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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
CAIO GABRIEL CARVALHIDO IZABEL
A COOPERAÇÃO ENTRE OS ESTADOS PELA HARMONIA DAS
RELAÇÕES COMERCIAIS E A UNIVERSALIZAÇÃO CONTRATUAL
DOS “ INCOTERMS” COMO CLÁUSULA DE SEGURANÇA DOS
CONTRATOS INTERNACIONAIS MERCANTIS
CURITIBA
2016
CAIO GABRIEL CARVALHIDO IZABEL
A COOPERAÇÃO ENTRE OS ESTADOS PELA HARMONIA DAS
RELAÇÕES COMERCIAIS E A UNIVERSALIZAÇÃO CONTRATUAL
DOS “ INCOTERMS” COMO CLÁUSULA DE SEGURANÇA DOS
CONTRATOS INTERNACIONAIS MERCANTIS
Monografia apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Wagner Rocha D’Angelis
CURITIBA
2016
TERMO DE APROVAÇÃO
CAIO GABRIEL CARVALHIDO IZABEL
A COOPERAÇÃO ENTRE OS ESTADOS PELA HARMONIA DAS
RELAÇÕES COMERCIAIS E A UNIVERSALIZAÇÃO CONTRATUAL
DOS “ INCOTERMS” COMO CLÁUSULA DE SEGURANÇA DOS
CONTRATOS INTERNACIONAIS MERCANTIS
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no Curso de direito da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, de de 2016.
__________________________
Bacharelado em Direito
Universidade Tuiuti do Paraná
Orientador: __________________________
Professor Doutor Wagner Rocha D’Angelis
__________________________
Professor da Universidade Tuiuti
__________________________
Professor da Universidade Tuiuti
RESUMO
A cooperação entre os Estados visa promover relações internacionais pacíficas e harmoniosas entre os particulares e, no âmbito do comércio internacional, fomentar o desenvolvimento econômico dos países e afastar conflitos jurídicos. O presente trabalho de pesquisa visa analisar a cooperação entre Estados em busca da uniformização de leis com o objetivo de minimizar litígios jurídicos entre particulares e promover uma boa convivência entre si no âmbito comercial. A uniformização de leis pode decorrer da celebração de tratados internacionais, convenções, acordos ou ainda criação de blocos econômicos. Este trabalho ainda visa apresentar o instituto dos Incoterms – International Commercial Terms como exemplo de uniformização de norma no âmbito internacional mercantil. Ainda, expor os fatos históricos que geraram a necessidade de sua criação, demostrar sua aplicação em contratos de compra e venda internacionais e como se tornaram termos padronizados no cenário internacional através da cooperação entre os Estados, celebração de tratados internacional e atuação constante de Órgãos Internacionais. Ainda, este trabalho visa expor, sob a ótica jurídica, as normas brasileiras e estrangeiras que regulam os Incoterms, classificar as principais modalidades, apresentar as razões de sucesso durante as últimas décadas, as dificuldades enfrentadas pelas empresas não adaptadas ao uso deste instituto e, por fim, os obstáculos existentes no cenário internacional que impedem a consolidação universal dos Incoterms no comércio exterior.
Palavras chave: Incoterms. Comércio Internacional. Contratos. Cooperação entre Estados.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA I – INCOTERM EXW
FIGURA II – INCOTERM FOB
FIGURA III – INCOTERM CFR
FIGURA IV – INCOTERM CIF
FIGURA V – INCOTERM DDP
LISTA DE SIGLAS
CAMEX Câmara de Comércio Exterior:
CFR Cost and freight
CIF Cost Insurance and Freight
CIP Carriage and Insurance Paid
COMECON General Conditions of Delivery of Goods between Organizations of the
Member Countries of the Council for Mutual Economic Assistance
CPT Carriage Paid To
DAP Delivery at Place
DAT Delivery at Terminal
DDP Delivery Duty Paid
DIPR Direito Internacional Privado
EXW Ex Works
FAS Free Alongside Ship
FCA Free Carrier
FOB Free on Board
GATT Acordo Geral de Tarifas e Comércio
ICC International Chamber of Commerce
Incoterms International Commercial Terms
LINDB Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro
OEA Organização dos Estados Americanos
OMC Organização Mundial de Comércio
UCC Uniform Commercial Code
UNIDROIT Unification droit
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 7
2 DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO .................. ................................................. 8
2.1 ABORDAGEM HISTÓRICA ............................................................................................ 8
2.2 IMPORTÂNCIA NO MUNDO ATUAL .............................................................................. 9
3 DO DIREITO INTERNACIONAL UNIFORME ................. .............................................. 13
3.1 ELEMENTOS DE CONEXÃO ....................................................................................... 14
3.2 CÓDIGO BUSTAMANTE .............................................................................................. 15
3.3 UNIDROIT E A LUTA POR UM DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO AMPLAMENTE UNIFORME ......................................................................................................................... 18
3.4 A OMC – ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO E O GATT – ACORDO GERAL DE TARIFAS E COMÉRCIO ................................................................................................ 19
4 A FRUSTAÇÃO QUANTO A UNIFORMIZAÇÃO TOTAL DO DIREITO INTERNACIONAL ..................................... .......................................................................... 21
5 INCOTERMS – TERMOS COMERCIAIS PADRONIZADOS PELA CÂMARA DE COMÉRCIO INTERNACIONAL ............................ ............................................................... 22
5.1 ORIGEM ....................................................................................................................... 22
5.2 INCOTERMS EM ESPÉCIES ....................................................................................... 23
5.3 INSERÇÃO DOS INCOTERMS NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS E RAZÕES DE SUCESSO ........................................................................................................................... 29
5.4 CONTRATO INTERNACIONAL COM AUTONOMIA DE VONTADE LIMITADA EM PROL DA UNIFORMIDADE ................................................................................................. 31
6 FATORES IMPEDITIVOS À PADRONIZAÇÃO DOS INCOTERMS ............................. 35
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................... ........................................................... 38
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 40
7
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho de conclusão de curso tem por objetivo abordar os temas
pertinentes a cooperação entre os países durante a história em busca da
harmonização das relações comerciais e uniformização de certas normas a fim de
garantir uma convivência pacifica no âmbito internacional em prol do
desenvolvimento econômico.
Analisa-se, primeiramente, o ramo do Direito Internacional Privado - DIPR,
identificando seu conceito, características e fatores históricos que culminaram na
construção de um ramo jurídico importante para dirimir conflitos de leis entre os
países. Através do DIPR, é possível identificar qual lei deve ser utilizada para
analisar o caso concreto, lei pátria ou estrangeira. Diante deste contexto, este
trabalho analisa a importância dada pelos Estados à uniformização de leis com
intuito de facilitar as relações internacionais mercantis entre particulares. O maior
exemplo de um direito internacional padronizado e uniforme atualmente é o bloco
econômico da União Europeia, onde os Estados membros estabelecem legislações
semelhantes para manter harmoniosa, transparentes e pacíficas as relações
comerciais entre si.
Além disto, pretende-se abordar a luta histórica pela universalização da
aplicação dos Incoterms como termo padronizado de segurança em contratos
mercantis no cenário internacional e as razões de sucesso na maioria dos Estados.
Os Incoterms definem direitos e obrigações para exportadores e importadores; tais
obrigações decorrem do contrato mercantil, portanto, é fundamental o domínio deste
instituto para atuar com excelência no Comércio Exterior.
Este trabalho, ainda, elenca vantagens de aplicação, sobretudo como a
Câmara de Comércio Internacional – ICC e outros órgãos internacionais vêm
atuando para convencer os Estados a regularizar esta matéria tão importante, que
facilita as relações jurídicas comerciais de exportação e importação. O Brasil
regulariza o instituto dos Incoterms de maneira infraconstitucional, logo, este
trabalho também pretende apresentar as legislações pertinentes à matéria. Por fim,
visa-se identificar fatores impeditivos e obstáculos existentes que dificultam a
universalização dos Incoterms como normas uniformes entre empresas estrangeiras.
8
2 DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
2.1 ABORDAGEM HISTÓRICA
Primeiramente, ao estudar a ciência do Direito Internacional Privado - DIPR é
necessário se pacificar um questionamento: Tal ramo do direito é composto de leis
internacionais ou se restringe a direito interno de cada país? Temos no planeta em
torno de 200 países soberanos e cada um dele possui legislação própria quanto ao
direito internacional privado. Assim afirma Dolinger (2014, p. 23), “a principal fonte
do Direito Internacional Privado é a legislação interna de cada sistema, razão por
que não cabe falar em direito internacional, uma vez que a autoria de suas regras é
interna e não internacional”.
Desde os tempos mais remotos existem registros de relações entre povos de
diferentes localidades, sejam elas comerciais, jurídicas ou familiares. A princípio, tais
relações tendem a ser harmoniosas, porém, por vezes, podem causar atritos e
conflitos entre as partes. Desta forma, o DIPR surge a fim de resolver conflitos entre
indivíduos, quando as relações entre eles transcendem as fronteiras nacionais.
Portanto, tal ramo do direito nasce da busca por soluções jurídicas a problemas
decorrentes de relações entre povos e indivíduos. Por outro lado, as relações entre
Estados e Órgãos Internacionais são reguladas pelo Direito Internacional Público.
Neste sentido versa o doutrinador,
Denota-se assim a perfeita distinção entre direito internacional público e o direito internacional privado, pois, enquanto aquele é regido primordialmente por Tratados e Convenções, multi e bilaterais, controlada a observância de suas normas por órgãos internacionais e regionais, o Direito Internacional Privado é preponderantemente composto de normas produzidas pelo legislativo interno. (DOLINGER, 2014, p. 23)
Antigamente, não se respeitava a existência de legislações internacionais
distintas. Por exemplo, na Antiguidade Oriental o estrangeiro era considerado
inimigo e suas normas eram tidas por outros grupos como insignificantes. Ainda, na
Roma Antiga, os cidadãos romanos impunham aos estrangeiros as leis que eles
mesmos criavam e as mantinham através de sua força bélica. O surgimento de
Direito Internacional Privado nasce em razão da grande expansão das cidades
9
europeias (burgos) e cidades-estados1. Como cada cidade passou a ter geralmente
seu próprio ordenamento jurídico e havia grande relação comercial, civil e jurídica
entre elas, viu-se a necessidade de saber qual direito deveria ser aplicado nos casos
concretos de relações litigiosas entre um estrangeiro e um cidadão local. Entre o
século XIV a XVIII encontram-se os primórdios do DIPR, principalmente nas cidades
e províncias da Europa. Inúmeros questionamentos emergiam das relações entre os
povos, como por exemplo, qual lei se aplicaria a um contrato firmado entre um
Italiano e um Francês, ou ainda qual regime de bens se aplicaria ao casamento
entre um bretão e uma normanda2.
Neste contexto surgiu nos países anglo-saxônicos o termo conflicts of law,
que no século XIX, passou a ser denominado de Direito Internacional Privado. Assim
também afirma o doutrinador,
A denominação foi formulada pela primeira vez por Joseph Story nos
Estados Unidos, em 1834, ganhando aceitação com título de obra por
Foelix, na França, em 1843, ganhando aceitação quase universal. Os anglo-
americanos preferem a denominação “conflict of Laws”, mas adequada, pois
se refere ao principal objeto da ciência, e, se considerarmos que abrange
todo tipo de conflito, inclusive o de natureza jurisdicional, a denominação é
completa, pois eles não incluem no objeto da disciplina a nacionalidade e a
condição jurídica do estrangeiro. (DOLINGER, 2014, p. 25)
Joseph Story também criou dois relevantes princípios referentes à ciência
jurídica do Direito Internacional Privado, sendo o primeiro deles que cada Estado
decide autonomamente como deve aplicar o direito estrangeiro em seu país, e o
segundo, que a cooperação entre os Estados decorre de interesse mútuo para
garantir direitos e justiça aos estrangeiros que estiverem em seus territórios, para
que os cidadãos nacionais também sejam respeitados quando estiverem em países
estrangeiros3.
2.2 IMPORTÂNCIA NO MUNDO ATUAL
1 O Alvorecer do Direito Internacional Privado, Wagner Rocha D’Angelis, pg. 2 a 3. 2016.
2 Dolinger, Jacob – Direito Internacional Privado, parte geral. 2014, p. 35.
3 O Alvorecer do Direito Internacional Privado, Wagner Rocha D’Angelis, pg. 4. 2016.
10
São duas as possibilidades de analisar a disciplina em torno do DIPR e os
conflitos de leis, a primeira ótica refere-se à comparação entre leis de diversos
países, que se divergem entre si. Tal comparação tem por intuito identificar até onde
se alcança a aplicação da lei pátria de um determinado país, portanto, qual é o limite
da aplicação e até onde causará efeitos. Tal visão se caracteriza pelo unilateralismo
de um governo em definir, conforme seu interesse, quanto à extensão de sua
legislação interna. Por fim, analisa-se o alcance extraterritorial de seu próprio
ordenamento jurídico. Por outro lado, a segunda análise se caracteriza pelo
multilateralismo, pois visa identificar qual será a lei mais adequada para se aplicar
ao caso concreto (relação jurídica), se a do sistema jurídico pátrio ou se a do
estrangeiro. Logo, há enfoque na relação jurídica multinacional e nos elementos de
conexão de cada legislação para identificar qual o sistema jurídico mais adequado
ao caso concreto4.
Diante da notável e atual globalização e da facilidade de comunicação entre
os povos, o caráter cosmopolita do ser humano cresce exponencialmente e as
relações jurídicas internacionais são cada vez mais numerosas. O Direito
Internacional Privado surge como instrumento facilitador para alcançar solução
eficiente em casos de conflitos de leis.
Em razão destas relações internacionais, vale destacar que
Cada Estado poderia, teoricamente, aplicar o direito interno, indistintamente,
a todas as questões jurídicas com conexão nacional e internacional. Na
realidade, porém, não é isso o que ocorre, pois todos os ordenamentos
jurídicos nacionais estabelecem regras peculiares, concernentes às
relações jurídicas de direito privado com conexão internacional.
(RECHSTEINER, 2015, p. 26)
Logo, a importância principal do DIPR diz respeito ao direito aplicável ao caso
concreto, ou seja, através de elementos de conexão e do direito comparado a
autoridade judicial decidirá qual ordenamento jurídico deve ser aplicado para dirimir
a lide existente, ou nacional ou estrangeiro. Portanto, não se trata neste momento de
resolver a questão jurídica e o mérito, mas tão somente qual legislação aplicar, a
que se denomina de solução indireta, a qual resolve conflitos de lei no espaço.
4 Dolinger, Jacob – Direito internacional Privado, parte geral. p. 31-32
11
Neste sentido afirma Rechsteiner (2015, pg.29), “o direito internacional privado
resolve, essencialmente, conflitos de leis no espaço referentes ao direito privado, ou
seja, determina o direito aplicável a uma relação jurídica de direito privado com
conexão internacional.” Ainda, conforme Valladão (1980, pg.38), “o DIP é o ramo da
ciência jurídica que resolve os conflitos de leis no espaço, disciplinando os fatos em
conexão no espaço com leis divergentes e autônomas”.
Nem sempre é fácil identificar qual legislação deve ser aplicada ao caso
concreto, muitas vezes os países têm ordenamentos controversos e distintos, por
exemplo, países das Américas e países do Oriente Médio. Desta forma, é importante
que países reconheçam e respeitem a existência de legislações próprias e
soberanas, contudo, quando houver relação jurídica com conexão internacional, é
saudável haver normas semelhantes entre os países para que se minimizem os
conflitos entre estrangeiros. Neste sentido, por exemplo, os Estados membros da
União Europeia estabelecem atualmente normas padronizadas dentro do bloco a fim
de sanar dúvidas quanto ao direito aplicado em relações mercantis existentes entre
os países. Ou seja, de certa forma, os países abrem mão de sua soberania
exclusiva em legislar autonomamente em prol da criação de normas semelhantes
que facilitem a solução de conflitos entre estrangeiros. Entretanto, se a aplicação de
direito estrangeiro violar princípios fundamentais do direito interno, seguramente
este não será aplicado pelo juiz, e assim também prevê a legislação brasileira nos
termos do art.17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, a
saber:
Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.
Ainda, sobre a aplicação de sentenças estrangeiras no Brasil, assim
estabelece a LINDB.
Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintes requisitos: a) haver sido proferida por juiz competente; b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia; c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida; d) estar traduzida por intérprete autorizado; e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal.
12
Portanto, assim como no caso da União Europeia, é fundamental que haja
interesse mútuo entre países a fim de estabelecer normas e procedimentos
semelhantes para garantir o harmonioso e pacífico relacionamento este os cidadãos
e empresas que se relacionam em razão da globalização. Além disto, via de regra, a
celebração de Tratados e Convenções Internacionais, bem como a criação de
blocos econômicos, permitem a aproximação dos Estados e a cooperação entre si.
13
3 DO DIREITO INTERNACIONAL UNIFORME
Em síntese, o Direito Uniforme é composto por normas de caráter interno que
recebem uniformemente o mesmo tratamento em leis de outros sistemas jurídicos.
Direitos Internacionais Privados Uniformes são conjuntos normativos que se
coincidem a fim de resultar em maior coordenação internacional nas relações
jurídicas. Segundo RECHSTEINER (2015), o Direito Internacional Privado Uniforme
é constituído por regras jurídicas idênticas e designativas do direito aplicável, com
vigência em mais de um Estado5. Em regra, as leis pátrias se distinguem entre si
devido a inúmeros fatores históricos, étnicos, físicos, geográficos, econômicos,
políticos, religiosos, sociais, etc., porém por vezes os direitos podem ser uniformes
pois decorrem da mesma origem ou porque sofreram influências idênticas6. Por
exemplo, o Código Civil Brasileiro de 1916 sofreu várias influências das legislações
portuguesas e francesas.
Já é sabido que o Direito Internacional Privado visa indicar a lei aplicável às
relações multinacionais, porém complementa-se este conceito afirmando que é
necessário, além de definir a lei aplicável, garantir o reconhecimento universal desta
aplicação em todos os demais países. Portanto, o DIPR tem como princípio a
harmonia jurídica internacional7.
A principal fonte de Direito Uniforme são os tratados internacionais ou
convenções, de maneira que aqueles Estados que assinam o tratado internacional
substituem suas normas nacionais autônomas de Direito Internacional Privado por
normas aplicáveis em todos os outros Estados vinculados ao tratado, e caso a
convenção seja erga omnes ou lois uniformes, são aplicáveis também aos Estados
juridicamente não vinculados8.
Atualmente, Organizações Internacionais realizam conferências
especializadas para discutir o Direito Internacional Privado Uniforme. Com objetivo
de uniformização continua do direito internacional privado, foi fundada em 1893 a
Conferência de Haia de Direito Internacional Privado. Assim prevê o Decreto nº
3.832/01 que promulga o estatuto da Conferência de Haia no Brasil: Art. 1º. A
5 Rechsteiner, Beat Walter – Direito Internacional Privado, 2015. Pg. 74
6 Dolinger, Jacob. Direito Internacional Privado, parte Geral. 2014, p. 163 e 164.
7 CORREIA, A. Ferrer. Direito Internacional Privado, alguns problemas. 1981, p. 110-111
8 Rechsteiner, Beat Walter – Direito Internacional Privado, 2015. p. 75
14
Conferência da Haia tem como objetivo trabalhar para a unificação progressiva das
regras de direito internacional privado.
Além da Conferência de Haia, assinada por inúmeros países do globo, as
Conferências Especializadas Interamericanas de Direito Internacional Privado
possuem objetivos semelhantes de busca pela padronização de normas, em
principal para países do continente Americano.
3.1 ELEMENTOS DE CONEXÃO
Os elementos de conexão são normas definidas por cada país para
esclarecer e estabelecer aos interessados qual lei deverá ser aplicada ao caso
concreto que envolva uma pessoa do local e um estrangeiro. Conforme ensina
Dolinger:
As regras de conexão são as normas estatuídas pelo DIP que indicam o direito aplicável às diversas situações jurídicas conectadas a mais de um sistema legal. O DIP cuida primeiramente de classificar a situação ou relação jurídica dentre um rol de qualificações, i.e., de categorias jurídicas; em seguida, localiza a sede jurídica desta situação ou relação e, finalmente, determina a aplicação do direito vigente nesta sede. (DOLINGER, 2014, p. 297)
São vários os casos em que existem relações jurídicas internacionais, por
exemplo, um casamento entre estrangeiros, divórcios, comprovação de paternidade,
guarda de filhos, venda de imóveis, sucessão, um crime cometido por um
estrangeiro fora de seu país, relação comercial entre multinacionais, dentre outros.
Todos estes exemplos levam o magistrado ao seguinte questionamento: antes de
julgar o caso concreto, qual lei deve ser usada para tanto, a lei pátria ou
estrangeira? Uma determinada matéria pode ser regulamentada de maneira
diferente por cada país, e em razão desta incerteza sobre qual legislação é mais
adequada, os países começaram a criar mecanismos internos de Direito
Internacional Privado para sanar as dúvidas pertinentes à aplicação das leis e, por
muitas vezes, é possível constatar através do Direito Comparado, que grande
número de países possui elementos de conexão idênticos ou similares entre si.
15
Os elementos de conexão facilitam muito o relacionamento entre os Estados,
sobretudo causam efeitos diretamente nas relações entre particulares, pois
solucionam conflitos de leis existentes.
3.2 CÓDIGO BUSTAMANTE
Na América Latina, uma das fontes mais influentes de direito internacional
privado foi o Código de Bustamante. Projetado pelo cubano Antonio Sanchez y
Bustamante e aprovado em 1928 em Santiago de Cuba, o Código de Direito
Internacional Privado dedica-se a estabelecer normas sobre o ramo internacional do
direito civil, comercial, penal e processual. São 437 artigos que definem elementos
de conexão que aproximam os casos concretos às leis mais adequadas e buscam
afastar os conflitos de leis. Por exemplo, o art. 7º do Código trata da lei que rege a
capacidade e o estado das pessoas:
Art. 7º Cada Estado contratante aplicará como leis pessoais as do domicílio, as da nacionalidade ou as que tenha adotado ou adote no futuro a sua legislação interna.
Além disto, este código normatizou garantias e direitos para estrangeiro em
território internacional conforme se verifica do ser art. 1º:
Art. 1º Os estrangeiros que pertençam a qualquer dos Estados contratantes gozam, no território dos demais, dos mesmos direitos civis que se concedam aos nacionais.
Inúmeros outros aspectos que até então eram tidos como conflitantes, pois
não se sabia qual lei deveria ser aplicada, tentaram ser pacificados através do
Código de Bustamante, como questões de perda e recuperação de nacionalidade,
perda e reaquisição de domicilio, personalidade, nascimento, reconhecimento de
pessoa jurídica, casamentos, nulidade e efeitos civis do matrimônio, divórcio,
investigação de paternidade, prestação de alimentos, dentre outros. Os países que
ratificaram este Código foram Brasil, Bolívia, Chile, Costa Rica, Cuba, República
16
Dominicana, Equador, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua, Panamá, Peru,
Salvador e Venezuela9.
Nota-se que a ratificação deste Código é pautada pela vontade dos Estados
membros em cooperar entre si, harmonizar suas legislações unificando conceitos e
padronizando normas em favor de uma nova solução internacional sobre assuntos
relevantes que até o momentos divergiam constantemente. No entanto, pelo fato de
haver no Código muitas referências à aplicação de lei local ou de lei territorial, as
quais eram muitas vezes distintas entre os Estados membros, não atingiu com
excelência a uniformidade. Mesmo assim, sua aplicação é importante nos dias de
hoje e seus artigos são levados em consideração, conforme parecer do Ministério
Público Federal brasileiro:
Parecer do Ministério Público Federal, às fls. 136-142, e-STJ, opinando pelo indeferimento da inicial:
EMENTA. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR CONTATADO 'I N LOCO' PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À EMBAIXADA BRASIL EIRA EM CUBA. DEMISSÃO.
LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. LUGAR DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇ OS. DECADÊNCIA.
ART. 18, DA LEI Nº 1.533/51.
1. O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos cento e vinte dias contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado (art. 18 da Lei nº 1.533/51).
2. O vínculo trabalhista existente entre auxiliares locais e as repartições brasileiras no exterior deverá ser regido pela lei vigente no país em que executado o contrato ('lex loci execucionis').
3. A relação jurídica trabalhista é regida pelas leis vigentes no país da prestação de serviço e não por aquelas do local da contração (enunciado nº 207 do TST).
4. 'Também é territorial a legislação sobre acidentes do trabalho e proteção social do trabalhador' (art. 198 do Código Bustamante ).
5. Pela extinção do feito, em virtude da incidência do prazo decadencial ou pelo improvimento.
É o relatório. Decido10.
Ainda, julgou o TST com base no Código de Bustamante:
Processo: E-RR 2656632119965015555 265663-21.1996.5.01.5555
Relator(a): Milton de Moura França
Julgamento: 14/02/2000
9 Dolinger, Jacob. Direito Internacional Privado, parte Geral. 2014. p. 229
10 Superior Tribunal de Justiça. http://www.stj.jus.br/SCON/. Acesso em: 08. abr. 2016.
17
Órgão Julgador: Subseção I Especializada em Dissídios Individuais,
Publicação: DJ 03/03/2000.
Ementa LEIS TRABALHISTA - CONFLITO ESPACIAL - ENUNCIADO Nº 207/TST -LEX LOCI EXECUTIONIS- APLICABILIDADE - SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA - EMPREGADO CONTRATADO NO BRASIL - SERVIÇOS PRESTADOS NO EXTERIOR. Na hipótese de empregado contratado no Brasil, por empresa subsidiária de sociedade de economia mista brasileira, para prestar serviços no exterior, a legislação pertinente para reger as obrigações decorrentes do pacto laboral deve ser apurada com base em dois critérios, representados, respectivamente, pelos seguintes brocardos latinos:jus loci contractuselex loci executionis. O primeiro, adotado pelo artigo 9º da Lei de Introdução ao Código Civil, assenta-se na diretriz segundo a qual "para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem". O segundo critério, ou seja, o dalex loci executionis, preconiza, por sua vez, ser aplicável a lei do lugar da prestação do trabalho. É o adotado pelo artigo 198 do Código Bustamante, ratificado no Brasil pelo Decreto nº 18.671, de 13 de agosto de 1929, segundo o qual "[...] é territorial a legislação sobre acidentes do trabalho e proteção social do trabalhador". Considerando que ambos os critérios apresentados encontram-se previstos em regras de mesma hierarquia e simultaneamente em vigor no ordenamento jurídico pátrio, há que se fazer uma opção em relação a um deles, tendo-se em conta o caráter mutuamente excludente das disposições neles contidas. Nessa hipótese, em vista do caráter especial do artigo 198 do Código Bustamante, que, especificamente, regula a questão referente ao conflito de leis trabalhistas no espaço, há que ser afastada a aplicabilidade do artigo 9º da LICC, dada a generalidade de suas disposições, nos exatos termos do Enunciado nº 207 desta Corte, que, assim como o artigo 198 do Código Bustamante, em momento algum faz qualquer distinção entre empresas privadas e de capital misto, quando se refere à solução do conflito legislativo no espaço. Embargos providos11.
No Brasil, a Lei Federal 12.376/10, Lei de Introdução às Normas de Direito
Brasileiro - LINDB, atual fonte de Direito Internacional Privado no Brasil,
complementa e até mesmo reforma o Código de Bustamante, definindo elementos
de conexão para o DIPR brasileiro, pois adota regras para solução de conflitos de
leis no tempo e no espaço. Para o doutrinador Pontes de Miranda, trata-se de uma
anomalia a existência de dois sistemas normativos para tratar dos mesmos temas,
sobretudo, por ser o Código Bustamante um mero tratado de pouca aplicação
prática12.
No Brasil, existem elementos de conexão muito bem estabelecidos no
ordenamento infraconstitucional, principalmente na Lei de Introduções às Normas
11
Tribunal Superior do Trabalho. http://www.tst.jus.br/consulta-unificada. Acessado em: 08. abr. 2016 12
Dolinger, Jacob. Direito Internacional Privado, parte Geral. 2014. p. 230.
18
Brasileiras - LINDB. De forma geral, os principais elementos de conexão no Brasil
dizem respeito ao domicílio, nacionalidade, residência, local do nascimento ou de
falecimento, local de sede da pessoa jurídica, local da situação do bem, local da
constituição ou de execução da obrigação e ainda local da prática do ato ilícito.
3.3 UNIDROIT E A LUTA POR UM DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
AMPLAMENTE UNIFORME
O UNIDROIT – Institut Internacional pour L’Unification du Droit Prive – é uma
organização intergovernamental independente, com sede atual em Roma. Criada em
1926, como órgão da extinta Liga das Nações e reorganizada em 1940 com base
em acordos multilaterais, o UNIDROIT tem por objetivo estudar as necessidades e
métodos de modernização, padronização e harmonização do direito privado, em
particular leis comerciais, entre os países membros, formulando regras, princípios e
leis uniformes para alcançar seus objetivos. Atualmente são 63 países membros que
aderiram ao Estatuto do UNIDROIT e embora exista uma variedade de sistemas
legais, econômicos, jurídicos, políticos e culturais diferentes entre eles, os membros
deste Instituto buscam a cooperação internacional e a uniformização de normas a
fim de garantir relações comerciais harmoniosas13. Nas últimas décadas, o
UNIDROIT desenvolveu dezenas de estudos e relatórios que resultaram em
convenções internacionais, leis modelos, princípios e guias contratuais.
Para ilustrar como este instituto atua em prol da resolução de conflitos em
contratos mercantis, o UNIDROIT recentemente esclareceu em seu livro, Principles
d’unidroit - Relatif Aux Contrats Du Commerce International, como devem se
comportar as partes diante de eventuais divergências linguísticas decorrentes das
traduções de contratos comerciais em mais de um idioma. De acordo com o artigo,
quando um contrato comercial for celebrado em mais de uma versão válida com
idiomas distintos, por exemplo, uma versão em inglês e outra em francês, e
apresentar divergências é conveniente que se faça uso da versão que seja mais
clara e objetiva. Assim esclarece o artigo 4.7 (Divergências Linguísticas), citando
como exemplo a aplicação dos Incoterms:
13
Site do UNIDROIT, http://www.unidroit.org/about-unidroit/overview. Acessado em: 11. abri. 2016.
19
Um contrato entre uma sociedade do país X e uma sociedade do país Y
redigido em três versões igualmente válidas, na língua do país X, na língua
do país Y e em inglês, contêm uma referência aos INCOTEMS de 2000. Se
a versão francesa dos INCOTERMS for muito mais clara que as outras três
sobre um ponto controvertido, é conveniente se fazer referência a esta
versão. (Principles d’unidroit - Relatif Aux Contrats Du Commerce
International,UNIDROIT, 2010, p. 150)14 Tradução do autor.
Desta maneira, a existência do UNIDROIT e sua participação internacional
são fundamentais para dirimir inseguranças jurídicas através de pareceres sólidos e
respeitados em todo comunidade internacional.
3.4 A OMC – ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO E O GATT – ACORDO
GERAL DE TARIFAS E COMÉRCIO
A OMC foi criada em 1995 e atua constantemente no âmbito internacional
visando o estabelecimento de acordos e negociações entre Estados em prol do
Comércio, desenvolvimento e da ordem econômica das Nações. Ao todo, 160
membros fazem parte da OMC. Além disto, a OMC cria mecanismos para solução
de conflitos comerciais de maneira pacífica e preza pela harmonização das relações
e acordos entre os países. A sede da OMC está em Genebra na Suíça e sua origem
decorre do GATT – Acordo Geral sobre de Tarifas e Comércio (criado em 1947), e
especificamente das conclusões da Rodada Uruguai, iniciada em 1986.
Um dos objetivos da OMC é auxiliar as empresas que atuam no cenário
internacional a conduzir seus negócios de maneira rentável e duradoura através de
acordos celebrados entre os Estados Membros. A existência da OMC é
fundamental, pois ela estabelece acordos padronizados que facilitam as relações
14
Texto Original – Un contrat entre une société du pays X et une société du pays Y rédigé en trois versions
faisant également foi, dans la langue du pays X, dans la langue du pays Y et en anglais, contient une référence
aux INCOTERMS de 2000. Si la version française des INCOTERMS est beaucoup plus claire que les trois autres sur
un point controversé, il conviendrait de faire référence à cette version. Principles d’unidroit - Relatif Aux
Contrats Du Commerce International, UNIDROIT, 2010, p. 150.
20
entre as empresas no âmbito comercial e uniformiza acordos para minimizar
conflitos e garantir maior desenvolvimento econômico para os países15.
O GATT teve uma participação também importante em prol do
desenvolvimento de relações harmoniosas entre os países, principalmente no
âmbito comercial e econômico do pós Segunda Guerra Mundial. Através de
inúmeras concessões tarifárias e acordos durante as oito rodadas de negociações,
inúmeros objetivos foram alcançados no que diz respeito ao comércio internacional,
redução de tarifas e barreiras não tarifárias entre os países16.
Os acordos multilaterais de comércio decorrem do interesse pela cooperação
internacional entre os Estados e tal cooperação permite um maior desenvolvimento
econômico para todos os países, promovendo rentabilidade, desenvolvimento
tecnológico, sustentabilidade e harmonia das relações entre Estados, empresas e
órgãos Internacionais.
15
Site da World Trade Organization, https://www.wto.org/index.htm. Acessado em: 09. Mai. 2016. 16
Ministério das Relações Exteriores - http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/diplomacia-
economica-comercial-e-financeira/132-organizacao-mundial-do-comercio-omc. Acessado em: 09. Mai. 2016.
21
4 A FRUSTAÇÃO QUANTO A UNIFORMIZAÇÃO TOTAL DO DIREI TO
INTERNACIONAL
Durante os séculos XIX e XX, uma série de juristas entusiasmou-se com a
possibilidade de um direito uniformizado no mundo, ou seja, regras idênticas e/ou
semelhantes que resolvessem os problemas de forma padronizada, afastando
perfeitamente conflitos entre as leis e tornando o Direito Internacional Privado
amplamente uniformizado. Contudo, pacifica-se hoje na doutrina o caráter utópico do
Direito Uniforme, pois cada país irá estabelecer suas normas de acordo com sua
origem, antecedentes, históricos ou influências17.
Embora a impraticabilidade de um direito amplamente perfeito, idêntico e
uniforme, passa-se a estudar um instituto que tem sido cada vez mais utilizado no
cenário internacional de maneira rotineira e harmônica, que são os Incoterms,
criados pela Câmara de Comércio Internacional. Para tanto, apresenta-se a seguir
as suas características, vantagens, aplicações na prática, razões de sucesso e
fatores impeditivos ao seu avanço nas relações comerciais internacionais.
17
Dolinger, Jacob. Direito Internacional Privado, parte Geral. 2014, p. 166.
22
5 INCOTERMS – TERMOS COMERCIAIS PADRONIZADOS PELA CÂMARA
DE COMÉRCIO INTERNACIONAL
5.1 ORIGEM
No século XIX, o comércio marítimo internacional torna-se um excelente
modal para transporte de mercadorias, e a utilização de termos comerciais
codificados surge para padronizar obrigações e responsabilidades. Neste contexto,
cria-se o termo FOB – Free on Board (livre a bordo) e o CIF – Cost, Insurance and
Freight (custo, seguro e frete), termos que definem claramente obrigações quanto a
quem pagará o frete, o seguro da carga e quando se transfere a propriedade do bem
negociado18.
No século XX, o comércio internacional se tornou prática comum em todo o
globo, notando-se claramente a existência de uma sociedade internacional cada vez
mais “sem fronteiras”, com elevado fluxo de comunicações, pessoas e mercadorias.
Tais relações muitas vezes causavam conflitos no âmbito comercial. Havia muita
confusão entre as definições de responsabilidades por despesas e riscos
decorrentes dos contratos de compra e venda internacional. Não havia um padrão e
era possível encontrar diversos termos distintos. Por exemplo, citações como “CIF
alemão”, “CIF britânico”, “FOB americano”, “FOB francês”, entre outras definições,
se consagraram pelo uso nas principais rotas marítimas19.
Esta diversidade de normas e termos atrasa o avanço das relações
comerciais internacionais, pois, por exemplo, um vendedor do oriente pode estar
habituado a uma prática legislativa muitas vezes completamente distinta a de um
comprador do ocidente. Ora, estes conflitos de legislações culminam, via de regra,
em amplo desentendimento, disputas, custos extras, atrasos, imprevistos, multas
aduaneiras, e até mesmo processos judiciais ou de arbitragem para dirimir conflitos.
No século XX, devido ao desenvolvimento econômico das relações mercantis
e do aperfeiçoamento dos processos de negociação e logísticos, percebeu-se a
18
GODINHO, Wagner. Os Incoterms 2010 e a universalização do uso de condições gerais de venda padronizadas
em contratos de compra e venda internacional de mercadorias. Tuiuti: Ciência e Cultura, Curitiba, n. 44, p. 111-
112, 2010. 19
PERRY, Eugene W. Practical Export Trade Finance. Homewood (Estados Unidos): Dow Jones – Irwin, 2001
23
necessidade de algo mais efetivo. Portanto, no ano de 1919 é criada em Paris a
Câmara Internacional de Comércio (ICC - Internacional Chamber of Commerce).
Durante os primeiros congressos da ICC foi constatado que parceiros
comerciais tinham interpretações diferentes para os principais mercados. Isto
propiciou o início dos trabalhos para a elaboração de um regulamento específico
sobre as condições de venda para os comerciantes internacionais, como
significação clara e conhecimento universal20.
Em tal momento histórico, passa-se a uma real tentativa de padronização de
normas de interesse internacional privado. Países membros da ICC, através de
diálogos e acordos internacionais, buscaram a universalização e uniformidade dos
termos comerciais para que a compressão clara e precisa das condições gerais dos
contratos afastassem os graves e onerosos maus entendimentos decorrentes de
contratos mercantis internacionais. Neste contexto, em 1936, a Câmara de Comércio
Internacional publica um novo regulamento através da Brochura nº 92, International
Commercial Terms – Incoterms. Os incoterms surgem como conjunto de regras de
aplicação internacional com o propósito de facilitar a interpretação de termos
comerciais e garantir a harmonia das relações mercantis internacionais. Os
incoterms foram revisados em 1953, 1967, 1976, 1980, 1990, 2000 e 2010, e se
tornaram regras essenciais como parte do dia a dia nos diálogos comerciais. Foram
incorporados em contratos de venda de mercadorias no mundo inteiro e
proporcionam informações para importadores, exportadores, advogados,
transportadores, despachantes, seguradores e estudantes de direito internacional.
5.2 INCOTERMS EM ESPÉCIES
Como já demonstrado, os Incoterms visam definir, dentro da estrutura de um
contrato internacional de compra e venda, as obrigações e direitos recíprocos entre
o exportador e importador, quanto aos custos e riscos inerentes da relação jurídica
20
GODINHO, Wagner. Os Incoterms 2010 e a universalização do uso de condições gerais de venda padronizadas
em contratos de compra e venda internacional de mercadorias. Tuiuti: Ciência e Cultura, Curitiba, n. 44, p. 112,
2010
24
com objetivo principal de padronizar hipóteses de negociações, uniformizar os
direitos e deveres e garantir, portanto, garantir a função social, boa-fé e harmonia do
contrato.
Atualmente estão em vigência os Incoterms 2010, publicados pela Câmara de
Comércio Internacional na Brochura nº 725. São onze os termos de entrega
padronizados, em vigor desde 1º de Janeiro de 2011. A saber: EXW - Ex Works,
FAS – Free Alongside Ship, FOB - Free on Board, CFR – Cost and Freight, CIF –
Cost Insurance and Freight, DAT – Delivery at Terminal, CPT – Carriage Paid To,
FCA – Free Carrier, CIP – Carriage and Insurance Paid, DAP – Delivery at Place e
DDP – Delivery Duty Paid.
A legislação Brasileira recepciona os Incoterms e define que os mesmos
devem ser utilizados por importadores ou exportados brasileiros para fins de controle
e fiscalização dos órgãos da Administração Federal, principalmente, a Secretaria da
Receita Federal do Brasil, a qual administra as operações internacionais de compra
e venda de produtos através do sistema integrado e informatizado do Governo,
chamado SISCOMEX.
Abaixo encontram-se em detalhe as características dos termos mais usuais
dentro dos incoterms 2010:
EXW – Neste termo, o exportador compromete-se a colocar a mercadoria a
disposição do importador na saída de sua fábrica. Ou seja, o importador é
responsável em retirar a mercadoria na fábrica do exportador arcando com todos os
custos de operação como frete nacional e internacional, segura da carga, custos
aduaneiros e taxas portuárias.
Figura I – Incoterm EXW
25
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC
FOB – Apenas no modal marítimo, o exportador assume todas as
responsabilidades até a entrega da mercadoria no navio no porto de origem, estas
responsabilidades são: frete nacional, taxas portuárias, custos aduaneiros e
honorários de despachantes. Após ingresso da mercadoria no navio, transfere-se a
propriedade ao importador, o qual terá que arcar com o frete internacional, seguro
da carga, taxas de desembaraço, impostos de importação e frete do porto de destino
até sua fábrica.
Figura II – Incoterm FOB
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC
CFR – Apenas no modal marítimo, o exportador assume todas as
responsabilidades até a entrega da mercadoria no navio no porto de destino, salvo o
custo de seguro internacional. O importador, nesta modalidade, assume os custos
de seguro internacional da carga, custos de nacionalização, taxas portuárias no
destino, impostos de importação, frete terrestre no destino.
Figura III – Incoterm CFR
26
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC
CIF – Apenas no modal marítimo, o exportador assume todas as
responsabilidades até a entrega da mercadoria no porto de destino, pagando o frete
internacional e contratando o seguro internacional. Após desembarque da
mercadoria, o importador assume todos os custos de nacionalização, taxas
portuárias no destino, frete terrestre no destino.
Figura IV – Incoterm CIF
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC
DAP – Usado em qualquer modal de transporte, o exportador coloca a
mercadoria a disposição do importador no local acordado e arca com os custos de
descarregamento do material, sem pagar os custos com desembaraço e
nacionalização. O importador deverá pagar os impostos de importação e custos de
nacionalização.
27
DDP – Utilizado em qualquer modal de transporte, o exportador se
responsabiliza por todos os custos do processo (fretes nacionais, frete internacional,
seguro da carga, impostos, armazenagem, taxas portuárias, despachante, dentre
outros) até a entrega do material na fábrica do importador. Trata-se do oposto ao
termo EXW, ou seja, o importador não assume nenhum custo, nem os impostos de
importação serão pagos pelo comprador, ou seja, todos os custos são de
responsabilidade do vendedor até a entrega.
Figura V – Incoterm DDP
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC
Ao analisar os incoterms percebemos que, além de definir as
responsabilidades quanto aos custos da operação, sua utilização define o preço de
venda dos produtos comercializados. De maneira que, por exemplo, o preço EXW
será menor que o preço CFR, visto que enquanto o preço EXW contempla apenas
custos de produção, embalagem e margem de lucro e o preço CFR comtemplará,
além dos custos citados, os custos de frete nacional, taxas portuárias, liberação
aduaneira e frete internacional até o porto de destino.
Sob esta ótica, é possível constatar que a utilização dos incoterms facilita a
relação comercial entre empresas de países estrangeiros, afasta dúvidas relevantes
quanto a operação, ainda, padroniza e uniformiza direitos e obrigações contratuais.
Portanto, conclui-se notoriamente que os Incoterms afastam a possibilidade de
conflitos de leis de direito internacional privado, alcançando o tão esperado sucesso
nas relações jurídicas contratuais celebradas.
A legislação brasileira recepciona o uso dos Incoterms através da Resolução
nº 21, de 07 de abril de 2011 da CAMEX – Câmara de Comércio Exterior.
28
Neste sentido versa a Resolução nº 21, de 07 de abril de 2011 da CAMEX –
Câmara de Comércio Exterior:
Art. 2º Para fins de identificação da condição de venda praticada, nos documentos e registros de controle dos órgãos da Administração Federal, deverão ser adotados os seguintes códigos: I – Termos Internacionais de Comércio (Incoterms) discriminados pela International Chamber of Commerce (ICC) em sua Publicação nº 715E, de 2010:
A obrigatoriedade quanto ao uso dos Incoterms em processos de importação
e exportação está prevista no Regulamento Aduaneiro Brasileiro, Decreto nº 6.759,
de 5 de Fevereiro de 2009, no art. 557, inciso XIV.
Art. 557. A fatura comercial deverá conter as seguintes indicações:
X - país de procedência, assim considerado aquele onde se encontrava a mercadoria no momento de sua aquisição;
XI - preço unitário e total de cada espécie de mercadoria e, se houver, o montante e a natureza das reduções e dos descontos concedidos;
XII - custo de transporte a que se refere o inciso I do art. 77 e demais despesas relativas às mercadorias especificadas na fatura;
XIII - condições e moeda de pagamento; e
XIV - termo da condição de venda (INCOTERM).
Atualmente, para que empresas nacionais brasileiras queiram ingressar no
cenário internacional, seja como exportador ou importador, devem utilizar os
Incoterms tanto para questões de negociação comercial com empresas estrangeiras
quanto para informar e registrar junto ao Governo Brasileiro (Receita Federal) as
informações referentes ao processo de exportação (Registro de Exportação) e/ou
importação (Declaração de Importação). O Governo Brasileiro se preocupa em
saber, controlar e fiscalizar de que maneira as empresas brasileiras têm atuado no
cenário internacional. Através do termo padronizado informado pela empresa para
cada relação jurídica internacional de compra e venda (importação ou exportação), o
Governo é capaz de criar indicadores importantes para balança comercial brasileira,
economia e estratégias de desenvolvimento.
29
5.3 INSERÇÃO DOS INCOTERMS NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS E
RAZÕES DE SUCESSO
Atualmente, a utilização dos Incoterms nos contratos internacionais é
amplamente difundida e utilizada no globo e inúmeros países já adotam as
sugestões criadas pela ICC – Internacional Chamber of Commerce. No Brasil, para
que uma empresa local inicie suas atividades no ramo internacional, precisa dominar
estas nomenclaturas, visto que o Brasil estabelece normas regularizando a utilização
dos Incoterms nas exportações e importações, sobretudo para evitar impasses e
prejuízos inerentes de erros ou omissões quanto a sua aplicação.
Os incoterms foram criados em 1936, mas sua atualização constante durante
o tempo foi essencial para que continuasse sendo utilizado com frequência na área
mercantil internacional, principalmente pelo grande aperfeiçoamento e importância
dos modais aéreos, marítimos e multimodais durante o século XX. A atuação da
Câmara de Comércio Internacional foi muito importante neste sentido, visto que
manteve os termos padronizados atualizados e em consonância com a prática
internacional21. Vale registrar, ainda, que desde 1939, a Câmara de Comércio
Internacional promove a uniformização dos termos comerciais e o uso amplo dos
Incoterms.
Imaginar uma legislação que determine condições gerais unânimes,
padronizadas e pacificadas para contratos internacionais mercantis em todos os
países é pensar em uma sociedade internacional absolutamente unificada.
Seguramente estamos longe da materialização deste pensamento. A existência de
práticas forenses unânimes entre países atualmente se restringe a blocos
econômicos que concordam em compartilhar de leis uniformes, e o principal
exemplo de sucesso é a União Europeia.
Em seguida, elencam-se ações importantes que culminaram no sucesso dos
Incoterms ao longo das últimas décadas, mas que, sobretudo, devem permanecer
ativas a fim de consolidar ainda mais sua aplicação mundial em contratos mercantis,
nos termos abaixo:
21
GODINHO, Wagner. Os Incoterms 2010 e a universalização do uso de condições gerais de venda padronizadas
em contratos de compra e venda internacional de mercadorias. Tuiuti: Ciência e Cultura, Curitiba, n. 44, p. 134,
2010
30
• Difusão abrangente dos termos codificados nos meios comerciais de
todo o mundo;
• Publicação de editais em vários países onde houver comitês nacionais
da Câmara de Comércio Internacional;
• Sugerir a Estados membros, através de Conferências Internacionais
promovidas por organizações internacionais, programas de ação para
difundir conhecimento e informações sobre condições gerais de
contratos e utilização dos Incoterms;
• Criação de convenções internacionais específicas sobre a aplicação de
práticas mercantis uniformes;
• Permitir que países resistentes à adesão possam apresentar suas
objeções;
• Criação de acordos e tratados internacionais entre países que
compartilhem de interesses comerciais semelhantes e objetivos
comerciais recíprocos22;
Com relação à importância destas práticas, assim afirma o doutrinador:
A realização de convenção específica para uniformização das condições de venda removeria as resistências dos países a adesão mais ampla, inclusive daqueles onde a Câmara de Comércio Internacional ainda não tenha estabelecido comitê nacional ou onde seus regulamentos não tenham suficiente penetração. O poder de uma convenção internacional, para dispor sobre a aplicação das práticas mercantis internacionais geralmente aceitas em matéria de comércio internacional, poderia conferir mais status aos incoterms. (GODINHO, 2010, PG. 134).
Além da Câmara de Comércio Internacional, outros órgãos internacionais
atuam através de Conferências e fóruns com objetivo de celebrar acordos no âmbito
do comércio internacional em prol da uniformização de normas e condutas que
garantiram mais transparência, comodidade e cooperação entre as empresas, por
exemplo, a OMC – Organização Mundial de Comércio, o UNIDROIT e a OEA –
Organização dos Estados Americanos.
22
GODINHO, Wagner. Os Incoterms 2010 e a universalização do uso de condições gerais de venda padronizadas
em contratos de compra e venda internacional de mercadorias. Tuiuti: Ciência e Cultura, Curitiba, n. 44, p. 133-
134, 2010.
31
5.4 CONTRATO INTERNACIONAL COM AUTONOMIA DE VONTADE
LIMITADA EM PROL DA UNIFORMIDADE
A autonomia de vontade é um dos princípios fundamentas decorrentes dos
contratos, e assim também nos contratos internacionais mercantis de compra e
venda. Neste sentido, sabiamente afirma o doutrinador Nader (2013, p. 23): “A
vontade é livre para contrair obrigações de variadas espécies e sob as condições
que desejar, sem imposição da lei. Os contratos, por sua modalidade, objeto e
condições, se amoldam às individualidades”.
Através deste princípio é garantido aos sujeitos da relação jurídica
estabelecer obrigações e direitos da maneira que entenderem mais conveniente
para seus negócios, desde que não causem desequilibro grave de direitos que
levem à vulnerabilidade e desigualdade para uma das partes ou contrariem as leis e
os bons costumes.23 Em regra, portanto, prevalece o brocardo jurídico “pacta sunt
servanda”, o qual significa que o contrato faz leis entre as partes e as cláusulas
estabelecidas devem ser cumpridas. Neste sentido esclarece Caio Mário da Silva
Pereira,
Ao se constituir o direito contratual moderno, já não encontrou obstáculo o
princípio do consensualismo. Os sistemas de direito positivo consignaram a
preeminência da regra segundo a qual o contrato se forma pelo consenso
das partes. Retomou uma velha parêmia, pacta sunt servanda, não apenas
para dizer que os contratos devem ser cumpridos (princípio da força
obrigatória), mas para generalizar que qualquer ajuste das partes, tem força
cogente. (PEREIRA, 2002, p. 17).
A vantagem deste princípio é que os termos padronizados (incoterms), uma
vez definidos, devem ser cumpridos a fim de garantir a harmonia e eficiência do
contrato; por outro lado, sob a ótica do mesmo princípio da autonomia de vontade,
as partes podem optar pela não utilização dos incoterms. Embora exista a opção de
não utilizar os termos padronizados criados pela Câmara de Comércio Internacional,
não se recomenda tal prática visto que os incoterms são amplamente difundidos no
mercado internacional atual, pois garantem segurança jurídica, facilitam a fixação de
obrigações e direitos e, sobretudo, são exigidos por vários países e empresas 23
NADER, Paulo, Curso de Direito Civil, Contratos. Vol. 3, 7º ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 23.
32
habituadas com o cenário internacional de negócios. O Brasil, por exemplo, exige de
importadores e exportadores nacionais que classifiquem suas operações de compra
e venda através dos Incoterms. Portanto, a autonomia de vontade não é absoluta
para empresas que queiram ingressar no mercado internacional de forma eficiente e,
além disto, cabe ressaltar que a uniformidade de normas no direito internacional é
alcançada, muitas vezes, pela intervenção dos Estados através de leis e
procedimentos internos.
O Tribunal de Justiça do Paraná assim esclareceu a respeito da importância
dos Incoterms:
TJ-PR - Apelação : APL 13634836 PR 1363483-6 (Acórd ão) DECISÃO: ACORDAM os integrantes da 8ª Câmara Civil, do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, sob a Presidência do Desembargador FAGUNDES CUNHA - Fagundes Cunha Desembargador. EMENTA: J .S .F A G U N D E SC U N H ARECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.363.483-6 Origem: VARA ÚNICA DA COMARCA DE ANTONINA Apelante: RAQUEL RIBEIRO Apelados: MOMENTIVE QUÍMICA DO BRASIL LTDA ARAUCO DO BRASIL S. A.GPC QUÍMICA S/A Relator: DES. FAGUNDES CUNHA Relator: DES. GILBERTO FERREIRAAPELAÇÃO CIVIL AÇÃO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTES DE POLUI- ÇÃO AMBIENTAL. PRELIMINAR DE REMESSA DOS AUTOS À JUSTIÇA FEDERAL PARA ANA- LISE DA ADMISSIBILIDADE DO CHAMAMEN- TO DO IBAMA AO PROCESSO. PRETENSÃO DE RESPONSABILIZAÇÃO DAS ADQUIRENTES DAS CARGAS. CONTRATO DE TRANSPORTE EM LÍNGUA ESTRANGEIRA. AUSÊNCIA DE TRADUÇÃO. PROPOSTA DE CONVERSÃO DO FEITO EM DILIGÊNCIA PARA TRADUÇÃO DO DOCUMENTO. EXPLOSÃO DO NAVIO VICUÑA NA BAIA DE PARANAGUÁ. VAZAMENTO DE Fagundes Cunha Desembargador J .S .F A G U N D E SC U N H AÓLEO E OUTRAS SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS.INEXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE A COMPRA DA MERCADORIA E OS DANOS CAUSADOS. PREJUÍZOS AMBIENTAIS DE- CORRENTES DA EXPLOSÃO DO NAVIO. IM- PUTAÇÃO DE RESPONSABILIDADE ÀS EM- PRESAS PELAS CONSEQUÊNCIAS CAUSADAS PELO DERRAMAMENTO DA CARGA. NÃO CABIMENTO. RESPONSABILIDADE DA PROPRI- ETÁRIA DO NAVIO E DO TERMINAL MARÍTI- MO. SENTENÇA MANTIDA. PRELIMINAR ACATADA PARA DECLI- NAR DA COMPETÊNCIA E DETERMI- NAR A REMESSA DOS AUTOS À JUS- TIÇA FEDERAL. VENCIDO. RECURSO DE APELAÇÃO CONVERTIDO EM DILIGÊNCIA PARA DETERMINAR A TRADUÇÃO DO CONTRATO DE TRANS- PORTE. VENCIDO. RECURSO DE APELAÇÃO CIVIL CO- NHECIDO E NO MÉRITO PROVIDO PA- RA DECRETAR A NULIDADE DA SEN- TENÇA E DETERMINAR A INSTRUÇÃO. O que se verifica é que se trata de um contrato de transporte marítimo, razão pela qual veio aos autos um documento em inglês, a respeito da contratação, o que deveria ter tradução nos autos, por tradutor juramentado. Termos ou Condições de Venda (Incoterms) Os termos ou condições de venda (INCO- TERMS) definem, nas transações internacionais de mercadorias, as condições em que os produtos devem ser exportados. As regras utilizadas para esse fim estão definidas nos INCOTERMS - International Commercial Terms, segundo a versão de primeiro de janeiro de 2000, editada pela Câmara de Comércio Internacional - CCI (em
33
inglês).3http://www.paranaonline.com.br/editoria/cidades/news/130915/?noticia=RESPONSAVEIS+PELA+EXPLOSAO+DO+VICUNA+RECEBEM+MULTA+MAXIMA Fagundes Cunha Desembargador J .S .F A G U N D E SC U N H A. Essas fórmulas contratuais fixam direitos e obrigações, tanto do exportador como do importador, estabelecendo com precisão o significado do preço negociado entre ambas as partes. Uma operação de comércio exterior com base nos INCOTERMS reduz a possibilidade de interpretações controversas e de prejuízos a uma das partes envolvidas. A importância dos INCOTERMS reside na determinação precisa do momento da transferência de obrigações, ou seja, do momento em que o exportador é considerado isento de responsabilidades legais sobre o produto exportado. Os INCOTERMS definem regras apenas para exportadores e importadores, não produzindo efeitos com relação às demais partes, como transportadoras, seguradoras, despachantes, etc. A fim de facilitar o seu entendimento, os INCOTERMS24
Ainda, a Justiça Federal do Rio de Janeiro assim decidiu em caso concreto
tendo como base no Incoterm escolhido pelos contratantes:
EMENTA CIVIL. CONTRATO DE SEGURO. PRESCRIÇÃO. INCORRÊNCIA. INCOTERMS. CLÁUSULA CIF. FRANQUIA. INOVAÇÃO RECURSAL. PAGAMENTO POR EVENTUAIS DESPESAS E APLICAÇÃO DE PENALIDADES CABÍVEIS. NÃO ESPECIFICAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. RECURSO DE APELAÇÃO DA PARTE RÉ DESPROVIDO. RECURSO DE APELAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. De acordo com os documentos acostados aos autos, a última manifestação da seguradora brasileira sobre o tema data de 26/06/2000 (fl.156), razão pela qual a partir de tal data deve voltar a fluir o prazo prescricional, nos termos do Enunciado da Súmula nº 229, do Superior Tribunal de Justiça. Tendo a ação sido ajuizada em 27/04/01 (fl.01), dentro, portanto, do prazo de um ano, previsto no artigo 178, § 6º, inciso, II, do Código Civil de 1916, não há que se falar em prescrição. 3. A cláusula CIF (Cost, Insurance and Freight) expressa que a obrigação da contratada se encerra no porto de destino designado, tratando apenas de transporte aquaviário. 4. Uma vez que as obrigações de entrega da mercadoria foram regidas pelo Incoterm CIF Rio de Janeiro, o qual cobre apenas o seguro marítimo, não há que se excluir a responsabilidade da seguradora brasileira no caso vertente. 5. A alegação de aplicação da franquia de 1% sobre o valor do bem segurado não foi alvo de discussão pela sentença recorrida, uma vez que não foi objeto da contestação apresentada pela seguradora brasileira às fls.225/238, constituindo, pois, inovação em sede recursal, o que é vedado por nosso ordenamento jurídico. Vistos e relatados os presentes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Quinta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2a Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso de apelação interposto pela BRADESCO SEGUROS S/A e dar parcial provimento ao recurso de apelação interposto pela UNIÃO FEDERAL, na forma do Relatório e do Voto, que ficam fazendo parte do presente julgado. Rio de Janeiro, 15 de julho de 2014. (data do julgamento). FLAVIO OLIVEIRA LUCAS Juiz Federal Convocado25
24
Site Jus Brasil, http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=FRETE+PAGO+PELO+EXPORTADOR&p=4. Acessado em: 12. abr. 2016. 25
Site Jus Brasil, http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=FRETE+PAGO+PELO+EXPORTADOR&p=4. Acessado em: 12. Abri. 2016.
34
Esta Jurisprudência demonstra que a escolha do Incoterm definirá quais
serão suas obrigações. Neste caso concreto, a escolha do Incoterm CIF ocasionou a
responsabilização da empresa de seguradora brasileira contratada pelo exportador.
35
6 FATORES IMPEDITIVOS À PADRONIZAÇÃO DOS INCOTERMS
Quando surgiu no século XIX a ideia de se criar um direito internacional
uniforme, acreditava-se na possibilidade de haver um direito internacional de caráter
universal, ou seja, normais aplicáveis identicamente em todo o mundo. Este criação
não ocorreu por diversos fatores e o direito internacional privado vinculou normas
referentes a algumas matérias e alguns países, ou seja, nem sempre a norma
uniforme vincula juridicamente muitos Estados26.
Como já visto, o tratado internacional estabelece normas padrões a serem
seguidas, mas muitos países têm receio de assinar o tratado devido a dificuldade de
sua revisão total ou parcial. Sabemos que a atualização das leis e evolução do
direito devem seguir as mudanças socioeconômicas de uma sociedade em razão do
espaço e do tempo, porém a alteração do tratado internacional não está tão
assegurada quanto à alteração das leis internais, possivelmente devido a
necessidade de consentimento da maioria dos Estados Membros. Neste sentido,
vale consignar:
Se uma norma de direito internacional privado está em vigor em virtude da
ratificação de um tratado internacional, ao Estado interessado caberá tão só
a denuncia desse tratado. Quando, no entanto, a legislação interna não
mais satisfaz as exigências contemporâneas, o direito interno oferece
diversas formas para modifica-lo, total ou parcialmente. (RECHSTEINER,
2015, p. 84-85)
Outro fator limitador é a divergência de jurisprudências entre os Estados
Membros de tratados que compartilham de direito internacional privado uniforme,
pois embora seja estabelecida a mesma norma, as jurisprudências tendem a variar.
Segundo Behrens (1986, apud RECHSTEINER, 2015) “Este fato não se coaduna
com os objetivos da uniformização do direito”.
Além disto, devido ao grande número de convenções e tratados existentes,
nota-se o surgimento de divergências entre elas, o que tem causado conflito entre
convenções, falta de clareza ou de definição acerca de qual tratado prevalece em
26
Rechsteiner, Beat Walter – Direito Internacional Privado, 2015. p. 75
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face de outro. Em razão disto, pontificam discussões doutrinárias visando pacificar
as incertezas27.
Além dos Incoterms, os quais são mais difundidos dentro do Globo,
atualmente existem outros sistemas de padronização semelhantes, os quais por
vezes possuem siglas diferentes. Isto seguramente dificulta a padronização dos
Incoterms como único sistema a ser adotado em práticas internacionais de compra e
venda. Por exemplo, cita-se neste particular os Termos Comerciais Americanos -
RAFTD, as Condições Gerais de Entrega de Mercadorias entre Organizações dos
Países Membros do COMECON e os Combiterms, adotados no Norte da Europa.
O RAFTD 1941, nomenclatura para Revised American Foreign Trade
Definition (Definições Americanas sobre o Comércio Exterior Revisadas), constituiu-
se em um sistema de larga utilização dentro dos Estados Unidos desde 1919,
desenvolvido principalmente para varejistas locais. Por vezes as empresas
Americanas consideravam o RAFTD como sendo um sistema de reconhecimento
universal e os adotavam em relações internacionais com empresas de outros
países, o que definitivamente causava atrito e controvérsia. O RAFTD representou
uma revisão realizada em 1941 quanto às antigas definições (daí a expressão
RAFTD 1941) e os termos então padronizados foram empregados até 1980, quando
o Uniform Commercial Code – UCC dos Estados Unidos passou a adotar os
Incoterms a fim de eliminar diversidades e falhas de interpretação28.
O COMECON (Conselho para Assistência Econômica Mútua), que funcionou
entre 1949 até 1991 entre a Rússia e os países satélites socialistas do Leste
Europeu, estatuiu em 1968 a General Conditions of Delivery of Goods between
Organizations of the Member Countries of the Council for Mutual Economic
Assistence, documento que estipulou regras básicas para as condições de venda
em diversos modais e adotou siglas divergentes do Incoterms, o que levou a criação
de uma tabela a fim de estabelecer equivalências entre os sistemas.
Por fim, os COMBITERMS definem bem a distribuição de custos entre
vendedores e compradores durante várias etapas do processo na cadeia de
27
Rechsteiner, Beat Walter – Direito Internacional Privado, 2015. p. 85 28
GODINHO, Wagner. Os Incoterms 2010 e a universalização do uso de condições gerais de venda padronizadas
em contratos de compra e venda internacional de mercadorias. Tuiuti: Ciência e Cultura, Curitiba, n. 44, p. 128,
2010.
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suprimento permitindo que vendedores e compradores transfiram os riscos de
perdas e danos das mercadorias durante o transporte sem maiores dificuldades.
Embora existam outros termos de padronização, estes são muito limitados
atualmente e não possuem repercussão mundial, principalmente, pela difusão em
massa dos incoterms nas últimas décadas e pela eficiência que este instituto traz
aos operadores de Comércio Exterior no dia a dia de suas atividades.
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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao elaborar este trabalho, foi possível concluir que a cooperação entre os
Estados e a busca pela uniformização legislativa internacional durante a história
foram fundamentais para se alcançar a harmonização das relações comerciais
internacionais entre empresas. Ainda, a convergência de vontade dos Estados em
uniformizar leis através de tratados Internacional e de Direitos Internacionais
Privados semelhantes, garante uma convivência pacífica no âmbito internacional a
fim de fomentar o desenvolvimento econômico dos países e garantir direitos às
empresas atuantes no comércio internacional.
Embora seja impraticável a existência de um direito internacional amplamente
perfeito, idêntico e uniforme, um excelente exemplo de sucesso de padronização de
normas a nível mundial são os termos padronizados criados pela Câmara de
Comércio Internacional. Os chamados Incoterms, são de fato essenciais para
garantir direitos e obrigações entre as partes em contratos de compra e venda, e sua
universalização minimiza inúmeros conflitos decorrentes das relações contratuais
mercantis entre empresas. Contudo, é notório que existem fatores que impedem a
ampla padronização de seu uso, principalmente em razão de uso facultativo em
diversos países, assim como a existência de outros termos de padronização
regionais e países que não concordam com seu uso. A Câmara de Comércio
Internacional, através de suas ações, promove a distribuição de informações quanto
aos Incoterms em palestras e conferências internacionais com objetivo de angariar
adesão de Estados e empresas.
No Brasil, é fundamental a utilização correta deste instituto para que as
operações de exportação e importação sejam frutíferas e pacíficas. A matéria está
regulada pela legislação brasileira através da resolução nº 21, de 07 de abril de 2011
da CAMEX – Câmara de Comércio Exterior e do Regulamento Aduaneiro, decreto nº
6.759/09. Tais legislações devem ser observadas por qualquer empresa brasileira
que queira ingressar com habitualidade no mercado estrangeiro de negócios.
Portanto, todas as empresas nacionais que pretendam iniciar suas operações
no cenário internacional, devem dominar o entendimento quanto aos Incoterms,
conhecer as legislações nacionais e estrangeiras sobre a matéria e, sobretudo,
utilizá-los de maneira consciente, visto que estabelecem obrigações, ônus e direitos
39
essenciais decorrentes da celebração de contratos internacionais de compra e
venda.
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REFERÊNCIAS
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