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GREVE NAS EMPRESAS DO GRUPO SANTA ROSA
NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 1988
Gilson Luiz Gabriel
FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE VALENÇA
VALENÇA-RJ – NOVEMBRO DE 2004
Greve nas empresas do Grupo Santa Rosa Novembro/dezembro de 1988
Monografia de Graduação apresentado pelo acadêmico Gilson Luiz Gabriel, à Professora-Doutora Édina Maria dos Santos, no 6º período de História, como exigência para Conclusão do Curso de Graduação.
Valença – RJ – Novembro de 2004
[GLG1] Comentário:
Sumário
Introdução 04
Capítulo I
01 - A Fábrica 06
01.1 - E surge a Cia. Santa Rosa 06
01.2 – O Grupo Santa Rosa e o Estado 08
01.3 – Atraso Tecnológico 10
01.4 – A “Família” Santa Rosa 12
Capítulo II
02 – Os Sindicatos 14
02.1 – Sob os marcos de Vargas 14
02.2 – O Sindicato dos Metalúrgicos 18
Capítulo III
03 – A Greve 21
03.1 – O antes – A fábrica vai mal (e não sabíamos!) 21
03.2 – A Nova Constituição Federal 22
03.3 – A paralisação 24
03.4 – A mobilização da cidade 26
03.5 – A DRT (Sub Delegacia Regional do Trabalho) e a participação do “Paixão” 27
03.6 – O pós-greve 28
Capítulo IV
Considerações Finais 31
Anexos 34
Entrevista Sr. Klaus Sohler 35
Entrevista Sr. Ori Rodrigues 48
Depoimento Ney Fernandes 54
Entrevista Sr. Valmir Braga 55
Transcrição da Ata de Instalação do Sindicato Têxtil de Valença 61
Transcrição da Ata da Assembléia de 20/11/1988 62
Transcrição da Ata da Assembléia de 30/11/1988 64
Fontes Primárias 66
Bibliografia 67
INTRODUÇÃO
ntre os objetivos do presente trabalho um faz-se especial: o de registrar uma
série de fatos relativos à história dos trabalhadores valencianos, fatos estes
verificados no decorrer da greve realizada entre 30 de novembro e 09 de
dezembro de 1988 pelos funcionários das empresas do Grupo Santa Rosa. Tal
registro é tão importante pois, embora alguns Jornais da cidade tenham feito
alusões à citada greve, nenhum veículo deu a verdadeira importância ao fato. Sequer o
enxergaram como referência histórica, num momento em que um amplo setor da
sociedade valenciana, os trabalhadores têxteis e metalúrgicos, levantavam suas vozes
publicamente, num movimento reivindicatório de proporções não vistas até então. Além
disso, o movimento paredista em questão, por seu teor político e pelos resultados
alcançados, revela-se um divisor de águas para os Sindicatos da cidade, para o
empresariado local e para a população em geral visto que esta, a partir da greve,
participa, de certa forma, das discussões a cerca da vida dos operários valencianos.
O presente trabalho reveste-se também de importância pessoal para seu autor.
Este, à época da greve, era funcionário da Santa Rosa Máquinas, uma das empresas do
Grupo Santa Rosa e, como tal, participou ativamente de todo o processo que culminou
na paralisação em estudo. Aliás, sua vinculação com o movimento sindical é bastante
anterior à citada greve, tendo, inclusive, sido demitido de outra empresa por conta de tal
envolvimento. No processo da greve atua na área de comunicação, fazendo ainda
articulações com outros setores da cidade que hipotecam apoio ao movimento.
Portanto essa característica de “testemunha ocular da história” o permite relatar fatos ao
mesmo tempo em que apresenta-se como fonte viva de pesquisa sobre o tema.
Outro fato que garante a importância do tema, e que aqui mais que outros, é
objeto de especulação, verifica-se no pós greve. Algum tempo depois da referida greve,
as fábricas da Cia de Fiação e Tecidos Santa Rosa fecham suas portas. Para muitos
setores da sociedade valenciana há uma relação direta entre o movimento paredista e o
fechamento da empresa, o que é reforçado pela postura preconceituosa do empresário.
Para ele, que sempre viu-se como um “benfeitor” da cidade, foi inadmissível aquele
movimento1. Mesmo que este, na prática, tenha sido bom (até certo ponto) para a
1 Cf. entrevista com Sr. Klaus Sohler, em anexo.
E
empresa. A relação entre a greve e o fechamento da empresa faz parte, até hoje, do
imaginário popular valenciano e o foco da presente pesquisa aqui pretende se fixar,
sendo a hipótese de uma administração falha e incompetente sob o ponto de vista do
mercado, a principal trilha a ser buscada para explicar o encerramento das atividades
fabris.
As entrevistas realizadas com várias personalidades que vivenciaram aqueles
momentos somadas à literatura de apoio, dão conta da resposta, o que amplia a
importância do trabalho. Pois mais que simples registro, este torna-se resgate histórico,
oferecendo, inclusive, elementos para que a cidade reformule sua visão sobre a
contribuição do movimento Sindical a sua história.
CAPÍTULO I
01 – A Fábrica
fábrica, os trabalhadores e a organização sindical são os principais atores na
greve de operários fabris. A fábrica forma o cenário, o local onde muitas das
ações se desenvolvem, onde os trabalhadores passam boa parte de suas
vidas e onde também a deixam sob a forma de mercadorias. Ë importante
então estudar, minimamente, como essa fábrica específica surge na geografia
valenciana, já que não se configura um ente sobrenatural, não surge como
mágica. Discutiremos um pouco sua trajetória e as relações estabelecidas
nesse período de tempo e os vínculos dessas relações com a sociedade citadina. É,
portanto, a matéria do nosso primeiro capítulo e, como cenário do objeto de estudo,
permeará por inteiro as páginas do presente.
01.1 – E surge a Cia. Santa Rosa
A Companhia de Fiação e Tecidos Santa Rosa nasceu num momento em que a
cidade de Valença reorientava seu rumo econômico. Com a derrocada da atividade
cafeeira na região abriu-se espaço para a implantação de empreendimentos industriais e
comerciais que permitissem a reprodução do capital, sendo que os valores necessários à
instalação desses novos projetos migravam da zona rural para a urbana, da agricultura
do café para a incipiente indústria têxtil valenciana.. E embora não sejam claros os
motivos que levaram os industriais de então a optarem pela fabricação de tecidos, fios e
bordados, é claro que a existência de uma rede ferroviária ligando o interior à capital do
Estado, as relações comerciais estabelecidas por fazendeiros da região com centros
maiores e as relações de alguns “coronéis” com o poder político local, contribuíram para
essa “industrialização”.
A criação da Cia de Fiação e Tecidos Santa Rosa deu-se em 1915. Já a
Companhia Progresso de Valença, em 1926. Estas duas empresas formaram, décadas
depois, o núcleo do que se convencionou chamar “Grupo Santa Rosa”. Esse grupo
especializou-se na produção do brim chamado jeans, principalmente o conhecido com
A
índigo blue, com o qual o Grupo abocanhou boa fatia do mercado nacional durante
muito tempo (principalmente durante a década de 1970 e início da de 1980), chegando a
patrocinar eventos de grande envergadura, projetando a marca Santa Rosa pelos quatro
cantos do país.
Nessas décadas de trajetória ascendente nem sempre as relações do Grupo foram
muito claras. É certo que o capital acumulado pelas famílias Guimarães e Pentagna,
principais acionistas dos projetos fabris que se instalam em Valença a partir do início do
século XIX, contribuíram para o crescimento e a projeção das já citadas empresas.
Tanto que, diferentemente de outras empresas que se instalam na região, conseguem,
inclusive, produzir a energia elétrica consumida em suas empresas numa usina própria e
ainda vender excedentes dessa energia. A unificação da Cia. de Fiação e Tecidos Santa
Rosa com a Cia. Progresso de Valença gerou o Grupo Santa Rosa. Este transforma-se,
sem dúvida, na formação industrial que mais cresce em Valença, sendo esse
crescimento muito visível durante os anos setenta quando o Grupo amplia suas
instalações, criando, em antigos prédios da Rede Ferroviária Federal S. A. a conhecida
Fábrica Três – terceira unidade fabril do Grupo, em funcionamento na cidade (sem
contar sua ampliação para outros setores produtivos, como por exemplo, a Keramik,
fábrica de produtos refratários usados em fornos, etc).
É também nas instalações da Fábrica Três que, já nos anos oitenta, é criada a
Santa Rosa Máquinas. Esta empresa nasce e se desenvolve a partir dos experimentos de
substituição tecnológica nas tecelagens. Nesse processo de modernização as antigas
“lançadeiras” eram trocadas por formas mais ágeis de produção de tecido. A estrutura
dos teares era mantida sendo a substituição feita nos mecanismos de introdução da
“trama”. Essa transformação dos teares revelou-se positiva, gerando as condições para a
constituição da Santa Rosa Máquinas. Seus kits para adaptação de teares foram
vendidos para várias outras empresas dos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo,
Minas Gerais,... Seu fracasso veio juntamente com o da Cia. de Fiação e Tecidos.
Mas a existência prévia de condições materiais para a instalação e funcionamento
das empresas não é suficiente para entender todo o êxito alcançado até a década de
oitenta, época em que se inicia o fracasso econômico do Grupo.
01.2 – O Grupo Santa Rosa e o Estado
Uma coisa que nunca foi bem esclarecida para Valença localiza-se na relação do
Grupo Santa Rosa com o Estado, em suas várias esferas. Nossa história registra que, já
no final do século XIX, por conta da necessidade em se buscar um outro caminho para a
economia local, a Câmara Municipal de Vereadores concede aos futuros industriais da
cidade um terreno de localização privilegiada2. Nesse terreno foi construída a sede da
Cia. Industrial de Valença, sendo hoje propriedade da Cia. Têxtil Ferreira Guimarães.
Essa informação dá conta do interesse dos políticos locais na construção dessa
alternativa econômica, ainda mais sendo, vários desses políticos, acionistas das
empresas em processo de criação. E essa relação da municipalidade com os interesses
privados não param por aí: mais tarde a Prefeitura Municipal de Valença contribuiu
também para a instalação de outras empresas da área têxtil, promovendo a doação de
terrenos (como no caso da extinta Chueke), ou concedendo permissões reais de uso para
galpões e boxes onde se verificam instaladas outras empresas industriais e
comerciais, sendo que tais práticas são vistas até os dias atuais.
Mas a relação do Grupo Santa Rosa com o Estado vai além. E o caráter nebuloso
dessa relação é o que permite um sem número de especulações. Essas especulações
variam desde como se deu a verdadeira forma de aquisição de prédios e terrenos da
privatizada Rede Ferroviária Federal S.A., passando pela compra ou doação de
equipamentos usados na construção de balsas para transporte de gado até a aquisição de
extensões enormes de terras na cidade de Altamira, no estado do Pará, região apelidada
por seus conhecedores de “Juvilândia”, alusão ao tamanho da área geográfica abrangida
e aos recursos lá aportados. Essas especulações aparecem sob a forma de histórias que
correm “boca-a-boca”, sem, portanto, até o momento, comprovação. Mas como diz o
ditado, onde há fumaça...
Para entender um pouco mais essa relação Grupo Santa Rosa/Estado recorremos
a dois sustentáculos científicos. Do primeiro, Novo Vocabulário Político dos
Gramscianos Pedro Cláudio Cunca Bocayuva e Sandra Mayrink Veiga, usaremos, em
concordância, a conceituação de Estado. Essa conceituação auxilia na compreensão de
que o Estado capitalista, necessariamente, precisa ter tais atitudes, ou seja privilegiar
determinada classe social em alguns momentos:
2 Cf. Arquivos da Câmara Municipal de Vereadores de Valença
O estado é um conjunto de instituições decorrente do desenvolvimento de
desigualdades sociais quanto ao exercício do poder de
decisão e mando. É classicamente
identificado com a idéia de soberano. A idéia de Estado
advém do desenvolvimento das formas de governo como
resultante das diversas maneiras de dividir o poder entre
governantes e governados. O Estado é um conjunto de
instituições especializadas em expressar um dado
equilíbrio e uma condensação de forças favorável a um
grupo e/ou uma classe social. Ele assegura a unidade de
qualquer sociedade dividida em interesses, particularmente
de classe, mas também estamentais, pois garante o
monopólio (centralizada ou descentralizadamente) do uso
da força nas mãos do grupo, da classe ou do estamento
dominante3.
Do segundo, usaremos a valiosa informação pesquisada e divulgada por René
Armand Dreifuss, em seu 1964: A Conquista do Estado – Ação política, poder e Golpe
de Classe, que relaciona diretamente os proprietários da Cia. Progresso de Valença e da
Cia. de Fiação e Tecidos Santa Rosa à elite econômica nacional que se articulava
através do IPES – Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, objetivando “...agir contra o
governo nacional-reformista de João Goulart e contra o alinhamento de forças sociais
que apoiavam sua administração”. No Apêndice H da citada obra, o que se verifica em
sua página 633, a Cia Progresso de Valença é a primeira de uma lista de empresas que
contribuíam financeiramente para a criação e manutenção do IPES, através do Centro
Industrial do Rio de Janeiro, tentando assim manter-se anônima.4
Destarte são possíveis pelo menos duas conclusões: a primeira diz respeito ao
caráter de classe assumido pelos proprietários do Grupo Santa Rosa. E aqui novamente
concordamos com BOCAYUVA e VEIGA, in op. Cit. no que diz respeito à
conceituação de Classes Sociais:
3 BOCAYUVA, Pedro Cláudio Cunca e VEIGA, Sandra Mayrink. Novo Dicionário Político, vol. 1. Rio
de Janeiro, FASE/VOZES, 1992 4 DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e
Golpe de Classe, Petrópolis – RJ, Vozes, 1981
As classes sociais são o resultado da
subdivisão dos diferentes grupos e segmentos da
população a partir de sua posição econômica em face da
propriedade e da posse dos meios sociais de produção (...)
As classes sociais são agrupamentos que se formam a
partir das desigualdades sociais na sociedade.5
Ao entrarem decididamente numa organização com tão claros objetivos como o
IPES, aliam-se os empresários do Grupo Santa Rosa a um projeto elaborado tendo em
vista a manutenção do poder por uma determinada classe. Defendendo, inclusive, o
golpe militar ocorrido em 1964, conforme Dreifuss ( 1964: A Conquista do Estado –
Ação política, Poder e Golpe de Classe, p. 162). A manutenção desse poder tem como
conseqüência, ou acima de tudo, a ampliação do poder econômico e o aprofundamento
das desigualdades sociais. Com relação ao golpe de 1964, seria mais exato falar em
evitar a diminuição dessas desigualdades, se observamos as plataformas políticas de
João Goulart.
Já a segunda conclusão, diz respeito diretamente à aquisição de benesses desse
Estado mantenedor do status quo dominante. Fazer parte do grupo (ou apoiá-lo) que
domina diretamente a política nacional, no caso, os governos militares, significa ter
acesso a capitais, a informações, a serviços, enfim, a benefícios aos quais quem “está
de fora” não têm. Desta maneira, aquilo que antes era apenas especulação pode começar
a ganhar tons de verdade. Por exemplo, podemos tentar responder, com esta
aproximação empresa/estado, a questões que dizem respeito à aquisição de certos
imóveis, seja em Valença ou no Pará, ou a questões que envolvem a aquisição de
tanques de locomotivas para a fabricação de balsas.6 Enfim, essa aproximação
empresa/estado pode, inclusive, oferecer os caminhos a quem queira trilhá-los (e este
não é nosso objetivo), para desvendar todo o avanço do Grupo Santa Rosa,
principalmente nas décadas de sessenta e setenta do século XX.
01.3– Atraso tecnológico
5 BOCAYUVA, Pedro Cláudio Cunca e VEIGA, Sandra Mayrink, op. Cit.
6 Cf. entrevista do Sr. Ori Rodrigues em anexo
Essa aproximação com o Estado resolveu, de alguma forma, problemas de
expansão geográfica. A Cia. de Fiação e Tecidos Santa Rosa pôde abrir outras unidades
fabris não só em Valença como em outros estados por conta desse tipo de benefício, ao
que tudo indica. Mas a resolução desses problemas não satisfez outros. Por exemplo, a
necessidade de renovação tecnológica do setor têxtil.
Neste e em muitos outros setores da economia brasileira, por conta da
impossibilidade de importação de produtos, distanciamo-nos das indústrias de outros
países como os da Europa Ocidental (Alemanha Itália, ...) e da Ásia (Coréia do Sul,
Taiwan, Indonésia, ...). Esse atraso todo fazia dos produtos Santa Rosa mercadorias
caras, tanto para o mercado nacional quanto para o internacional. Isso, inclusive, é o que
dificulta à empresa continuar disputando mercado no final da década de oitenta, quando
da ocorrência da greve objeto deste trabalho. Enquanto as grandes empresas do setor
(Santista, São Paulo Alpargatas,...) não atuam de forma tão agressiva, empresas como a
Santa Rosa mantém o seu quinhão. Aumenta a agressividade, elas perdem a condição da
disputa7.
É a tentativa de reverter esse atraso tecnológico o que leva à criação da Santa
Rosa Máquinas, no fim dos anos oitenta. As oficinas mecânicas da Cia. de Fiação e
Tecidos Santa Rosa, localizadas no interior da “Fábrica Três” desenvolvem mecanismos
de “modernização” dos teares antigos, dando a estes uma sobrevida interessante. E além
dessa sobrevida, os teares tinham seu número de peças reduzido, o que, por
conseqüência, reduzia os gastos com peças de reposição e com manutenção mecânica.
Além disso, os teares adaptados produziam mais quantidade em menos tempo,
resultando em ganhos de produtividade. Outro fator advindo dessa adaptação foi a
redução do número de trabalhadores nas fábricas, pois algumas seções da empresa
(como a “espuladeira”, que enchia as “canelas”), simplesmente desapareciam. Como
resultado de menores índices de manutenção, reduzia-se também o número de
mecânicos e por conta do melhor trabalho dos teares, reduzia-se o número de tecelões.
Ou seja, a resolução do problema tecnológico aumentava o problema social do
desemprego. Como dito anteriormente, a Santa Rosa Máquinas transforma-se, no fim da
década de oitenta, em uma empresa que “anda pelas próprias pernas”, visto que os kits
de adaptação de teares são vistos com bons olhos pela indústria têxtil nacional (a média
de idade dos teares nacionais, segundo alguns estudos, era, à época, de dezoito anos.
Alta, portanto, para o mercado mundial).
Mas os problemas continuam, até mesmo ampliando-se, dependendo do
ponto de vista. Com relação a capacidade de produção os problemas são amenizados. Já
na relação patrão/empregado eles crescem, pois, para a Santa Rosa, trata-se de um setor
novo, com novas demandas (inclusive salariais), com um novo mercado para o qual ela
não está tão preparada.
Na relação patrão/empregado por exemplo, a empresa é colocada em contato
com o Sindicato dos Metalúrgicos de Barra do Piraí, Valença e região, vinculado à CUT
– Central Única dos Trabalhadores. Este Sindicato apresenta práticas diferentes das do
Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Fiação e Tecelagem de Valença. A filiação
à CUT o faz compartilhar de uma outra visão de mundo, onde Sindicatos são
instrumentos para a mudança do modo de produção vigente8. É este Sindicato,
inclusive, que promove e dirige a greve estudada. Nesse campo, a relação dos
trabalhadores metalúrgicos da Santa Rosa Máquinas com o seu Sindicato permite aos
trabalhadores têxteis enxergar outra forma de organização sindical diferente daquela que
predomina no Sindicato dos Têxteis de Valença. A existência da Santa Rosa Máquinas
também resolve outros problemas operacionais para o seu proprietário. Instrumentos a
serem utilizados em suas fazendas são ali construídos, como balsas, rodas d`água,
voadeiras, carros, etc.9
Com relação à presença da Santa Rosa Máquinas num mercado diferente para o
Grupo Santa Rosa, os problemas variam. Vão desde a colocação do produto nesse novo
mercado, visto que concorrem com similares nacionais e importados, passando pela
dificuldade em ter uma equipe eficiente de montagem dos equipamentos vendidos, até
dificuldades em relação à venda e correção de valores, visto ser a década de oitenta,
principalmente o seu final, um período de inflação muito alta e inúmeros mecanismos
de correção monetária. Mesmo com todos esses problemas, a Santa Rosa Máquinas
cumpre a função para a qual foi criada: “modernizar” o maquinário da Cia. de Fiação e
Tecelagem Santa Rosa, garantindo-lhe a necessária sobrevida.
01.4– A “Família” Santa Rosa
Durante muito tempo percebeu-se, entre os proprietários do Grupo Santa Rosa e seus
empregados, uma relação atípica. Tal relação, traspassando os limites das classes sociais
7 Cf. entrevista com o Sr. Klaus Sohler, em anexo
8 Cf. entrevista com o Sr. Klaus Sohler, em anexo
em voga, estabelecia uma outra forma de convívio, onde as diferenças, durante
anos, mantiveram-se em segundo plano. Nalguns momentos sequer eram observadas,
pelo menos pelos trabalhadores do Grupo. Essa nova relação explicitava-se sob as mais
diversas formas, sendo a inter relação familiar a principal.
O tamanho do município aliado à incapacidade do mesmo em gerar mais postos
de trabalho transformava o empresário e seus familiares e figuras públicas e notórias.
Por manterem as fábricas em funcionamento, eram vistos pelo senso comum como
beneméritos da cidade. Para o povo trabalhador valenciano, durante muito tempo,
permaneceu a imagem de que, na relação patrão/empregado desenvolvida pelo Grupo
Santa Rosa, não existiam muitas diferenças. Todos eram iguais, fazendo parte de uma
mesma “família”, que se concretizava nos apadrinhamentos de batizados e casamentos,
nos quais empresário e familiares eram convidados a serem padrinhos e os afilhados
eram filhos e netos de seus funcionários, quando não os próprios.
A aceitação desse tipo de relação pode ser vista de vários ângulos. Aqui nos
interessam dois: o ponto de vista do empresário e o do empregado. Para o primeiro, tal
relação significava neutralizar possíveis movimentos reivindicatórios e o
estabelecimento de uma subordinação econômica e familiar. Os funcionários não se
rebelariam contra alguém da própria “família” ainda mais se esse alguém fosse quem
lhes provesse as necessidades. Do lado dos empregados essa relação era vista como uma
espécie de nivelamento. Ao aceitar o convite para apadrinhar alguém do círculo de seus
funcionários, o empresário se igualaria a eles (ou se igualariam a ele). Por esse vínculo
“familiar” seriam facilitadas também as relações de trabalho. Não é à toa que, segundo
Klaus Sohler10
, os funcionários mais antigos “guardavam um sentimento de terem
participado de uma coisa boa”. Assim, nessa relação patrão/empregado adulterada, ao
empresário ficava sempre uma boa percepção. As práticas negativas do tipo demissões,
retaliações diversas, negativas para aumentos salariais, etc, eram imputadas àqueles que
ocupavam cargos de chefia. É claro que esse “compadrio” deixava seus reflexos na
organização dos trabalhadores, fortalecendo, inclusive, práticas individualistas, já que
muitos empregados prevaleciam-se dessa proximidade ao empresário para obter
algumas benesses.
9 Cf. entrevista com Sr. Ori Rodrigues, em anexo
10 Entrevista em anexo
CAPÍTULO II
02 – Os Sindicatos
Sem caracterizar nenhuma escala de importância ou estabelecer algum tipo de
hierarquia, trataremos a seguir dos Sindicatos. Não genericamente. Mas dos Sindicatos
envolvidos diretamente na greve estudada, já que duas categorias profissionais –
Metalúrgicos e Têxteis – envolveram-se na contenda. O Sindicato dos Trabalhadores na
Indústria Metalúrgica, Mecânica, de Material Elétrico e de Informática de Barra do
Piraí, Valença, Vassouras, Mendes, Paulo de Frontin e Piraí, liderando os metalúrgicos
da Santa Rosa Máquinas, foco inicial da greve e o Sindicato dos Trabalhadores na
Indústria de Fiação e Tecelagem de Valença, não liderando os Têxteis mas
desempenhando o papel cobrado pela institucionalidade, como representante legal
daqueles trabalhadores. A função das duas Entidades Sindicais no conflito se
esclarecerá no capítulo reservado diretamente à greve, já que é naquele momento que
afloram as grandes diferenças entre as duas.
Iniciar falando sobre o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Fiação e
Tecelagem (Sindicato dos Têxteis) é apenas uma questão temporal. Este foi fundado em
1932, tendo, portanto, uma história mais longa a ser descrita e anterior ao Sindicato dos
Metalúrgicos. Este só foi fundado em 1984 (desconsiderando seu curto período como
Associação) mas fruto de discussões mais aprofundadas, que ultrapassavam a questão
reivindicatória. É o que veremos abaixo.
02.1 – Sob os marcos de Vargas
O Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Fiação e Tecelagem de Valença é
o que se pode chamar “atrelado por excelência”. Embora houvesse uma organização de
caráter classista operando em Valença desde a década de 1920, a União Operária, sendo
essa organização a responsável por muitas lutas durante o século passado, pelo menos
até a década de sessenta, o Sindicato em questão somente se organizou em 1932, após a
instituição do decreto nº 19.770, de 19 de março de 1931. Tal Decreto segundo Vianna,
Luiz Werneck, in Liberalismo e Sindicalismo no Brasil, 2ª ed., Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1978, torna-se o diploma regulador do sindicalismo no Brasil não
escondendo sua ação desmobilizadora das antigas lideranças sindicais e, mais ainda:
A via modernizante explicita sua forma corporativa no Decreto nº 19.770, de 19 de
março de 1931: os Sindicatos deveriam servir de pára-choques entre as tendências
conflitivas nas relações do capital com o trabalho. Nesse decreto, é feita a opção pelo
sindicato único, definido-se como sindicato como órgão de colaboração com o poder
público. Quanto a fins econômicos, visava-se disciplinar o trabalho como fator de
produção; quanto a fins políticos, vedar a emergência de conflitos classistas,
canalizando as reivindicações dos grupos sociais envolvidos para dentro do aparato
estatal11
.
Portanto, é com essas características que nasce o Sindicato dos Têxteis de
Valença. Sua afinidade com a União Operária não é suficiente para impregná-lo de
propostas combativas, que dirá revolucionárias. Aliás, essa questão já mostra uma
União Operária, nesse período, não tão combativa e lutadora, parecendo integrar-se à
realidade institucional conforme o desejo do Governo de Getúlio Vargas.
Comprovando a relação entre sindicato e governo, a própria Ata de Instalação do
Sindicato o faz, quando insere são inseridas em seu texto as seguintes palavras:
(...) O Snr. Manoel do Nascimento comunica aos presentes o fim da reunião e
mostrando as vantagens que decorreram para a classe com sua organisação (sic) em
Sindicato, de accordo com o Decreto número 19770, de 19 de março de 1931, propõe
seja considerado installado (sic) o Sindicato Têxtil de Valença, sendo sua proposta
unanimemente aprovada (...)12
.
Nascendo dessa maneira, integra o Sindicato Têxtil de Valença o grupo
apelidado pelas correntes à esquerda no movimento sindical brasileiro de “amarelos” ou
“pelegos”, onde a cor amarela identifica aqueles que têm medo de lutar pelos direitos
dos trabalhadores, aceitando as regras impostas pelo governo central e o adjetivo
11
VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicalismo no Brasil, 2ª ed., Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1978 12
Ata de Instalação do Sindicato Têxtil de Valença, transcrição em anexo
pelego, criado a partir do objeto confeccionado em pele de carneiro pelos gaúchos e
usado sob os arreios, de modo a não ferir o dorso dos cavalos. Por analogia, os
sindicatos pelegos “amorteciam” o choque entre patrões e empregados. É a idéia de
pára-choques já exposta.
Mas pouco tempo após seu nascimento, o Sindicato Têxtil de Valença é
obrigado a dirigir uma greve dos trabalhadores nas fábricas de tecidos. No dia 08 de
julho de 1932, na tentativa de garantir a implantação dos turnos de oito horas de
trabalho, disposto no Decreto nº 21.364, de 04 de maio de 1932, os trabalhadores têxteis
de Valença paralisaram suas atividades fabris. Ressalte-se que esta paralisação ocorreu à
revelia da Direção do Sindicato, que apostava mais na ação do Ministério do Trabalho
para resolução do problema do que na ação direta dos operários. Tal greve durou até o
dia 12 de julho de 1932, com a assinatura de um acordo entre sindicalistas e
empresários, pelo qual estes assumiam a responsabilidade de, no caso de uma
determinação ministerial, pagar as diferenças salariais correspondentes à alteração da
jornada13
.
É interessante notar, a partir da análise das atas das Assembléias realizadas no
citado período, o esforço dos Diretores do Sindicato em “acalmar” os trabalhadores; em
fazê-los “respeitar” a ordem, mesmo sendo uma ordem “ditatorial” e sobre a qual não se
podia prever o futuro. Demonstravam os Srs. Diretores do Sindicato Têxtil de Valença,
com tal prática, uma submissão completa à ordem legal, inclusive à legislação
produzida por esta ordem, independentemente de como ou quem estivesse à frente dessa
ordem institucional. Aliás, com a assunção da CUT à Direção do Sindicato dos Têxteis
de Valença, verificou-se o quanto a política de “uma vela para dois senhores” era
aplicada: nas paredes do Sindicato figuravam ao mesmo tempo esfinges de Getúlio
Vargas e João Goulart de um lado e quadros com os governantes militares de outro.
A trajetória do Sindicato Têxtil de Valença mantém-se inalterada até o final da
década de 1980. Durante todo esse período, suas direções aprofundaram uma relação de
submissão aos interesses patronais, conforme relatam alguns de seus ex-diretores e se
confirmam nas palavras de Ori Rodrigues14
.
Entre as preocupações fundamentais das direções do Sindicato Têxtil de
Valença, figuram a construção de uma sede social, (com características de um “clube
social”, o que pode ser contemplado ainda hoje), a implantação de consultórios médicos
13
Cf. atas constantes de livro próprio arquivadas no STIFT de Valença
e odontológicos e a realização de festividades cívicas. Também verifica-se,
principalmente a partir da década de 1950, uma adaptação às propostas da Aliança para
o Progresso e relações, pelo menos documentais, com o AFL – CIO, principal sindicato
estadunidense15
. A luta política ou mesmo a organização dos trabalhadores inexistem
até 1989, assumindo as Direções que passam pelo Sindicato um papel meramente
administrativo. Mais que isso, desmobilizam as tentativas de organização autônoma da
Categoria e impedem que forças de oposição cresçam entre os operários. Para tanto
usam artifícios vários como, por exemplo, divulgar editais de eleições às escondidas, em
jornais de pouca circulação na cidade. Existem histórias que circulam pela cidade que
dão conta de funcionários delatados por Diretores do Sindicato pelo fato de
questionarem sobre as datas de eleições, por terem solicitado cópias dos Estatutos, etc.
Com essas orientações manteve-se o Sindicato dos Têxteis de Valença até o final
da década de 1980, sendo a sua postura durante a greve objeto deste trabalho, uma das
principais provas de seu peleguismo. Também durante a greve geral ocorrida em 14 e
15 de março de 1989, a demonstração foi idêntica. Ao contrário das forças de esquerda
presentes na cidade que conclamavam os trabalhadores à luta contra o Plano Verão, o
Presidente do Sindicato nada fazia, limitando-se a pedir aos trabalhadores em greve que
não permanecessem nas cercanias das fábricas, supondo assim que as lideranças daquele
movimento nacional dispunham-se a criar conflitos com as forças policiais da cidade.
Também com relação à comunicação com os trabalhadores as Direções do
Sindicato não tinham nenhum apreço. Raros eram os boletins ou panfletos produzidos
por aquelas direções e, quando feitos, eram meramente burocráticos ou em defesa
pessoal de algum diretor atingido por crítica.
As campanhas salariais também revelavam-se um festival de afagos entre
sindicalistas e patrões. As Assembléias, embora às vezes contando com presença
significativa de trabalhadores, não passavam de engodos, onde os operários eram
levados a aceitar as proposições da Diretoria. Essa atitude levava ao esvaziamento das
Assembléias e ao descrédito com relação à Entidade. Note-se que neste período não
chegava a ocorrer esvaziamento financeiro nos cofres do Sindicato pois todos os
trabalhadores eram sindicalizados no ato da contratação. Isso, talvez mais que qualquer
outra prova, amarre as direções do sindicato anteriores a 1989 aos industriais da cidade.
Essa prática somente foi quebrada com a entrada da CUT no Sindicato com a eleição
14
Cf. entrevista em anexo 15
Cf. arquivos do STIFT de Valença
ocorrida em 1989, vencendo a chapa encabeçada por Lucília Ferreira da Silva, a
Baiana, liderança emergente a partir da greve de 1988.
02.2– O Sindicato dos Metalúrgicos
Diferente caminho fez o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Metalúrgica,
Mecânica, de Material Elétrico e de Informática de Barra do Piraí, Valença, Vassouras,
Mendes, Paulo de Frontin e Piraí, denominado daqui prá frente apenas como Sindicato
dos Metalúrgicos. Este inicialmente fazia parte da base territorial do Sindicato dos
Metalúrgicos de Volta Redonda, sendo desmembrado em 07/05/1982. Desse
desmembramento surgiu uma Associação Profissional, criada oficialmente em
20/07/1982.
Esse desmembramento e posterior criação de Associação Profissional atendia a
um interesse político. As eleições que se realizariam em 1983 no Sindicato dos
Metalúrgicos de Volta Redonda poderiam apresentar resultado diferente daquele
buscado por seu Presidente, Waldemar Lustoza ( o que de fato ocorreu , sendo eleito
como Presidente o Sr. Juarez Antunes ), sendo a divisão da base territorial uma forma
de manter um “espaço de poder” institucional. Assim foi feito: a base do Sindicato dos
Metalúrgicos foi dividida e criada uma nova Associação. Essa Associação transformou-
se em Sindicato no ano de 1984, sendo a primeira eleição ocorrida em 1985, onde
elegeu-se Presidente o Sr. Francisco Garcia Sobrinho, funcionário da Thyssen
Fundições16
. A Direção eleita, embora não alinhada com nenhuma Central Sindical,
apoiava-se politicamente na Federação dos Metalúrgicos do Estado do Rio de Janeiro, à
época presidida pelo Sr. Francisco Dal Prá.
A Direção eleita do Sindicato dos Metalúrgicos tentou estabelecer uma prática
de negociações com as empresas da base visando melhorias salariais e de condições de
trabalho mas de forma muito amadora até então. Essa Direção liderou algumas greves
em empresas da base territorial do Sindicato (Metalúrgica Barra do Piraí e FN do
Brasil), sem, tampouco, implementar uma política que se projetasse além da luta
econômica. Talvez isso, aliado ao desgaste da Direção dentro da empresa de origem da
maioria dos diretores, a Thyssen Fundições, essa Direção não conseguiu manter seu
16
Cf. arquivos do Sindicato dos Metalúrgicos de Barra do Piraí, Valença e região.
poder no Sindicato. A eleição realizada em maio de 1988 traria a CUT para dentro
do Sindicato dos Metalúrgicos.
A primeira Direção cutista do Sindicato dos Metalúrgicos era encabeçada pelo
Sr. João Batista Machado Leôncio, conhecido popularmente como Batista, funcionário
da Thyssen Fundições. Na eleição da qual Batista saiu vencedor concorreram duas
chapas: uma situacionista e outra oposicionista, sendo a da situação encabeçada pelo Sr.
José Luzia, tesoureiro do Sindicato na gestão anterior. A vitória de Batista estreitou os
vínculos da Central Única dos Trabalhadores com os metalúrgicos da região, inclusive
com os metalúrgicos de Valença, o mesmo ocorrendo com os metalúrgicos da Santa
Rosa Máquinas. Portanto, é nos primeiros meses de mandato cutista no Sindicato dos
Metalúrgicos que ocorre a greve em questão. E de certa forma isso aponta algumas
dificuldades percebidas durante a tal greve, visto ter sido a primeira a ser comandada
por aqueles sindicalistas17
.
Por sua postura, o Sindicato dos Metalúrgicos tornou-se, durante muito tempo,
espaço de disputa política. Nas eleições realizadas nos anos de 1991, 1994 e 1997 a
direção cutista enfrentou a oposição liderada por outro funcionário da Thyssen
Fundições, conhecido vulgarmente como “Tião Paracambi”. Em todas as eleições este
saiu derrotado, deixando fortalecida a chapa pró-CUT. Interessante perceber que isso
ocorre mesmo tendo o principal bastião da CUT na região – o Sindicato dos
Metalúrgicos de Volta Redonda – ter sido perdido para a Força Sindical, Central
sindical oposicionista à CUT em âmbito nacional.
A ação do Sindicato sob o comando da CUT introduziu, além da prática da luta
direta com greves, operações tartarugas, seminários, atos públicos, etc, uma política de
comunicação inédita naquele Sindicato, criando o Boletim INFORMETAL, circulando
até os dias atuais. Também o Sindicato levantou questões como saúde do trabalhador,
contribuindo de forma incisiva, principalmente, na discussão sobre a silicose, doença
pulmonar que ataca profissionais que lidam com a sílica ou seus derivados. Também o
Sindicato participou das lutas contra o uso do óleo Askarel, usado como isolante em
transformadores, e que na Thyssen Fundições foi pivô de uma grande discussão após
um vazamento do produto.
Hoje o Sindicato continua atuando em várias frentes, participando, inclusive, da
formulação do Comitê Nacional dos Trabalhadores da Thyssen Krupp, juntamente com
sindicalistas de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e outros. Insere-se também
o Sindicato na organização da Federação Interestadual dos Metalúrgicos da CUT,
cujo Presidente atual é o SR. Valmir Braga, popular Braguinha, ex-presidente do
Sindicato. Tem atuado também na esfera internacional, discutindo com sindicatos
alemães e holandeses, políticas de melhoria na questão da saúde do trabalhador e de
meio ambiente. Essa discussão resulta, inclusive, na aquisição de recursos pelas
empresas do Grupo Thyssen, a serem aplicados em saúde e meio ambiente18
.
17
Cf. entrevista do Sr. Valmir Braga em anexo 18
Cf. arquivos do Sindicato dos Metalúrgicos
CAPÍTULO III
03 - A Greve
ão é possível falar da greve objeto deste trabalho sem dividir o tema
em três momentos: no primeiro, anterior à greve, são vistas as
condições que resultam no movimento paredista, as reivindicações
dos trabalhadores, as articulações (ou desarticulações) no seio das categorias
profissionais participantes do conflito, os climas,...; no segundo momento, a própria
greve e seu desenrolar, a forma como a sociedade valenciana viu aquele fato,
principalmente considerando-se ser, em cinqüenta e seis anos, a primeira greve nas
fábricas têxteis de Valença, a posição do poder público (prefeitura) e os apoios
explícitos; e no terceiro momento, o pós-greve, o que restou do movimento, tanto
externa quanto internamente à fábrica, o salto qualitativo para o operariado, o
surgimento de lideranças, a relação política dos trabalhadores com a cidade,...
O dia-a-dia da greve não pode ser aqui descrito nem é este o propósito deste
trabalho. Mas o ressaltar de fatos e nomes é importante para a garantia da fidelidade ao
momento histórico em estudo. Boa parte do trabalho é resgate da memória e a história
oral aqui transcrita se comprova também nas entrevistas e contribuições coletadas. E
embora muitos trabalhadores não tenham mais a clareza dos acontecimentos (passaram-
se já dezesseis anos!), o principal está intacto: o saber de que aquele movimento
representou um marco para os trabalhadores valencianos19
.
03.1 – O antes: A Fábrica vai mal (e não sabíamos!)
A década de 1980 é particularmente ruim para a Cia. Santa Rosa de Fiação e
Tecidos. Embora para os trabalhadores e para a população valenciana em geral isso não
transpareça, é o que ocorre. A empresa que até ali conseguia garantir sua fatia no
mercado de jeans, passa a sofrer uma série de problemas sendo que estes se agravam
com a adoção, nos Estados Unidos da América do Norte, de uma política de cotas para a
importação do tecido.
19
Depoimento do Sr. Ney Fernandes, em anexo
N
As principais exportadoras brasileiras do tecido – as transnacionais
SANTISTA e SÃO PAULO ALPARGATAS – têm seu mercado restringido e o
excesso de sua produção inunda o mercado brasileiro. Isso faz os preços no mercado
interno desabarem e empresas como a Santa Rosa, que já praticavam preços altos,
vêem-se mais ainda à margem desse mercado. No caso da Santa Rosa há uma piora do
quadro, pois a empresa apostava na construção de outra unidade fabril na cidade de
Montes Claros, Minas Gerais, para onde grande parte dos recursos haviam sido
desviados20
. O projeto da Santa Rosa do Nordeste, como era chamada a unidade de
Montes Claros, deveria, com o seu funcionamento, abastecer a empresa com fios de
custo baixo, aumentando também seu quinhão nesse setor, o que foi inviabilizado pelos
fatos que se precipitam.
A Cia de Fiação e Tecidos Santa Rosa é obrigada, então, a estocar grande parte
de sua produção, chegando, de acordo com Klaus Sohler, a Ter um milhão de metros de
jeans em estoque. E a descapitalização da empresa a obrigou a recorrer a empréstimos
bancários, visto enfrentar dificuldades para a manutenção das folhas de pagamento, o
que mostra-se uma política fatal, pois os juros bancários à época são proibitivos. Isso
piora o quadro da empresa já que a situação nacional do mercado do tecido não
melhora. A empresa, no entanto, prefere bancar um “compasso de espera” prolongado,
endividando-se cada vez mais. Em vão...
03.2– A Nova Constituição Federal
Na esfera política também fatos novos estão ocorrendo. A ditadura militar havia
terminado em 1985, o que representou uma remodelação do Estado brasileiro. Embora
continuassem presentes no dia-a-dia nacional, os militares não compõem mais o núcleo
do poder central. O processo de redemocratização do país recoloca em cena antigos
atores, inclusive aqueles que retornaram com a anistia de 1979. O Congresso Nacional
trabalhava desde o início de 1987 na elaboração de uma nova Constituição Federal, que
seria promulgada em outubro de 1988. Há uma clara mudança na relação de forças no
panorama político nacional que afasta boa parte da elite orgânica que sustentava os
governos militares. Novos partidos políticos estão atuando e outros atores surgem,
também relacionados a outros poderes como o Ministério Público, que dificultam muito
20
Cf. Klaus Sohler, entrevista em anexo
das manobras realizadas no período pós 1964. Para quem “mamou nas tetas da
nação” durante aquele período foi um golpe e tanto...
As relações trabalho/capital também sofrem mudanças com a nova Constituição
Federal - CF. Elaborada por um Congresso Nacional mais progressista que os anteriores
e, em parte, correspondendo a certos anseios da população organizada, a CF ampliou
alguns direitos trabalhistas. No tocante à jornada de trabalho, promoveu sua redução de
quarenta e oito para quarenta e quatro horas semanais. O que se torna o centro das
discussões que redundam na greve de novembro/dezembro de 1988.
A adaptação dos horários dos trabalhadores à jornada estabelecida na CF é feita
unilateralmente. As empresas do grupo Santa Rosa, de acordo com seus interesses,
acomodam as jornadas de forma que, na prática, seus funcionários saem prejudicados,
pois imaginavam um aumento do período de descanso nos finais de semana. Ao
contrário, em alguns turnos os trabalhadores passam a ficar mais tempo dentro da
fábrica do que antes, embora a acomodação da jornada obedeça à norma legal. O quadro
abaixo mostra as diferenças:
Turno Antes da redução Após a redução
Entrada Saída Entrada Saída
1º 05:00 13:00 05:00 13:20
2º 13:00 22:00 13:20 21:40
3º 22:00 05:00 21:40 05:00
Verifica-se assim que a maioria dos operários passa a permanecer mais tempo
dentro da fábrica, não se refletindo a redução da jornada de trabalho em mais descanso.
E essa adaptação de horários também não levou em consideração a reclamação dos
trabalhadores, externada em diversos momentos no interior da Cia de Fiação e Tecidos
Santa Rosa, principalmente em atos de “rebeldia espontânea” ocorridos em vários
sábados, onde os funcionários simplesmente desligavam as máquinas e saiam do local
de trabalho. A empresa, segundo Klaus Sohler, vislumbrava um retorno à normalidade
do mercado de jeans, por isso tentava, ao estabelecer tais jornadas, garantir sua plena
capacidade de produção.
Por seu lado o Sindicato dos Têxteis não encampou a proposta dos
trabalhadores, inversamente ao que estava fazendo o Sindicato dos Metalúrgicos.
Pesquisas nos arquivos do Sindicato dos Têxteis mostram que apenas uma Assembléia
fora convocada para discutir especificamente a questão, onde a Direção sindical sequer
coloca a proposta de greve em votação, alegando falta de quorum e impossibilidade de
cumprir a Lei de Greves. A partir de então os funcionários têxteis diminuíram seu
ímpeto, deixando de acreditar na possibilidade de greve, já que o próprio Sindicato da
Categoria deixava claro sua intenção em não apoiá-los na eventualidade do conflito
apresentar-se.
Por seu lado o Sindicato dos Metalúrgicos promovia discussão do tema com os
trabalhadores da Santa Rosa Máquinas e entabulava negociação com a empresa na
perspectiva de alcançar êxito na reacomodação da jornada de trabalho. A proposta de
greve, caso as negociações não se revelassem exitosas, era discutida entre os
funcionários e já despertava a atenção do empresário, embora este acreditasse mais nos
seus argumentos do que nos dos sindicalistas em convencer os trabalhadores.
03.3 – A Paralisação
(...) Acontece muitas vezes que um patrão procura enganar a todo transe os operários,
apresenta-se diante deles como um benfeitor, encobrir a exploração de seus operários
com uma dádiva insignificante qualquer, promessa falaz. Cada greve sempre destrói de
imediato este engano, mostrando aos operários que seu benfeitor é um lobo com pele de
cordeiro. Mas a greve abre os olhos dos operários também no que se refere ao governo e
às leis (...). Eclode uma greve, apresentam-se na fábrica o fiscal, o inspetor fabril, a
polícia e, não raro, tropas, e então os operários percebem que infringiram a lei (...)21
.
O dia 30 de novembro de 1988 é o marco. É uma terça-feira de primavera mas o
tempo é frio. A parte da manhã é reservada à apreensão sobre os resultados das
conversas entre os sindicalistas metalúrgicos e a direção da empresa Santa Rosa
Máquinas. No Domingo anterior houvera uma assembléia onde as informações não
eram as melhores. As conversas até ali mostravam a irredutibilidade do empresário e
sua intenção em manter as coisas intactas, não aventando possibilidade de acatar a
propostas dos trabalhadores. Como resultado, a Assembléia apontara nova tentativa de
negociação e nova Assembléia, dessa vez definitiva: acomodação da jornada
conforme proposta dos trabalhadores ou greve. Na terça-feira ocorre a nova reunião
sem, no entanto, ser observado algum avanço. A Assembléia seria às 13:20 horas, na
troca dos turnos, e a proposta a ser votada era de greve como apontado na Assembléia
anterior.
A greve iniciava-se, portanto, a partir dali. Os trabalhadores que deveriam iniciar
seu turno, não o fazem, e aqueles do chamado turno intermediário (trabalhavam das
07:00 às 16:00) que concordavam com a greve, deixavam seus postos de trabalho ou
participariam do dia seguinte em diante. Da parte da empresa nenhuma novidade foi
acrescentada nesse primeiro dia, restando aos sindicalistas e trabalhadores a tarefa de
gerar fatos políticos (entrevistas à rádio, distribuição de panfletos, articulações com
líderes locais, busca de espaço junto à setores da Igreja Católica, planejamento de ações
futuras, etc.), construindo o apoio popular ao movimento.
Outra tarefa reservada às lideranças no primeiro dia da greve dos metalúrgicos
foi procurar a direção do Sindicato dos Têxteis de Valença. Os Trabalhadores têxteis,
percebendo o início daquele movimento, vislumbraram a possibilidade de integrá-lo,
retomando a discussão abortada alguns dias antes pelo Presidente do seu Sindicato. Isto
fez com que se tentasse articular junto ao Presidente do Sindicato dos Têxteis, Sr.
Carlos Alberto Paixão, a adesão dos têxteis à greve, o que foi mais uma vez rechaçado.
Em Assembléia realizada naquela mesma noite na sede do Sindicato dos Têxteis, com
finalidade diversa, o Presidente da Entidade reafirmaria sua disposição em não tomar
conhecimento da situação que se apresentava22
. Mas isso não impediu que os
trabalhadores da Fábrica Três iniciassem conversa com os metalúrgicos já paralisados e,
a partir daquela noite, aderissem ao movimento.
O segundo dia da paralisação dos metalúrgicos marcou a entrada dos têxteis na
greve. Paralisando inicialmente a Fábrica Três, a greve alastrou-se pelas outras duas
Unidades fabris da Cia. de Fiação e tecidos Santa Rosa, atingindo quase 100% de
paralisação no seu auge. Os setores produtivos, na maior parte dos dias, ficaram
completamente paralisados, instalando-se um clima de confronto nas imediações da
Fábrica Três, principalmente nos horários de troca de turnos, onde os piquetes eram
formados para garantir a paralisação completa das atividades. Essa prática realizava-se
também nas demais unidades mas o foco central mantinha-se sobre a unidade Três.
21
LENINE, Vladimir I. Sobre as greves, mimeo. 22
Ata da Assembléia realizada em 20/11/1988, transcrita e em anexo
03.4 – A mobilização da cidade
Pela primeira vez, em muitos anos, Valença era despertada por seu operariado
(pelo menos por grande parte dele), que gritava por direitos, e, mais que isso,
denunciava uma série de práticas existentes no “chão da fábrica” que passavam
despercebidas aos olhos da população da cidade. E mais do que a reivindicação inicial,
essas denúncias é que provocavam a mobilização das pessoas e de Entidades populares.
As más condições de trabalho, os excessos de jornada, os salários aviltantes, práticas de
assédio sexual, ganhavam o côro das ruas e despertavam os interesses até então inertes e
provocavam reações as mais diversas. Os Partidos políticos de esquerda (PT e PDT)
assumiam as reclamações dos operários e somavam-se a eles nos atos públicos. A Igreja
Católica fez-se presente em vários momentos da greve, solidarizando-se e auxiliando na
sustentação da mesma. A Pastoral Operária também mobilizou-se, visto que um bom
número de trabalhadores da Santa Rosa Máquinas era a ela vinculado. Colégios do
município aproveitavam o momento para discutir com seus alunos os processos de
organização sindical e enxergavam aquela greve como um momento histórico para a
cidade. Os trabalhadores contaram também com o apoio de muitos populares que,
mesmo desvinculados de Entidades ou Instituições oficiais, solidarizavam-se com a
presença e com a doação de materiais utilizados principalmente na alimentação dos que
passavam as noites nos piquetes. O apoio à greve ganha também caráter nacional, visto
que, durante o decorrer da greve, acontecia em Valença o 1º Encontro Nacional das
Mulheres Negras, onde figuras destacadas da política nacional como a ex-ministra
Benedita da Silva e a Deputada Estadual pelo Rio de Janeiro Jurema Batista tomavam
parte. Através destas e de outras participantes do Encontro, as trabalhadoras do Grupo
Santa Rosa puderam transmitir suas denúncias, apreensões e desejos, ampliando o raio
de recepção às suas vozes.
Os Sindicatos cutistas da região Sul Fluminense também fizeram-se presentes.
Ainda estava bastante viva e próxima a greve dos metalúrgicos de Volta Redonda, onde
haviam sido mortos três funcionários da CSN sob as balas do exército, o que ajudou a
crescer a solidariedade entre os trabalhadores. O medo de novo massacre mobilizava as
pessoas, garantindo que o movimento pudesse ser levado a cabo sem maiores seqüelas.
Por parte dos sindicalistas havia ainda a oportunidade de continuar denunciando a
barbárie verificada em Volta Redonda, ao mesmo tempo que se ampliava a luta
contra o modelo repressivo ainda instalado no Brasil.
Embora grande parte da população valenciana demonstrasse apoio à greve dos
Trabalhadores da Santa Rosa, alguns setores levantavam sua voz contra o movimento.
Explicitavam seus motivos alardeando a “bondade do empresário” que dava empregos
em suas quatro fábricas. Eram a própria voz do senso comum defendendo o “Dr. Júlio”:
“é preciso que existam os ricos para que os pobres também existam!”, repetiam. Por
todos os seus componentes o discurso solidário à greve obteve muito mais ressonância
do que o contrário.
O poder público manteve-se à distância. Numa aparente neutralidade, o chefe do
executivo não pronunciou-se. Aliás, tentou manter uma agenda de normalidade, embora
isso o tenha colocado, num dado momento, em rota de colisão com o movimento23
.
Também os Vereadores do município preferiram a distância, mesmo tendo a Câmara
Municipal uma afinidade com setores da Igreja Católica. O próprio Chefe do
Departamento Pessoal das empresas ocupava uma cadeira na Câmara Municipal (o Sr.
Manoel “Português”), o que talvez explique um pouco essa distância. Os Partidos mais
de esquerda não possuíam representação parlamentar, inviabilizando o acesso popular à
Casa Legislativa. Se houve alguma participação do poder público no movimento, ela
ocorreu apenas no apoio ao empresário, principalmente pelo uso do aparato policial
durante todo o decorrer da greve.
03.5– A DRT (Sub Delegacia Regional do Trabalho) e a participação do “Paixão”
Durante o desenrolar da greve, embora muitos fatos políticos tenham sido
concretizados, a política das empresas manteve-se inalterada. Sua proposta para
acomodação da jornada de trabalho era aquela já implantada, da qual não abria mão.
Inicialmente os sindicalistas operavam com a idéia de que a greve poderia durar uns três
dias. Com o prolongamento da greve, as lideranças foram obrigadas a buscar respaldos
legais para o movimento, visto que ele se iniciou sem as devidas observações.
Vislumbraram então, sindicalistas e advogados, a chance de obter essa sustentação
através da Sub Delegacia Regional do Trabalho, em Volta Redonda. Acionado, o Sub
Delegado compareceu à Valença transformando-se numa esperança para os grevistas e
conseguiu intermediar uma reunião com os representantes das empresas. Outro
problema detectado pelo Sub Delegado foi a ausência do Sindicato dos Têxteis no
processo. Legalmente o Sindicato dos Metalúrgicos não poderia representá-los, já que
havia um Sindicato próprio da Categoria na cidade. Isso resultou em outra tarefa:
obrigar o Presidente Sr. Carlos Alberto Paixão, o “Paixão”, a assumir seu lugar frente à
Categoria, mesmo tendo sido ele, por negar-se a apoiar a greve, execrado pelos
operários em greve.
A direção do Sindicato dos Metalúrgicos juntamente com o Sub Delegado
Regional do Trabalho e uma Comissão de Trabalhadores Têxteis conseguiram
convencer o “Paixão” a integrar-se ao movimento. Também construíram, sob orientação
do Sub Delegado, uma Pauta de Reivindicações, visto que a reivindicação de alteração
na jornada de trabalho não cabia, já que as empresas, embora a tenham definido
unilateralmente, o fizeram dentro dos parâmetros legais. Essa pauta, lógico, apenas
servia para dar argumentos ao Sub Delegado para agendar a negociação, pois a data-
base dos trabalhadores têxteis fora em outubro e terminaram a Campanha Salarial há
pouco, não restando, portanto, pelo menos do ponto de vista legal, o que discutir. Por
seu lado, o Sindicato dos Metalúrgicos apenas encetaria sua Campanha Salarial em
maio do seguinte ano.
Nas reuniões de negociação intermediadas pelo Sub Delegado Regional do
Trabalho poucos avanços foram verificados, e estes viriam, principalmente, nos campos
onde as empresas não cumpriam a legislação (realização de eleições para as CIPAs das
empresas, implantação de refeitórios, instalação de bebedouros, por exemplo), na “não
punição aos grevistas” e na definição de critério para desconto dos dias parados.
Também houve sucesso quanto ao remanejamento de chefes sobre os quais recaiam
denúncias de assédio sexual, embora não se registre ocorrência de ação judicial contra
os mesmos. Com relação à jornada de trabalho, nada mudou. O argumento da legalidade
da medida tomada pela empresa defendido pelo Sub Delegado Regional do Trabalho
esfriou mais ainda os ânimos, que já se encontravam exauridos após dez dias de greve.
03.6 – O pós-greve
O dia nove de dezembro de 1988 marcou o final da greve. Após registrar o
Acordo final na Delegacia Regional do Trabalho, a Direção do Sindicato dos
Metalúrgicos, em Assembléia, discute o fim do movimento e a forma como os
23
Cf. entrevista do Sr. Valmir Braga em anexo
trabalhadores voltariam ao trabalho. A proposta de retorno à normalidade é
aprovada por unanimidade, embora alguns operários ainda defendessem a continuidade
da greve.
Os primeiros dias após o retorno são uma incógnita tanto para os trabalhadores
quanto para a direção das empresas. Ninguém sabe exatamente o que pode ocorrer, visto
pairar no ar ainda um clima de conflito. Os trabalhadores grevistas, mesmo sem ganhos
materiais, sentiam-se vitoriosos por terem sido, naqueles dias, protagonistas de um
movimento aguardado à décadas. Sentiam-se, de certa forma, a encarnação do desejo de
milhares de trabalhadores do Grupo Santa Rosa que, através do tempo acumularam no
próprio corpo tensões, humilhações, marcas várias da exploração patronal, ódio. Por
conta dos trabalhadores “fura-greves” ou ligados à s chefias, o sentimento também era
de vitória. Primeiro porque , como não aderiram à greve, não teriam descontos nos
salários; segundo, viam a greve como fracassada pois não trouxe benefício material
algum; terceiro, entendiam que os benefícios alcançados, ainda que poucos, também se
disponibilizariam para eles. Ganharam, portanto, sem despender força alguma.
Pouco tempo após o greve a empresa começou a realizar uma série de
demissões. Grevistas e não grevistas foram demitidos, no que, talvez, tenha sido um dos
aspectos mais marcantes do pós-greve. Tanto trabalhadores quanto parte da população
via tal atitude como retaliação aos que fizeram a greve. Mas, e os “fura-greves”
demitidos ? A explicação é outra e faz parte do rol de questões não levantadas pelos
Sindicatos ao iniciarem a greve e que são presentes nas palavras de Klaus Sohler24
.
Outro aspecto marcante do pós-greve é a organização de uma Oposição Sindical
com vistas à eleição que se realizaria no ano seguinte. As eleições para as CIPAs
garantidas no acordo do fim da greve permitiram preservar as principais lideranças
surgidas no movimento. Estas, com o apoio de vários outros Sindicatos da região,
principalmente do Sindicato dos Metalúrgicos de Barra do Piraí, assumiram a tarefa de
organizar a Oposição que, meses após a greve, viria ganhar a eleição no Sindicato dos
Têxteis de Valença, introduzindo uma prática política orientada pela Central Única dos
Trabalhadores. Ressalte-se que no processo eleitoral a que nos referimos, houve a
participação de outra chapa, aparentemente não alinhada a nenhuma corrente política. O
grupo situacionista não disputou o pleito, limitando-se a promovê-lo segundo as normas
estatutárias.
24
Cf. entrevista em anexo.
Outro fato que verifica-se no pós-greve é o fechamento das fábricas da Cia
de Fiação e Tecidos Santa Rosa. Este fechamento, apesar de ocorrer quase dois anos
após a greve, é visto por grande parte da população valenciana como reflexo do
movimento de 1988. E, por falta de veículos de comunicação adequados e também pela
ausência de informações corretas, acaba servindo como argumento desmobilizador por
grupos de direita. Esse reflexo se perceberá não só nas eleições sindicais futuras como
também nas eleições municipais.
O fechamento da empresa em 1990 não é definitivo. Ela passava por um
processo de concordata a essa época, o que já demonstrava sua situação financeira ruim.
Alguns meses após esse encerramento de atividades, a empresa reabre suas portas,
readmitindo boa parte daqueles funcionários que haviam sido demitidos. Ao reabrir a
Cia de Fiação e Tecidos Santa Rosa forma uma parceria com uma empresa sediada em
Montes Claros – MG, a PACULDINO. Essa parceria dura até 1995, quando, por
motivos estranhos à maioria da população valenciana, é encerrada. A Santa Rosa
novamente fecha suas portas, dessa vez, definitivamente. Aqui o Sindicato dos Têxteis
apresenta uma proposta de empresa autogestionária, chegando a criar uma Associação
com os empregados demitidos com o intuito de gerenciar tal empresa. Como não foi
possível negociar o arrendamento do prédio e das máquinas, a proposta não alcançou
êxito.
A Santa Rosa Máquinas por sua vez vive um processo diferente. Após a greve
seus funcionários, em negociação direta, conseguem acomodar a jornada de trabalho
conforme proposto anteriormente. Também lá ocorrem eleições para a CIPA, onde
lideranças da greve são preservados. Por atuar numa outra faixa de mercado, a empresa
consegue manter-se ativa por mais tempo, embora sofra os reflexos do fechamento da
Cia de Fiação e Tecidos Santa Rosa, visto que boa parte dos seus serviços eram
endereçados a esta. Alguns anos depois a empresa foi vendida para um empresário
originário de Volta Redonda mas, por conta de uma gestão duvidosa, acabou entregando
todo o maquinário aos seus funcionários em pagamento de dívidas trabalhistas. Os
funcionários fundaram uma Cooperativa, a CTMV – Cooperativa dos Trabalhadores
Metalúrgicos de Valença, mas, por dificuldades várias, encontra-se em processo de
encerramento de atividades.
CAPÍTULO IV
Considerações Finais
Como se percebe, tal greve despertou uma enorme expectativa na população
valenciana quanto ao mundo dos operários têxteis. Este mundo, até então, restrito aos
trabalhadores daquela Categoria, a partir dali se descortinava, permitindo as mais
variadas previsões quanto ao seu futuro. A greve permitiu a observação mais concisa da
relação empregador/empregado ali explicitada, expondo fraquezas e possibilidades
futuras.
Do lado do empregador, expôs-se a sua incapacidade em lidar com conflitos,
ainda mais de se antecipar a eles, mesmo tendo condições para prevê-los. No caso
específico da greve em questão, a Direção das empresas possuía dados para aguardar
sua eclosão. Houvessem as empresas flexibilizado sua postura, buscando possíveis
propostas alternativas (implantação da acomodação temporária da jornada, por
exemplo), o movimento provavelmente não se concretizaria. Também as empresas
manteriam a situação em suas mãos caso assim agissem Mais uma vez ganhariam o
estigma de “benfeitoras”, podendo adiar o sonho de ruptura no movimento sindical
regional, garantindo a continuidade de uma Direção “pelega” por mais algum tempo. Ou
seja, ao optar pelo confronto, permitiram as empresas a constituição de um movimento
que, não só denunciaria posturas reacionárias do Sindicato dos Têxteis como
centralizaria sua ação no conjunto de trabalhadores do Grupo Santa Rosa, sendo
interessante notar o que diz Ney Fernandes em seu depoimento:
Na essência o que queremos caracterizar é que a greve de 1.988, trouxe uma nova
consciência para o trabalhador e foi, aquele momento, da maior importância pois, os
trabalhadores na indústria têxtil em agosto de 1989, elegeram uma nova direção para o
Sindicato dos Trabalhadores na Ind. de Fiação e Tecelagem de Valença, direção esta
com a ideologia da classe operária, estando à frente a operária Lucilia Ferreira da Silva,
a Baiana, que imprimiu um outro ritmo ao movimento sindical25
.
25
Depoimento em anexo
Tal depoimento consolida a opinião já expressada anteriormente, de que a
greve, para o movimento sindical, caracteriza-se como divisor de águas. Ao dar as
condições para a criação da Oposição Sindical, o movimento paredista contribui para
essa ruptura, despertando essa “consciência” a qual refere-se Ney Fernandes. Ganha a
Categoria e, em última instância, a Classe Trabalhadora. Dessa forma também se pode
entender que os trabalhadores do Grupo Santa Rosa ganharam. Mesmo que não sejam
apontadas conquistas materiais imediatas, elas viriam a partir da mudança de ótica na
organização sindical. As Campanhas Salariais seguintes ganham outras cores, sendo a
prática da realização de amplas Assembléias uma constante, resultando em outros
movimentos paredistas, que não cabem no presente trabalho.
Com relação à hipótese aventada sobre o fechamento das empresas, esta se
confirma. Klaus Sohler, ex – gerente financeiro da empresa é enfático ao dizer :
“(...) A empresa estava numa situação difícil
financeiramente. Tanto é que, um ano depois, ela pediu
concordata. Ela entrou em concordata em razão disso, prá
ganhar tempo, ganhar prazo prá ver se conseguia sair e
acabou se enredando, se complicando e acabou sendo
fechada. (...) foi uma experiência que precisa ser
assimilada. Não adianta ficar com a idéia de que pudesse
(a greve ) ter sido a causa de alguma catástrofe, algum
fechamento, não acho”.26
Portanto, se alguma dúvida ainda pairava sobre a questão do encerramento das
atividades industriais do Grupo Santa Rosa em Valença, aqui ela se dissolve, visto que
as palavras têm origem na, talvez, principal autoridade financeira do Grupo à época da
greve. Discurso semelhante elabora o Sr. Ori Rodrigues27
, ex-diretor do Sindicatos dos
Têxteis de Valença. Ori relaciona também a influência das empresas junto à Direção do
citado Sindicato.
Além de aspectos administrativos, outros podem ser apontados, como por
exemplo, mudanças na estrutura do estado (fim dos governos militares), que
provocaram um “descolamento” de empresários e empresas de setores políticos
dominantes anteriormente. Mas, de qualquer maneira, fica clara a relação entre a
qualidade administrativa do Grupo Santa Rosa e o fechamento de suas fábricas. Essa
26
Cf. entrevista em anexo 27
Cf. entrevista em anexo
“má qualidade administrativa” verifica-se em vários momentos, principalmente no
tocante à não renovação de maquinário, à manutenção de um modelo arcaico de
produção e à negativa em enfrentar de maneira profissional os conflitos envolvendo
seus funcionários e respectivos sindicatos.
Restam, com certeza, muitos pontos a serem vasculhados. Mesmo essa relação
do Grupo Santa Rosa com as várias esferas do Estado precisam ser melhor estudadas.
Da mesma forma, a relação entre empresas e Sindicato deve ser objeto futuro de
pesquisa, na tentativa de responder até que ponto essa relação impediu avanços da
Categoria profissional têxtil na cidade. Precisa também ser aprofundada toda a relação
de “compadrio” verificada na história do Grupo Santa Rosa, na busca de soluções para
as interrogações surgidas: Tais relações ocorriam deliberadamente ? Ou havia
realmente um entendimento, tanto patronal quanto do ponto de vista dos empregados,
de que esse tipo de relacionamento poderia construir algum outro modelo social? E
além destas, poderão também ser aprofundadas questões relativas à proposta de empresa
autogestionária, colocada na ordem do dia por conta do fechamento definitivo das
empresas Santa Rosa, e não concretizada.
Enfim, embora se esclareçam aqui os verdadeiros motivos do encerramento das
atividades das empresas Santa Rosa, sobra ainda muito o que estudar, revirar, pesquisar,
o que redundará em novos trabalhos, complementando o presente ou atiçando outros
olhares sobre a greve estudada e suas relações com as empresas e com a cidade.
ANEXOS
Entrevista com o Sr. Klaus Sohler, ex-gerente financeiro da Cia. de Fiação e
Tecidos Santa Rosa, tendo exercido tal cargo no período da greve em estudo.
Sr. Klaus Sohler: Combinando a divisão dos momentos, eu falarei primeiro sobre o
contexto, a posição da empresa, sua situação e como ela se achava no momento em que
ocorreu a manifestação grevista. A situação da empresa já era de dificuldades
financeiras. Em virtude de um deslocamento de uma parte dos recursos para Montes
Claros, onde a empresa havia iniciado a montagem de uma fiação, que chegou a
funcionar lá em Montes Claros, fornecendo fios para Valença, ela estava endividada no
sistema bancário. O sistema bancário foi acionado justamente, contra inclusive os
princípios da empresas porque não me consta que antes ela recorresse a créditos em
bancos, a não ser em situações esporádicas como compra de maquinários que havia
ocorrido já há muitos anos, essa situação acabou deixando que ela ficasse com valores
que foram sendo aumentados. Para se pagar um empréstimo era necessário fazer um
outro de maior valor. E então, o grau de endividamento aumentava. É claro que se
imaginava que a outra empresa começaria produzindo os fios e isso colaboraria com a
Santa Rosa em Valença e as coisas acabariam por se equilibrarem. Mas, juntamente
com esse esforço, esse investimento em Montes Claros, ocorreu um fato comercial que
agravou bastante a situação: a indústria brasileira de jeans
que tinha como principais fabricantes a Santista, a São Paulo Alpargatas, que são
empresas multinacionais, que faziam a sua fabricação e ao mesmo tempo
transformavam o jeans em confecção e vendiam para o exterior, toda a produção dessas
empresas era geralmente destinada ao mercado externo, principalmente o americano,
ocorreu que o mercado americano criou as cotas de importação. Então o que que
acontece, mandavam prá lá o que se quisesse mandar, como o americano decidiu dizer:
“vamos dividir aqui o nosso mercado. Vai se comprar tanto da China,...e o Brasil só tem
direito de exportar prá nós tantas cotas, não sei números, mas era um
contingenciamento. E esse contingenciamento então, toda aquela produção não podia
mais ser mandada prá lá, mandava só uma parte, e essas empresas colocaram esse jeans
no Brasil.
Gilson L. Gabriel: Abarrotando o mercado interno...
Klaus Sohler: É. O Mappin, lá em São Paulo, chegava a vender uma calça de
jeans por um preço um pouquinho superior ao metro do tecido da Santa Rosa. Quer
dizer: o sujeito comprava uma calça de jeans por um pouquinho mais que o preço do
metro do jeans,...então, o que aconteceu: a empresa ficou com estoque violento, chegou
a ter um milhão de metros estocados dentro daquele galpão lá. Estava tudo abarrotado.
É claro que era mercadoria e esperava-se que uma hora aquilo passasse, mas o fato é
que coincidiu a inflação alta, a queda dos preços de venda (que teve que obrigar a
vender muito mais barato, porque também não dava prá estocar a vida toda. Não havia
quem conseguisse agüentar aquilo) e o custo do financiamento bancário que era
proibitivo. Até hoje a questão do financiamento bancário é a mesma: qualquer pessoa
que procure dinheiro no banco, desde que seja uma quantidade expressiva para começar
qualquer negócio ou qualquer coisa, ela acaba sendo empregada do banco. Porque vai
trabalhar prá pagar o banco. E geralmente não vai pagar. Porque é uma cobrança de
juros, não é propriamente só o juro. O juro talvez até não seja tão grande, porque diante
da inflação o juro acaba sendo uma coisa menor, porém o spread, o que você paga pela
segurança, por toda uma história que torna impossível se dever em banco.
A empresa estava numa situação difícil financeiramente. Tanto é que, um ano depois,
ela pediu concordata. Ela entrou em concordata em razão disso, prá ganhar tempo,
ganhar prazo prá ver se conseguia sair e acabou se enredando, se complicando e acabou
sendo fechada. Isso é um processo que levou um certo número de anos. Então a gente
pode dizer que a situação da empresa já era difícil. Eu cheguei inclusive a fazer alusão
disso em reunião com o Sindicato que a gente recebia lá na Fábrica Dois. Eu fazia
questão de receber o pessoal e eu cheguei a aludir. Eu fazia reunião com os
funcionários, explicava a situação, que as coisas estavam complicadas, estava tudo
difícil, logo depois começou haver problemas de caixa para pagamento de salários, que
atrasavam dois dias, três dias, cinco dias, não me lembro quanto, mas havia seguidos
atrasos de pagamento. Então realmente já havia um contexto de grandes dificuldades.
Era uma situação difícil.
...Quando foi deflagrada a Greve, a greve, por incrível que pareça, era uma coisa muito
favorável para a Santa Rosa. Porque quanto mais gente ficasse parada e a gente não
precisasse pagar,... por que essa é a diferença da greve no setor privado para a greve no
setor público: o público nunca deixa de pagar os dias e o setor privado nunca paga os
dias...
Gilson L. Gabriel: Eu lembro que nós tivemos que negociar uma forma de
descontar os dias. Os dias foram descontados nos meses de trinta e um dias. Levamos
quase um ano pagando os dias da greve.
Klaus Sohler: ...Para a empresa até que a greve seria um bom negócio. Mas o grande
problema é que a motivação de greve não tinha maior sentido. Porque a motivação da
greve não era salarial,. Era conseguir uma facilidade, claro, tentar fazer uma semana
inglesa, conseguir uma folga maior no fim de semana, ...
Gilson L G: Conseguir uma acomodação da jornada de trabalho segundo a Constituição
de 1988 mas acordo com a visão dos trabalhadores. E não aquela que a empresa estava
implantando...
Klaus Sohler: Exatamente. Mas não é o problema da empresa. O grande problema é o
seguinte: prá Santa Rosa, naquele período, não haveria o mínimo problema em atender.
Não haveria o mínimo problema porque estava parada, não precisava produzir... O
grande problema é que uma empresa de produção intensiva, que trabalha com mais de
um turno, que trabalha com três turnos, porque o que acontecia? Toda vez que havia
uma demanda maior, se punha três turnos de trabalho. Quando a demanda era menor,
esses turnos eram reduzidos para dois, então não tínhamos o turno noturno. E o grande
problema era não abrir mão dessa possibilidade. Porque o abrir mão seria, digamos,
decretar, no futuro, um problema talvez insolúvel...
Gilson L. G.: Fechar limites à produção...
Klaus Sohler: Depois que estivesse implantado, ou seja, que a negociação levasse a
uma jornada de (...) 44 horas, fazendo com que uma parte do Sábado fosse liberada para
os operários, voltar isso atrás seria, praticamente, uma coisa difícil demais. Nunca
houve assim um trabalho de convencimento de patrão e empregado de que eles são
parceiros. Essa é a verdade. E aqui no Brasil, claro que em virtude de muitas
modificações ao correr dos anos, dos tempos, porque antes não havia qualquer limite de
horários, depois o horário foi sendo implantado: o horário de oito horas. Então tudo isso
foram ganhos dos operários conseguidos quase a poder de lei. Quase nunca sendo
negociação. Então havia realmente uma razão prá que o movimento sindical que
representava o operariado, procurasse reivindicar esse tipo de coisa. Mas não havia
um diálogo que mostrasse que uma empresa é uma parceria entre os patrões, o capital, e
o trabalho. O fechamento da empresa deixa todo mundo sem emprego. Só o capital é
que fica, podendo ser aplicado em outra coisa. Mas tanto patrão quanto empregado
ficam desempregados. E não há interesse nisso, porque na realidade eu acho que o
grande problema brasileiro no momento é exatamente, e já era naquela época, de
facilitar as coisas prá que haja mais empregos, mais pessoas interessadas em gerar mais
negócios, porque gerar negócio é gerar emprego. Só que agora a gente faz o seguinte:
pega o dinheiro, entrega ao governo, o governo gasta o dinheiro todo, paga um juro
razoável prá quem emprestou para o governo, e ninguém pega o dinheiro para abrir uma
marcenaria, abrir uma pequena produção, qualquer coisa que possa dar emprego. Que se
der emprego só prá família, já está diminuindo o mercado de trabalho para o resto. ...É
fundamental que se pense na posição de uma empresa. Porque é a empresa é uma
entidade jurídica e ela depende tanto de quem trabalha, que seriam patrão e empregado,
como do capital, e todo mundo depende dela. Então, ela não devia ser atingida.
Existe o conflito entre os interesses do operário e do patrão. O patrão, quanto
mais lucro ele tiver, melhor. O operário, quanto mais salários e vantagens tiver, melhor.
Então esse deve ser o foco, que deve ser discutido entre patrão e empregado através do
Sindicato. Sendo que se busque sempre um equilíbrio e forçando, naturalmente, para
obter as coisas na medida em que elas se tornem possíveis. Mas estando preparados
também para abrir mão se durante um momento ou um período, elas não são possíveis.
É o que acontece, por exemplo, nos Sindicatos europeus, onde se negocia não só
aumento de salários como diminuição de salários. A compensação de jornadas, enfim,
essas coisas que hoje estão começando a ser tratadas aqui no Brasil. Naquela época não
havia isso. E como a greve teve como princípio, eu acredito que a greve teve lá um
caldo de insatisfação, porque, segundo eu soube depois também, havia alguns excessos
praticados por alguns elementos, poucos talvez, que se viam em posição de relevância e
talvez não agissem bem lá com os operários. (...) A idéia que eu tenho é que havia isso.
E isso, naturalmente, essa insatisfação, juntou com aquela possibilidade de se conseguir
uma semana melhor de trabalho, não há menor dúvida, e gerou o interesse de fazer a
greve...
Gilson L. G.: Tanto que a greve começa no setor metalúrgico. Na Santa Rosa
Máquinas... e depois ela se estende para o setor têxtil, o que, inclusive, traz tudo isso
que o Sr. está falando. A discussão dentro do setor metalúrgico com o Sindicato
dos metalúrgicos, que era quem estava dando encaminhamento à questão, tinha um
certo limite, era principalmente a questão da jornada de trabalho. É quando este
movimento se estende para o setor têxtil que ele vai ganhar essa outra conotação... Essas
várias denúncias que vão surgir, que depois vão ser trazidas à público, vão inclusive
fazer com que a greve dure os nove ou dez dias que ela durou. Sem isso talvez ele não
tivesse sustentação prá tanto.
Klaus Sohler: Então, o que eu quero dizer é que a reivindicação era válida, mas, para a
empresa que naquele momento se beneficiaria com isso, ela não poderia ser aberta a
precedentes porque, vamos dizer, no momento em que a produção tivesse que ser
reiniciada em pleno vapor, aquela história de capacidade de produção de 80, 90%,
conforme nós estamos ouvindo hoje, que o Brasil está, ou ele faz novos investimentos
ou vai faltar mercadoria para o consumo e vai haver aumento de preços, é a tal da
inflação de demanda. Então, naquele tempo a Santa Rosa não tinha necessidade de
demanda pois ela não estava conseguindo vender. Estava vendendo num preço péssimo.
Abaixo do que ela realmente podia para poder continuar mantendo as coisas, esperando
uma época melhor. E estocando o que era possível estocar. Muito bem. Então a única
razão do não atendimento era uma razão pragmática. (...) Nós poderíamos fazer isso
durante seis meses depois nós voltamos. Mas isso evidentemente não funcionaria. Eu
acredito que dentro das conversas e da mentalidade que imperava naquele momento não
conseguiríamos chegar a uma solução negociada em termos de prazo, uma coisa assim.
Porque seria muito difícil voltar atrás. Aí nós teríamos a Ferreira Guimarães trabalhando
nos três turnos, a “não sei o que” trabalhando nos três turnos, e a Santa Rosa não podia
por causa do problema do Sábado, já que não podia se trabalhar Sábado e Domingo...
Gilson L. G.: Mas caso isso ocorresse na Santa Rosa, havia uma tendência de que isso
também se estendesse para as outras empresas...
Klaus Sohler: Poderia ser... Mas é muito arriscado fazer qualquer acordo particular.
Esse acordo teria que ser negociado em termos nacionais, com todos os concorrentes.
Agora, veja bem, não seria também, porque os concorrentes estrangeiros não estão aí.
Aquela produção que nós não faríamos nos sábados e nos domingos estaria sendo feita
lá na China, no Japão, e abarrotando o mercado mundial. Então era o tipo da coisa que
era inconveniente aceitar esse tipo de redução de jornada. Não era redução da
jornada, mas era uma acomodação da jornada que seria muito difícil voltar atrás depois
que os sábados e domingos, uma grande parte do Sábado, estivessem estabelecidos
como folga. Então foi só por essa razão. Não havia outra razão prá não atender. Porque
se fosse a questão econômica, seria aceito. Era vantajoso prá Santa Rosa fazer aquilo.
Então era isso aí... E essa visão era, lá dentro, todo mundo pensava assim. Na época
chegou-se a fazer algumas reuniões com as chefias prá ver se a gente começava
concatenar melhor as coisas, porque não era só um chefe ir lá, vir discutir que quer isso,
quer aquilo. Precisava se Ter um programa mais coordenado em que a gente pudesse:
“não, agora eu não posso te atender nisso, mas talvez possa atender naquilo”. O
dinheiro, quer dizer, o financeiro, o administrativo, o comercial e a gerência de
produção de maneira a fazer com que as coisas ocorressem em épocas mais bem
programadas. E a idéia de todo mundo era exatamente essa. Não tinha diferença.
Gilson L. G.: E a questão do pós greve?
Klaus Sohler: Se isso influenciou o fechamento da empresa? Não. Não vejo isso. A
empresa fechou porque a situação do mercado estava complicada. Já se previa...
Gilson L. G.: Até pelo quadro que o Sr. coloca, anterior, se pode traçar uma tendência...
Klaus Sohler: Já havia uma dificuldade financeira. Tanto é que a concordata não foi
por causa da greve. Com a greve a Santa Rosa lucrou, deixando de pagar uma coisa que
ela precisava pagar. (...) Não vejo isso. Já ouvi falar que os proprietários teriam ficado
aborrecidos, não vejo razão prá isso. É claro que sempre há a primeira vez, não sei o
que, a pessoa fica, (...) aquilo fica um tanto incômodo, não há a menor dúvida. Mas eu
não vejo que isso tenha levado a coisa nenhuma não. O que aconteceu foi, exatamente
as dificuldades porque passava o setor têxtil todo, a proximidade e a tendência que já se
revelava de que haveria uma abertura de mercado com redução de tarifas. Porque na
realidade o nosso jeans era vendido muito caro. Caríssimo, diante do mercado
internacional. Então, o que que acontece: já está em dificuldade, a dificuldade vem
maior porque vai-se poder comprar em qualquer lugar do mundo a um preço que talvez,
tirando o imposto de importação, ele já não compensasse, entendeu? Porque a
produtividade no exterior geralmente é maior, porque essas empresas têm acesso a
máquinas mais modernas, (...) têm uma economia estável, então quando se faz um
projeto, se faz um projeto para dez anos, vinte anos, não há problemas. Aqui no Brasil o
sujeito não podia fazer nada. Podia fazer até o mês que vem, talvez até no dia seguinte
você já não podia fazer mais. Então essa inflação desesperada que houve, ela realmente
atrapalhou toda essa questão da evolução e as empresas acabaram fechando por causa
disso. (...) Hoje os impostos de importação são muito menores, inclusive tendo sido
obrigados a serem aumentados outra vez para os têxteis para poder dar um “colchão” ,
mas a verdade é que todas as empresas á deviam estar contando com isso há mais
tempo. Isso não é uma coisa que a gente tem que enfrentar na hora. Você tem que
começar a reduzir custos, prá começar a produzir mais barato prá poder continuar no
mercado. Porque o mercado é um ser impessoal e ele não perdoa. (...) Os eficientes, os
bons em termos de administração, de possibilidades, de criatividade, etc, vão em frente,
enquanto que aqueles que estão em dificuldade, etc, não vão. É a seleção das espécies.
Porque quem não conseguir acompanhar vai morrer na praia (um “darwinismo
empresarial”). É por isso que eu digo: essa história de privatização, não precisava
privatizar nada, bastava falar assim: as empresas do governo estão sujeitas à falência,
acabou, morreu o assunto. Mas deixar falir mesmo...
Gilson L. G.: Pois se elas produzem para o mercado, elas também têm que se integrar
às regras do mercado. Aqui a gente abre um parêntese para dizer que antes da
privatização da CSN, o aço fabricado por ela era vendido pelo preço de uma dúzia de
bananas. É um absurdo. Uma empresa estatal que existe em função do setor privado mas
não pode disputar, não pode concorrer com o setor privado. Ao passo que outras
empresas do governo e que também foram privatizadas conseguiam uma lucratividade
razoável se comparadas com as empresas privadas na época.
Klaus Sohler: E depois a questão é a seguinte: o governo é falido. Ele não tem dinheiro
prá botar na siderúrgica nacional. Não tem dinheiro prá botar na Petrobras. Não tem
dinheiro. (...) a Siderúrgica nunca pagou nada ao governo. Não pagava ICMS, não
pagava light, era um Deus nos acuda. A Light por sua vez não pagava não sei quem, a
outra também não. Corrigir isso aí foi um trabalho super violento. Agora, o grande
problema do Brasil é seriedade nas empresas. Empresa tem que ser empresa...
Gilson L. G.: Implantou-se uma cultura nas empresas estatais que foi a cultura do
cabide. Eram enormes cabides de emprego. Onde ninguém tinha compromisso com
nada...
Klaus Sohler: E era assim que começava o próprio político que também não tinha
compromisso com coisa nenhuma, podia endividar a vontade e que se dane... Fazia
trezentas mil obras das quais a metade pelo menos não tinha grande sentido. Então
quando chegava o outro, largava às vezes aquelas que não tinha sentido e aquelas que
tinha sentido só prá não dar nome ao outro. Isso é o fim a picada. Mas por que? Porque
o endividamento não refletia... A ponto de ser obrigado a engolir que fala: se você está
tomando conta, você é responsável. Se você der prejuízo, vai ter que repor, vai ter que
responder com seus bens. Só que por enquanto ainda está no faz de conta ainda e
renegocia prá mais duzentos anos, ...
Gilson L. G.: E vai prá justiça e tem todas as coberturas judiciais.
Klaus Sohler: O grande problema do Brasil é uma boa Lei de falências (a falta de). E
outra coisa: uma reciclagem, e aí eu acho que os Sindicatos poderiam fazer um grande
trabalho. Prá começar, é uma vergonha a proporção de sindicalizados. É uma vergonha.
O pessoal não se interessa em se sindicalizar. Por isso que a contribuição sindical tinha
que acabar. Tinha que haver um esforço em se conseguir associados. E esses associados,
uma vez associados,... mas devia haver possibilidade de juntar sindicatos, porque não
adianta sindicato pequeno feito esse aqui, outro pequeno ali,... É preciso que haja a
possibilidade de união dessas forças, ou que pudessem discutir em nível maior. É
exatamente essa postura, houve uma manifestação negativa dos sindicalistas quando eu
propus na Santa Rosa que o sujeito para entrar tinha que Ter curso fundamental. Aquilo
era o começo... Se você não força as pessoas a terem, a sentirem a importância da
atualização, é porque tá tudo errado. Um grave problema, as empresas também não
procuram ouvir o empregado. Eu me lembro: meu pai trabalhou 50 anos dentro de
indústria, ele começou com dezoito e morreu com oitenta e quatro, sempre trabalhando.
O Zezito me falava. O Zezito era técnico mecânico. Ele chamava o Zezito, ele estava lá
dentro do escritório e dizia: “Zezito, você está ouvindo alguma coisa? - Não! Zezito,
não tá ouvindo lá, naquele setor tem um barulho errado. Quer dizer, ele, dali ouvia e
sabia que tinha alguma coisa de manutenção numa máquina, num setor tal. Ele não
sabia qual era mas que tinha um troço errado, tinha. Agora você imagina: o
operário fica oito horas na frente de uma máquina e que não é ouvido e que não
É treinado para dizer: olha essa máquina vai quebrar. Vamos trocar esse rolamento... O
sujeito hoje tem um automóvel, o barulho do automóvel tá diferente ele sabe que vai dar
problema. Que vai pifar. E o que é que custa o operário ser instruído, ser preparado prá
que se interesse por aquilo, prá que a máquina dele produza o melhor possível. Enfim,
esse tipo de coisa que vão trazer vantagens para o empregado que também é ouvido,
passa a ser valorizado porque ele tem alguma coisa a acrescentar, está acrescentando e,
eu acredito que o resultado disso acabe sendo exatamente uma melhoria de nível e de
relacionamento patrão empregado a ponto de gerar uma divisão melhor... porque é
muito difícil dizer o que é lucro. Porque o sujeito tem um lucro, mas ele é obrigado a
tirar uma quantia muito grande daquele lucro para renovar máquinas, comprar máquinas
novas daqui a tanto tempo. Ele tem que Ter uma série de assuntos, prá reciclar seus
empregados para que eles acompanhem a evolução das máquinas novas. Enfim, todas
essas coisas que são custos e que têm que sair do lucro...
Gilson L. G.: Eu tenho acompanhado um pouco mais de perto o Sindicato dos
Metalúrgicos daqui da região, que continua ainda com uma base razoável, porque o
setor não foi tão atingido igual ao setor têxtil. Eu tenho acompanhado algumas
discussões que têm sido feitas junto à Thyssen Fundições e junto à MBP – Grupo
Metalúrgica Barra do Piraí, sediado também em Barra do Piraí. E uma das grandes
discussões que têm sido feitas lá hoje é a questão da formação e da qualificação
profissional. O Sindicato inclusive participa dessa discussão oferecendo propostas de
formação dos trabalhadores. A CUT hoje, e já é uma experiência de alguns anos
iniciada no ABC através da CNM – Confederação Nacional dos Metalúrgicos, que
desenvolveu um projeto, o Projeto Integrar. O Projeto Integrar faz a formação do Ensino
Fundamental e também trabalha a qualificação profissional dos trabalhadores.
Começou trabalhando isso com os setores desempregados depois ela amplia isso para os
setores que ela chama de “passíveis de desemprego”, quer dizer, todo mundo. Então ela
oferece isso para os trabalhadores...
Klaus Sohler: Existem os setores de risco que de uma hora prá outra podem acabar...
Gilson L. G.: Os bancários, por exemplo, com essa reorganização, foi um dos
setores que mais sofreu. Então isso vem sendo feito por alguns sindicatos...
Klaus Sohler: Você desculpe, mas há muito amadorismo nisso. O grande problema que
se tem no Brasil é... “Ah! Vou reciclar o fulano.” Sessenta dias recicla alguém? Tem
uma série de coisas... O governo tá soltando dinheiro prá ver se incentiva essa coisa...
Eu sou contra... Quer dizer, eu não sou contra, mas isso tem que Ter uma fiscalização e
uma filosofia que realmente ... porque está se desviando dinheiro prá tudo que é lado...
Gilson L. G.: É preciso que esses programas sejam frutos de um planejamento e que
haja demanda prá isso...
Klaus Sohler: O nosso povo está preparado prá se esforçar, prá melhorar? Esse é o
ponto. Você tem a demanda? O pessoal vai prá sala de aula convencido daquilo, não
vai. Então não uma,... a eficiência dessa aplicação é muito restrita. E quando você
emprega uma pessoa dessa você não tem como funcionar com ele. Você vê que ele não
aprendeu nada. São fantasias que se criam... era o caso aqui do CEPROVA. A fantasia
de que o CEPROVA aqui formava alguém. Eu me lembro, eu que negociei na época, o
Gerente do Banco do Brasil mandou que eu acompanhasse os belgas quando eles
vieram aqui, e eles queriam saber como seria, a situação de Valença, queriam saber se
tinha lazer aqui, (...), e a preocupação deles, e eles estavam todos satisfeitos porque
aqui tinha o CEPROVA. Mas eles pensavam que o CEPROVA fosse uma coisa séria,
compreende. E esse faz de conta é que não funciona. Sabe como é que funciona na
Alemanha as coisas? Por isso é que a Alemanha se reorganizou logo depois da guerra. É
claro que teve o dinheiro americano mas não é só o dinheiro. Era a mão – de – obra
preparada. Porque lá nenhum médico, nenhum engenheiro, ninguém é formado em
qualquer coisa sem Ter um curso nível básico. O ensino lá são nove anos de básico mais
dois anos de profissionalizante. (....) Então p médico, antes de ser médico, ele é
serralheiro, e na hora que precisa... Só que este serralheiro não é de faz de conta não. E
não é de faz de conta porque o aluno é encaminhado a uma serralheria e o chefe da
serralheria é o professor dele, que é, ao mesmo tempo quem lhe aplica as provas. Não
tem meu pé me dói, não. O cara tem que aprender. E depois, uma vez por semana, todos
os que estudam serralheria se reúnem para discutir os aspectos teóricos. Então você
imagina que nível de profissional você tem. (....) Eu acho que o movimento sindical
precisa partir prá isso aí. Lá, quem recicla é o Ministério do Trabalho. Você fica
desempregado e passa a ganhar 70% do seu salário por conta do Ministério do Trabalho.
Durante um ano. E você pode também ser matriculado num curso (...) e nesse meio
tempo o seu nome está lá. Você recebe uma proposta: “O, você tem um emprego em tal
lugar”, e esse lugar não precisa ser na cidade (...) e você é obrigado a aceitar o emprego,
senão eles te cortam. Então é assim que funciona a coisa lá. Esse tipo de coisa tinha que
se implantar devagarzinho. Claro que não se muda a cultura de uma hora prá outra.
Agora, a primeira coisa que se tem que fazer é colocar na cabeça que a melhor coisa que
existe num país é Ter muitos empresários. Porque empresário é aquele que vai gerar
emprego. Não é governo. Governo não faz gerar emprego, quem faz gerar emprego é
empresário. É a iniciativa privada, particular. E ele arrisca o dinheiro, o tempo, prá ver
se dá certo ou não. O risco é todo dele. E o governo é o sócio privilegiado. Porque o do
governo sai de qualquer jeito. E olha a quantidade de imposto que se é obrigado a pagar.
Então eu acho, que no nosso caso lá, foi uma experiência que precisa ser
assimilada. Não adianta ficar com a idéia de que pudesse Ter sido a causa de alguma
catástrofe, algum fechamento, não acho.
Gilson L. G.: É que a questão tem a ver com o senso comum da cidade. (...) A
população, por não ter acesso a outras fontes de informação, estabelece esse tipo de
relação. Mesmo que ela veja, por exemplo, que em outros setores onde já houve greves,
como é o caso dos bancos, onde esses movimentos são mais explícitos. Tivemos greve
agora nos bancos particulares, nos bancos estatais, e nem por isso os bancos fecham. A
CSN chegou a viver greves de um mês, nem por isso ela fechou. A gente sabe
perfeitamente, e conhece um pouco a cabeça do nosso empresário proprietário da Cia
Santa Rosa, um empresário antigo aqui na cidade, a empresa tem toda uma trajetória
que foi ascendente durante muito tempo. Uma empresa que foi criada lá no início do
século passado e que chega ao final do século, de certa forma, bem. Pelo menos até
onde a gente sabe, durante esse tempo não houve nenhum processo de degradação nesse
período todo.
Klaus Sohler: (....) Eu vejo entre os funcionários antigos um sentimento de ter
participado de uma coisa boa. (...) Essa relação de proximidade do empresário para com
seus funcionários ficou um pouco manchada, vamos dizer. Na realidade nós temos que
olhar friamente. Os tempos mudam. A posição do operário na época da inflação é uma
posição degradante porque você nunca sabe o que você tem. E realmente é complicado.
E essas coisas teriam que, fatalmente, um dia acontecer. É claro que prá quem tinha
uma relação, talvez até de “benfeitor”, isso se torne um pouco chocante. O fato é que é
um contexto histórico. O problema daquela greve é que ela foi uma afirmação válida
mas com uma pretensão que não tinha muito sentido aquela pretensão de mudar os
horários por causa das conseqüências que poderiam vir no futuro. Não naquele
momento, naquele momento era um grande negócio para a Santa Rosa. Foi isso que, na
época, a gente conversou na Direção, mas eu nunca conversei isso com o Dr. Júlio a
respeito disso não. Ele sempre tinha umas restrições, não queria que recebesse a fulana,
...
Gilson L. G.: É parte de uma cultura nossa. A partir do momento que ele começa a se
colocar com uma espécie de “benfeitor” da cidade, e se coloca, de certa forma num
pedestal, passando a olhar tudo dali do seu pedestal. “E qualquer coisa que venha a
mexer comigo, me deixa um pouco mal. Eu estou sendo questionado. E talvez até pelos
processos todos dos governos militares, e o nosso Sindicato dos Têxteis sempre teve
uma atuação extremamente omissa com relação a muitas coisas, evitando, inclusive,
discutir com os associados questões inerentes a eles. Em todos os anos em que eu
trabalhei nas fábricas têxteis de Valença, eu me lembro de um ou dois panfletinhos do
Sindicato falando sobre alguma coisa . Ou seja, a questão da informação, a
discussão com os operários sobre os seus direitos, as suas aspirações, os seus desejos,
isso também nunca foi fomentado...
Klaus Sohler: Nunca houve esse trabalho de entrosamento entre Sindicato e
sindicalizado. E por isso que a turma também não estava nem aí.
Gilson L. G.: Mas é preciso que se diga que nesse período inclusive a sindicalização era
obrigatória. Todos os trabalhadores eram sindicalizados. O número de trabalhadores
sindicalizados em Valença, em relação ao Sindicato dos Têxteis cai, em 90, quando há
uma revisão dos cálculos de pagamento das mensalidades dos associados. Antes todo
mundo pagava a mesma coisa. A contribuição tinha como base o salário mínimo e todos
pagavam a mesma contribuição. Depois a Direção do Sindicato achou por bem rever
isso e estabelecer uma outra forma, progressiva, de acordo com o que vinha sendo
praticado em outros Sindicatos, e isso trouxe um certo esvaziamento durante certo
tempo prá o Sindicato dos Têxteis.
Klaus Sohler: Talvez faltasse uma comunicação melhor, uma motivação, isso porque as
pessoas não podem pura e simplesmente serem levadas. A conseqüência é esse
alheamento. Eu sempre achei que havia uma defasagem, entre a comunicação e o
interesse dos trabalhadores e dos sindicalistas. Bem, eu espero ter contribuído para a
trabalho que está sendo feito e espero também que ele sirva para melhorar a concepção
das pessoas sobre aquele momento histórico e para dirimir dúvidas que porventura
ainda pairem sobre o episódio em questão.
Entrevista com o Sr. Ori Rodrigues, ex Diretor do Sindicato dos Trabalhadores na
Indústria de Fiação e Tecelagem de Valença – RJ. Foi Funcionário da Cia. de Fiação e
Tecidos Santa Rosa, tendo participado da greve dos Trabalhadores, objeto do presente
trabalho.
Entrevistador: O que eu quero ouvir do Sr. é o seguinte: qual a visão que o Sr tem no
seguinte sentido: o antes da greve e qual a consequência imediata que a greve ofereceu.
Porque hoje Valença tem essa idéia de que a Santa Rosa fechou por causa da greve. Eu
gostaria que o Sr contasse um pouco dessa história...
Sr. Ori: A maioria das pessoas hoje, quer dizer, a cidade de Valença, foi passado isso
prá eles, que devido ao Júlio Vito ser um grande empresário, que quem fechou a Santa
Rosa foi a CUT (Central Única dos Trabalhadores). Mas existe uma coisa aí que o
pessoal desconhece, ou seja, a negociação que o Sindicato teve, e inclusive tivemos no
Rio de Janeiro com a Classe Patronal, com os advogados da Classe Patronal das
Indústrias Têxteis de Valença. Eu era apenas um Diretor do Sindicato. E fomos lá, na
época do Paixão, (...) antes da CUT. Quando nós íamos discutir, levávamos as coisas na
Diplomacia, sem precisar alterar nada. Vamos tentar negociar com eles um melhor
salário. Melhores condições de trabalho para as fábricas. Só que, a partir daí, eu estava
vendo, estava parecendo uma outra coisa no Sindicato Têxtil na época do Paixão:
parecia que eles tinham muita convivência, ou seja, não tinha diferença entre o
Sindicato e o patrão. E você sabe que aí tem que Ter diferença: o Sindicato é o oposto
do que é o patrão. Ele luta por causa dos trabalhadores. E nesse caso aí, eles não
estavam assumindo a real função do Sindicato. Se for olhar bem, na época que seu
estava lá, a coisa era muito formal. “Vamos contar umas piadinhas, tomar um cafezinho,
comer um biscoitinho”, e a negociação ficava ... Nós tínhamos ido ao Rio naquela
época, por causa de cinco por cento de aumento de salário. Quando chegamos lá, nos
reunimos no salão grande do Sindicato Patronal, um troço luxuoso, e todo mundo
falava: “Não doutor, o Sr. vê aí o que pode fazer, estamos precisando desse aumento.
Os funcionários estão apertando a gente em Valença. Eles estão precisando disso ou
daquilo, atendam alguma reivindicação. Como se diz: façam isso prá gente ficar bem...”
E eu via essa coisas e fui o único opositor naquele dia. Estavam o Dr. Darnlei, advogado
do Sindicato, o Paixão, o Adilson, Diretores do Sindicato, estava também a Maria
Antônia, e mais alguém que não me lembro. (...) Parecia que tínhamos ido lá prá nada.
”Se der bem, se não der, amém”. Eu pedia licença a eles e falei: “Eu sei que vocês
são advogados formados prá defender a Classe Patronal. Mas nós não viemos de
Valença aqui simplesmente prá tomar cafezinho e contra piada. (...) Eu não vim de
Valença, me sujeitando a entrar dentro de uma Kombi, prá vir aqui discutir cinco por
cento do salário e ficar ouvindo piadinhas, comendo biscoitinhos ... Nossa cidade é
considerada rica, é cidade universitária, é cidade padrão do Estado do Rio, nós temos as
indústrias têxteis trabalhando lá, precisamos resolver os problemas dos nossos
funcionários, e queríamos que vocês cedessem esses cinco por cento. Por que a nossa
cidade têm oferecido muito prá vocês aqui “de baixo” mas para o povo de Valença não
está oferecendo nada. Porque quando se trata de discutir cinco por cento para uma
Classe que tem quatro mil empregados, vocês estão relutando e falando um monte de
besteiras. E se vocês vão autorizar esse aumento, muito bem. Se não vão, não temos
mais o que discutir com os Srs. Eu vou levantar e vou sair (...) O Paixão e o DR. Darnlei
ficaram ofendidos comigo (...) Os empresários não deram os 5%. Viemos embora e as
coisas continuaram: o Sindicato comendo na mão dos patrões e eles empurrando com a
barriga. Eles sempre me chamavam para as reuniões que faziam com os patrões e eu
falava a verdade que tinha que ser dita mas em tom não agressivo. (...) E eles criaram a
Santa Rosa Máquinas, sobre a qual havia uma grande expectativa (...) e durante um
tempo foi realmente muito bom trabalhar lá. Mas aí começara a surgir problemas de
salários. Eles queriam reajustar os salários dos metalúrgicos pelos mesmos índices que
os têxteis. Queriam que os salários fiassem equiparados a Santa Rosa Têxtil. E nós,
como éramos uma fábrica independente, queríamos o aumento acompanhando os
metalúrgicos da região. (...) Havia alguns Companheiros em nosso meio ligados à CUT
e ela influenciava (...) E isso abriu caminho para que a greve acontecesse. Um dia o
Batista (que era o Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos) me encontrou e pediu que
o levasse até a casa do Paixão. Ele se identificou e fui com ele, o que fez, inclusive, o
Paixão ficar com uma “diferença” comigo, pois ele achava que eu não poderia Ter
indicado sua casa ao Batista. (...) Depois do período de greve ficou uma coisa chata, um
clima pesado, pessoas que estavam querendo quebrar tudo..., e eu era o único Diretor do
Sindicato Têxtil que participava da greve. Dentro da greve começou uma negociação e
dentro desse processo o empresário falou: “eu posso ficar pobre, mas quando eu estiver
pobre vocês já serão mendigos há muito tempo”. Hoje, vendo a linha dos
acontecimentos, todo mundo ainda culpa a CUT. A CUT não fechou a fábrica. Prova
disso é que, se a CUT tivesse fechado a Santa Rosa, também teria sido fechada a
Ferreira Guimarães, a Chueke, a Fábrica de Rendas, e outras indústrias têxteis que
existiam por aqui. A Santa Rosa fechou porque ele (o Júlio Vito) não cedia. (...) Num
determinado período, o empresário mandou encher seus depósitos de algodão e depois
pediu concordata. Aí eu pergunto: quem que fechou a Santa Rosa? Quem foi o
irresponsável? O que significa uma concordata? Concordata é você estar falindo, não ter
como pegar matéria prima e sem ter recurso... Quem acabou com as fábricas foi a
incompetência de um patrão confiando em certos funcionários incompetentes, (...),
havia também muito desperdício que não era controlado por esses funcionários. A CUT
quando chegou em Valença chegou com um tom agressivo e eu muitas das vezes
chamei o Batista e disse: “Olha Batista, se vocês não mudarem o sistema, que vocês
estão conduzindo essa greve, eu estou saindo fora. Porque eu estou vendo, no meio dos
grevistas litros e mais litros de cachaça. As pessoas não estão sendo sóbrias para
conduzir a greve. E você, enquanto Presidente da CUT tem que dizer prá eles que não
quer bebida no meio dos grevistas”. Tentamos encaminhar as coisas com diplomacia
mas muitas vezes a Santa Rosa não aceitou essa diplomacia. Nas vezes que
conseguíamos negociar, sempre faltava alguém com a cabeça fria... Até hoje a chefia a
Santa Rosa me trata bem porque eu sempre soube lhes respeitar. Se saiu alguém ferido
dessa história, esse alguém foi o Paixão. Aliás, o Paixão não me aceitava dentro
Sindicato porque sempre deixei claras as minhas posições. Eu inclusive dizia prá ele,
quando me convidou para sua chapa, que ao me colocar no Sindicato ele estava
arrumando uma pedra para o próprio sapato pois eu não aceitaria certas coisas que via lá
não.... O Paixão morava numa casa da Ferreira Guimarães, tinha todas as vantagens que
os patrões davam a ele, eu não posso provar, mas, de repente, ele tinha até salário pago
pelos patrões para empurrar com a barriga os funcionários. Era uma coisa muito
estranha...
Entrevistador: E fica muito clara essa relação dele por algo que consta na ata de uma
Assembléia realizada no mesmo dia em que se inicia a greve. Ele diz que a greve não é
responsabilidade dele, deixando isso muito claro. Tirando o corpo fora...
Ori: Porque se ele fosse realmente o Presidente do Sindicatos dos funcionários têxteis,
o que iria acontecer? Ele iria dizer (para o Batista): Olha, você pode ser o Presidente da
CUT. Nós vamos sentar e juntos vamos resolver essa parada. Mas isso só se ele não
fosse conivente com a Classe patronal.
Entrevistador: Porque nos documentos que o Sindicato possui fica muito claro isso.
Em nenhum momento ele participa da greve. Mantém-se à distância. Segundo o Gilson,
o Sr. foi o único Diretor sindical que ficou os dez dias da greve.
Ori: Isso. Mas eu estava a favor da greve. Passei um “perrengue danado”, mas
permaneci ao lado dos funcionários. Porque eu tinha ido ao Rio e visto claramente que
eles estavam comendo na mão dos patrões... Eu não aceitava aquilo... Pois se eu
aceitasse aquilo eu estava traindo os meus colegas, os companheiros da minha classe....
Eles (Paixão e os demais membros da Diretoria do Sindicato) chegavam a fazer
reuniões sem a minha presença quando iam tratar de assuntos do interesse deles, me
jogando prá escanteio... E se alguém quiser provar prá mim que a Santa Rosa fechou por
causa da CUT, vai dormir, não existe nenhuma prova disso...
Entrevistador: Uma outra coisa que eu percebi é que o Júlio Vito abria, naquele
momento, uma outra fábrica em Minas, em Montes Claros, me parece...e pelo que me
consta, era uma fábrica de fios, uma fiação.
Ori: Era uma fábrica de fios que iria também produzir barbantes, qualquer coisa assim.
E o que aconteceu nessa fábrica? É mais uma prova de que a Santa Rosa não fechou por
causa da CUT. Ele (Júlio Vito) pegou todos os recursos que ele tinha disponível aqui e
enfiou lá em Montes Claros, uma cidade longínqua daqui da nossa área, comprou
galpão, ficou aquela coisa lá que nunca funcionou... Ele não dava os cinco por cento prá
nós mas pegava o seu recurso e enfiava lá no estado de Minas, tudo bem que os recursos
eram dele, mas ele fez a sua riqueza aqui... Essa família Guimarães Mourão tirou sua
riqueza daqui de Valença... Na Santa Rosa Máquinas nós fizemos umas cinco balsas
curral... É uma balsa feita com tambores de óleo de máquinas de Central do Brasil. Prá
você Ter idéia, dois tambores daqueles encostados um no outro, fecha a rua. E eles
usavam mais ou menos, dez ou doze tambores daqueles. E a gente fazia aquele troço, ia
soldando um no outro, soldando um no outro, e quando ia carregar aquilo, tinha que
levar numa carreta. E não era uma só não. Era duas, três carretas prá carregar aquilo. Já
saiam daqui pré moldadas. Quando chegava lá na beira do rio, porque eram balsas prá
carregar boiada. Tinha só cabina, motor e aquele monte de boi ali em cima. Fizeram
umas cinco ou seis. Fizemos na Santa Rosa tudo prá onde? Para o Pará. Onde era a
fazenda dele. Ele tem tanto gado lá que a vista dele não alcança. Boi já virou
selvagem no meio do mato... Nós não ficamos pobres porque não somos burros... Não
recebi um tostão de ninguém, nem de Sindicato nem de ninguém para amaciar nada,
pois se fizesse estaria sendo corrupto.
Entrevistador: Os teares da empresa no período da greve, eram antigos?
Ori: Eram todos “Picañol” ultrapassados. Prá se ter uma idéia, a sua equipe de chefes
era incompetente, a ponto de amarrarem peças de tear com arame... Não compravam
peças como deveriam...
Entrevistador: Eu também descobri que a qualidade do jeans piorava por conta dessas
coisas...
Ori: Quando eles abriram a concordata, ficando dois anos sem pagar nada, ficaram sem
crédito na praça. Isso inclusive trouxe problemas ao abastecimento de matérias
primas.... Não tenho raiva ou rancor... Algumas vezes o Júlio Vito agiu de forma
arbitrária contra os funcionários que o ajudaram a enriquecer.
Entrevistador: Logo após a greve ele demite funcionários?
Ori: Logo depois ele começou a demitir. Passou a greve nada se resolveu, começou a
demitir: mandava dez, cinco, vinte... Até que nessa época eu “tirei meu time de campo”.
Eles demitiram um colega meu que precisava mais. Pois aqui fora eu me virava:
trabalhava de garçom, com a pastelaria, eu então abri mão do meu emprego, da
estabilidade sindical, para que o companheiro fosse mantido na empresa. Bati uma carta
abrindo mão da imunidade que ainda possuía, eles me pagaram o que eu tinha direito e
eu saí numa boa. Sem tumulto nenhum...
Entrevistador: Há um episódio em que o empresário puxa uma arma para um Diretor
do Sindicato...
Ori: É. Ele saiu dando pontapé no Batista. Ele pegou o Batista na porta da fábrica de
socos e pontapés, sendo que o Batista não podia revidar sob pena de perder a razão.
Algumas pessoas que andavam em volta do Júlio Vito se doíam por ele e um
desses que trabalhava como segurança foi quem puxou a arma. O Dr. Lourenço
Capobianco, no meio da greve, quis saber o que estava acontecendo, e nós falamos prá
ele. Ele então, se dizendo muito amigo do Júlio Vito, disse que o procuraria para
resolver o problema. Algumas pessoas que o ouviram dizer ser amigo do empresário
queriam “meter a mão” na cara dele. Eu tirei ele dali e expliquei o que estava ocorrendo.
Ele começou a chorar não entendendo aquilo e não aceitando que o “seu amigo” era o
estopim daquele movimento por não atender a reivindicação dos trabalhadores... Disse-
lhe ainda que. Se ele realmente tivesse alguma influência junto ao empresário, que
solicitasse a resolução do problema mas que não permanecesse junto aos operários
porque estes poderiam interpretar de outra forma sua presença, podendo, até mesmo,
agredí-lo.
Entrevistador: E depois, o Júlio Vito cede?
Ori: Ele fez algumas coisas. Mas eu acho que ele nem condições de tocar a fábrica
tinha. Ele ficou tão desacreditado dentro da fábrica que só chegava lá nervoso, se tivesse
que dar esporro, não escolhia hora nem lugar, não tinha nenhuma ética... Diziam
algumas pessoas que o problema do Dr. Júlio é que o pai dele não lhe deu umas boas
correadas nas pernas quando era menino prá deixar de ser turrão... Valença perdeu com
o fechamento da Santa Rosa. Mas isso é o que eu lembro e posso afirmar por Ter
participado.
Entrevistador: E com relação a possibilidade de redução de jornada de trabalho que se
colocava naquela época?
Ori: Havia isso sim. Mas muitas das propostas pelas quais o Sindicato lutava lá, hoje já
estão superadas como conseqüência das lutas. Agora, Valença perdeu. Não por causa de
CUT ou de Sindicato, mas por causa de má administração... e também por culpa das
autoridades do município, que desde a chegada ao poder do Fernando Graça, Luiz
Antônio, Graciosa, etc, Valença esvaziou economicamente, quase que se acabando.
Veja por exemplo, o episódio do fechamento da Chueke. Ela não tinha dívidas, tinha
mercado, os donos fecharam e o Prefeito na época nem se mexeu.
UMA NOVA FASE NO MOVIMENTO SINDICAL EM VALENÇA
A greve da Santa Rosa Máquinas, e posteriormente com a participação dos
trabalhadores na indústria têxteis, representou uma nova fase no movimento sindical
em Valença, até então, precedido por uma prática de acomodação com o patronal, o que
caracterizamos como uma postura peleguista, e que era uma prática de anos e mais
anos, no movimento sindical.
A greve articulada em fins de novembro e término em princípios de dezembro de 1.988,
foi iniciada pelos metalúrgicos da Santa Rosa Máquinas que buscavam ajustar seus
salários e acomodar a jornada de trabalho dentro de um entendimento que não
encontrava ressonância junto a direção da empresa, que se mostrava irredutível a
qualquer tipo de negociação.
O Sindicato dos Metalúrgicos de Barra do Pirai, negociador dessas ações viu fortalecido
o movimento com a entrada dos trabalhadores têxteis, que por sua vez na luta por
melhores condições de trabalho, reforçaram o movimento grevista.
A greve, independente dos metalúrgicos e dos têxteis, encontrou apoio junto a outros
segmentos da sociedade e do próprio movimento sindical, com a participação do
Sindicato da Construção Civil de Volta Redonda e do Sindicato dos Engenheiros de
Volta Redonda. Na essência o que queremos caracterizar é que a greve de 1.988, trouxe
uma nova consciência para o trabalhador e foi, aquele momento, da maior importância
pois, os trabalhadores na indústria têxtil em agosto de 1989, elegeram uma nova direção
para o Sindicato dos Trabalhadores na Ind. de Fiação e Tecelagem de Valença, direção
esta com a ideologia da classe operária, estando à frente a operária Lucilia Ferreira da
Silva, a Baiana, que imprimiu um outro ritmo ao movimento sindical.
A partir de 1.989, foi uma fase de crescimento do movimento sindical em Valença,
cujas reivindicações ficaram registradas não só na memória do movimento como na de
todos aqueles que sempre estiveram à frente dessas lutas. – Fins de novembro e
principio de dezembro de 1988, realmente marcaram o movimento sindical em Valença.
Valença, 08/11/2004
Ney Fernandes
Entrevista com o Sr. Valmir Braga, ex presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de
Barra do Piraí e Valença, que teve uma participação destacada na greve de 1988 nas
fábricas do grupo Santa Rosa.
Valmir Braga: Primeiramente eu gostaria de lembrar que nesse período nós estávamos
assumindo o Sindicato, era o primeiro ano de mandato nosso e nós também não
tínhamos muita experiência com relação ao movimento de greve. Mas eu me lembro
que a gente tinha um debate sobre a redução de jornada, o qual culminou, com os
trabalhadores da Santa Rosa Máquinas (SRM) resolvendo paralisar suas atividades. E
no segundo dia a gente se deparou com as Companheiras têxteis, que também sofriam
muita exploração, tinham dificuldades no seu relacionamento (com o empresário) e a
partir daí a gente acabou fazendo uma greve dos metalúrgicos e também dos
Companheiros têxteis. Uma greve, prá nós, muito difícil, porque Valença é uma cidade
muito conservadora, uma cidade onde os atores sociais quase não tinham organização,
mas uma greve que mostrou prá nós que naquele momento estávamos certos. Que havia
necessidade de estarmos na luta pelos trabalhadores. Um fato importante que eu me
lembro dessa greve, foi num momento em que, numa passeata, num Domingo, quando a
gente estava com o Companheiro Baianinho, que hoje é Vereador em Barra Mansa, que
na época era Diretor da CUT Regional, e a gente fazia uma passeata pela cidade,
tentando sensibilizar toda a cidade com relação a situação dos trabalhadores e
principalmente, tentando sensibilizar o poder executivo e o legislativo, sendo que
nenhum deles participou ou deu apoio, sequer ouviu o Sindicato naquele momento. E
nós passávamos em frente à Câmara de Vereadores e o Prefeito na época, não lembro
bem o nome dele, estava inaugurando um busto. A gente passava em passeata...
Gilson Luiz Gabriel: O Prefeito na época era o cara que hoje é o Presidente do
Tribunal de Contas do Estado, Sr. José Graciosa.
Valmir Braga: E a gente passou em frente. Ele inaugurava um busto, e as pessoas
ligadas à PMV pediram que a gente não fizesse muito barulho, não tumultuasse muito.
Eu lembro que o Companheiro Baianinho falou com os organizadores que iríamos
passar pacificamente, sem fazer barulho e quando chegamos em frente, ele pediu para
aumentar o som e com algumas palavras de ordem, dizia que era lamentável que,
enquanto os trabalhadores passavam por dificuldades, tanto os metalúrgicos
quanto os têxteis, e o prefeito nem dava a mínima. Estava ali inaugurando um busto.
Aquele foi um momento interessante pois espalhou todo mundo, acabou atrapalhando
um pouco a inauguração, porque o que a gente queria, de fato, era sensibilizar ...
G L G: Mas que revelou as posições naquele momento na cidade. Do lado dos
trabalhadores quem é que estavam. O poder público queria mais é que os trabalhadores
se lascassem e continuassem submetidos àquele processo de exploração sob o qual
viviam e se posicionava claramente ao lado do empresário quando se omitia em apoiar
os trabalhadores.
Valmir Braga: Durante muitos anos nós acabamos levando, por parte da sociedade, e
no decorrer da greve, algumas insinuações. De que o Sindicato estava interessado em
fechar a empresa, sendo que, no momento, a gente só queria a redução de jornada e
consequentemente estar gerando mais emprego. Pois nós entendíamos que, naquele
momento, a redução de jornada iria ajudar os trabalhadores gerando mais vagas, ao
invés de ficar trabalhando horas excessivas. Quanto a situação dos têxteis, a gente ficou
assim um pouco preocupado. Mas uma coisa ficou clara: por ser a categoria maior, a
empresa que tinha maior número de funcionários na época era a Cia de Fiação e Tecidos
Santa Rosa, eles acabaram absorvendo como lideranças mulheres naquele momento. O
presidente do Sindicato à época, o Paixão, sequer quis participar das negociações,
sequer foi ou apoiou a posição dos trabalhadores. E nós tivemos que montar Comissão,
tivemos que discutir, e o Sindicato dos Têxteis sequer se pronunciou. E a partir daí a
gente começou a perceber o quanto foi importante ao longo dos anos essa situação da
greve em Valença. O que eu vejo é que foi um momento novo, principalmente prá mim,
Diretor do Sindicato num primeiro mandato, entramos para o Sindicato em maio de 88 e
fizemos a greve em novembro. Então praticamente a experiência, ou a visão que nós
tínhamos, talvez naquele momento, era a visão mais acertada. Eu não sei como seria
uma análise hoje caso pudéssemos voltar. Mas naquele momento foi a visão mais
acertada. E após a greve a gente percebeu que resultou em pontos positivos.
Principalmente no setor têxtil. Porque o Setor Têxtil tinha um sindicato que não tinha
compromisso nenhum com os trabalhadores e a partir dali nós começamos a integrar
alguns companheiros na CIPA prá poder garantir sua estabilidade, e a partir daí nós
criamos uma Oposição Sindical. E que logo em seguida, em 89, nós apoiamos e ela
foi eleita no setor têxtil.
Nós também temos que lembrar que o fato das empresas terem fechado não tem nada a
ver com a greve. Sabemos que no início do Governo Collor se fez uma abertura
desenfreada de mercado onde o setor têxtil foi o mais prejudicado. O que veio fazer com
que o setor têxtil, não só em Valença, mas no Brasil, juntamente com o de calçados,
vivesse grandes problemas. Desemprego, problemas com relação ao fechamento de
fábricas. Porque essa abertura de mercado possibilitou a entrada de mercadorias a um
custo muito barato, e com isso os setores têxtil e de calçados foram muito prejudicados.
Nós temos clareza que a greve em si não teve participação no processo de fechamento
da empresa. O fechamento da empresa se deu por outros motivos, por conseqüência da
própria política econômica do governo, e pelo que a gente percebe, pela própria
administração da empresa.
G L G: Enquanto Diretores do Sindicato dos Metalúrgicos vocês tinham alguma
informação sobre a situação da empresa naquele momento? O Grupo Santa Rosa tinha
um setor que era o têxtil, majoritário, e esse setor depois foi subdividido no ramo
metalúrgico. O que era antes uma oficina mecânica de manutenção do setor têxtil
transformou-se numa empresa metalúrgica que foi o que colocou esse Sindicato em
relação com aqueles trabalhadores. Vocês tinham alguma informação sobre a situação
da empresa, ou do Grupo Santa Rosa em geral? Sobre a sua situação econômico
financeira, se ela passava por um bom momento ou não, se essa greve poderia trazer
algum reflexo positivo ou negativo prá economia da empresa? Vocês tinham alguma
informação desse gênero?
Valmir Braga: É preciso ressaltar que, além de termos assumido o Sindicato naquele
ano (1988), tínhamos grandes dificuldades nessa área. As empresas até diziam que
estavam com problemas mas não tinham transparência ou democraticamente se abriam
para fazermos esse debate. Então isso dificultava muito. Nós realmente não tínhamos
informação do quadro da empresa, da sua estrutura, de seus fornecedores, do campo de
mercado, ou como estava de fato a sua situação. Ou porque fazer, por exemplo, porque
ela pegou sua oficina de manutenção e transformou numa metalúrgica? Quais eram suas
perspectivas, qual a visão que ela tinha sendo metalúrgica, para o seu rendimento?
Porque na verdade quando ele muda prá metalúrgica ele está pensando num rendimento
maior. Ele não está pensando somente na manutenção, ele está pensando num outro
ramo de atividade onde ele poderia obter muito mais lucros. Mas na verdade as
informações não chegavam até a gente. E essa tem sido uma das dificuldades do
Sindicato. Não só naquele momento como hoje também. A gente tem algumas empresas
que na verdade não conseguem fazer esse debate transparente. Ou seja, prá você obter
essas informações é preciso primeiro se Ter um diálogo permanente com a empresa, é
preciso Ter confiança entre as partes e é preciso estabelecer uma forma de transparência
nas relações capital/trabalho. Porque nós éramos vistos como trabalhadores
anarquistas, baderneiros, que não queríamos fazer essa discussão. Que queríamos só
reivindicar. O que na verdade não era isso. O Sindicato tem um papel também
propositivo. Naquele momento a nossa proposta de redução (de jornada) atendia a esse
caráter. A gente defendia a redução da jornada mas a empresa não abriu prá gente qual
era a sua real situação. Porque com certeza, se ela faz isso, a gente poderia fazer uma
avaliação se iríamos ou não continuar a greve. Com os dados na mão nós poderíamos
fazer essa discussão. Não tinha, de fato, essas informações. (....) Tivemos alguns
momentos difíceis como por exemplo o próprio Julio Vito ameaçando o Presidente do
Sindicato, que resultou numa queixa crime na Delegacia, (depois da greve). Afirmo
novamente: nós acertamos. Foi a minha primeira experiência em greves. Na época eu
era Diretor Suplente, não estava de fato à frente das discussões, das negociações, mas
acompanhava o movimento. Acompanhava as Assembléias, as passeatas, e às vezes não
fazia uso da palavra nas Assembléias. Mas estava ali, acompanhando a situação. (...) Foi
um momento muito tenso. Eu acho que essa tensão se deu até pela própria cidade que
nunca esperava que um dia a gente fosse Ter um movimento que mexesse com toda a
estrutura conservadora daquela cidade, como eu disse, o poder executivo, o legislativo,
os empresários, as pessoas que estavam ali achando que a sua relação com o trabalhador
era uma relação onde todos eram “amigos”, onde as pessoas estavam fazendo favor
gerando emprego, mas que na verdade era uma relação de exploração de fato. Havia
uma exploração muito grande no setor têxtil e no setor metalúrgico.
G L G: (...) Você participou de alguma reunião de negociação anterior à greve? Você
tem alguma informação sobre essas reuniões, sobre os argumentos que a empresa usava
para negar o estabelecimento do horário que estava sendo pleiteado?
Valmir Braga: Não. Não tinha conhecimento porque isso era feito por uma
Comissão (...) Minha participação era mais junto aos trabalhadores, as Assembléias,
passeatas,...
G L G: Mas o Sindicato dos Metalúrgicos teve uma participação decisiva no processo
de formação da Oposição Sindical que ganha as eleições realizadas em 1989. Uma
eleição inclusive bastante marcante em Valença porque nunca havia ocorrido uma
eleição no Sindicato que mobilizasse tanta gente, tantos recursos, tanto material
humano, tantas correntes políticas, divergentes até, e depois, com essa nova Direção
eleita, próxima à CUT, vocês continuam apoiando. Dessa relação tem alguma coisa que
você queira destacar?
Valmir Braga: Naquele momento a gente vive num processo de muitas oposições
sindicais em todo o Brasil. A CUT naquele momento tinha um trabalho estratégico de
garantir as oposições em todos os Sindicatos, independente de Categoria que a gente
estivesse organizando. (...) Naquela época tínhamos uma CUT regional e havia uma
proposta de fortalecimento da luta de classes naquele período. O objetivo era espalhar as
oposições sindicais prá poder melhorar não só a CUT mas também dar uma nova cara
para o Brasil, inclusive a nossa região. O único Sindicato representativo que tínhamos
na região era o dos Metalúrgicos de Volta Redonda. Tivemos apoio deles e depois
fomos para Valença. Começou a se espalhar um movimento de oposições sindicais para
trazer essas oposições para o campo da CUT. A CUT Sul Fluminense teve um papel
fundamental prá gente organizar. E já era objetivo nosso pois na greve ficou muito claro
que o presidente do Sindicato não tinha nenhum compromisso com os Trabalhadores. E
nós, sob a bandeira da CUT, defendíamos que o Diretor de Sindicato tivesse autonomia,
liberdade, para defender os direitos dos trabalhadores. E aquela greve despertou
algumas lideranças. As mulheres foram as que mais se destacaram. E essas lideranças,
caso não participassem da chapa, ficariam desempregadas. Era a possibilidade de se
montar uma estrutura num Sindicato que abrangia várias empresas com a perspectiva de
ser um Sindicato forte. Vivíamos um momento de grande número de oposições
sindicais. E da mesma forma como recebemos apoio nos sentíamos na responsabilidade
de também apoiar a oposição dos têxteis.
G L G: Era uma política da CUT como um todo ou tinha a ver com alguma
corrente interna com a qual vocês tivessem alguma afinidade?
Valmir Braga: Era uma política da CUT como um todo. Apesar das divergências
internas, naquele período a CUT tinha uma política que não acontece hoje. Onde
houvesse uma oposição cutista todas as correntes estavam juntas prá fazer a campanha e
defender o direito dos trabalhadores. Não era a política de uma corrente. Era a política
da Central.
G L G: Quer acrescentar mais alguma coisa?
Valmir Braga: Eu espero ter contribuído com esse trabalho, e dizer que a gente precisa,
de fato desse trabalho, pois é objetivo nosso, antes de deixarmos esse Sindicato já que
não ficaremos aqui prá sempre, resgatar nossa memória, nossa história, para o nosso
Sindicato.
Ata de instalação do Sindicato Têxtil de
Valença
Aos quinze dias do mês de Maio de mil novecentos e trinta e dois, nesta cidade
de Valença: Estado do Rio de Janeiro, a Rua Dona Anna Jannussi (sic), 376, reunidos
trinta e cinco (35) trabalhadores representando grande parte da classe de empregados em
Fábrica de Tecidos, o Snr. Claudemiro de Oliveira Mello, convida os presentes a
designarem um presidente para dirigir os trabalhos da Reunião, sendo chamado o Snr.
Manoel do Nascimento, que convida para constituir a mesa os Snrs. Job Nascimento e
Jorge Toledo.
O Snr. Manoel Nascimento comunica aos presentes o fim da reunião e
mostrando as vantagens que decorreram (sic) para a classe com a sua organização em
Sindicato, de acordo com o Decreto numero 19770, de 19 de março de 1931, propões
seja considerado installado o Sindicato Têxtil de Valença sendo a sua proposta
unanimemente aprovada. Em seguida procede-se a apreciação dos Estatutos sendo os
mesmos aprovados, artigos por artigos (sic). Nada mais havendo a tratar e nenhum dos
presentes querendo fazer uso da palavra, o Snr. Presidente dá por encerrada a secção
(sic) e eu, Job do Nascimento, servindo de secretário, lavrei a presente acta, que vai por
mim datada e assignada.
Valença, 15 de Maio de 1932
Job do Nascimento 1º Secretário
ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA REALIZADA NA SEDE DO
SINDICATO DOS TRABALHADORES NA INDÚSTRIA DE FIAÇÃO E
TECELAGEM DE VALENÇA, NO DIA 20 DE NOVEMBRO DE 1988, NA SEDE
SOCIAL, CONFORME EDITAL DE CONVOCAÇÃO, COM OS
TRABALHADORES DA CIA. DE FIAÇÃO E TECIDOS SANTA ROSA A FIM DE
DELIBERAREM SOBRE A SEGUINTE ORDEM DO DIA: ATENDIMENTO DAS
PRETENSÕES DOS EMPREGADOS QUANTO À JORNADA DE TRABALHO
CONFORME JÁ PLEITEADO JUNTO À EMPRESA OU GREVE.
Aos vinte dias do mês de novembro de
mil novecentos e oitenta e oito, às oito e trinta horas, em sua sede social, instalou-se em
Segunda convocação, com a presença de 10 (cento e vinte) trabalhadores da Cia. de
Fiação e Tecidos Santa Rosa, a Assembléia Geral Extraordinária do Sindicato dos
Trabalhadores na Indústria de Fiação e Tecelagem de Valença, por Edital enviado pelo
ofício 84/88 para se afixar nos quadros de aviso da Cia., convites individuais e
programas colados em pontos estratégicos nas imediações das unidades 1, 2 e 3 da Cia.,
a fim de deliberarem sobre o seguinte: Atendimento das pretensões dos empregados
quanto à jornada de trabalho conforme já pleiteado junto à empresa ou greve. A
instalação foi procedida pelo Sr. Carlos Alberto Paixão Pereira, Presidente do Sindicato
dos Trabalhadores, que depois de explicar o plenário que o Sindicato já teria feito a
pedido dos Companheiros da Cia. de Fiação e Tecidos Santa Rosa, contato com a
Direção da Fábrica, inclusive com uma Comissão especialmente tirada da Assembléia
para tratar do assunto, e que após várias tentativas não foi possível entrarmos em
entendimento pois a Diretoria da Empresa se colocou irredutível quanto ao atendimento.
O Sr. Presidente, consternado, fez ver aos companheiros presentes que somente cento e
vinte companheiros das três unidades de um total de quase mil estava dispostos, mas
que o número de companheiros presentes não representava nem 1/3 dos companheiros e
seria difícil parar toda a Cia (unidades 1, 2 e 3) como também não estava satisfazendo o
que a Lei de greve determina. O Senhor Presidente comentou ainda que o Sindicato não
iria esfriar o movimento pelo fato da empresa implantar o sistema de horário de
trabalho, muito pelo contrário, iríamos continuar através da esfera judicial e também
pelo Ministério do Trabalho. Em seguida o Sr. Presidente explanou que por falta de
QUORUM não seria possível decidir o que estava determinado na Ordem do Dia.
Alguns Companheiros do Plenário se exaltaram no sentido de que os próprios Colegas
de trabalho não atenderam o chamamento do Sindicato. Tratando-se de Assembléia
Geral Extraordinária e tendo sido cumprida a Ordem do Dia, nada mais foi discutido ou
deliberado, encerrando-se os trabalhos às 10:00 (dez) horas, tendo sido lavrada esta ata
por mim, Secretário do Sindicato, que assino juntamente com o Sr. Presidente, depois
de lida e aprovada.
Valença, 20 de novembro de 1988.
Adilson Pereira dos Santos – Diretor Secretário
Carlos Alberto Paixão Pereira – Diretor Presidente
ATA DA ASSEMBLÉIA GERAL ORDINÁRIA DO SINDICATO DOS
TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS DE FIAÇÃO E TECELAGEM DE
VALENÇA, CONFORME EDITAL PUBLICADO NO JORNAL “VOZ DE
VALENÇA” E AFIXADO NOS LOCAIS DE TRABALHO PARA DELIBERAREM
SOBRE A VOTAÇÃO DO BALANÇO FINANCEIRO DE 1987 E PREVISÃO
ORÇAMENTÁRIA PARA O EXERCÍCIO DE 1988.
Aos trinta dias do mês de novembro de
mil novecentos e oitenta e oito na sede social do Sindicato dos Trabalhadores na
Indústria de Fiação e Tecelagem de Valença sita a Travessa Fonseca nº 112 em Segunda
convocação às 19:00 horas foi dado início aos trabalhos conforme Edital de Convocação
publicado no Jornal “A Voz de Valença” e afixado nos locais de trabalho. O Presidente
pediu ao Secretário que fizesse a leitura do Edital de Convocação. Após a leitura
comentou aos companheiros presentes que não adiantava esperar para ver se chegava
mais alguns companheiros, pois como a Santa Rosa estava em movimento de greve,
achávamos que ficaria difícil a presença dos mesmos. Ressaltou ainda que o movimento
para a greve não tinha sido iniciado pela Diretoria do Sindicato. Sendo assim,
poderíamos iniciar a referida Assembléia apesar de termos poucos companheiros no
plenário. Esclareceu ainda que por este fato deveríamos fazer o processo de votação
pela aprovação de todos os itens da ordem do dia já que com poucas pessoas no plenário
ficava bem mais fácil esclarecer qualquer dúvida seja do Relatório da Diretoria seja do
Balanço Financeiro referente ao exercício de 1987, ou da Previsão Orçamentária de
1989. Para ficar mais fácil foi solicitado pelo Presidente que fizesse a leitura de todos
os itens do Ordem do Dia em sua íntegra, a qual foi lida sem restrições, inclusive a
Previsão Orçamentária para o exercício de 1989 que previu uma receita de CZ$
7.880.000,00 contra uma despesa de CZ$ 7.738.000,00. Superávit previsto de CZ$
142.000,00. Antes de passar para o processo de votação o Presidente pediu a Maria
Vilma A Leite que fizesse os trabalhos. Assumindo os trabalhos verificou se todo o
material para a votação estava de acordo. Foi então pelo livro de presença foi feita a
chamada até que o último votasse. Foi apurado de que todos haviam votado com a
cédula sim ou seja, pela aprovação de todos os itens unanimemente. Passando ao item
assuntos gerais esclareceu o Sr. Presidente que ele estava muito desolado com os
Companheiros das Fábricas, pois a taxa de Dissídio solicitada em Assembléia com
determinação para o término da quadra polivalente (sic) estava sendo recusado e com
isso ele verificava que a parte arrecadada seria só para saldar alguns compromissos
mas sem condições de terminar a obra nas dependências do Sindicato. Perguntou aos
Companheiros presentes se alguém queria fazer alguma conotação (sic). Todos ficaram
em silêncio. Concluída o que determinava a Ordem do Dia, o Sr. Presidente novamente
franqueou a palavra e como ninguém fez uso da mesma, pediu que eu, Adilson Pereira
dos Santos, secretário da Entidade, lavrasse a presente ata, que vai por mim datada e
assinada, seguindo-se as assinaturas dos demais Diretores e Escrutinador.
Valença, 30 de novembro de 1988.
Adilson Pereira dos Santos – Secretário
Carlos Alberto Paixão Pereira – Presidente
Joel André Pereira – Tezoureiro
Maria Vilma Adão Leite - Escrutinador
Fontes Primárias
01 – Arquivos da Câmara Municipal de Vereadores de Valença
02 – Arquivos do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Fiação e Tecelagem de
Valença
03 – Arquivos do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Metalúrgica, Mecânica, de
Material Elétrico e de Informática de Barra do Piraí, Valença, Vassouras, Mendes,
Paulo Frontin e Piraí
BIBLIOGRAFIA
01- BOCAYUVA, Pedro Cláudio Cunca e VEIGA, Sandra Mayrink. Novo
Dicionário Político, Volume 1. Rio de Janeiro, FASE /Vozes, 1992.
02- DREIFUSS, René Armand. 1964 – A Conquista do Estado – Ação Política,
Poder e Golpe de Classe. Petrópolis, Vozes, 1981, 3ª ed.
03- GIANNOTTI, Vito. A CUT por dentro e por fora. Petrópolis, Vozes, 1991, 2ª
ed.
04- LENINE, Vladimir I. Sobre as Greves. Mimeografado.
05- MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Lisboa,
Edições Avante, 1984, 2ª ed.
06- MARX, Karl. Introdução à Crítica da Economia Política, in Obras Escolhidas,
Vol. 1. São Paulo, Alfa Ômega,
07- THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa I – A árvore da
liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
08- VIANA, Luiz Werneck. Liberalismo e Sindicalismo no Brasil. Rio de Janeiro,
Paz e terra, 1976, 2ª ed.