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ADMAR JÚLIO MEDVID SISTEMA POLICIAL BRASILEIRO CURITIBA 2000

Monografia Historia Da Policia No Brasil

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ADMAR JÚLIO MEDVID

SISTEMA POLICIAL BRASILEIRO

CURITIBA

2000

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ADMAR JÚLIO MEDVID

SISTEMA POLICIAL BRASILEIRO

Monografia apresentada para conclusão

do Curso de História no Departamento de História da Universidade Federal do Paraná

Orientador: Dennison de Oliveira

CURITIBA 2000

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a minha família, que acompanhou e incentivou meus estudos

AGRADECIMENTOS

Agradeço meu orientador, professor Dennison de Oliveira, conhecedor profundo da política brasileira, a qual influenciou diretamente para a formação do sistema policial.

Pode ele com suas criticas tornar mais valoroso este trabalho.

iii

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 01

2 PRIMORDIOS E EVOLUÇÃO .................................................................. 04

2.1 PRIMEIROS TEMPOS ............................................................................ 04

2.2 AS TROPAS FARDADAS: DOS ORDENANÇAS AS TROPAS PAGAS 05

2.3 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA CRIMINAL ATÉ A

INDEPENDÊNCIA................................................................................... 07

2.4 A POLÍCIA NO IMPÉRIO......................................................................... 08

2.5 ORGANIZAÇÃO POLICIAL NA 1ª REPÚBLICA .................................... 10

2.5.1 Antecedentes da organização policial da 1ª República ....................... 10

2.5.2 A Polícia na 1ª República .................................................................... 11

2.6 ORGANIZAÇÃO POLICIAL APÓS A 1ª REPÚBLICA ............................. 12

2.6.1 Comentários Preliminares ................................................................... 12

2.6.2 Trajetórias da Organização Policial até 1969 ..................................... 13

2.6.2.1 Estrutura básica ................................................................................ 13

2.6.2.2 Funcionamento da estrutura ............................................................. 14

2.7 NOVOS RUMOS ..................................................................................... 17

3 NOVOS TEMPOS ..................................................................................... 19

3.1 A NOVA POLÍCIA.................................................................................... 19

3.2 FUNCIONAMENTO DO JUDICIARIO NO BRASIL ................................. 20

4 CONCLUSÃO ........................................................................................... 28

REFERÊNCIAS .............................................................................................. 34

ANEXO 1........................................................................................................ 36

ANEXO 2........................................................................................................ 43

ANEXO 3........................................................................................................ 50

iv

Page 5: Monografia Historia Da Policia No Brasil

RESUMO

Desenvolvendo a monografia do Curso de Licenciatura em História , apresentada ao Departamento de História da universidade Federal do Paraná, no ano de 2.000, analisando o Sistema Policial Brasileiro da atualidade, objetivando apresentar como se constituiu historicamente, e também propiciar ao leitor a possibilidade de entende-lo. Para tanto, foi elaborada uma longa pesquisa em bibliotecas, ao Circulo de Estudos Bandeirantes, instituições públicas ligadas à área de segurança e imprensa periódica. A melhor forma para entender o nosso sistema atual, foi retornando a sua origem , de forma rápida passando pela Colônia, Império, 1ª República até chegar aos nossos dias. Este sistema foi adaptando-se de acordo com a sua conjuntura, primeiramente apresentando aspectos de ordem econômica e posteriormente política. Foram abordadas todas as constituições brasileiras, no tocante a segurança que aqui consta no anexo I, e ainda as constituições de diversos países. O anexo II apresenta e compara através de um delito ocorrido na França e sua solução, com o nosso Sistema Policial, e o anexo III, apresenta erros ocorridos durante a evolução política brasileira , o que acabou por influenciar na formação do nosso Sistema Policial. Com todo este material foi possível fazer uma analise critica o alcançar o objetivo inicial.

v

Page 6: Monografia Historia Da Policia No Brasil

1

1 INTRODUÇÃO

Tendo em vista a evolução histórica e a experiência dos diversos povos, os

doutrinadores chegaram a uma explicação teórica dos sistemas policiais,

classificando-os em quatro tipos:

a) Sistema político, nele à Polícia é atribuído o fim de garantir a ordem

pública, estando ai implícita a segurança do indivíduo e da propriedade. Previne os

delitos e evita a fuga dos criminosos. É uma polícia essencialmente de manutenção

da ordem pública, independente da organização judiciária: não inquire testemunhas

e nem pratica qualquer ato que importe em informação para a propositura da ação

penal.

b)Sistema jurídico, dá à polícia a função de prevenir os crimes e evitar a fuga

dos criminosos. No campo repressivo, auxilia o Ministério Público e atua sob a

supervisão e orientação deste.

c)Sistema eclético, a polícia assume um duplo papel. De um lado é órgão tão

somente do poder executivo, exercitando a manutenção da ordem pública, quando

previne e reprime. De outro, é auxiliar da Justiça e de outros órgãos da

administração pública.

d)Sistema histórico, a ação policial confunde-se com a função judicante.

Com este trabalho pretendemos propiciar ao leitor a possibilidade de entender

a atual situação do nosso sistema policial brasileiro. Este sistema se constituiu ao

longo do tempo, paralelamente com a história do país. É importante levar em conta

os nexos deste sistema com a conjuntura histórica no qual ele se insere,

primeiramente com aspectos de ordem econômica1, defendendo o território colonial

contra as invasões de piratas e defender as comunidades contra os ataques

indígenas. Aqui para sua formação concorriam os colonos e também os índios

tupiniquins. Posteriormente apresentou aspectos políticos.

Veremos sua evolução na Colônia, no Império, na 1ª República, no Estado

Novo até chegarmos aos nossos dias. A organização vai se reestruturando através

Page 7: Monografia Historia Da Policia No Brasil

2

dos tempos, até chegar ao que temos hoje, duas polícias, uma dita Civil e outra

Militar. A primeira denominada de Polícia Judiciária e a segunda Polícia

Administrativa, Polícia Preventiva, ou ainda Polícia Ostensiva.

Se os avanços deste século conduziram a humanidade a um desenvolvimento

jamais sonhado, fizeram-na conhecer crises políticas profundas, que redundaram em

duas guerras mundiais, em extremismos de esquerda e de direita e na bipolarização

ideológica que divide as nações.

Esta situação de confronto que gerou os conceitos da guerra fria e da corrida

armamentista, faz pairar sobre toda a humanidade a ameaça nuclear da extinção da

própria espécie. O arsenal atômico construído pelas nações, paradoxalmente as mais

evoluídas e cultas, contém milhares de megatons. Se disparadas, estas armas têm

potência suficiente para destruir toda a vida existente sobre o planeta. Os homens,

convivendo com esta realidade, bem conhecem o perigo que o ameaça e, fingindo

ignora-lo e querendo crer que as ogivas jamais explodirão, seguem, aterrorizados.2

As decorrências desses fatos se fazem sentir, de imediato, em todos os

países, mercê do desenvolvimento das comunicações, trazendo profundas alterações

dos costumes e da moral, e a negação de valores tradicionais da cultura e da

religião.

Deixando de lado as sombras dos grandes conflitos mundiais e as ameaças

existentes com os poderios atômicos, hoje os governantes se voltam também para

dentro de seus países, onde se trava um duro combate, este entre seu povo. Uma

batalha muitas vezes causada pelas desigualdades sociais, pela fome e por diversos

motivos nem sempre justificados, gerando uma grande violência urbana. Sabemos

que estes fatos não são um privilegio de nossos tempos, pois toda a história da

humanidade é banhada de injustiças e violência, no entanto devemos combate-las, e

este combate é dever do Estado, através de instituições competentes.

O Brasil não foge à regra geral. Nação em desenvolvimento, de economia

dominada, vive a pior fase de sua história. Reage no presente ao efeito de décadas

inteiras de desacertos políticos, econômicos e sociais (anexo 3), que fizeram

1 NOVAIS, F.A. Brasil nos quadros do artigo sistema colonial. In NOVAIS,F.A . et al. Brasil em

perspectiva. 6.ed. São Paulo: Escritos, 1968. p. 55. 2 SCHELL, J. O destino da terra. Rio de Janeiro: ed.Record, 1982

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3

alternar, na República, tempos de paz institucional a períodos de ditaduras e

autoritarismo.

O enorme volume da dívida externa, construída nas últimas décadas para

financiar o desenvolvimento acelerado da Nação trouxe sim este desenvolvimento

acelerado, mas em benefício de uma pequena parcela da população, o que fez

extremar as diferenças sociais. E a reboque do endividamento contraído por

governantes carentes de legitimidade para o exercício do poder, surgiu a hidra da

espiral inflacionária, imunes a qualquer tentativa de controle econômico, a devorar

salários, a enterrar empreendimentos industriais, a diminuir oportunidades de

empregos, a plantar a incerteza no futuro das pessoas e do país.

Neste clima de insegurança generalizada, procedeu-se à pretendida abertura

política, não como fruto da vontade dos governantes impostos a Nação, mas porque

estes mesmos perceberam que, ante a pressão política e à falta de legitimidade do

poder que exerciam, o único caminho era permitir o debate político e a participação

de toda a sociedade na busca de soluções para o problema brasileiro.

No anexo 1 apresentamos as constituições brasileiras e estrangeiras no

tocante a segurança pública e direitos individuais. Apresentamos no anexo 2 a

solução de um delito cometido na França e o comentamos, para que possamos ter

uma idéia em relação a apuração no Brasil.

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4

2 PRIMÓRDIOS E EVOLUÇÃO

Com este breve histórico das polícias, pretendo mostrar parte de sua

formação, a qual se funde com a história do Brasil, apresentando fatos que

influenciaram na formação de nosso sistema policial.

2.1 PRIMEIROS TEMPOS

Com a vinda dos portugueses ao Brasil, do descobrimento e colonização,

herdamos muito: idioma, tolerância, religião, comodismo, organização político-

administrativa, etc... também herdamos os princípios jurídico-policiais que, através

dos séculos, modelaram e cristalizaram a nossa concepção de Segurança Pública.3

Os primeiros tempos são os tempos de Martim Afonso,4 das Capitanias, dos

Governadores Gerais, dos Governos do Norte e do Sul. São os tempos das

Ordenações Manuelinas5 (1530-1533) e, no interregno do domínio espanhol e além,

das Ordenações Filipinas com seu terrível Livro V. E mais: poder Judicante e poder

policial constituem um só organismo6.

Os “almotacés” , autoridades encarregadas de zelar pela ordem pública nas

vilas recém-criadas no Brasil-colônia, constituem a primeira manifestação de uma

autoridade policial constituída. Recorremos ao Dicionário Jurídico, para melhor

compreendemos a extensão das funções desses funcionários:

ALMOTACÉ. Termo vindo do árabe (almohtacet, originado do verbo haçaba, contar, calcular), designa o funcionário ou autoridade, a que se atribui o dever de fiscalizar a exatidão dos pesos e medidas, a taxação dos preços estabelecidos e mesmo a distribuição de gêneros expostos ao consumo público. / No regime antigo, o almotacé exercia também função de polícia da cidade, cabendo-lhe vigiar a limpeza pública.7

3 FAORO, R. Os donos do poder. 7.ed. Rio de Janeiro: Globo, 1987. v.1. p.120-121 4 Ibid., p. 147 5 Ibid., p. 148 6 LEAL, V.N. Coronelismo, enxada e voto. 2.ed. São Paulo: Alfa-omega, 1978. p.181-183

5 SILVA, De P. Vocabulário jurídico. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense,1967. v.1. p.109 .

Page 10: Monografia Historia Da Policia No Brasil

5

Os “almotacés” tinham como auxiliares os alcaides-pequenos e meirinhos,

cujas funções conforme prescreviam as Ordenanças Manuelinas, eram, dentre

outras:

-fiscalizar o cumprimento das leis referente à proteção de pessoas e bens dos

órfãos, dos ausentes e dos pródigos;

-velar contra o abuso de armas proibidas;

-zelar pela execução das leis contra vagabundos e jogadores;

-fiscalizar os viajantes, os pobres, e os mendigos.

Como já foi dito, o certo é que dessas primeiras manifestações de poder

policial no Brasil-Colônia (cópia da mãe-pátria) nota-se a preocupação com a ordem

econômica; o pobre – já marginal na sociedade nascente – também é fiscalizado.

2.2 AS TROPAS FARDADAS: DOS ORDENANÇAS ÀS TROPAS PAGAS

Com a povoação da Colônia, emergiram riquezas. As cidades, vilas e

povoados, cresceram. Com este crescimento os problemas nas relações sociais se

agigantam. Desperta a cobiça externa. A ambição desmedida de sugar as riquezas

da Colônia nascente inebriou os governantes do reino. Os nativos inquietavam-se.

Manter a ordem interna, e repelir a ameaça externa eram impossíveis, a força

de segurança: os alcaides-pequenos, meirinhos, quadrilheiros, inspetores de

quarteirão”. Estes eram figuras de uma ordem local, muito doméstica.

Nascem as Companhias de Ordenanças, organizadas nas cidades, vilas e

povoados. Comandam-as os Capitães-mores que, juntamente com os Alferes,

Sargentos e Cabos, eram escolhidos por eleição, do que se lavrava assento nas

Câmaras. Contudo, esse processo de eleição logo foi revogado pelos seus

inconvenientes, passando a nomeação dos cargos à competência dos

governadores8.

8 PRADO JUNIOR, C. Formação do Brasil contemporâneo. 4.ed. São Paulo: brasileense, 1953.

p.324.

Page 11: Monografia Historia Da Policia No Brasil

6

As Companhias de Ordenanças mantinham a ordem pública nas cidades,

vilas e paróquias. Disciplinadas e obedientes ao poder político local constituíam

fatores fundamentais da ordem interna e defesa da pátria nascente contra invasores

externos.9

Entretanto, as Companhias de Ordenanças – mais composta de voluntários

e/ou homens menos favorecidos (pobres, negros, pardos e índios) – não serviram

aos desígnios dos senhores ambiciosos em extorquir toda a riqueza da terra

florescente.

Surgem as Companhias de Dragões, composta em sua maior parte de

homens oriundos do reino, bem adestrados e, portanto, mais aptos a impor a ordem

interna nas capitanias10. Quanto às Ordenanças, eis o depoimento:

“Estavam, as Ordenanças, limitadas a patrulhamentos locais, rondas e

condução de presos, afora as desordens que promoviam por conta própria. Contudo,

constituíam uma estrutura hierárquica social que com o tempo formou a base de

nosso desenvolvimento em comunidade”.11

As Companhias de Dragões, oriundas inicialmente de Portugal, assimilaram

em forma de Companhias de Pedestres anexas, as Tropas de Ordenanças em

exaurimento, e foram tomando uma conformação de tropa nativa. Era o advento das

tropas pagas, soldados profissional organizado e adestrado de acordo com os

parâmetros da legislação militar portuguesa, redigida pelo Conde de Lippe.

A continua evolução das Forças de Segurança resultou na criação, na

Capitania de Minas, do legendário Regimento Regular de Cavalaria (09 de Julho de

1775), constituindo-se na mais evidente organização de uma Força Pública

preparada e adestrada para a missão de Manutenção da Ordem Pública.

Assinale-se que, já na sua gênese, as Forças Públicas estruturavam-se como

organização militar e tinham uma dupla função:

-Civil: era a função policial rotineira de prevenir e reprimir o crime;

-Militar: era a função esporádica de enfrentamento das insurreições e defesa

da pátria.

9 FAORO, op. cit., p. 185. 10 Ibid., p.163 11 LIMA JUNIOR, A. Crônica militar. 2. ed. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1969. p.28

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7

Exemplo típico da primeira função – a civil – era o Alferes Joaquim José da

Silva Xavier – o Tiradentes – patrulhando as estradas das Minas, a reprimir

salteadores, ou comandando o Destacamento Policial do Sertão, em Sete Lagoas

(1780).

Em verdade, as Tropas Pagas dos Séculos XVII e XVIII – as famosas Cia. De

Dragões e os Regimentos – são as raízes das atuais Polícias Militares de hoje, ou

melhor, estas resultam da evolução, em linha quase direta, daquelas.

2.3 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA CRIMINAL ATÉ A

INDEPENDÊNCIA.

A história da organização político-administrativa de nossa pátria nos mostra

que, desde Martim Afonso, a administração da justiça estava adstrita aos

governantes mais tarde Vice-Reis.

“Nomeados Governador-Geral por D.João II, então Rei de Portugal, foram-lhe

conferidos amplos poderes de governo, inclusive para organizar a administração,

promover a justiça e estabelecer o serviço da ordem publica de modo que julgasse

mais conveniente”.12

Dividido o país em Capitanias Hereditárias, receberam os respectivos donatários, com certas restrições, jurisdição no cível e no crime. Podiam impor penas, até de morte, aos peões, escravos e gentios, enquanto que às pessoas de maior qualidade tais penas não podiam exceder as de degredo por 10 anos e multa até 100 cruzados, salvo se tivessem cometido os crimes de heresia, traição, sodomia e moeda falsa.13

“Nomeado Tomé de Souza para o cargo de Governador-Geral, recebeu um

regimento datado de 17 de dezembro de 1548, fixando suas atribuições e deveres....

dava ao Governador-Geral alçada completa no cível e no crime”.14

12 ANDRADE, I.M. Polícia judiciária. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p.11 13 Ibid. p. 12 14 Id.

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8

A situação modificou-se em 1712, quando D.João V estabeleceu que o Poder

Judiciário ficava independente dos Governadores-Gerais. Mais tarde era criada a

Relação do Rio de Janeiro e as Ouvidoria-Gerais nas Capitanias. A apuração do

delito competia ao Judiciário. As tropas pagas, no exercício da manutenção da

ordem pública, eram forças obedientes aos Governadores e atuavam adstritas às

diretrizes do judiciário.

Chegando ao Brasil, em 1808, D.João VI encontra uma administração de

Justiça Criminal (nela incorporada à chamada Polícia Judiciária) exercida pelas

Relações da Bahia e do Rio de Janeiro, pelos Corregedores de Comarca, Juízes

Ordinários, Almotacés, Escrivões, Meirinhos e Quadrilheiros. As Tropas Pagas

escassas e envolvidas no desbravamento e implantação da ordem nos sertões

distantes, pouco podiam fazer pela ordem pública nas cidades.

A situação, no Rio de Janeiro, era caótica15. D.João VI, seguindo o exemplo

vigente em Portugal, desde 1760, organiza uma Polícia Regular:

a)-cria, a 10 de maio de 1808, a Intendência Geral de Polícia da Corte e do

Estado do Brasil;16

b)-institui, a 13 de maio de 1809, a Divisão Militar da Guarda Real da Polícia,

que veio substituir “o Corpo de Quadrilheiro, constituído de policiais improvisados e

rústicos, que se limitavam a rondar à noite, envoltos em amplas capas negras, o seu

único uniforme, e compridas espadas”.17

As Capitanias, atendidas as peculiaridades regionais, seguem as inflexões da

Corte.

2.4 A POLÍCIA NO IMPÉRIO

Rompidos os laços com Portugal, o Brasil continuou observando o arcabouço

legislativo do reino até que uma constituição e novas leis fossem elaboradas.

15 PRADO JUNIOR, C. op cit. p.282 16 LEAL, op.cit., p.188 17 INSTRUÇÃO POLICIAL. Manual básico. Rio de Janeiro: PMDF/RJ, 1952. p.24

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9

Em 25 de março de 1824, D.Pedro I promulgava a constituição do Império18.

Seguem-se decretos diversos, dentre os quais alguns que regulavam a

administração da justiça criminal. O mais importante é o que cria os cargos de juízes

de Paz, com atribuições policiais e criminais.19

As Forças Públicas, desarticuladas e exauridas, pois a maioria transformara-

se em organizações essencialmente militares para sustentação da Independência,

dando origem aos primeiros corpos do nascente Exército Nacional,20 evoluíram com

os seus remanescentes para uma nova organização policial: Corpos de Guardas

Municipais Permanentes (decreto Imperial de 10 de outubro de 1831).21

Em 1832, foi promulgado o Código de Processo Criminal,22 contemplando três

circunscrições:

a)-a do distrito, entregue ao Juiz de Paz eleito pelo povo, enquanto os

inspetores de quarteirões eram nomeados pelas câmaras municipais;

b)-a do termo com um conselho de jurados, um juiz municipal, um escrivão de

execuções e os oficiais de justiça, nomeados pelos presidentes das províncias;

c)-a da comarca com três Juízes de Direito, um dos quais Chefe de Polícia.

(Existem comarcas com apenas um Juiz de Direito, que também era chefe de

Polícia).

A lei nº261, de 03 dezembro de 1841, que reformava o Código de Processo

Criminal, estabelecia em seu Art 1º que “haverá no município da Corte e em cada

Província, um Chefe de Polícia com os delegados e subdelegados necessários, os

quais, sob proposta, serão nomeados pelo Imperador, ou pelos Presidentes. Todas

as autoridades policiais são subordinados ao chefe de Polícia.”23

Consoante a nova lei, os Chefes de Polícia seriam escolhidos entre os

desembargadores e Juízes de Direito; os delegados e subdelegados, dentre

quaisquer juízes e cidadãos. Os cargos de intendente foram extintos. As atribuições

dos Juízes de Paz foram restringidas.

18 LEAL, op.cit., p.189 19 Id. 20 FAORO, op. cit., p.191 21 LEAL, op.cit., p.214 22 FAORO, op. cit., p. 305 23 Ibid., p. 369

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10

O Decreto nº 120, de 31 de janeiro de 1842, regulamentou a lei 261,

estabelecendo a consagrada divisão: Polícia Administrativa e Polícia Judiciária.

A legislação do Brasil-Imperial prosseguia a tradição: entrelaçamento entre as

funções policial e judicante. O chefe de Polícia e os Delegados praticavam atos de

jurisdição nos chamados crimes policiais. Porém, a má administração da justiça

criminal sofreu severa ofensiva dos liberais e dos arautos das liberdades

republicanas, não tardando em ocorrer séria e profunda reforma da legislação

processual penal que, em 1871,24 teve as seguintes modificações fundamentais:

-proibiu os magistrados de exercer o cargo de Chefe de Polícia;

-declarou incompatíveis os cargos policiais com os de Juiz Municipal;

-extinguiu a jurisdição dos Chefes de Polícia e Delegados, quanto ao

julgamento de crimes policiais, bem como ao processo e à denúncia;

-instituiu a fiança provisória;

-alargou o instituto do Hábeas-Corpus.

2.5 ORGANIZAÇÃO POLICIAL DA 1ª REPÚBLICA

2.5.1 Antecedentes da Organização Policial da 1ª República

Após a reforma de 1871, nosso sistema policial, como vimos, libertou-se um

pouco do enlace judicial. Contudo, a autoridade policial ainda continuou com uma

considerável gama de funções judicantes. Além disso, enraizou-se e corporificou-se

o instrumento de investigações inquisitórias denominado inquérito policial que, até

os dias de hoje, continua o monstrengo burocrático que entrava e atravanca a

administração da justiça Criminal.

Detentor de extenso poder de Polícia Judiciária e manipulador da Polícia de

Manutenção da Ordem Pública vai-se configurando e cristalizando nas cidades e

vilas a figura do Delegado do Chefe de Polícia. Este, quase sempre um leigo,

embora detentor de um poder teórico, era mero instrumento da polícia local, também

vinculada ao mandonismo das patentes locais da Guarda Nacional.25

24 LEAL, op. Cit. P. 196 25 Ibid., p.215

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11

É, ainda no Império, que os Presidentes de Província recorrem aos Oficias ou

Sargentos da Força Pública (Corpos Polícias, Brigadas Policiais, etc...) para que

eles, exercendo o cargo de Delegado de Polícia, enfrentassem as situações de

maiores riscos, minimizando assim, os problemas de segurança pública.26

2.5.2 A Polícia na 1ª República

Nasce a República. Com ela, a Federação. As antigas províncias do Império

são Estados-Membros. Estes, inebriados com o novo regime, gozam de uma

autonomia excessiva, fruto da nova ordem constitucional.

Baseados nas prerrogativas da Constituição de 1891, alguns Estados, como

Minas Gerais, Rio de janeiro, Bahia, Santa Catarina e Rio Grande do Sul,

organizaram os Códigos de Processo Penal, enquanto outros continuaram a se

reger pelas leis criminais do império, salvo pequenas modificações.27

As organizações policiais assumiram feições nitidamente regionais, mantendo

as linhas mestras da organização imperial. Em quase todos os Estados, as Forças

Públicas cresceram e expandiram-se, assumindo a maioria delas o ônus do

exercício da polícia judiciária. Entretanto, nos maiores Estados e no então Distrito

Federal ocorreu à tendência à especialização da Polícia de Investigação Criminal.

A polícia carioca foi objeto, em 1907, da grande reforma promovida por

Alfredo Pinto. De um lado, emergiria uma polícia judiciária com delegados e

comissários bacharéis em Direitos, Investigadores e Peritos especializados. De outra

parte, a Força Policial modernizava-se com aprimoramento de seus quadros e a

especialização na polícia ostensiva de guarda e patrulha.

Em São Paulo, surge a primeira manifestação de uma Polícia Civil de

Carreira. O governo Jorge Tibiriçá, a partir de 1906, ao mesmo tempo em que inicia

o exuberante processo de militarização da Força Pública, cria leis tornando os

cargos de Delegado de Polícia privativo dos bacharéis em direito, além de outros

cargos de carreira no âmbito da Polícia Judiciária. Como ocorrera no Distrito

26 Ibid., 199 27 Ibid., 198

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12

Federal, Também em São Paulo vão desaparecendo os famosos e desbravadores

Delegados Militares como o Ten Galinha (João Antonio de Oliveira), oficial da Força

Pública paulista, chefe do Serviço de Captura.

O fenômeno da completa militarização das Forças Públicas torna-se mais

acentuado, além de São Paulo, em Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Em razão

disso, começam a vicejar, em alguns Estados, para complementar o policiamento

ostensivo nas Capitais ou maiores cidades, as Corporações denominadas Guarda

Civil. Porém chega à revolução de 1930 e ainda não se tem uma Corporação

chamada Polícia Civil. Em Minas Gerais havia um incipiente corpo de escrivões,

Investigadores e Peritos nomeados por aptidão ou indicação política; a guarda civil

era uma organização pouco densa em Belo Horizonte; as delegacias de polícia salvo

raras exceções, eram preenchidas por oficiais da Força Pública, o que de resto

ocorria na maioria dos Estados Brasileiros. Em suma, a Força Pública respondia

pela manutenção da ordem pública e desenvolvia a grande parte das tarefas de

polícia judiciária.

2.6 ORGANIZAÇÃO POLICIAL APÓS A 1ª REPÚBLICA.

2.6.1 Comentários Preliminares

Com a revolução de 1930 caracterizou-se uma nova ordem com a ruptura da

“excessiva” autonomia dos Estados-Membros. De certa forma, porém sem muita

profundidade, o novo estágio da evolução republicana influenciou na organização

policial, principalmente quando retornou e concretizou a idéia da unificação do

Código de Processo Penal.

A polícia judiciária dos estados era, no Império, incumbência eminentemente

do Poder Judiciário, passando na República para o Poder Executivo. Sua

estruturação ocorre principalmente a partir de 1930, sendo que, até hoje, há apenas

arremedo deste importante organismo em alguns Estados da Federação. Nos

Estados em que se consolidou a polícia judiciária, passou a denominar-se Polícia

Civil, que se refere à corporação do policiamento ostensivo.

Page 18: Monografia Historia Da Policia No Brasil

13

Sobrevindo a Constituição de 1934, como conseqüência da Revolução de

1939, ficou estabelecido no seu Art. 5º, Nº XIX, que competia privativamente à União

legislar sobre o direito processual, o que vale dizer ter ficado instituída a unidade

processual no Brasil, tanto para a parte criminal como para a Civil.28

De outra parte, a União passou a ter maior controle das Polícias Militares que

se puseram a figurar no texto constitucional de 1934. E sem embargo da função

policial que lhe competia desde o Brasil Colônia, a militarização continuou. Em

Minas Gerais, convênio entre o Estado e a União, assinalou o advento da Missão

Militar Instrutora. Enquanto isto, as Guardas Civis expandiam-se, tornando-se, ao

contrário de complementadoras de esforços, grandes rivais das Polícias Militares,

chegando, em alguns Estados, a tentarem usurpar todas as atribuições das

tradicionais Milícias.

2.6.2 Trajetória da Organização Policial até 1969

2.6.2.1 Estrutura básica

Em que pese à unidade do processo-criminal e o razoável grau de controle

sobre as Polícias Militares, as organizações policias continuavam basicamente

estaduais. Não havia a mínima idéia de um todo federal.

Dentro desse contexto, seguindo-se o exemplo de São Paulo e Rio de

Janeiro, os principais Estados caminharam para uma estrutura básica da sua

organização policial:

a)-Polícia Civil, constituída de Delegados de Carreira, escrivões, Detetives,

Peritos, Médicos-Legistas e Guardas Civis;

b)-Polícias Militares, organizadas em estrutura militar com base na hierarquia

e na disciplina.

Em Minas Gerais, a organização Polícia Civil teve grande impulso com a lei

da Polícia de Carreira, em 1956, quando foram fixados os vários cargos. Entretanto,

a Polícia Judiciária continuou dependendo, principalmente no interior, dos Oficiais

28 ANDRADE, Ibid. p.18

Page 19: Monografia Historia Da Policia No Brasil

14

Delegados e Sargentos/Cabos escrivões e investigadores, situação esta que

perdurou até os primórdios da década de 70, como ainda predomina em alguns

Estados Brasileiros.

2.6.2.2 Funcionamento da estrutura

A estrutura era a mesma do Império e da 1ª República. O Chefe de Polícia

evoluiu, em quase todos os Estados, para uma nova figura: o Secretário de

Segurança Pública. Este se coloca no vértice de um sistema que contém todo um

complexo destinado a proporcionar segurança e paz à comunidade.

O Secretário, normalmente um político. Integrando, administrativamente, a

sua secretária, os órgãos da antiga Chefia de Polícia: Departamento Estadual de

Trânsito uma organização com funcionários civis peritos, Delegacia de Acidente,

Engenharia e Guardas de Trânsito (Inspetores de Trânsito); Departamento de

Investigação com as suas especializadas e o Corpo de Segurança com os seus

Investigadores; a Corregedoria de Polícia; os Distritos Policias e o Departamento da

Guarda Civil, além da Polícia Técnica, Departamento de Medicina Legal, Pronto

Socorro Policial, Identificação e outros órgãos menores. Os Delegados eram

classificado de três tipos:

a)-os nomeados para o cargo (eram bacharéis em Direitos, porém, não havia

o chamado Delegado de Polícia de Carreira, que só apareceu em 1956);

b)-os militares: Oficiais da Força Pública (Força Policial ou Policia Militar), que

eram designados como Delegados Especiais de Polícia ou Delegados de Captura;

c)-os leigos; os civis sem título, nomeados Delegados Municipais, suplentes

ou subdelegados dos Distritos (via de regra, ligada ao Partido Político da Situação).

O exercício da função policial centrava-se no Delegado de Polícia que na

verdade, era o Chefe de Polícia da Comarca ou do município. Vejamos a extensão

do seu poder e o seu papel:

-detentor do Poder de Polícia Judiciária: preside o Inquérito, o flagrante delito,

o processo contravencional, investiga, ordena, etc..., tudo nos termos da Lei

Processual Penal;

Page 20: Monografia Historia Da Policia No Brasil

15

-detentor do Poder de Polícia Administrativa: face à inexistência de uma

regulamentação do poder de polícia do município, ou uma crescente tendência do

Estado usurpar as prerrogativas do município, é à autoridade que ordena, consente

e sanciona, (fornece alvarás de diversão pública, interfere na administração das vias

municipais, multa, etc...)

Detentor do Poder de Polícia de Manutenção da Ordem Pública: tem sob a

sua autoridade funcional o destacamento policial e nas grandes cidades a polícia

fardada empenhada no policiamento ostensivo; requisita as frações da força pública,

planejando o emprego e supervisionando a execução.

Poderíamos dizer que a estrutura da “organização policial” do Estado era bem

rasa; no ápice o Secretário de Segurança (o mesmo Chefe de Polícia) e numa

vinculação hierárquica-funcional direta os Delegados de Polícia nomeados por ato

governamental ou designados em comissão por Portaria. Abaixo do Delegado de

Polícia os serviços policiais subordinados funcionalmente. Sua regência era pelas

leis da Década de 1920:

-Decreto Nº 4.991, de 14 de maio de 1918 – Regimento de Cadeias;

-Decreto Nº 7.437, de 21 de dezembro de 1926 – Regulamento Policial do

Estado de Minas Gerais;

-Decreto Nº 7.712, de 16 de junho de 1927 – Regulamento da Força Pública

do Estado de Minas Gerais.

Os Batalhões de Polícia Militar eram estruturados em Companhias de

Fuzileiros apenas no papel, pois na prática, desdobravam-se em Destacamentos

Policiais. Estes se subordinavam diretamente ao Comandante do Batalhão para

efeitos administrativos, inclusive disciplinares e instrução. Para efeito de emprego

policial subordinavam-se funcionalmente ao Delegado de Policia, e a requisição

configura a legalidade do emprego.

O sistema começou a caminhar para a ruptura quando, paradoxalmente,

tomou-se corpo a idéia de criação da polícia de carreira. Esta poderia ter sido o

suporte para o revigoramento do sistema, mas, na verdade, levou-o a ruptura. Isto

porque a chamada Polícia de Carreira nasceu e foi buscando contornos de

Instituição Policial Civil em contraposição a uma Instituição policial Militar. Ora, se a

Polícia de Carreira nascesse e florescesse para somar-se à tradicional Força

Page 21: Monografia Historia Da Policia No Brasil

16

Policial, juntando e congregando esforços, evidentemente, que ambas teriam se

tornado um conjunto policial e harmônico.

Em Minas Gerais, tentava-se desde 1947, a efetivação de uma carreira

policial de Delegado (Decreto Lei Estadual Nº 2.137, de 12 de junho de 1947).

Outras leis vieram, mas não eram implementadas com eficácia por uma série de

razões. Entretanto, foram as Leis Nºs 1.527 e 1528 de 31 de dezembro de 1956,

que deram impulso à polícia de Carreira. (esta ainda não se corporifica como

instituição Policial Civil).

Não obstante o impulso dos citados diplomas legais, os Oficiais e Praças

continuaram assumindo os grandes encargos das Polícias Judiciárias e de

Manutenção da Ordem Pública no Interior do Estado. Paralelamente, vai

corporificando, cada vez mais, sob inspiração dos Delegados de Polícias de São

Paulo, a idéia de uma instituição “Policial Civil” com o comando total em oposição às

Polícias Militares. E a Guarda Civil expandia-se para as principais cidades do

interior, radicalizando e criando até situações de conflito com a Polícia Militar em

detrimento da ordem pública.

No bojo de tudo isto, estando duas organizações caminhando em sentidos

opostos, a violência urbana vai se agigantando nas capitais e maiores urbes. As

Guardas Civis, assumindo contornos de força pública, mas comandadas por civis e

sem lastro hierárquico-disciplinar, revelam-se impotentes. Vêm, então, como

conseqüência natural, as modificações do Sistema.

A federalização das forças públicas estaduais foi um passo para uma maior

centralização do poder. Tendo herdado do governo Castelo Branco a Inspetoria

Geral das Policias Militares do país , criada no âmbito do Ministério do Exército,

Costa e Silva nomeia para dirigi-la o general de brigada Lauro Alves Pinto, um oficial

da “linha dura”. O comando das PMs passa a ser cargo privativo de oficiais do

Exército. Elas perdem sua autonomia e são empregadas em operações conjuntas

com as Forças Armadas na repressão a passeatas e manifestações políticas,

sobretudo depois da morte do estudante Edson Luis. O Governo também torna

privativo de oficiais do Exército o cargo de secretário de Segurança Pública nos

Estados29.

29 DITADURA. In: ENCICLOPÉDIA Nosso Século. São Paulo: Abril, 1980. v.10

Page 22: Monografia Historia Da Policia No Brasil

17

2.7 NOVOS RUMOS

O ano de 1969 encontrara o caos em termos de Segurança Pública nas

grandes Capitais Brasileiras. As Polícias Militares de São Paulo, Minas Gerais,

Guanabara, Paraná e algumas outras que, por força das novas exigências da

evolução social, desaquartelaram-se, tentavam o exercício do policiamento ostensivo

visando à tranqüilidade pública, porém encontravam a barreira de uma Polícia Civil

radicalizada, cujos Delegados de Polícia, detentores do Poder de Polícia Judiciária –

excessivo e anacrônico – torpedeavam os esforços das tradicionais e portentosas

Corporações, e instigavam a rivalidade das Guardas Civis. Era o caos. As

populações recebiam tal desorganização em termos de insegurança.

Para o restabelecimento do império da ordem e da sensatez, surge o Decreto

lei que vem traduzir a vontade dos constituintes de 1934: As polícias militares tem a

missão constitucional de manutenção da ordem pública – e o conceito manutenção

da ordem pública é bem claro:

Polícia de Manutenção da Ordem Pública é uma extensão do Poder de Polícia no campo da Segurança Pública, manifestada por um conjunto de ações predominantemente ostensivas de força pública, visando a impedir a eclosão do delito e a assegurar, quando necessário, a eficácia dos atos de polícia administrativa e judiciária, e o respeito às ordens judiciais tendo por objetivo a pacífica e harmoniosa convivência social.30

Com a nova legislação e os diplomas legais subseqüentes, emergiu uma

outra realidade em termos de organização policial no Brasil, alterando-se, de forma

substancial, o tradicional conceito de autoridade policial. As conseqüências foram:

-A primeira conseqüência dessa exclusividade foi à extinção das polícias

fardadas sem lastro na hierarquia e disciplina conforme Decreto-Lei nº 1.072, de 30

de dezembro de 1969, ao modificar o Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969:

Guardas Civis, Corpos de Fiscais de Trânsito, Guardas Noturnas, Guarda de

Vigilância, etc.

-Rearticulação e desdobramento das Polícias Militares, com a criação de

Comandos Regionais e Intermediários acima do Escalão BPM; descentralização das

Page 23: Monografia Historia Da Policia No Brasil

18

Companhias Pelotões e Grupos; estabelecimento da Cadeia de Comando nas

operações policiais e no funcionamento da estrutura.

-Redimensionamento do conceito de Autoridade Policial. Com efeito, face não

só à nova lei, mas também as mutações legislativas em geral, reconhecendo a

extensão predominante do Poder de Polícia dos municípios, o tradicional conceito de

autoridade policial centrada no “Delegado do Chefe de Polícia”, assumiu contornos e

conteúdos novos. Assim, emergem três níveis paralelos e harmônicos de autoridade

policial:

. a autoridade de Polícia Administrativa – normalmente municipal – é aquela

que concede alvarás, multa, embarga, impede, etc...

. a autoridade de polícia judiciária – normalmente o Delegado de Polícia – é

aquela que preside o inquérito policial, executando, os atos de autoridade previstos

na legislação processuais penal.

. a autoridade de polícia de manutenção da ordem pública – normalmente

oficial ou sargento de Polícia Militar – é aquela que planeja e executa o policiamento

ostensivo em todas as suas modalidades, tipos e processos. É a autoridade que

comanda a força pública ou fração desta.

O tradicional Delegado de Polícia passou a chefiar o complexo da Polícia

Judiciária – contando com os funcionários especializados de polícia: escrivões,

peritos, detetives, e outros, todos policiais de carreira. Sua autoridade aliviou-se dos

encargos de planejamento e execução no campo da manutenção da ordem pública.

Os velhos “delegados-militares”, com a nova distribuição de competência,

tornaram-se apenas “desbravadores do passado”. Sem comando de tropa, não mais

havia razões para que subsistissem. Chegara a vez da especialização: Oficiais, no

comando da manutenção da ordem pública; bacharéis em direito, especializados na

investigação criminal, na condução do inquérito policial.

Desta forma, prevenindo e/ou adotando medidas repressivas imediatas,

quando eclode o delito, o patrulheiro da Polícia Militar dá passos no campo da

Polícia Judiciária (isola e preserva local de crime, inquire testemunhas de local,

rastreia e capturam delinqüentes, prende em flagrante, etc...) Reprimindo,

30 ALMEIDA, K.S.. O Poder de Polícia e a Polícia de Manutenção da Ordem Pública. O Alferes, Belo

Horizonte, v.1, n.01, set./dez.1983

Page 24: Monografia Historia Da Policia No Brasil

19

investigando o delito, a autoridade e os agentes de Polícia Judiciária avançam no

campo da manutenção da ordem pública, previnem o crime. Assim, os dois campos

de atuação das chamada Polícia Civil e Militar não só tangenciam, mas possuem

uma faixa cinzenta comum, onde as duas Corporações obrigatoriamente atuam no

exercício de suas atribuições. Há de haver, pois, coesão e harmonia entre

Organizações que se completam em prol do bem comum.

Compete com exclusividade à Polícia Militar a execução do policiamento

ostensivo conforme o Decreto nº 88.777, de 30 de setembro de 1983, com as

seguintes ações:

- ostensivo geral, urbano e rural;

- de trânsito;

- florestas e de mananciais;

- rodoviário e ferroviário, nas estradas estaduais;

- portuário;

- fluvial e lacustre;

- de radiopatrulha terrestre e aérea;

- de segurança externa dos estabelecimentos penais do Estado;

- outros, fixados em legislação da Unidade Federativa, ouvido o

Estado-Maior do Exército, através na Inspetoria-Geral das Policias

Militares.

3 NOVOS TEMPOS

3.1 A NOVA POLÍCIA

No âmbito estadual o atual quadro político tem, como meta prioritária, o

funcionamento do binômio Polícia Militar-Polícia Civil, num sistema de prevenção do

crime e à desordem, otimizando o policiamento ostensivo da Policia Militar em

igualdade de condições com a atuação especializada dos setores reestruturados da

Polícia Civil.

Page 25: Monografia Historia Da Policia No Brasil

20

Assim espera-se que as polícias cooperem, ao máximo, entre si, no limite de

suas possibilidades, através de normas gerais de ação comuns e que, para o povo,

traduza em inequívoco salto de qualidade de serviços prestados. É indispensável

ação cívico-social de ambas Corporações coirmãs.

Na atualidade, segundo o artigo 42, caput, da Constituição Federal, os

policiais militares brasileiros são servidores estaduais, ainda que subordinados aos

Governadores dos Estados e do Distrito Federal, nos exatos termos do § 6 do seu

artigo 144, pois suas corporações dependem da União, conforme dicção do artigo

22, XXI, da Lei Maior. Estando as Polícias Militares subordinadas aos Governadores

do Estados e do Distrito Federal, elas não representam poder militar.

Na Europa, corporações semelhantes às Polícias Militares brasileiras, como a

“Gendarmerie National”, na França, a “Guardiã di Pubblica sicurezza” e os

“Carabinieri” na Itália, a “Guarda Civil”, na Espanha, e a “Guarda Nacional

Republicana”, em Portugal, têm situações legais perfeitamente definidas em lei

ordinária, já que em época de paz, operam no âmbito dos respectivos Ministérios do

Interior, instituições equivalentes às nossas Secretarias de Segurança Pública.

É necessário, examinar a tradição constitucional brasileira no tratamento do

tema de Segurança Pública, e observar, nas constituições de outros países, como se

processa a abordagem da questão, e o que se oferece ao indivíduo e à sociedade

em favor desse direito. No anexo I, deste trabalho apresento todas as constituições

brasileira e alguns exemplos de outros países onde é abordado os direitos e

garantias individuais nas cartas das nações, as quais permite-nos algumas

conclusões.

3.2 FUNCIONAMENTO DO JUDICIÁRIO NO BRASIL

Após termos acompanhado toda evolução do sistema policia no Brasil, com

suas regulamentações desde a Colônia até os nossos dias com a Lei 9.099, nota-se

que as principais mudanças começaram a partir da constituição de 1988, onde a

Carta Magna em seu parágrafo sétimo dá plenos poderes para quem de direito

Page 26: Monografia Historia Da Policia No Brasil

21

organizar de maneira eficaz as atividades necessárias para garantir um bom

funcionamento da segurança pública no país.

As mudança estão ocorrendo, no entanto com a situação de grande violência

nos centros urbanos de nosso país, elas precisar com urgência de uma maior

agilidade.

No Brasil o Poder Judiciário não integra o Sistema de Segurança Pública.

Este, formalmente, não existe a não ser que só sejam considerados os órgãos

policiais elencados no artigo 144, caput, da vigente Constituição da República,

isoladamente.

Esse denominado Sistema de Segurança Pública, na realidade, é um

Subsistema de Segurança Pública, que se insere no Sistema Criminal, que tem, no

Poder Judiciário, pela sua Justiça Criminal, o seu órgão final, porque toda atividade

voltada à segurança pública tem, obrigatoriamente , como destinatária, a Justiça

Criminal para que esta possa exercer a jurisdição criminal, papel constitucional do

Poder Judiciário como expressão máxima da soberania do Estado Democrático de

Direito.

Os juízes, aliás, são agentes políticos, autoridades supremas do Estado que

exercem o governo, enquanto que os policiais em geral não o são, pois são agentes

administrativos, sujeitos à hierarquia funcional da Administração Pública.

Lembramo-nos de que, pela teoria dos sistemas, o termo sistema é

geralmente empregado no sentido de sistema total, que tem como componentes

necessários os chamados subsistemas. O sistema total é o Sistema Criminal, que

tem por subsistema, entre outros, o policial, isto é, os órgãos policiais. Estes têm

competência constitucional bem delimitada no artigo 144 da Constituição de 1988.

Polícia de Segurança é especialização da Polícia Administrativa voltada para

a prevenção de ilícitos penais. Pela atual Constituição da República, a Polícia de

Segurança cabe, no plano das Unidade Federadas, às Policias Militares, como

Polícia Ostensiva (artigo 144, 5º ,da Constituição de 1988). A estas, também, dada

a competência constitucional para a preservação da ordem pública, cabe parcela da

atividade da Polícia Judiciária, que decorre da prática delituosa, quando da

denominada repressão imediata aos delitos que não conseguiu evitar no trabalho

preventivo. A Polícia Judiciária, bem por isso, não se confunde com a Polícia de

Page 27: Monografia Historia Da Policia No Brasil

22

Segurança e, sem exclusividade, é exercida nas Unidades Federadas e onde

houver, pelas suas Polícias Civis, salvo, entre outras situações, nos casos criminais

militares.

Os órgãos policiais que exercem Polícia de Segurança, como também os que

exercem Polícia Judiciária, são auxiliares do Poder Judiciário, pois embora não o

integrem, de vez que integram o Poder Executivo, auxiliam a Justiça Criminal na

Jurisdição criminal, comum ou militar.

Bem por isso deve ser aperfeiçoado, de modo constante e permanente, o

Sistema de Dados Criminais implantado em decorrência do Termo de Cooperação

entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário, firmado em 11 de agosto de 1989, pelo

Poder Judiciário e a Polícia Militar aumentam a sua área de atuação, passando a ter

uma informação muito mais confiável de interesse recíproco, como também de alto

interesse para a sociedade, porque o policial militar que trabalha em rua terá uma

informação mais rápida, a fim de também informar, com mais rapidez, o Poder

Judiciário daquilo que é produzido nas ruas e que é de interesse do mesmo Poder

Judiciário.

Não basta o Estado dar à Polícia uma estrutura moderna, mais ágil e

eficiente. É necessário também mudar a Justiça, modernizando a estrutura do Poder

Judiciário.

Esta modernização começa com a Lei 9.099, a qual dá mais agilidade na

apuração dos delitos considerados como de menor potencial ofensivo. Estes delitos

quotidianamente afligiam o meio social e não estavam tendo uma competente

apuração com a consequente punição dos culpados, gerando o descrédito no

sistema jurídico instalado. Com a implantação dos Juizados Especiais Criminais,

possibilitando, mediante a simplificação da persecução penal e do julgamento das

infrações de menor potencial ofensivo, maior dedicação e conseqüentemente,

melhor resultado na repressão dos crimes mais graves.

Surgirá de fato a nova Polícia, no Brasil, quando cumprido o espírito do § 7º

do, artigo 144, da Constituição Federal, que preceitua: “A lei disciplinará a

organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública de

maneira a garantir a eficácia de suas atividades.”

Page 28: Monografia Historia Da Policia No Brasil

23

Permanecemos, pois, doutrinária e politicamente unidos até que a lei

ordinária, de que fala esse preceito programático de natureza constitucional, torne

nossa atividade unívoca, ainda que não unificada, como exige a realidade e a

vontade constitucional do país.

A nova Lei de 1995, se apresenta como um grande avanço em relação a

justiça brasileira. O que se pretende com esta lei é substituir uma parte do

ultrapassado inquérito policial de tantas criticas, por um termo de ocorrência

sumário, conhecido como termos circunstanciado, a possibilidade da denúncia oral,

a dispensa do exame de corpo de delito, a pena alternativa consentida pelo réu

antes da ação penal, o procedimento sumaríssimo, a valorização da pessoa da

vitima. Sem se quebrar por completo o princípio da obrigatoriedade da ação penal, a

lei abre espaço para a conciliação e a transação, através da reparação civil dos

danos ao ofendido e aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.

O Inquérito policial foi dispensado, como regra, para apuração de infrações de

menor potencial ofensivo, conforme seu art. 69, caput. “A autoridade policial que

tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará

imediatamente ao juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as

requisições dos exames periciais necessários”. Desta forma esta lei estende também

a Polícia Militar, que tem por competência preservação da ordem pública, podendo

também lavrar o referido Termo “A autoridade policial que tomar conhecimento da

ocorrência lavrará...”.

Esta lei, dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras

providências de extrema relevância penal e processual penal, criando, na realidade,

um novo modelo de Justiça Criminal, com a introdução de novos institutos e com

mudanças profundas em certos postulados que regem a função punitiva do Estado,

a persecutio criminis e o próprio sistema processual penal. “com o advento do novo

estatuto dos crimes de menor potencial ofensivo, o lesado passou, de mero

referencial do episódio sub judice, a ser sujeito de direitos, numa relação triangular

com o réu e o julgado”.

Baseado em critérios que, aplicados dentro do espírito que a norteia, prestigia

a conciliação, a informalidade celeridade, oralidade e simplicidade no processo.

Resulta num enorme ganho e eficácia para a máquina judiciária.

Page 29: Monografia Historia Da Policia No Brasil

24

Os especialistas na área de segurança insistem em classificar nosso sistema

policial como o francês, vejamos como funciona a justiça francesa. Na França o

Direito Penal distingue três níveis de infrações criminais. Da mais leve à mais grave:

a contravenção, o delito e o crime. As penas previstas para cada uma das infrações

estão definidas no novo Código Penal, que entrou em vigor em 01.03.1994.31

Em primeira instância, há basicamente três juristiçãos penais: o Tribunal de

Police, Tribunal Correctionnel e a Cour d’assises.

O Tribunal de Police é composto por um juiz e é competente para julgar as

contravenções ( excesso de velocidade, estacionamento irregular, etc), as quais são

passíveis de multa ou suspensão da carta de habilidação ou confisco.

O Tribunal Correcticionnel é composto por três juizes ( sendo um, o juiz-

presidente ), competente para julgar os delitos (furto, direção em estado de

embriagues, estelionato, tráfico nacional ou internacioanl de entorpecentes, crimes

financeiros, etc.), os quais são passíveis de multa, prisão de até 10 anos ou, ainda

penas de prestação de serviços à comunidade, etc.

A Cour d’Assises, por sua vez, é composta por doze membros, sendo nove

jurados leigo, escolhidos por meio de uma lista eleitoral, e três juízes togados.

Referida Corte julga apenas os crimes, isto é, as infrações mais graves (roubo

qualificado, homicídio, estupro, etc.), passíveis de uma pena de reclusão, que pode

ir até à perpetuidade. Suas decisões são soberanas e não cabe recurso, salvo à

Cour de Cassation, a mais alta Corte, a qual não se manifesta sobre o fato, mas tão-

somente sobre o direito aplicado.

Cabe mencionar, outrossim, que há uma quarta jurisdição, chamada Tribunal

pour Enfants, competente para julgar as infrações cometidas pelos menores de 18

anos, cuja competência é daCour d’Assises de menores. Cabe citar que não há

limites de idade para se processar um menor. Exige-se, tão-somente, que fique

caracterizada por meio de um laudo técnico a capacidade de entendimento do ato

incorrido. O direito aplicado é específico e, se necessário, como última medida

extrema, caso falhem as sanções sócio-educativas, podem ser condenados à prisão

até metade da pena máxima prevista para os maiores.

31 SANCTIS, F. M. A justiça penal na França. A Força, São Paulo, n.18, p.17-21, abr./mai./jun. 1998

Page 30: Monografia Historia Da Policia No Brasil

25

Deve ser sublinhado que a representação processual por meio de advogado

nem sempre é obrigatória, como por exemplo no Tribunal de Police, Correctionel,

etc.

Com exceção da Courd’Assises – cujo procedimento é específico -. Perante

os juízes dos tribunais (ainda aqui se fala em primeira instância), há a audiência que

tem por objeto a discussão das provas. Essa audiência é, via de regra, pública. Nela

o conjunto de provas deve ser debatido perante os juízes: o réu interrogado, as

testemunhas e os peritos comparecem para responderem às questões. O Ministério

Público, o advogado da vítima e o do réu participam dos debates. O procedimento é

todo oral, sendo certo o escrivão anota apenas o essencial ( palavras-chaves) a

pedido do juiz-presidente. Este não dita toda a interpelação. Interessante notar que

os réus são indagados, após a vítima, havendo, de imediato, confronto de versões e

pedidos de justificativa.

Caso o ou os réus não compareçam sem motivo justificado ou o apresentado

não for acatado pelo tribunal, a audiência não é adiada.

Na França, não há direito ao silêncio. Isto significa que, uma vez silenciando

sobre as questões do tribunal, a interpretação será em desfavor do acusado.

No final da audiência, os membros do tribunal se reúnem em sala própria,

secreta, onde deliberam decidindo a causa, ou então designam data para a

publicação da sentença em audiência. O juiz-presidente discute com os demais qual

decisão deve ser tomada. Não há voto preponderante. Todos decidem em conjunto

o caso concreto.

Frise-se, outrossim, que a decisão pode, se o caso permitir, fixar a satisfação

cabível devido ao prejuízo aferido pela vítima (material ou não), uma vez que não há

separação de instâncias civil e criminal.

As decisões dos juízes são extremamente concisas, elaboradas pelo

escrivão, que se baseia num modelo adaptado ao caso concreto. Em havendo certa

complexidade, o que é raro, a decisão é redigida pelos juízes.

Interessante notar que os Tribunais de 2ª Instância (Cour d’Appel) não

consideram, via de regra, nulas tais decisões, por falta de motivação. Daí por que

poucos advogados ousam recorrer sob esse fundamento. Os juízes levam em

Page 31: Monografia Historia Da Policia No Brasil

26

consideração a quantidade de feitos e trabalhos desenvolvido nas audiências, que

podem exigir esforço contínuo de diversas horas de dedicação.

Cabe abordar, ainda o sistema colegiado de primeira instância francesa, que

é a regra geral. Para os franceses é inconcebível que um juiz sozinho exare

decisões penais de relevantes conseqüências. Além disso, consideram que o

sistema de juiz único expõe demasiadamente o magistrado, o que pode

comprometer o julgado, principalmente com relação ao juiz que acaba de ingressar

na carreira.

Cumpre-se notar que, antes de se sujeita o fato aos Juízes de julgamento de

primeira instância, em havendo certa complexidade, é necessária a sua apuração

pelo juiz de instrução. Inexistindo a fase de instrução, o fato é submetido

diretamente aos juízes, imediatamente após a infração, ainda que não seja caso de

flagrante.

A provocação do juiz de instrução cabe ao Ministério Público, ou à vítima,

sendo obrigatória a atuação dele em caso de cometimento de crimes.

Dez por cento dos processos julgados passam pelo juiz de instrução, o qual

possui um papel simultâneo de juiz e apurador. Isto é, ele ouve envolvido e

testemunhas e toma certas decisões jurisdicionais. Como apurador, ele procura os

elementos de informação, úteis à manifestação da verdade, sejam ou não

favoráveis ao réu. Conduz, ainda, os interrogatórios e depoimentos e, se

necessário, as acareações. Alem disso, dirige o trabalho da polícia, podendo delegar

a esta seus poderes de apuração. Pode, ainda, determinar perícias e apurar acerca

da personalidade do envolvido. Na função de juiz, decide sobre a possibilidade da

detenção provisória ou sua substituição mediante condições a serem cumpridas

pelo envolvido. O juiz de instrução pode, enfim, determinar o arquivamento do feito,

ou encaminhar aos juízes para julgamento. Urge observar que não há prazo para a

detenção provisória, não sendo incomum verificar-se a prisão cautelar pelo prazo de

dois ou três anos antes mesmo da decisão de primeira instância.

A Polícia, por sua vez, tem seu papel relevante. Procede aos interrogatórios e

depoimentos em havendo ou não flagrante delito e investiga mortes suspeitas,

sempre sob a direção do Ministério Público. O membro do Parquet pode

pessoalmente comparecer na Polícia e decidir pela interrupção do trabalho desta,

Page 32: Monografia Historia Da Policia No Brasil

27

passando a dirigir os trabalhos nessa instituição. O Ministério Público deve ser

comunicado de certas circunstâncias, como prisão em flagrante ou temporária (art.

54, CPP) e envolvimento de um menor (art. 78, “3”, CPP). Além disso, tem que

concordar com a devolução de objetos apreendidos (art. 56, CPP), prolongação da

prisão temporária (art. 63 e 77, CPP), bem como tomada de impressões digitais e

tiragem de fotografias, quando da identificação (art.78,”3”, CPP). Pode, ainda,

expedir Mandado de Condução coercitiva a um suspeito que deverá ser a ele

apresentado para seu interrogatório.

Importante mencionar, nesse passo, que o membro do Parquet é um

magistrado, recrutado como os magistrados da jurisdição, ou seja, mediante

concurso de provas ou de títulos. Daí por que tomam certas decisões típicas do

nosso sistema de Poder Judiciário. Podem, durante o curso de sua carreira, passar

ao Judiciário como os juízes podem se tornar membros do Parquet. Estes, ao

contrário dos juízes que são, por força da Constituição francesa, totalmente

independentes, são hierarquicamente subordinados ao ministro da Justiça, de quem

podem receber ordens, até mesmo a maneira de se conduzir com relação ao

procedimento penal, com maior ou menor severidade.

Por fim, cumpre tecer algumas palavras sobre a prisão em flagrante ou

temporária, chamada garde à Vue. Trata-se de medida mediante a qual toda pessoa

deverá permanecer presa na polícia, durante certo tempo dependendo da natureza

da infração, caso haja necessidade para as investigações. Regra geral é de 24

horas, podendo ser prorrogada por mesmo lapso. O advogado, no caso, só é

comunicado 20 horas após a prisão e não possui acesso aos autos. O acesso só

ocorre quando os autos chegam ao Juízo de Instrução.

Mesmo os menores são passíveis dessa modalidade de prisão , salvo se

possuírem idade inferior a 13 ano, os quais estão sujeitos à lei específica que lhe

prevê, tão-somente, medidas sócio-educativas, em caso de condenação.

Todo o procedimento é secreto ainda quando os autos já estão na posse do

Juízo de Instrução, caso em que somente os advogados dos réus e o órgão do

Ministério Público terão acesso.

Vê-se, assim o quão é particular o sistema francês de repressão.

Page 33: Monografia Historia Da Policia No Brasil

28

Interessante notar que, devido à existência do controle policial pelo Parquet

na fase inicial do procedimento e eventualmente a sujeição deste ao juiz de

instrução (quando o caso permite face à sua complexidade), os processos

submetidos aos juízes de primeira instância, chamados de tribunal, acabam por

acarretar a condenação dos réus. Submetidos que são, logo que são presos, à

instrução policial e/ou judicial, sem o concurso técnico de advogados, ficam

desencorajados a negar os fatos. Quando isto ocorre, imediatamente as versões são

confrontadas com as possíveis vítimas e co-réus, até mesmo perante o tribunal,

fatos que acabam a conduzi-los à confissão ou versões inverossímeis. Daí, quiçá,

explicar-se-ia a ocorrência de raras decisões absolutórias.

4 CONCLUSÃO

Passamos então a analisar o nosso sistema. Como já vimos anteriormente, o

funcionamento das nossas policias, vamos analisar. Para a existência de um sistema

policial brasileiro, se faz necessários três aspectos relevantes:

a) existência de uma Polícia federal, bem estruturada, organizada e definida,

com missões constitucionais específicas;

b) unicidade do Direito Processual Penal;

c) Polícias Militares (Forças Policiais dos Estados-Membros) com missão

definidas constitucionalmente: manutenção da ordem pública.

Com efeito, salvo no tocante às suas Forças Públicas, cada Estado organiza

sua polícia judiciária da forma que lhe é mais peculiar. Ressalvando a Inspetoria

Geral das Policias militares (IGPM), no tocante às forças públicas, inexiste em

âmbito nacional um órgão que, pelo menos no campo doutrinário, pudesse

estabelecer a cooperação entre as polícias.

No âmbito estadual vejamos, na maioria deles prevalecem as rivalidades

estéreis entre a Polícia Civil que se institucionalizou congregando diversas classes

Page 34: Monografia Historia Da Policia No Brasil

29

de funcionários de Polícia Judiciária e Polícia Técnica Científica, e as seculares

Polícias Militares.

A processualística Penal é que define a essência do Sistema Policia vigorante

em determinado país. No Brasil, perpetramos o erro em 1871 e nele permanecemos,

inexplicavelmente, apesar das mutações da história.

Definindo a essência do sistema, a processualística influirá, decisivamente, na

eficiência e eficácia das organizações policiais.

O atual Código de Processo Penal, instituído em 1941, prosseguiu na tradição

imperial de Conservação do Inquérito Policial, assim justificado na Exposição de

motivos do então Ministro da Justiça:

“Foi mantido o inquérito policial como processo preliminar ou preparatório da

ação penal, guardadas as suas características atuais. O ponderado exame da

realidade brasileira que não é apenas a dos centros urbanos, senão também a dos

remotos distritos das comarcas do interior, desaconselha o repúdio do sistema

vigente.”

Veja, décadas após a consagração de um anacronismo, já o Brasil

penetrando celeremente na era industrial, vivendo o fenômeno do urbanismo os

juristas têm o desplante de continuar atravancando a administração da justiça

criminal com a manutenção do instrumento emperrador. Mas continua a exposição

de motivos:

“o preconizado Juízo de Instrução, que importaria limitar a função da

autoridade policial a prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e

indicar testemunhas, só é praticável sob a condição de que as distâncias dentro de

seu território de jurisdição sejam fáceis e rapidamente superáveis...”

O certo é que a oportunidade perdida em 1871 continuou perdida com o sopro

renovador da república. E pior, permaneceu perdida no bojo dos avanços pós-

revolução de 1930.

No entanto, os juristas e profissionais sensatos continuam a clamar pela

evolução do nosso sistema policial.

Page 35: Monografia Historia Da Policia No Brasil

30

“As pessoas que são investigadas em um inquérito policial ficam ao sabor do

arbítrio da autoridade policial, sempre propensa a violar o direito individual para obter

a prova do fato.”32

“Juízes promotores e advogados reconhecem que o inquérito policial é hoje

uma ação completamente distorcida.”33

Na mesma linha de raciocínio tem se pronunciado o jurista Vivaldo Vieira

Barbosa. Em artigo publicado no Jornal do Brasil há anos, preconizou o rompimento

com a atual estrutura da processualística penal que enseja o arbítrio e o desrespeito

aos direitos humanos. Em certo trecho foi enfático:

“O Promotor e o Juiz devem participar da investigação desde o inicio como

acontece nos países adiantados e com maior grau de democratização e como foi a

tradição do velho Direito Português até a promulgação do Código de Processo

criminal do Império, que num ato de centralização autoritária retirou a investigação

do controle do judiciário e a colocou sob a direção do Executivo.”34

Veja no anexo II, a solução de um assalto a mão armada ocorrido na França,

e sua solução. Uma ocorrência que lá durou 72 horas para se ter solução, aqui pode

levar vários meses ou até mesmos anos.

O sistema processual vigente remonta às leis Filipinas, ao Brasil-Colônia,

tornando ineficientes o trabalho da policia e, principalmente, o da justiça. Não é a

forma ideal de produção de justiça rápida. Ele prolonga, é burocrático, desperdiça

tempo e provas. Depois, tudo é refeito na Justiça, anulando o trabalho da policia.

Nosso quadro constitucional brasileiro está próximo da realidade européia,

uma vez que o ideal de uma polícia unificada não implica, necessariamente, a fusão

dos organismos atualmente existentes. Basta tão somente a vontade política do

legislador para solucionar de vez com inteira propriedade a questão. Isto começa a

acontecer em 1988, com a promulgação da constituição e, por conseqüência com a

Lei 9.099, onde o judiciário passa a ter maior participação.

Na teoria dos sistema policiais, o nosso é algo a parte. Não se encaixa

perfeitamente em nenhum deles.

32COSTA, Á. M. Jornal do Brasil , 24/06/79. 1º caderno, p.22. 33 Id. 34 Id.

Page 36: Monografia Historia Da Policia No Brasil

31

No sistema político, a polícia é essencialmente de manutenção da ordem

pública, independente da organização judiciária, não inquire testemunhas e nem

pratica ato que importe em informação para a propositura da ação penal. Este

sistema é o vigorante na Inglaterra. Poderíamos encaixar neste sistema, talvez a

polícia militar, no entanto, temos outra parte da polícia, a judiciária que inquire e

participa da propositura da ação penal.

No sistema eclético, a polícia assume duplo papel. De um lado é órgão tão

somente do poder executivo, exercitando a manutenção da ordem pública,

prevenindo e reprimindo e de outro, auxilia a justiça e outros órgãos da

administração pública. Aqui também não da para nos encaixarmos, pois são

divididas cada uma com uma parte dessas funções. Aqui cada Estado organiza sua

polícia judiciária. Apenas a Polícia Militar e organizada a nível nacional, através da

Inspetoria Geral das Policiais Militares (IGPM). Não há em âmbito nacional um órgão

que estabeleça a cooperação entre ambas.

O sistema histórico, onde a ação da polícia confunde-se com a função

judicante, já foi o sistema adotado no Brasil-Colônia, como vimos no início, deste

trabalho. É um sistema totalmente ultrapassado.

No sistema jurídico, a polícia previne os crimes e evita a fuga dos criminosos.

No campo da repressão, auxilia o Ministério Público e atua sob a supervisão e

orientação deste. È o sistema vigorante na França. Neste sistema, podemos dizer

que ela atua na prevenção e evita a fuga dos criminosos. Mas na segunda parte,

não se encaixa como deveria. Falta aqui uma maior participação do Ministério

Público na sua atuação, participando desde o início. E uma vez mais a questão da

falta de um órgão que estabeleça a cooperação entre as polícias a nível nacional e

até mesmo Estadual.

Nossa organização Policial Brasileira, centrada nos Estados-Membros,

carrega erros do século passado, está viciada e caótica. Falta-nos tradição, uma

continuidade de trabalho, um trabalho bem planejado. Falta colocar em primeiro

lugar os direitos do cidadão, antes do interesses das elites, nossas organizações

precisam ser dirigidas pelo povo e voltada para ele.

O Ministério Público sendo titular da pretensão punitiva do Estado não pode

ficar afastado da investigação e produção de provas. Não pode ficar distante do fato,

Page 37: Monografia Historia Da Policia No Brasil

32

ou adstrito ao superado Inquérito Policial, praticado pela polícia judiciária, que acaba

muitas vezes por atrasar todo o processo penal. O que caracteriza o Sistema Policial

Jurídico é o comando do Ministério Público nas investigações da polícia judiciária

em paises como a França, Japão, Estados Unidos México Itália, etc... porque no

Brasil deveria ser diferente ?

Podemos dizer que no Brasil não temos polícias organizadas, de forma

estável e permanente somente sistemas de policiamento que vão surgindo e

desaparecendo na medida em que são verificadas mudanças sociais e políticas em

nossa sociedade. A situação não é exceção.

Atualmente se comenta em fazer novas mudanças, querendo unir aos policias

estaduais. Agora vejamos, esta divisão de atribuições da polícia no plano

constitucional vigente, não é ruim. Esta divisão dicotômica da polícia militar e a

polícia civil é uma divisão “natural” do possível ou defensável ciclo de polícia e

tecnicamente é boa, até porque, mesmo nas polícias que exercem o ciclo completo,

o policial que atende a ocorrência criminal não é o mesmo que irá investiga-la.

As mudanças pretendidas continuam, pretendendo desmilitarizar a policia

ostensiva. No entanto vejo esta desmilitarização de duas formas: por um lado os

políticos que temem uma nova ditadura, ainda com lembranças dos anos dos

governos militares; por outro, políticos que vêem na policia militar estadual uma força

de repressão dos governadores contra seus opositores. Mais uma vez nota-se os

interesses políticos por traz de mudanças, buscando seus interesses e fazendo

surgir pressões para novas mudanças no sistema policial.

Em países como na França, Bélgica, Espanha, Portugal, Itália e diversos

outros as policias são militarizadas, e funcionam bem. Talvez o problema não esteja

em serem militar, mas sim na administração. Com a desmilitarização elas sem

dúvidas tornariam-se mais fracas e indisciplinadas, e teriam mais dificuldade em

combater o crime organizado, pois este a cada dia usa mais técnicas militares para

se organizar.

À luz do exame dos diferentes sistemas policiais, para a melhoria da Polícia

no Brasil são necessárias algumas providências, como a coordenação entre os

diversos órgãos policiais e depois o aperfeiçoamento de cada órgão e ainda políticos

Page 38: Monografia Historia Da Policia No Brasil

33

mais sérios que não busquem apenas seus interesses, mas sim o do povo além de

uma maior participação de nossos sociólogos nos problemas brasileiros.

Page 39: Monografia Historia Da Policia No Brasil

34

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Manoel Mauricio de. Pequena história da formação social

brasileira. Rio de Janeiro: Graal, 1981.

ALMEIDA, Klinger Sobreira de. O Poder de Polícia e a Polícia de Manutenção da

Ordem Pública. O Alferes, Belo Horizonte, n.1, set./dez. 1983

_________. Roubo a mão armada em Orry-La-Ville. O Alferes, Belo Horizonte, n.4.

set/dez. 1984.

ANDRADE, Ivan Moraes de. Polícia judiciária. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958

ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. Salvador: Progresso, 1955.

COSTA, Álvaro Mayrink da. Jornal do Brasil , 24/06/79. 1º caderno, p.22

DITADURA. In: ENCICLOPÉDIA Nosso Século. São Paulo: Abril, 1980. v.10.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder. 7.ed. Rio de Janeiro: Globo, 1987. v.1

FURTADO, Celso. Análise do “modelo” brasileiro. 3.ed. Rio de Janeiro:

Civilização brasileira, 1972.

INSTRUÇÃO POLICIAL. Manual básico. Rio de Janeiro: PMDF/RJ,1952

LADEIRA, Antônio Dutra. Manual de organização e prática policiais. Ed.

Academia de Polícia Civil , 1971

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. 2.ed. São Paulo: Alfa-Omega,

1975

LIMA Jr, Augusto de. Crônica militar. 2. ed. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1969

PARANÁ. Governo (1852-1853-1854 Cons. José Thomaz Nabuco de Araujo)

Relatório do presidente da provincia de São Paulo, 1852. Curitiba: Centro de

Estudos Bandeirantes.

SCHELL, Jonathan. O destino da terra. Rio de Janeiro: ed.Record, 1982

SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense,1967. v.1

SOARES, Plácido. Segurança pública questionada. Curitiba: Publicação para

todos, 1987.

Page 40: Monografia Historia Da Policia No Brasil

35

OBRAS CONSULTADAS:

BEDNARCZUK JUNIOR, Alfredo; SANTOS JUNIOR, João Jorge dos. A visão do

poder judiciário sobre a competência da polícia militar para elaborar o termo

circunstanciado. Curitiba, 1999. 104 f. Monografia (Especialista em administração

da PMPR) Departamento de Contabilidade do Setor de Ciências Sociais,

Universidade Federal do Paraná.

BENEVIDES, Maria. Victoria. Violencia povo e policia. São Paulo: Brasiliense,

1983.

BICUDO, Helio. Violência: o Brasil cruel e sem maquiagem. 7.ed. São Paulo:

Moderna, 1994.

BRASIL. Lei n. 0.099, de 26 de Setembro de 1995. Dispões sobre o Juizado

Especial Civil e Criminal e dá outras providências. Diário Oficial da República do

Brasil, Brasília, n.186, p.15033, 27 set. 1995

_______ . Constituição da República Federativa do. Promulgada em 05 de

Outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989

_______ . Código de Processo Penal. 23.ed. São Paulo: Saraiva, 1984

DAVIS, Mike. Cidade de quartzo. Escavando o futuro em Los Angeles. São

Paulo: Editora página aberta, 1993.

MASLOW, A.H. Uma teoria da motivação humana. in Comportamento Humano na

Empresa. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1980. p.344

ROCHA, Luís Carlos. Prática policial. São Paulo: Saraiva, 1982.

SALGADO, Joaquim Carlos. Os direitos fundamentais e a Assembléia

Constituinte. In Constituinte e Constituição. Belo Horizonte: Conselho de Extensão

da UFMG, 1986.

Page 41: Monografia Historia Da Policia No Brasil

36

ANEXO 1 - CONSTITUIÇÕES ABORDANDO O TEMA SEGURANÇA PÚBLICA

1) Constituições do Brasil

a) A Constituição Política do Império do Brasil, de 1824. (Outorgada)

“Art. 9º - A divisão e harmonia dos poderes políticos é o principio conservador

dos direitos dos cidadãos, e o mais seguro meio de fazer efetivar as garantias que a

Constituição oferece.”

“Art. 179 – A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos

brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é

garantida pela Constituição do Império.”

b) Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, em 1891.

“Art. 14 – As forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes,

destinadas à defesa da Pátria no exterior e à manutenção das leis no interior.”

(.....)”

“Art. 78 – A especificação das garantias e direitos expressos na Constituição

não exclui outras garantias e direitos não enumerados, mas resultantes da forma de

governo que ela estabelece e dos princípios que consigna.”

c) Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1934.

Repete, nos artigos 113 e 114, os mesmos Direitos e Garantias Individuais

previstos na Carta de 1891 e mantidos na Emenda Constitucional de 1926.

d) Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937. (Outorgada)

Page 42: Monografia Historia Da Policia No Brasil

37

“Art. 122 – A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes

no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos

seguintes:

(....)”

“Art. 123 – A especificação das garantias e direitos acima enumerados não

exclui outras garantias e direitos, resultantes da forma de governo e dos princípios

consignados na Constituição. O uso desses direitos e garantias terá por limite o bem

público, as necessidade da defesa, do bem-estar, da paz e da ordem coletiva, bem

como as exigência da segurança da Nação e do Estado em nome dela constituído e

organizado nesta Constituição.”

e) Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1946.

“Art. 141 – A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à

segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

(....)”

“Art. 138 – As polícias militares, instituídas para a segurança interna e a

manutenção da ordem nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, são

consideradas como forças auxiliares, reserva do Exercido.”

f) Constituição do Brasil, de 1967.

“Art. 13 - .....................................

§ 4º - As polícias militares, instituídas para a manutenção da ordem e

segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, e os corpos de

bombeiros militares são considerados forças auxiliares, reserva do Exército.”

O artigo 150 repete as Constituições anteriores ao estabelecer os Direitos e

Garantias Individuais.

g) Constituição do Brasil Emenda Constitucional nº 1, de 1969.

Page 43: Monografia Historia Da Policia No Brasil

38

Mantém, no artigo 153, os mesmos ditames relativos aos Direitos e Garantias

Individuais previstos nas Cartas anteriores.

h) Constituição Brasileiro de 1988, trata da Segurança Pública no País

como:

CAPÍTULO III

DA SEGURANÇA PÚBLICA

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de

todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das

pessoas e do patrimônio , através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

*Competência da Polícia Rodoviária Federal: Decreto n. 1.655, de 03-

10-1995.

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

*Conselho Nacional de Segurança Pública - CONASP: Decreto n.

2.169, de 04-03-1997.

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 1º -policia federal, instituída por lei como órgão permanente, é destinada a:

I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento

de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e

empresas públicas, assim como outras infrações, cuja prática tenha repercussão

interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em

lei;

II – prevenir e reprimir, em todo o território nacional, o tráfico de

entorpecentes e drogas afins e o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da

atuação de outros órgãos públicos em suas respectivas áreas de competência;

III – exercer a polícia marítima, aérea e de fronteiras;

Page 44: Monografia Historia Da Policia No Brasil

39

IV – exercer com exclusividade a polícia judiciária de União.

§ 2º - A polícia rodoviária federal, órgão permanente, estruturado em carreira,

destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.

§ 3º - A polícia ferroviária federal, órgão permanente, estruturado em carreira,

destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.

§ 4º - Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,

incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a

apuração de infrações penais, exceto as militares.

§ 5º - Às policias militares cabem a polícias ostensivas e a preservação da

ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em

lei, incumbe a execução de atividade de defesa civil.

§ 6º - As policias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e

reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos

Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

§ 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos

responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas

atividades.

• Conselho Nacional d Segurança Pública - CONASP: Decreto

n.2.169, de 04-03-1997.

§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais à proteção de seus bens,

serviço e instalação, conforme dispuser a lei.

2) Constituição da República do Chile, de 09 de Outubro de 1981.

“Art. 19 – A Constituição assegura a todas as pessoas:

1º - O direito à vida e à integridade física e psíquica da pessoa:

..................................................

7º - O direito à liberdade pessoal e à segurança individual.

...................................................

Page 45: Monografia Historia Da Policia No Brasil

40

8º - O direito a viver em um meio ambiente livre de contaminação. É dever

do Estado velar para que este direito não seja afetado e tutelar a preservação da

natureza.”

Deve-se observar, na análise do direito “à liberdade pessoal e à segurança

individual”descrito no § 7º, que a vontade constitucional quer resguardar a pessoa

das ações arbitrárias e ilegais do próprio Estado, como se vê nas alíneas que

explicam o dito direito.

Nesta Constituição chilena, o Capitulo X trata das forças Armadas, de Ordem

e Segurança Pública”, definindo a formação e atribuições das referidas forças.

As forças de ordem e de Segurança Pública são integradas por Carabineiros

e Investigações, e “existem para dar eficácia ao direito, garantir a ordem pública e a

Segurança Pública interior, na forma que o determinem suas respectivas leis

orgânicas. Os Carabineiros se integrarão, ademais com as forças armadas na

missão de garantir a ordem institucional da República”.(art.90)

3) Constituição da República Popular da China, (comunista) de 1982.

“Art. 28 – O Estado mantém a ordem pública, reprime a alta traição e demais

atividades contra-revolucionárias, castiga todo ato que prejudique a segurança pública e

solape a economia socialista assim como outros atos delituais sanciona os criminosos e

os submete a um processo de reformação.”

“Art. 29 – As forças armadas da República Popular da China pertencem ao

povo. Sua missão é fortalecer a defesa nacional, resistir à agressão, defender a pátria,

proteger o trabalho pacífico do povo, participar da construção do País e servir com

fervor ao povo.”

“Art. 51 – Os cidadãos da República Popular da China, no exercício de suas

liberdades e direitos, não devem prejudicar os interesses do Estado, da sociedade ou da

coletividade, nem menoscabar as liberdades e direitos legítimos dos demais cidadãos.”

Page 46: Monografia Historia Da Policia No Brasil

41

“Art. 53 – Os cidadãos da República Popular da China devem acatar a

Constituição e as leis, guardar os segredos do Estado, proteger os bens públicos,

observar a moral pública.”

Dos artigos transcritos, torna-se interessante revelar que a manutenção da

ordem pública e da segurança pública é dever do Estado, e, por conseguinte direito do

cidadão. Mas a este incumbe também, como dever, cumprir as prescrições dos artigos

51 e 53 supra, o que em síntese, significa contribuir para a manutenção das mesmas

ordem e segurança pública.

4) Constituição da República de Cuba, de 1976.

“Art. 57 – A liberdade e inviolabilidade de sua pessoa estão garantidas a

todos os que residem no território nacional.

Ninguém pode ser detido senão nos caso, na forma e com as garantias que

prescrevem as leis. O detido ou preso é inviolável em sua integridade pessoal.”

5) Constituição Espanhola, de 1978.

“Ar. 15 – Todos têm direito à vida e à integridade física e moral, sem que

em nenhum caso, possam ser submetidos à tortura nem a penas ou tratos

desumanos ou degradantes. (.....)”

“Art. 17 – Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança. Ninguém

pode ser privado de sua liberdade, salvo com a observância do estabelecimento

neste artigo e nos casos e na forma prevista em lei.

6) Constituição dos Estados Unidos da América, de 1787.

Page 47: Monografia Historia Da Policia No Brasil

42

“Emendas II – Sendo necessária à segurança de um Estado livre a existência

de uma milícia bem organizada, o direito do povo de possuir e usar armas não

poderá ser impedido.”

“Emenda IV – O direito do povo à inviolabilidade de suas pessoas, casas,

papéis e haveres contra busca e apreensão arbitrárias não poderá ser infringido.

(.....)”

“Emenda IX – A enumeração de certos direitos na constituição não poderá ser

interpretada como negando ou coibindo outros inerentes ao povo.”

7) Constituição da França, de 1958.

“Art. 34 – Compete aos Parlamentares votar as leis.

A lei estabelece as regras relativas: Aos direitos cívicos e às garantias fundamentais

das liberdades públicas, bem como as relativas sujeições impostas aos cidadãos nas

suas pessoas e nos seus bens pela defesa nacional.”

8) Constituição do Japão, de 1946.

“Art. 11 – O povo não será privado do gozo de nenhum dos direitos

fundamentais humanos. Estes direitos fundamentais humanos assegurados ao povo

por esta constituição serão concedidos ao povo desta e das futuras gerações como

direitos eternos e invioláveis.”

“Art. 12 – A liberdade e os direitos garantidos ao povo por esta constituição

serão mantidos pelo esforço constante do povo o qual se abastecerá de qualquer

abuso dessas liberdades e direitos e sempre se responsabilizará pela utilização dos

membros em prol do bem público.”

“Art. 13 – Todos serão respeitados como indivíduos. Seu direito à vida, à

liberdade e à procura da felicidade, até o limite em que não interfira com o bem

público, receberá a suprema consideração na legislação e em outros assuntos

governamentais.”

Page 48: Monografia Historia Da Policia No Brasil

43

ANEXO 2 ESTUDO DE CASO

ROUBO A MÃO ARMADA EM ORRY-LA-VILLE (OISE)

Por volta de 15,25h de de 17 de Jan 69, um funcionário trabalhava na agência

dos correios de Orry-La-Ville com uma empregada. Um cliente estava junto ao

guichê.

Repentinamente, ele ouviu uma voz de homem gritar: “Mãos para cima!

Passe a grana, depressa!”

Levantando a cabeça, ele percebeu dois indivíduos trajando impermeáveis,

chapéus e óculos escuros e armados de pistolas-metralhadoras. O cliente se

refugiou próximo à cabine telefônica. O funcionário, assustado atrás do guichê,

dobrou-se às imposições dos dois indivíduos. Recolhendo o dinheiro, os último se

retiraram recuando até à rua e entratam em uma “ID”, ou “DS”, de cor azul, de teto

claro, que partiu em disparada.

O funcionário comunicou, então, à Brigada de Chantilly: “Dois indivíduos

armados acabaram de invadir a agência dos correios e tomaram, sob ameaça, uma

soma de 5.000 francos, aproximadamente. Fugiram a bordo de uma “ID” ou “DS”,

citroen, de cor azul, cujas letras de plana parecem ser: “...MX”. Eram 15,30 horas.

A INVESTIGAÇÃO

Tão logo foi cientificado, o Cmt da Brigada de Chantilly retransmitiu o alerta

pelo rádio ao Cmt da Cia de Senlis, que assumiu o comando das operações.

Simultaneamente:

d) Foram instaladas barreiras;

e) Foram enviadas patrulhas aos municípios de Orry-La-Ville e imediações;

f) Foram alertadas as Brigadas limítrofes do Departamento de Vald’Oise;

g) Foram avisados todos os serviços de polícia do Departamento de Oise e

daqueles limítrofes;

- A Brigada de Chantilly e a Brigada de Investigações de Senlis foram

encarregadas da investigação, sob o comando do Cmt da Cia, que se dirigiu ao local

do evento.

Page 49: Monografia Historia Da Policia No Brasil

44

Às 15,45, um carro Citroen, de placa 344 AE 95, azul, de teto branco, foi

descoberto, abandonado, numa estrada vicinal, na floresta de Coye la-Forêt. A

chave estava na ignição; o motor estava quente. A chuva que caia no momento se

condensava e produzia vapor sobre o “capô”.

O veículo foi imediatamente identificado na Prefeitura de ValdÓise: Ele tinha

sido furtado em Villiers-le-bel, na noite de 13 de janeiro.

Às 16,05, o chefe de manobra da SNCF, na estação de Orry-la-Ville,

comunicou a uma patrulha de gendarmes que acabara de ver dois indivíduos

atravessando a via férrea, cerca de 100 metros ao norte da estação e subindo num

trem em manobra.

Seu aviso foi confirmado pela “dispagem”dos cães das Cia de Senlis e

Compiègne que rastreavam desde o “ÏD” 19, abandonado, se dirigindo no sentido

daquela via, tendo-a perdido nas imediações. O pessoal foi deslocado para tais

lugares e passou a empreender uma procura minuciosa.

Às 16,15h, dois cantoneiros da SNCF transmitiram aos gendarmes de

Chantilly uma informação interessante: Às 14,30h, eles haviam visto, estacionado na

orla de um caminho de terra ao longo da via férrea Orry-Chantilly, dói veículo eles

tiveram a intuição de anotar as placas: “344AE95” Citron e “406AW95”Renault.

O condutor da Renault, um homem de cor, saíra desse veículo, entrando na

“ID”, ocupada por dois homens. Instantes após ele retornou ao seu carros e os dois

veículos partiram em direção a Orry-La-Ville.

O “ID” placa 244AE95 era o veículo furtado (foi encontrado, abandonado,

uma meia hora após). Na ocasião já se deduzia que teria sido o veículo que

permitira aos autores retornar às suas residência. O Renault também foi identificado

na Prefeitura de Vald’Oise: Era de propriedade do Sr. S... , residente em Villers-le-

Bel.

A Brigada de Ecouen, convidade a verificar o assunto, informou que o veículo

em questão fora vendido após 13 Jan 69 a H..., residente em Villiers-le-Bel. O novo

proprietário não foi encontrado em seu domicílio, o que levou a Brigada a manter

vigilância sobre o local, aguardando seu retorno.

Às 19,00h, as buscas na zona da estação de Orry-la-Ville foram suspensas.

Às 19,30h, os investigadores se dirigiram a Villiers-le-Bel.

Page 50: Monografia Historia Da Policia No Brasil

45

À sua passagem pela Brigada de Ecouen, eles foram informados que os

gendarmes que se encontravam vigiando o domicílio de H... (um guadelupano) o

haviam prendido e o mesmo encontrava-se à sua disposição. Na cidade os

investigadores receberam o preso, passando a mantê-lo sob custódia.

Seu domicílio foi mantido sob vigilância pela Brigada de Ecouen.

Nessa ocasião, havia cerca de 24h que o roubo ocorrera.

Por ocasião do interrogatório, H... declarou ser proprietário do veículo

“406AW95”, desde 13 Jan 69. Disse que o carro esteve estragado em Goussainville,

95, de 15/16 Jan até 17 Jan 69, até horário que não sabia precisar e que tinha

recebido com uma roda amassada. Acrescentou que não tinha comparecido a Orry-

la-Vile, após adquirir o carro.

Durante suas declarações, discretamente, os dois cantoneiro foram colocados

em um corredor dos escritórios da Brigada, para verem a passagem de H...

Eles o reconheceram formalmente como sendo o homem de cor, que dirigia o

veículo que eles tinham visto após o meio-dia de 17 jan.

Em 18 jan 69, os investigadores se dirigiram a Villiers-le-Bel, e após ouvirem a

Senhora H... ( que não acrescentou nenhum elementos novo), procederam a uma

busca no domicílio. Durante essa, a importância de 1.370 francos foi descoberta,

dissimulada no porão, junto com roupas sujas de argila.

Durante sua segunda inquirição, H... confessou ter participado do roubo à

mão armada dos correios de Orry-la-Ville, em companhia de G..., residente em

Gonesse e de 9..., antes residente em Villiers-le-Bel e atualmente sem domicílio fixo.

Os investigadores sabiam então que:

(1º) Em 17 jan 69, por volta de 12h, H... chegara à casa de G... em Gonesse,

o qual lhe propôs “fazer” os correios de Orry-la-Ville, tendo aceito a idéia.

(2º) Seguiram os dois com destino a Villiers-le-Bel, no veículo de H... (G...

levara um saco de viagem, do qual H... ignorava, conforme disse, o conteúdo).

(3º) Em Villiers-le-Bel, eles contrataram B.... e foram a Luzarches, onde G... e

B.. entraram num “HD 19”, Citroen, furtado. Os dois veículos tomaram a direção de

Orry-la-Ville e foram estacionar na floresta, perto da estação. Lá H...., G.... e B.....,

perceberam que eram observados pelos empregados da SNCF, que trabalhavam na

estrada, entraram em outra pequena estrada, onde permaneceram até cerca de

Page 51: Monografia Historia Da Policia No Brasil

46

14,45h. G... e B... se prepararam e cada um camuflou uma arma sob os respectivos

impermeáveis.

(4º) Depois, os três entraram no “ID19”, deixando o outro veículo estacionado

numa estrada vicinal.

(5º) Após ter feito um reconhecimento prévio dos correios e dos lugares, com

o “ID 19”, H.... que o conduzira, se posicionou no estacionamento em frente ao

posto, com o motor funcionando.

G... e B... entraram na agência dos correios. Dois ou três minutos após, eles

saíram precipitadamente e entraram no carro, o qual abandonaram em local não

muito distante de lá.

(6º) Eles foram à floresta, onde estava estacionado o outro carro e

embarcaram no mesmo. Seguindo até a estação de Orry-la-Ville.

Lá, G... e B... desceram e H... retornou a Villiers-le-Bel.

(7º) Por volta de 18,15h, G… B… e H… se reuniram na casa de G... para

dividir o dinheiro.

ÀS 17,00h, os investigadores se dirigiram a Gonesse e, com a participação

dessa Brigada, se dirigiram à casa de G...., o qual não estava.

Conforme o testemunho dos vizinhos, ele não fora visto após o meio dia de 17

jan. Uma vigilância discreta sobre seu domicilio foi mantida pelos investigadores até

às 21,00h; depois pelos militares da Brigada de Genesse e da Brigada de

Investigações de Montmorency-95.

Foi difundido um pedido de busca referente a G... e B...

Em 19 jan, às 11,00h, H... foi apresentado ao “Ministério Público”e recolhido à

cadeia de Compiégne.

Uma carta-precatória expressa foi imediatamente enviada ao Juiz de

instrução para prosseguimento do inquérito.

Como B... tinha um avô em Béthisg-Saint-Pierre-60, a Brigada de Verberie

dirigiu-se ao seu domicílio em 19 jan, onde conseguiu localizá-lo.

B... foi conduzido pelos investigadores. Ele afirmava não conhecer H...

Como resultado de uma busca minuciosa, foi encontrada a soma de 160,90

Francos. Ele admitiu a mesma provinha de um roubo à mão armada, cometido em

Orry-la-Ville, em companhia de H... e de G...

Page 52: Monografia Historia Da Policia No Brasil

47

Em virtude do Art. 105 do Código de Processo Penal, seu interrogatório foi

interrompido.

Às 17,00h, a Brigada de Gonesse avisou que G... acabara de chegar em seu

domicílio. Os investigadores seguiram para o local e procederam a uma busca, que

levou à descoberta de duas carabinas modificadas ( tendo o aspecto de pistolas-

metralhadoras, podendo disparar rajadas), de uma soma de 1.450 Francos, de uma

pistola de alarme, de 46 cartuchos 22 L.R., de um caderno ( no qual figurava uma

inscrição relativa à utilização de um veículo e a uma partilha, provando que a ação

tinha sido preparada), de um saco de viagem, no qual foi encontrado, sobre um

papel, o selo da agência de correios de OrrY-la-Ville, com data de 17 jan 69.

Durante seu interrogatório, G... reconheceu que os objetos e valores

descobertos em seu domicílio eram ligados ao roubo a mão armada de 17 jan. em

Orry-la-Ville, a bordo de um veículo “ID 19”de cor azul, roubado em Villers-la-Bel em

13 jan. e que esse roubo fora cometido em companhia de B... e H...

Em virtude do Art. 105 do CPP, seu interrogatório foi interrompido.

Em 20 de jan., às 16,00h G...e B... foram apresentados ao Juiz de Instrução e

recolhidos à cadeia de Compiégne.

Um outro roubo a mão armada, cometido em Oise há algum tempo foi

solucionado ao mesmo tempo: Os indivíduos foram reconhecidos.

Ensinamentos:

Se, em 72 horas, o inquérito foi encerrado e os autores presos, é necessário

frisar que o rápido resultado é devido:

(1º) À presença de espírito e ao sentido de observação de dois empregados

da SNCF, que tiveram a intuição de anotar as placas de dois veículos que lhes

pareceram suspeitos;

(2º) À estreita colaboração entre as diversas Brigadas que se situam em

Vald’Oise;

(3º) À rapidez de execução em conjunto do pessoal interessado na missão e

ao seu desejo de bem cumpri-la.

Page 53: Monografia Historia Da Policia No Brasil

48

COMENTÁRIOS AO ESTUDO DE CASO

A “Gerdarmerie” é uma Força Pública Nacional, que, segundo antiga lei

Francesa, foi “instituída para velar pela Segurança Pública e para assegurar a

manutenção da ordem e a execução das leis”. Sua ação se exerce sobre toda

extensão do Território da França, contudo sua atuação de polícia se faz com maior

intensidade no interior francês e nas rodovias. Na região de Paris predomina a ação

de outra organização policial.

A “Gendarmerie” em muito se assemelha a nossa Polícia Militar. Contudo, tem

o caráter mais militar, constituindo-se numa arma do Exército Francês, vinculando-se

diretamente ao Ministério da Defesa. Sem embargo disso, executa a atividade

policial plena, isto é, a polícia de patrulhas e a polícia de investigação.

A organização básica da Gendarmerie no interior é a BRIGADA (compara-se

ao nosso destacamento de Polícia Militar). O escalão acima é a companhia. A

“Gendarmerie Departamentale” - o grupamento – tem similitude com a nossa

Organização Batalhão.

Feitas estas ligeira explicações, reportemo-nos ao “Estudo de caso”. Vimos a

descrição de um roubo com a agravante de o emprego de arma de fogo,

configurando-se o chamado “assalto à mão armada”, figura delituosa prevista no

Código Penal Brasileiro – Art, 157 § 2º .

A Brigada de Chantilly agiu rápido comunicando ao escalão superior ( Cia de

Senlis) . Esta assumiu as investigações e adotou as medidas táticas aconselháveis (

bloqueio e vasculhamento com patrulhas), além de alerta às regiões limítrofes. Em

três dias, o inquérito, concluído com apreensão das armas, produto do roubo e

prisão dos delinqüentes.

Temos, ai, o exemplo da eficiência e eficácia na ação policial.

Na França, isto é possível. O Sistema Policial vigorante naquele país é bem

diferente do nosso. Ele enseja uma polícia rápida, dinâmica e lépida. No Brasil,

estamos atrelados a arcaicos conceitos d Polícia Judiciária; a pouca flexibilidaden

legal do Ministério Público; a distante e lenta instrução criminal. Naquele país, e de

resto nos países mais adiantados, o que existe é a unicidade de ação policial como

no caso descrito a Gendarmerie recebeu a notícia do fato e, incontinenti, adotou

Page 54: Monografia Historia Da Policia No Brasil

49

todas as medidas policiais cabíveis, inclusive a investigação. O inquérito é

sumaríssimo – praticamente um processo verbal – e o Ministério Público tem papel

preponderante. Na verdade, a atividade de polícia Judiciária subordina-se ao

Procurador da República (Promotor de Justiça). Não existe a figura do Delegado de

Polícia na cidade ( cantão ou vila); quando exercita a investigação policial (polícia

judiciária), desenvolve a atividade como auxiliar e sob a supervisão do representante

do Ministério Público (procurador). Caracterizada a materialidade e autoria do delito,

a prisão provisória do delinqüente faz-se sob a égide do Ministério Público, e a

investigação criminal prossegue de plano sob a direção do Juiz de Instrução.

Diríamos, sem qualquer receio, que o modelo francês é excelente para o

Brasil, mormente nos dias atuais, em que o Governo se preocupa em conter a

escalada da violência e da criminalidade, estaria na hora dos nossos legisladores

introduzirem modificações substanciais no Processo Penal e na Organização

Policial.

AUTOR: Cap Lannier (gendarmerie Nationale-França, 1970); Trad. COSTA,

A.L.C.; Comentado por Klinger Sobreira de Almeida, Cel PMMG. Roubo a mão

armada em Orry-La-Ville (Oise) O Alferes, Belo Horizonte, n.04, 198?

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ANEXO 3 ERROS HISTÓRICOS

Embora nos intitulemos latino-americanos, há que se fazer uma distinção

entre a formação histórica, social e política da América Espanhola e da América

Portuguesa.

Há um século e meio atrás, aléxis de Toqueville, no fim do primeiro volume de

sua obra monumental – De la Démocratie em Amérique – sobre a democracia norte-

americana, que ele fora conhecer numa viagem que durou três anos especulando

sobre o futuro das relações entre os Estados Unidos e a América do Sul, escrevia

estas palavras: “Os espanhóis e os portugueses fundaram na América do Sul

grandes colônias, que, depois se tornaram impérios. A Guerra Civil e o despotismo

assolam, hoje, essas vastas regiões... Mas não será sempre assim... A Europa,

entregue a ela mesma, conseguiu por seus próprios esforços, sair das trevas da

Idade Média. A América do Sul é cristã como nós; ela possui nossas leis e nossos

costumes; ela encerra todos os germes de civilização que se desenvolveram no seio

das nações européias e de seus rebentos. A América do Sul tem, além do mais, o

nosso exemplo: por que continuaria ela bárbara para sempre? Trata-se

evidentemente, aqui, apenas de uma questão de tempo; uma época mais ou menos

distante virá, sem dúvida, em que os sul-americanos formarão nações florescentes e

esclarecidas”.

Cento e cinquenta anos depois, tentando explicar por que a profecia de

Tocqueville até agora não foi plenamente confirmada, o escritor mexicano Octávio

Paz, em artigo publicado no suplemento Cultural, do jornal O Estado de São Paulo,

de 21 de novembro de 1982, escreveu estas observações: “Os latino-americanos

falam espanhol ou português; somos ou fomos cristãos; nossos costumes,

instituições, artes e literatura descendem diretamente dos da Europa e Portugal. Por

tudo isso, somos um extremo americano do Ocidente; o outro é o Estados Unidos e

o Canadá. Mas, tão logo afirmamos ser um prolongamento ultramarino da Europa,

saltam aos olhos as diferenças. São elas numerosas e acima de tudo decisivas.”

A análise de Octávio Paz, lúcida e brilhante, enfoca principalmente as

dessemelhanças que se foram acentuando depois do desaparecimento de

Tocqueville.Talvez porque fosse impossível prever, no seu tempo, todos os fatos

Page 56: Monografia Historia Da Policia No Brasil

51

que iriam influir na evolução das nações que tinham em comum apenas a época do

nascimento, a vizinhança geográfica, as raízes religiosas comuns e as origens

político-culturais semelhantes ou, pelo menos, aparentadas.

Octávio Paz prossegue dizendo que “nossos intelectuais abraçaram

sucessivamente o liberalismo, o positivismo e, o Marxismo-leninismo; em quase

todas elas, porém, sem distinção de filosofias, não é difícil advertir, ocultas mas

ainda vivas, as atitudes psicológicas e morais dos antigo campeões da neo-

escolástica. Paradoxal modernidade: as idéias são de hoje, as atitudes são de

ontem. Seus avós juravam em nome de São Tomás, eles, em nome de Marx, mas

para uns e outros a razão é uma arma a serviço de uma verdade com maiúscula. A

missão do intelectual é defende-la. Têm uma idéia polêmica e combativa da cultura e

do pensamento: são cruzados. Assim, perpetuou-se em nossas terras uma tradição

intelectual que pouco respeita a opinião alheia, que prefere as idéias à realidade e

os sistemas intelectuais a critica dos sistemas”.

O fruto político dessa – digamos assim – deformação cultural, ainda não

conseguimos digeri-lo até hoje: “Com a queda do Império Espanhol”, diz Octávio

Paz, “o poder se concentrou em dois grupos: o econômico nas oligarquias nativas e

o político nos militares. As oligarquias eram impotentes para governar em nome

próprio”.

“Sob o regime espanhol”, porque ele, ä sociedade civil, longe de crescer e

desenvolver-se como no resto do Ocidente, viveu à sombra do Estado. A realidade

central de nossos países, como na Espanha, tem sido o sistema patrimonialista.

Nesse sistema, o chefe de governo – o príncipe ou vice-rei, caudilho ou presidente –

dirige o Estado e a nação como uma extensão de seu patrimônio particular, isto é,

como se fosse sua casa”.

Daí o início da caracterização da formação social e política da América Latina.

Os direitos e garantias individuais de seus cidadãos em nada representa ante a

prepotência, a onipresença e o paternalismo do Estado.

Octávio Paz refere-se mais especificamente, é claro, à América Espanhola. O

caso do Brasil tem peculiaridades, que ele mesmo reconhece de passagem, que o

tornam, talvez, menos sombrio quando o que temos em mente é analisar as razões

Page 57: Monografia Historia Da Policia No Brasil

52

que nos deixaram tão distantes do mundo ocidental, plenamente desenvolvido,

política, social e economicamente.

O que se ajusta perfeitamente ao quadro brasileiro, na análise de Octávio

Paz, é o que ele diz sobre a herança cultural da América Latina, que determinou o

comportamento de nossos intelectuais e, conseqüentemente, de muitas de nossas

lideranças políticas até hoje.

A diferença maior e até fundamental está no plano da evolução política,

embora tenha existido sempre o traço comum do Estado patrimonialista

(paternalista). O que se fiz sobre a queda do Império Espanhol não é válido para a

queda do Império Português que, no Brasil, transmudou-se tranqüilamente em

Império Brasileiro.

Quase setenta anos de regime imperial foram suficientes para a formação de

uma elite política, que sobreviveu durante a Primeira República, e que foi

suficientemente potente para governar em nome próprio, ainda que com certo grau d

paternalismo. Aqui, enquanto o caudilhismo militaresco avassalava nossos vizinhos

hispano-americanos, tínhamos um regime de estilo europeu. A época que foi para os

argentinos a do auge da luta entre civilização e barbárie – com o prevalecimento

desta -, a época de Facundo Quiroga e de Rosas, foi à época de Dom Pedro II no

Brasil. Nossos militares só entraram mais diretamente no jogo político –

desprezando-se o chamado período da “República da Espada” (Deodoro e Floriano)

– na década de 20, e como fator decisivo da desestabilização da elite política que,

com as raízes plantadas no Segundo Império, dominou toda a Primeira República.

Mas o Estado paternalista não existiu apenas sob o regime imperial e sob a

Primeira República. O progressismo dos tenentes que levaram o país à Revolução

de 30, foi traído pelo único caudilho do tipo hispano-americano que chegou ao poder

federal no Brasil, Getúlio Vargas, que, com o seu populismo, só contribuiu para

acentuar ainda mais o estilo paternalista. É verdade que os problemas que ele

enfrentou exigiam mudanças radicais. Mas a maneira como ele as empregou em

nada se diferenciava daquela adotada pelo caudilhismo militaresco e revolucionário

que ensangüentou e atrasou consideravelmente a América Espanhola. Com sua

prolongada presença na liderança do jogo político nacional, Vargas conseguiu

reduzir sensivelmente aquilo que nos vinha diferenciando, no sentido positivo, do

Page 58: Monografia Historia Da Policia No Brasil

53

resto da América Latina. Perdemos grande parte da vantagem que conquistáramos

no período imperial e na Primeira República, no esforço para anular as diferenças

do prolongamento ultramarino da Europa, na luta entre civilização e barbárie.

A configuração político-ideológica do mundo que emergiu da Segunda Guerra

Mundial e mais o trabalho que essa configuração facilitou enormemente , dos nossos

intelectuais, foram outros fatores que contribuíram para reduzir ainda mais nossa

vantagem. As forças da barbárie ganharam novo impulso, enquanto as da civilização

passaram para a defensiva.

Estados Unidos e União Soviética saíram da guerra como vencedores e

lotearam o mundo. O primeiro expandia seus tentáculos em busca de riquezas e

dominação para a manutenção de sua política externa dominadora, enquanto a

segunda procurava a todo custo exportar a sua revolução. Todos os países

subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento tiveram suas pretensões tolhidas

ou, no mínimo, seriamente comprometidas com a intromissão desses dois grandes.

Os resultado foi que, nos países prevaleceu a dominação americana, as suas

riquezas foram e têm sido exploradas indiscriminadamente pela sanha de

dominação dos norte-americanos, ao mesmo tempo em que se tem exportado para

esses países os costumes, artes, moda e até mesmo a língua dos EUA , anulando

em muito a formação cultural nativa e colocando em segundo plano o seu

desenvolvimento social e político.

Já nos países onde a influência soviética conseguiu penetrar, ainda que em

confronto com os interesses americanos, o que ocorreu foi uma forte repressão por

parte das forças governamentais desses países, ante a pressão dos Estados

Unidos, sempre lutando por seus interesses. Os direitos e garantias individuais

nunca representaram nada para as ditaduras latino-americanas.

Em contra-partida, a esquerda, então florescente, acenava com a libertação

do imperialismo americano, mas com outra fórmula ainda mais tirânica no que se

relaciona aos direitos e garantias individuais dos cidadãos, ou seja, a anulação pura

e simples da liberdade individual e da livre-iniciativa para delegar plenos poderes ao

Estado, que passaria a reger a vida de tudo e de todos.

Page 59: Monografia Historia Da Policia No Brasil

54

Exemplo disso é que nos países onde a influência soviética triunfou, como

Cuba ou mais recentemente a Nicarágua, os direitos e garantias individuais de seus

cidadãos praticamente não existem.

Ante esse novo quadro, passou o nosso país a viver um drama que cada vez

mais vem dificultando o nosso desenvolvimento político. De um lado, as corrente

estatizantes e partidárias de uma maior ação do Estado na vida dos cidadãos, em

confronto com outra corrente que não difere muito da primeira, só que com uma

opção mais à esquerda. Os liberais e partidários de uma filosofia mais aberta, onde

o Estado não teria uma intromissão maior na vida do cidadão, mas apenas atuando

como árbitro capaz de estabelecer um justo equilíbrio na sociedade, através da

aplicação da lei, da manutenção da ordem e segurança da comunidade e obediência

aos poderes constituídos, são cada vez menor, infelizmente.

Assim sendo, com a mentalidade de um Estado paternalista, passa-se a

esperar tudo do Estado, como se ele fosse o único culpado pelas nossas frustrações

e o responsável direto pela nossa felicidade. Sob esse clima, a lei sofre constantes

desvirtuamentos e começa-se a criar os problemas da população através de leis

positivas, simplesmente. Habitação, alimentação, transportes, educação e até

mesmo lazer e diversão são objetos de “leis”, enquanto a verdade lei é

desobedecida todos os dias sem que se possa fazer nada, uma vez que o Poder

Judiciário, árbitro indispensável em todas as democracias verdadeiras, não pode ter

uma atuação mais dinâmica, pois passa a ser visto como um Poder de segunda

classe, e nunca como o único Poder capaz de manter a sociedade sob um clima da

justiça e harmonia.

Hoje, infelizmente, o povo brasileiro está tão condicionado, psicologicamente,

a aceitar o Estado paternalista – que se assemelha cada vez mais ao Estado

totalitário – quanto qualquer outro povo latino-americano, como descreve Ruy

mesquita em seu artigo “Não nos Resignarmos à passividade do objeto” publicado

no Jornal O Estado de São Paulo, 5 de dezembro de 1982. p.6

“Não tivemos a sorte do povo norte-americano, cujos intelectuais, ao longo de

toda a sua História, nunca se afastaram sensivelmente da área do liberalismo. Os

nossos, dele evoluíram para o positivismo e, depois, para um marxismo mal digerido,

já relegado ao esquecimento em todo o mundo democrático desenvolvido, mas que

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55

aqui mantém raízes até dentro do próprio aparelho estatal, apesar do rótulo de

direitista pregado pelo regime.”

A nossa crise social no que se relaciona à manutenção da ordem pública e

segurança individual dos cidadãos possui, como já vimos, raízes históricas

profundas. Em todo o nosso processo de desenvolvimento social e político, os

direitos civis nunca tiveram muita importância. Aprendemos a viver sem eles e,

agora quando estamos dando os primeiros passos rumo a uma sociedade

desenvolvida, estamos sofrendo o trauma de uma criminalidade crescente, sem que

saibamos o que fazer exatamente. Falta-nos, como já disse, tradição. A nossa

estrutura judiciária não está e nunca esteve em condições de atender aos reclamos

da população pelos seus direitos, pela sua vida, pela sua propriedade. Por outro

lado, a polícia sempre foi apenas um instrumento do poder, sempre manipulada

pelos poderosos do momento.

Passamos, mais uma vez, a palavra a Aléxis de Tocqueville que, tratando do

fenômeno semelhante surgido em sua época, já definia, com impressionante

clarividência, a diferença fundamental entre a democracia norte-americana e a

democracia que nascera da Revolução Francesa. “... O que acabo de dizer nos faz

compreender bem porque o poder social deve ser cada vez mais forte e o indivíduo

cada vez mais fraco entre um povo que chegou à igualdade através de um longo e

penoso trabalho social ( Revolução Francesa) do que uma sociedade democrática

(Revolução Americana) onde, desde a origem os cidadãos sempre foram iguais. É o

que o exemplo dos americanos acaba de provar... O destino dos americanos é

singular: eles emprestaram da Inglaterra a idéia dos direitos individuais e das

liberdades locais; e puderam conservar uma e outro, porque nunca tiveram que

combater uma aristocracia.”

Essa a diferença fundamental que marcou as democracias européias na sua

fase inicial e a norte-americana: para o norte-americano, até hoje, o Estado

representa um instrumento de defesa do direito individual de cada cidadão ou grupo

de cidadãos que têm plena consciência do seu poder de contrata-lo e de fazer o seu

interesse individual ou de grupo ser zelado por ele. Já o moderno Estado

democrático europeu, nascido da Revolução Francesa, assumiu, desde sua origem,

Page 61: Monografia Historia Da Policia No Brasil

56

o caráter de um poder supremo, destinado a sobrepor-se aos poderes dos diversos

grupos sociais, contendo os mais fortes em proteção aos mais fracos.

Tocqueville define, assim, a preocupação que lhe causava essa concepção

do Estado que, para ele, encerrava o germe de novos despotismos: “nossos

contemporâneos são, incessantemente, trabalhados por duas paixões inimigas: eles

sentem a necessidade de ser conduzidos e o desejo de permanecer livres.”Para

conciliar esses dois impulsos, “eles imaginam um poder único, tutelar, todo-

poderoso, mas eleito pelos cidadãos. Eles combinam a centralização e a soberania

do povo” ... “Eles se consolam em estar sob tutela, sonhando que eles mesmos

escolheram seus tutores...”.

A nossa evolução cultural levou-nos a esse mesmo condicionamento

psicológico, a que se referia Tocqueville já 140 anos.

O modelo de democracia que nós, e os latino-americanos em geral,

procuramos implantar – ainda sem muito sucesso – se assemelha mais àquele que

tem suas raízes plantadas na Revolução Francesa. Aquele em que a igualdade,

com todas as suas conotações utópicas, prevalece avassaladoramente sobre a

liberdade. Aquela igualdade que se dilui na onipotência do Estado.

O Estado surge, para os povos latino-americanos, como o poder onipresente

e onipotente, destinado a esmagar qualquer outro poder que possa existir dentro da

sociedade e não como o poder delegado, que é a emanação de todos os poderes

sociais e cuja função precípua é manter um equilíbrio justo entre todos eles.

Essa é a grande realidade. O nosso povo, depois de pedir e reclamar do

governo uma porção de providências que, à luz da democracia, a ele não competia

atender, passou agora a reclamar do Estado aquilo que de primordial lhe compete: a

segurança coletiva e individual.

Nossas autoridades judiciárias, nossos medalhões da judicatura, nossos

magistrados e administradores da Segurança Pública vivem, infelizmente, de

filosofias. Vivem distantes dos fatos e da realidade, vivem de ideais simplesmente. E

de tanto filosofarem, acabam sempre, não raro sob a influência de modelos

estrangeiros, cometendo algumas distorções filosóficas.

SOARES, Plácido.Segurança pública questionada. Curitiba: Publicação para todos, 1987. p.39/47