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INTRODUÇÃO
O Brasil é um país que possui um grande número de veículos em circulação
e, em decorrência, muitos acidentes com fatalidades ocorrem em números
assustadores diariamente. Motoristas imprudentes que se utilizam de veículos como
armas de fogo.
Em meio a esse assunto, que punição aplicar ao agente: dolo eventual ou
culpa consciente? A diferença de ambos ainda se confunde, pois é necessário saber
a vontade do agente. A busca da identificação da vontade que houve por parte do
agente, a intenção ou não do resultado é difícil de provar.
A culpa está caracterizada e descrita nos crimes de trânsito, mas um clamor
da sociedade na busca de uma pena mais gravosa para esses crimes tem tentado
reverter para a aplicação do dolo eventual, causando uma pressão no judiciário por
causa dessa insatisfação e levando a mudanças na aplicação da pena.
Os tribunais discutem e os doutrinadores também divergem suas opiniões na
aplicação do dolo eventual, não sabendo se o agente agiu com culpa consciente ou
não, causando grande celeuma. Diante dessa discussão nos deparamos com um
problema que será analisado no decorrer desse trabalho.
Enquanto uns entendem que não há possibilidade da aplicação do dolo
eventual nos homicídios ocorridos no trânsito, pois o Código de Trânsito Brasileiro –
CTB deixa bem claro no art. 302 que só existe a penalidade de forma culposa nos
casos de homicídios praticados na direção de veículos automotores, outros
entendem que podem sim aplicar o instituto dolo eventual em determinados crimes
de trânsitos, como dirigir embriagado, andar pela contramão, prática de racha e etc,
dependendo do caso em estudo.
A relevância dessa temática traz nesse projeto teorias expostas em seu
embasamento à finalidade de analisar a possibilidade ou não da aplicação do dolo
eventual nos homicídios no trânsito, como a sociedade, doutrinadores e aplicadores
da lei tem se comportado perante o insigne número de crimes ocorridos no trânsito.
Examinar minuciosamente se há em determinados crimes de trânsitos os requisitos
necessários para a aplicação do dolo eventual ou da culpa consciente. Verificar
como tem se comportado o operador do direito na hora de fazer subsunção e
aplicação da pena em meio à celeuma entre dolo eventual e culpa consciente que
podem ocorrer nesse tipo de crime. Pesquisar na jurisprudência e na doutrina como
tem ocorrido à aplicabilidade do instituto dolo eventual e culpa consciente em alguns
crimes ocorridos no trânsito, são uns dos objetivos desta pesquisa.
Este estudo tem como importância para a sociedade o conhecimento do
assunto dolo eventual, trazendo a diferenciação da culpa, ambas penalidades
aplicadas em crimes de trânsito que no Brasil acontecem milhões todo ano e que
muitos desses casos são julgados de maneira injusta, ficando a sociedade muitas
vezes insatisfeita com a sentença final. Para isso foi constituída uma pesquisa
bibliográfica, implementada a uma pesquisa de campo, para verificar o que os
alunos do curso de Direito acham e pensam sobre esse assunto, se é a favor da
aplicação do dolo eventual nos crimes de trânsito, se as penas aplicadas satisfazem
o anseio de justiça.
CAPÍTULO I
O CRIME
1.1 CONCEITO
Embora o nosso Código Penal não haver trazido o conceito de crime, mas a
doutrina tem se preocupado em conceituá-lo.
É importante ressaltar que, antigamente, o Código Criminal de 1830 e o
Código Penal de 1890 traziam o conceito de crime. Tal não ocorre na legislação
atual como já citado anteriormente.1
A doutrina conceitua o crime sobre três aspectos, o material, formal e
analítico.
Segundo Damásio de Jesus o “conceito material do crime é de relevância
jurídica, uma vez que coloca em destaque o seu conteúdo teleológico, a razão
determinante de constituir uma conduta humana infração penal e sujeita a uma
sanção”.2
A melhor orientação para o conceito material de crime, como afirma Noronha,
“é aquele que tem em vista o bem protegido pela lei penal”.3
Formalmente falando, crime é a violação da lei penal.
O conceito formal e material é insuficiente para permitir à dogmática penal a
realização de uma análise dos elementos estruturais do conceito do crime.4
Já analisando o conceito de crime sob o aspecto analítico, o qual é o adotado
para conceituar o crime, propriamente dito, a doutrina tem se dividido entre a teoria
bipartida, sendo o crime fato típico e antijurídico, e tendo a culpabilidade um
1 ALEXANDRE, Alessandro Rafael Bertollo de. O conceito de crime . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 62, fev. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3705>. Acesso em: 04 set. 2010.2 JESUS, Damásio. Direito Penal. p.193.3 MIRABETE, Julio Fabrinni. Manual de Direito Penal. p. 96 apud. NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. p. 1054 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. p. 210
elemento que permitirá a manifestação da pena ao agente que praticou o delito, e a
teoria tripartida sendo o crime fato típico, antijurídico e culpável.
O Código Penal adotou de forma não expressa à teoria finalista de Hans
Welsel, onde se tem a partir dessa concepção a formação das duas teorias citadas
acima.
Segundo essa teoria toda e qualquer ação do homem têm uma finalidade e
não simplesmente uma causalidade, sendo assim a vontade é um elemento muito
importante na hora de praticar a ação.
De acordo com as palavras de Rodrigo Santos Emanuel:
Hans Welzel foi o grande defensor da teoria finalista da ação que surgiu entre 1920 e 1930, diante das constatações neoclássicas, onde se observou elementos finalísticos nos tipos penais. Pela corrente neoclássica, também denominada neokantista, foi possível determinar elementos subjetivos no próprio tipo penal e não somente na culpabilidade.5
Segundo Cezar Roberto Bitencourt:
A definição atual do crime é produto da elaboração inicial da doutrina alemã, a partir da segunda metade do século XIX, que, sob a influência do método analítico, próprio do moderno pensamento científico, foi trabalhado no aperfeiçoamento dos diversos elementos que compõe o delito, com a contribuição de outros países, como Itália, Espanha, Portugal, Grécia, Áustria e Suíça.6
Como citado anteriormente, a doutrina tem se divergido com relação aos
elementos que compõem o crime, uma classe majoritária composta por Aníbal
Bruno, Cezar Bitencourt, Edgar Magalhães Noronha, Fernando Galvão, Nélson
Hungria, Heleno Fragoso, Guilherme Nucci, entre outros, tem defendido a teoria
tripartida (fato típico, antijurídico e culpável) e os grandes autores conhecidíssimos
em nosso meio jurídico, Celso Delmanto, Fernando Capez, Julio Fabrini Mirabete e
outros tem adotado a teoria bipartida (fato típico e ilícito).
5 EMANUELE, Rodrigo Santos. Teorias da Conduta no Direito Penal. Disponível em: <www.pontojuridico.com>, acessado em: 27/08/20106 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. p. 206
De acordo com a doutrina majoritária irá ser abordado de forma completa a
teoria tripartida para uma maior explanação sobre o conceito de crime,
contemplando todos os seus elementos.
1.1.1. Fato Típico
Sendo um dos elementos do crime o fato típico é o fato material que se
amolda perfeitamente aos elementos constantes do modelo previsto na lei penal.7
Segundo Mirabete o fato típico “é o comportamento humano (positivo ou
negativo) que provoca em regra um resultado, e é previsto como infração penal”.8
Celso Delmanto afirma que “será fato típico quando a conduta estiver definida
por lei como crime, segundo o princípio da reserva legal (CP, art. 1º), constitucional
mente garantido (CR/88, art.5º, XXXIX)”.9
Assim como o conceito de crime é composto de elementos, também a
doutrina conceitua o fato típico com a composição de quatro elementos, que são
eles:
Conduta (dolosa ou culposa);
Resultado;
Nexo de causalidade;
Tipicidade.
A conduta, que pode ser dolosa ou culposa, é a manifestação de uma
vontade, “a pedra angular de toda a sistemática do delito”.10
Pode se classificar a conduta também como comissiva, onde se tem um
comportamento positivo, em querer agir, ou omissiva, onde o agente age
negativamente, um não fazer.
O elemento resultado do crime pode ser naturalístico ou jurídico (art. 13,
primeira parte do CP). O resultado naturalístico consiste na modificação provocada
7 CAPEZ, Fernando. Curso Direito Penal. p.1098 MIRABETE, Julio Fabrinni. Manual de Direito Penal. p. 989 DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. p. 18-1910 Idem. p.19 apud. PIERANGELLI, José Henrique. Do Consentimento do Ofendido na Teoria do Delito. p. 19-20
no mundo exterior pela conduta do agente. Já o resultado jurídico é o que se refere
à própria lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado.11
O nexo de causalidade que se encontra tipificado no art.13 do CP deixa bem
claro que deve haver um nexo ou ligação entre a conduta do agente e o resultado,
pois o crime só poderá ser imputável a quem lhe deu causa, e é considerado causa
a ação ou omissão do agente, sem a qual o resultado não teria ocorrido.
De acordo com as palavras de Celso Delmanto:
O legislador, segundo a escola finalista, incorporou ao tipo penal a exigência de dolo ou culpa (elementos subjetivos do tipo – CP, art. 18), sem os quais jamais pode haver punição, sobe pena de inadmissível responsabilidade penal objetiva, o que seria um a verdadeira afronta ao direito penal da culpa. 12
A tipicidade é o último elemento do fato típico, que é a correspondência exata,
a adequação perfeita entre o fato natural, concreto, e a descrição contida na lei.13
Essa descrição abstrata contida na lei se dar o nome de Tipo.
Segundo Capez:
O tipo legal é um dos postulados básicos do princípio da reserva legal. Na medida que a Constituição brasileira consagra expressamente o princípio de que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art.5º, XXXIX), que fica outorgado à lei a relevante tarefa de definir, isto é, de descrever os crimes.14
É importante ressaltar que o fato concreto tem que conter todos esses
elementos do fato típico, caso falte algum não poderá ser considerado crime.
11 Idem. p.1912 Idem. p.2113 MIRABETE, Julio Fabrinni. Manual de Direito Penal. p. 11514 CAPEZ, Fernando. Curso Direito Penal. p.179
1.1.2. Antijurídico ou Ilícito
Hans-Heinrich Jescheck conceitua a antijuridicidade com sendo um
“comportamento contrário ao dever de atuar ou de se abster estabelecido de em
uma norma jurídica”.15
Segundo Fernando Capez a ilicitude “é a contradição entre a conduta e o
ordenamento jurídico, pelo qual a ação ou omissão típicas tornam-se ilícitas”.16
Todo fato penalmente ilícito é sempre típico, mas nem todo típico é ilícito,
pois existem as excludentes de ilicitude que se encontram tipificadas no nosso
Código Penal, art. 23, que são elas:
Estado de necessidade;
Legitima defesa;
Exercício regular de direito.
Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:I – em estado de necessidade;II- em legítima defesa;III- em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito.Art. 24. Considera-se em estado de necessidade que pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.§ 1.º Não pode alegar estado de necessidade que tinha o dever legal de enfrentar o perigo.§ 2.º Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.Art. 25. Entende-se em legitima defesa que, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.17
1.1.3. Culpabilidade
Como já visto anteriormente, a culpabilidade, para a doutrina majoritária, é
considerado elemento que compõe o crime, já a doutrina minoritária diz que não se
trata de um elemento do crime, mas pressuposto para a imposição de pena.
15 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Direito Penal. p.21016 CAPEZ, Fernando. Curso Direito Penal. p.25817 PINTO, Antonio Luiz de Toledo. WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos. CÉSPEDES, Livia. Vade Mecum. p.543
A culpabilidade é a possibilidade de o agente que praticou uma infração penal
ser considerado culpado, sendo definida como juízo de censurabilidade e
reprovação exercido sobre alguém que praticou um fato típico e ilícito.18
Para que haja a culpabilidade do agente no ato praticado como crime é
necessário ter em mente alguns elementos, que são eles:
Imputabilidade;
Potencial consciência da ilicitude;
Exigibilidade de conduta diversa.
A imputabilidade é a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de
determinar-se de acordo com esse entendimento. O agente deve ter condições
físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal
e ter controle sobre sua vontade.19
Mas, existem causas que excluem a imputabilidade, que são:
Doença mental;
Desenvolvimento mental incompleto;
Desenvolvimento metal retardado;
Embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior.
São considerados inimputáveis segundo o nosso Código Penal:
Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terço, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimentoArt. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.20
O Código Penal também descreve quais os casos que não excluem a
imputabilidade, que são:
18 CAPEZ, Fernando. Curso Direito Penal. p.28719 Idem. p.29620 PINTO, Antonio Luiz de Toledo. WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos. CÉSPEDES, Livia. Vade Mecum. p.543
Art. 28. Não excluem a imputabilidade penal:I – a emoção ou a paixão;II – a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos.§ 1.º É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.§ 2.° A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato de determinar-se de acordo com esse entendimento.21
A potencial consciência da ilicitude é quando o agente tem a total consciência
e condição de perceber a que conduta que está praticando é contrária ao
ordenamento jurídico.
Exigibilidade de conduta diversa é a possibilidade de o agente praticar outra
conduta, sendo que caso exista coação irresistível ou uma obediência hierárquica
há, então, uma causa de exclusão da culpabilidade, como afirma o art.22 do Código
penal.
A figura 1 nos traz resumidamente toda a teoria do crime que foi aqui
esplanada.22
21 Idem. Ibidem.22 FERREIRA, Gecivaldo Vasconcelos. Teoria do crime em síntese. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1677, 3 fev. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10913>. Acesso em: 13 set. 201024 maio 2010.
Figura 1
C R I M E
FATO TÍPICO (fato material no qual se identifica a efetivação de uma conduta prevista no tipo penal incriminador, e ainda, que afeta ou ameaça de forma relevante bens penalmente tutelados).
ELEMENTOS
Conduta, dolosa ou culposa (art. 18 do CP), comissiva ou omissiva.
Observar que o erro de tipo (art. 20 do CP) inevitável exclui o dolo e a culpa.
Resultado jurídico/normativo (art. 13, primeira parte, do CP).
Nexo de causalidade entre a conduta e o resultado (art. 13 do CP).
Tipicidade
Formal: adequação perfeita do fato à lei penal incriminadora.
Conglobante: quando a conduta do agente não é imposta ou fomentada pela norma e afeta bens penalmente relevantes (tipicidade material).
ILÍCITO (relação de antagonismo entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico)
EXCLUDENTES
Estado de necessidade (arts. 23, I, e 24 do CP);
Legítima defesa (arts. 23, II, e 25 do CP);
Estrito cumprimento de dever legal (art. 23, III, do CP);
Exercício regular de direito (art. 23, III, do CP);
Consentimento do ofendido (admissível somente em alguns casos).
CULPÁVEL (juízo de reprovação sobre a conduta ilícita do agente)
ELEMENTOS
Imputabilidade
Excluem a imputabilidade: doença mental (art. 26 do CP); imaturidade natural (arts. 27 do
CP, e 228 da CF);
embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior (art. 28, § 1º, do CP);
condição de silvícola inadaptado.
Potencial consciência sobre a ilicitude do fato
O erro de proibição inevitável (art. 21 do CP) exclui essa potencial consciência.
Exigibilidade de conduta diversa
Excluem esse elemento: Coação moral irresistível (art. 22
do CP); Obediência hierárquica (art. 22 do
CP);
Causas supralegais (identificáveis em situações concretas)
FONTE: FERREIRA, Gecivaldo Vasconcelos. Teoria do crime em síntese . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1677, 3 fev. 2008. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10913>. Acesso
em: 24 maio 2010.
CAPÍTULO II
DOLO E CULPA
2.1 DOLO E CULPA
Como já visto no capítulo anterior, para haver crime é necessária uma
conduta dolosa ou culposa que se encontra como um dos elementos do fato típico.
O dolo e a culpa são definidos por nossa doutrina como os elementos subjetivos do
crime e se encontram tipificados em nosso Código Penal no art. 18.
Art.18. Diz se o crime:I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.23
2.2 DOLO
2.2.1 Conceito e Teorias
Para Rogério Greco o dolo é a vontade livre e consciente dirigida a realizar a
conduta prevista no tipo penal incriminador.24
Segundo Cláudio Brandão o dolo é definido como consciência e vontade da
realização dos elementos objetivos do crime.25
No entendimento de Fernando Capez o dolo é à vontade e a consciência de
realizar os elementos constantes do tipo legal. Mais amplamente, é a vontade
manifestada pela pessoa humana de realizar a conduta.26
O dolo é à vontade, o querer em praticar uma conduta prevista no tipo penal,
e conhecer que o fato que está praticando é ilícito.
23 PINTO, Antonio Luiz de Toledo. WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos. CÉSPEDES, Livia. Vade Mecum. p.54224 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal.p. 20425 BRANDÃO, Cláudio. Curso de Direito Penal: Parte Geral.p.15626 CAPEZ, Fernando. Curso Direito Penal. p.198
A doutrina explana três teorias que procuram conceituar e explicar o dolo, são
elas:
Teoria da vontade;
Teoria da representação;
Teoria consentimento.
Um grande expoente da teoria da vontade é Francesco Carrara. Ele
reconhece o dolo sempre que o agente tem a intenção de produzir resultado. O
mestre dos mestres definiu o dolo como intenção mais ou menos perfeita de praticar
um ato contrário à lei.27
A teoria da representação foi criada por Franz von Liszt, que diz que o dolo se
configura com a simples previsão do resultado. Assim, será suficiente para a
configuração do dolo o elemento intelectivo: a consciência, porque é ela que
possibilita a representação mental do resultado.28
A teoria do consentimento segundo Cláudio Brandão:
A teoria do consentimento surge a partir de uma crítica feitas à teoria da representação, formulada por Ernst von Beling. Segundo essa teoria a mera representação intelectual não é suficiente para a configuração do dolo, mas deve-se analisar a atitude do agente frente a representação: além do resultado, mostrando uma atitude de indiferença em face da sua configuração.29
Com a analise do nosso Código Penal em seu art.18, I, pode-se observar que
foram adotadas duas teorias: a teoria da vontade e a teoria do consentimento ou
assentimento, tendo assim como o dolo a vontade de realizar o resultado ou a
aceitação dos riscos de produzi-lo.
A teoria da vontade foi a teoria adotada pelo nosso Código Penal prevista na
primeira parte do art. 18, I, e a teoria do consentimento na segunda parte do mesmo
dispositivo.
27 BRANDÃO, Cláudio. Curso de Direito Penal: Parte Geral.p.158 apud CARRARA, Francesco.Programa do Curso de Direito Criminal. p. 8028 Idem.p.15829 Idem. Ibidem.
Desse modo, pode-se dizer que o dolo é composto de alguns elementos,
sendo a consciência o elemento intelectivo, e a vontade o elemento volitivo.
2.2.2 Espécies de dolo
Para Damásio de Jesus a doutrina distingue duas formas de dolo:
Dolo direto ou dolo determinado: o sujeito visa a certo e determinado resultado. Ex:. o agente desfere golpes de faca na vítima com intenção de matá-la. O dolo se projeta de forma direta no resultado morte. [...] Dolo indireto ou indeterminado: quando a vontade do sujeito não se dirige a certo e determinado resultado. Possui duas formas: Dolo alternativo – quando a vontade do sujeito se dirige a um ou outro resultado. Ex:. o agente desfere golpes de facas na vítima com intenção alternativa: ferir ou matar. Dolo eventual – ocorre quando o sujeito assume o risco de produzir o resultado, isto é, admite e aceita o risco de produzi-lo. Ele não quer o resultado, pois se assim fosse haveria dolo direto. Ele antevê e age. A vontade não se dirige ao resultado (o agente não quer o evento), mas sim à conduta, prevendo que esta pode produzir aquele. Percebe que é possível causar o resultado e, não obstante, realiza o comportamento. Entre desistir da conduta e causar o resultado, prefere que este se produza. Ex:. o agente pretende atirar na vítima, pode também atingir a outra pessoa. Não obstante essa possibilidade, prevendo que pode matar o terceiro é-lhe indiferente que este último resultado se produza. Ele tolera a morte do terceiro. Para ele, tanto faz que o terceiro seja atingido ou não, embora não queira o evento. Atirando na vítima e matando também o terceiro, responde por dois crimes de homicídio: o primeiro, a título de dolo; o segundo, a título de dolo eventual.30
Espécies de dolo segundo Guilherme de Souza Nucci:
O dolo direto - é a vontade do agente dirigida especificamente à produção do resultado típico, abrangendo os meios utilizados para tanto. A vontade se encaixa com perfeição ao resultado. [...] O dolo indireto ou eventual é a vontade dirigida a um resultado determinado, porém vislumbrando a possibilidade de ocorrência de um segundo resultado, não desejado, mas admitido, unido ao primeiro. Por isso, a lei usa o termo “assumir o risco de produzi-lo”. Nesse caso, de situação mais complexa, o agente não quer o segundo resultado diretamente, embora sinta que ele pode se materializar juntamente com aquilo que pretende, o que lhe é indiferente.
Essas duas formas de dolo são as usadas em nossa doutrina atualmente, mas com fundamentação em outras teorias ele pode formar outras espécies, como o dolo genérico e o dolo específico.
Fazia-se, quando prevalecia a teoria natural da ação, a distinção entre dolo genérico e dolo específico. Dizia-se que dolo genérico era aquele em que no
30 JESUS, Damásio. Direito Penal. p.340
tipo penal não havia indicativo algum do elemento subjetivo do agente ou, melhor dizendo, não havia indicação alguma da finalidade da conduta do agente. Dolo específico, a seu turno, era aquele em que no tipo penal podia ser identificado o que denominamos de especial fim de agir. No tipo do art. 121 do Código Penal, por exemplo, não há, segundo os adeptos dessa distinção, indicando alguma finalidade do agente, razão pela qual vislumbravam, ali, o dolo genérico. Ao contrário , no caso de tipos penais como o do art.159 do Código Penal, em que na sua redação encontramos expressões que indicam a finalidade da conduta do agente (com o fim de, etc), existe um dolo específico. [...] Contudo uma fez adotada a teoria finalista da ação, podemos dizer que em todo o tipo penal há uma finalidade que o difere de outro, embora não seja tão evidente quando o próprio artigo se preocupa em direcionar a conduta do agente, trazendo expressões dela indicativas. Isso porque, de acordo com a referida teoria, a ação é o exercício de uma atividade final, ou seja, toda a conduta é finalisticamente dirigida à produção de um resultado qualquer, não importando se a intenção do agente é mais ou menos evidenciada no tipo penal.31
2.2.3 Outras classificações do dolo
Existem também outras classificações do dolo, como dolo alternativo, dolo
cumulativo e dolo geral.
Guilherme Nucci traz em seu Manual de Direito Penal essas outras
classificações do dolo:
a) Dolo alternativo, que significa querer o agente, indiferentemente, um resultado ou outro
b) Dolo cumulativo, que significa desejar o agente alcançar dois resultados, em sequência.
c) Dolo geral (também chamado de erro sucessivo ou abrratio causae). Trata-se, em verdade, de uma hipótese de engano quanto ao meio de execução do delito, mas que termina por determinar o resultado visado. É um erro sobre a causalidade, mas jamais quanto aos elementos do tipo, nem tampouco quanto à ilicitude do que se pratica.32
Distinção entre dolo genérico e dolo específico segundo Guilherme de Souza
Nucci:
A doutrina tradicional costuma fazer diferença entre o dolo genérico, que seria a vontade de praticar a conduta típica, sem qualquer finalidade especial, e o dolo específico, que seria a mesma vontade, embora adicionada deu uma especial finalidade. Outra parcela da doutrina costuma, atualmente, utilizar apenas o termo dolo para designar o dolo genérico e elemento subjetivo do tipo específico para definir dolo específico. Alguns autores, ainda, apreciam a denominação elemento subjetivo do injusto ou elemento subjetivo ilícito para compor o universo das específicas finalidades que possui o agente para atuar. Entendemos ser desnecessária essas últimas duas denominações, bastando considerar a existência do dolo e de
31 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. p. 20932 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. p. 221-222.
suas finalidades específicas, que constituem o elemento subjetivo específico, podendo ser explícito ou implícito.33
2.3 CULPA
2.3.1 Conceito e Teorias
Segundo o Código Penal em seu artigo 18, II, é crime culposo quando o
agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. Contudo
essa definição que se encontra tipificada não demonstra suficientemente um
conceito concreto para que se possa afirmar que determinada conduta que o agente
venha a praticar é considerada ou não culposa.
Necessário assim se faz a busca doutrinária para um melhor entendimento e
aprofundamento do estudo do conceito de culpa.
Para Guilherme de Souza Nucci culpa “é o comportamento voluntário,
desatencioso, voltado a um determinado objeto, lícito ou ilícito, embora produza
resultado ilícito, não desejado, mas previsível, que podia ter sido evitado. O dolo é a
regra; a culpa, exceção”.34
No entendimento de Cezar Roberto Bitencourt a definição de culpa “é tida
como a inobservância do dever objetivo de cuidado manifestada numa conduta
produtora de um resultado não querido, objetivamente previsível”.35
Segundo Delmanto:
A culpa fundamenta-se na aferição do cuidado objetivo exigível pelas circunstâncias em que o fato aconteceu, o que indica a tipicidade da conduta do agente. A seguir, deve-se chegar à culpabilidade, pela análise da previsibilidade subjetiva, isto é, se o sujeito, de acordo com sua capacidade pessoal, agiu ou não de forma a evitar o resultado [...] Assim, haveria crime culposo quando o sujeito, não empregando a atenção e cuidado exigido pelas circunstâncias, não previu o resultado do seu comportamento ou, mesmo o prevendo, levianamente pensou que ele não aconteceria.36
33 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. p. 221-222.34 Idem. p. 19235 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. p. 27836 DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. p. 34
Como se pode observar em todos os conceitos dados, a doutrina busca uma
complementação do que o nosso Código Penal afirma. Em todos eles percebe-se
que o agente age de uma maneira voluntária, mas com imprudência, negligência ou
imperícia, sem a intenção de praticar o ato, pois acharia que o incidente não iria
acontecer.
2.3.2 Elementos da culpa
Para que se caracterize uma conduta culposa é necessária a observação de
alguns elementos.
Para Guilherme de Souza Nucci os elementos da culpa são os seguintes:
a) Concentração na análise da conduta voluntária do agente, isto é, o mais importante na culpa é a análise do comportamento e não o do resultado;
b) Ausência do dever de cuidado objetivo, significando que o agente deixou de seguir as regras básicas e gerais de atenção e cautela, exigíveis de todos que vivem em sociedade. Essas regras gerais de cuidado derivam da proibição de ações de riscos que vão além daquilo que a comunidade juridicamente organizada está disposta a tolerar;
c) Resultado danoso involuntário, ou seja, é imprescindível que o evento lesivo jamais tenha sido desejado ou acolhido pelo agente;
d) Previsibilidade, que a possibilidade de prever o resultado lesivo, inerente a qualquer ser humano normal. Ausente a previsibilidade, afastada estará a culpa, pois não se exige da pessoa uma atenção extraordinária e fora do razoável.
e) Ausência de previsão (culpa inconsciente), ou seja, não é possível que o agente tenha previsto o evento lesivo; ou previsão do resultado, esperando, sinceramente, que ele não aconteça (culpa consciente), quando o agente vislumbra o evento lesivo, mas crê poder evitar que ocorra;
f) Tipicidade, vale dizer, o crime culposo precisa estar expressamente previsto no tipo penal. Ex.: não existe menção, no art.155 do Código Penal, à culpa, de forma que não há “furto culposo”;
g) Nexo causal, significa que somente a ligação, através da previsibilidade, entre a conduta do agente e o resultado danoso pode constituir o nexo de causalidade no crime culposo, já que o agente não deseja a produção do evento lesivo.37
Segundo Rogério Greco a caracterização do delito culposo é necessário a
conjugação de vários elementos, a saber:
a) conduta voluntária, comissiva ou omissiva;b) imprudência e imperícia);c) o resultado lesivo não querido, tampouco assumido, pelo agente;d) nexo de causalidade entre a conduta do agente que deixa de observar o
seu dever de cuidado e o resultado lesivo dele advindo;e) previsibilidade;
37 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. p. 224
f) tipicidade.38
Já no entendimento de Mirabete os elementos do crime culposo são:
a) a conduta;b) a inobservância do dever de cuidado objetivo;c) o resultado lesivo involuntária;d) a previsibilidade; ee) a tipicidade.39
A doutrina encontra-se quase unânime em relação aos elementos que
compõe a culpa.
2.3.3 Modalidades de Culpa
O nosso Código Penal nos traz em seu artigo 18, II, as modalidades de culpa
que são elas:
Imprudência;
Negligência;
Imperícia.
Luiz Regis Prado no seu livro Curso de Direito Penal conceitua essas
modalidades de culpa.
a) Imprudência – vem a ser uma atitude positiva, um agir sem a cautela, a atenção necessária, com precipitação, afoitamento ou inconsideração. É a conduta arriscada, perigosa, impulsiva. Ex.: não observar a sinalização de trânsito (via preferencial); dirigir em alta velocidade.
b) Negligência – relaciona-se com a inatividade (forma omissiva), a inércia do agente que podendo agir para não causar ou evitar o resultado lesivo, não o faz por preguiça, desleixo, desatenção ou displicência. Ex.: não deixar veículo freado, quando estacionado.
c) Imprudência – vem a ser a incapacidade, a falta de conhecimentos técnicos precisos para o exercício de profissão ou arte. É a ausência de aptidão técnica, de habilidade, de destreza ou de competência no exercício de qualquer atividade profissional. Pressupõe a qualidade de habilitação para o exercício profissional. Ex: a falta de habilitação no conduzir o veículo (motorista profissional).40
Fernando Capez também conceitua as modalidades:
a) Imprudência: é a culpa de quem age, ou seja, aquela que surge durante a realização de um fato sem o cuidado necessário. Pode ser definida como uma ação descuidada. Implica sempre um comportamento
38 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. p. 20939 MIRABETE, Julio Fabrinni. Manual de Direito Penal. p. 9840 PRADO, Luiz Regis Prado. Curso de Direito Penal Brasileiro. p. 365-366
positivo. Ex.: ultrapassagem proibida, excesso de velocidade, trafego na contra mão.
b) Negligência: é a culpa na sua forma omissiva. Consiste em deixar alguém de tomar o cuidado devido antes de começar a agir. Ao contrário da imprudência, que ocorre durante uma a ação, a negligência dá-se sempre antes do início da conduta. Implica, pois, a abstenção de um comportamento que era devido. O negligente deixa de tomar, antes de agir, as cautelas que deveria. Ex.: deixar de reparar os pneus e verificar os freios antes de viajar, não sinalizar devidamente perigoso cruzamento.
c) Imperícia: é a demonstração de inaptidão técnica em profissão ou atividade. Consiste na incapacidade, na falta de conhecimento ou habilidade de para o exercício de determinado mister.41
Os doutrinadores, apesar de usarem outros termos para definir os conceitos
das modalidades da culpa, terminam se convergindo em um mesmo sentido.
2.3.4 Espécies de Culpa
Existem várias espécies de culpa classificadas por diversos doutrinadores.
Cláudio Brandão em seu livro Curso de Direito Penal diz que a dogmática
penal distingue duas formas de culpa:
A culpa inconsciente é aquela que o agente não prevê a possibilidade de um resultado típico e antijurídico, quando era capaz de prevê-lo e o Direito exigia dele a previsão, por inobservância de um dever de cuidado. [...] A culpa consciente é aquela em que o agente prevê a possibilidade da realização de um ato típico e antijurídico, mas de modo contrário ao seu dever de cuidado, confia que este ato não se realizará.42
Para Luiz Regis Prado as duas formas de culpa são:
Culpa inconsciente (culpa stricto sensu) - é a culpa comum, que se verifica quando o autor não prevê o resultado que lhe é possível prever. Não prevê o resultado, embora possível, transgredindo, desse modo, sem saber, o cuidado objetivo exigível. O agente não conhece concretamente o dever objetivo de cuidado, apesar de lhe ser conhecível. [...] Culpa consciente ou com previsão - o autor prevê o resultado como possível, mas espera que não ocorra. Há efetivamente previsão do resultado, sem a aceitação do risco de sua produção (confia que o evento não sobrevirá). Por sem dúvida, há uma consciente violação do cuidado objetivo. A previsibilidade no delito de ação culposa se acha na culpabilidade e não no tipo injusto.43
As principais espécies de culpa que a nossa doutrina nos traz são a culpa
inconsciente e a culpa consciente. Temos como a principal diferença entre elas a 41 CAPEZ, Fernando. Curso Direito Penal. p.208-209.42 BRANDÃO, Cláudio. Curso de Direito Penal: Parte Geral.p.158 apud WESSELS, Johannes. Direito Penal – Aspectos Fundamentais. p. 147. 43 PRADO, Luiz Regis Prado. Curso de Direito Penal Brasileiro. p. 365-366
previsibilidade que o agente tem do resultado, sendo que na primeira espécie não é
possível haver esta previsibilidade e, já na segunda, o agente pode sim prever o
resultado, mas considera capaz de não deixar que o resultado ocorra.
CAPÍTULO III
DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE
3.1 DIFERENÇA ENTRE DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE
Uma das maiores dificuldades encontradas dentro do direito penal tem sido à
busca da diferença entre dolo eventual e culpa consciente. A doutrina e a
jurisprudência ainda se encontram em um estado de dificuldade para saber qual a
verdadeira intenção do agente na hora da prática de determinados crimes,
principalmente nos homicídios que ocorrem no trânsito.
Sobre a diferença entre dolo eventual e culpa consciente, leciona o Eminente
Professor Luiz Regis Prado:
Por assim dizer, existe um traço comum entre o dolo eventual e a culpa consciente: a previsão do resultado ilícito. [...] No dolo eventual, o agente presta anuência, consente, concorda com o advento do resultado, preferindo arriscar-se a produzi-lo a renunciar à ação. Ao contrário, na culpa consciente, o agente afasta ou repele, embora inconsideradamente, a hipótese de superveniência do evento e empreende a ação na esperança de que não venha a ocorrer – prevê o resultado como possível, mas não o aceita nem consente.44
Existe uma linha muito curta que divide esses dois institutos, onde a principal
diferença está na aceitação do resultado, sendo que no dolo eventual o agente
mesmo não querendo diretamente o resultado, o aceita, assume todos os riscos e, já
na culpa consciente o agente tem a previsão de que um resultado venha a ocorrer,
porém espera que não ocorra, pois acredita que poderá evitar.
Rogério Greco atento à diferença entre dolo eventual e culpa consciente, mas
com os olhos voltados especificamente para o homicídio praticado na direção de
veículo automotor, no qual o agente encontrava-se embriagado e em excesso de
velocidade, aduz que:
A questão não é tão simples como se pensa. Essa fórmula criada, ou seja, embriaguez + velocidade excessiva = dolo eventual, não pode prosperar. Não se pode partir do princípio de que todos aqueles que dirigem embriagados e com velocidade excessiva não se importam em causar a morte ou mesmo lesões em outras pessoas. O dolo eventual, como visto, reside no fato de não se importar o agente com a ocorrência do resultado
44 Idem. p.367
por ele antecipado mentalmente, ao contrário da culpa consciente, onde este mesmo agente, tendo a previsão de que poderia acontecer, acredita, sinceramente, que o resultado lesivo não venha a ocorrer. No dolo eventual, o agente não se preocupa com a ocorrência do resultado por ele previsto porque o aceita. Para ele, tanto faz. Na culpa consciente, ao contrário, o agente não quer e nem se assume o risco de produzir o resultado porque se importa com a sua ocorrência. O agente confia que, mesmo atuando, o resultado previsto será evitado. [...] Merece ser frisado, ainda, que o Código Penal, como vimos, não adotou a teoria da representação, mas, sim, a da vontade e a do assentimento. Exige-se, portanto, para a caracterização do dolo eventual, que o agente anteveja como possível o resultado e o aceite, não se importando realmente com a sua ocorrência. [...] Com isso queremos salientar que nem todos os casos em que houver a fórmula embriaguez + velocidade excessiva haverá dolo eventual. Também não estamos afirmando que não há possibilidade de ocorrer tal hipótese. Só a estamos rejeitando como uma fórmula matemática, absoluta. [...] O clamor social no sentido de que os motoristas que dirigem embriagados e/ou em velocidade excessiva devem ser punidos severamente, quando tiram a vida ou causam lesões irreversíveis em pessoas inocentes, não pode ter o condão de modificar toda a nossa estrutura jurídico-penal. Não podemos, simplesmente, condenar o motorista por dolo eventual quando, na verdade, cometeu infração culposamente. [...] Concluindo, embora em alguns casos raros seja possível cogitar de dolo eventual em crimes de trânsito, não é pela conjugação da embriaguez com a velocidade excessiva que se pode chegar a essa conclusão, mas, sim, considerando o seu elemento anímico. Se mesmo antevendo como possível a ocorrência do resultado como ele não se importava, atua com dolo eventual; se, representando-o mentalmente, confiava sinceramente na sua não-ocorrência, atua com culpa consciente. E, para arrematar, se ao final do processo pelo qual o motorista estava sendo processado por um crime doloso (como dolo eventual), houver dúvida com relação a este elemento subjetivo, deverá ser a infração penal desclassificada para aquele de natureza culposa, pois que in dubio pro réu, e não, como querem alguns, in dúbio pro societate.45
Como se pode perceber nem todo e qualquer homicídio que ocorra no trânsito
será generalizado como culpa consciente. Em alguns casos ocorrerá à aplicação do
dolo eventual, dependendo assim do caso concreto, conforme tem sido o
pensamento de alguns aplicadores da lei.
CAPÍTULO IV
45 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. p. 229-230
TIPO SUBJETIVO DO HOMICÍDIO OCORRIDO NO TRÂNSITO
4.1 CONCEITO DE CRIME AUTOMOBILÍSTICO
Crime automobilístico ou crime de trânsito é o crime que ocorre em vias
terrestres, aonde o agente conduz um veículo automotor e comete uma infração
penal com o mesmo.
Segundo José Frederico Marques “é toda infração penal oriunda de veículo
motorizado na sua função comum de meio de locomoção e transporte, quer de carga
como de pessoas.” 46
O Código Brasileiro de Trânsito em seu artigo 96 traz a classificação dos
veículos, quanto à tração, quanto à espécie e quanto à categoria e, a partir do artigo
302 os crimes em espécies.
No art. 302 se encontra tipificado a prática do homicídio que é mencionado
como tipo culposo:
Art.320. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.Parágrafo Único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de terço à metade, se o agente:I – não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação;II – praticá-lo em faixa de pedestre ou na calçada;III – deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente;IV – no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros;V – (Revogado pela Lei.n.11.705, de 19-6-2008)47
Interessante a crítica que Damásio de Jesus traz em sua obra Crimes de
Trânsito em relação á definição típica:
O conceito típico é criticável. Nunca houve maneira mais estranha de descrever delito. O verbo, que tecnicamente representa o núcleo do tipo, refletindo a ação ou omissão, não menciona a conduta principal do autor. É “praticar”. Ora, o comportamento do autor no homicídio culposo, para fins de definição típica, não consiste em “praticar homicídio culposo”, e sim “matar alguém culposamente”. O verbo típico e “matar”; não “praticar”. O sujeito é punido não porque “praticou”, mas sim porque “matou alguém”. Autor é
46 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. p. 25047 PINTO, Antonio Luiz de Toledo. WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos. CÉSPEDES, Lívia. Vade Mecum. p.855
quem realiza a conduta contida no verbo do tipo, e não quem “pratica homicídio”.48
4.2 APLICAÇÃO DO DOLO EVENTUAL E DA CULPA CONSCIENTE NO
HOMICÍDIO OCORRIDO NO TRÂNSITO
A sociedade insatisfeita com os crimes de trânsito e sua baixa punibilidade,
que faz muitas vítimas todo ano, questiona sobre uma Lei ou uma pena mais eficaz
e inibitória relacionada à punição desses crimes, buscando até mesmo a aplicação
do instituto dolo eventual em determinados delitos que acontecem nessa esfera,
como exemplo o caso de dirigir alcoolizado, o excesso de velocidade nas vias, dirigir
pela contramão e etc.
Esse assunto é de fundamental debate de nossos governantes, visto que,
pela grande demanda de veículos que o Brasil possui e, em decorrência de muitos
acidentes brutais e fatais causados por imprudências, acidentes que poderiam ser
evitados se houvessem leis mais severas ou penas mais duras e, acima de tudo
uma fiscalização mais eficaz.
O Código Brasileiro de Trânsito, regulador dessa questão, traz um capítulo
específico dos Crimes de Trânsito nas Seções I e II, em que resgata o dever do
Estado de punir com mais severidade aqueles que se utilizam de um veículo de
maneira imprudente, causando acidentes brutais e ceifando vidas, pois o mesmo
enquadra os crimes de trânsito como sendo culposos com penas baixas, levando
assim uma revolta social e injustiça nos tribunais.
É a aplicação da culpa nesses crimes que tem trazido uma insatisfação social
em meio às penas aplicadas, levando assim o judiciário em alguns casos decidir
que, em vez de ter ocorrido a culpa, aplicar o dolo eventual, que é uma pena mais
eficaz, inibindo que ocorra outros acidentes e não deixando o autor do crime com
uma punidade leve.
Em meio à aplicação do dolo eventual em determinados crimes de trânsitos,
tem ocorrido a insigne dificuldade em saber verdadeiramente se o agente assumiu o
risco ou agiu com a culpa consciente no mesmo.
48 JESUS, Damásio. Crimes de Trânsito. p. 71
Essa tem sida a maior dificuldade na hora de aplicar a pena no crime de
trânsito, pois, para a sociedade, sempre ver o agente como se estivesse assumindo
o risco de matar, e não como uma culpa, onde o agente prevê que o dano pode
ocorrer, mas não é a sua intenção.
Muitos têm sido os julgados reconhecendo o dolo eventual nos crimes de
trânsitos, vejamos alguns:
- Ultrapassar semáforo fechado em alta velocidade (RT 571:404).- Efetuar derrapagem proposital em alta velocidade (RT 522:468).- Participar de racha (STF HC 71.800/RS).- Arremessar veículo contra pessoas que realizavam protesto em via pública (TJSP SER nº 256.975-3).- Conduzir em alta velocidade (TJSP SER nº 249.097-3).- Conduzir em alta velocidade, invadindo a via de sentido contrário (TJRS Ap. Crim. nº 697153161).- Conduzir em alta velocidade, com faróis apagados, em local de aglomeração de pessoas (TJSP, RT 728:529).- Conduzir em alta velocidade, colhendo pedestre no acostamento, após tentativa de ultrapassagem em local proibido (TJRS, Emb. Inf. nº 6950554000).- Dirigir embriagado (TJRS RSE nº 70003230588).- Dirigir embriagado, em alta velocidade (Informativo nº 59 STJ).- Dirigir embriagado, fugindo de perseguição policial (TJRS RSE nº 70003963063).- Dirigir embriagado, ingressando com caminhão em via de trânsito intenso (TJSC Rec. Crim. nº 97.000335-8).- Dirigir embriagado, em alta velocidade, ingressando em trevo rodoviário na contramão (TJRS Ap. Crim. nº 694099524).- Dirigir embriagado, em alta velocidade, em trecho com lombadas (TJSC Rcr. nº 00.002552-6).- Dirigir embriagado, em alta velocidade, perseguindo motocicleta (TJCE APen. nº 1998.07780-4).- Dirigir embriagado, sem habilitação, veículo com freios defeituosos, em rua íngreme e movimentada (TJPR Apcr. nº 0116422-5).- Dirigir embriagado, em alta velocidade, veículo com freios defeituosos, realizando manobra inadequada (TJRS SER nº 70003504610).- Dirigir embriagado, veículo sem adaptação especial, sendo deficiente físico, e em alta velocidade (TJRS Ap. Crim. nº 694038860).49
Tem-se um recurso com o pedido de desclassificação do dolo eventual para a
sua forma culposa:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROCESSO nº 2009.3.009586-2 COMARCA: BELÉM/PA
49 HOLANDA, Cornélio José. O dolo eventual nos crimes de trânsito. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 326, 29 maio 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5263>. Acesso em: 19 out. 201023 mar. 2010.
RECORRENTE: LUIZ DE NAZARÉ DE OLIVEIRA FLORES (Adv.: Março Aurélio de Jesus Mendes) RECORRIDO: A JUSTIÇA PÚBLICA (Promotor de Justiça: Manoel Victor Sereni Murrieta) PROCURADOR DE JUSTIÇA: Dr. RICARDO ALBUQUERQUE DA SILVA 1 RELATOR: Des. JOÃO JOSÉ DA SILVA MAROJA RECURSO EM SENTIDO ESTRITO CRIME DE TRÂNSITO EMBRIAGUEZ - HOMICÍDIO DOLOSO - RECORRENTE REQUER A DESCLASSIFICAÇÃO DO DOLO EVENTUAL PARA FORMA CULPOSA ALEGA QUE OS CRIMES DE TRÂNSITO, EM GERAL, APRESENTAM A CULPA COMO ELEMENTO SUBJETIVO LESÃO CORPORAL CULPOSA -PRESCRIÇÃO - RECURSO PROVIDO DECISÃO UNÂNIME. I A defesa requer a desclassificação da imputação do delito cometido com dolo eventual para a forma de homicídio culposo. Aduz que os crimes de trânsito, via de regra, são cometidos com culpa; II Para que se atribua dolo eventual ao crime de trânsito, é necessário que existam circunstâncias específicas que demonstrem a vontade deliberada do agente em assumir o risco, conforme direciona a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça; III Prescrita a pretensão punitiva referente ao delito de lesão corporal culposa; IV - Recurso provido. Decisão unânime. Vistos etc. Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores componentes da Egrégia 1ª Câmara Criminal Isolada, à unanimidade, em conhecer do recurso, e dar-lhe provimento, para reformar a decisão do juízo de primeiro grau, nos termos do voto do Desembargador Relator. Sala das Sessões do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, aos nove dias do mês de fevereiro de 2010. Julgamento presidido pela Excelentíssima Senhora Desembargadora Vânia Lúcia Silveira Azevedo da Silva. Belém, 09 de fevereiro de 2010. Des. João José da Silva Maroja Relator 50
Podemos perceber que entre os aplicadores da lei há uma divergência na
aplicação desses dois institutos. Os juízes singulares tem sido os mais aplicadores
do dolo eventual nesses crimes, mas a maior parte dos desembargadores tem
desclassificado esses crimes quando o acusado recorre.
Os crimes de trânsito que mais têm sido pronunciados com a aplicação do
dolo eventual são os que o agente se encontra embriagado, com excesso de
velocidade ou na prática de racha.
Pronunciamento da Justiça do Amapá:
A Justiça amapaense pronunciou o primeiro crime de trânsito para ser julgado no Tribunal do Júri, após a entrada em vigor da Lei Seca. Baseado em denúncia do Ministério Público, o juiz João Guilherme entendeu que ao dirigir embriagado, a pessoa coloca em risco a segurança de si e de outras
50 BRASIL. TJPA – Recurso em Sentido Estrito RSE 200930095862 PA. Jus Brasil. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7241981/recurso-em-sentido-estrito-rse-200930095862-pa-2009300-95862-tjpa/inteiro-teor>.Acesso em : 26 out.2010.
pessoas que utilizam as vias públicas. [...] A ré em questão é Ana Santos Viana da Silva que será julgada pelo Tribunal do Júri, pelo acidente que cometeu no dia 29 de junho de 2008, por volta das 4h da manhã, no cruzamento da avenida Fab com a rua Jovino Dinoá, em Macapá. Ela dirigia seu veículo de marca Fiat Palio embriagada e em alta velocidade quando avançou o semáforo daquele cruzamento, vindo a colidir com o taxi em que estavam as vítimas Adenael dos Santos Guedes, Moacir Cordeiro Roc e Ítalo Rogério Campos de Almeida. [...]Presa em flagrante, foi solta com 47 dias na prisão, após o Tribunal de Justiça conceder habeas corpus à acusada, que, à época, negou ter avançado o sinal e de estar embriagada. É comum, alguém ingerir bebida alcoólica e dirigir veículo automotor. Hipocrisia, é negar esta realidade, afirmou o juiz em sua sentença.[...]Na primeira fase da instrução do processo, o juiz pronunciou o caso como dolo eventual. Na segunda e última fase, o juiz analisa os fatos para encerrá-lo com a sentença em plenário do Tribunal do Júri, órgão competente para julgar os crimes dolosos contra a vida. [...] Dolo eventual [...] O dolo eventual ocorre quando a pessoa age com culpa e descuidadamente. Segundo o promotor de Justiça, Afonso Pereira, causa o resultado sem querer, com imprudência, negligência ou imperícia, mas deve responder pelo mal causado, porque tinha a obrigação de estar mais atento, ser mais cauteloso, para evitar o resultado. A diferença é que no dolo eventual o agente aceita o risco de produzir o resultado mesmo após prever que ele pode acontecer, explicou o promotor. 51
51 [s.n] Justiça amapaense reconhece mais um crime com dolo eventual no trânsito. Jus Brasil.Disponível em:< http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2197036/justica-amapaense-reconhece-mais-um-crime-com-dolo-eventual-no-transito> Acesso em: 26 out.2010.