Upload
vuongnhi
View
215
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
1
1. Introdução
Os róticos, ou sons de /r/, é uma classe que abrange muitos sons encontrados em
inúmeras línguas ao redor do mundo. Dentro desta classe, encontramos o retroflexo. Ele é
um som caracterizado pelo movimento de ponta de língua que se curva sobre o seu dorso
numa região pós-alveolar. Na produção do retroflexo, também encontramos
arredondamento dos lábios. Essa variante rótica é muito produzida em vários dialetos do
Português Brasileiro (PB).
Um estudo realizado por Ferraz (2005) se propõe a mostrar a primeira descrição
acústica do retroflexo para o PB. Partindo de uma comparação com dados apresentados
acerca do retroflexo no inglês Norte-Americano Padrão (doravante INAP), notou-se uma
diferença acústica entre esses dois sons que, aparentemente, seriam “iguais”. Enquanto,
para o retroflexo do inglês norte-americano, temos como característica acústica principal
um terceiro formante baixo, postado em torno de 2000 Hz, temos, com grande freqüência,
para o terceiro formante do retroflexo do PB, medidas acima de 2000 Hz, porém, com um
abaixamento de F3, se observada a trajetória dos formantes. Esse fato pode proporcionar
uma diferença auditiva entre esses sons, mas uma simples análise empírica não é capaz de
marcar tais diferenças.
O atual trabalho propõe apresentar uma nova metodologia experimental que
promova uma comparação acústica direta de dados entre o retroflexo, para os ambientes de
coda silábica (interna e final de palavra). Algumas afirmações não foram testadas por
Ferraz visto que seus dados referem-se ao retroflexo no PB, não havendo uma comparação
direta com os dados do inglês norte-americano.
A metodologia será elaborada seguindo o seguinte padrão: será montado um
experimento onde palavras-chaves, tanto do PB quanto do Inglês Norte-Americano Padrão,
contento o referido som, no mesmo ambiente fonológico, serão gravadas e analisadas por
falantes nativos de ambas as línguas. Assim será possível observar o comportamento do
retroflexo acontecendo no mesmo ambiente. Serão levados em consideração os valores das
freqüências dos três primeiros formantes do retroflexo.
O estudo retratará apenas uma primeira fase do projeto todo, que consta em abordar
as técnicas de coleta de dados e análise, sendo apenas um projeto piloto.
2
Esperamos assim preencher uma lacuna deixada por Ferraz (op cit), elencando as
diferenças e as semelhanças do retroflexo em ambas línguas estudadas.
2. Embasamento Teórico 2.1 O retroflexo
Como citado na introdução, existem vários sons que fazem parte da classe dos
róticos, freqüentemente encontrados em muitíssimas línguas ao redor do mundo. Estima-se
que em 75% das línguas do mundo (Maddieson, 1980) encontremos róticos.
Uma característica muito peculiar à classe dos róticos diz respeito aos vários tipos
de sons que essa classe abriga. Encontramos tap, vibrantes, fricativas, aproximantes e
retroflexo. A uma primeira vista, não apresentam semelhanças articulatórias ou acústicas
entre si. Talvez tais sons estejam inclusos numa mesma classe pelo fato de serem grafados
com a mesma letra, /r/.
O retroflexo no PB, que é o objeto de estudo nesse trabalho, é um som que pode ser
caracterizado articulatóriamente pelo movimento de ponta de língua sobre o seu dorso,
causando assim uma constrição na região pós-alveolar do trato vocal. O dorso, recuado,
toca o céu da boca com a sua superfície inferior. Durante a produção do retroflexo, também
é possível notar um arredondamento de lábios.
Estudos sociolingüísticos apontam a existência de retroflexo nas mais diversas
línguas ao redor do mundo. No inglês norte americano, observamos a ocorrência desse som
preferencialmente em contexto fonológico de coda silábica. Já no PB, podemos observar o
retroflexo, majoritariamente, em coda silábica, porém alguns dialetos apresentam esse som
em contexto fonológico de grupos e intervocálico.
A primeira notificação quanto à existência de retroflexo no PB foi feita por Amaral
(1982) no começo do século XX. Esse som foi encontrado nos dialetos falados no interior
de São Paulo, tendo como referência a região de Piracicaba. Por esse motivo, o retroflexo
ficou conhecido como “r-caipira”, já que as pessoas que habitavam tais regiões eram na sua
grande maioria pessoas simples que tiravam o seu sustento de atividades agrícolas. Amaral
faz um comentário pertinente acerca do retroflexo:
3
“Para o ouvido, este r caipira assemelha-se bastante ao r inglês pós-vocalico”
(Amaral, 1982:47).
Desde Amadeu Amaral já é delegada ao retroflexo uma forma pejorativa de
linguajar, principalmente por ser a forma falada no interior do Estado de São Paulo, em
contraste com a capital do Estado e até mesmo outras localidades. Porém ainda hoje o
retroflexo é visto no Brasil como marca de fala de pessoas de menos prestígio. Leite (2004)
apresenta um interessante estudo sobre essa questão, somando aos dados variacionistas,
uma análise acústica. No seu trabalho, a autora observou estudantes naturais da cidade de
São José do Rio Preto, no interior do Estado de São Paulo, que deixavam sua cidade natal e
mudavam-se para Campinas, para estudar na Unicamp. Campinas também está localizada
no Estado de São Paulo, porém, por ser uma cidade maior e mais próxima à capital, talvez
pudesse apresentar um dialeto menos estigmatizado. A hipótese de Leite foi que, tais
alunos, para fugir da estigmatização proporcionada pelo retroflexo, fossem passiveis de
promover uma variação na sua pronuncia de /r/, procurando encobrir qualquer vestígio que
denunciasse a sua procedência. Desse modo, o “novo dialeto”, ou seja, o campineiro,
representaria uma ascensão na qualidade de fala desses alunos. A partir de gravações
informais de situação de fala, a autora procurou promover relações entre fatores sociais e a
manifestação da língua. Desse modo, foram observados as falas de oito estudantes oriundos
de São José do Rio Preto, todos estudantes da graduação na Unicamp: quatro em início de
curso e quatro em fase de finalização de curso.
Como a autora observou os dados colhidos acusticamente, foi possível perceber
alguns fatos que de oitivamente seriam impossíveis de se observar. Foi notado que, nesse
afã de se deixar de lado o retroflexo, foi produzido em alguns casos uma variante
intermediária. Seria esse som então chamado pela autora de “r-campineiro”.
Interessante notar através do trabalho de Leite (2004) como a discriminização de um
som pode levar a mudanças drásticas e produções de som que realmente não se esperavam.
Esse estudo corrobora as palavras de Amaral que notificou, já no inicio do século XX, a
estigmatização e pejoratividade do retroflexo.
Outros estudos variacionistas mostram que o retroflexo não está apenas disseminado
no interior de São Paulo. Callou, Morais e Leite (1998), observando dados provenientes do
4
projeto NURC (Norma Urbana Culta), identificam em cinco capitais brasileiras (Recife,
Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre) a ocorrência de vários tipos de sons de
/r/: vibrante apical múltipla, vibrante uvular, fricativa velar, fricativa laríngea (aspirada),
vibrante apical simples e aproximante retroflexa, podendo ser observado, com não rara
freqüência, a existência de queda de /r/ em coda (zero fonético). Em São Paulo, 5% dos
informantes fizeram retroflexão em coda silábica interna; em Porto Alegre, 7 %. Nas outras
Capitais do projeto não foi observado a realização do retroflexo em nenhum ambiente. Para
coda final de palavra, São Paulo apresentou 2 % enquanto Porto Alegre registrou 3%.
Até no Nordeste já existem dados que apontam para a retroflexão em alguns
dialetos. Skeete, estudando os róticos na Paraíba, mostra que, das 9,859 ocorrências para
posição de coda, 7225 foram realizações fricativas; 360 retroflexas; 67 vibrantes simples;
33 vocalizações e 2,174 queda do /r/ final. Esse fato mostra que o retroflexo já está
disseminado por quase todas as regiões brasileiras.
Na região Sul, a situação não se mostra diferente. O Atlas Lingüístico-Etnográfico
da Região Sul do Brasil – ALERS – (Kock, Klassman & Altenhofen, 1997), mostra como o
retroflexo está presente nos três estados da região Sul. Para a palavra corda, por exemplo,
temos no Paraná 60 % dos informantes realizando retroflexo; número que está em torno de
30 % em Santa Catarina e pouco mais de 5 % no Rio Grande do Sul, para dados com a
mesma palavra.
Ainda relativo ao estado do Paraná, observando dados referentes ao Atlas
Lingüístico do Paraná (Aguilera, 1994), temos a variante retroflexa disseminada por quase
todo o Estado, para as posições de coda (interna e final de palavra). Por exemplo, para a
palavra árvore, de 111 dados recolhidos, 88 apresentaram retroflexo. Quanto à posição de
coda em final de palavra, para a palavra flor, num total de 97 dados, 76 apresentam a
variante citada, ou seja, 78 % do total de dados. Note que, mesmo sendo uma variante
considerada estigmatizada, muitos dialetos do PB apresentam retroflexo em seu sistema
fônico.
2.2. Características Acústicas do Retroflexo
5
Um modo muito interessante de observar o comportamento de um som em uma
dada língua é analisar as características acústicas desse som e seu comportamento no
interior do sistema fônico dessa mesma língua.
Lehiste (1962) apresenta uma das primeiras caracterizações acústica do retroflexo
no inglês norte-americano. Ela colheu dados junto a cinco informantes, todos nascidos em
cinco Estados da região Meio-Oeste dos Estados Unidos. A partir das medidas das
freqüências de F1, F2 e F3, fazendo uma análise espectrográfica, ela nota algumas
características similares entre as variantes posicionais do /r/. Fazendo uso da sentença-
veículo “Say the word... instead”, a autora colheu um total de 135 palavras-chave, onde o
/r/ aparecia nas posições finais, mediais e iniciais.
Para o retroflexo inicial, foram notadas algumas características particulares. As
medidas das freqüências dos três primeiros formantes para os dados observados nessa
categoria apresentaram baixa freqüência. F2 e F3 apresentaram valores próximos e foi
possível notar uma rápida transição do retroflexo para a vogal seguinte, se comparado à
transição do /r/ em contexto pós-vocálico. Isso pode ser um indício de que, nesse caso, há
influência do retroflexo sobre a vogal adjacente.
Quanto ao /r/ em posição final de palavra, foi possível observar que a medida de F1
é mais alta, em Hz, do que a medida da freqüência de F1 para /r/ inicial. O F2 apresentou
medidas próximas às medidas do F3 do /r/ inicial, enquanto o F3 do retroflexo final
mostrou medidas em torno de 300 Hz mais altas que as medidas de F2 para o mesmo
segmento. Nesse caso, foi possível observar influência da vogal precedente sobre o
retroflexo. Por exemplo, tem-se a impressão de que um /a/ precedente pode ocasionar um
primeiro e terceiro formantes relativamente altos no /r/ seguinte.
Já para o /r/ intervocálico, quando precedido de sufixo derivacional, nos dados onde
o /r/ se torna intervocálico pela inserção do sufixo -er, como nas palavras bearer, borer
dearer, o /r/ parece apresentar as mesmas características acústicas do /r/ inicial.
O estudo apresentado por Lehiste (op. cit.), mesmo datado de muito tempo,
apresenta dados precisos sobre o comportamento do retroflexo no inglês norte americano.
Lindau (1985) apresenta outro interessante estudo acerca dos sons de /r/. Na
tentativa de encontrar um correlato acústico-articulatório que pudesse caracterizar os
róticos numa mesma classe, a autora observa dados de sons de /r/ em quatro línguas indo-
6
européias (o Inglês californiano, o Sueco, o Espanhol e o Francês) e sete línguas do Oeste
africano (Hausa, Degema, Edo, Ghotuo, Kalabari, Bumo e Izon).
Inicialmente, a autora supunha que um possível correlato acústico para os róticos
seria o abaixamento de F3, assim como observado para o /r/ do inglês norte-americano.
Porém tal hipótese não foi corroborada. O tap, por exemplo, apresentou F3 do pico mais
alto em torno de 2000 Hz no espanhol “chicano”, enquanto no sueco padrão, esse valor
postou-se em torno de 2300 Hz e no Degema, 2500 Hz, valores considerados discrepantes
para uma aproximação. Observe que, supostamente, um” mesmo “som apresenta medidas
tão diferentes nas diferentes línguas.
Quanto ao retroflexo, especialmente o do inglês norte-americano, Lindau notou que
os formantes desse som apresentam semelhanças aos formantes das vogais. Esse fato indica
que, durante a produção do retroflexo nessa língua, a constrição do trato vocal é semelhante
a das vogais. Outro fato observado diz respeito ao arredondamento de lábios. O movimento
desses articuladores pode provocar um abaixamento de F2 e F3, fato que pode ser
constatado como verdadeiro para o retroflexo. Desse modo, temos um F3 para o retroflexo
abaixo de 2000 Hz, medida considerada baixa para um terceiro formante.
“Um terceiro formante baixo é uma especificação bem justificada para o /r/ do
inglês norte-americano, particularmente quando se considera que os falantes usam todos os
mecanismos articulatórios disponíveis para produzir esse efeito acústico”.
(Lindau, 1985:165).
Mesmo não encontrando um correlato acústico que unisse os róticos sob uma
mesma característica, o estudo de Lindau foi de suma importância na descrição acústica do
retroflexo, em especial, do retroflexo norte-americano, um dos objetos de estudo desse
trabalho.
Para o PB, como já citado, temos o trabalho de Ferraz (2005) como a primeira
descrição acústica mais precisa do retroflexo no PB. Um experimento utilizando sentenças-
veículos foi elaborado. Três informantes, todos naturais da cidade de Pato Branco – Paraná,
cujo dialeto incluía o retroflexo, leram sentenças-veículo do tipo “Digo... pra ele”, onde
palavras-chave contento o retroflexo em posição de coda (medial e final) foram incluídas.
7
Os dados foram analisados acusticamente com a ajuda do software Praat. Foram
observados alguns fatores fonológicos, dentre eles posição do /r/ na palavra analisada e
vogal antecedente.
Quanto à posição do /r/ na palavra, não foi notado nenhuma diferença significativa
entre o retroflexo em posição medial e final para os valores das freqüências de F1 (em torno
de 540 Hz), F2 (em torno de 1500 Hz) e F3 (em torno de 2100 Hz).
Espectrograma 11-Forma da onda e espectrograma da seqüência digo porta na sentença “digo porta pra ele”. A aproximante retroflexa está sinalizada entre barras verticais.
1 Os espectrogramas 1, 2, 3 e 4 fazem parte do trabalho de Ferraz (2005).
8
Espectrograma 2- Forma da onda e espectrograma da seqüência” redor pra ele” na sentença
“digo redor pra ele”. A aproximante retroflexa está sinalizada entre barras verticais.
Levando em consideração os contextos vocálicos em que o retroflexo estava
inserido, Ferraz observa que os valores de F1 se mantêm semelhantes tanto para as vogais
anteriores quanto paras as posteriores2, o que nos mostra que não há movimento de
mandíbula. Já para as medidas de F2 e F3, houve diferenças de acordo com a vogal
antecedente. Para as vogais anteriores, tanto F2 quanto F3 apresentaram valores de
freqüências mais altos se comparados com os mesmos valores dos formantes do retroflexo
diante de vogais posteriores. Portanto, observamos a ocorrência uma certa coarticulação
entre as vogais e o retroflexo, visto que ambos segmentos apresentam configuração
formântica semelhante.
2 No capítulo referente à Metodologia usada haverá uma explicação mais detalhada acerca das relações acústico-articulatória.
9
Espectrograma 3- Forma da onda e espectrograma da seqüência “digo perto” na sentença “digo perto pra ele”. A aproximante retroflexa está sinalizada entre barras verticais.
Espectrograma 4-Forma da onda e espectrograma da seqüência “digo porto’ na sentença “digo porto pra ele”. A aproximante retroflexa está sinalizada entre barras verticais.
10
Dos dados citados no presente trabalho até agora, podemos observar que uma
característica geral do retroflexo norte-americano é apresentar o terceiro formante com
valores abaixo ou igual a 2000 Hz. Tanto Lehiste (op cit) quanto Lindau (op cit) atentam
para este fato3. Porém no o PB, como observa Ferraz (op cit), não apresenta as mesmas
características acústicas:
“Essa configuração, no entanto, não parecia resolver a nossa questão do correlato
acústico para o retroflexo no PB, em função das médias bastante freqüentes acima de 2000
Hz para F3 nos nossos dados. Até que, quase ao acaso, talvez pelo fato de elencarmos as
medidas em nossas tabelas sempre dos contextos vocálicos anteriores para posteriores,
percebemos que as medidas de F3 do retroflexo pareciam “caminhar” para baixo e não
simplesmente serem baixas. De fato, nos nossos dados, são poucas ocorrências de F3
abaixo de 2000 Hz para os contextos vocálicos adjacentes anteriores; por outro lado, é rara
a incidência do F3 do retroflexo acima de 2000 Hz para os contextos vocálicos adjacentes
superiores. Os testes estatísticos a que submetemos os dados vão comprovar diferenças
significativas entre tais contextos, o que revela algumas pistas para determinarmos um
correlato acústico para o retroflexo do PB diferentemente daquilo que a literatura fonética
menciona para o retroflexo do inglês norte-americano” (Ferraz, 2005:92).Temos então um
comportamento acústico diferente entre o retroflexo do inglês norte-americano e o do PB.
Portanto, observando os espectrogramas de Ferraz (op. cit) e as observações feitas
por Lindau (op. cit), notamos que provavelmente temos dois sons distintos. Enquanto para
o inglês provavelmente o correlato acústico será o F3 baixo, com medidas inferiores a 2000
Hz, para o PB, teremos um F3 “bemolizado”, ou seja, “andando para baixo”, apresentando
os formantes uma curva descendente e influindo na vogal seguinte devido ao forte efeito de
co-articulação existente entre o retroflexo e a vogal adjacente.
Temos aqui então o ponto de ancoragem do atual trabalho. Proporei uma nova
metodologia que possa dar conta de investigar dados com uma aproximação maior e
inseridos em ambiente fônico semelhante. Desse modo, poderão ser averiguadas algumas
questões sugeridas por Ferraz em seu trabalho, ressaltando alguns detalhes que não foram 3 Vale observar que os valores de F3 se referem a dados de informantes masculinos, visto que as mulheres apresentam uma qualidade de voz diferente, apresentando, portanto, medidas de freqüências mais altas.
11
averiguados pelo autor, até porque este não era o seu objetivo. A comparação que Ferraz
apresenta em seu trabalho entre os retroflexos não é feita diretamente. Temos corpus
distinto entre os estudos comparados.
As questões a serem observadas serão:
a) O retroflexo poderá apresentar um comportamento mais próximo entre o PB e o
Inglês-Norte Americano Padrão, se inserido em um mesmo ambiente;
b) Quais as diferenças nos trajetos dos formantes, se considerada a possível
coarticulação com as vogais adjacentes.
12
3. Metodologia
O objetivo esperado com a metodologia apresentada nessa seção é montar um
experimento que atenda os propósitos deste trabalho. Cabe salientar que este é um projeto
piloto e que apresentará uma primeira análise. Muito outros fatores, como duração e
tonicidade de silába, poderão ser levados em consideração em uma fase mais adiantada do
trabalho.
Para que a comparação acústica entre o retroflexo do inglês norte-americano e o do
PB possa ser feita, levaremos em conta alguns elementos cuja observação é fundamental
para chegar-se a um resultado claro.
3.1 Corpus
Um novo corpus, diferente do utilizado por Lehist (op. cit) e Ferraz (op. cit) será
selecionado. O objetivo principal é selecionar palavras que apresentam estrutura fônica
semelhante. Desse modo, será possível observar o comportamento do retroflexo em
ambiente fonológico muito próximo, o que facilita a visualização dos fatos ocorridos.
Primeiramente, selecionaremos palavras chaves que apresentem em sua estrutura
fônica as seqüências vogal/retroflexo/consoante. Como observa Ferraz, existe diferenciação
quanto à qualidade da vogal antecedente ao retroflexo, ou seja, se tais vogais eram
posteriores ou anteriores. Portanto, para o PB e para o Inglês Norte-Americano padrão, será
observado uma vogal em contexto anterior, uma em contexto posterior e uma vogal
centralizada. Desse modo, teremos dados suficientes de ambas as línguas mostrando se para
o inglês, tal diferenciação quanto à posteriorização ou anteriorização da vogal é relevante.
É necessário frisar que não há uma correspondência biunívoca entre as vogais. Existem
diferenças quanto o modo de articulação e o ponto de articulação das vogais de uma língua
para outra. O que será feito é uma aproximação desses contextos, permitindo assim que
uma comparação mais próxima possa ser observada.
Quanto à posição do retroflexo nas palavras-alvo, analisaremos a coda silábica, em
dois ambientes distintos: trava silábica medial, onde haverá vogal/retroflexo/consoante no
interior da palavra e contexto fônico de final de palavra. Esse fator é relevante no
13
experimento, visto que umas das principais diferenças estavam relacionadas à posição do
retroflexo na palavra (se medial ou final).
Não será considerada nenhuma classe de palavra especifica. Para o atual estudo, tal
fato é irrelevante. Porém a dimensão do vocábulo e o acento tônico serão levados em
consideração. Para o retroflexo em trava silábica medial, utilizaremos monossílabos
tônicos. Já para coda final, serão utilizados dissílabos oxítonos. Assim, garantimos que o
acento tônico recaia sobre a silaba onde está inserido o retroflexo.
Observe as tabelas abaixo:
Vogal Português Brasileiro Inglês norte-americano
Anterior circo circus
Central parte party
Posterior curto poorly
Tabela 1- Palavras do corpus em contexto de coda (interior de palavra).
Vogal Português Brasileiro Inglês norte-americano
Anterior Vir Beer
Central Bar Bar
Posterior Por Door
Tabela 2- Palavras do corpus em contexto de coda (final de palavra).
As palavras-alvo serão inseridas em sentenças-veículo, ou seja, será mantida uma
mesma sentença onde apenas as palavras-alvo são trocadas. As sentenças serão:
Língua Sentença
Português Brasileiro “Digo...........também”
Inglês Norte-americano “Say..............twice”
Tabela 3- Sentenças-veículo.
14
Optou-se por não utilizar sentenças de uso normal das línguas, pois, usando-as,
haverá um maior controle sobre o ambiente de ocorrência do retroflexo, principalmente
quando este se encontra inserido em coda final. As palavras-alvo sempre serão seguidas de
oclusiva (/t/), o que proporciona, no espectrograma, uma melhor visualização do retroflexo,
visto que sons oclusivos costumam apresentar um espaço em branco, fruto do fechamento
oral que caracteriza esse tipo de som.
Também será necessário o uso de palavras distratoras. Tais sentenças têm a função
de “enganar” os informantes, ou seja, não permitir que eles identifiquem qual é o objeto de
estudo do trabalho ao qual se prestam servir de informantes. O procedimento é simples:
selecionam-se palavras que não que apresentem em sua estrutura a seqüência
vogal/retroflexo/consoante e inserem-se tais palavras nas sentenças-veículo descritas acima.
É interessante que haja no mínimo uma palavra distratora para cada palavra-alvo. Desse
modo, descartamos qualquer possibilidade do informante de manipular algum resultado,
mesmo que de forma inconsciente.
3.2. Informantes
Como citado, as sentenças escritas acima serão lidas por informantes. Outro
importante aspecto concerne a escolha dos informantes. Tal escolha não pode ser feita de
forma aleatória e espontânea. Alguns elementos devem ser observados nesse procedimento.
Em primeiro lugar, o informante deve ter como L1 uma língua que contenha o som
do estudo, no caso, o retroflexo(PB e INAP). Esse informante deve ter vivido no local onde
tal variante é executada por no mínimo 5 anos.
Selecionaremos 5 informantes para a análise do PB e 5 informantes para a análise
do INAP. Haverá informantes tanto do sexo feminino e cinco informantes do sexo
masculino. A inclusão de informantes do sexo feminino passa a ser um,a novidade no
estudo acústico dos retroflexos. Tanto nos trabalhos de Lehist (op cit) e Lindau (op. cit),
quanto no trabalho de Ferraz (op cit), apenas informantes do sexo masculino foram
observados. Geralmente as mulheres apresentam trato vocal de menores dimensões se
comparado ao trato vocal masculino. Assim, as freqüências dos formantes femininos
costumam ser mais alta em relação às freqüências dos formantes masculinos. Como as
15
análises acústicas são baseadas em medidas de freqüências, haja vista que as principais
diferenças entre os retroflexos apresentados neste estudo se baseiam nas diferenças entre
tais valores, será importante observar como o retroflexo se comporta acusticamente na fala
feminina. Provavelmente teremos valores de F3 superiores a 2000 Hz para ambas línguas.
Assim poderemos ver se as relações entre as freqüências se mantêm também para a fala
feminina.
Não será levado em consideração nenhum viés sociolingüístico, como faixa etária,
grau de escolarização ou classe social. O fenômeno de ocorrência de retroflexo será
observado acusticamente. Desse modo, não haverá influência desses fatores. Como citado
na introdução, os dados sociolingüísticos nos serviram para notificar os lugares onde há a
ocorrência de retroflexo no PB.
Para que se tenha uma amostragem quantitativa suficiente, passível de aplicação de
testes estáticos, cada informante deverá ler cinco vezes cada uma das sentenças veículos.
Isso dará um total de 70 sentenças por informante e um total de 350 dados por sexo. Esse é
um número suficiente, que nos permitirá fazer várias elucidações a respeito do
comportamento acústico do retroflexo. É claro que quanto mais dados observarmos, mais
acurados serão os resultados.
3.3 Coleta dos dados
A coleta dos dados deve ser feita de forma a evitar qualquer ruído externo, já que,
em uma análise acústica, os dados são visualizados e qualquer ruído extra-fala pode
interferir. Portanto, a gravação não pode ser feita com gravadores analógicos ou em
qualquer ambiente.
Os dados devem ser colhidos em uma sala onde haja um tratamento acústico
adequado. As paredes devem isolar todo e qualquer ruído externo. Os equipamentos
utilizados, se possível, devem ser de alta tecnologia. Quanto melhor a qualidade gravação,
melhor será a observação dos dados.
Um exemplo de estúdio bem equipado é o LACOMUS (Laboratório de Computação
Musical) do Departamento de Artes da UFPR. O equipamento lá utilizado é: um
computador Macintosh G4, com o programa Pro Tools, digi 001. As sentenças lidas serão
16
captadas por um microfone dinâmico AGK Platina, masterizadas e gravadas no formato
WAV. A taxa de amostragem do sinal será de 44.100 Hertz, 16 bits, mono, não excluindo
assim nenhum tipo de som produzido no PB.
Tendo o estúdio e o equipamento de gravação adequado, segue-se o seguinte
procedimento de gravação. Os informantes lêem as sentenças que são capturadas por um
microfone. Essas sentenças são armazenadas digitalmente em um computador munido com
o software adequado para fazer a síntese do som colhido. Após a captura do som, os dados
são gravados em um cd e estão prontos para a análise.
Mesmo sendo tomados todos os cuidados necessários durante a gravação, não é
descartada a possibilidade de obter espectrogramas de má qualidade. Os espectrogramas
abaixo podem mostrar as diferenças na qualidade de gravação influenciam a análise dos
dados. Os espectrogramas são referentes às analise do tap em coda.
Espectrograma 5- O espectrograma mostra a sentença “Say dirt”. Observe a quantidade de ruído de fundo mostrada na figura
17
Espectrograma 6- Tap em coda na palavra “Expor”
Nos dois espectrogramas, nota-se a diferenças quanto à qualidade deles. No
primeiro, temos muitas manchas escuras misturadas aos três primeiros formantes (os
“borrões” no meio do espectrograma). Isso atrapalha o pesquisador na hora de analisar os
dados. Já o segundo espectrograma é muito mais “limpo”, não mostrando muito ruído de
fundo, o que facilita as análises dos dados.
3.4. Análise dos dados
Por fim, passa-se às análises dos dados. Levaremos em consideração alguns
parâmetros acústicos que nos permitirão qualificar os dados gravados, observando as suas
semelhanças e as suas diferenças.
A análise acústica é baseada nos princípios de física acústica. Os sons são
compostos por ondas acústicas. Na fala humana, essas ondas são produzidas pelos
articuladores que, vibrados com a passagem do ar, produzem o som. Uma interessante
analogia pode ser feita: compare o trato vocal com um instrumento de sopro, uma flauta
doce, por exemplo. Em uma flauta, assopramos o bucal e, de acordo com a configuração
que assumimos nos furos da flauta, produzimos determinado tipo de som. No trato vocal
18
acontece algo semelhante. Dependendo do modo como se move os nossos articuladores,
produzimos os mais variados tipos de sons que compõem uma determinada língua.
A partir dessas relações acústico/articulatórias, temos desenvolvido a Teoria
Acústica (Fant,1960). Um dos pontos básicos dessa teoria é analisar, através das ondas
estacionárias, as relações entre o dados acústico e o articulatório. Na Teoria Acústica,
observa-se a da teoria Fonte/Filtro. Na região da laringe, um som indistinto é produzido
(tom laríngeo). Ai está a Fonte. De acordo com a configuração que o trato vocal assume
durante a passagem desse som (oclusão, levantamento de dorso de língua, abertura de
canais laterais, arrendamento de lábios, etc.), algumas freqüências são ressaltadas enquanto
outras são atenuadas. Portanto, o trato vocal é o Filtro. A essas ondas com freqüências
ressaltadas, damos o nome de formantes. As unidades de medidas dos formantes são Hz
(ciclos por segundo). Tais freqüências são costumeiramente observadas para as vogais, já
que esse tipo de som não são obstruintes e permite uma maior passagem de ar pelo trato
vocal. Desse modo, a visualização dos formantes será mais clara. Sons oclusivos, por
exemplo, são marcados por um espaço em branco seguido de um aumento na energia de
produção, observado no momento de soltura dos articuladores.
Os formantes serão as bases das nossas análises. Em uma única onda, eles são
inúmeros. Para o nosso trabalho, iremos apenas nos ater aos três primeiros formantes, os
quais denominaremos F1, F2 e F3.
Como já citado anteriormente, uma grande contribuição da Teoria Acústica é
promover relações entre as partes acústicas e articulatórias. Para isso, utilizaremos
importantes relações entre F1, F2 e F3.
Para as vogais, F1 é o correlato acústico da contraparte articulatória de abertura de
mandíbula. Quando o F1 for alto, em torno de 450 a 500 Hz, haverá a indicação de que esta
vogal é aberta, como por exemplo, o /a/. F1 baixo, em torno de 300 Hz, é indicativo de
vogal fechada, ou seja, /i/ ou /u/. As outras vogais apresentaram valores variando entre os
dois valores apresentados.
Já F2 é o correlato acústico da contraparte articulatória de movimento de dorso de
língua. F2 alto, em torno de 1800 Hz, representará as vogais anteriores, cuja levantamento
de dorso de língua se dá majoritariamente na região palatal, como o /i/, por exemplo. Já F2
baixo, em torno de 1100 Hz, sinalizará a existência de vogal posterior, como o /u/, por
19
exemplo. É claro que tais valores não são estanques; podem variar de acordo com o
segmento em que a vogal analisada se encontra inserida. Eles apenas nos servem de
parâmetro para nossas comparações. F3 geralmente acompanha a curva de F2.
Mesmo sendo uma previsão feita para as vogais, alguns sons consonantais são
passiveis de análise acústica, por apresentarem estruturas semelhantes às estruturas
vocálicas. É o caso do retroflexo. Por ser um som articulado com certa abertura oral, é
possível observar os formantes nos retroflexos.
Como citado, um importante aspecto observado para os retroflexos foram os valores
das medidas das freqüências de F3. no atual trabalho, as analise de F2 e F3 serão
fundamentais para que sejam traçados as comparações entre o retroflexo do PB e o
retroflexo do INAP.
Segue-se abaixo, um espectrograma e a análise acústica proposta por Ferraz em seu
trabalho, o mesmo modelo de análise que será aplicado aos novos dados.
Espectrograma 7- Forma da onda e espectrograma da seqüência “redor pra” , na sentença “digo redor pra ele” , produzida por N.R. O segmento retroflexo está sinalizado entre barras verticais.
20
4. Conclusão
A metodologia proposta no atual trabalho tem o objetivo de apresentar uma nova
análise sobre os problemas levantados por Ferraz (op cit) acerca da relação entre o
retroflexo do inglês Norte-Americano e o retroflexo do PB.
Existe uma grande discussão sobre a classificação do retroflexo. Muitos afirmam
que ele é o mesmo som em ambas línguas. Porém tais análises são superficiais e muitas
vezes feita de oitiva, o que não garante uma confiabilidade dos resultados.
Visto as análises já feitas por Ferraz e Lindau, não esperamos encontrar o mesmos
tipo de retroflexo para as duas línguas. Os dados já existentes indicam para esse fato. O
nosso objetivo é, por meio de mais dados e um controle maior sobre os ambientes de
ocorrência do retroflexo, corroborar e reforçar os resultados já existentes.
As análises acústicas, submetidas de forma a atender os requisitos levantados ao
longo do trabalho, poderão nos mostrar com mais clareza como o retroflexo se porta em
ambas as línguas. De inicio já deixo claro que os resultados esperados são de que realmente
tenhamos dois tipos de sons distintos, e não o mesmo som. Os resultados poderão ser de
suma importância no ensino de inglês para falantes de português, aprimorando o
ensinamento do sistema fônico do inglês Norte-Americano.
É importante salientar que um experimento piloto deve ser feito para que eventuais
erros metodológicos sejam corrigidos.
Os próximos passos do trabalho serão executar o experimento e submeter os dados à
análise acústica.
21
BIBLIOGRAFIA
AGUILERA, V.A. Atlas lingüístico do Paraná. Londrina.Ed. da Uel, 1994.
AMARAL, A. O dialeto caipira. São Paulo: Hucitec. Secretaria de Cultura, Ciência
e Tecnologia, 1982, 4.ed.
CALLOU, D.,MORAES, J. & LEITE, Y. A realização das consoantes posvocálicas
no português do Brasil, in Gramática do Português Falado. Campinas: Editora da
Unicamp, 1998.
FANT, G. Acoustic Theory of Speech Production. The Hague: Mouton, 1960.
FERRAZ, I.S. Características fonético-acústicas do /r/ retroflexo do Português Brasileiro:
dados de informantes de Pato Branco. Dissertação de Mestrado, inédita. UFPR,2005.
KOCH,W, KLASSMANN, M.S. & ALTENHOFEN,C.V. Atlas Lingüístico-Etnográfico
da Região Sul do Brasil-ALLERS.Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba: Ed.UFRGS,
UFSC, UFPR, 2002.
LEHISTE, I. Acoustical characteristics of selected English consonants. The Hague:
Mouton, 1962:51-115.
LEITE, C.M.B. Atitudes lingüísticas: a variante retroflexa em foco. Dissertação de
Mestrado, inédita: UNICAMP, 2004.
LINDAU, M.The story of /r/, in Victoria Fromkin (org), V. Phonetic Linguistics:
Essays in Honor of Peter Ladefoged ( edited by Victoria Fromkin). New York:
Academic Press, 1985,pp.157-168.
MADDIESON, I. A survey of liquids. In: UCLA Working Papers in Phonetics. no 50, 1980.
SKEETE N.A. O uso variável da vibrante na cidade de João Pessoa, in Graphos
(s/d): 77-96.