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1 Módulo 3 Língua Portuguesa: Práticas de leitura e escrita e a enunciação como unidade concreta da linguagem

Módulo 3_Português (1)- Final

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Módulo 3

Língua Portuguesa: Práticas de leitura e escrita e a enunciação como unidade concreta da linguagem

Sinara Bertholdo

Rossana Beraldo

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Caro(a) educador(a),

Refletir sobre o fenômeno da linguagem é essencial frente aos desafios que se apresentam para o professor de Língua Portuguesa num mundo de grande diversidade cultural e social. Como sabemos, o uso intenso da internet e a ampliação das redes sociais têm possibilitado novas formas de comunicação, bem como a criação de gêneros textuais diferenciados. Estamos na era digital em meio aos hipertextos, hipermídias, plurilinguísmos e multissemioses e, os profissionais que lidam com a leitura e a escrita podem ressignificar e (re)formular as práticas educativas trazendo novas ideias ou criando o novo em sala de aula.

Assim, convidamos você para participar deste estudo colaborativo, em ambiente online, onde vamos realizar análises de elementos linguísticos em sua dimensão enunciativa, dialógica e ancorada em sua natureza social. Aceita o desafio? Temos certeza de que este intercâmbio de conhecimentos e informações que você fará com seu tutor e seus(suas) colegas favorecerá a todos, afinal sempre temos algo para aprender ou ensinar, certo?

Iniciaremos pela compreensão de que nossa mente é cultural em sua natureza social e que a linguagem é um fenômeno social realizado por meio da enunciação em uma interação comunicativa a qual serve de expressão a um em relação ao outro. Em seguida, veremos como o sistema de normas e códigos da língua funcionam como instrumentos de mediação na interação social e como o resultado dessas interações se converte em funções psicológicas.

Para finalizar, vamos refletir sobre como promover o desenvolvimento da competência leitora e da produção escrita a partir da relação entre a experiência concreta do aluno em seu meio sociocultural na construção de significados, sobretudo, na escrita autoral.

Vamos em frente? Então, bom estudo!

As autoras

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Língua Portuguesa: Práticas de leitura e escrita e a enunciação como unidade concreta da linguagem

Caro(a) professor(a), propomos a você um olhar atencioso sobre as práticas de leitura e escrita tendo em vista os processos comunicativos enunciativos, entendidos aqui como unidades concretas de linguagem que se realizam em sua externalidade social e, internamente, em atividade mental singular, subjetiva. Sendo assim, como podemos organizar aulas que contemplem situações comunicativas, relacionando as práticas sociais em consonância às práticas escolares? É sobre isso que vamos falar.

1 Introdução

O texto, por muito tempo, era restrito ao conceito de junção de palavras, frases e orações, os estudos baseavam-se na análise da superfície textual no nível de construção frasal, a língua era considerada como um sistema autônomo de significação e era estudada em si e por si mesma (MARCUSCHI, 2008). Só a partir das novas tendências dos estudos linguísticos nas décadas de 50 a 60 que se iniciou a preocupação com a natureza discursiva da linguagem, o texto passou a ser considerado tanto em sua forma verbal como em sua forma não verbal. Vejamos a comparação da linguística estrutural (foco no código linguístico) e funcional (função da língua no meio social, refere-se à situcionalidade de uso do texto) neste extrato a seguir

“Eles são donos do campo, da bola e das camisas. Estão levando o time para a segunda divisão. Ainda assim, querem escolher o juiz”.

Se nossa análise tiver por base a estrutura do código linguístico como gramática, podemos pensar que se trata de um recorte de texto sobre esporte. Sem considerarmos o contexto onde foi enunciado e as condições histórico-políticas, não saberemos dizer que se trata de um texto político, dito por Geraldo Magela, sobre as pressões do anarcossindicalismo, em entrevista para Veja em 07 setembro de 2005. Observe, o enunciado ganha sentido quando consideramos o próprio ato e a situação em que ele se realiza: é coerente, informativo, intencional e contextualizado em seu tempo histórico e social.

Com essa gama de formas textuais, nosso campo de ensino e aprendizagem na seara da língua portuguesa é muito amplo, o que nos possibilita diversas atividades para trabalharmos em sala de aula. Os textos escolares quando pensados em um sistema formal à parte das esferas sociais, sem interação com o cotidiano do(a) aprendiz, prejudica o entendimento e a produção desses. Sendo percebido, muitas das vezes, como texto que não “comunica”, como a redação escolar, por exemplo, que só possui a função social de avaliações. Dessa maneira, ouvimos com frequência a reclamação de discentes sobre a feitura da redação escolar,

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provocando uma baixa autoestima e os(as) fazendo acreditar que não conseguem e não sabem escrever.

Muitas vezes, o tema dado para o texto a ser produzido não tem função operacional discursiva-enunciativa em relação ao possível sentido global dos enunciados emergidos em dada realidade. Sendo que o conteúdo informacional é um modelo, frequentemente, seguido por todos(as) alunos(as) e escriturado por meio de estruturas repetitivas, frases e expressões semelhantes, para não dizer idênticas, em um exemplo típico de prática de produção de textos tradicional.

Para mudar esse quadro, devemos transformar essa prática, considerando os textos, mesmo a redação, como efeitos sociais de sentido, abordando assuntos relevantes e contextualizando a realidade de nosso(a) aluno(a).

É importante que você e seus(suas) alunos(as) pesquisem e aprendam com extratos reais da língua em contexto. Veja cinco sugestões que elaboramos para você que foram pensadas a partir do módulo 2. Se você optar pelo uso de recursos tecnológicos e da internet terá diversas possibilidades para promover o desenvolvimento da competência leitora e produção escrita.

1. Partindo do estudo sobre o “internetês”. O que é e qual sua origem? Quais são as formas que seus alunos costumam usar (linguagem de MSN, emoticons, ícones, tags, e-mail)? Escolha um gênero e proponha uma atividade, por exemplo, produção de uma carta ou bilhete utilizando o internetês, depois proponha que façam uma transposição do conteúdo para letra de música nos estilos que lhes agradam: hip hop, rap, rock, pop, forró, sertanejo, eletrônica etc. (vide página 18 do módulo 2).

2. Proponha um estudo histórico sobre a propaganda (ou outro foco de pesquisa) ao longo das décadas, basta escolher um tema: consumo, identidade, uso da linguagem, questão de gênero etc. Utilize com seus alunos o acervo da revista Veja, divida a turma em grupos para que cada um analise uma década: 1960, 1970, 1980, 1990, 2000 e 2010. Solicite que escrevam colaborativamente um paper (síntese) e que elaborem uma apresentação em power point para apresentação de seminário. Para finalizar, faça uma roda de discussão para que digam o que aprenderam, façam sugestões aos colegas, compartilhem suas experiências quando do desenvolvimento da pesquisa.

< http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx>

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3. Convide os(as) professores(as) de Biologia, História e Educação Física para realizar projeto transdiciplinar sobre questões contemporâneas: Água e Sustentabilidade do Planeta, Consumo e Resíduos Industriais, Saúde e Bem-estar, História da Arte no Mundo e no Brasil, procure incluir um objetivo de cunho social para que seus alunos se engajem, posteriormente, em projetos sociais. A partir de uma proposta conjunta, poderão produzir ensaios, carta ao editor, webjornal, panfletos (que podem ser entregues por eles nos parques e na comunidade), paletras nas comunidades e produção de microvídeos gravados por meio do celular ou câmera fotográfica (como indicado no Módulo 2 sobre as ferramentas livres).

No link a seguir, você encontrará diversos temas contemporâneos que podem ser trabalhados.

<https://www.youtube.com/watch?v=k7drtDdKxcE&list=PL34BB806DEFACDB9A>

4. Trabalhar com memoriais é uma ótima forma de despertar a autoria, pois todos têm uma história para contar. A partir da apresentação do vídeo no TED Talks Conception to birth (Da concepção ao nascimento), solicite que escrevam o memorial de vida, pode ser produzido no formato de animação em vídeo com imagens que mais lhes agradam. Fica a critério dos alunos apresentar para a turma ou não. Esse tipo de atividade trabalha a emoção e a identidade pessoal.

<http://www.ted.com/talks/alexander_tsiaras_conception_to_birth_visualized.html>

5. Faça com seus alunos uma imersão histórica sobre um tema para depois produzirem textos coerentes com a realidade social, para tanto precisarão pesquisar sobre o assunto de interesse comum. Antes, convide outros professores de outras áreas para organizarem o projeto transdisciplinar, poderão trabalhar com temas relacionados à brasilidade, por exemplo, questões relacionadas à Cultura: Português (regionalismo/dialeto/estrutura sintática/jornal local etc.); Biologia (fauna e flora local/classificação científica/texto científico etc.); História e Arte (folclore/dança/culinária/música/arte); Geografia (leitura de mapas e gráficos, uso de motores de busca na internet etc.). Use os buscadores do Google como indicado no módulo 2 para ampliar o estudo.

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2 Uso da linguagem em diferentes contextos

A eficiência da comunicação depende do uso adequado do nível de linguagem. Certamente, você não fala da mesma maneira com seus(suas) alunos(as) e com seus(suas) amigos(as). Igualmente, você não escreve um texto da mesma forma, o público-alvo, a situação social, o meio de veiculação serão importantes informações para a produção textual. Esses critérios de escrita devem ser ensinados aos nossos(as) alunos(as).

LINGUAGEM FORMAL: utiliza-se em determinados ambientes sociais, mais na forma escrita do que na oral. É de uso, principalmente, nos meios diplomáticos e científicos; nos discursos e sermões; nos tratados jurídicos e nas sessões de tribunal. O vocabulário deve ser rebuscado e as normas gramaticais são usadas em sua plenitude.

LINGUAGEM INFORMAL (COLOQUIAL): utiliza-se na vida cotidiana, sem embargo do conhecimento padrão da língua. É usado, normalmente, na linguagem do rádio, da televisão (menos em telejornais); em meios de comunicação de massa (rede sociais, por exemplo); conversas de bares. O vocabulário é mais regionalizado e o uso do padrão gramatical é relativo, em que se permite um menor monitoramento.

Como dissemos, o texto é uma unidade significativa e sua inserção no contexto social depende de sua dimensão dialógica. A propriedade semântica contida no texto é sempre organizada a partir do conhecimento partilhado em que se insere o discurso para o entendimento global de seu sentido. Sendo assim, é preciso considerá-lo no interior de outros discursos. Mas, que discursos são esses? Provavelmente, o(a) aluno(a) vai elaborar um texto que revela particularidades do meio onde está inserido(a), mesmo que esteja ‘fora dos padrões previamente estipulados’ o conteúdo pode ser considerado.

Caso não compreenda o que o aluno(a) expressou no texto, solicite que conte ou escreva uma justificativa, então será uma atividade dupla, o aluno exercitará a argumentação e desenvolverá o senso de responsabilidade por aquilo que pretende comunicar. Esse exercício pode ser útil para que nossos(as) alunos(as) passem a produzir textos claros que façam o seu(sua) leitor(a) entendê-los(as).

Quando solicitamos aos(às) nossos(as) alunos(as) para escrever somente sobre suas experiências, é possível que eles(as) apenas se aproveitem das conversações mais recentes em que ainda estão engajados(as) e dessa forma limitem a extensão e a variedade de seu pensamento e de sua escrita. Podemos, então, usar recursos para que o aluno amplie sua capacidade criativa, como exemplo, reescrever o texto produzido em outro gênero (contos, reportagens, ensaios, cordel, quadrinhos etc.) ou pensar numa volta ao passado ou projeção para o futuro. Esse tipo de atividade ativa a capacidade de criação e abstração, fundamentais para o

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desenvolvimento da escrita autoral. Sendo essa uma forma de apresentar novas oportunidades conversacionais que atraiam alunos(as) para comunidades públicas, profissionais e acadêmicas mais amplas.

Percebemos assim, conforme Bazerman (2011, p. 23), que os

[...] gêneros não são apenas formas. Gêneros são formas de vida, modos de ser. São frames para ação social. São ambientes para a aprendizagem. São os lugares onde o sentido é construído. Os gêneros moldam os pensamentos que formamos e as comunicações através das quais interagimos. Gêneros são os lugares familiares para onde nos dirigimos para criar ações comunicativas inteligíveis uns com os outros e são modelos que utilizamos para explorar o não familiar.

Assista ao vídeo 5 sobre o conceito de tipificação e o conceito de forma, com Carolyn Miller e Charles Bazerman, em :

<http://www.youtube.com/watch?v=MNbkDJe0yw4>

Dessa maneira, devemos diferenciar para com o(a) aluno(a) as produções escritas, posicionando os gêneros textuais (discursivos) de acordo com as situações sociais. Para que, dessa forma, o(a) aluno(a) possa perceber o uso de determinado gênero para determinada prática social.

Bakhtin (apud BAZERMAN, 2011, p. 260) “considera enunciados como comunicativos e vê nos gêneros discursivos uma estabilização situacional que influencia a referenciação, a expressividade e o direcionamento”, desse modo, é fundamental que a prática de sala de aula não se distancie do contexto social em que os alunos estão inseridos. Proponha que observem, em suas rotinas diárias, os diversos gêneros textuais (discursivos) que são veiculados, para que assim colaborem para a construção do aprendizado contextualizado, o que estabelece uma relação dialética entre o aprendizado formal e o aprendizado do dia a dia.

Produza uma atividade textual com seus alunos que envolva prática rotineira.

Solicite que escrevam (em 10 linhas) a atividade diária da preparação até a chegada à escola. Quantas horas envolve a preparação. Quais são as atividades que antecedem até a chegada à escola. Qual transporte utiliza e como é o trajeto. Esse tipo de tarefa requer síntese, você poderá sugerir também a elaboração de memorial, sinopse, bilhete etc.

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3 Relação entre leitura e escrita

A relação entre o que a pessoa lê e o que ela escreve já é amplamente discutida no âmbito dos estudos da linguagem. A questão é que nem sempre se levam em consideração as leituras que o aluno faz em seu meio, como a leitura de um filme, de uma música, de um outdoor publicitário, dos posts do facebook, entre outras, tão usuais pelos(as) nossos(as) alunos(as) na sociedade contemporânea.

A falta de atenção com esses letramentos nos levam à falácia de que no Brasil não se lê. Pelo contrário, nunca na história lemos e escrevemos tanto. Ainda não são lidos, como o desejável, os clássicos da literatura brasileira, mas temos um ponto de partida que nossos(as) antecessores(as) não tinham, hoje eles/elas leem não exatamente o que a escola exige, mas leem. Isso deve ser levado em consideração, se quisermos instigá-los(as) a leituras formais e mais intelectualizadas.

No momento que trazemos para sala de aula textos como o da música supramencionada, que é conhecida e entendida por eles(elas), rompemos um paradigma social e inovamos nossas práticas de letramento.

A valorização da cultura local situa os textos e transforma as práticas de letramento, as quais são construídas nas práticas sociais, sempre em uma relação dialética. Assim, a compreensão dos textos será compreendida em um ambiente mais familiar, desconstruindo o mito de não se saber ler e escrever.

Trabalhar com o(a) estudante os gêneros textuais (discursivos) recorrentes no seu meio social aproxima a construção do saber formal com os seus saberes de mundo já apreendidos em sua rotina. Portanto, não podemos ignorar o contexto em que a escrita ocorre, pois estaríamos negligenciando um aspecto importante do ensino e aprendizagem da leitura e da escrita. O conhecimento adquirido e as formas de escrita circunscrevem o que e como uma pessoa pode escrever.

Desse modo, podemos ajudar o(a) aluno(a) a descobrir as motivações pessoais para aprender a escrever. Tarefas de escrita específica podem ajudá-los(as) a se tornarem leitores(as) mais perceptivos(as) e podem ajudar a destruir a tendência à falta de articulação ou à vagueza que resultam de uma leitura puramente privada. O(A) aprendiz precisa descobrir as declarações importantes e aqueles elementos que unificam a escrita como um todo.

À medida que tentam conciliar o que eles(elas) leem com o que eles(elas) já pensam, os(as) educandos(as) começam a explorar suas pressuposições e modelos de pensamento. Inicialmente suas respostas podem ser pouco fundamentadas, ora rejeitando o novo material, ora concordando totalmente com o que parece ser a autoridade da palavra escrita. Diferentes tipos de exercício encorajam o desenvolvimento de reações

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mais amplas e reflexivas: comentários sobre a leitura; anotações sobre seu entendimento do texto e anotações sobre o conteúdo e o ensaio de resposta informal.

Os comentários sobre a leitura desempenham papel importante na construção da memória acadêmica, as anotações aumentam a consciência do(a) aluno(a) acerca de suas respostas e o ensaio de respostas informais permite o desenvolvimento crítico.

A competência escrita

Em geral, as gramáticas partem de exemplos de textos extraídos do meio social, que são vistos como modelos ou formatos mais ou menos estáveis de diferentes situações comunicativas do cotidiano. Pertencem às categorias do discurso que correspondem às necessidades diárias mais utilizadas pelas pessoas nas interações comunicativas. Facilitam a comunicação em uma atividade porque identificam o domínio discursivo em que os interlocutores se orientam nos contextos e situações das práticas sociais (MARCUSCHI, 2008). Os modelos de ação comunicativa parecem estáveis e dão impressão de que podemos transmiti-los de geração a geração, porém, tendo em vista o conceito de língua viva e dinâmica perceberemos que os gêneros acompanham essa evolução. Os gêneros passam por transformações juntamente ao processo dinâmico da linguagem, umas mais evidentes, outras imperceptíveis, isso dependerá da intencionalidade enunciativa.

Tipo textual, gênero textual e domínio discursivo, noção conceitual

a) Tipo textual caracteriza-se mais como sequência linguística (sequenciação de enunciados, um modo retórico) do que como textos materializados, o que podemos, rigorosamente, perceber como modos textuais. Os tipos textuais, de modo geral, abrangem uma média de 6 (seis) categorias mais conhecidas, quais sejam: narração (tempo), descrição (detalhe), injunção (ordem), exposição (ideia) e argumentação (alegação). O conjunto de categorias para designar tipos textuais é limitado e sem tendência a aumentar, já os gêneros textuais são constituídos por sequências estruturais dos tipos textuais. Veja a seguir.

b) Gênero textual (discursivo) são os textos materializados em situações comunicativas recorrentes, textos concretizados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos. Os gêneros podem ser definidos por sua funcionalidade, pelo seu objetivo enunciativo e pelo seu estilo realizado integrado às questões históricas, sociais, institucionais e técnicas. Em

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contraposição aos tipos textuais, os gêneros são entidades empíricas em situações comunicativas e se expressam em designações diversas constituindo em princípio listagens abertas. Gêneros textuais (discursivos) mais recorrentes em nosso cotidiano: telefonema, email, sermão, entrevista, ofício, memorando, carta pessoal, carta comercial, bilhete, aula expositiva, letra de música, bula de remédio, lista de compras, aulas virtuais, entre outros.

c) Domínio discursivo constitui uma esfera das atividades humanas, sendo esse conceito relacionado ao sentido bakhtiniano de enunciação, pois indica parte do princípio de classificação de textos e indica instâncias discursivas, por exemplo: discurso jurídico, discurso jornalístico, discurso religioso, discurso publicitário, entre outros. Nas práticas discursivas, podemos identificar os gêneros textuais (discursivos) que são situados nas rotinas comunicativas institucionalizadas e nas relações sociais.

Há grande esforço em definir os gêneros textuais para que as pessoas tenham domínio dos discursos e suas modalidades, mas o observado é que são criadas sobreposições e formas híbridas de linguagem gerando gêneros inéditos, como exemplo, a interface gráfica e o desing de interação, que são exclusivamente do meio digital. Frente a essa complexidade e tendo em vista que essa evolução é contínua, como trabalhar a leitura e a escrita para as multissemioses na escola?

Interface gráfica: é uma forma de escrita baseada em elementos gráficos como ícones, fontes diferenciadas, relevos por meio de cores e transparências etc.

Design de interação: é uma forma de construção que procura prever a ‘arquitetura da informação’, ou seja, criando junções de linguagens que atuam na percepção, atenção e emoção. Ex: Movimentos, sons, imagens, repetições etc.

Partimos da ideia de que a cultura deve ser considerada nas práticas discursivas, afinal as práticas ocorrem em uma cultura e necessitam dos elementos semióticos que orientam os indivíduos em atividades situadas no plano coletivo. Para a psicologia cultural, a “Cultura é um campo dinâmico – semelhante a um oceano – em que as ondas se movem dinamicamente, modificando a forma da paisagem em que nos inserimos” (VALSINER, 2012), vista sob esse aspecto é recriada em “tempo real” de forma processual e dinâmica, como também a língua e os gêneros discursivos.

Por que unidade enunciativa como proposta? Porque “o sentido da palavra é totalmente determinado por seu contexto. De fato há tantas significações possíveis quantos contextos possíveis” (BAKHTIN, 2010, p. 109). O sujeito que enuncia fala a partir de sua externalidade social e utiliza o sistema de normas e códigos (fonética, morfologia, sintaxe, ortografia e enquadramentos textuais) para enunciar seu discurso interior, a

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enunciação, portanto, depende da exterioridade social e interioridade subjetiva do enunciador.

Dominar os gêneros discursivos existentes é possível? É garantia de que nossos(as) alunos(as) vão produzir textos? Então, de onde vamos partir? De um movimento que considera, primeiramente, a externalidade, tendo em vista a cultura pessoal, a produção autoral, a identidade discursiva do aluno. Afinal cada indivíduo tem um “auditório social próprio bem estabelecido, em cuja atmosfera se constroem deduções interiores, suas motivações, apreciações etc.” (BAKHTIN, 2010, p. 117).

Como fica então a questão do código linguístico e das normas? Temos de compreendê-los como instrumentos de mediação que servem às situações discursivas e às práticas comunicativas, juntamente aos signos, índices, ícones e símbolos de valor semiótico, que medeiam as situações de interação. O código linguístico é constituído de signos compartilhados por uma comunidade de falantes, e existem outras formas de simbolizar por meio de ícone, índice ou símbolo.

Ícone: mantém certa relação sensorial ou emotiva que representa um objeto. Ex:. O símbolo da Nike faz referência ao movimento, velocidade.

Índice: representa uma experiência subjetiva de imagem ou sinal compartilhado pela herança cultural. Ex.: fumaça/fogo; febre/infecção etc.

Símbolo: representa a ligação física com o objeto no sentido de associação ao objeto. Ex.: bandeira do Brasil/ nação brasileira; pombra branca/paz; cruz/cristianismo, os símbolos mudam conforme a cultura.

Com a entrada das redes sociais e o intercâmbio cultural provocado pela globalização, o signo, o ícone e o símbolo têm sido disseminados por meio de diversas fontes mídiáticas e seu alcance ultrapassa fronteiras culturais. Um exemplo seriam as logomarcas mundialmente difundidas: Nike, Adidas, Tim, Vivo, Apple, BMW, McDonalds, Coca-Cola, entre outras marcas semióticas da publicidade de persuasão cujo signo comporta uma

Mikhail Bakthin (1895-1975) Nasceu em Oriol, ao sudoeste de Moscou. Seus textos tratam de crítica literária, linguística, psicanálise e teoria social. Escreveu sobre as obras de Rabelais e de Dostoiévsky discutindo a relação entre o sagrado e profano; a cultura oficial e a cultura popular. Estudou o processo de interação enquanto diálogo, criando os conceitos de dialogismo e polifonia. É autor de Marxismo e Filosofia da Linguagem, Estética da Criação Verbal e A Cultura Popular na Idade Média ao Renascimento.

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infinidade de “valores sociais” ou “mitos de mercadoria” (SANTAELLA, 2011). Esses signos mercadológicos têm valor agregado por meio da transferência de características que atingem o campo afetivo, atuam nos sentimentos “secretos dos consumidores, suas esperanças, anseios, desejos, reconhecimento, afeto e possibilidade de participar de valores culturais” mundiais (Ibid) que muitas vezes não são compartilhados entre o grupo social ou linguístico.

O papel do educador(a) na sociedade do hiperconsumo é fundamental, pois nem sempre o tema é discutido no meio familiar. Muitas vezes o consumo é apreciado pela família que impõe valores na construção da identidade e identificação do indivíduo. Trabalhar essas questões tendo em vista a valorização das qualidades humanas pode promover a reflexão e, possivelmente, seus alunos terão muitos argumentos para produzir bons textos.

O processo de partir dos conhecimentos prévios sobre determinado tema visa criar vínculos mentais com a realidade vivida pelo(a) aluno(a) para que esse(essa) tenha argumentos suficientes para produzir textos coerentes e autorais. A memória dos eventos e as experiências do passado ou os conteúdos já apreendidos formarão a base para o desenvolvimento da produção escrita.

As aulas de leitura ou produção textual podem prever maior diversidade cultural e de linguagens na escola tendo em vista uma pedagogia para múltiplas leituras e produções textuais diferenciadas que contemplem as multissemioses.

Propostas de atividades para discutir as multissemioses dos textos em rede:

Assista ao vídeo no Youtube Criança, a Alma do Negócio para conhecer como os operadores semióticos modelam a mente das crianças e jovens, determinando limites de interpretação, regulando suas escolhas e estimulando continuamente a percepção que têm sobre o mundo.

<https://www.youtube.com/watch?v=dX-ND0G8PRU>

Convide seus alunos para discutir sobre as estratégias semióticas das mensagens publicitárias e como elas despertam nossa atenção para o consumo. Procure mostrar um vídeo ou documentário sobre o tema que pretende trabalhar após a exibição. Proponha uma roda de diálogo para conversarem, assim, poderão expor suas experiências, contar experiências reais vividas ou contadas por outras pessoas. Procure instigar e criar outras questões para promover novas reflexões. Depois poderá trabalhar a produção textual de ensaio, resenha, resumo, poesia, música etc. Poderá utilizar também as novas mídias para produção de vídeos e trabalhos em grupo.

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Leitura de hiperconto. Selecione gêneros textuais para serem trabalhados oralmente. Solicite que os alunos formem grupos para a produção de um conto, romance, suspense, noticiário ou qualquer outro tipo que mais lhes agrada. Utilizem o podcast para produzir o hiperconto, cada aluno deverá narrar um trecho e, quando tiverem todas as vozes gravadas, poderão remixar com diferentes fundos sonoros: ranger de correntes, tempestade, campainha, sinos, som de pássaros, barulho de motor etc. que estão disponíveis na rede. (vide página 64 do módulo 2 ). Podcast refere-se à gravação em Mp3, Mp4, Ipod etc.

Arteprojetos. Trabalhando o conceito de ética, estética e crítica a partir da reflexão de um objeto ou movimento artístico a fim de promover a experiência estética. Garcia et al (2012) propõe atividades baseadas na leitura de painéis como Guernica, de Pablo Picasso, Guerra de Cândido Portinari ou as gravuras de Goya Los desastres de la guerra. Você pode propor uma pesquisa sobre o pintor, sua época, movimento artístico, movimentos sociais, análise da obra, reconstrução da obra por meio da releitura que o aluno(a) faz na produção de painéis a partir de recortes de revistas ou uso de programas de computador como o photoshop ou paintbrush. Pode-se trabalhar com a produção de minicontos multimodais, nanopoesia, videoclipes, documentário, tendo em vista o protagonismo e dialogismo.

A competência leitora

Para o desenvolvimento da leitura, podem-se utilizar textos que estejam próximos à realidade do aluno no sentido de que esse possa reconstruir o caminho percorrido pelo autor quando da composição do texto. Sempre existirão lacunas na leitura por falta de conhecimento de algo não aprendido ainda, em que você, professor(a), poderá intervir. São nesses espaços vazios da incompletude do diálogo que o teor e o tom da leitura individual realizam-se. Descarta-se, assim, a ideia de que existe apenas a compreensão una de um texto e que o(a) aluno(a) não compreendeu como os demais. Cada um dentro de sua singularidade compreenderá a partir de seu conhecimento de mundo. É preciso levar em conta e incluir nos currículos a “multiplicidade cultural das populações e a multiplicidade semiótica de constituição dos textos por meio dos quais ela se informa e se comunica” (ROJO, 2012).

Textos, portanto, são dialógicos em sua natureza à espera de sua atualização e realização enunciativa. Supor que haja homogeneidade, linearidade e neutralidade na leitura seria caminhar em direção ao monologismo discursivo em que prevalecem a estrutura e o sistema de normas (BAKHTIN, 2010). Quando o aluno puder sentir prazer por compreender o texto e ter acesso às ideias do autor, estará, provavelmente, apto a aperfeiçoar a capacidade leitora. Propor leituras tidas como

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“tradicionais” ou “obrigatórias” antes de desenvolver o prazer pela leitura não despertam a curiosidade de trilhar as entrelinhas, as marcas e as pistas deixadas pelo autor.

A linguagem vista sob esta perspectiva pode ser compreendida como um fenômeno social enunciativo, no qual o leitor interpreta dentro de suas possibilidades cognitivas e capacidades interpretativas de mundo (conhecimento prévio) um texto. Nem sempre o indivíduo terá acesso às palavras de que precisa para compreender ou expressar seu conhecimento sobre algo. É nesse momento que nós, professores(as), intervimos propondo lógicas de pensar sobre as coisas e o sobre o mundo. Desse modo, o ouvir o que o aluno(a) tem a dizer pode ser um bom começo. A proficiência vem com o tempo e de acordo com as necessidades comunicativas de seu meio.

Saiba mais...

A teoria de Bakthin (2009) tem como ponto central a questão da enunciação como diálogo, não se trata da enunciação monológica individual e isolada, mas a interação de pelo menos duas ou mais enunciações, isto é, o diálogo. O dialogismo refere-se às relações estabelecidas entre o eu e o outro social em processos contextualizados e reais que afetam o desenvolvimento ontogenético do indivíduo.

Cabe aqui uma pausa para ler e analisar um texto como unidade de enunciação. Leia a letra e ouça a canção, interpretada por Elis Regina. O que Querelas do Brasil tem a nos dizer? Vamos analisá-la como unidade de enunciação e como código da gramática normativa.

Querelas do Brasil

Intérprete: Elis Regina

O Brazil não conhece o Brasil O Brasil nunca foi ao Brazil

Tapir, jabuti, liana, alamandra, alialaúde Piau, ururau, aqui, ataúde Piá, carioca, porecramecrã Jobim akarore Jobim-açu

Oh, oh, oh

Pererê, câmara, tororó, olererê Piriri, ratatá, karatê, olará

O Brazil não merece o Brasil O Brazil ta matando o Brasil

Jereba, saci, caandrades Cunhãs, ariranha, aranha

Sertões, Guimarães, bachianas, águas E Marionaíma, ariraribóia,

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Na aura das mãos do Jobim-açu Oh, oh, oh

Jererê, sarará, cururu, olerê Blablablá, bafafá, sururu, olará

Do Brasil, SoS ao Brasil Do Brasil, SoS ao Brasil Do Brasil, SoS ao Brasil

Tinhorão, urutu, sucuri O Jobim, sabiá, bem-te-vi

Cabuçu, Cordovil, Caxambi, olerê Madureira, Olaria e Bangu, Olará

Cascadura, Água Santa, Acari, Olerê Ipanema e Nova Iguaçu, Olará

Do Brasil, SoS ao Brasil Do Brasil, SoS ao Brasil

Ouça a música no Youtube em:

<http://www.youtube.com/watch?v=PEAADKhkMww>

Para iniciarmos a análise, temos de buscar a época de sua enunciação num tempo histórico e social, neste caso, no ano de 1978, quando Maurício Tapajós e Aldir Blanc elaboraram a composição. No auge da Ditadura, Elis Regina interpretou a música acompanhada por coral de vozes que reproduziam os cantos dos povos indígenas do Brasil.

Observe o título. Você percebe que faz alusão à canção “Aquarela do Brasil” composta por Ary Barroso no ano de 1939? Fato curioso é que essa música só ganhou reconhecimento nacional em 1942 quando foi incluída no filme Saludos Amigos, uma animação que apresenta pela primeira vez o Zé Carioca pelos Estúdios Disney. É mera coincidência fazer sucesso lá fora para ter reconhecimento nacional?

Do que se trata as “Querelas do Brasil? São queixas da forte entrada da cultura estrangeira no país. A marcação gráfica com “z” e “s” mostra implicitamente o referente “estrangeiro”, que escreve Brazil com “Z”, enquanto nós, brasileiros, usamos Brasil com “s”. Veja como uma canção pode se tornar uma atividade para estimular projetos transdisciplinares em que professores de diversas áreas podem atuar conjuntamente. Aqui faremos uma análise breve sob nossa ótica, mas haverá muitas interpretações que você poderá acrescentar a partir de seus conhecimentos prévios.

Fazendo uma análise breve, podemos verificar que a composição é irônica e estruturada a partir de substantivos, metáforas, recursos fonológicos e coesão, referencial em que os elementos coesivos são

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encadeados pela sonoridade e pela significação de elementos genuinamente brasileiros.

Coesão referencial: função pela qual um item linguístico faz referência a um objeto extralinguístico necessário à sua interpretação, portanto, constitui-se na dimensão percepção/cognição, em que se cria ou se designa objetos-de-discurso com representação extensional de referentes do mundo exterior extramental.

Recursos fonológicos segmentais e suprassegmentais: são de grande importância para a coesão, porque a forma fonética do texto é um efeito causado pela estrutura semântica fornecida pela sintaxe. Assim, se estabelece a coesão por meio de: ritmo, rima, aliteração, assonância, entoação, silêncio, pausa, frases incompletas, ecos, expressividade das vogais e das consoantes etc.

O Brazil não conhece o Brasil. (Os estrangeiros não conhecem o Brasil).

O Brazil nunca foi ao Brazil. (Os estrangeiros nunca foram ao Brazil*com z, marcando a ironia).

Decompondo a letra em palavras, teremos:

Fauna brasileira:

Tapir (anta), jabuti, arirarijiboia (cobra arara), cururu (sapo), piau (peixe), aranha, tinhorão (pássaro e também erva ornamental, urutu (cobra venenosa), sucuri, sabiá, bem-te-vi, ururau (jacaré do papo amarelo, do tupi ururá).

Personalidades brasileiras:

Jobim, Guimarães, Jobim-açu (Jobrim + açu, em Tupi quer dizer grande), Caandrades , Marionaíma (Mário de Andrade + Macunaíma).

Entidades fantásticas do folclore:

Pererê, saci, cunhã.

Regionalismos e gírias:

Piá, olerê, olará, sarará, piriri, blábláblá, bafafá, sururu, carioca, jereba (animal que se vira), câmara (camarada), ratatâ, karatê.

Palavras das línguas dos povos indígenas:

Akarore (significado não definido de origem indígena), porecramecrã (é da família linguística dos timbiras).

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Obras brasileiras:

Águas (em referência à canção Águas de março, do maestro Tom Jobim), As bachianas brasileiras, série de composições de Heitor Villa-Lobos e Os Sertões, escrito por Euclides da Cunha.

Bairros e praias:

Jererê, Cabuçu, Cordovil, Caxambi, Madureira, Olaria, Bangu, Cascadura, Água Santa, Acari, Ipanema e Nova Iguaçu.

Localizadores espaciais:

Li (ali) + ana, ala (lá) amandra, ali + alaúde, aqui

Objetos:

Alaúde (instrumento de cinco cordas trazido pelos europeus que se transformou na viola/violão brasileiro) e ataúde (caixão).

O Brazil não merece o Brasil. (Os estrangeiros não merecem o Brasil).

O Brazil tá matando o Brasil. (Os estrangeiros estão matando o Brasil).

Do Brasil, SoS ao Brasil. (Mensagem telegráfica de pedido de socorro enviada pelos brasileiros aos brasileiros, um sinal de que estamos deixando de valorizar nossa diversidade cultural).

Podemos notar que os compositores são agentes, organizadores de seus discursos. Quando alguém diz algo de uma dada maneira dirigindo-se a alguém (leitor ou ouvinte), seleciona itens lexicais, dispondo-os de maneira estratégica e tendo a preocupação com sonoridade (marcação prosódica), com a finalidade de mediar significações sociais, desse modo, “Dizer é dizer-se” (SOBRAL, 2005, p. 24). Esse é o princípio do dialogismo (diálogo) que traz consigo os conceitos de realidade em formação, inconclusibilidade, não acabamento em que o leitor atualiza o conteúdo no momento da leitura.

Proponha a produção de uma letra musical a partir da seleção de classe de palavras como a proposta de Maurício Tapajós e Aldir Blanc. Peça que escolham o tema que mais lhes agrada. Aproveite para introduzir novas palavras e trabalhe a coesão, coerência textual e estética sonora!

A música “E.T.C.” de Cássia Eller também é interessante para se trabalhar a leitura e análise com alunos do ensino médio, pois a trama dialógica é bastante complexa além de trabalhar a sonoridade e o compasso. Reflita sobre essa canção! Outra opção é listar algumas canções e pedir para que selecionem a que mais lhes agrada.

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E.T.C

Cássia Eller

Tava com cara Que carimba postais

Que por descuido Abriu uma carta que voltou

Levou um susto Que lhe abriu a boca

Esse recado veio pra mim Não pro senhor...

Recebo o crack, colante Dinheiro parco, embrulhado Em papel carbono e barbante

Até cabelo cortado Retrato de 3x4

Prá batizado distante Mas isso aqui, meu senhor

É uma carta de amor...

Levo o mundo E não vou lá...

Levo o mundo e não vou...

Mas esse cara Tem a língua solta

A minha carta Ele musicou Tava em casa

A vitamina pronta Ouvi no rádio A minha carta

De amor...

Dizendo: -Eu caso contente

Papel passado e presente Desembrulhado o vestido Eu volto logo, me espera Não brigue nunca comigo Eu quero ver nossos filhos

O professor me ensinou Fazer uma carta de amor...

Leve o mundo Que eu vou já...

Leve o mundo que eu vou...

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Mas esse cara Tem a língua solta

A minha carta Ele musicou Tava em casa

A vitamina pronta Ouvi no rádio A minha carta Sim senhor!..

Dizendo: -Eu caso contente

Papel passado e presente Desembrulhado o vestido Eu volto logo, me espera Não brigue nunca comigo Eu quero ver nossos filhos

O professor me ensinou Fazer uma carta de amor...

Leve o mundo Que eu vou já...

Leve o mundo que eu vou...

Fonte: <http://letras.mus.br/cassia-eller/44918/>

O que define então a propriedade texto? A complexa conjuntura de fatores de ordem situacional, sociocultural, interacional e cognitiva na trama textual.

Considerando, desse modo, textos como unidades enunciativas, podemos pensar na produção textual como uma atividade humana em sua dimensão discursiva:

que considere a autoria do aluno, o que pensa, sabe, defende e expressa;

que estabeleça lógicas de pensar sobre e si, os outros e o mundo, promovendo o pensamento criativo;

que considere a dimensão semântica, pela qual as expressões se interpretam segundo o contexto cultural do aluno;

em que a dimensão sintática ou gramatical, pela qual se regram sistematicamente as construções da língua em uma atividade comunicativa e cognitiva seja objeto de análise em atividades coletivas (NEVES, 1991).

Boa discussão!

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Referências

Bakhtin, M. (1986). A interação verbal. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara F. Vieira. 3. ed. São Paulo: Hucitec.

Bakhtin, M. (1994). Os gêneros do discurso. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, p. 275-326.

Bazerman, C. (2011). Gênero, agência e escrita. São Paulo: Cortez.

Garcia, O. M. (2002). Comunicação em prosa moderna: aprenda a escrever, aprendendo a pensar. Rio de Janeiro: Editora FGV.

Garcia, C. et al. (2012). Projet(o)arte: uma proposta didática. In: Rojo, R & Moura, E. (Org.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola.

Jakobson, R. Linguística e comunicação. São Paulo: Editora Cultrix, 2007.

Koch, I. V. (1997). A construção textual do sentido. In: Koch, I. V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Editora Contexto.

Santaella, L. (2011). Semiótica da mercadoria. In: Estratégias semióticas da publicidade. São Paulo: Cengage Learning.

Marcuschi, L. A. (2008). Domínio discursivos e gêneros textuais na oralidade e na escrita. In: Marcuschi, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola.

Neves. M. H. M. (1991). A situação do ensino de gramática nas escolas. In: Neves. M.H. M. Gramática na escola. São Paulo: Contexto.

Rojo, R. (2012). Protótipos didáticos para os multiletramentos. In: Rojo, R & Moura, E. (Org.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola.

Sobral, A. (2005). Ato/atividade e evento. In: Brait, B. Bakhtin: dialogismo e construção do sentido. 2. Ed. Campinas, São Paulo: Editora Unicamp.

Valsiner, J. (2012). Aproximações à cultura: bases semióticas da psicologia cultural. In: Valsiner. J. Fundamentos da Psicologia Cultural: mundos da mente, mundos da vida. Porto Alegre: Artmed.