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IPTAN - INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR PRES. TANCREDO DE ALMEIDA NEVES
AMANDA KICKE BASAIA
ASPECTOS RELEVANTES SOBRE A USUCAPIO
ESPECIAL URBANA ENTRE CNJUGES ART. 1.240-A DO
CDIGO CIVIL, INTRODUZIDO PELA LEI N 12.424/2011.
SO JOO DEL-REI
2012
AMANDA KICKE BASAIA
ASPECTOS RELEVANTES SOBRE A USUCAPIO
ESPECIAL URBANA ENTRE CNJUGES ART. 1.240-A DO
CDIGO CIVIL, INTRODUZIDO PELA LEI N 12.424/2011.
Monografia apresentada ao Curso de Direito do Instituto de Ensino Superior Pres. Tancredo de Almeida Neves IPTAN como requisito parcial obteno do Ttulo de Graduado, sob a orientao do Prof. Esp. Welinton Augusto Ribeiro.
SO JOO DEL-REI
2012
AMANDA KICKE BASAIA
ASPECTOS RELEVANTES SOBRE A USUCAPIO
ESPECIAL URBANA ENTRE CNJUGES ART. 1.240-A DO
CDIGO CIVIL, INTRODUZIDO PELA LEI N 12.424/2011.
Monografia apresentada ao Curso de Direito do Instituto de Ensino Superior Pres. Tancredo de Almeida Neves IPTAN como requisito parcial obteno do Ttulo de Graduado.
COMISSO EXAMINADORA
________________________________________________ Prof. Esp. Welinton Augusto Ribeiro.
________________________________________________
Prof. Msc. Gian Miller Brando
________________________________________________ Prof. Msc. Matheus Bevilacqua Campelo Pereira
A Deus, por iluminar meu caminho e me dar foras para
seguir sempre em frente.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais pela vida que me deram, por me ensinar a viv-la com dignidade.
Ao meu filho Lucas, por ser a pessoa mais preciosa em minha vida, fonte de
inspirao para a luta diria.
Ao Carlos, por ser meu porto seguro, pelo amor e companheirismo.
A toda minha famlia, especialmente os que j se foram, por terem me apoiado em
todos estes anos.
Aos meus amigos, sempre presentes, pela alegria a cada instante.
Ao Programa Universidade Para Todos PROUNI, por me permitir realizar o sonho
de concluir uma faculdade.
A todos os professores, por terem diretamente contribudo para meu crescimento.
Ao meu orientador, por toda dedicao e ateno dispensada.
RESUMO
Este trabalho tem como finalidade analisar se o instituto criado pela recente Lei n 12.424/2011, a usucapio conjugal, capaz de solucionar os problemas para os quais foi editado, ou se veio para criar agravantes nas relaes familiares. Traz um estudo histrico da usucapio, desde seu surgimento no Direito Romano at os dias atuais. Trata da natureza jurdica da usucapio, seus fundamentos, requisitos gerais e discorre brevemente sobre suas diversas modalidades. Explica detalhadamente quais so os requisitos para a aplicao da usucapio conjugal, dando nfase ao exguo prazo, revogao tcita do artigo 197, I do Cdigo Civil que vedava a ocorrncia de prescrio entre cnjuges na constncia do casamento e necessidade de se configurar o abandono de lar, em contraposio ao entendimento consolidado pela Emenda Constitucional n 66 de 2010. Analisa a problemtica e busca demonstrar as consequncias da frequente atecnia legislativa, que, apesar de pretender realizar a funo social da propriedade, resulta na violao de princpios sociais como o da vedao ao retrocesso. Aponta os aspectos negativos de se trazer, novamente s relaes familiares, a discusso sobre a culpa pela dissoluo da sociedade conjugal. Dispe sobre as orientaes publicadas pelo Conselho da Justia Federal em seus enunciados. Por fim, tece comentrios acerca da primeira jurisprudncia publicada sobre o tema. Palavras-chave: Usucapio Conjugal; Art. 1.240-A do Cdigo Civil; Requisitos; Polmicas; Direito Civil.
SUMRIO
INTRODUO .................................................................................................................... 7 1. EVOLUO HISTRICA DA USUCAPIO .............................................................. 9
1.1 Histrico .................................................................................................................. 9 2. A USUCAPIO NO ORDENAMENTO JURDICO BRASILEIRO .......................... 13
2.1 Natureza jurdica .................................................................................................. 13 2.2 Fundamento........................................................................................................... 13 2.3 Requisitos .............................................................................................................. 14 2.4 Espcies.................................................................................................................. 15
2.4.1 Usucapio extraordinria ..................................................................................... 15 2.4.2 Usucapio ordinria....................................................................................... 16 2.4.3 Usucapio especial ........................................................................................ 17 2.4.3.1 Rural .......................................................................................................... 17 2.4.3.2 Urbana ....................................................................................................... 18
2.4.3.2.1 Individual .......................................................................................... 18 2.4.3.2.2 Coletiva ............................................................................................ 19
2.4.3.3 Entre cnjuges ............................................................................................ 20 3. INOVAO TRAZIDA PELA LEI N 12.424/2011 A USUCAPIO ESPECIAL URBANA ENTRE CNJUGES OU PR-FAMLIA ...................................................... 21
3.1 Promulgao da Lei 12.424/2011 .......................................................................... 21 3.2 Requisitos .............................................................................................................. 22
3.2.1 Prazo ............................................................................................................. 22 3.2.2 Imvel urbano de at 250m .......................................................................... 23 3.2.3 Posse mansa, pacfica, direta e com exclusividade ......................................... 24 3.2.4 No ser proprietrio de outro imvel ............................................................. 25 3.2.5 Utilizao como moradia ............................................................................... 25 3.2.6 Propriedade por pessoas casadas ou em unio estvel .................................... 25 3.2.7 Abandono do lar ............................................................................................ 26 3.2.8 Processamento............................................................................................... 30 3.2.9 Regime de bens ............................................................................................. 30 3.2.10 Formas de se evitar a ao de usucapio familiar ......................................... 31
4. ANLISE DA JURISPRUDNCIA .............................................................................. 33 CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................. 37 REFERNCIAS ................................................................................................................. 38 ANEXO I ............................................................................................................................ 42
7
INTRODUO
No dia 16 de junho de 2011 foi publicada a Lei n 12.424 que visava regulamentar o
programa habitacional Minha Casa Minha Vida. Todavia, tal lei surpreendeu a comunidade
jurdica ao introduzir em nosso ordenamento uma nova espcie de usucapio: a especial
urbana entre cnjuges, ou familiar, cuja forma de aquisio de domnio se d, dentre outros
requisitos, pelo abandono do lar conjugal pelo lapso de dois anos.
No entanto, embora o legislador tenha agido motivado por nobres intenes (proteger
a parte mais fraca na dissoluo da sociedade conjugal, geralmente a mulher, e efetivar a
funo social da sociedade), este no foi feliz na redao do novo dispositivo legal. A
frequente atecnia legislativa no dispositivo legal em comento resultou em uma srie de
dvidas e polmicas, trazendo problemas novos sociedade e aos operadores do direito.
Situaes que j estavam consolidadas pela lei e pela jurisprudncia, que no
comportavam mais discusso, voltaram tona, acarretando em uma flagrante violao ao
princpio da vedao ao retrocesso social. Como exemplo, temos a volta da discusso da culpa
pelo fim de um relacionamento conjugal, e a possvel punio ao cnjuge transgressor.
A relevncia desta pesquisa est em abordar os possveis reflexos da criao da
usucapio especial entre cnjuges no Direito de Famlia e de Sucesses, estudar os problemas
encontrados em sua redao e buscar solues de forma que o novo instituto tenha
aplicabilidade.
Trata-se de tema novo, atual, sobre o qual, no momento, existem raras doutrinas e
publicaes, mas que est sendo objeto de estudos, congressos e seminrios.
O que motivou a realizao deste trabalho foi justamente o desafio trazido pela
novidade e atualidade do tema, e o desejo de oferecer uma pequena contribuio ao
conhecimento jurdico.
A metodologia a ser adotada consistir na pesquisa bibliogrfica, leitura de artigos
recentemente publicados e estudo de jurisprudncia. Devido a tratar-se de tema novo e
parcamente discutido, ser desenvolvida uma pesquisa exploratria e contrastiva.
No primeiro captulo ser discorrido sobre a evoluo histrica do instituto da
usucapio, desde os primrdios do Direito Romano, at suas formas atuais no Direito Ptreo.
No segundo captulo sero estudadas a natureza jurdica da usucapio, seus
fundamentos, seus requisitos, e as diversas modalidades de usucapio atualmente existentes
no ordenamento jurdico brasileiro, sendo elas a ordinria, extraordinria, coletiva, especial
rural e urbana e a recente especial urbana entre cnjuges, tema deste estudo.
8
J no terceiro captulo sero explicados quais os requisitos e a aplicabilidade das
inovaes trazidas pela Lei n 12.424/2011, no que tange nova modalidade de usucapio.
Sero tambm analisados os aspectos positivos e negativos advindos da usucapio pr-
famlia e seus possveis reflexos na sociedade e no direito.
Por fim, no ltimo captulo, ser feita uma anlise crtica da nica jurisprudncia
publicada at o momento.
9
1. EVOLUO HISTRICA DA USUCAPIO
A usucapio um instituto que os sculos no alteraram o seu fundamento
(MANZO, 2001, p. 17). Por usucapio entendemos um modo originrio de aquisio da
propriedade ou de outros direitos reais, em que o tempo figura como elemento precpuo
(LOPES, 2001, p. 683).
Trata-se de instituto singular e complicadssimo, em que sedimentos de todas as
pocas deixaram sua estratificao (BONFANTE, apud MONTEIRO, 2003, p. 120). Citando
Modestino, Orlando Gomes afirma que usucapio o modo de adquirir a propriedade pela
posse continuada durante certo lapso de tempo, com os requisitos estabelecidos na lei (2006,
p. 186).
Etimologicamente, usucapio vem de capio, capis, cepi, captum, capere, que
significa tomar, e usu uso. Serpa Lopes (2001, p. 683) ressalta que tomar pelo uso no era
isto obra de um instante, de um momento, pois exigia um complemento de cobertura sem o
que esse capio nenhum valor representava: esse elemento consistia precisamente no tempo.
No h consenso na doutrina quanto ao vocbulo usucapio tratar-se de substantivo
masculino ou feminino. Para Miguel Maria de Serpa Lopes, o Cdigo Civil consignou-o
como includo no gnero masculino (2001, p. 683). J Silvio de Salvo Venosa sustenta que o
vocbulo pode ser utilizado no gnero feminino. Segundo o doutrinador, o Cdigo Civil de
1916 utilizava o vocbulo no gnero masculino, mas o atual, de 2002, utiliza o gnero
feminino (2006, p. 182).
J para Orlando Gomes (2001, p. 162) pode-se dizer que a usucapio a forma
erudita e o usucapio, a forma usual na linguagem moderna portuguesa, [...] no se devendo
considerar errnea a adoo de qualquer uma delas.
Nesta pesquisa ser utilizado predominantemente o gnero feminino, em
consonncia com o Cdigo Civil de 2002.
1.1 Histrico
A origem da usucapio milenar. Para o Juiz Federal Nobre Jnior (2011, p. 119)
h ressaibos do instituto no Livro dos Juzes1, no qual se registra que JEFT, o galaadita,
1 Eis j trezentos anos que Israel habita em Hesebon e em suas aldeias, em Aroer e em suas aldeias, e em todas as cidades banhadas pelo Arnon. Por que no lhe tiraste estas terras durante todo esse tempo? (BBLIA. Livro dos Juzes, captulo 11, versculo 26).
10 defendera, perante os amonitas, o direito dos hebreus s terras do pas de Heesebon e suas
aldeias, em virtude de nestas habitarem, sem oposio, durante trezentos anos.
Mas foi no perodo clssico do Direito Romano, no sculo IV a.C., que o instituto da
usucapio foi positivado com a edio da Lei das XII Tbuas, em cuja Tbua VI, item m
constava "que a aquisio da propriedade pela posse tenha lugar ao fim de dois anos para os
imveis, ao fim de um ano para os demais" (NOBRE JNIOR, s.d., p. 119). Por demais,
consideravam-se os bens mveis e as mulheres, pois segundo Serpa Lopes (2001, p. 684), o
usus tambm foi uma forma de matrimnio na antiga Roma.
Vandick Londres da Nbrega explica que o prazo exguo para a usucapio no direito
antigo se deve ao fato de ser a sociedade, naquela poca, muito reduzida. Assim, como todas
as pessoas se conheciam reciprocamente, havia o interesse de que as terras fossem
apropriadas dentro de curto prazo (1955, p. 255).
Com o passar do tempo, sucessivas leis restringiram-lhe o campo de atuao. Dessa
forma: [...] a Lei Atnia proibiu o usucapio de coisas furtivas, tanto para o ladro como para o receptador; as Leis Jlia e Plucia ampliaram a proibio s coisas obtidas mediante violncia; e a Lei Scribonia vedou o usucapio das servides prediais (MONTEIRO, 2003, p. 120).
Ademais, conforme Nbrega (1955, p. 256), no eram atingidas pela usucapio: [...] as res mancipi alienadas pelas mulheres sem a auctoritas do seu tutor, as res furtivae, o espao de terreno de cinco ps que separava dois imveis confinium e o espao livre deixado diante dos tmulos e da urna com as cinzas do defunto: forum e bustum. [...] No antigo direito admitia-se que as coisas imveis tambm podiam ser roubadas, sendo considerado ladro o locatrio que vendesse a coisa alugada.
Rolim (2000, p. 203) explica que por volta do sculo I a.C. o Imprio Romano j
havia se estendido por toda a Pennsula Ibrica, Glia, Grcia e regies do Oriente Mdio. Roma, a essa poca, era a urbe, a capital do mundo, e para ela afluam pessoas de todas as regies. Em face dessa verdadeira globalizao de usos e costumes, o jus civile foi ficando ultrapassado, pois amparava somente o direito daqueles que eram cidados romanos, excluindo os peregrinos e os demais estrangeiros.
Infere-se que, inicialmente, a usucapio era pertencente ao Direito Quiritrio
Romano, ou seja, somente poderia ser invocada por cidados romanos, excluindo-se os
peregrinos. Tambm no podia ser aplicada aos imveis das provncias. Com a expanso do
imprio e a povoao por povos peregrinos, surgiu a necessidade de proteger a posse seguida
de boa-f e justo ttulo. Essa proteo surgiu inicialmente no meio processual por intermdio
da longi temporis praescriptio, ao por meio da qual quem possusse um terreno provincial
11 por certo tempo poderia repelir qualquer ameaa a sua propriedade (VENOSA, 2006, p.
182).
Prossegue Rolim (2000, p. 203) explanando que a praescriptio longi temporis, criada
pelo imperador Caracala no ano 199 d.C., atribua a propriedade a pessoas que estivessem na
posse de um imvel por um prazo mais longo que o da usucapio dez anos, quando os
interessados residissem na mesma provncia, e vinte anos, quando se encontrassem em
provncias diferentes.
Filardi Luiz (1999, p. 134) esclarece que paralelamente, no Baixo Imprio, surgiu a
longissimi temporis praescriptio, tambm chamada de usucapio extraordinria, por
inspirao de Constantino, pela qual o possuidor sem justo ttulo, mas de boa-f e que
estivesse no imvel por 40, depois 30 anos, tambm poderia opor-se reivindicao do titular
do domnio.
Para Nbrega, o que diferenciava a usucapio da praescriptio longi temporis era que a
primeira era um modo de aquisio de propriedade, j a segunda, era um meio de defesa
concedido ao possuidor contra aquele que reivindica a coisa depois de certo tempo de total
silncio. Assim, no caso da praescriptio longi temporis, o proprietrio no perderia o direito
de propriedade, de modo que podia exercer esse direito contra qualquer outro que no fosse
aquele em favor de quem se aplicava a praescriptio (1955, p. 260).
Sobre a aplicabilidade dos trs institutos, prossegue o jurista: [...] o usucapio conferia ao possuidor um direito real, a praescriptio longi temporis defendia contra qualquer ao de reivindicao, mas a boa f e o justo ttulo eram exigidos. A praescriptio longissimi temporis extinguia, decorrido certo prazo, a ao real do proprietrio e qualquer ao real que pudesse ter um titular de direito real. [...] A principal vantagem da praescriptio longissimi temporis consiste no fato de no serem exigidos justo ttulo nem boa f, nem tampouco qualquer condio particular. (NBREGA, 1955, p. 261).
Rolim (2000, p. 203) afirma que, por volta de 531 d.C., Justiniano fundiu as normas
de usucapio existentes, ou seja, as previstas no jus civile com a da praescriptio longissimi
temporis, e fixou novos prazos, de acordo com a natureza dos bens: [...] para os bens mveis, trs anos, e, para os imveis, dez anos, se os interessados residissem na mesma provncia, e vinte anos quando fossem de provncias diferentes. Se o bem pretendido em usucapio pertencesse ao fisco, igreja ou ao Estado, o tempo de uso deveria ser de quarenta anos.
Conforme Washington de Barros Monteiro (2003, p. 120), Justiniano refundiu
inteiramente o instituto, destacando sua dupla face, aquisitiva e extintiva, sendo a primeira,
modo de adquirir a propriedade pela posse prolongada, e a segunda, meio pelo qual algum se
libera de uma obrigao pelo decurso do tempo.
12
No Direito moderno h dois critrios da usucapio, o dualista e o monista. Este
ltimo prev a usucapio e a prescrio como uma forma unitria, denominando-as como
prescrio aquisitiva e extintiva. J o critrio dualista considera a prescrio uma energia
extintiva, e a usucapio uma energia criadora. Para Serpa Lopes (2001, p. 687), o usucapio,
ao mesmo tempo que uma energia criadora, o igualmente extintiva. Segundo Maria
Helena Diniz (2010, p. 178): [...] a prescrio passou a ser uma maneira de adquirir e de perder o direito de propriedade de uma coisa ou de um direito pelo efeito do tempo. Ideia monista que passou ao Cdigo Civil francs que exerceu influncia no direito contemporneo, embora haja legislaes e juristas que defendem o prisma dualista, considerando a prescrio como uma energia extintiva e a usucapio como uma energia criadora.
Venosa (2006, p. 211) afirma que o Cdigo Civil brasileiro optou por tratar da
prescrio extintiva na parte geral, e disciplinar a usucapio no livro dos direitos reais, como
forma de aquisio da propriedade, destinada a mveis e a imveis.
Cretella Jnior afirma que na realidade, o usucapio resolve todas as incertezas e
liberta o proprietrio da difcil prova (diabolica probatio) do direito de propriedade (2001, p.
152).
No Direito brasileiro, de acordo com o advogado e Ex-Presidente do TJSC, Joo J.
R. Schaefer (2011, p. 2): Antes do Cdigo Civil de 1916 no havia usucapio sem a boa-f do possuidor, qualquer que fosse o tempo de sua posse [...] era necessria, ento, antes do Cdigo Civil de 1916, a posse prolongada e de boa-f para ser reconhecido o usucapio.
As diversas modalidades de usucapio no ordenamento jurdico brasileiro sero
expostas no prximo captulo.
13
2. A USUCAPIO NO ORDENAMENTO JURDICO BRASILEIRO
2.1 Natureza jurdica
Parte da doutrina conceitua a natureza jurdica da usucapio como uma espcie de
prescrio. Assim como h a prescrio extintiva, a usucapio seria uma prescrio aquisitiva.
o sistema do Cdigo Civil francs, e dos que lhe seguiram as pegadas (MONTEIRO, 2003,
p. 121). Entretanto, para Orlando Gomes (2001, p. 161-62), tal conceituao no se justifica.
Apesar de manterem pontos de semelhana, terem como condio o decurso do tempo,
eliminarem a incerteza dos direitos e interromperem seu curso pelas mesmas causas, h
profundas diferenas entre eles, uma vez que a prescrio um modo de extinguir pretenses
e opera com base na inrcia do sujeito durante um lapso temporal, e a usucapio, por sua vez,
um modo de adquirir a propriedade e outros direitos reais, que supe a posse continuada.
Segundo o jurista: [...] a prescrio extingue as pretenses reais e pessoais, tendo largo campo de aplicao, enquanto a usucapio restringe-se aos direitos reais, dos quais modo de aquisio. Os direitos pessoais no se adquirem por usucapio [...] Diferenciando-se, pois, no fim, nos requisitos e nos efeitos, os dois institutos no devem ser englobados. Regular a usucapio no captulo da prescrio como uma de suas formas desconhecer sua prpria natureza.
Orlando Gomes conclui que no h que falar, por conseguinte, em prescrio
aquisitiva (2006, p. 186). O mesmo jurista afirma que a usucapio inclui-se entre os modos
originrios de aquisio da propriedade. Explica que a despeito de acarretar a extino do
direito de propriedade do antigo titular, no se estabelece qualquer vnculo entre ele e o
possuidor que o adquire, entretanto, h quem o considere um modo derivado, uma vez que
no faz nascer um direito novo, mas substitui os direitos que o antigo titular havia constitudo
sobre o bem, antes de ser usucapido (2006, p. 187).
Washington de Barros Monteiro afirma que o legislador ptrio pendeu, tanto no
Cdigo Civil de 1916 como no de 2002, pelo sistema alemo, fundado na tradio romana e
segundo a qual o usucapio tem vida prpria, apresenta contornos que lhe so peculiares e
autnomo, malgrado inegveis afinidades com a prescrio (2003, p. 121).
2.2 Fundamento
O fundamento jurdico da usucapio depara-se na desdia, na incria manifestada
pelo proprietrio na tutela de seu direito, em face da prolongada posse de outrem
(MONTEIRO, 2003, p. 122).
14
Para Orlando Gomes (2006, p. 187), o fundamento da usucapio divide-se em duas
correntes, a subjetiva, que procura fundament-la na presuno de que h o nimo da renncia
ao direito por parte do proprietrio que no o exerce, e a objetiva, que fundamenta a
usucapio em consideraes de utilidade social.
Segundo Cretella Jnior (201, p. 152), o fundamento racional do usucapio o da
certeza da propriedade. No devem os proprietrios da coisa ficar na incerteza sobre seus
direitos (ne rerum dominia in incerto essent). Dessa forma, prossegue o doutrinador, se o
proprietrio ignora a coisa, no a reclama durante certo tempo, compreensvel que no
merea a proteo jurdica, que se inclina para o possuidor. Dormientibus non succurrit jus2.
2.3 Requisitos
Para Antnio Filardi Luiz (1999, p. 132-33), so requisitos da usucapio a res habilis
(coisa hbil, passvel de ser usucapida), titulus (justo ttulo, ou fato jurdico que teria
legitimado uma aquisio se no houvesse um vcio de fundo), fides ou bona fides (boa-f),
possessio (posse prolongada e ininterrupta) e tempus (lapso temporal exigido).
O autor prossegue esclarecendo que no incio a usucapio se aplicava basicamente
em trs casos, sendo s coisas abandonadas (res derelictae), s coisas adquiridas sem vcio de
forma, mas transferidas por quem no o real proprietrio (res mancipi3) e, por fim, no caso
de uma coisa mancipi ter sido transmitida pela traditio4 em lugar do processo adequado da
mancipatio5 ou da in jure cessio6 (mais formais).
Orlando Gomes divide os requisitos para a usucapio entre pessoais e formais.
Infere, ao explanar sobre os requisitos pessoais, que necessrio que o adquirente seja capaz e
tenha qualidade para adquiri-la por esse modo. Cita causas que impedem a aquisio da
propriedade, relativas pessoa do possuidor, como entre ascendentes e descendentes, entre
marido e mulher, entre incapazes e seus representantes e entre o condmino em relao ao
2 O direito no ajuda (socorre) os que dormem, ou negligenciam em seu uso ou defesa (COSTA, 2007, p. 320). 3[...] res mancipi so as que se transferem pelo processo da mancipao (modo solene de transmitir a propriedade), donde o nome que tm, ao passo que as res nec mancipi so as que se transferem, sem formalismo algum, atravs de uma simples entrega, ou tradio (traditio) (CRETELLA JNIOR, 2001, p. 110). 4 o modo convencional, mas no solene de transferncia da propriedade, que passa da mo do alienante para a mo do adquirente, sem formalidade alguma (idem, 2001, p. 144). 5 Modo convencional e solene de transferncia da propriedade que, na poca clssica, consiste em uma venda simblica por meio do bronze e da balana (per aeset libram) (idem, 2001, p. 143). 6 [...] o modo solene de transferncia da propriedade, na poca clssica, mediante o abandono da coisa (cessio) pelo proprietrio ao adquirente diante do magistrado (in jure), diferentemente da mancipatio, que feita diante de testemunhas. (idem, 2001, p. 144).
15 bem comum. Quando trata dos requisitos formais, divide-os em essenciais (posse e o lapso
temporal) e suplementares (justo ttulo e boa-f).
O jurista tambm trata dos requisitos reais, afirmando que nem todos os direitos se
adquirem por usucapio. Alguns bens so considerados imprescritveis, como os bens
pblicos. Alguns bens pertencem a pessoas contra as quais no corre a prescrio. Aduz que
podem ser adquiridos por usucapio os direitos reais de propriedade, servido, enfiteuse,
usufruto, uso e habitao (2006, p. 188-91).
2.4 Espcies
A atual legislao prev diversas modalidades de usucapio, que so a ordinria,
extraordinria, coletiva, especiais rural e urbana; e, mais recentemente, a especial urbana entre
cnjuges.
Venosa (2006, p. 203) afirma que o Cdigo Civil de 2002 assume uma nova
perspectiva em relao propriedade. Segundo o autor: [...] como o usucapio o instrumento originrio mais eficaz para atribuir moradia ou dinamizar a utilizao da terra, h um novo enfoque no instituto. Alie-se a isso a orientao da Constituio de 1988, que reala o instituto e alberga modalidades mais singelas do instituto. Desse modo, a ideia bsica no presente diploma no sentido de que as modalidades de usucapio situam-se no tempo do perodo aquisitivo, mais ou menos longo.
Assim, segue uma breve descrio de cada modalidade.
2.4.1 Usucapio extraordinria
Na usucapio extraordinria, prevista no artigo 1.238 do Cdigo Civil7, a
propriedade adquirida pelo possuidor, em prazo mais longo, independe de justo ttulo ou de
boa-f, que em nosso direito se presumem (GOMES, 2006, p. 191). caracterizada pela posse
em que estejam presentes os requisitos: nimo de dono, posse justa, sem oposio, mansa e
pacfica, de forma ininterrupta por prazo igual ou superior a 15 anos. No Cdigo Civil
anterior, este prazo era de 20 anos. A atual legislao prev, ademais, que este prazo poder
ser reduzido para 10 anos quando o possuidor comprovar ter estabelecido no imvel sua
7 Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupo, nem oposio, possuir como seu um imvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de ttulo e boa-f; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentena, a qual servir de ttulo para o registro no Cartrio de Registro de Imveis. Pargrafo nico. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se- a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou servios de carter produtivo.
16 moradia habitual, e comprovar a realizao de obras ou servios de carter produtivo no
imvel.
Venosa afirma que esta ltima hiptese, por sua natureza, dirige-se para o imvel
rural, mas no exclui a aplicao tambm para o imvel urbano (2006, p. 204).
Tratando-se de imveis, a sentena serve de ttulo para a transcrio no competente
registro. Monteiro (2003, p. 124-25) considera que no a deciso judicial que confere o
domnio. Este resulta da posse sem oposio, e do decurso do tempo. A sentena corresponde
apenas solene declarao de um direito preexistente. O registro, por sua vez, no a
aquisio, mas a regularizao da situao do imvel, permitindo, eventualmente, sua
alienao ou hipoteca.
No direito anterior ao Cdigo Civil de 1916, exigia-se tambm a boa-f, embora o
justo ttulo fosse dispensado. Atualmente, na usucapio extraordinria, prescinde-se tanto do
ttulo como da boa-f. Tais elementos presumem-se juris et de jure (MONTEIRO, 2003, p.
125).
2.4.2 Usucapio ordinria
A usucapio ordinria, prevista no artigo 1242 do Cdigo Civil8, depende de justo
ttulo e de boa-f, e caracterizada pela posse que ocorra de maneira mansa e pacfica,
ininterruptamente, sem oposio do proprietrio, e por prazo igual ou superior a 10 anos.
Venosa afirma que, como se v, trata-se do mesmo prazo de dez anos da usucapio
extraordinria previsto no pargrafo nico do artigo 1.238. No entanto, no extraordinrio o
justo ttulo e a boa-f so dispensados, assim como os requisitos de moradia e a realizao de
servios de carter produtivo no local, o que no ocorre nesta modalidade (2006, p. 204).
Da mesma forma, o pargrafo nico do artigo 1242 prev que este prazo ser
minimizado para cinco anos quando, comprovadamente, o possuidor houver adquirido o
imvel onerosamente, com registro posteriormente cancelado; quando o possuidor houver
realizado, no imvel, investimentos de interesse econmico e social, ou quando o possuidor
houver estabelecido, no imvel, a sua moradia habitual. Essa hiptese prev mais uma
8 Art. 1.242. Adquire tambm a propriedade do imvel aquele que, contnua e incontestadamente, com justo ttulo e boa-f, o possuir por dez anos. Pargrafo nico. Ser de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartrio, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econmico (Cdigo Civil).
17 facilidade em prol da aquisio da propriedade, que pode ser denominada usucapio
documental ou tabular (VENOSA, 2006, p. 205).
Pereira (2006, p. 150-51) afirma que uma vez que o usucapiente assenta o seu direito
no ttulo preexistente, no h necessidade de obter, por sentena, a declarao relativa
aquisio da propriedade. No entanto, nada o impede de faz-lo, por meio de uma ao
declaratria. Mas neste caso, o ttulo dever estar inscrito no registro imobilirio.
2.4.3 Usucapio especial
2.4.3.1 Rural
Venosa (2006, p. 206) explica que uma nova modalidade de usucapio foi criada pela
Constituio de 1934, a usucapio pro labore ou rural.
Persistiu durante a Constituio de 1946, permitindo a usucapio em benefcio
daquele que, no sendo proprietrio rural nem urbano, ocupasse, por dez anos ininterruptos,
sem oposio nem reconhecimento de domnio alheio, trecho de terra no superior a 25
hectares, tornando-o produtivo pelo seu trabalho, e tendo nele sua morada (MONTEIRO,
2003, p. 127)
Posteriormente foi aprovado o Estatuto da Terra Lei n 4.504, de 30 de novembro
de 1964, o qual disps que o imvel rural deveria destinar-se pecuria e agricultura, ou
outra atividade produtiva, no se estendendo a terrenos urbanos ou citadinos. Seu objetivo era
a fixao do homem no campo, requerendo ocupao produtiva do imvel (MONTEIRO,
2003, p. 128).
Venosa (2006, p. 206) explica que a lei n 6.969 de 1981 tambm disciplinou a
usucapio especial destinada a imveis rurais, porm, reduzindo o seu prazo. Afirma que
essa usucapio levava em conta a produtividade e a moradia na terra, alm da posse e do
tempo. Essa era a sua redao: Art. 1 Todo aquele que, no sendo proprietrio rural nem urbano, possuir como sua, por 5 (cinco) anos ininterruptos, sem oposio, rea rural contnua, no excedente de 25 (vinte e cinco) hectares, e a houver tornado produtiva com seu trabalho e nela tiver sua morada, adquirir-lhe- o domnio, independentemente de justo ttulo e boa-f, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentena, a qual servir de ttulo para transcrio no Registro de Imveis. Pargrafo nico. Prevalecer a rea do mdulo rural aplicvel espcie, na forma da legislao especfica, se aquele for superior a 25 (vinte e cinco) hectares.
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Atualmente, a usucapio especial rural est prevista no artigo 191 da Constituio
Federal, nos seguintes termos: Art. 191. Aquele que, no sendo proprietrio de imvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposio, rea de terra, em zona rural, no superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua famlia, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe- a propriedade. Pargrafo nico. Os imveis pblicos no sero adquiridos por usucapio.
De acordo com o disposto na Constituio, pode ser adquirida, por sentena judicial,
quem, no sendo proprietrio de outro imvel rural ou urbano, possua, como se dono fosse,
por cinco anos ininterruptos e sem oposio do proprietrio, rea rural de terra no superior a
50 hectares, desde que nela produza por seu trabalho ou de sua famlia e nela tenha sua
moradia. Essa modalidade no requer justo ttulo e a boa-f presumida.
2.4.3.2 Urbana
A Constituio de 1934, ao conceituar a propriedade como integrante da ideia de
funo social, estabeleceu uma nova modalidade de usucapio, a especial urbana, ou pro
misero (PEREIRA, p. 151). A usucapio especial urbana possua inicialmente duas
modalidades: coletiva e individual. Atualmente tambm possui a modalidade conjugal ou pr-
famlia, objeto desse estudo.
2.4.3.2.1 Individual
A usucapio especial individual encontra-se prevista no artigo 183 da Constituio
Federal, que estabelece: Aquele que possuir como sua rea urbana de at duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposio, utilizando-a para sua moradia ou de sua famlia, adquirir-lhe- o domnio, desde que no seja proprietrio de outro imvel urbano ou rural. 1 O ttulo de domnio e a concesso de uso sero conferidos ao homem ou mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. 2 Esse direito no ser reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. 3 Os imveis pblicos no sero adquiridos por usucapio.
Venosa (2006, p. 207) ressalta que interessante notar, tambm, que nessa massa
desconexa de leis criadas pelo legislador tecnicamente despreparado, o Estatuto da Cidade
(Lei n 10.257 de 2001) repete, em seu artigo 9, a mesma disposio: Aquele que possuir como sua rea ou edificao urbana de at duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposio, utilizando-a para sua moradia ou de sua famlia, adquirir-lhe- o domnio, desde que no seja proprietrio de outro imvel urbano ou rural. 1 O ttulo de domnio ser conferido ao homem ou mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
19
2 O direito de que trata este artigo no ser reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. 3 Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legtimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que j resida no imvel por ocasio da abertura da sucesso.
Essa modalidade apenas ocorre em imveis urbanos com rea de at 250 metros
quadrados.
A lei, declinando sua finalidade social, tambm enfatiza que essa usucapio
concedida em benefcio da famlia, ao homem ou mulher, ou a ambos, independentemente
do estado civil. A lei tambm se refere moradia no local. Assim, essencial que haja
edificao no imvel que sirva de moradia para o usucapiente e de sua famlia. Da mesma
forma que a usucapio pro labore, o justo ttulo e a boa f no so exigidos (VENOSA, 2006,
p. 209-10).
2.4.3.2.2 Coletiva
A usucapio urbana coletiva foi introduzida na legislao pelos artigos 10 a 14 do
Estatuto da Cidade: Art. 10. As reas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados, ocupadas por populao de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposio, onde no for possvel identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, so susceptveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores no sejam proprietrios de outro imvel urbano ou rural. 1 O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse de seu antecessor, contanto que ambas sejam contnuas. 2 A usucapio especial coletiva de imvel urbano ser declarada pelo juiz, mediante sentena, a qual servir de ttulo para registro no cartrio de registro de imveis. 3 Na sentena, o juiz atribuir igual frao ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimenso do terreno que cada um ocupe, salvo hiptese de acordo escrito entre os condminos, estabelecendo fraes ideais diferenciadas. 4 O condomnio especial constitudo indivisvel, no sendo passvel de extino, salvo deliberao favorvel tomada por, no mnimo, dois teros dos condminos, no caso de execuo de urbanizao posterior constituio do condomnio. 5 As deliberaes relativas administrao do condomnio especial sero tomadas por maioria de votos dos condminos presentes, obrigando tambm os demais, discordantes ou ausentes. Art. 11. Na pendncia da ao de usucapio especial urbana, ficaro sobrestadas quaisquer outras aes, petitrias ou possessrias, que venham a ser propostas relativamente ao imvel usucapiendo. Art. 12. So partes legtimas para a propositura da ao de usucapio especial urbana:
20
I o possuidor, isoladamente ou em litisconsrcio originrio ou superveniente; II os possuidores, em estado de composse; III como substituto processual, a associao de moradores da comunidade, regularmente constituda, com personalidade jurdica, desde que explicitamente autorizada pelos representados. 1 Na ao de usucapio especial urbana obrigatria a interveno do Ministrio Pblico. 2 O autor ter os benefcios da justia e da assistncia judiciria gratuita, inclusive perante o cartrio de registro de imveis. Art. 13. A usucapio especial de imvel urbano poder ser invocada como matria de defesa, valendo a sentena que a reconhecer como ttulo para registro no cartrio de registro de imveis. Art. 14. Na ao judicial de usucapio especial de imvel urbano, o rito processual a ser observado o sumrio.
Tal modalidade de usucapio ocorre em imveis urbanos com rea no superior a
250 metros quadrados. Outro requisito que o imvel seja ocupado por indivduos de baixa
renda, sem que seja possvel delimitar as reas de cada possuidor. O imvel deve ser
destinado para a moradia de seus ocupantes e de suas famlias. Tambm se exige justo ttulo e
a boa-f presumida. O nico impedimento que os possuidores no sejam proprietrios de
outros imveis urbanos e rurais. Esta modalidade de usucapio tambm tem como requisitos
que a posse tenha ocorrido de forma mansa e pacfica, ininterruptamente por prazo igual ou
superior a 5 anos, e sem posio do proprietrio.
Venosa (2006, p. 210) afirma que o intuito da lei, como se nota, atingir populaes
de baixa renda, embora a lei no diga o que se entende por baixa renda. A lei, portanto, atende
presso social das ocupaes urbanas, e possibilita que a coletividade regularize a ocupao,
sem os entraves e o preo de uma ao individual de usucapio.
Segundo o doutrinador, na prtica, at que os terrenos podem ser identificados;
ocorre que essa identificao mostra-se geralmente confusa ou inconveniente nesse
emaranhado habitacional. Todavia, mesmo que no seja possvel determinar qual a rea
cabvel a cada morador, o Estatuto da Cidade determina que o juiz atribua frao ideal do
terreno a cada possuidor, independentemente da dimenso do terreno que cada um ocupe.
2.4.3.3 Entre cnjuges
Foi introduzido no Cdigo Civil Brasileiro o artigo n 1.240-A, prevendo a aquisio
de domnio por usucapio ao ex-cnjuge ou ex-companheiro que, ininterruptamente e sem
oposio, exercer exclusivamente a posse direta sobre imvel urbano de at 250 m por dois
anos.
Essa modalidade de usucapio ser detalhadamente estudada no prximo captulo.
21
3. INOVAO TRAZIDA PELA LEI N 12.424/2011 A USUCAPIO ESPECIAL URBANA ENTRE CNJUGES OU PR-FAMLIA
Foi promulgada no dia 16 de junho de 2011 a Lei n 12.424, visando alterar
dispositivos da Lei n 11.977/09, que instituiu o Programa Minha Casa, Minha Vida.
Surpreendentemente, uma vez que sequer constava do projeto de lei, esta tambm
introduziu no Cdigo Civil Brasileiro o artigo n 1.240-A, prevendo a aquisio de domnio
por usucapio ao ex-cnjuge ou ex-companheiro que, ininterruptamente e sem oposio,
exercer exclusivamente a posse direta sobre imvel urbano de at 250 m.
3.1 Promulgao da Lei 12.424/2011.
Borges Neto (2011, s.p.) considera que ao dispor e regulamentar a nova fase do
programa Minha Casa, Minha Vida, a Lei n 12. 424/2011 surpreendeu no apenas os
empreendedores do ramo imobilirio, mas vrios operadores do direito. O advogado salienta
que a instituio desta nova modalidade de usucapio trata-se de: [...] verdadeiro Cavalo de Tria, infelizmente cada vez mais usual no processo legislativo nacional, a incluso no ordenamento jurdico da referida figura no viola apenas os preceitos da Lei Complementar 95/98 - que estabelece as regras para elaborao, redao, alterao e criao de leis inserindo matria alheia, de temtica diversa e contrastante, ao objeto precpuo da regulamentao do Programa Minha Casa, Minha Vida, mas tambm promove verdadeira involuo nos rumos do direito de famlia e, por que no, das coisas.
O advogado e professor Douglas Phillips Freitas (2011, s.p.) admite que a
interveno e coliso dos interesses pblicos e privados situao estruturada e consolidada
em nosso ordenamento jurdico, que tem se avolumado nos ltimos anos, em especial com a
efetivao dos princpios e escopos constitucionais, tais como dignidade da pessoa humana,
funo da propriedade, entre outros. Segundo ele, o art. 9 da Lei n 12.424 no fora incluso
na explicao da ementa da norma, pois, como pode se vislumbrar no Projeto de Converso
de Lei n 10/2011, a exposio de motivos constante a transcrio literal da mesma
exposio de motivos da MP n 514/2010, tanto que a expresso "medida provisria" sequer
foi alterada no teor da explicao da ementa da nova lei. Infere que tampouco houve
comentrio aos artigos no existentes na dita Medida Provisria, como o art. 9, que inclui o
art. 1.240-A no Cdigo Civil.
Eis a transcrio do dispositivo legal, na forma em que foi includa no Cdigo Civil: Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposio, posse direta, com exclusividade, sobre imvel urbano de at 250m (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com
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ex-cnjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua famlia, adquirir-lhe- o domnio integral, desde que no seja proprietrio de outro imvel urbano ou rural. 1 O direito previsto no caput no ser reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. 2 Vetado
Segundo Mnica Guazzelli (2012, p. 98), sobre a nova lei pode-se afirmar que: [...] pelo que se depreende de sua gnese, tem por escopo facilitar e assegurar a aquisio de imvel para moradia para aquelas famlias menos favorecidas e de baixa renda, que tm a oportunidade de, pela primeira vez, adquirir residncia prpria, representando, pois, forma de assegurar o patrimnio mnimo, valorando-se as necessidades da pessoa.
No prximo tpico, sero analisados os seus requisitos.
3.2 Requisitos
Esta nova modalidade, denominada usucapio especial entre cnjuges, pr-famlia,
familiar, ou mesmo punitiva, traz semelhanas com a usucapio especial urbana individual,
que Flvio Tartuce (2011, s.p.) chama de regular.
3.2.1 Prazo
A primeira novidade quanto nova modalidade de usucapio o prazo exguo para a
sua configurao: apenas 2 anos. Este prazo inferior ao menor prazo estabelecido
anteriormente: 3 anos para usucapir bens mveis, sendo possuidor de boa-f.
Para Flvio Tartuce (2011, s.p.), tal reduo se justifica uma vez que a tendncia
ps-moderna justamente a de reduo dos prazos legais, eis que o mundo contemporneo
exige e possibilita a tomada de decises com maior rapidez.
No entanto, h crticas quanto ao exguo prazo para a formao da usucapio.
Segundo Amorim (2011, s.p.), at pouqussimo tempo atrs era este mesmo tempo o
necessrio para a realizao do divrcio. Embora a lei no exija mais tal lapso de separao
ftica, ele continua sendo, na prtica, mais ou menos respeitado pelos casais, por constituir
um prazo de reflexo bastante razovel. Prossegue, concluindo: [...] o prazo to curto acaba por apressar os casais a formalizarem sua separao, forando a reduo do prazo de reflexo e reestruturao de sentimentos e projetos familiares. Tal circunstncia atenta contra a dignidade e liberdade dos envolvidos que poderiam, qui deveriam, deixar fluir mais tempo antes de decidirem-se por enveredar por procedimento de partilha de bens.
Ehrhardt Jnior (2011, s.p.) considera que tal prazo fere o princpio da isonomia,
uma vez que diferentemente do que disciplina o art. 1.240 do CC/02, o solteiro ou aquele que
23 vive com sua famlia (no importa se regularmente casado ou vivendo em unio estvel)
necessita de posse por cinco anos ininterruptos e sem oposio para adquirir a propriedade de
imvel que j lhe serve de moradia.
Quanto ao incio do lapso temporal, Marcos Ehrhardt Jr. (2011, s.p.) afirma que o
prazo para exerccio desse novo direito deve ser contado por inteiro, a partir do incio da
vigncia da alterao legislativa, afinal no se deve mudar as regras do jogo no meio de uma
partida.
De fato, esse o entendimento da maioria dos operadores do direito. O Conselho da
Justia Federal, por meio do seu Centro de Estudos Judicirios CEJ, durante a V Jornada de
Direito Civil de 2011, editou o seguinte enunciado, de nmero 498: A fluncia do prazo de 2
(dois) anos previsto pelo art. 1.240-A para a nova modalidade de usucapio nele contemplada
tem incio com a entrada em vigor da Lei n. 12.424/2011.
3.2.2 Imvel urbano de at 250 m
A metragem, at 250 m, a mesma da usucapio regular. Tambm tem como
requisito que o usucapiente no seja proprietrio de outro imvel, seja urbano ou rural.
Porm, como tal artigo no se limita situao econmica ou social do titular,
poder dar margem a vrios equvocos em sua aplicao (GUAZZELLI, 2012, p. 101).
Figueredo (2011, s.p.) sustenta que a lei foi promulgada, teoricamente, para
favorecer populao de baixa renda, mas que o efeito poder ser contrrio. Explica que no
raro, alguns imveis em grandes centros urbanos, mormente em tempos de boom imobilirio,
at menores que 250 m tm alto valor econmico, ultrapassando R$ 2.600.000,00 (dois
milhes e seiscentos mil reais) em bairros luxuosos. Dessa forma, estaria legalizado o
enriquecimento sem causa de um indivduo em razo de um simples abandono do lar.
Por outro lado, a lei abrange apenas os moradores de reas urbanas, preterindo os de
reas rurais. Para Fonseca (2011, s.p.), trata-se de omisso absolutamente injustificada. Silva
(2011, s.p.), por sua vez, afirma que a localizao do domiclio de uma pessoa no critrio
justificativo para tratamento diferenciado. Considera, mormente: [...] qui no sejam mais gravosos na zona rural onde as relaes sociais mais prximas favorecem que a pecha de abandonado passe a integrar de forma pejorativa a identidade social do que permaneceu no imvel. Alm disso, no Brasil os ndices de baixa escolaridade e alta pobreza so mais acentuados na zona rural gerando entraves ao acesso Justia e a efetivao de direitos.
Tampouco especificou a lei se a rea a ser usucapida dever ser calculada conforme a
rea til ou total do bem. Fonseca (2011, s.p.) afirma que, tratando-se de medida restritiva de
24 direito, e em consonncia com a regra de hermenutica jurdica segundo a qual ao intrprete
vedado distinguir quando a lei no o faa, a metragem de 250 m a que se refere a lei a total,
e no apenas a til. Observa ainda o enunciado n 314 do CEJ (Centro de Estudos Judicirios
do Conselho da Justia Federal), que estabelece que, para os efeitos do art. 1.240, caput, no
se deve computar, para fins de metragem mxima a extenso compreendida pela frao ideal
correspondente rea comum.
Destarte, Silva (2012, s.p.) salienta que, mediante a limitao da metragem do imvel
(250 m), os casais que possuem melhores condies financeiras, mais de um imvel, ou a
residncia maior que os 250 m previstos, continuaro se valendo dos dispositivos anteriores,
com prazos de 5 e 10 anos, conforme artigos 1.240 e o pargrafo nico do artigo 1.238 do
Cdigo Civil.
3.2.3 Posse mansa, pacfica, direta e com exclusividade
Figueredo (2011, s.p.) afirma que posse mansa e pacfica no novidade para
usucapio, pois se trata daquela sem manifestao contrria de outra pessoa que tenha
interesse jurdico, isto , do proprietrio do bem durante todo o tempo aquisitivo de
usucapio.
Outrossim, h polmicas quanto expresso posse direta, uma novidade no que diz
respeito usucapio. Fonseca (2011, s.p) aduz que a posse deve ser exercida diretamente pelo
adquirente do domnio, mantendo-se ininterrupta pelo prazo de dois anos.
Ocorre que a posse pode desdobrar-se em direta e indireta. Figueredo (2011, s.p.)
explica que posse direta, segundo o art. 1.1979 do Cdigo Civil aquela da pessoa que tem a
coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real. Esta no anula a
indireta. So exemplos de posse direita o comodatrio, depositrio, locatrio e usufruturrio.
Posse indireta, por sua vez, aquela exercida por meio de outra pessoa, como o
comodante, depositante, locador e nu-proprietrio. Observa que uma separao de fato, ou o
simples abandono do lar, no gera o desmembramento da posse. O novo dispositivo legal
estaria autorizando a usucapio pelo possuidor direto contra o possuidor indireto, o que a lei
no permitia at ento. Cita o exemplo do locatrio, requerendo usucapio do locador,
situao contrria razo.
9Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, no anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto (Cdigo Civil).
25
Para dirimir essa controvrsia, foi aprovado o enunciado n 502 do CEJ: O conceito
de posse direta referido no art. 1.240-A do Cdigo Civil no coincide com a acepo
empregada no art. 1.197 do mesmo Cdigo.
Assim, a despeito de toda sistemtica legal impedir a usucapio entre possuidores
direto e indireto, pela falta do animus domini, a nova lei o dispensa (FIGUEREDO, 2011,
s.p.).
3.2.4 No ser proprietrio de outro imvel
Quanto a este requisito, no h novidade, uma vez que tambm previsto para outras
formas de usucapio, como o urbano, rural e coletivo.
Entretanto, Tartuce (2012, s.p.) acrescenta que o novo instituto somente pode ser
reconhecido uma vez, desde que o possuidor no tenha um outro imvel urbano ou rural, o
que est em sintonia com a proteo da moradia como fator do piso mnimo de direitos ou
patrimnio mnimo (art. 6 da CF/1988).
Fonseca (2011, s.p.), por sua vez, considera que o ex-cnjuge ou ex-companheiro
que tiver sido abandonado pelo outro consorte e, sob tal fundamento, obtido a propriedade
plena do imvel em que reside, no poder, em uma unio subsequente, na qual tambm
venha a ser deixado, obter o domnio do imvel que lhe tenha servido de moradia durante os
dois anos que se seguirem separao de fato. Sustenta que tal possibilidade no lhe ser
deferida, ainda mesmo que j tenha ele se desfeito do bem anteriormente granjeado com
amparo no mesmo art. 1.240-A.
3.2.5 Utilizao como moradia
Tambm no h nada de novo neste requisito. Impe-se que o imvel deve
necessariamente servir de residncia ao ex-cnjuge ou ex-companheiro.
Com este requisito, busca-se atingir o fim social da propriedade, nos termos do artigo
5, incisos XXII e XXIII da Constituio Federal.
3.2.6 Propriedade por pessoas casadas ou em unio estvel
A maior novidade na usucapio familiar que a ao deve ser proposta face a
cnjuges ou companheiros, inclusive homoafetivos (considerando as recentes decises do
Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADPF 132-RJ e ADI 4.277-DF), bastando que o
usucapido tenha abandonado o lar durante um lapso temporal mnimo de dois anos.
26
Nesse sentido o enunciado n 500 da Jornada de Direito civil: A modalidade de
usucapio prevista no art. 1.240-A do Cdigo Civil pressupe a propriedade comum do casal
e compreende todas as formas de famlia ou entidades familiares, inclusive homoafetivas.
Tartuce (2011, s.p.) infere que fica claro que o instituto tem incidncia restrita entre os
componentes da entidade familiar, sendo esse o seu mbito inicial de aplicao.
A nova modalidade de usucapio traz, portanto, uma exceo tcita ao art. 197, I do
CC, o qual determina que no corre prescrio entre cnjuges na constncia do casamento
(SILVA, 2011, s.p.). Todavia, para Tartuce (2011, s.p.), como se percebe pela leitura do novo
dispositivo, a categoria somente se aplica aos imveis que sejam de propriedade de ambos os
consortes e no a bens particulares de apenas um deles.
Contudo, infeliz foi a redao do art. 1.240-A no que tange s expresses ex-
cnjuge ou ex-companheiro. Nos dizeres de Fonseca (2011, s.p.): Ex-cnjuge ou ex-companheiro aquele que j no mais consorte, nem convivente. Ora, se o cnjuge ou companheiro so rotulados como ex, pressupe-se que o divrcio ou a dissoluo de unio estvel j tenham sido decretados. [...] no faria o menor sentido outorgar ao outro ex-cnjuge ou ex-companheiro qualquer direito sobre um bem j formalmente partilhado.
Destarte, convencionou-se na V Jornada de Direito Civil que as expresses ex-
cnjuge e ex-companheiro, contidas no art. 1.240-A do Cdigo Civil, correspondem
situao ftica da separao, independentemente de divrcio (Enunciado n 501).
3.2.7 Abandono do lar
O ltimo requisito, o do abandono do lar o que atrai mais controvrsias. Silva
(2012, s.p.) considera que a princpio, o novo artigo pode ser visto como algo bom, vez que
no deixa desamparado o consorte ou companheiro que foi abandonado, adquirindo assim a
frao da propriedade que seria daquele que o abandonou.
No mesmo sentido o entendimento de Tartuce (2011, s.p.) que justifica, in verbis: A nova categoria merece elogios, por tentar resolver inmeras situaes que surgem na prtica. comum que o cnjuge que tome a iniciativa pelo fim do relacionamento abandone o lar, deixando para trs o domnio do imvel comum. Como geralmente o ex-consorte no pretende abrir mo expressamente do bem, por meio da renncia propriedade, a nova usucapio acaba sendo a soluo.
Ocorre que, de acordo com a explanao de Amorim (2011, s.p.), o abandono de lar
tradicionalmente indicativo de culpa pela dissoluo do vnculo conjugal. Para Silva (2011,
s.p.), embora o Senado Federal, nos debates de aprovao da Lei 12.424/2011, tenha chamado
este novo instituto de Usucapio Pr-Famlia, ele tem ntida natureza patrimonialista e de
27 controle moral. Consoante Souza e Manoel (2012, p. 55), lar e famlia no so sinnimos,
nem podem ser entendidos como tais, especialmente na hiptese de usucapio.
Voltar a discutir a culpa pela dissoluo da sociedade conjugal seria uma afronta ao
princpio de vedao ao retrocesso social. Tal princpio est implcito na Constituio Federal,
podendo ser extrado da dignidade da pessoa humana (art. 1, inciso III) e do art. 3, que
incluiu como um dos objetivos da Repblica Federativa do Brasil a reduo das desigualdades
sociais e a construo de uma sociedade justa e igualitria. Barros (2010, p. 62) se refere a tal
princpio como efeito cliquet. Explica que cliquet um jargo utilizado por alpinistas para
definir um movimento que s os permite subir, no lhes sendo possvel retroceder. Para o
direito, tal princpio significa que uma vez que um direito incorporado ao ordenamento
jurdico no possvel sua revogao total sem a substituio por outro capaz de oferecer
garantias com eficcia semelhante. Assim, os direitos conquistados ao longo da histria no
podem retroagir, retroceder, somente avanar, progredir, melhorar. Para melhor delimitar o
princpio do no retrocesso, o autor prossegue afirmando que para Canotilho: [...] inconstitucional qualquer medida tendente a revogar direitos sociais j regulamentados, sem a criao de outros meios alternativos capazes de compensar a anulao desses benefcios. Assim, em tese, somente seria possvel cogitar a revogao de direitos sociais se fossem criados mecanismos jurdicos capazes de mitigar os prejuzos decorrentes da sua supresso.
Da mesma forma, Freitas (2011, p. 38) sustenta que o processo hermenutico exige,
luz do prprio princpio de vedao a retrocesso, que a aplicao prtica da norma ocorra de
forma atual, contextualizada e, sobretudo, sistematizada.
Guazzelli (2012, p. 107) ressalta que reinserir a discusso da culpa dando relevo ao
abandono do lar conjugal, sobretudo punindo aquele que sai e premiando o cnjuge que fica
[...] refora a arraigada ideia de que aquele que sai perde todos os seus direitos.
Vilardo (2012, p. 49) lembra que a expresso abandono do lar est no Cdigo Civil,
quando trata da separao judicial. O artigo 1.573, IV, CC estabelece que podem caracterizar
a impossibilidade da comunho de vida a ocorrncia de algum dos seguintes motivos:
abandono voluntrio do lar conjugal, durante um ano contnuo. Ressalta Amorim (2011, s.p.)
que aps dcadas de crticas durssimas da doutrina e da sociedade organizada brasileira
(principalmente do IBDFAM Instituto Brasileiro de Direito de Famlia) entrou em vigor a
EC 66/10 com a explcita finalidade de encerrar a questo da culpa dos litgios familiares. Em
contraposio, a nova modalidade de usucapio traria novamente prtica jurdica a discusso
da culpa. Questiona o autor: agora que a prtica forense comea a se acostumar a no excluir
28 direitos de qualquer dos consortes com pauta na culpa, a lei 12.424/11 reviver o tormento da
culpa para indicao de direito patrimonial?.
Nos dizeres de Vilardo (2012, p. 50), o que causa perplexidade termos que socorrer
de conceitos que foram construdos para justificar o ento desquite litigioso. Prossegue
justificando que: [...] o art. 317 do Cdigo Civil de 1916 trazia o abandono voluntrio do lar conjugal durante dois anos como causa para o desquite. Naquela poca era to grave deixar o lar conjugal que os demais fundamentos que motivavam a ao de desquite, todos includos no mesmo artigo, eram o adultrio, a tentativa de morte, sevcias ou injria grave. Cabia ao marido o direito de fixar o domiclio da famlia e mulher competia segui-lo. O que caracterizava o abandono era a ausncia com a inteno de desfazer os liames familiares. Observe-se que em 1916 o prazo para sua configurao era de dois anos, o mesmo hoje exigido pela lei nova. Segundo Carvalho Santos, a voluntariedade tinha como pressuposto a malcia, ausncia de motivo justo, inocncia do abandonado, que o abandono fosse mau (expresso utilizada pelo Cdigo alemo), com violao consciente do dever da vida em comum sem justa causa.
Maria Helena Diniz (2010, p.136) ressalta a ttulo ilustrativo que: [...] o injustificado abandono do lar, por parte da mulher, acarretava maior nmero de sanes, cessando, para o marido, a obrigao de sustenta-la; podia o magistrado, segundo as circunstncias, ordenar, em proveito do marido e dos filhos, o sequestro temporrio de parte dos rendimentos particulares da mulher (CC de 1916, art. 234; STF, Smula 379) [...].
Silva (2011, s.p.) considera que em boa hora o Brasil extirpou do Ordenamento
Jurdico os debates judiciais sobre culpa no desenlace do casamento por meio da Emenda
Constitucional 66 de 2010, prestigiando a finalidade eudemonista na constituio da famlia e
a preservao da intimidade dos cnjuges. Assevera que, atualmente, o fim do casamento
ocorre pelo fim do amor sem que o Estado exija qualquer lapso temporal ou debate de culpa
para regulamentar a situao. Vilardo (2012, p. 50) pondera que o procedimento judicial de
divrcio adquiriu um carter meramente administrativo, no qual o outro cnjuge, quando
citado, na verdade est sendo notificado de que ser decretado seu divrcio. As razes que
culminaram no fim do relacionamento no tm o condo de interferir nos demais direitos e
deveres correlatos ao casamento ou unio. Por fim, afirma que embora tenha sido resgatado
esse instituto do abandono, no se pode utilizar o mesmo conceito do sculo passado.
Destarte, Fonseca (2011, s.p.) assevera que nada justifica que aquele que deixou o lar
comum por no mais suportar a convivncia, independentemente das causas, seja apenado
com a perda do imvel em que l deixou abrigada famlia. Como exemplo, cita que
frequentemente, aquele que um dia abandonou o lar, o fez por um gesto de magnnima
29 grandeza dalma, visando deixar a ex-consorte e os filhos confortavelmente instalados na
antiga residncia.
Outro exemplo, citado por Amorim (2011, s.p.) o da mulher que, sendo agredida,
abandona o lar para cessar a violncia, situao comum, infelizmente. Ela deixa escoar dois
anos sem questionar a propriedade ou a posse do agressor sobre o imvel. Apesar de no
haver nada de culposo no ato da mulher, uma vez que o agressor estaria dando ao imvel sua
destinao social, a ele caberia a propriedade integral, excluindo o condomnio da violentada.
importante ressaltar que a nova modalidade de usucapio no exige a presena de
justo ttulo ou boa-f. Assim, aquele que adquire a posse por meio de violncia seria premiado
com a propriedade exclusiva do nico imvel da famlia.
Outro ponto debatido por Silva (2012, s.p.), trata da extenso do litgio conjugal, vez
que novamente ser buscada a culpa pelo fim do relacionamento com o intuito da aquisio
integral da propriedade, agravando as contendas entre os cnjuges e companheiros. O novo
dispositivo supe o abandono por um dos consortes e este dever ser provado por quem ficar
no imvel, tornando essas batalhas judiciais mais turbulentas. certo que as partes ficaro
numa situao de degradao moral, vez que, com o medo de perder a propriedade, se
submetero a ferir sua liberdade e intimidade, no saindo do lar aps o trmino do casamento.
Tambm nesse sentido o entendimento de Amorim (2012, s.p.) que sustenta que a
tradio j fez provar: a culpa alonga os litgios e os torna mais complexos, roubando-se a
paz dos litigantes ao invs de restabelec-la. Ressalta que: [...] a forma como a lei trouxe o termo "abandonou o lar" perigosa e traz a possibilidade de formar opinio que a culpa no divrcio e dissoluo de unio estvel ressuscitou. A partir da, uma luta jurdica de dcadas que parecia ganha pela EC 66/10 pode ressurgir.
Figueredo (2011, s.p.) conclui que, o ideal ser o juiz avaliar a real m-f daquele
que abandonou o lar, isto , que tenha realmente se desligado de seu lar ignorando tanto seu
consorte, quanto seus filhos, a ponto de merecer ser punido com a perda de sua propriedade
pela usucapio.
Nesse sentido a concluso de Guazzelli (2012, p. 103): Entendemos que no possvel afirmar que o abandono do lar se trata de mais um dos requisitos meramente objetivos da nova lei, pois para o nosso entendimento, o abandono permeia o subjetivo, uma vez que para sua caracterizao necessrio advir da vontade, da inteno do sujeito. No basta a ausncia do cnjuge/companheiro do lar, at porque esta pode ser decorrncia de um fato alheio a sua vontade, como, por exemplo, o estado ou tratamento de sade, mas preciso que o abandono seja de fato intencional.
30
Esse tem sido o entendimento majoritrio dos operadores de direito, solidificado pela
edio do enunciado n 499 da V Jornada de Direito Civil, que prescreve: A aquisio da propriedade na modalidade de usucapio prevista no art. 1.240-A do Cdigo Civil s pode ocorrer em virtude de implemento de seus pressupostos anteriormente ao divrcio. O requisito abandono do lar deve ser interpretado de maneira cautelosa, mediante a verificao de que o afastamento do lar conjugal representa descumprimento simultneo de outros deveres conjugais, tais como assistncia material e sustento do lar, onerando desigualmente aquele que se manteve na residncia familiar e que se responsabiliza unilateralmente pelas despesas oriundas da manuteno da famlia e do prprio imvel, o que justifica a perda da propriedade e a alterao do regime de bens quanto ao imvel objeto de usucapio.
Dessa forma, Tartuce (2011, s.p.) ressalta que o abandono de lar deve ser analisado sobre a vertente da funo social da posse e no quanto moralidade da culpa pela dissoluo do vnculo conjugal. No cabe analisar se o abandono de fato caracterizou culpa, ou se evadir-se foi legtimo ou at mesmo urgente. Deve-se apurar apenas qual dos dois permaneceu dando destinao residencial ao imvel e pronto, independente da legitimidade da posse e do abandono.
3.2.8 Processamento
Os artigos 941 e seguintes do Cdigo de Processo Civil (CPC) disciplinam o rito das
aes de usucapio. Entretanto, a nova lei no estabelece o rito processual da usucapio
conjugal, devendo ser aplicado, portanto, o rito ordinrio previsto no artigo 271 do CPC.
No entendimento de Vilardo (2012, p. 57-58), no h necessidade para o julgamento
de que seja providenciada a citao dos confinantes com o imvel, demais interessados,
manifestao da Fazenda Pblica de quaisquer rgos da Federao, ou mesmo juntada da
planta do imvel.
Porm, a citao do usucapido dever ser pessoal. No entanto, no haver
necessidade de se oficiar a todos os rgos possveis. Com a afirmao de que o ru se
encontra em local incerto e no sabido, h a possibilidade de citao por edital.
3.2.9 Regime de bens
Finalmente, Silva (2011, s.p.) lembra que o imvel comum na usucapio familiar
somente pode ser fruto dos regimes de comunho total ou parcial, regime de participao final
de aquestos em havendo no pacto previso de imvel comum ou separao legal por fora da
Smula 377 do STF, a qual prev que os bens adquiridos na constncia do casamento se
comunicam. Destaca que quando o regime for de separao convencional de bens, a ausncia
de bens comuns no permite a aplicao da usucapio conjugal. Considera que a usucapio
31 entre cnjuges pode acarretar modificao do regime de bens, o qual no pode ser alterado
unilateralmente (art. 1.639 do CC). J no regime de separao convencional no h
perspectiva de comunicao de patrimnio entre cnjuges e companheiros, afastando-se a
incidncia a usucapio familiar, sendo cabvel s demais espcies de usucapio previstas no
ordenamento legal comprazo mais longo.
Porm, outro o entendimento de Vilardo (2012, p. 54) no sentido de que, no que
tange aos regimes de separao total de bens, embora no passem a ter como comuns todos
os bens adquiridos, individualmente podero adquirir conjuntamente um bem que poder ser
objeto da usucapio, pois atender o requisito de propriedade comum. Prossegue o seu
raciocnio afirmando que: [...] a possibilidade de se criar uma situao para alterar as vedaes legais prprias de determinados regimes de bens no empecilho para aplicao da usucapio entre ex-casal, cabendo ao juiz analisar no caso concreto quando se tratar de algum tipo de simulao ou fraude lei.
Para a magistrada, a usucapio conjugal se aplicaria mesmo no regime de separao
obrigatria. No corresponderia a uma mudana de regime de bens, mas aplicao de
instituto do direito das coisas com repercusso imediata na famlia e nos seus direitos.
Como um dos requisitos para a usucapio familiar dividir a propriedade de um
imvel com cnjuge ou companheiro, pode-se dizer, a princpio, que no seria cabvel nos
regimes de separao total de bens ou separao obrigatria, quando o bem for de propriedade
exclusiva de um s cnjuge.
Todavia, se um cnjuge tiver a propriedade exclusiva de um imvel o abandonar,
deixando sua manuteno a cargo do outro, e no demonstrar a inteno de ter sua
propriedade restabelecida, conclui-se que seria cabvel a usucapio, ainda que de forma
ordinria. Isso seria possvel porque o nico dispositivo que vedava a ocorrncia da prescrio
entre cnjuges (art. 197, I, CC) foi tacitamente revogado pelo artigo 1.240-A do Cdigo Civil.
3.2.10 Formas de se evitar a ao de usucapio familiar
Tartuce (2011, s.p.) afirma que, em havendo disputa, judicial ou extrajudicial,
relativa ao imvel, no ficar caracterizada a posse ad usucapionem, no sendo o caso de
subsuno do preceito. Assim, eventualmente, o cnjuge ou companheiro que abandonou o lar
pode notificar o ex-consorte anualmente, para demonstrar o impasse relativo ao bem,
afastando o cmputo do prazo.
32
Pondera Silva (2012, s.p.) que tal notificao pode ser judicial, por meio de uma
medida cautelar de separao de corpos, ou mesmo por meio de um instrumento extrajudicial,
de carter particular.
Entretanto, Freitas (2012, p. 40) assevera que no adiantaria promover notificaes
ou realizar boletins de ocorrncia para desnaturar a posse ininterrupta e sem oposio. [...] h, sim, que reivindicar seu direito sobre o bem em ao de divrcio ou de dissoluo de unio estvel, mediante pedido de arbitramento de aluguel, concesso de usufruto, fixao de comodato, utilizao do bem em pagamento de alimentos in natura ou como parte da penso alimentcia, ou pelo menos sob o argumento de que contribuiu para o custeio das despesas necessrias manuteno do bem [...].
No prximo captulo ser feita uma anlise da primeira deciso judicial prolatada
sobre o tema.
33
4. ANLISE DA JURISPRUDNCIA
No dia 19 de setembro de 2011, apenas 3 meses aps a publicao da lei
12.424/2011, foi publicada a primeira deciso sobre a usucapio conjugal. A ntegra da
deciso consta do Anexo I deste trabalho.
Proposta pela Defensoria Pblica de Minas Gerais perante a Terceira Vara de
Famlia de Belo Horizonte tratava-se de pedido de antecipao de tutela em ao de usucapio
familiar. A autora, M.A.P, representada pela Defensora Pblica Liliane Maria Gomide Leite,
requeria incidentalmente o domnio integral do imvel, cuja propriedade dividia com o ex-
cnjuge, desaparecido.
A ao trata do pedido de usucapio familiar, movido por M.A.P. em desfavor de seu
ex-marido. De acordo com a Assessoria de Comunicao da Defensoria Pblica de Minas
Gerais, a autora divorciou-se em 2005, mas estava separada de fato desde 2001, quando o
cnjuge deixou a residncia, e no mais retornou. Afirmou que sempre arcou com as despesas
e manuteno do imvel conjunto.
Conforme o prolator da deciso, o Juiz Geraldo Claret de Arantes, a autora afirmou
perfazer os requisitos essenciais para dar suporte ao pedido, como o lapso temporal do uso
exclusivo e ininterrupto do imvel, a prova do casamento e o registro do imvel. Ainda
informou ser portadora de doena grave, e que necessitava com urgncia do pleno domnio do
imvel, at para exercer os direitos e resolver nus pendentes. A no localizao do ex-
marido, comprovada nos autos, impedia qualquer negociao que envolvesse o imvel.
O magistrado afirmou em sua deciso: [...] trata-se de inovao legislativa que vem corrigir antiga lacuna legal, que muitas vezes implicava em situaes de desigualdade entre cnjuges, ante o fato de que um deles ficava impedido de exercer seu direito sobre a moradia comum, de sua copropriedade, em decorrncia do desaparecimento do outro cnjuge, ou mesmo do abandono da moradia comum por considervel lapso temporal, mas mantendo, legalmente, sua parte no domnio do imvel, mesmo sem exerc-lo de qualquer forma ou modo, mas, repita-se, obstaculizando o exerccio do direito do outro, que permaneceu na posse exclusiva do imvel conjugal, arcando com todos os encargos derivados de tal condio.
Fundamentando a concesso incidental da tutela antecipada, o douto juiz afirmou que
a verossimilhana do direito estava demonstrada pela Certido de Registro de Imvel, que
dava conta da copropriedade do mesmo. Informou que a posse exclusiva do imvel por mais
de dois anos foi demonstrada atravs das tentativas de citaes, infrutferas, do requerido,
atravs de oficiais de justia e de editais, durante todo o curso do processo. Tambm houve
prova de que a autora foi casada com o requerido, atravs da certido de casamento juntada
34 aos autos da ao n 770.753-1/05. O magistrado considerou que os indcios de direito da
autora surgiram de forma forte e clara nos autos. Quanto ao perigo da demora na prestao
jurisdicional, traduzia-se atravs dos exames e laudos mdicos juntados, dando conta de que a
autora era portadora de enfermidade grave, em duas modalidades, o que recomendava a tutela
requerida.
Com essas consideraes, o Dr. Geraldo Claret de Arantes antecipou os efeitos da
tutela judicial, para declarar como de domnio total e exclusivo da autora a totalidade do
imvel, declarando, por fim, que a autora adquire por fora da usucapio conjugal, na forma
do artigo 1.240-A do Cdigo Civil, a meao de seu ex-marido. Determinou mandado de
averbao, que, encaminhado ao cartrio de registro de imveis, possibilitou a modificao do
registro do imvel.
Em que pese a louvvel e inovadora deciso do magistrado, merece algumas
consideraes.
A primeira a propositura da ao de usucapio conjugal na Vara da Famlia. certo
que aes que versem sobre direitos reais devem ser julgadas na Vara Cvel comum.
Competente o foro da situao do bem usucapiendo, afirma Humberto Theodoro Jnior
(2007, p. 187). Segundo o doutrinador (2007, p. 196), o atual Cdigo de Processo Civil
estabelece foros especiais para aes reais imobilirias (art. 95), aes de separao, anulao
de casamentos, alimentos, anulao de ttulos (art. 100, incisos I, II e III) e aes contra o
ausente (art. 97). Dessa forma, em um primeiro momento, indevido o julgamento de aes
de usucapio pela Vara de Famlia.
Porm, para Vilardo (2012, p. 56), a especializao existe para dar maior
profundidade no conhecimento de casos peculiares. Como essa nova modalidade de
usucapio tem fundamento no direito de famlia, e percebe-se a acumulao de pedido de
carter patrimonial decorrente de direitos e deveres dos cnjuges e companheiros, a ao deve
ser julgada e processada em Vara de Famlia. Prossegue a magistrada: Os negcios jurdicos entre familiares possuem repercusso emocional e permitem outro tipo de atuao no comum s Varas Cveis, inclusive com a realizao de acordos que levam em considerao a abordagem psicolgica e social das quais so dotadas as Varas de Famlia e sua equipe tcnica. Alm disso, certamente estaro em trmite na Vara de Famlia outros feitos entre as mesmas partes que podero de uma s abordagem ser resolvidos junto usucapio que possivelmente ser matria alegada como defesa em futuras aes de partilha de bens.
A segunda considerao a de que a nova lei, publicada em 16 de junho de 2011,
retroagiu para prejudicar o direito do requerido, uma vez que o suposto abandono se deu no
35 ano de 2001. Quando a deciso foi prolatada, haviam decorrido apenas trs meses da
publicao da lei. No havia lapso temporal suficiente para a propositura da ao de
usucapio conjugal. O fato de uma lei nova retroagir para criar uma obrigao ou para
prejudicar o direito de outrem fere o princpio da segurana jurdica. Acertadamente, Vilardo
(2012, p. 54) observa que: [...] a teoria subjetivista de Savigny foi adotada para que a lei nova no viole direitos precedentemente adquiridos. Somente quando tais direitos no sejam ofendidos a lei nova pode ser aplicada, quer se trate de fatos ou relaes jurdicas novas ou da consequncia dos anteriores [...] As leis que regulamentam os direitos das coisas so aplicadas aos fatos futuros para que no seja gerada insegurana jurdica.
A terceira observao de que o divrcio j ocorreu. Em que pese a alegao de
abandono, a ao de divrcio foi julgada, e a partilha determinada, cabendo a cada cnjuge a
meao do imvel. Como explicado no captulo anterior, a ao de usucapio familiar
somente seria possvel caso a dissoluo da sociedade conjugal no tivesse ocorrido. E uma
das formas de se evitar a perda do domnio atravs da nova ao de usucapio seria
justamente a propositura da ao de divrcio.
Uma vez que o coproprietrio do bem se encontra em local incerto e no sabido, e
que a autora comprovou a posse mansa, pacfica e contnua sobre o imvel, arcando sozinha
com as despesas de manuteno e tributos; mais certo seria aplicar a usucapio ordinria, cujo
perodo aquisitivo de 10 anos.
Outro ponto a se considerar que a ao serviu, na prtica, como uma forma de se
burlar o procedimento de ausncia, previsto nos artigos 1159 a 1169 do Cdigo de Processo
Civil.
O novo cdigo estabelece que desaparecendo uma pessoa de seu domiclio, sem dar
qualquer notcia e sem deixar procurador para administrar seus bens ou que tenha deixado
mandatrio que no queira exercer mandato, o juiz, a requerimento de qualquer interessado,
ou do Ministrio Pblico, certificando-se da veracidade do fato, arrecadar os bens do
ausente, especificando-os minuciosamente e entregando-os a um curador que nomear.
Em resumo, ao invs de aguardar 10, 15 anos para converter a sucesso provisria
dos bens do ausente em definitiva, o que asseguraria os direitos de eventuais sucessores;
simplesmente concede-se a titularidade dos bens do ausente ao ex-cnjuge, no lapso temporal
de apenas 2 anos (ou 90 dias, no caso da deciso em comento). Entretanto, sobre este tpico,
Vilardo (2012, p. 52) delibera que, preenchidos os requisitos da usucapio entre ex-casal, no
se poder exigir o trmite da declarao de ausncia, mais longo, devendo ser aplicada a lei
nova para garantir o direito de moradia famlia sobre o imvel j ocupado.
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Finalmente, devemos pensar na hiptese de, ao conceder precipitadamente a
usucapio familiar, prejudicar o direito sucessrio de terceiros. Caso o requerido ausente
tivesse constitudo nova famlia aps o divrcio, e obtido filhos dessa unio, o direito dos
sucessores estaria prejudicado, pois a propriedade integral do imvel foi conferida ex-
esposa.
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CONSIDERAES FINAIS
Uma nova modalidade de usucapio foi acrescentada ao Ordenamento Jurdico
Brasileiro. Instituda pela Lei n 12.424/2011, encontra-se normatizada no artigo 1.240-A do
Cdigo Civil, e denominada pela doutrina como Usucapio Familiar, Conjugal, Pr-famlia,
ou punitiva.
Adquire o domnio do imvel aquele que, no sendo proprietrio de outro imvel
urbano ou rural, aps a separao de fato, permanecer por dois anos ininterruptos na posse
mansa, pacfica, direta e exclusiva do nico imvel oriundo da sociedade conjugal, cuja
metragem no poder ultrapassar 250 m.
Este trabalho no teve o intuito de esgotar o assunto. Por tratar-se de tema novo, e
por ter-se originado de forma precipitada, prematura, e sem reflexo do legislador, a
usucapio familiar objeto de muitas polmicas, e sua aplicabilidade depender da formao
do entendimento jurisprudencial.
Ficou clara a inteno do legislador de criar uma nova modalidade de usucapio,
visando favorecer a populao, principalmente as famlias mais carentes. Porm, a Lei n
12.424/11 no se detm sobre os aspectos que deveriam ser cristalinos em relao
modalidade de usucapio que institui, trazendo muitas complicaes ao Poder Judicirio
(SOUZA; MANOEL, 2012, p. 57).
Conclui-se que apesar de inovador, o novo instituto da usucapio conjugal deve ser
aplicado com cautela, sopesando-se todos os aspectos envolvidos.
A imaturidade do tema ainda ser causa de muitos erros, mas, como tudo no Direito,
o debate doutrinrio e jurisprudencial promover a adequao do instituto ao ideal de justia
(FREITAS, 2011, p. 40).
38
REFERNCIAS
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