da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), órgão federal responsável pela política indigenista brasileira.

Funai. http://www.funai.gov.br/

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Módulo 1 • Unidade 4132

� Site do Instituto Socioambiental (ISA), organização social que pesquisa e defende os direitos dos povos indí-

genas no Brasil. O site possui um acervo sobre Povos Indígenas no Brasil com informações ricas e detalhadas.

http://www.socioambiental.org/

� Espaço cultural, relacionado ao continente africano. Possui grande acervo de textos e imagens relacionadas

à África.

Casa das Áfricas: http://www.casadasafricas.org.br/

Referências

Livros

� LADEIRA, Maria Inês. Espaço Geográfico Guarani-Mbya. Significado, Constituição e uso. Maringá, PR,

EDUEM: São Paulo, Edusp, 2008.

� SERRANO, Carlos; WALDMAN, Maurício. Memória D’África. A temática africana em sala de aula. São Paulo,

Cortez, 2008.

� PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo, Companhia das Letras, 2001.

Imagens

  •  http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=view&id=555012  •  Elvis Santana.

  •  http://www.sxc.hu/photo/1024351  •  Sias van Schalkwyk

  •  http://commons.wikimedia.org/wiki/File:German_Woman_Portrait_-_Dutch_summer_festival_of_the_Re-dhead_Day_in_Breda,_September_2010.jpg?uselang=pt-br   •  Eddy Van 3000 

  •  http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Kayan_woman_with_neck_rings.jpg  •  Steve Evans   

  •  http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/86/African_continent-pt.svg

  •  http://www.sxc.hu/photo/517386  •  David Hartman.

  •  http://www.sxc.hu/985516_96035528.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 133

Atividade 1

Falar em “descobrimento” do Brasil implica em etnocentrismo por se desconsiderar

a presença dos povos indígenas nas terras brasileiras. O território encontrado pelos

portugueses já era ocupado por grupos humanos. Chamar a chegada de Cabral de

“descobrimento” implica na desqualificação dos índios enquanto integrantes de sociedades

que já habitavam a região.

Atividade 2

Os Guarani demonstraram a capacidade de se reorganizar diante do contato com o

homem branco. Os esforços de territorialização por parte do Estado obrigaram os Guarani

a viverem em uma área fixa, que foi chamada por eles de tekoha. Por meio do tekoha eles

substituíram a noção de um vasto território com fronteiras distantes, pela noção de um

território necessário à sua sobrevivência. Portanto, nota-se que os Guarani transformaram-

se culturalmente a partir do contato com o branco.

Atividade 3

a. Kopenawa revela a situação difícil dos Ianomami diante da poluição provocada

pelo garimpo de ouro nas suas terras. Para ele, essa situação irá levar a morte do

povo Ianomami.

b. O texto afirma que a fumaça produzida pela extração do ouro também faz mal

ao homem branco e à terra. Além disso, o texto informa que são os pajés que

conhecem os perigos da xawara. Quando eles morrerem, não haverá ninguém

capaz de identificar e repelir os perigos e, consequentemente, ninguém poderá

salvar o homem branco.

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Módulo 1 • Unidade 4134

Atividade 4

a. Os países são Benim, Burkina Faso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana,

Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa

e Togo.

b. Essa região teve grande importância no período da diáspora africana, uma vez

que lá foram escravizados cerca de 60% do total de africanos vendidos para o

tráfico internacional. Portanto, foi a região mais atingida em todo o continente.

Atividade 5

Com a chegada dos povos europeus, o tráfico de escravos torna-se a mais lucrativa

fonte de renda do comércio africano. No entanto, para se obter novos escravos que

alimentariam esse comércio, diversos Estados fortaleceram seus exércitos e travaram

diversas guerras e ataques a povos que anteriormente se encontravam em paz. Isto

ocasionou mudanças drásticas na organização política e social desses povos.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 135

O que perguntam por aí?

(ENEM 2009, questão 54)

Os Yanomami constituem uma sociedade indígena do norte da Amazônia e formam um amplo conjunto

linguístico e cultural. Para os Yanomami, urihi, a “terrafloresta”, não é um mero cenário inerte, objeto de exploração

econômica, e sim uma entidade viva, animada por uma dinâmica de trocas entre os diversos seres que a povoam. A

floresta possui um sopro vital, wixia, que é muito longo. Se não a desmatarmos, ela não morrerá. Ela não se decompõe,

isto é, não se desfaz. É graças ao seu sopro úmido que as plantas crescem. A floresta não está morta pois, se fosse

assim, as florestas não teriam folhas.

Tampouco se veria água. Segundo os Yanomami, se os brancos os fizerem desaparecer para desmatá-la e morar

no seu lugar, ficarão pobres e acabarão tendo fome e sede.

ALBERT, B. Yanomami, o espírito da floresta. Almanaque Brasil Socioambiental. São Paulo: ISA, 2007 (adaptado).

De acordo com o texto, os Yanomami acreditam que

a. a floresta não possui organismos decompositores.

b. o potencial econômico da floresta deve ser explorado.

c. o homem branco convive harmonicamente com urihi.

d. as folhas e a água são menos importantes para a floresta que seu sopro vital.

e. Wixia é a capacidade que tem a floresta de se sustentar por meio de processos vitais.

A alternativa correta é a letra “e”.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 137

Caia na rede!Nesta aula, nós vimos o que é o etnocentrismo, isto é, uma visão de mundo que tem a própria cultura como

modelo e que, portanto, avalia as demais culturas como inferiores ou “atrasadas”. Vimos também que o etnocentrismo

é responsável pela gênese de preconceitos e - o que é muito mais grave - serve como pretexto para invasões de

território e apropriação de bens pertencentes a culturas alheias. O etnocentrismo é tão perigoso que pode justificar

até a escravidão!

Por outro lado, há de se reconhecer que os valores da nossa cultura são tão arraigados em nós, que não temos

como observar uma cultura diferente da nossa de forma imparcial, isto é, sem levar em conta as concepções e valores

que dispomos de antemão.

Tendo isso em vista, acesse o link a seguir e leia o artigo intitulado “Ritos Corporais Entre os Sonacirema “. É um

artigo interessantíssimo, que é amplamente difundido nos cursos de Ciências Sociais.

http://pessoal.educacional.com.br/up/20021/1111376/t1348.asp

E aí, gostou? No início do texto, parece que estamos diante de um relato desses pesquisadores (etnógrafos)

que passaram um tempo morando com uma tribo primitiva. Ou seja, parece um típico texto de Antropologia, que

descreve os hábitos exóticos de membros pertencentes a uma sociedade em seu “estado natural”, isto é, antes do

contato com o “homem civilizado”.

Porém, no decorrer da leitura, percebemos que na verdade o texto trata da nossa civilização ocidental

contemporânea, com todos os seus costumes peculiares. O que nos confunde, a ponto de não identificarmos

inicialmente que o texto trata de nós mesmos, é o tom distanciado do antropólogo, como se ele não pertencesse à

nossa sociedade e não tivesse traços da nossa cultura.

Um detalhe que dificilmente é percebido na primeira leitura: você entendeu por que o autor deu o nome da

tribo de “Sonacirema”? Se você ler este nome no sentido inverso, da direita para esquerda, você notará: “Sonacirema”

é “Americanos” ao contrário!

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Anexo • Módulo 1 • Unidade 4138

Este artigo é um clássico e demonstra de forma clara como tendemos sempre a um etnocentrismo, ou seja,

temos a inclinação de compreender as demais culturas sob o viés da nossa, tendo os nossos valores como modelo.

Além disso, o artigo prova cabalmente que não há rituais exóticos ou, melhor dizendo, que os hábitos de culturas

alheias que julgamos esquisitos são apenas hábitos diferentes do que estamos acostumados a ver. E que os nossos

próprios hábitos são estranhos às demais culturas.