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INSTITUTO CUIABANO DE EDUCAÇÃO
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
PSICOPEDAGOGIA
FRACASSO ESCOLAR
MIRIELLY REGINA DATSCH
CUIABÁ - MT
2012
MIRIELLY REGINA DATSCH
FRACASSO ESCOLAR: entendendo possíveis causas e soluções.
Monografia apresentada ao curso de Especialização do Instituto Cuiabano de Educação como um dos requisitos para obtenção do título de especialização em Psicopedagogia sob a orientação do Professor (a) Wilce Calazanas Birck.
1
CUIABÁ - MT
2012
INSTITUTO CUIABANO DE EDUCAÇÃO
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
PSICOPEDAGOGIA
TERMO DE APROVAÇAO
MIRIELLY REGINA DATSCH
NOTA/CONCEITO__________
_______________________________
WILCE CALAZANAS BIRCK
2
Dedico esta monografia a meus
familiares, aos colegas de curso, aos
professores e a todos aqueles que
direta ou indiretamente contribuíram
para esta conquista.
3
RESUMO
Esta monografia teve por objetivo apresentar as causas do fracasso escolar como causa para o problema da repetência e da evasão acontecidas na escola. Com isso, falou-se sobre a escola e sua estrutura, sobre a evasão escolar, o fracasso dos alunos na escola e até da má formação do professor, decorrendo esses fatores. Contudo, o professor deve desempenhar a sua autoridade, estabelecendo limites e exalando responsabilidades, sem deixar de respeitá-las; designando recomendações escolares verdadeiramente participativos, representativos e influentes; escola que proporcione instalações adequadas, alinho, coordenação e segurança, por fim, que haja um ambiente favorável ao estudo e à aprendizagem, no qual o aluno se sinta entusiasmado a continuar e a aprender. No entanto, ao tratar da culpa enfrentada pelo aluno, pelo seu fracasso no desempenho escolar, crê-se que a verdadeira culpa não é somente do aluno, que se mostra como vítima, com o mito da “criança carente”, mas sim de toda uma sociedade, que a repreende, culpabilizando o governo e toda a nação pelo fracasso escolar, o que, de todo modo, é um sério caso a se pensar.
Palavras-chave: Fracasso Escolar, Evasão, Repetência, Ensino, Culpa.
4
ABSTRACT
This monograph aimed to present the causes of school failure as the cause for the problem of repetition and dropout acontecidas in school. With that, spoke out about the school and its structure, the school dropout, the failure of pupils in school and to the poor training of teachers, these factors arise. However, the teacher must play its authority by setting limits and responsibilities exalando while obey them; recommendations designating school truly participatory, representative and influential; school providing appropriate facilities alinho, security coordination and, finally, there is a favourable environment for study and learning, in which the student feels excited to continue and learn. However, in dealing with the guilt faced by the student, for his failure in school performance, it is believed that the real fault is not only the student, who is shown as a victim, with the myth of "poor child", but of all a society that the show, blame the government and the whole nation by school failure, which, in any case, is a serious case to think.
Key words: Failure School, Circumvention, Repetence, Education, Guilt.
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................7
1. A ESCOLA: SUA ESTRUTURA ANTIGA E OS MOLDES MODERNOS...............9
2. FRACASSO ESCOLAR: ASPECTOS GERAIS...................................................15
2.1 Aprendizagem X Fracasso Escolar..................................................................17
2.2 Fracasso Escolar: Inquietações.......................................................................18
2.3 Fracasso escolar nas séries iniciais: perspectiva social, familiar e
educacional.......................................................................................................23
3. O FRACASSO ESCOLAR: DE QUEM É A CULPA?...........................................29
4. A MÁ FORMAÇÃO DO PROFESSOR COMO RECORRÊNCIA DO
FRACASSO ESCOLAR........................................................................................44
5. UTILIZANDO O BRINQUEDO E O LÚDICO COMO ALTERNATIVA PARA
O RENDIMENTO E SUCESSO ESCOLAR..........................................................49
5.1. A Criança no Mundo do Faz-De-Conta...........................................................51
5.2. A Utilização do Lúdico na Aprendizagem........................................................51
CONCLUSÃO............................................................................................................53
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................56
6
INTRODUÇÃO
Ao analisarmos os dados da educação pública no Brasil é possível
verificar a persistência de altos índices de repetência, evasão e baixo rendimento
escolar de um enorme contingente de alunos, apesar das inúmeras tentativas
governamentais de sanar os problemas escolares.
Como exemplos dessas iniciativas governamentais, temos o sistema de
ciclos, as classes de aceleração, classes de apoio, classes de reforço, correção de
ciclo, o sistema de progressão continuada e um grande número de
encaminhamentos de alunos para serviços de saúde – psicologia, fonoaudiologia,
neurologia, entre outros. Apesar das muitas tentativas governamentais, de forma
geral, “os resultados do SAEB1 mostram que: a maioria dos alunos da escola pública
não atinge padrões mínimos. Separados por série e matéria, entre 60% e 80% não
os atingem” (OLIVEIRA, 2005 apud SCHWARTZAM & BROCK, 2005, p. 60).
Fenômeno muito comum nas décadas de 30 e 40 (que ainda hoje
preocupa as autoridades do ensino), a evasão escolar, assumia aspecto alarmante,
visto que poucos alunos alcançavam à última série do curso industrial, o mais
procurado desde a implantação da escola, sobretudo nos anos citados.
Contudo, para combater a causa dessa evasão, motivada pela
necessidade de ”‘ganhar a vida‘‘ e concorrer, de algum modo, para aliviar os
encargos da família, tratou-se de oferecer ao aluno carente, adequada assistência
médica e odontológica, além de alimentação barata, às vezes gratuita, e pagamento
de ”‘diárias‘‘ pelos produtos de seu trabalho, que alcançavam bom preço, nas
famosas exposições promovidas pela escola.
O preconceito contra o trabalho manual, reminiscência da escravidão
negra, era muito forte na época da implantação dos cursos profissionais, se não
bastasse para agravar esse quadro, a virtual confusão induzida pela denominação
da escola- “Instituto Profissional‘‘ e o com o reformatório destinado à correção de
1 Sistema de Avaliação da Educação Básica.
7
menores infratores, do Tatuapé, e do perfil do adolescente que procurava a escola
de artífices, idealizado no governo de Nilo Peçanha, que apresentava maior rejeição,
devido ao fato de o aluno proceder de camada muito humilde, aos qual esse modelo
de ensino era reservado por lei, desde 1937.
Hoje, o preconceito contra o trabalho manual, que se mostrava, então,
infamante e incompatível com a condição de pessoa “bem nascida”, está
praticamente superado, como prova a excelente qualificação ostentada pela imensa
maioria dos jovens, que buscam os cursos ministrados nas escolas públicas onde se
realizam, anualmente, exames vestibulares para o preenchimento das vagas
disponíveis.
A disposição do imigrante europeu para a prática de ofícios manuais
concorreu poderosamente para anular esse preconceito e a introdução gradativa de
disciplinas de cultura geral reforçaram o interesse por seus cursos, a par das aulas
de educação moral e cívica (enfatizada nos períodos autoritários) que teve o objetivo
indisfarçável de facilitar a aculturação dos filhos de imigrantes e despertar neles
amor à nova Pátria e às instituições brasileiras.
8
1. A ESCOLA: SUA ESTRUTURA ANTIGA E OS MOLDES MODERNOS
A escola, quando de sua criação, oferecia cursos sumamente simples, de
acordo com as necessidades do mercado, em que a utilização do desenho técnico
era fundamental e matéria obrigatória.
As turmas de alunos, divididas em dois grupos de 20 elementos, recebiam
aulas teóricas, de conhecimentos gerais e tecnologia e aulas práticas, nas oficinas,
tendo por base, na primeira etapa, o aprendizado do curso vocacional, após o qual o
aluno se encaminhava para a área de sua preferência; no curso industrial, mediante
orientação psicológica a cargo de especialistas, dependendo do empenho do
aprendiz, poderia prosseguir no curso de aperfeiçoamento destinado à formação de
técnicos e professores.
Em 1934 aparece œ anexo ao Instituto Profissional Masculino e o Núcleo
de Ensino Ferroviário, sob a eficiente coordenação do engenheiro Roberto Mange, o
mesmo que iria inspirar mais tarde, no espírito do empresário Roberto Simonsen a
criação do SENAI em 1942, para atender a crescente demanda do mercado de
trabalho, quando a oferta de mão de obra qualificada, no período crítico da Segunda
Grande Guerra.
Até 1950, o caráter terminal dos cursos profissionais, constituía forte
obstáculo para a opção dos jovens na escolha desses estabelecimentos, mas a
partir das alterações introduzidas na legislação do ensino secundário na referida
década (reforma Antônio Balbino), que implantou a equivalência dos cursos de 2
grau, o interesse pela Escola Técnica Getúlio Vargas, e o G.V. intensificou-se, de
maneira a tornar-se um ”‘trampolim‘‘ para a escola superior, máxime depois que o
estabelecimento se viu transferido para sua atual sede, no bairro do Ipiranga (1964),
e a incorporação da escola no Centro de Educação Tecnológica ”‘Paula Souza‘‘
(1982), com novas e modernas habilitações para os formandos.
Finalmente, a crise temporária que afetou a ”‘G.V.‘‘ e outros
estabelecimentos de ensino congênere, por força da Lei 5.692/71, que instituiu o
estudo compulsório de algumas profissões nos estabelecimentos de 1 e 2 graus,
9
com vistas ao ingresso do aluno no mercado de trabalho, já passou e não deixou
vestígios, em razão do fracasso desse ambicioso e utópico projeto
profissionalizante.
Citando Azevedo (1997), a Lei 5692/71 (da época da ditadura militar)
causou crise na escola técnica, porque as reformas de ensino promovidas no
período ditatorial corresponderam a um esforço dos grupos coligados no chamado
pacto político autoritário (militares e burguesia industrial), em alinhas o sistema
educacional pelo fio condutor da ideologia do desenvolvimento com segurança.
Ainda conforme Azevedo (1997), os intelectuais que estiverem a frente do
processo de elaboração dessa legislação começaram uma atuação organizada
antes mesmo do golpe, visando obter a direção moral, intelectual e ideológica da
sociedade, no sentido de preparar e legitimar o poder governativo.
Não ignoramos que a nação é uma realidade moral, mas se a educação
não pode, por isso mesmo, desconhecer nenhum dos aspectos morais, espirituais e
religiosos dessa realidade, rica de tradições e lembranças históricas, ela deve,
igualmente fazer apelo a todas as forças criadoras para pô-las a serviço dos
interesses coletivos do povo e da cultura nacional.
A educação vem sofrendo várias alterações no sentido se sua
reestruturação a fim de que possa contribuir efetivamente, como lhe compete, para o
progresso científico e técnico e também para o trabalho produtivo.
Este é o momento de propor à Secretaria Estadual de Educação de São
Paulo œ SED onde funciona o SOS Criança, vinculado à Secretaria do Menor, o
tombamento de sua sede primitiva, localizada à Rua Piratininga, 105, por ser um
monumento de inegável significado histórico e cultural e como homenagem insigne
aqueles que ajudaram a construí-la, ao som dos acordes do harmônio de fole do
inesquecível maestro Miguel Izzo, quando entoava, com plena força de seus
pulmões, o Hino ao Trabalho, do poeta Antônio Feliciano de Castilho.
De maneira geral, os estudos analisam o fracasso escolar, a partir de
duas diferentes abordagens: a primeira, que busca explicações a partir dos fatores
externos à escola, e a segunda, a partir de fatores internos. Dentre os fatores
externos relacionados à questão do fracasso escolar são apontados o trabalho, as
desigualdades sociais, a criança e a família.
10
E dentre os fatores intra-escolares são apontados a própria escola, a
linguagem e o professor. Na abordagem que busca explicar o fracasso escolar a
partir de fatores externos, encontram-se os trabalhos realizados por Paulo
Maksenas, Arroyo, Gatti e outros citados por Brandão (1983). Nos estudos deste
autor, são apresentados os resultados de uma pesquisa desenvolvida pelo
Programa de estudos Conjuntos de Integração Econômica da América Latina
(ECIEL), o qual baseou-se em um uma amostra de cinco países latino-americanos, e
concluiu que “o fator mais importante para compreender os determinantes do
rendimento escolar é a família do aluno, sendo que, quanto mais elevado o nível da
escolaridade da mãe, mais tempo a criança permanece na escola e maior é o seu
rendimento” (BRANDÃO, 1983, p. 40). Assim, a família foi apontada como um dos
determinantes do fracasso escolar da criança, seja pelas suas condições de vida,
seja por não acompanhar o aluno em suas atividades escolares.
Essas desigualdades sociais também presentes na sociedade brasileira
são resultantes das “diferenças de classe”, e são elas que “marcam” o fracasso
escolar nas camadas populares, porque:
E essa escola das classes trabalhadoras que vem fracassando em todo lugar. Não são as diferenças de clima ou de região que marcam as grandes diferenças entre escola possível ou impossível, mas as diferenças de classe. As políticas oficiais tentam ocultar esse caráter de classe no fracasso escolar, apresentando os problemas e as soluções com políticas regionais e locais (BRANDÃO, 1983, p. 41).
Em ampla revisão de literatura nacional e internacional sobre evasão e
repetência no ensino de 1º grau, Brandão (1983, p. 42), explicita que “os alunos de
nível sócio-econômico mais baixo têm um menor índice de rendimento e, de acordo
com alguns autores, são mais propensos à evasão”. Em face disto, a má-
alimentação, ou seja, a desnutrição, é apontada como um dos fatores responsáveis
pelo fracasso de boa parte dos alunos:
A desnutrição pregressa, mesmo moderada, é uma das principais causas da alteração no desenvolvimento mental, e mau desempenho escolar. As crianças desnutridas se tornam apáticas, solicitam menos atenção daqueles que as cercam e, conseqüentemente, por não serem estimuladas têm seu
11
desenvolvimento prejudicado (SILVA, 2000, p. 33).
O estudo desenvolvido por Meksenas sobre a evasão escolar dos alunos
dos cursos noturnos, aponta por sua vez, que a evasão escolar destes alunos se dá
em virtude de estes serem obrigados a trabalhar para sustento próprio e da família,
exausto da maratona diária e desmotivados pela baixa qualidade do ensino, muitos
adolescentes desistem dos estudos sem completar o curso secundário‘‘
(MEKSENAS, 1992, p. 98). Segundo o autor, essa realidade dos alunos das
camadas populares difere da realidade dos alunos da classe dominante porque, com
base nas pesquisas realizadas em escolas da França pelos críticos-reprodutivistas
Establet-Baudelot, enquanto os filhos da classe dominante têm o tempo para estudar
e dedicar-se a outras atividades como dança, músicas, línguas estrangeiras, e
outras, os filhos da classe dominante mal têm acesso aos cursos noturnos, “sem
possibilidade alguma de freqüentar cursos complementares e de aperfeiçoamento‘‘
(MEKSENAS, 2000, p. 99).
De modo, na literatura educacional brasileira, a criança pode ser
culpabilizada por seu próprio fracasso escolar seja pela “pobreza”, seja pela “má-
alimentação”, pela “falta de esforço”, ou pelo desinteresse.
Soares (1997) afirma que essa culpabilidade da criança é observável
naquelas teorias que explicam a ideologia do dom e a ideologia da deficiência
cultural. Segundo a autora, estas ideologias, na verdade, eximem a escola da
responsabilidade pelo fracasso escolar do aluno, de um lado por apresentar
ausência de condições básicas para a aprendizagem, e de outro, em virtude de sua
condição de vida, ou seja, por pertencer a uma classe socialmente desfavorecida, e,
portanto, por ser portador de desvantagens culturais ou de déficits sócio-culturais.
Em oposição aos defensores dos fatores externos como determinantes do
fracasso escolar das crianças, autores como Bourdieu, Cunha, Fukui e outros apud
Brandão (1983) apontam a escola como responsável pelo sucesso ou fracasso dos
alunos das escolas públicas, tomando como base explicações que variam desde o
seu caráter reprodutor até o papel e a prática pedagógica do professor.
Diferentemente dos autores que apontam a criança e a família como
responsável pelo fracasso escolar Fukui ressalta a responsabilidade da escola
12
afirmando que “o fenômeno da evasão e a repetência longe está de ser fruto de
características individuais dos alunos e suas famílias. Ao contrário, refletem a forma
como a escola recebe e exerce ação sobre os membros destes diferentes
segmentos da sociedade” (FUKUI apud BRANDÃO, 1983, p. 47).
Segundo Abramawicz e Moll (1997) a responsabilidade da criança pelo
fracasso na escola tem como base o pensamento educacional da doutrina liberal, a
qual fornece argumentos que legitimam e sancionam essa sociedade de classe, e
também tenta fazer com que as pessoas acreditem que o único responsável pelo
sucesso ou fracasso social de cada um é o próprio indivíduo e não a organização
social.
Quanto ao fato de ser a escola das classes trabalhadoras que vem
fracassando, para Bourdieu, isso se dá em virtude de que a escola que aí temos,
serve de instrumento de dominação, reprodução e manutenção dos interesses da
classe burguesa. Para o autor, a escola não leva em consideração o capital cultural
de cada aluno, e que “os professores partem da hipótese de que existe, entre o
ensinante e o ensinado, uma comunidade lingüística e de cultura, uma cumplicidade
prévia nos valores, o que só ocorre quando o sistema escolar está lidando com seus
próprios herdeiros” (BOURDIEU apud FREITAG, 1980, p. 62).
E dentro da escola, o professor é apontado como produtor do fracasso
escolar. Para Rosenthal e Jacobson apud Gomes (1994) a responsabilidade do
professor pelo fracasso escolar do aluno, se deve às expectativas negativas que
este tem em relação aos seus alunos considerados como “deficientes”, os quais,
muitas vezes, apresentam comportamentos de acordo com o que o professor espera
deles. Estes teóricos mostram através de seus estudos, que as expectativas, em
geral, podem influenciar os fatos da vida cotidiana, e que geralmente, as pessoas
parecem ter a tendência a se comportar de acordo com o que se espera delas.
Assim, a expectativa que uma pessoa tem sobre o comportamento de outra, acaba
por se converter em realidade. A este fenômeno, os autores denominaram “profecia
auto-realizadora” ou “Pigmaleão Sala de Aula”.
Segundo Gatti apud Brandão (1983, p. 49), “o fenômeno da profecia auto-
realizadora é mais provável de ocorrer numa escola que abrange crianças de níveis
econômicos dispares, o que enseja comparações e preferência dos professores
13
favoráveis às crianças que lhes são mais próximas em termos culturais”.
Como se pode ver, a literatura existente sobre o fracasso escolar aponta
que, se por um lado há aspectos externos à escola que interferem na vida escolar,
há por outro, aspectos internos da escola que também interferem nom processo
sócio-educacional da criança, e que direta ou indiretamente, acabam excluindo a
criança da escola, seja pela evasão escolar, seja pela repetência.
Em síntese, discutir a questão do fracasso escolar é muito mais do que
apontar um ou outro responsável. Como bem lembra Bernard Charlot, a
problemática remete para muitos debates que tratam:
[...] sobre o aprendizado, obviamente, mas também sobre a eficácia dos docentes, sobre o serviço público, sobre a igualdade das “chances”, sobre os recursos que os pais deve investir em seu sistema educativo, sobre a “crise”, sobre os modos de vida e o trabalho na sociedade de amanhã, sobre as formas de cidadania (CHARLOT, 2000, p.14).
Não existe, ainda segundo Charlot (2000) o fracasso escolar, mas sim
alunos que não conseguem aprender o que se quer que eles aprendam, que não
constroem certos conhecimentos ou competências, que naufragam e reagem com
condutas de retração, desordem e agressão, enfim, histórias escolares não bem
sucedidas, e são essas situações e essas histórias denominadas pelos educadores
e pela mídia de fracasso escolar que devem ser estudadas analisadas, e não algum
objeto misteriosos, ou algum vírus resistente, chamado “fracasso escolar”.
14
2. FRACASSO ESCOLAR: ASPECTOS GERAIS
O fracasso escolar aparece hoje entre os problemas de nosso sistema
educacional mais estudados e discutidos. Porém, o que ocorre muitas vezes é a
busca pelos culpados de tal fracasso e, a partir daí, percebe-se um jogo onde ora se
culpa a criança, ora a família, ora uma determinada classe social, ora todo um
sistema econômico, político e social. Mas será que existe mesmo um culpado para a
não-aprendizagem? Se a aprendizagem acontece em um vínculo, se ela é um
processo que ocorre entre subjetividades, nunca uma única pessoa pode ser
culpada.
Alicia Fernández nos lembra que “a culpa, o considerar-se culpado, em
geral, está no nível imaginário” (FERNANDEZ, 1994, p.43) e coloca que o contrário
da culpa é a responsabilidade. Para ser responsável por seus atos, é necessário
poder sair do lugar da culpa.
Não pretendo aqui, portanto, expurgar a responsabilidade de um fracasso
escolar. O propósito é discuti-lo como um elemento resultante da integração de
várias “forças” que englobam o espaço institucional (a escola), o espaço das
relações (vínculos do ensinante e aprendente), a família e a sociedade em geral.
Quando se fala em fracasso, supõe-se algo que deveria ser atingido. Ele é
definido por um mau êxito, uma ruína. Porém mau êxito em quê? De acordo com
que parâmetro? O que a nossa sociedade atual define como sucesso? Daí a
necessidade de analisar o fracasso escolar de forma mais ampla, considerando-o
como peça resultante de muitas variáveis.
A sociedade busca cada vez mais o êxito profissional, a competência a
qualquer custo e a escola também segue esta concepção. Aqueles que não
conseguem responder às exigências da instituição podem sofrer com um problema
de aprendizagem. A busca incansável e imediata pela perfeição leva à rotulação
daqueles que não se encaixam nos parâmetros impostos.
15
Assim, torna-se comum o surgimento em todas instituições educativas de
“crianças problemas”, de “crianças fracassadas”, disléxicas, hiperativas, agressivas,
etc. Esses problemas tornam-se parte da identidade da criança. Perde-se o sujeito,
ele passa a ser sua dificuldade.
Desta forma, ao passar pelo portão da escola, a criança assume o papel
que lhe foi atribuído e tende a correspondê-lo. Porém, ao conceder este rótulo à
criança, não se observa em quais circunstâncias ela apresenta tais dificuldades (ele
está assim e não é assim). Isso não é apenas uma diferença terminológica, ela
revela uma possibilidade de mudança.
A sociedade do êxito educa e domestica. Seus valores, mitos relativos à
aprendizagem muitas vezes levam muitos ao fracasso. Em nosso sistema
educacional, o conhecimento é considerado conteúdo, uma informação a ser
transmitida.
As atividades visam a assimilação da realidade e não possibilitam o
processo de autoria do pensamento tão valorizada por Alicia Fernández. Ela define
como autoria “o processo e o ato de produção de sentidos e de reconhecimento de
si mesmo como protagonista ou participante de tal produção” (FERNÁNDEZ, 2001,
p.90). Este caráter informativo da educação se manifesta até mesmo nos livros
didáticos, nos quais o aprendente é levado a memorizar conteúdos e não a pensá-
los; não ocorrendo de fato uma aprendizagem.
É preciso distinguir aquilo que é próprio da criança, em termos de
dificuldades, daquilo que ela reflete em termos do sistema em que se insere.
A família, por sua vez, também é responsável pela aprendizagem da
criança, já que os pais são os primeiros ensinantes e as “atitudes destes frente às
emergências de autoria do aprendente, se repetidas constantemente, irão
determinar a modalidade de aprendizagem dos filhos” (FERNÁNDEZ, 2001, p.93).
Quando se fala em “famílias possibilitadoras de aprendizagem” tem-se
uma tendência a excluir as famílias de classes baixas já que estas não podem
fornecer uma qualidade de vida satisfatória, uma alimentação adequada, acesso a
diversas formas de cultura (cinema, teatro, cursos, computador, etc). Entretanto é
possível a existência de facilitadores de autoria de pensamento mesmo convivendo
com carências econômicas.
16
Em seu livro, “O saber em jogo”, Alicia Fernández cita uma pesquisa com
famílias de classe baixa facilitadoras da aprendizagem. O que caracteriza estas
famílias é a criação de um espaço favorável para que cada membro possa escolher
e responsabilizar-se pelo escolhido, propiciando um espaço para a autoria de
pensamento. O perguntar é possível e favorecido, há facilidade de aceitar as
diferentes opiniões e idéias. Condições estas que não são comuns em famílias
produtoras de problemas de aprendizagem.
Além disso, segundo Maud Mannoni, um sintoma não deve ser
considerado de forma única, isolado, mas sim dentro de um contexto muito mais
amplo e repleto de significados. Assim acontece com o fracasso escolar, ele pode
assumir, dentro da família, uma função. Daí a necessidade de buscar o significado
do “não aprender”, analisando a história de vida do sujeito e buscando uma
significação das fantasias relacionadas ao ato de aprender.
Também contribuem para o fracasso escolar a própria instituição
educativa que muitas vezes não leva em consideração a visão de mundo do
aprendente. As discrepâncias entre o desempenho fora e dentro da escola são
significativas. Ou seja, muitas vezes os profissionais da educação não conseguem
transpor o conhecimento ensinando para a realidade do aprendente. Isso pode ser
exemplificado no livro: “Na vida dez, na escola zero” que trata do ensino da
matemática. Na escola os alunos vão mal, porém em situações naturais, cotidianas,
e que necessitam de um raciocínio matemático eles vão muito bem.
Outra questão referente à escola é que esta, ao valorizar a inteligência, se
esquece da interferência afetiva na não aprendizagem. O sujeito pode estar em
dificuldades de aprendizagem por ter ligado este fato a uma situação de desprazer.
Esta situação pode estar ligada a algum acontecimento escolar. Claparéde diz que a
escola pode provocar na criança conflitos que influenciarão seu gosto pelo aprender.
2.1 Aprendizagem X Fracasso Escolar
17
Ao falarmos de fracasso escolar, além de tentarmos analisar os fatores
que contribuem para seu surgimento, é necessário conceituar aquilo que viria a ser
seu oposto: a aprendizagem.
Já mencionamos que a aprendizagem é um processo vincular, ou seja,
que se dá no vínculo entre ensinante e aprendente, ocorre portanto entre
subjetividades. Para aprender, o ser humano coloca em jogo seu organismo
herdado, seu corpo e sua inteligência construídos em interação e a dimensão
inconsciente. A aprendizagem tem um caráter subjetivo pois o aprender implica em
desejo que deve ser reconhecido pelo aprendente. “O desejar é o terreno onde se
nutre a aprendizagem” (FERNÁNDEZ, 2001, p.94).
Aprender passa pela observação do objeto, pela ação sobre ele, pelo
desejo. A aprendizagem é a articulação entre saber, conhecimento e informação.
Esta última é o conhecimento objetivado que pode ser transmitido, o conhecimento é
o resultado de uma construção do sujeito na interação com os objetos (PIAGET) e o
saber é a apropriação desses conhecimentos pelo sujeito de forma particular,
própria dele, pois implica no inconsciente.
A partir disso, podemos definir aprendizagem como uma construção
singular que o sujeito vai fazendo a partir de seu saber e assim ele vai
transformando as informações em conhecimento, deixando sua marca como autor e
vivenciando a alegria que acompanha a aprendizagem.
Este processo se difere bastante do fracasso escolar que pode evidenciar
uma falha nesta relação vincular ensinante-aprendente. Alicia Fernández diferencia
fracasso escolar, problema de aprendizagem e deficiência mental. Para ela no
fracasso escolar “a criança não tem um problema de aprendizagem, mas eu, como
docente, tenho um problema de ensinagem com ele” (FERNANDEZ, 1994, p.97).
O problema de aprendizagem pode ser um sintoma de outros conflitos ou
ainda uma inibição cognitiva, e a deficiência mental tem incidência pequena na
população.
2.2 Fracasso Escolar: Inquietações
18
O verbo fracassar, de origem italiana (fracassare), foi utilizado pela
primeira vez no século XVIII, com o significado de arruinar, quebrar. Surgiu em uma
época em que paradigmas estavam em crise e que muitos conceitos e experimentos
para resolução de problemas fracassaram, fazendo emergir novos conceitos.
Mas que relação se pode estabelecer entre fracasso escolar e crise de
paradigmas?
Conforme Khun (2000, p. 105): o significado das crises consiste
exatamente no fato de que indicam que é chegada a ocasião para renovar os
instrumentos.
É chegada, então, a hora de renovar instrumentos, de reflexão e mais do
que isso de reflexão sobre a ação no processo de aprendizagem escolar. O tema
fracasso escolar já é bem disseminado na literatura, em seminários e em
congressos pelo país inteiro.
Muitos são os autores, que mesmo por vertentes diferentes, tratam o tema
com grande maestria: discutem a avaliação, relatam sobre os instrumentos de
avaliação, discorrem sobre teorias de aprendizagem, como também levantam a
bandeira das diferenças. Entretanto por que ainda permanecem índices elevados de
fracasso escolar, mais necessariamente de repetência, apesar de todas as teorias
modernas valorizando a atividade do sujeito?
Sem o propósito de comprovar causas de um tema tão polêmico, mas sim
mostrar indicadores, ou melhor, inquietações pessoais, esta discussão sobre o
fracasso escolar, à luz de algumas idéias de autores, é um grande desafio, posto as
incertezas e crises que se vive dentro do âmbito educacional. É um tema que deve
ser discutido freqüentemente por todos que estão de alguma forma envolvidos com
educação, pois nesta incessante busca e constante reflexão pode surgir novos
caminhos e conseqüentemente superar falsas concepções.
Estamos realmente em crise e há necessidade de reflexões consistentes e
que efetivamente nos levem a alternativas que rejeitem velhos modelos. Por mais
que dentro da educação valorizem teorias como de Jean Piaget e Vygotsky, bem
como as idéias mais atuais de Philippe Perronoud, ainda não se decidiu rejeitar ao
19
velho paradigma da concepção tradicional. Na verdade, visto por muitas práticas de
sala de aula, beira-se a um ecletismo em que se utiliza tudo um pouco, sem uma
fundamentação coerente, sem um conhecimento consistente e reflexivo.
Pode-se relacionar presente fato, com a afirmação de Kuhn (2000)
quando diz que os cientistas embora possam começar a perder a fé e a considerar
alternativas, não renunciam ao paradigma que os conduziu a crise. Talvez muitos
dos profissionais envolvidos com educação pensem como o ditado popular “Seguro
morreu de velho”, comprovando-se que realmente não há compreensão efetiva das
teorias para fundamentação de suas práticas.
As estatísticas atuais demonstram que boa parcela de alunos chega à 4ª
série do Ensino Fundamental sem saber ler eescrever indicam também que parte da
população brasileira são de analfabetos funcionais, ou melhor, indivíduos que
independente de terem ou não passado pela escola, não fazem uso da escrita. Os
índices de repetência não diminuíram, apesar de tantos estudos sobre o
desenvolvimento infantil e as novas estruturas escolares, como é o caso dos ciclos
de aprendizagens que mal interpretados e sem o devido conhecimento das teorias
embasadoras, foram considerados os “salvadores da pátria”, mera ilusão. É
importante salientar que a preocupação com a repetência não surgiu apenas nesta
década, dedicada à educação, mas já são encontrados estudos nos anos de 60 e
70, enfim o problema permanece, apesar das novas teorias e leituras.
Perrenoud (2000, p.18) diz que “é a própria organização escolar do
trabalho pedagógico que produz o fracasso escolar”. E continua afirmando que:
[...] definir fracasso escolar como conseqüência de dificuldades de aprendizagem é uma visão naturalizadora, que separa os que têm êxito dos que não têm êxito e que o sentimento de fracasso experimentado por um aluno, muitas vezes é a interiorização do julgamento da instituição escolar expresso pelo professor no alto do seu saber.
Muitos educadores comprovam tal fato à medida que vêem a repetência
como um problema ocasionado por causas extra-escolares e ao mesmo tempo
quando a considera solução para a falta de aprendizagem, assim volta-se ao início,
à repetição de tudo, como se o aluno nada tivesse aprendido. Incluem como
20
possíveis causas à estrutura familiar, carência econômica e afetiva do aluno e até
deficiências diagnosticadas de senso comum, entretanto sua própria prática não é
passível de questionamentos.
Para Dorneles (1999, p.25): “a causa do fracasso escolar não está
exclusivamente em um único dos fatores possíveis, nem só do professor, nem nos
métodos, nem nos recursos, nem na escola e nem no sistema”. Está no sistema e
nos métodos e nos recursos e na avaliação. A autora relata que há seis fragmentos
de concepções referentes a aspectos internos da escola que, aliadas a outras,
acabam promovendo o fracasso escolar:
A concepção de aprendizagem predominante entre alguns professores
permanece a de que o aluno aprende através da repetição.
Há uma preocupação central entre os professores em exercer controle e
contenção da conduta dos alunos.
A avaliação da aprendizagem é predominante realizada utilizando-se
provas escritas.
Há uma expectativa dos professores quanto ao aluno ideal a qual se
afasta completamente da realidade.
A relação entre a escola e a família é fragmentada e pouco cooperativa.
Os professores consideram o aluno como o principal responsável pelo seu
fracasso escolar.
O fracasso escolar então é um fenômeno multifacetado e com do vários
fatores que o influenciam e o determinam. Contudo, destro desta perspectiva, o mais
intrigante é em relação à expectativa quanto ao aluno ideal e assim retomamos a
discussão da relação do fracasso escolar com paradigma. Ainda verifica-se entre os
discursos e posturas de educadores ou mesmo dentro do contexto escolar, um
modelo de aluno, um ideal, o padrão, muito longe de aceitar e respeitar a
diversidade tão pregada atualmente, tornando-se difícil tal prática.
De onde surgiu este ideário, sendo que estamos vivendo um momento de
incertezas e de busca de coerência entre o dizer e o fazer? Será que a escola
continua com a nostalgia que existe um ideal perfeito, uma única forma, uma única
ideologia correta, diga-se sutilmente a dominante?
21
É óbvio que se devem ter parâmetros bem estruturados para nortear o
ensino, mas quais são os parâmetros que estão vigorando para a construção desta
visão dicotômica de excelência em sala de aula e que conseqüentemente vem
disseminando a exclusão?
Mas um fato é certo e desnecessário esgotar, a reprovação é negativa,
tanto ao aluno como ao sistema que também perde com o desperdício de recursos.
Gera frustração tanto ao aluno como também ao professor e este, mesmo que
acredite ser a repetência a única solução, sente-se culpado e incompetente.
Visto o fracasso escolar como reflexo de vários fatores (o que pode gerar
a sensação de fracasso), como conseguir o mínimo plausível para iniciar uma
reflexão coerente rumo a uma educação com efetiva qualidade a todos e não
apenas aos que possuem melhores oportunidades? Sem culpar a escola, ou a
família ou o aluno, como encontrar soluções?
Não existem saídas imediatas, nem receitas miraculosas, muitos menos
conselhos absurdos de como trabalhar a diversidade ditos por pessoas que não
trabalham em sala de aula e não conhecem a realidade precária da educação, mas
três eixos devem ser reavaliados e levados em consideração: o currículo, a
formação dos professores e a família.
É muito fácil pontuar causas, o que normalmente lê-se na literatura, mas é
imprescindível centrar esforços tanto das instituições mantenedoras e especialistas
como também das escolas e professores rumo a um trabalho que leve em conta a
realidade, deixando de lado os discursos e oportunizando uma prática escolar
coerente. Como diz Alvarenga (1999, p. 10):
As antigas certezas dão lugar às inseguranças e, para vencê-las, é preciso quebrar paradigmas. Aprender que não há caminhos certos, mas que pode havê-los melhores; posturas adequadas ao novo e ao crescimento, mesmo em meio à complexidade, se faz necessário.
Assim, sem um só culpado, mas numa interconexão de fatores, fica ainda
o desafio de como transpor esta idéia de rede, de complexidade, de totalidade, para
que o cotidiano escolar seja mais justo, estruturado e minimize cada vez mais o
fracasso escolar.
22
Novos estudos, novas rupturas, novos debates dentro do contexto escolar
se fazem necessários para que os agentes e neste incluem-se alunos, professores e
pais, possam juntos encontrar soluções para que haja permanência dos alunos na
escola, haja a valorização da educação infantil, a sensibilização e apoio à família e
principalmente a formação reflexiva do professor, o que lhe possibilitará um novo
olhar, longe de reducionismos e compreensões simplistas, para assim analisar os
emaranhados que surgem com uma educação elitista.
Hoje, em nosso século, fracasso continua com a mesma conotação.
Continuamos na educação sendo muitas vezes mal sucedidos e falhando, mas
como é possível não falhar dentro de um contexto tão diversificado, com uma
educação que ainda faltam recursos, de professores que necessitam de uma
formação mais adequada e de uma família que precisa de apoio? O fracasso existe,
então resta-nos refletir sobre a falha e juntos, sem acusar culpados, procurar dentro
da escola propor ações que tornem o ensino acessível e efetivo a todos.
2.3 Fracasso escolar nas séries iniciais: perspectiva social, familiar e
educacional
Considera-se como fracasso escolar à resposta insuficiente do aluno as
exigências da escola. Esta questão pode ser analisada e estudada sob diferentes
pontos de vista.
O setor social, como primeiro olhar, é dentre outros o mais amplo e de
certo modo permeia os demais. Neste âmbito, inserem-se o tipo de cultura, as
condições e relações político-sociais e econômicas vigentes, as ideologias
dominantes e as relações explícitas ou implícitas destas circunstâncias com a
educação escolar. A escola, como o segundo olhar de análise, é considerada sob
diferentes níveis, como a maior contribuinte para o fracasso escolar de seus alunos.
Tal possibilidade de estudo não pode ser isolada da anterior, pois o sistema de
ensino, seja público seja particular, reflete sempre a sociedade na qual está inserido.
23
A escola não existe desvinculada do sistema sócio-econômico, mas, pelo
contrário, é um reflexo dele. Portanto, a possibilidade de absorção de certos
conhecimentos pelo aluno dependerá, em parte, de como essas informações lhes
chegaram, lhes foram ensinadas, o que por sua vez dependerá, nessa cadeia, das
condições sociais que determinaram a qualidade do ensino.
Millot (1987) assinala que é na família que o processo de aprendizagem se
inicia. Num processo de transferência, o amor sentido pela criança por seus pais e
mais tarde, por seus professores, é o que vai continuar a ser o motor da
aprendizagem.
Assim, a família e a escola possuem um elemento comum: a criança. Os
problemas de adaptação escolar vão se refletir na família. Todavia, será que a
família desta criança reconhecerá esta problemática como sua? Existe uma grande
discrepância entre o que os pais identificam como sendo realmente "problema" e o
que a escola valoriza como tal. O sentimento de inadequação por parte do aluno
resulta em sua reprovação, interpretada erroneamente como fracasso escolar.
Essas reflexões apresentam uma problemática: Entre o espaço familiar e o
escolar, situa-se uma criança que não está de acordo com o que dela é esperado
pela escola. Essa criança não alcança o resultado esperado pela escola, sem saber
exatamente no quê e por quê está sendo reprovada. Na interpretação das
instituições educacionais, tal reprovação é considerada como fracasso escolar. Qual
seria então a concepção que a escola, a família e a sociedade possuem a respeito
de fracasso escolar? A partir da análise dessas concepções que sugestões podem
ser propostas para minorar o problema do fracasso escolar?
Com o objetivo maior de conhecer os aspectos legais e históricos do
ensino fundamental no Brasil, e para se compreender o processo geral do fracasso
escolar, é imprescindível analisar o papel do Estado na formação escolar, identificar
a importância da família no processo ensino-aprendizagem. Deve-se ainda: analisar
a escola nas diferentes maneiras de aquisição do conhecimento; além de identificar
os fatores do desenvolvimento da aprendizagem no aluno.
Desde os primeiros estudos sobre fracasso escolar, observou-se que as
crianças que ingressavam tardiamente, repetiam o ano, obtinham baixas
qualificações ou abandonavam os estudos, pertenciam majoritariamente aos
24
mesmos setores da população chamados então "populares", àqueles que não
haviam recebido educação sistemática até a criação da escola pública.
A família sempre passou por mudanças que correspondem às mudanças
da sociedade. Ela tem assumido ou renunciado as funções de proteção e
socialização de seus membros em resposta às próprias necessidades e as da
cultura. Neste sentido, as funções da família atendem a dois diferentes objetivos: um
interno - a proteção psicossocial de seus membros; outro externo - a acomodação a
uma cultura e a transmissão dessa cultura, aspectos do processo de socialização.
Em todas as culturas, a família dá a seus membros o cunho da
individualidade. A experiência humana de identidade tem dois elementos: um sentido
de pertencer e o outro sentido de ser separado de diferentes grupos, cuja matriz é
sempre a família.
Collares (1989) afirma que o fracasso escolar é um problema social e
politicamente produzido. Desse modo, é necessário desmistificar as famosas causas
externas do fracasso escolar, devido a sua articulação no próprio âmbito escolar o
que relativiza e até mesmo inverte as muitas formas de compreendê-lo, dentre as
quais a atual caracterização do fracasso escolar como "problemas de
aprendizagem", o que, a partir dessa perspectiva, poderia ser atendido como
"problemas do ato de ensinar", fatores que não são produzidos exclusivamente na
sala de aula.
O fracasso escolar, em uma primeira aproximação, responde a duas
ordens de causas: externas à estrutura familiar e individual daquele que fracassa em
aprender, ou internas à sua estrutura familiar e individual. Em geral, estas duas
causas acham-se sobrepostas na história de um indivíduo em particular.
Em textos recentes, já produzidos no bojo das rupturas temáticas, são encontradas
duas afirmações para o fracasso escolar:
1º) As dificuldades de aprendizagem escolar da criança pertencente à
camadas menos favorecidas da população decorrem de suas condições de vida.
Este pressuposto encontra-se em plena circulação no pensamento educacional, o
que demonstra ainda estarmos sob a influência da teoria da carência cultural.
2º) A escola pública não está adequada a crianças de classe baixa e o
professor, ao tomar decisões e agir, tem em mente um aluno ideal.
25
Arroyo (1977 apud ABRAMOWICZ, 1997) aborda o tema fracasso escolar
partindo da hipótese de que existe entre nós uma cultura do fracasso, que dele se
alimenta e se reproduz. Tal cultura legitima práticas, rotula fracassados, trabalha
com preconceitos de raça, gênero e classe, além de salientar que reprovar faz parte
da prática de ensinar-aprender-avaliar. Há uma indústria, uma cultura da exclusão.
Este autor ainda analisa o fracasso escolar sob a hipótese da cultura da exclusão
estar materializada na organização e na estrutura do sistema escolar. Ele está
estruturado para excluir.
Afinal de quem é a responsabilidade do fracasso escolar? Os professores
responderam que é do próprio aluno; outros afirmaram que é da família, e apenas
um respondeu que a responsabilidade do fracasso escolar é do sistema educacional.
Para Cecília (apud ABRAMOWICZ, 1997, p. 63), “no Brasil o conceito de
fracasso escolar atravessou muros acadêmicos para se situar no centro dos
debates”. Ainda assim os professores na escola pesquisada parecem não
compreender muito bem o conceito de fracasso escolar, tal afirmação se faz devido
aos comentários realizados pelos próprios professores ainda no início do
preenchimento do questionário, embora não tenha optado por nenhum tipo de
entrevista direta ou indireta, alguns comentários foram realizados pelos professores,
tais como: "[...] Não compreendo o porquê de estarem me questionando sobre isso.
É mais ou menos como se eu fosse a única culpada" (fala de uma das professoras,
minutos antes da aplicação dos questionários).
Os professores apresentam, em suas colocações verbais e escritas, como
se estivessem aguardando na escola o aluno ideal, o aluno que sabe tudo. A
metodologia utilizada pelo professor para trabalhar determinado tema é única, não
atende à diversidade e não considera aqueles que de um determinado modo não
conseguem aprender.
Sobre isso, Patto (1999, p.76), afirma:
[...] havia uma convergência das escolas brasileiras sobre fracasso escolar, fatores intra-escolares haviam se tornado o alvo mais freqüente das investigações, mas também das conclusões: a maioria delas apontavam a inadequação da escola, a realidade da clientela [...] ao invés da tendência a atribuir à clientela as causas do fracasso escolar ter sido superada, ela foi
26
apenas acrescida de considerações sobre a má qualidade do ensino que se oferece a essas crianças.
Em textos recentes já produzidos no cerne das rupturas temáticas, teórica
e política, constata-se três afirmações que se seguem, por serem freqüentemente
constatadas:
1) As dificuldades de aprendizagem escolar que podem conduzir ao
fracasso da criança pobre decorrem de suas condições de vida. Esta afirmação vem
seguida de outras justificativas que a autora Patto (1999, p.155), apresenta em sua
pesquisa:
[...] Os currículos escolares são planejados partindo do pressuposto de que a criança já domina certos conceitos elementares, que são pré-requisitos para aprendizagem. Isso pode ser verdadeiro para aquelas que, na família, aprenderam esses conceitos, mas não o é para as que vivem em ambientes culturalmente pobres quanto a conteúdos que são típicos das classes economicamente favorecidas, embora ricos em aspectos que a escola não costuma valorizar.
2) A escola pública é adequada às crianças de classe média e o professor
tende a agir, em sala de aula, tendo em mente um aluno ideal. Essa afirmativa ainda
é tão verdadeira a ponto de Brandão e seus colaboradores terem verificado durante
1971 a 1981 que "pela distância cultural entre a escola e sua clientela majoritária, as
características do material didático, dos conteúdos e da linguagem que se
apresentam como estranhas à criança [...]" "o fracasso escolar não se deve tanto ao
método, mas muito mais ao fato de formas e conteúdos, na escola, estarem
distantes da criança concreta com a qual a professora se depara" (PATTO, 1999,
p.157).
3) Os professores não entendem ou descriminam seus alunos de classe
baixa por terem pouca sensibilidade e grande falta de conhecimento a respeito dos
padrões culturais dos alunos pobres. Por isso é necessário afirmar: o
desconhecimento a respeito dessas crianças é generalizado e está presente também
no corpo do conhecimento científico; portanto, mesmo que este professor tente suprir
suas lacunas de informação e corrigir seus vieses de classe, entrando em contato
com os textos que estão mais à mão, é provável que continuará a desconhecer seus
27
alunos pobres, julgando que os conhece. Cabe perguntar se muitos dos equívocos
dos professores a respeito da clientela não resultam do contato com textos que, a
título de formá-los ou de sanar suas deficiências de formação, podem estar
confundindo-os ainda mais (PATTO, 1999).
Quanto à responsabilidade do aluno pelo seu próprio fracasso escolar,
alguns professores ainda responderam que o aluno é culpado pelo seu próprio
fracasso. O que causa estranhamento é o professor não se responsabilizar pelo
fracasso do aluno, mas acreditar que o aluno é capaz, mesmo nas séries iniciais, de
aprender os conteúdos mais complexos, sem o auxílio de um orientador. Quanto a
isso, Perrenoud (1999, p.83) afirma:
A maioria dos métodos de ensino age como se todos os alunos reunidos em uma turma tivessem que realizar as mesmas aprendizagens. Na realidade, sobretudo no domínio da língua, isso é pura ficção. Uma parte dos alunos do primeiro ano primário já sabem ler e gastam inutilmente tempo, espaço, energia, que seriam melhor utilizados em favor dos alunos que precisam realmente aprender a ler [...] Se a escola dedicasse seus esforços aos alunos que realmente precisam dela, ela lutaria de modo mais eficaz contra o fracasso escolar.
Sobre as atividades que a escola tem realizado para diminuir o número de
alunos repetentes, é curiosa a quantidade de professores que informaram fazer
reuniões com pais e acompanhamento junto à família dos alunos. Estes mesmos
professores, quando questionado anteriormente, informaram que a família não
participa do processo e comentam que quando conseguem falar com os pais já é
tarde demais.
Werneck (1999, p.91) faz um alerta relacionado à função da escola e dos
professores:
Falta à escola uma atitude de olhar para frente, de buscar o futuro, de acreditar no novo, de promover aqueles que se lançam com ousadia na busca de suas transformações. É isto que falta à escola e aos professores. Portanto, ousem na vida para que vivam na maior amplitude possível e sejam elementos transformadores.
28
3. O FRACASSO ESCOLAR: DE QUEM É A CULPA?
Como vimos nos números apresentados na introdução, os dados oficiais
da educação pública do Brasil, especialmente os do Estado de São Paulo, têm
apontado para os altos índices de reprovação e evasão das crianças no período de
escolarização. Atingindo, principalmente os alunos das classes populares, que são
os usuários da rede pública (SAWAYA, 2002).
A incansável procura por soluções para o problema sobre o fracasso
escolar nas escolas públicas brasileiras nos leva a questionar de quem seria a culpa
ou responsabilidade para toda essa reverberação política e social que assola a
realidade da educação brasileira.
Em um primeiro momento, poderia se pensar que a culpa seria única e
exclusivamente do aluno, uma vez que, a falta de esforço e estudo do mesmo
casaria seu insucesso em sala de aula. Mas, repensando a causa de culpa do aluno,
na maioria das vezes, ele apenas poderia estar condenado ao que se poderia
chamar de “criança carente”, ou “o mito da culpa”, isto é, a culpa, na realidade, não
existe, não em se tratando da culpa exclusivamente do aluno, mas sim de toda uma
sociedade, do governo e de sua manipulação mais do que excessiva sobre
professores e educadores, sobre a própria educação.
A busca de explicações para o baixo desempenho escolar dos alunos de
camadas populares tem encontrado aporte em diferentes áreas de conhecimento em
suas contribuições à educação, como as ciências sociais e a psicologia. E tem
trazido versões sobre as causas do fracasso escolar a partir dos estudos sobre o
desenvolvimento psicológico e os processos de aprendizagem no ser humano, e que
centram o problema do fracasso escolar como decorrente de distúrbios de
desenvolvimento cognitivo e suas repercussões negativas sobre os processos de
aprendizagem da criança.
A influência de um ramo da psicologia voltada para explicações que se
centravam no aluno e em seus supostos distúrbios ou deficiências, já foi largamente
criticada pela própria psicologia, que revelou que ao invés de permitirem avanços
rumo a um melhor entendimento dos múltiplos e complexos aspectos envolvidos na
29
produção do fracasso escolar, teve como desdobramento um deslocamento da
atenção de alguns dos principais problemas da educação a serem enfrentados: a
construção de uma escola democrática e de qualidade.
Esses argumentos utilizados para justificar as causas do fracasso escolar
como sendo do aluno pobre e de sua família, que passaram a partir dos anos 60 a
ter acesso à escola pública, supostamente trazendo para dentro dela problemas
sociais atribuídos aos seus modos de vida, estão pautados em mitos e preconceitos
provenientes do senso comum e da maneira de perceber as camadas populares, e
estiveram desde então a serviço de interesses escusos, visto que concebemos na
psicologia escolar crítica que o fracasso escolar é um fenômeno que transcende os
aspectos psicológicos individuais dos usuários da escola, e é produzido na
complexidade das relações estabelecidas nesta instituição.
Com a constatação de que esse ideário permanece presente e fortalecido
nas escolas públicas e nas pesquisas acadêmicas, entendemos como necessário
mostrar a presença de uma literatura que permite conhecer os limites e avanços das
políticas educacionais e das metodologias de ensino em voga, revelando muitas das
razões pelas quais elas não têm conseguido obter o êxito almejado: democratização
e qualidade de ensino.
Por outro lado, também existem relatos de experiências que mostram a
presença nos meios educacionais de explicações e propostas de intervenção
institucional que superaram a visão reducionista e psicologizante que culpa alunos e
professores pelo fracasso do ensino no Brasil.
E que situam o problema do fracasso como um processo produzido nas
relações intra-escolares e que, portanto, permite apontar caminhos rumo à sua
superação. Nesse sentido, vamos analisar o projeto psicopedagógico à luz das
questões trazidas por esse aporte teórico que apresentaremos a seguir, tentando
compreender em que medida ele avança em direção a essa superação, ou
permanece na visão hegemônica.
Vejamos então, de forma resumida, que psicologia é essa que se faz
presente na escola até os dias de hoje e porque está a serviço da manutenção do
sistema educacional vigente. Para tal, iniciaremos nossa exposição trazendo
pesquisas acadêmicas sobre as concepções de fracasso escolar.
30
Patto et al. (2004), apresentam um estudo introdutório sobre o estado da
arte da pesquisa sobre o fracasso escolar na rede pública de ensino fundamental,
partindo de uma retrospectiva histórica de pesquisa educacional no Brasil.
Foram analisadas as teses e dissertações defendidas entre 1991 e 2002
na Faculdade de Educação e no Instituto de Psicologia da Universidade de São
Paulo. Foram encontradas e categorizadas 71 obras.
Nesta pesquisa revelaram-se vertentes que entendem, segundo as
autoras, o fracasso escolar das seguintes formas: como problema essencialmente
psíquico; como problema meramente técnico; como questão institucional; como
questão fundamentalmente política.
Os resultados também mostraram a existência de continuidades e
rupturas teórico-metodológicas em relação aos caminhos percorridos pela produção
de saber da área.
Segundo as autoras, há teses em que permanece o domínio de
concepções psicologizantes e tecnicistas de fracasso escolar; em outras, coexistem
concepções inconciliáveis que resultam em um discurso fraturado; há também teses
que dialogam e avançam a pesquisa crítica do fracasso escolar, inserindo-o nas
relações de poder existentes numa sociedade de classes (PATTO, 2004).
A presença de concepções psicologizantes e tecnicistas de fracasso
escolar na área da psicologia da educação, tanto nas bases teóricas quanto na
atuação do psicólogo escolar, já havia sido apontada por Patto (1984) no livro
Psicologia e Ideologia: uma introdução crítica à Psicologia Escolar, na década de 80.
Neste trabalho a autora apresenta e analisa as principais bases teóricas
das práticas psicológicas que repercutiram na escola, os métodos que os psicólogos
utilizavam em sua prática, o fato das explicações sobre as dificuldades da
escolarização dos alunos estarem focadas nas crianças e em suas famílias e a
forma restrita como a Psicologia interpretava os fenômenos escolares. Patto (1984)
discute o comprometimento político da Psicologia, ou seja, a serviço de que e de
quem estaria essa Psicologia Escolar, bem como a prática psicológica ligada a ela,
concluindo que a intervenção do psicólogo escolar no campo da educação contribuía
pouco a serviço da melhoria da qualidade da escola e dos benefícios que esta
31
escola deveria estar propiciando a todas as crianças, especialmente às crianças das
classes populares.
Iniciava-se, portanto, na trajetória da Psicologia Escolar, um conjunto de questionamentos a respeito do seu papel social, dos pressupostos que a norteavam, suas finalidades em relação à escola e com vários trabalhos de pesquisa que passaram a se fazer presentes na década de 1980, questionando o papel do psicólogo, sua identidade profissional e o lugar da Psicologia enquanto ciência numa sociedade de classes (SOUZA, 2006, p. 229).
Em 1990, Patto publica seu trabalho A produção do fracasso escolar:
histórias de submissão e rebeldia, resultado de uma pesquisa de vários anos que
analisa os processos intra-escolares produtores de fracasso a partir de um estudo
de caso em uma escola da periferia de São Paulo.
Inseridas nessas questões intra-escolares, foram explicitadas, de forma
viva e pulsante, as repercussões devastadoras da atuação de uma certa psicologia
na vida de alguns alunos.
Atuação esta que atravessou toda a trajetória escolar das crianças,
estigmatizando-as através de preconceitos, avaliações inadequadas e a serviço da
exclusão dentro da escola dos alunos das classes populares.
Esta pesquisa trouxe resultados que foram responsáveis por avançar
consideravelmente a área de estudos da psicologia escolar no que diz respeito à
forma de conceber os problemas escolares, saindo da explicação que centrava as
dificuldades escolares no aluno e em sua família, para aquela que passa a entender
o fracasso escolar como uma produção da própria escola.
Na medida em que a pesquisa de Patto (1999) permitiu compreender os
processos intra-escolares produtores de fracasso e, dentre eles, a presença na
escola de um discurso educacional que orienta e estrutura as práticas pedagógicas
partindo de supostas dificuldades localizadas nos alunos, e que, tendo como
pressuposto alunos que não vão aprender, que possuem deficiências e atrasos de
desenvolvimento, criam estratégias como as classes de reforço, projetos de
aceleração de desenvolvimento cognitivo etc.
32
Nesse sentido, este trabalho serviu como referencial teórico para nossa
pesquisa na medida em que permitiu orientar nosso olhar para aspectos da prática
desenvolvida em uma escola pública por uma psicopedagoga, na intervenção nas
queixas escolares dos alunos apresentadas pelas professoras e coordenadoras.
Estes resultados foram resumidos por Patto (1999) em quatro pontos
fundamentais que serão apresentados a seguir.
A primeira consideração feita por Patto (1999, p. 407), foi de que “as
explicações do fracasso escolar baseadas nas teorias do déficit e da diferença
cultural precisam ser revistas a partir do conhecimento dos mecanismos escolares
produtores de dificuldades de aprendizagem”. Pois,
[...] tudo indica que a tese segundo a qual o professor da escola pública de primeiro grau, principalmente em suas duas primeiras séries, ensina segundo modelos adequados à aprendizagem de um aluno ideal, não encontra correspondência na realidade; da mesma forma, a afirmação de que o ensino que se oferece a estas crianças é inadequado porque parte da suposição de que elas possuem habilidades que na verdade não têm, também pede uma revisão (Id., Ibid, p.407). Segundo a autora, A inadequação da escola decorre muito mais de sua má qualidade, da suposição de que os alunos pobres não têm habilidades que na realidade muitas vezes possuem, da expectativa de que a clientela não aprenda ou que o faça em condições em vários sentidos adversas à aprendizagem, tudo isso a partir da desvalorização social dos usuários mais empobrecidos da escola pública elementar (p. 407)
E aponta que é importante que atentemos para as contradições desta
tese que culpabiliza o aluno pobre e a sua família como responsáveis pelo fracasso
da escola pública.
É no mínimo incoerente concluir, a partir do rendimento numa escola cujo funcionamento pode estar dificultando, de várias maneiras, sua aprendizagem escolar, que a chamada “criança carente” traz inevitavelmente para a escola dificuldades de aprendizagem. (...) a desvalorização social da clientela e o preconceito em relação a ela, certamente estão entre as principais idéias feitas e acriticamente incorporadas; longe de serem meras opiniões gratuitas, estas idéias ganham força ao serem confirmadas por um determinado modo de produzir conhecimentos, que alça opiniões do senso comum ao nível de verdades científicas inquestionáveis. Desvendar as maneiras através das quais este preconceito se faz presente na vida da escola mostrou-se um caminho produtivo no esclarecimento do processo de produção escolar. Como vimos, esse preconceito é estruturante de práticas e processos que constituem
33
desde as decisões referentes à política educacional até a relação diária da professora com seus alunos (PATTO, 1999, p. 407-408)
Patto (1999) explica que não há consenso na literatura educacional, sobre
até que ponto as crianças que não vivem em miséria absoluta, que sobrevivem até a
idade escolar (sete anos em média) e têm acesso à escola, têm seu
desenvolvimento físico e psíquico comprometidos.
O que não significa que algumas (a minoria) possam ser portadoras de
distúrbios evolutivos.
Esta comprovação pode ser vista em Collares e Moysés (1996), que
estudam o problema do fracasso escolar e da medicalização da saúde da criança
em idade escolar, evidenciando o equívoco tanto dos profissionais da saúde quanto
os educadores de julgarem de forma preconceituosa e reducionista a questão do
fracasso escolar como sendo a criança pobre e de sua família portadores dos mais
diversos déficits e deficiências.
Estas questões também foram discutidas entre as áreas de fisiologia,
medicina, nutrição e psicologia no “I Simpósio Escola, Nutrição e Saúde: desafios
contemporâneos” realizado em 2004 pela Faculdade de Educação e pelo Instituto de
Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo, evento que contou com a
Profª Drª. Maria Aparecida Moysés do Departamento de Ciências Médicas da
Universidade Estadual de Campinas, Profª Maria H. S. Patto do Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo, Profª Dra. Sandra Sawaya da Faculdade
de Educação da Universidade de São Paulo.
Foram apresentados resultados de pesquisas que comprovam que as
crianças que possuem seqüelas neurológicas importantes, cujas conseqüências não
é possível prever, decorrentes da desnutrição grave, está no hospital, confinadas
numa cama, grande parte do tempo dormindo para poupar energia e, portanto, não
interagem com nada, e provavelmente não sobrevivem.
E, portanto, não estão matriculadas nas escolas, porque não
sobreviveram aos primeiros anos de vida. E que, se existir um pequeno número com
outras necessidades especiais, esse percentual não equivale aos números elevados
34
que apresentamos na introdução desta dissertação, ou seja, que aproximadamente
90% não tem um rendimento escolar considerado “adequado” pelo próprio governo.
Outro estudo é citado por Patto (1999), feito por pesquisadores do Grupo
de Estudos Sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação (GEEMPA), que
chegaram a conclusões que julgaram ser surpreendentes tomando por base as
pesquisas existentes sobre a cognição dos alunos pertencentes às classes
populares principalmente nos Estados Unidos, nas décadas de 60, 70 e 802.
Estes estudos concluíram que os alunos pobres tinham déficit cognitivo
por terem uma cultura diferente da classe média americana, e, portanto, dificuldades
de aprendizagem em relação aos alunos dessa classe, que possuíam uma cultura
mais ligada à escola.
Foi verificado pelo GEEMPA que o método de pesquisa utilizado nestas
pesquisas para o diagnóstico de atraso foi feito a partir do desempenho das crianças
nas provas piagetianas de conservação, seriação e classificação.
Lemos (1985 apud PATTO, 1999), critica os resultados dessas pesquisas,
pois nega, em termos absolutos, uma capacidade que só foi medida a partir dos
conteúdos escolares e não em outras circunstâncias da vida dessa criança.
E que “o diagnóstico da inadequação do ambiente cultural não passa de
uma suposição, já que não resulta da observação dos tipos de atividades que esse
ambiente propicia ou deixa de propiciar à criança” (PATTO, 1999, p. 409, grifo da
autora).
Patto (1999, p. 409) adverte:
[...] para o perigo de se negar, em decorrência dos resultados obtidos por crianças pobres em provas piagetianas, “a capacidade de conservação, seriação e classificação que a criança demonstra no cotidiano das mais variadas culturas, em atividades cuja eficácia é definida pela própria cultura, sobre objetos cujo valor – lúdico ou não-lúdico – também é sócio-cultural.
2 Essas pesquisas foram apresentadas e discutidas no livro “Introdução à Psicologia Escolar” de Patto (1997), onde foram compilados textos pertencentes ao que se denominou “Teoria da Carência Cultural”.
35
E menciona uma pesquisa feita com crianças de quatro a seis anos, que,
[...] após terem, em sua maioria, fracassado em provas ‘standard’ de conservação de número e comprimento, tiveram o desempenho esperado quando a transformação foi apresentada como um subproduto ‘acidental’ de uma atividade dirigida à consecução de um determinado objetivo (LEMOS, 1985 apud PATTO, 1999, p. 409-410).
Patto (1999) traz então o relato de Grossi (1985), do GEEMPA, sobre as
pesquisas realizadas com crianças de classes populares:
[...] os resultados foram surpreendentes pois, contrariamente ao que esperávamos, não encontramos crianças subnutridas nem com problemas neurológicos. As provas cognitivas revelaram níveis comparáveis aos encontrados com as mesmas provas em crianças de classe alta e média, isto é, a mesma percentagem de sujeitos conservadores aos seis anos e meio, assim como a mesma incidência nos outros níveis. Outrossim, do ponto de vista perceptivo-motor, nossos alunos da Vila eram mais desenvolvidos do que os de classes sociais mais favorecidas (GROSSI, 1985 apud PATTO, 1999)
Patto (1999) chama-nos a atenção para que com esse tipo de
constatação em mãos, não cometamos o erro de “fazer apologia da pobreza”.
E que os educadores e pesquisadores que chegaram a essas conclusões,
cujos resultados contradizem as pesquisas hegemônicas, estão cientes da
exploração e da opressão sociais, sabem que a miséria é lesiva, mas sabem
também que:
[...] estamos num país cujas taxas de mortalidade infantil encontram-se entre as mais altas do mundo e que, portanto, as crianças mais severamente atingidas pela iniqüidade das relações de produção não chegam, em número significativo, aos bancos escolares (p. 410).
Conclui então que:
36
Numa época em que as pesquisas desvelam cada vez mais a situação grave do ensino de primeiro grau, a precariedade das condições de trabalho do professor, sua insatisfação profissional e suas lacunas de formação, sua representação negativa da clientela, a inadequação dos processos de ensino e de avaliação da aprendizagem, a grande mobilidade dos educadores nas escolas que atendem às pessoas mais pobres, a pequena duração da jornada escolar e do ano letivo, a gratuidade apenas nominal da escola pública, é preciso urgentemente rever as afirmações científicas sobre estas pessoas que muito têm contribuído para manter e agravar este estado de coisas.
A segunda consideração feita por Patto (1999, p.407) em relação ao
fracasso escolar é que “o fracasso da escola pública elementar é o resultado
inevitável de um sistema educacional congenitamente gerador de obstáculos à
realização de seus objetivos”.
Segundo a autora as características específicas do sistema público de
educação como as relações hierárquicas de poder, a segmentação e a
burocratização do trabalho pedagógico “criam condições institucionais para a
adesão dos educadores à singularidade, a uma prática motivada acima de tudo por
interesses particulares, a um comportamento caracterizado pelo descompromisso
social” (p.411).
E resulta, segundo Patto (1999, p.411-412), numa situação em que existe
a priorização do administrativo ao pedagógico pelos educadores na escola.
Desta perspectiva, é um equívoco de graves repercussões tentar fazer crer que a causa da ineficiência da escola encontra-se num perfil do educador traçado a partir de considerações moralistas, comuns entre os tecnocratas: “são incompetentes”, “não querem saber de nada”. Os depoimentos das próprias educadoras ajudaram a mostrar que suas reações encontram sua razão na lógica do sistema que as leva a se apropriarem da legislação em benefício próprio, constituindo, assim, verdadeiras “estratégias de sobrevivência” em condições de trabalho adversas. [...] Não estamos, portanto, diante de falhas sanáveis num sistema formalmente perfeito mas diante de um sistema organizado segundo os princípios que o fazem essencialmente perverso.
Seguindo este raciocínio, a autora, baseada nas idéias de Agnes Heller,
afirma que quanto mais o trabalho pedagógico se transforma, movido pela força da
concepção tecnicista de ensino, “tanto mais adquire características de atividade
cotidiana alienada, embora não deixe de ser, nestas circunstâncias, ao mesmo
37
tempo ocupação cotidiana e atividade imediatamente genérica” (PATTO, 1999, p.
412).
Patto (1999, p.412) entende que a alienação pode ser vista quando “a
função instrumental domina todas as relações humanas de uma pessoa”, ou seja,
quando os contatos pessoais cotidianos assumem uma forma na qual o outro é
predominantemente instrumento e não finalidade.
No caso da escola, a relação entre os educadores e os usuários poderia
ser tomada como exemplo, pois a instrumentalização do outro propiciaria as
relações de inferioridade/superioridade observadas no cotidiano escolar, tais como
professor-aluno, diretor-professor, professor-pais etc. E que essa relação pode
determinar a forma de olharmos para o problema do fracasso escolar:
Num contexto marcado por relações de superioridade/inferioridade, qualquer afirmação que pareça neutra e objetiva e que reforce a crença de que indivíduos situados nos níveis hierárquicos mais baixos são inferiores, resulta no aprofundamento da dominação e da arbitrariedade. Cabe perguntar, neste momento, se não é esta a principal conseqüência de um discurso educacional que põe em relevo a incompetência do aluno; [...] No plano das idéias, a vida na escola encontra-se imersa na cotidianidade, contrariando a própria definição de seus objetivos, segundo a qual o espaço escolar seria um lugar privilegiado de atividades humano-genéricas. Juízos provisórios e ultrageneralizações cristalizadas em preconceitos e esteriótipos orientam as práticas e processos que nela se dão; pensamento e ação manifestam-se e funcionam exclusivamente enquanto imprescindíveis à simples continuação da cotidianidade, característica do "economicismo" da vida cotidiana; "utilidade" e "verdade" são critérios que se sobrepõe, o que torna uma vida marcada pelo pragmatismo. Por isso, a ação que nela se desenvolve é prática e não práxis, é atividade cotidiana irreflexiva e não atividade não-cotidiana ou atividade humano-genérica consciente (PATTO, 1999, p. 413).
E ressalva que não necessariamente as relações de desigualdade na
escola são relações de superioridade-inferioridade.
Mas que são produzidas pela imersão na cotidianidade das relações de
ensino-aprendizagem, que tem como conseqüência a sua caracterização como o
poder exercido sobre o outro.
38
A autora traz novamente as idéias de Agnes Heller para explicitar essas
afirmações:
Heller (1982b) insiste que a desigualdade pessoal não contém necessariamente o momento de superioridade-inferioridade; por exemplo, a relação adulto-criança, embora inevitavelmente desigual, não precisa ser de opressão. Neste sentido, ela diz: "Não será legítimo apor a etiqueta de 'poder' às relações que não derivam de desigualdades sociais mas de desigualdades pessoais. Tomemos o exemplo de um professor e seu aluno, que socialmente são iguais, mas que são pessoalmente desiguais, porque tem um grau diferente de conhecimento: a autoridade do professor diante do aluno não pode ser considerada uma função de poder. Se, ao contrário, a desigualdade se identifica com uma desigualdade social (por exemplo: o professor pode impor ao aluno essa ou aquela opinião, e, se o aluno não estiver de acordo, pode incorrer em sanções punitivas), então nesse caso, a autoridade deve ser considerada como função de poder." (p.32-33) Ao colocar a questão nestes termos, Heller contribui para a crítica das mistificações igualitárias, tão comuns entre educadores liberais, sem incorrer na apologia ou no elogio da dominação na relação pedagógica (p. 413).
Patto (1999) afirma que uma argumentação provável contra a
caracterização de que a ação que se desenvolve na escola “é prática e não práxis, é
atividade cotidiana irreflexiva”, seria que, é possível verificar entre os educadores, a
presença cada vez mais forte de discursos baseados em algum tipo de
conhecimento científico, o que, supostamente os distanciaria do senso comum.
Além disso, as explicações dominantes na literatura educacional sobre o
fracasso escolar das crianças pobres, estão presentes no discurso dos educadores
como questão importante a ser pensada. Mas nos alerta:
Resta indagar sobre a natureza do discurso científico em questão e sobre o seu papel na vida na escola. Os resultados a que chegamos permitem afirmar que além do modelo gerencial que administra as relações, as idéias em vigor a respeito da clientela são outra vertente estruturante poderosa da vida na escola, em geral, e dos contatos que nela se dão, em particular (PATTO, 1999, p.414).
A terceira consideração que Patto (1999, p.407) traz sobre o fracasso
escolar na escola pública brasileira, baseada nos resultados de sua pesquisa, é que
“o fracasso da escola elementar é administrado por um discurso científico que,
39
escudado em sua competência, naturaliza esse fracasso aos olhos de todos os
envolvidos no processo”.
A autora fala-nos sobre a presença na escola e na sociedade capitalista
atual de um discurso científico que se confunde com o senso comum, o que contribui
com a naturalização do fracasso escolar e a individualização do fracasso como
sendo do aluno ou de sua família.
Sobre a existência de um discurso científico na escola como explicação
para o fracasso escolar de crianças oriundas das classes oprimidas, Patto (1999)
explica que é necessário que nos debrucemos sobre as bases teóricas e históricas
dessa ciência e que separemos o que é científico e o que advém do senso comum,
e que é, portanto, permeado por preconceitos, mitos e crenças, e inculcado como
científico.
Também explica que essa crença não é algo neutro e sem finalidades no
sistema educacional, mas que tem por trás um discurso competente, e ideológico,
que tem como intenção à manutenção da estrutura da sociedade dividida em
classes, e, portanto, a precarização cada vez maior da escola pública.
Esta visão preconceituosa, de profundas raízes sociais, encontra apoio nos resultados das pesquisas que fundamentam as afirmações de uma ciência que, tendo como álibi uma pretensa objetividade e neutralidade, eleva uma visão ideológica de mundo à categoria de saber. Este fato facilita sobremaneira a transformação do usuário no grande 'bode expiatório' do sistema porque embaça a percepção da natureza política do fracasso escolar ao transformá-lo numa questão de incapacidade pessoal ou grupal anterior à escola. A constatação desta íntima relação entre o discurso dos educadores e o discurso científico colocou como necessária à reflexão sobre o problema da escolarização das parcelas mais empobrecidas das classes subalternas à tarefa de examinar criticamente as versões sobre as causas do fracasso escolar presentes ao longo da história da educação no país. Sua realização pode não só ter resultado numa pequena contribuição ao estudo da formação do pensamento educacional no Brasil, como confirmou a natureza instrumental da ciência que, desde o final do século passado, subsidia a política educacional e as orientações pedagógicas voltadas para a escola pública elementar. [...] Quanto mais alienada for a vida cotidiana, mais sua estrutura expande-se e invade os domínios do pensamento e da ação não-cotidianos, como a ciência, a arte e a política, a ponto de não haver mais a linha divisória entre senso comum e ciência [...] (PATTO, 1999, p. 414-415)
40
A autora afirma que esta "tendência regressiva, cronológica e
individualizante das explicações científicas do fracasso escolar, (...) opera uma
redução psicológica do problema e localiza na família a origem das dificuldades que
as crianças pobres terão na escola", justificando a inadequação das medidas do
sistema educacional voltadas para sanar estes problemas individuais, e também a
crueldade dessa relação de poder onde o mais oprimido pelo próprio sistema é
culpabilizado pelo fracasso dele mesmo.
Patto (1999) lança mão de uma analogia apresentada por Rocha (1984,
apud PATTO, 1999), sobre a relação entre a criminologia e criminalidade que se
aplica à relação entre a psicologia educacional e o fracasso escolar.
Segundo ele, “o desenvolvimento da criminalidade é operado por um processo institucional de criminalização do trabalhador pauperizado”; usando da mesma estrutura de frase, podemos dizer que 'o desenvolvimento do fracasso escolar é operado por um processo institucional de 'fracassalização' do aluno pauperizado'. Além disso Rocha conclui que 'a criminalidade é administrada por um processo de criminalização do trabalhador pobre a nível do saber criminológico oficial que informa 'cientificamente' o processo de criminalização institucional', da mesma forma, podemos afirmar que o fracasso escolar é administrado por um processo que transforma o aluno em fracassado no plano do saber psicopedagógico oficial, saber este que informa 'cientificamente' o mesmo processo de atribuição individual do fracasso no plano institucional. A abstração e a inversão ideológica operadas pela criminologia também estão presentes na psicologia educacional: nela, como no discurso criminológico, aparentemente tudo se passa como se o fracasso escolar se desenvolvesse por si próprio, a despeito de ser combatido por medidas técnico-administrativas tomadas pelo Estado através das secretarias de Educação; nela, características da porção mais pobre da população trabalhadora são tomadas como sinais de predisposição ao fracasso escolar; nela, características do aluno intimamente ligadas a um processo escolar que leva ao fracasso são tidas como parte da personalidade ou natureza da criança que fracassa: 'a criança malsucedida não se interessa pela aprendizagem', 'o multirrepetente é apático ou agressivo', 'a criança de classe baixa aprende num ritmo mais lento', são exemplos dessa inversão (PATTO, 1999, p. 416).
A quarta e última consideração que Patto (1999) traz sobre a pesquisa é
que “a convivência de mecanismos de neutralização dos conflitos com
manifestações de insatisfação e rebeldia faz da escola um lugar propício à
passagem ao compromisso humano-genérico” (p. 407).
41
A autora explica que não há na vida cotidiana relação que seja totalmente
alienada ou totalmente humano-genérica. E que é exatamente essa característica
que abre espaço para as possibilidades de transformações nessas mesmas relações
sociais.
Se é verdade que “a conduta burocrática implica exagerada resistência à mudança”; que “a burocracia é uma estrutura na qual a direção de atividades coletivas fica a cargo de um aparelho impessoal hierarquicamente organizado deve agir segundo os critérios impessoais e métodos racionais”; que “enquanto estruturas de dominação, as organizações burocráticas se valem de mecanismos de neutralização do conflito, manipulando todas as instâncias”, é verdade também que não existe total impessoalidade nem o total submetimento. Heller lembra que o contato cotidiano se dá entre as pessoas que ocupam determinado lugar na divisão do trabalho mas que estas também são pessoas únicas, não apenas portadoras de papéis (p.106).
E aponta que na pesquisa realizada ficou evidente que há contradição na
escola, ou seja, há movimentos de 'rebeldia' tanto por parte dos professores, quanto
dos alunos e pais. Existem vozes dizendo, mesmo ‘sufocadas’, que o fracasso
escolar não está localizado na criança pobre e a escola isenta desse processo. E
denunciando as condições precárias de trabalho dos educadores.
Essas contradições não são eliminadas totalmente nas relações
estabelecidas, e abrem caminho para que alguns ruídos sejam criados nessa
cristalização e naturalização do fracasso como advindos de crianças problemáticas e
portadoras de déficits cognitivos, emocionais, físicos e sociais.
Não foi difícil perceber o conflito latente e a insuficiência do controle na eliminação ou mesmo na contenção de comportamentos indesejados. Como dissemos, a rebeldia pulsa no corpo da escola e a contradição é uma constante no discurso de todos os envolvidos no processo educativo; mais que isto, sob uma aparente impessoalidade, pode-se captar a ação constante da subjetividade. A burocracia não tem o poder de eliminar o sujeito; pode, no máximo, amordaçá-lo. Palco simultâneo da subordinação e da insubordinação, da voz silenciada pelas mensagens ideológicas e da voz conscientes das arbitrariedades e injustiças, lugar de antagonismo, enfim, a escola existe como lugar de contradições que, longe de serem disfunções indesejáveis das relações humanas numa sociedade patrimonialista, são a matéria-prima da transformação possível do estado de coisas vigente em instituições como as escolas públicas de primeiro grau situadas nos bairros mais pobres (PATTO, 1999, p. 418).
42
Diante desta contribuição fundamental que Patto (1999) trouxe para a
área de estudo que se denomina “fracasso escolar”, juntamente com os
conhecimentos produzidos pela Psicologia Escolar em sua vertente crítica3,
discutiremos a seguir o equívoco de entender esse fenômeno como uma questão
unicamente de má-formação de professores e como essas idéias ainda estão
presentes tanto nos cursos superiores de formação de professores quanto nos
cursos oficiais de formação em serviço promovidos pelos órgãos públicos de
educação.
3 Sawaya (1992, 1999, 2002), Machado (1994, 1997), Souza (2002), entre outros.
43
4. A MÁ FORMAÇÃO DO PROFESSOR COMO RECORRÊNCIA DO FRACASSO
ESCOLAR
Percebe-se um movimento na escola, onde a culpa pelo fracasso escolar
passa a ser "dividida" com mais um indivíduo: o professor. Ou melhor, a má
formação do professor.
Souza (2002, p. 249) afirma que na última década houve uma tendência a
serem ofertados inúmeros cursos de formação contínua4 aos professores,
especialmente do ensino fundamental e médio.
Há um esforço das secretarias de Educação para que sejam criados
cursos de “capacitação”, “reciclagem” para melhorar a “competência” dos
professores, coordenadores e diretores. Não há novidades neste fato, “uma vez que
a idéia de que uma boa educação escolar é obtida com professores bem formados
está presente não só no imaginário social, mas também na história da educação no
Brasil”. Mas o argumento utilizado para justificar estes investimentos e os objetivos
precisam ser explicitados.
A literatura educacional também segue nesta direção. O conceito de
competência, mais especificamente, o de “competência técnica”, passou a ser
corrente tanto no meio acadêmico quanto no sistema educacional. Isso ocorreu,
segundo Souza (2002, p.250-251)
[...] à medida que as explicações do fracasso escolar das crianças das classes populares começaram a mudar de foco: dos chamados aspectos exógenos ao sistema escolar para os aspectos endógenos. Em outras
4 Também encontramos os termos formação em serviço, formação permanente ou formação continuada.
44
palavras, à medida em que as explicações tradicionais baseadas na Teoria da Carência Cultural começaram a ser criticadas, o professor e sua prática entraram novamente em cena, ganhando maior visibilidade. Em diversas ocasiões análises simplistas identificam os professores como a “parte culpada” pelos sérios problemas observados nas escolas.
Segundo a autora, essas análises seguem a lógica de que os professores
não recebem uma formação boa inicial formal, e que quando iniciam o trabalho nas
escolas não sabem como lidar com a clientela escolar, majoritariamente pertencente
às classes oprimidas. Portanto, o fracasso escolar são o “atestado da incompetência
dos professores”.
A solução do problema, seguindo esta lógica, para melhoria da qualidade
da escola, seria capacitar os professores por meio de cursos de formação contínua,
nos quais poderão suprir as deficiências de sua formação inicial e entrarão em
contato com novas teorias, metodologias e técnicas de ensino-aprendizagem.
Souza (2002, p.267) faz uma análise crítica sobre esta questão trazendo
a fala dos professores que se submeteram a estes cursos de capacitação dizendo
que:
[...] os professores se queixam de que os cursos não tratam das questões que mais os preocupam, não expõem sobre a prática escolar; queixam-se da inexistência ou da pouca melhora no desempenho dos alunos em sala de aula, da imposição de cursos de cima para baixo, e assim por diante.
E conclui que “todas as tentativas recentes de formação em serviço
desenvolvidos pela SEE têm tomado os professores individualmente e isolados de
seu contexto, considerando-os profissionais incompetentes que precisam ser mais
bem treinados” (SOUZA, 2002, p. 267).
Com o surgimento e contribuições oferecidos pela Psicopedagogia, os
conceitos referentes ao processo de aprendizagem estão sendo reconsiderados. No
que diz respeito à aprendizagem, de acordo com Collares e Moysés (1992, p.24),
“qualquer sujeito, independente do seu comprometimento corporal, orgânico, cultural
ou psicológico se relaciona e elabora aprendizagem, pois é um ser social, que
estabelece relações vinculares durante toda a sua existência”.
45
A prática psicopedagógica tem deixado clara a comprovação da premissa
de que, “mesmo na ignorância, a criança assim persiste certamente por elaborar
mecanismos inteligentes de defesa ou de manutenção de uma dinâmica grupal na
qual se encontra inserida” (COLLARES; MOYSÉS, 1992, p.25).
Atualmente, ressalta-se a necessidade de levar em consideração o aspecto orgânico para avaliar as dificuldades de aprendizagem associando-os aos aspectos cognitivos e afetivos na elaboração do diagnóstico e na indicação do tratamento.
A priorização desses fatores deve ser aliada à análise das condições
econômicas e culturais da criança, bem como a análise da escola.
A intervenção psicopedagógica tem contribuído e aliado-se ao enfoque
pedagógico.
Sendo assim, a Psicopedagogia transformou-se em um campo de amplos
conhecimentos, com o objetivo principal de analisar o processo de aprendizagem,
sua evolução normal e patológica, bem como as interferências da família, escola e
sociedade neste processo. As dificuldades de aprendizagem passaram ser
explicadas de acordo com a interação de diversos fatores escolares e familiares.
Nesse sentido, a Psicopedagogia colabora com a escola, haja vista que é
no âmbito desta instituição que a aprendizagem socialmente reconhecida acontece.
“O psicopedagogo atua no cotidiano pedagógico, mas, agora, já não procura por
causas e soluções em si mesma” (DORNELLES, 1990, p.22).
A atuação do psicopedagogo não engloba somente seu espaço físico de
atuação, mas também sua maneira de pensar a Psicopedagogia e seu
conhecimento a respeito da área.
O psicopedagogo que atua em âmbito educacional deve ter por objetivo,
conduzir professores, diretores e profissionais pedagógicos a repensar o papel da
escola frente à prevenção das dificuldades de aprendizagem da criança. No entanto,
ressalta-se que mesmo a escola priorizando os problemas de aprendizagem, esta
nunca conseguirá abrangê-los em sua totalidade, pois crianças mais comprometidas
necessitam de atendimento psicopedagógico mais especializado em clínicas. Por
isso, o psicopedagogo pode atuar de uma forma mais preventiva, objetivando reduzir
46
ou evitar os problemas de aprendizagem em âmbito escolar ou de forma clínica,
onde dá atendimento às crianças com maiores comprometimentos, cujas
dificuldades não podem ser resolvidas na escola.
O Psicopedagogo que atua em âmbito escolar deve fazer com que a
escola acompanhe o desenvolvimento de seus alunos e seja um verdadeiro espaço
de construção de conhecimentos, oferecendo suporte para que todos os envolvidos
neste processo compreendam a necessidade de se realizar transformações efetivas.
Para que um psicopedagogo consiga ter um bom desempenho, é preciso
que ele conquiste seu espaço dentro da escola, o que ainda não é uma tarefa fácil,
pois a maior parte das escolas acreditam que o orientador educacional é capaz de
solucionar todos os problemas.
São muitas as formas de colaboração do Psicopedagogo na escola. De
acordo com Bossa (2000, p.135),
[...] o psicopedagogo pode auxiliar na elaboração do projeto pedagógico, ou seja, pode ajudar a escola a responder questões importantes, tais como: O que ensinar? Como ensinar? Para que ensinar? Pode realizar o diagnóstico institucional para detectar problemas pedagógicos que estejam prejudicando a qualidade do processo ensino-aprendizagem; pode ajudar o professor a perceber quando a sua maneira de ensinar não é apropriada à forma do aluno aprender; pode orientar professores no acompanhamento do aluno com dificuldades de aprendizagem; pode ainda, realizar encaminhamentos para fonoaudiólogos, psicólogos, neurologistas, psiquiatrias infantis, entre outros.
Também, o psicopedagogo pode atuar no sentido de avaliar como se dá o
relacionamento entre professor e aluno, pois muitas vezes, este relacionamento
pode estar acontecendo de forma negativa, pelo fato do professor não conhecer
bem o aluno, e, portanto, distanciar-se de suas necessidades. Muitas vezes,
também, o professor não consegue identificar a fase de desenvolvimento cognitivo
ou afetivo em que encontra-se o aluno, ou desconhece os problemas pelos quais a
criança está passando no ambiente familiar.
Por isso, é importante que o psicopedagogo escolar participe de reunião
de pais, a fim de que possa esclarecer o que se está acontecendo com a criança na
47
escola, auxiliando os pais na identificação das reais necessidades de seus filhos e
ensinando-os a estimular seus filhos em tarefas escolares realizadas em casa.
Quando necessário o psicopedagogo encontrar-se separadamente com alguns pais,
para melhor orientá-los ou conhecer melhor o ambiente familiar da criança que está
apresentando problemas na escola.
De acordo com Oliveira e Bossa (1997, p.178):
Integra o trabalho psicopedagógico educacional a participação na avaliação dos processos didáticos metodológicos, onde poderá oferecer conhecimentos sobre métodos a ser aplicados para determinada classe ou para ajudar o professor na implantação de uma nova sistemática de ensino, oferecendo desta forma um suporte instrumental aos professores.
Este profissional, pode também oferecer um suporte emocional para professores que estão inseguros quanto a sua capacidade para aplicação de um método novo ou que estão com alunos com problemas de aprendizagem. Na medida em que o psicopedagogo ouve as dificuldades dos professores, esclarece sobre suas dúvidas, este se sentirá mais tranqüilo, ganhará mais confiança e proporcionará melhores condições para a aprendizagem.
O suporte instrumental oferecidos aos professores pode se dar também oferecendo ao professor sugestões de atividades para a sala de aula; outras vezes sua atuação será individual ou em grupo com os alunos.
Para tanto, é necessário que o psicopedagogo analise a programação da
escola a fim de que possa obter subsídios para sua atuação. A administração de
uma escola é representada pelo seu organograma, assim, o psicopedagogo pode
dar início a seu diagnóstico escolar através da análise do mesmo, estudando as
suas relações e estabelecendo conexões com as demais áreas programadas.
Analisando-se cada profissional da escola, o psicopedagogo identifica se um
determinado profissional está desempenhando sua função de forma adequada e
consegue sugerir mudanças.
Face ao exposto, conclui-se que a atuação do psicopedagogo escolar tem
início a partir da análise da organização como um todo. É muito importante o
trabalho em equipe, junto aos professores, alunos e pessoal administrativo, a fim de
que busque-se por melhorias no relacionamento entre si e entre os grupos, visando
prioritariamente o aperfeiçoamento das condições de aprendizagem tanto individual,
como do grupo.
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5. UTILIZANDO O BRINQUEDO E O LÚDICO COMO ALTERNATIVA PARA O
RENDIMENTO E SUCESSO ESCOLAR
O lúdico, a brincadeira se apresentam como uma solução ou mesmo
como uma alternativa para o rendimento escolar e, conseqüentemente, o sucesso
na escola.
Quando a criança está brincando, consegue propagar o que tem
dificuldades de demonstrar em palavras. As crianças não brincam espontaneamente
só para passar o tempo, mas sim possibilitam a aprendizagem de várias habilidades.
Vygotsky (1998, p. 35) cita que:
É enorme a influência do brinquedo no desenvolvimento de uma criança. É no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva, ao invés de numa esfera visual externa, dependendo das motivações e tendências internas, e não por incentivos fornecidos por objetos externos.
Através da utilização do brinquedo, a criança satisfaz certas curiosidades,
traduzindo o mundo dos adultos para a sua dimensão.
Conforme Oliveira (2000, p. 67):
O brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal da criança. A aquisição do conhecimento se dá através de zonas de desenvolvimento: a real e a proximal. A zona de desenvolvimento real é a do conhecimento já adquirido, é o que a pessoa traz consigo, já a proximal, só é atingida, de início, com o auxílio de outras pessoas mais capazes, que já tenham adquirido esse conhecimento.
É função primordial o uso do brinquedo na vida das crianças, pois assim
poderão compreender o significado da vida real. Em cada tipo de brincadeira há a
49
oportunidade de expressar e elaborar de forma simbólica os desejos, conflitos ou
mesmo as frustrações.
O brinquedo é a essência da infância e sua utilização permite um trabalho
pedagógico que viabiliza a formação do conhecimento.
Conforme Vygotsky (1998, p. 38):
É no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva. A criança comporta-se de forma mais avançada do que nas atividades da vida real, tanto pela vivência de uma situação imaginária, quanto pela capacidade de subordinação às regras.
Qualquer brinquedo, mesmo aqueles que envolvem regras ou mesmo
uma atividade corporal, dá espaço à imaginação, à fantasia e também à organização
lógica.
Através da utilização dos jogos, a criança explora seu meio, as pessoas
ao seu redor e também os objetos.
De acordo com Vygotsky (1998, p. 101):
O jogo e a brincadeira criam uma zona de desenvolvimento próximo na criança, de maneira que durante o período que joga, está sempre além de sua idade real. O jogo contém em si mesmo uma série de condutas que representam diversas tendências evolutivas e, por isso, é uma fonte muito importante de desenvolvimento.
O brincar manifesta-se através de várias categorias de experiências, seja
através do uso de diferentes materiais, de movimentos diversos, da relação com
objetos e suas propriedades físicas, da combinação entre eles.
Além do mais, o brincar impõe o uso de conteúdos sociais, da linguagem
oral e gestual e o respeito aos limites provindo das regras. Jogos e brincadeiras
auxiliam na promoção da função cognitiva, além de envolverem emoções e
afetividade.
50
5.1. A Criança no Mundo do Faz-De-Conta
O mundo da criança é diferente do adulto, nele há fantasia, faz-de-conta,
sonhos e descobertas. A brincadeira nos dias de hoje é levada a sério.
Com a inserção da criança no mundo faz-de-conta, destaca a capacidade
desta lidar com a realidade, com a simbologia e com as representações.
Conforme Kishimoto (1999, p. 45):
Independente de época, cultura e classe social, os jogos e os brinquedos fazem parte da vida da criança, pois elas vivem num mundo de fantasia, de encantamento, de alegria, de sonhos, onde realidade e faz-de-conta se confundem.
A utilização dos jogos ajuda a construir novas descobertas,
desenvolvendo e enriquecendo a personalidade da criança.
Para Negrine (1994, p. 20): “quando a criança chega à escola, traz
consigo toda uma pré-história, construída a partir de suas vivências, grande parte
delas através da atividade lúdica.”
5.2. A Utilização do Lúdico na Aprendizagem
O desenvolvimento do lúdico facilita não só a aprendizagem, mas sim o
desenvolvimento pessoal, social e cultural da criança.
A formação lúdica do professor é obtida através de propostas que
valorizam a criatividade, a sensibilidade, a afetividade. Quanto maior a vivência do
professor com a ludicidade, maiores serão as possibilidades do trabalho com a
criança.
51
Segundo Piaget (1998, p. 40): “a atividade lúdica é o berço obrigatório das
atividades intelectuais da criança, sendo, por isso, indispensável à prática
educativa.”
Está se tornando cada vez mais comum, o uso de jogos em sala de aula
com a finalidade de transmitir e fixar o conteúdo de uma determinada disciplina, de
forma agradável e atraente para os alunos.
Desta forma, mais do que o jogo em si, o que vai gerar uma boa
aprendizagem é o ambiente propício para a discussão e troca de informações,
permitindo respostas divergentes, tolerando também os erros.
Além da característica primordial que é a obtenção do conhecimento, o
jogo ativa o poder de observar, identificar, comparar, classificar, conceituar e
relacionar.
Piaget (1976) afirma que a função lúdica é a origem das atividades
intelectuais da criança. Não se trata apenas de entretenimento, mas sim de meios
que contribuem para o desenvolvimento intelectual.
O jogo é portanto, sob as suas duas formas essenciais de exercício sensório-motor e de simbolismo, uma assimilação da real à atividade própria, fornecendo a esta seu alimento necessário e transformando o real em função das necessidades múltiplas do eu. Por isso, os métodos ativos de educação das crianças exigem todos que se forneça às crianças um material conveniente, a fim de que, jogando, elas cheguem a assimilar as realidades intelectuais que, sem isso, permanecem exteriores à inteligência infantil (PIAGET, 1976, p.160).
É importante destacar que se o jogo é tido como obrigação ou é apenas
usado com fins de instrução, deixa de ter caráter natural deixando de ser jogo
porque se esvazia na sua capacidade de exploração e inovação. Brincar é
essencial.
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CONCLUSÃO
Estudos que abordam o fracasso escolar tratam-no a partir de duas
vigentes diferentes; a partir dos fatores externos e de fatores internos. Dentre os
fatores externos, são apontadas as necessidades de o aluno trabalhar, as condições
básicas para a aprendizagem pela criança, incluindo-se a desnutrição e as
vantagens culturais, e as condições da família destacando-se o nível de
escolaridade dos pais e o não acompanhamento dos filhos em suas atividades
escolares. E dentre os fatores internos, ressalta-se a não valorização pela escola do
universo cultural da criança através do uso de uma linguagem diferenciada, as
precárias condições de trabalho e os elementos afetivos na relação professor-aluno.
No que tange à defasagem de aprendizagem, para os professores esta é
um dos empecilhos à permanência do aluno na escola, pois acreditam que, em
virtude desta defasagem, os alunos não conseguem acompanhar as atividades
escolares, e conseqüentemente acabam abandonando a escola. Em face disto, os
professores acreditam que a construção de uma política de integração entre escola
e família dos alunos seria um fator de suma importância tanto na prevenção da
evasão, quanto na reinclusão da criança na vida escolar.
Assim, ao identificar tais aspectos, entende-se que é preciso se desbruçar
sobre eles, para que a escola conheça e reflita sobre os diferentes aspectos que
permeiam o decorrer de suas atividades na tentativa de oferecer uma educação que
venha atender, de fato, às necessidades do indivíduo e da sociedade e,
principalmente superar o processo de evasão escolar que exclui sobretudo as
crianças desfavorecidas socialmente.
Ao buscar compreender o processo da evasão escolar e identificar os
possíveis fatores que a legitima seja na ótica dos adultos seja na das crianças, o
presente estudo, revelou que tanto a Escola quanto a Família, se perdem na
dimensão e na complexidade das relações sociais externas e internas que
interferem no processo sócio-educativo da criança.
Um outro exemplo desta complexidade pode ser encontrado na Família,
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isto é, num mesmo lar em que os pais se ausentam para trabalhar, há crianças que
evadem e crianças que permanecem até o término do ano letivo. Um outro aspecto
importante que também merece uma reflexão mais detalhada refere-se às
explicações sobre a evasão escolar fornecidas pelos familiares e pela instituição de
ensino, uma vez que crianças por motivos similares, são abandonadas na escola
pausadamente. Tal circunstância admitiu e exige que, ambos os envolvidos nesta
questão, desenvolvam uma estrutura que possibilitem a interagir e procurar saber os
motivos pelos qual o aluno está abandonando a instituição (escola).
A falta de um método para tentarmos repensar sobre a evasão escolar e a
reinclusão do aluno na escola tem fornecido em geral para a dispersão e a
legitimação de conceitos já restringido no cotidiano da escola, são elas: a de que a
evasão escolar é determinada por fatores extra-escolares, por condição
socioeconômica da família e pela desestruturação familiar.
É preciso enfatizar que mesmo que os professores e demais profissionais
da escola não foram procurar as famílias para saber o provável motivo da evasão
escolar dos alunos, isto não lhes impediu de fazer um pré-julgamento dos possíveis
causas que levaram os alunos a abandonar os estudos. É conveniente ressaltar que,
embora os docentes não tenham qualquer relação com a família, estes por um lado,
acreditam que a família decorra até eles se manterem informada sobre os
acontecimentos da escola, em particular, sobre a conduta e a atuação de seu filho.
Os professores esperaram também, que a família participasse mais e se a escola
aumentasse o intercâmbio com a família, talvez fosse plausível a diminuição da
evasão escolar de seus alunos.
Para terminar, falta citar que a batalha à evasão escolar principia com
uma educação de qualidade, com professores capacitados, valorizados e
estimulados a desempenharem sua missão. Missão está que é a mais bela de todas
à de educar, e não somente de ensinar, dando total atenção àqueles alunos que
demonstram ser os mais descomedidos e que apresentam dificuldades na hora de
aprender.
O professor deve desempenhar a sua autoridade, estabelecendo limites e
exalando responsabilidades, sem deixar de respeitá-las; designando
recomendações escolares verdadeiramente participativos, representativos e
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influentes; escola que proporcione instalações adequadas, alinho, coordenação e
segurança, por fim, que haja um ambiente favorável ao estudo e à aprendizagem, no
qual o aluno se sinta entusiasmado a continuar e a aprender.
Contudo, ao tratar da culpa enfrentada pelo aluno, pelo seu
fracasso no desempenho escolar, crê-se que a verdadeira culpa não é
somente do aluno, que se mostra como vítima, com o mito da “criança
carente”, mas sim de toda uma sociedade, que a repreende,
culpabilizando o governo e toda a nação pelo fracasso escolar, o que, de
todo modo, é um sério caso a se pensar.
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