Monteiro Lobato - Vol 7 - O Minotauro

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O MINOTAURO

O MINOTAUROMonteiro lobato

A festa de casamento de Branca de Neve interrompida pela invaso de personagem do mundo da fbula. O tumulto acarreta uma grave consequncia: Tia Nastcia, atarefada com o preparo de mil faises, andando pelas vrias cozinhas do palcio perde-se na confuso. preciso encontr-la! O pessoal organiza uma expedio de busca, e parte para a Grcia.D. Benta e os meninos mergulham, ento, num mundo novo e desconhecido.

Editora Brasiliense.

LIVROS INFANTIS DE

MONTEIRO LOBATO

A CHAVE DO TAMANHOA REFORMA DA NATUREZAARITMTICA DA EMLIACAADAS DE PEDRINHODOM QUIXOTE DAS CRIANASEMLIA NO PAS DA GRAMTICAFBULASGEOGRAFIA DE DONA BENTAHANS STADENHISTRIA DAS INVENESHISTRIAS DE TIA NASTCIAHISTRIAS DIVERSASHISTRIA DO MUNDO PARA AS CRIANASMEMRIAS DA EMLIA

O MINOTAUROO PICAPAU AMARELOO POO DO VISCONDEO SACIPETER PANREINAES DE NARIZINHOSERES DE DONA BENTATRABALHOS DE HRCULESVIAGEM AO CU

MonteiroLobato

O Minotauro

27 edio, 19969 reimpresso, 2004So Paulo/SP

Editora brasiliense

O Minotauro, by Monteiro Lobato

ISBN: 85-11-19015-5

27 edio, 19969 reimpresso, 2004

Lay-out de capa: Jacob LevitinasIlustraes de capa e miolo: Manoel Victor FilhoImpresso e acabamento: Sociedade Vicente Pallotti

Copyright by herdeiros de Monteiro LobatoNenhuma parte desta publicao pode ser gravada,armazenada em sistemas eletrnicos, fotocopiada,reproduzida por meios mecnicos ou outros quaisquersem autorizao prvia da editora.

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP. Brasil)

Lobato, Monteiro, 1882-1948. O Minotauro / Monteiro Lobato ; [ilustraes de capa e miolo Manoel Victor Filho]. So Paulo : Brasiliense, 2004. (Stio do Picapau Amarelo)

9 reimpr. da 27a ed. de 1996. ISBN 85-11-19015 -5

1. Literatura infanto-juvenil 2. Mitologia grega (Literatura infanto-juvenil) I. Victor Filho, Manoel. II. Ttulo. III. Srie.

04-0110CDD-028.5

ndices para catlogo sistemtico: 1. Literatura infantil 028.5 2. Literatura infanto-juvenil 028.5Editora brasiliense s.a.

Rua Airi, 22 - Tatuap - CEP 03310-010 - So Paulo - SPFone/Fax: (0xx11) 6198-1488E-mail: [email protected]

livraria brasiliense s.a.

Rua Emlia Marengo, 216 - Tatuap - CEP 03336-000 - So Paulo - SPFone/Fax: (0xx11) 6675-0188

NDICE

UMA AVENTURA PUXA OUTRA ......... 7

RUMO GRCIA ....................... 11

DESEMBARQUE NA GRCIA DE PRICLES ................................... 14

EM CASA DE PRICLES ................. 19

DISCUSSES EM ATENAS ............... 22

FDIAS NOCAUTE ...................... 26

VISITA S OBRAS DO PARTENO ....... 29

A ESTTUA DE PALAS-ATENA .......... 34

O P NMERO DOIS .................... 39

NOS CAMPOS DE TESSLIA ............. 42

O SONHO DE PEDRINHO ................ 46

EM MARCHA PARA O OLIMPO .......... 50

EM PROCURA DE HRCULES ........... 56

DONA BENTA E SCRATES ............. 60

BATATAS E SCRATES ................. 66

A HIDRA DE LERNA .................... 70

NINFAS, NIADES, DRADES E STIROS . 74

OS NARIZES DE ATENAS ................ 78

OS GREGOS VISITAM O IATE ........... 83

A ESFINGE E O ORCULO DE APOLO .... 87

NO LABIRINTO DE CRETA .............. 92

SFOCLES APARECE ................... 95

A PANATENIA ......................... 100

FINIS ................................... 104

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Uma aventura puxa outra

Os leitores do "Picapau Amarelo" fatalmente desapontaram com o desfecho da histria. A grande festa do casamento do Prncipe Codadade com Branca de Neve acabou violentamente interrompida pelo ataque dos monstros daFbula. Dona Benta, Pedrinho, Narizinho, Emlia e oVisconde conseguiram salvar-se pela fuga, a bordo de "O Beija-flor das Ondas" mas a pobre tia Nastcia, que se distrara nas cozinhas do palcio com o assamento de mil faises, perdeu-se no tumulto. Fora atropelada, devorada ou aprisionada pelos monstros? Ningum sabia.

S depois do desastre que Dona Benta e os meninos puderam ver o quanto a estimavam. Que choradeira!Quindim derruba o focinho... O Burro Falante desistiu da sua habitual rao de fub. S no choraram Emlia ePedrinho; Emlia porque "no era de choros"; e o menino, porque andava com uma idia de bom tamanho.

- Nada de lgrimas, pessoal! - dizia ele. - O que temos a fazer organizar uma expedio para o salvamento de tia Nastcia. Se est viva nas unhas de algum monstro, havemos de libert-la, custe o que custar.

Tamanho rasgo de atrevimento entusiasmou Emlia.

- Bravos, Pedrinho! Voc um heri de verdade.

Dona Benta teve de concordar com a idia da expedio.No havia outro remdio. Em vista disso, comeou a dispor tudo para uma longa ausncia.

O Conselheiro foi confirmado no posto de tomador de conta do stio, e Quindim no de guarda - mas depois duma severa advertncia pelo seu cochilo no caso do Capito Gancho.

- Eu cochilei sem querer... - desculpou-se o paquiderme.

- As boas sentinelas no cochilam nunca - disse DonaBenta. - Espero que para o futuro vosmec saiba justificar a confiana que tenho na sua inteligncia, na sua lealdade e no seu chifre.

O rinoceronte prometeu pr em prtica a receita daEmlia: "Cochile com um olho enquanto espia com o outro; depois cochile com o outro e espie com o primeiro."

Tudo acertado, Dona Benta partiu com os meninos para aGrcia, a bordo de "O Beija-flor das Ondas."

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Mas para que Grcia? H duas - a Grcia de hoje, um pas muito sem graa, e a Grcia antiga, tambm chamadaHlade, que a Grcia povoada de deuses e semideuses, de ninfas e heris, de faunos e stiros, de centauros emais monstros tremendos, como a Esfinge, a Quimera, a Hidra, o Minotauro. Oh, sim, l que era a grandeGrcia imortal. A de hoje s tem uvas e figos secos e soldados de saiote.

Enquanto "O Beija-flor" singrava os mares, Dona Benta ia derramando pingos de Histria na cabea das crianas.

- A Grcia de hoje, meus filhos, um dos pequenos pases da Europa, com 116 mil quilmetros quadrados e menos de 5 milhes de habitantes.

- S isso? - admirou-se Pedrinho.

- S, meu filho; e a famosa Grcia antiga tambm no foi mais do que isso. A importncia dum pas no depende do tamanho territorial, nem do nmero de habitantes. Depende da qualidade do povo. Pequenina foi a Grcia em tamanho - e tornou-se o maior povo da antigidade pelo brilho da inteligncia e pelas realizaes artsticas.To grande foi o seu valor, que at hoje o mundo anda impregnado de Grcia. Mesmo aqui neste nosso continente americano que era s bugres no tempo da Grcia, sentimos a impregnao grega. A lngua que falamos est toda embutida de palavras gregas.

- "Geografia", por exemplo - disse Narizinho. - E "gramtica" tambm. Quindim disse que gramtica palavra' grega.

- E . No tem conta o nmero de palavras de origem grega que usamos a todo instante, ou na forma que tinham l ou como ficaram depois das modificaes do tempo. Mas no s na lngua que vemos por aqui a Grcia - em tudo. Recorda-se, Pedrinho, daquele clebre discurso do promotor, no casamento da filha do juiz?

- Se me recordo! Comeava assim:

Neste momento solene, eu queria ter a eloqncia dum Demstenes, etc."

- Isso mesmo. Pois esse discurso est cheio de coisinhas gregas. Logo no comeo aparece Demstenes, que foi o orador da Grcia. Depois vem aquele pedacinho de ouro: "A galante Candoca vai unir-se ao DoutorFilognio pelos laos sagrados do himeneu." Que himeneu?- Casamento?

- Sim. Hoje quer dizer casamento; mas na Grcia antiga era o nome do deus do casamento - filho de Baco e Vnus.O orador tambm se referiu ao "carro de Apolo"; Apolo foi o deus grego da msica, das artes e da eloqncia.Falou ainda em "aurora"; Aurora era a deusa grega da manh, que abria o dia no seu carro puxado por corcis de asas, com uma estrela na testa e um archote aceso na mo. Se fssemos catar todas as reminiscncias gregas do discurso do promotor, vocs se admirariam da quantidade.

- Ele tambm falou em "mel do Himeto" e em Eros - dissePedrinho. - Devem ser coisas gregas.

- Sim, Himeto era um monte famoso pelo seu mel e pelos seus mrmores. E Eros no passa do nome grego de Cupido.

- Que histria essa? - berrou Emlia. - O tal deusinho do amor, afinal de contas, Eros ou Cupido?

- Eros na Grcia e Cupido entre os latinos. Com a mudana para Roma, depois que Roma conquistou a Grcia, os deuses gregos mudaram de nome. Zeus, o pai de todos, virou Jpiter; rtemis virou Diana; Palas Atena virouMinerva; Hracles virou Hrcules - e assim por diante.

- Que maada! - exclamou Emlia. Dona Benta no entendeu o pensamentinho dela e continuou:

- Pois isso. Na conversa comum, todos os dias vivemos a usar palavras e expresses gregas. At a pobre da tia

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Nastcia de vez em quando vem com uns greguismos, como daquela vez em que disse: "Quando na pedreira a gente faz "oh", o eco responde l longe." Ela sabe que tem o nome de eco a voz que bate num obstculo e volta, mas no sabe que a palavra se originou do nome da ninfa Eco, uma que falava pelos cotovelos e de tanto falar incorreu na ira da deusa Hera, a qual a transformou em voz sem corpo, isto , no que chamamos eco.

E no pensamento, ento? A maior parte das nossas idias vem dos gregos. Quem estuda os filsofos gregos encontra-se com todas as idias modernas, ainda as que parecem mais adiantadas.

- Ento, vov, a Grcia foi mesmo uma danadinha...

- Se foi! Por isso falam os sbios do "milagre grego."Acham que aquilo foi um verdadeiro milagre da inteligncia humana. Um foco de luz que nasceu na antigidade e at hoje nos ilumina. A arte grega, por exemplo: no h nas nossas cidades fachada de prdio que no tenha formas, ou enfeites, inventados pelos gregos.Os mais lindos monumentos das capitais modernas so gregos, ou tm muito da Grcia. O monumento do Ipiranga, em So Paulo, grego dos ps cabea. As colunas, os capitis das colunas com as suas tolhas de acanto...

- Serralha! - berrou Emlia. - Eu sei.(1)

- ...as frisas e arquitraves, as cornijas e trglifos, tudo grego. Vou desenhar alguns desses elementos paraque vocs vejam com que freqncia eles aparecem na frontaria dos nossos prdios.

Dona Benta desenhou, como o nariz dela, umas coisas...

- Com que ento estas coisas se chamam "elementos"?

- Sim. Elemento uma parte duma coisa. Quindim um doselementos do stio. Rabic, outro...

- Quindim o elemento paquidrmico

1. Histria do Mundo para as Crianas.

- lembrou Emlia. - Rabic o elemento suno.

- E voc o elemento lambeta - disse Narizinho.

Emlia fez o seu focinho de pouco caso, murmurando:"Fedor!"

- Pois isso - continuou Dona Benta. - A Grcia est nonosso idioma, no nosso pensamento, na nossa arte, nanossa alma; somos muito mais filhos da Grcia do que dequalquer outro pas. At Quindim bastante grego,apesar de ter nascido na frica, j que paquiderme erinoceronte. Paquiderme uma palavra que vem do gregopachy grosso, e derm, pele ou couro.

- Casca grossa - disse Emlia.

- E rinoceronte palavra que vem do grego rhinoceros: - rhino, nariz; e ceros, chifre. O bicho de chifre no nariz.

Enquanto Dona Benta discorria sobre a Grcia, o"Beija-flor das Ondas" singrava mansamente de rumo aAtenas. O Visconde ia no comando com o Marqus de Rabica servir de Imediato. A escassez de tripulantesobrigou-o a dar aquele posto ao Marqus, apesar da suamuito conhecida malandragem.

A tarde ia caindo. Nuvens debruadas de cobreestendiam-se no cu como charutos compridssimos. De vezem quando um peixe-voador pulava da gua, voava dezenasde metros e sumia-se de novo no oceano.

- Por que que eles voam, vov? - perguntou Narizinho.

- Para fugir perseguio dos inimigos, os peixesmaiores que querem devor-los. Como a vida no mar umpega-pega terrvel, cada qual inventa a sua defesa. Unsaprendem a mudar de cor, para se confundirem com aspedras; o inimigo passa e no os v. Outrosaperfeioam-se na velocidade - e escapam fugindo. Estesvoadores aprenderam a voar. No comeo o vo deles noera vo, apenas um salto; mas viram logo que ajudando osalto com as asas natatrias podiam chegar mais longe. E foram se aperfeioando nisso at o ponto em que esto hoje - que um salto voado - o salto prolongado por um vo diferente do das aves.

A brisa morrera completamente, de modo que a superfciedo mar se transformara num imenso espelho.

- Que lindo, vov! Veja que lisura de gua. Nem a menorondinha. O mar virou a perfeita cpia do cu.

De fato, o cu, com todo o seu azul e todas as suasnuvens, estava duplicado com a maior perfeio no imensoespelho lquido. Pedrinho notou que quando um peixepulava da gua um desenho aparecia cheio de crculos.

Prestando bastante ateno, compreendeu o fenmeno.

- J sei, vov. Com o movimento de sair da gua, eleforma aquela srie de crculos maiores. Mas como sai molhado, a gua que leva no corpo pinga imediatamente -pinga um pingo maior no comeo e mais trs ou quatro emseguida, cada vez mais distanciados; e cada um dessespingos forma o seu sistemazinho de crculosconcntricos.

Dona Benta sorriu.

- Voc falou que nem um matemtico. O "sistema decrculos concntricos" est bom. Nem o grande sbioEinstein diria melhor. "Crculos concntricos" querdizer crculos que tm o mesmo centro. E "sistema decrculos concntricos" neste caso, quer dizer a srie decrculos formados por cada pingo. Muito bem. Se tiaNastcia estivesse aqui, voc ganharia uma cocada.

- A pobre! - suspirou Narizinho. - Por onde andar nestemomento?

- Para mim, o Minotauro a devorou - disse Emlia. - Ascozinheiras devem ter o corpo bem temperado, de tantoque lidam com sal, alho, vinagre, cebolas. Eu, se fosseantropfaga, s comia cozinheiras.

Narizinho teve vontade de jog-la aos tubares.

IIRumo Grcia

No intervalo de duas manobras do iate, Dona Benta tomouflego e disse:

- Vocs j sabem que h duas Grcias, a antiga e a dehoje; mas s a antiga nos interessa. Surge o problema:como penetrarmos na Grcia Antiga?

- Pulando por cima da de hoje, vov!- resolveu Pedrinho com a maior facilidade. - Restasaber qual dos perodos antigos o mais interessante.

- Para mim foi o tempo de Pricles- disse Dona Benta - mas para a gana de herosmos quevejo em meus netos, deve ser o tempo ainda muitoanterior, em que aquilo por l era uma coleo depequeninos reinos, de tribos em luta, de famliaspoderosas; o tempo da guerra de Tria que Homerodescreve na Ilada; e o tempo dos heris tebanos, daviagem dos Argonautas, dos monstros fabulosos, como aHidra de Lerna e outros.

- exatamente o que desejamos, vov - mas com umaparadinha antes para a senhora regalar-se com o talPricles. Quem era ele?

Dona Benta tomou flego.

- Ah, meu filho, esse Pricles foi um homem de tantosmritos que chegou a dar o seu nome ao sculo. Ningumfala da antigidade sem referir-se ao sculo de Priclesque foi o quinto sculo antes de Cristo.

- Faz ento mais de dois mil anos que ele viveu?

- Sim. Pricles nasceu no ano de 495 antes de Cristo.

Narizinho fez imediatamente a conta.

- Coisa extraordinria, vov, um homem ser falado depoisde 2.432 anos do seu nascimento!...

- Prova do seu imenso valor, minha filha. A histria dePricles foi contada pelo famoso "contador de vidas"Plutarco, e quem a l admira-se de encontrar num mesmohomem tantos e to grandes mritos. S no fsico no foi perfeito, por falta de regularidade na forma do crnio. Pricles tinha umacabea como a do Tot Cupim, isto , com uma bossa nococuruto. Por isso s se deixava retratar de capacete nacabea. Tirante esse pequeno defeito, era um homem degrande beleza fsica, dessas que se aproximam da belezaolmpica.

- Que tipo de beleza esse?

- A beleza olmpica a que se caracteriza pelaserenidade da fora e o perfeito equilbrio de tudo.Sentimos tal beleza diante das esttuas que representamos deuses do Olimpo.

- E que Olimpo era esse?

- Um monte que havia na Tesslia.

- E que Tesslia era essa?

Dona Benta suspirou. Para chegar a uma coisa tinha dedar mil voltas explicativas de outras. Os meninos faziamquesto de tudo muito bem esclarecidinho.

- A Tesslia era uma das partes da Grcia, a qual, comovocs sabem, se compunha de diversos estadosindependentes mas unidos pela mesma lngua, mesmacultura e a mesma religio. Havia a Tesslia, oPeloponeso, a Helas e o Epro, partes, por sua vez,divididas em pequenas repblicas, como a famosa tica,de que Atenas era a capital, e a terrvel Esparta.

- Bem, continue com o Olimpo.

- Como eu ia dizendo, o Olimpo foi at certo perodo amorada dos deuses gregos, porque no fim eles acabarammudando-se para o cu. O governador supremo do Olimpochamava-se Zeus, que era o deus dos deuses, e mais tardevirou Jpiter, em Roma.

- Isso a senhora j nos contou na "Histria do Mundopara as Crianas." Doze deuses etc. "Passo."

- Muito bem. Estes deuses compunham o estado-maior dasdivindades gregas e habitavam a tal montanha do Olimpo.E como eram deuses, isto , criaturas imortais e em tudo superiores aos homens, tinham o seu tipo especial de beleza - justamente a chamada beleza "olmpica", isto , a beleza serena de quem vive liberto das preocupaes do medo. Um "mortal", por mais belo que seja, rarissimamente poder revelar a beleza olmpica, porque tem o fsico marcado pelas preocupaes morais e materiais do mundo, filhas do medo. Com os deuses no era assim. Preocupaes morais, nenhuma; eles estavam acima da Moral e do Medo. Cuidados materiais, tambm nenhuns; eles desconheciam as doenas e alimentavam-se da maravilhosa ambrosia. Para bebida tinham o nctar.

- Como era essa tal ambrosia e esse tal nctar? -perguntou a menina.

- No sei; mas no nosso mergulho na Grcia Antiga vocspodero ficar sabendo.

- No quero s saber - disse Emlia - quero ver eprovar. Para mim, o nctar h de ser qualquer coisa comoo mel das abelhas - o mel dos deuses. J a ambrosia no imagino o que seja.

- Pois - continuou Dona Benta. - Como os deuses viviamdessa maneira, sem cuidados, sem temor, sem a nossaterrvel presso da luta pela vida, foram adquirindo umtipo de beleza que no da terra: a beleza olmpica.Entre ns aparecem s vezes criaturas que lembram osdeuses gregos - e dizemos que tm a beleza olmpica. Opoeta francs Tefilo Gautier foi assim. Parecia umdeus.

- E Pricles tambm?

- Pelo que Plutarco e outros disseram, Pricles tinha amajestade dos deuses do Olimpo. Isso, por fora. Pordentro, a mesma coisa. Sua inteligncia revelava aprofundidade das verdadeiras inteligncias.

- H inteligncias no verdadeiras, vov?

- o que mais vemos neste mundo, meu filho.Inteligncias de muita vivacidade, muito brilho, maspouca penetrao. Como o ouro-besouro, que tem s oaspecto exterior, no as qualidades do ouro verdadeiro.A inteligncia de Pricles pertencia classe dasverdadeiras, das que penetram no fundo das coisas ecompreendem. Por isso foi o maior homem de seu tempo, omaior orador, o maior estrategista, o maior estadistaque governou Atenas por vontade expressa do povo. Nasmais livres eleies que ainda houve no mundo, saasempre triunfante. Pois apesar de to longo tempo deditadura - mas ditadura moda grega, consentida pelopovo e anualmente renovada por vontade do povo -Pricles teve a glria de dizer o que disse na hora damorte.

- Que foi?

- Ele estava moribundo, com os amigos em redor de suacama. Todos o elogiavam; um falava na sua grandeza comoorador; outro gabava os seus dotes de estadista; outrolouvava a sua capacidade como general. Em dado momentoPricles interrompeu-os para dizer: "Vocs esquecem acoisa mais notvel da minhavida, que que vou morrer sem que nenhum ateniense hajaposto luto por culpa minha."

- Que beleza para o mundo se na hora da morte todos oschefes de Estado pudessem dizer o mesmo!... - observou amenina.

- E alm de ter sido esse chefe ideal - prosseguiu DonaBenta - foi o maior amigo das artes. Graas a Pricles,Atenas se transformou numa obra-prima de arquitetura eescultura.

- Que maravilha! - exclamou Pedrinho. - Agora compreendoporque ainda hoje tanto se fala na Grcia. Mas uma coisa estou sem saber, vov: a verdadeira causa desse povo ter chegado a essa altura. Deve existir um segredinho.

- Liberdade, meu filho. Bom governo. A coisa teve incioquando um legislador de gnio chamado Slon, fez as leis da democracia. Antes disso a Grcia estava em plenadesordem, com o povo escravizado a senhores. Slonendireitou tudo; e como era poeta, deixou o justssimoelogio de sua prpria obra nuns versos que todas ascrianas gregas sabiam de cor.

- Como eram?

- "Aos que sofriam o jugo da escravido e tremiam diantedum senhor, eu dei a independncia. E tomo o testemunhodos deuses ao afirmar que a terra da Grcia, da qualarranquei os grilhes, hoje livre." Isso quer dizerque as leis de Slon deram aos gregos a verdadeiraliberdade, a maior que um povo ainda gozou.Conseqncia: tudo se desenvolveu de modo felicssimo.

- Por qu?

- Porque para o homem o clima "certo" um s: o daliberdade. S nesse clima o homem se sente feliz eprospera harmoniosamente. Quando muda o clima e aliberdade desaparece, vem a tristeza, a aflio, odesespero e a decadncia. Como dou a vocs a mximaliberdade, todos vivem no maior contentamento, ainventar e realizar tremendas aventuras.

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Mas se eu fosse uma av m, das que amarram osnetos com os cordis do "no pode" - no pode isto, nopode aquilo, sem dar as razes do "no pode" - vocsviveriam tristes e. amarelos, ou jururus, que comoficam as criaturas sem liberdade de movimentos e sem odireito de dizer o que sentem e pensam. A Grcia, meusfilhos, foi o Stio do Picapau Amarelo da antigidade,foi a terra da Imaginao s soltas. Por isso floresceucomo um p de ip. A arquitetura e a escultura chegarama um ponto que at hoje nos espanta. O pensamentoenriqueceu-se das mais belas idias que o mundo conhece- e deu flores rarssimas, como a sabedoria de Scratese Plato...

- Que coisa gostosa viver na Grcia daquele tempo! -exclamou Pedrinho, com um suspiro de nostalgia.

- Sim, meus filhos. A vida l era um prazer - era oprazer dessa mesma liberdade que vocs gozam no stio. Oprazer de sonhar e criar a verdade e a beleza. Nuncahouve no mundo to intensa produo de beleza como naGrcia - e o que ainda h de beleza no mundo moderno plida herana da vida de l.

- Viva o Stio do Picapau Amarelo da antigidade! -berrou Emlia - e as ondas do mar, como um ecorepetiram: Viva! Viva!...

III

Desembarque na Grcia de Pricles

O "Beija-flor das Ondas" j havia penetrado em maresgregos. Pelo binculo Emlia pde ver a linha dascostas.

- Terra! Terra! Estamos chegando... Uma hora depois oiate entrava no Porto do Pireu e descia a ncora. Os meninos olharam. Um porto como todos os portos. Moderno. Carregadores, automveis, fardos e caixes, guinchos de mquinas, tudo muito desenxabido. No interessou.

- Nem vale a pena descer, vov - disse Pedrinho. - Overdadeiro darmos daqui mesmo o mergulho no sculo dePricles.

Todos concordaram e, fechando os olhos, fizeram tchibum!Foram sair l adiante, em plena Grcia de Pricles. Tudomudou como por encanto. O porto ainda era o mesmo, masestava coalhado de navios muito diferentes dos de hoje.Nada de chamins fumacentas; s mastros, com muitocordame e velas branquinhas.

Dona Benta desceu ao cais com os netos, a Emlia e oVisconde fardado de comandante; e a primeira coisa quenotou foi a moda da gente do porto. Tudo 'diferente dasmodas modernas. Nada de calas e palets para os homens,e blusas e saias para as mulheres. Os homens vestiam uma tnica de nome chiton.

- Ser da que veio o nome de chito? - perguntou aEmlia.

- No "chiton" com som de "x" e acento no "on",Emlia. "quton". O "ch" no grego tem o som do nosso"q". Esse chiton ou tnica, que voc est vendo,constitui uma pea do vesturio dos dois sexos. Roupadebaixo. Por cima vem esse manto, que eles chamam peplo.

Os meninos viram que de fato todos os homens e mulherestraziam por cima do chiton o tal peplo, que no passavadum pedao de pano quadrado, elegantemente preso aocorpo com alfinetes ou broches.

Emlia observou o peplo dum homem que estava parado deprosa com outro, e viu que era de l.

- Notem que h peplos de l, algodo e seda - disse DonaBenta - e no s brancos, mas de todas as cores. Aqueleali, de formato um pouco diferente, chama-se clmide. o usado pelos elegantes.

As mulheres vestiam uma tnica sem

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mangas sobre outra pea de vesturio de nome chitonion,que corresponde camisa das mulheres modernas. E parasarem rua punham o himation que era o nome do peplofeminino.

- Oh - exclamou Narizinho - alguns so lindamentebordados. Olhem aquela moa ali...

Ia passando uma linda jovem com um himationprimorosamente bordado a seda. No usava meias, e nosps trazia elegantes sandlias.

- E olhe o calado dos homens - disse Pedrinho. - Soborzeguins amarrados com fios.

O movimento urbano no lembrava o das grandes cidadesmodernas. Nada do tumulto que vemos nesses horrores aque chamamos "ruas centrais". Quase toda gente a p,caminhando em sossego. De quando em quando, uma liteiratrazida por escravos.

- Que diferena, vov! - disse Pedrinho. - L nascidades modernas a gente anda com o corao nas mos,porque esbarra num, recebe um tranco de outro; e sevamos atravessar uma rua, dez automveis fedorentosprecipitam-se para nos esmagar. Aqui este sossego. Quemaravilha! Agora compreendo por que esta gente pensoutantas coisas bonitas - que no vivia atropelada, comons, pelas horrveis mquinas que o demnio do progressoinventou.

Narizinho pensava a mesma coisa.

- Esta nossa vinda ao Pireu, vov, me recorda umaimpresso do Rio. Quando a gente sai daquela inferneirada Avenida Rio Branco e penetra na calma e velha Rua doOuvidor, parece que muda o mundo - porque ali no hmquinas. Pode-se andar livremente pelo asfalto sem atortura dos automveis e nibus infernizantes e at seouve o rumor dos passos no cho, um tch, tch, tcharrastadinho, que uma delcia. Que pena o talprogresso do mundo...

Dona Benta concordou que o progresso mecnico s servia para amargurar a existncia doshomens. As ruas, feitas originariamente para ospedestres, foram invadidas pelas mquinas de correr e deempestar o ar com o fedor da gasolina - mquinastremendamente destruidoras, que fazem mais vtimas numano do que as fizeram na Grcia Antiga todos osMinotauros e Quimeras.

- S nos Estados Unidos morrem por ano oito mil crianasesmagadas pelos automveis.

- Oito mil, vov? - espantou-se a menina.

- Sim, minha filha. Imagine quanto sofrimento criado poressas hecatombes de tantos milheiros de Narizinhos ePedrinhos. Com duas vovs, para cada um, temosdezesseis mil vovs que anualmente perderam os netos,devorados pelos minotauros mecnicos...

- Mas ento, vov, o progresso mecnico um erro -observou Pedrinho.

- Talvez seja, mas no podemos fugir dele porque tambm uma fatalidade. Com as suas invenes constantes,o progresso nos empurra para a frente - para delcias etambm para mais tumulto, mais correria, mais pressa,mais insegurana, mais inquietude, mais guerra, maishorror. Essa a razo da loucura estar tomando contados homens. Comparem a expresso sossegada destes gregoscom a dos homens que vimos nas grandes capitaismodernas, de cara amarrada, toda rugas, muitas vezesfalando sozinhos.

- Sim, vov, todos aqui me parecem olmpicos.

- que todos esto livres do atropelo e cultivam umasbia ginstica, de modo que adquirem esse corpo cheiode fora e beleza que vocs esto vendo. At as roupasque eles usam deixam os modernos envergonhados.

- Os homens modernos - disse Emlia - vestem-se decanudos de cores tristes. Dois canudos para as pernas -as calas. Dois canudos para os braos - o palet.

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E h o colete e a mania dos bolsos. Naquelesujeito que esteve l no stio contei dezesseis bolsos.Cada bolso para uma coisa. Carregam um bazar consigo:tesourinha, canivete, leno, carteira, porta-nqueis,relgio, piteira de filtro, algodo para piteira,cigarros, culos, fsforos ou acendedor de gasolina,caneta-tinteiro, lpis, selos, caderno de endereos,alfinetes, papis, listinhas de jogo do bicho etc. Oshomens modernos so verdadeiras bestas de carga. Jaqui, nada disso. Estes gregos no carregam nada - strazem para a rua a sua beleza, o seu sossego e a suaserenidade, coisas que no precisam de bolsos. Agora que estou compreendendo como grotesco o vesturiomoderno...

- Voc tocou num ponto interessante, minha filha. Naverdade, s nesta Grcia as criaturas humanas acertaramcom a arte de vestir. Usam roupas que no ofendem asformas do corpo humano, que no deformam grotescamenteas linhas do nosso corpo. Quando fazemos desfilar asmodas masculinas e femininas que vo desta Grcia atns modernos, ficamos assombrados da imbecilidade e maugosto dos que se afastaram dos gregos. As modasmedievais, as modas da Espanha, da Inglaterra do tempoda Rainha Isabel, as modas do tempo dos Luses em Frana e as nossas grotescas modas modernas so coisasque nos fazem pensar pensamentos tristes, porque provamcomo vamos perdendo o senso da beleza. A feira "moderna um caso srio...

- Se ! - exclamou Emlia. - Naquela festa do casamentoda Candoca eu me regalei de rir com a tal feiramoderna. Aqueles homens de casaca!... Uma vestimentapreta como carvo, curtinha na frente e com dois rabosatrs... Quando eles andam, os dois rabos voabanando... Dois rabos! Os chimpanzs bisavs dos homensmodernos tinham um rabo s - os seus netos modernosinventaram mais um... Rabos de pano preto, que feira! Equando saem para a rua, pem na cabea uns canudos de chamin chamados cartolas - e mostram-se orgulhosssimos com os rabos atrs e o pedaode chamin na cabea, o mesmo orgulho dos selvagensafricanos que se enfeitam de penas de rabos de avestruz,s que um rabo de pena muito mais decente que um rabode pano preto. A senhora tem razo: a feira dovesturio moderno um caso srio...

E a falarem na feira dos rabos modernos, Dona Benta eos meninos entraram por uma rua de maior movimento, ondesem querer deram na vista dos passantes. Diversoscuriosos rodearam-nos. Aquela velha vestida dum modoextico, de saia e palet de quartinho, acompanhada decrianas esquisitas, causou-lhes espcie. Estavamacostumados a ver estranhas criaturas vindas da sia,mas aquelas constituam novidades. Perguntaram-lhe dondevinham.

- Estamos chegando do Picapau Amarelo - respondeu DonaBenta.

A resposta deixou os gregos na mesma. Ningumdesconfiava onde pudesse ser o tal "pas" do PicapauAmarelo. Dona Benta ponderou que se fosse explicar tudodireitinho, ficaria ali muito tempo. Teria de fazer umverdadeiro curso de histria; contar todo odesenvolvimento do mundo desde o ano 438 antes deCristo, que era aquele, at 1939 depois de Cristo, quefora o da sua partida do stio; e narrar a descoberta daAmrica pelo Senhor Cristvo Colombo; e a do Brasilpelo Senhor Cabral; e esclarec-los sobre todas asinvenes realizadas, desde a da plvora at a dateleviso - e explicar o automvel, o cinema, o rdio, otelefone, o fsforo, o acar, as geladeiras, a correriamoderna, a aflio dos povos, a guerra da Espanha e daChina, os avies que lanam bombas nos inocentes, ossubmarinos que afundam navios de passageiros - tudo,tudo, tudo. E tudo intil, porque aqueles gregos nocompreenderiam nada de nada.

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Em vista disso, Dona Benta limitou-se a dizer:

- Somos de fora, dum pas distante, e queremos fazer uma visitinha ao Senhor Pricles. Podero dizer-nos onde elemora?

- Mora em Atenas, a 40 estdios daqui.

- Quanto isso, vov? - cochichou Pedrinho.

- O estdio, meu filho, uma medida de distncia dosgregos, correspondente a 200 metros. Ora, se Atenas esta 40 estdios do Pireu, temos de caminhar a p oitoquilmetros, porque no estou vendo aqui nenhum veculoque nos conduza.

Mas os "picapaus" eram rijos na marcha, de modo que empouco mais de uma hora entraram em Atenas, ondenovamente indagaram de Pricles.

Um passante informou:

- A senhora segue por aqui, e a meio estdio adiantevira esquerda e passa pelo Agora. L pergunta de novo.Fica perto.

Dona Benta agradeceu a informao e ps-se em marcha como bandinho. Seguiu por aqui, virou esquerda ladiante, chegou ao Agora.

- E agora? - disse Pedrinho.

- Agora temos de perguntar de novo, meu filho. Isto poraqui o Agora, a sala de visitas da cidade, onde osgregos se renem para debater os negcios pblicos eparticulares.

Os meninos olharam. Era uma praa cheia de edifciospblicos, templos, casas de negcio. O corao cvico dacidade.

- tima coisa - disse Pedrinho. - pena as cidadesmodernas no terem conservado este sistema de goras.Aqui est tudo que comum a todos; o resto da cidade particular. At lojas - vejam...

Sim, era ali tambm o centro comercial, com as tendas detecidos, vasos, gneros de alimentao e todas as maiscoisas que se vendem. As compras eram feitas pelos escravos; os cidados atenienses nunca perdiamtempo com isso. A vida deles era conversar, discutirfilosofia, dizer mal de Pricles; gozar o presente, emsuma. Tambm era no Agora que se realizavam certasvotaes.

- Muito bem - disse Dona Benta, depois de visto o Agora.- Temos agora de saber onde fica a residncia do SenhorPricles - e pediu informao a um grego de belapresena que vinha passando.

- Vou justamente para l, minha senhora - respondeu ele.- Tenha a bondade de acompanhar-me.

- Como so polidos! - observou Narizinho. - Deve ser umgosto viver nesta cidade.

Dona Benta seguiu ao lado do gentil ateniense, com osmeninos atrs. Emlia disfaradamente apalpou-lhe abarra da clmide, para ver de que fazenda era.

- Tambm de l - cochichou para Narizinho, piscando.

Dona Benta ia ferrada na prosa.

- Pois . Chegamos hoje dum pais remotssimo e fazemosquesto de conhecer o grande Pricles. Sua fama a dumhomem de mritos excepcionais.

- Sou suspeito para falar - disse o grego - porque otenho na conta do meu maior amigo; mas de coraosubscrevo suas palavras, minha senhora. Pricles umhomem perfeito.

- amigo dele? Que bom...

- Sim, e graas a Pricles estou dirigindo a construodo templo de Palas Atena e de todos os mais monumentosda cidade.

Dona Benta quase desmaiou ao ouvir essas palavras.Deteve-se, atnita, e disse, com os olhos fitos nogrego:

- Ser possvel, meu Deus? Ser possvel que eu estejadiante de Fdias, o maior escultor de todos os tempos?

O grego sorriu.

- No sei, minha senhora, se est diante do maiorescultor de todos os tempos; mas diante de Fdias est,porque Fdias sou eu.

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O assombro da boa velha no tinha limites. Olhava ereolhava para o famoso grego como se quisesse devor-lo.Depois chamou os netos.

- Pedrinho, Narizinho, venham c! Quero que vocs faamuma coisa que nenhuma criana moderna ainda fez: queconheam Fdias, o maior escultor de todos os tempos.Ele est agora dirigindo a construo do Parteno, ou otemplo de Palas Atena, que , como j expliquei, agrande obra-prima da arquitetura grega.

Os meninos plantaram-se diante de Fdias e regalaram-sede v-lo. O escultor fez uma festinha no queixo deNarizinho - e teve de fazer outra no de Emlia, quemuito lambetamente foi logo espichando o seu.

Fdias estranhou o Visconde.

- Quem este ente, minha senhora? Nada mais difcil doque explicar a

um Fdias quem era o Visconde de Sabugosa, de modo quepara sair-se da dificuldade Dona Benta limitou-se adizer que era tambm seu neto - um neto vegetal. Fdiasno entendeu. Apenas disse, com os olhos postos no"sabinho":

- Extraordinrio I Dos confins da sia aparecem-nosaqui, s vezes, uns tipos bastante curiosos no fsico enos trajes - mas como este senhor ainda no vi nenhum.

- Ele sabugo! - berrou Emlia.

O grego ficou na mesma, porque naquele tempo ningumsabia de sabugos. O milho s se espalhou pelo mundodepois da descoberta da Amrica, da qual originrio.Dona Benta explicou isso ao grego, e ainda estava afalar das vrias espcies de milho existentes, inclusiveo de pipoca e o que d o bom fub mimoso, quandochegaram diante duma bela residncia. Fdias parou.

- aqui, minha senhora - disse ele. - Vou avisar o meuamigo. Tenha a bondade de esperar um minutinho.Infelizmente, a dona da casa no est. Aspsia fezviagem. S volta amanh.

L dentro Fdias encontrou Pricles no seu gabinete detrabalho.

- Ento? - disse este, erguendo-se. - J decidiu sobreaquela prega do peplo de Atena?

- Depois falaremos disso. Vais agora atender a unsvisitantes que me parecem absolutamente extraordinrios- uma velhota com umas crianas. So metecos.(l)Encontrei-as no Agora, de boca aberta para tudo; e comome perguntassem de tua casa, respondi-lhes que meseguissem. Vim conversando com a velha.Interessantssima! Parece doida. S diz coisas absurdas,loucas - mas duma loucura perfeitamente raciocinante.Vale a pena atend-la.

Pricles foi em pessoa receber Dona Benta. F-la entrarcom os netos para um agradvel ptio de mrmore, combancos tambm de mrmore e uma fonte no centro, de guamuito lmpida a cair por uma boca de leo dentro dumtanque retangular. Formosas esttuas viam-se por ali, evasos, e pinturas murais.

Ao avistar-se com o grande homem que dera o nome aosculo, Dona Benta sentiu as pernas moles. Que sonho!Ela, a humilde Dona Benta Encerrabodes de Oliveira, ldo Stio do Picapau Amarelo, ali - ali no ano 438 A. E,naquele ptio de mrmore, diante do maior estadista daantigidade!... Felizmente o hbito de viver no mundodas maravilhas tinha-a deixado muito segura de si. Docontrrio, nem nimo de falar teria. Mas falou - e muitobem.

- Senhor Pricles - disse Dona Benta com a maior calma -grande estranheza vos deve causar a presena em vossacasa duma pobre velhinha seguida de seus netos, e pelaprosa que j tive com o Senhor Fdias vejo que difcilpara criaturas modernas, como ns, fazerem-se entendidasde um grego da Idade de Ouro. Porque eu soumodernssima, Senhor Pricles, sou do ano de 1939 da

1. Estrangeiros.

19

Era Crist, e venho dum continente que s daqui a 1930anos ser descoberto pelo navegador genovs CristvoColombo...

IV

Em casa de Pricles

Ao ouvir tais palavras, Pricles olhou para Fdias comar de quem no estava entendendo coisa nenhuma. EraCrist? Novo continente? Cristvo Colombo? A respostado escultor ao olhar de Pricles foi um sorriso que DonaBenta compreendeu: estavam a julgada de miolo mole. Etentou explicar:

- Sim, Senhor Pricles, reconheo que estamos numasituao bem estranha. Aqui tudo presente; o ano 438antes de Cristo; mas o "seu" presente, SenhorPricles, no o meu. O meu presente o ano de 1939depois de Cristo, e sou dum pas que para os gregos dehoje s daqui a dezenove sculos comear a existir - oBrasil.

Pricles sorriu e disse:

- Sua cronologia no est certa, minha senhora. O anoque corre no nenhum 438 antes de Cristo - sim o 3.da 85.a Olimpada. Contamos o tempo pelas Olimpadas,sabe o que so?

- Sim, so os jogos atlticos que, de quatro em quatroanos, se realizam na cidade de Olmpia.

Pricles no se admirou de Dona Benta saber aquilo,porque era coisa que ningum ignorava; mas arregalou osolhos ao ouvi-la dizer que essa contagem do tempo iriaser substituda no futuro por outra, em que o ano 1.seria o da morte de Cristo.

- Quem esse Cristo? Algum novo Milon de Crotona?(l)

- No, Senhor Pricles. Cristo foi o homem que veiopregar a idia nova de que a nossa alma imortal enossa vida na terra no passa dum momento. Foi o filhode Deus.

Os deuses gregos eram os do Olimpo, humanos demais eduma vida muito cheia de escndalos, de modo que oshomens de alta inteligncia, como Pricles,interiormente se riam deles, considerando-os simplescriaes da imaginao do povo. Ao ouvir Dona Bentafalar em Deus e filho de Deus, Pricles sorriu. Imaginouestar diante de uma velha mstica que sonhava um novodeus - e mudou de assunto.

- E que a traz por aqui, minha senhora?

- O desejo de conhecer um momentinho da idade do Ouroda Grcia, justamente a que coincide com o governo doSenhor Pricles. Toda esta sua Atenas de hoje vaidesaparecer, destruda pelas guerras de invaso. Omaravilhoso Parteno, que o Senhor Fdias estconstruindo, ser cruelmente maltratado. Um dos vossossucessores na chefia do partido popular, SenhorPricles, ser o primeiro profanador desse templo, daquia 140 anos. Laquers, chamar-se- ele.

Pricles sorriu para Fdias, que se conservava rnuitoatento. Dona Benta continuou:

- Para acudir s despesas militares, Laquers tirartodo o ouro que ornamenta a esttua de Atena. Mas acidade de Atenas ser sitiada por Demtrio Poliorcete,um dos generais que sucedero a Alexandre o Grande - eser tomada. Laquers fugir. Demtrio instalar-se- noParteno e transformar o santurio da deusa em teatrodas suas orgias...

A segurana com que a velhinha anunciava tais coisasprovocou um certo mal-estar nos dois gregos. Dona Bentaprosseguiu:

1. O mais famoso atleta grego, seis vezes vencedor nosJogos Olmpicos e sete vezes nos Jogos Pticos. Certaocasio deu a volta ao estdio com um touro ao ombro, eao chegar ao fim matou-o com um soco e comeu-ointeirinho durante o dia. Clebre no s pela suadesmensurada fora fsica como pela inteligncia ecultura. Foi um dos grandes matemticos da escola dePitgoras.

20

- A esttua cie marfim e ouro de Palas Atenadesaparecer aos pedaos, perder-se- para sempre.Durar menos de sculo e meio a vossa obra-prima, SenhorFdias, mas a fama dessa escultura ficar eterna.

- E depois desse comeo de destruio, minha senhora? -indagou Pricles.

- O Paterno ser no sculo 7. da era de Cristotransformado na Igreja de Santa Sofia - respondeu DonaBenta. - Sofrer deformaes horrendas. A arte dessetempo j no ser mais esta purssima arte de hoje, simo barbarismo bizantino. Se pudsseis ver como ficar ovosso primoroso templo, certo que chorareis dedesespero e vergonha, meus senhores. E a desgraa noparar a. Atenas cair nas mos dos turcos, que por sua vez transformaro a Igreja de Santa Sofia em mesquitamuulmana. Os ornamentos de mrmore, essas maravilhas de hoje, sero arrancadas, destrudas... No ano de 1867Atenas ser bloqueada pelos venezianos, e bombardeada.Uma bomba cair no Parteno, pondo fogo plvora que os turcos depositaro l. A frisa de oito colunas doprtico norte e mais seis colunas do prtico suldesabaro. O chefe dos venezianos vencedores prosseguir na obra da plvora; arrancar da frontaria os cavalos eo carro de Atenas, e to desastradamente que os reduzira farelo. Logo depois um nobre ingls, Lorde Elgin,retirar sessenta e tantos metros de esculturas da frisa e quase todas as esttuas dos frontes, bem como asmtopes e as vender ao governo

ngls, por 35.000 libras esterlinas. O Museu Britnico,em Londres, passar da por diante a ser o possuidordesses fragmentos imortais...Aquelas palavras surpreenderam enormemente aos doisgregos; breve, porm, o cepticismo lhes voltou, e foisorrindo que Pricles disse:

- Nunca imaginei encontrar uma vidente da sua fora,minha senhora. As pitonisas que temos usam a linguagemvaga, nunca descem a pormenores de tanta preciso, nemcitam nomes e datas.

- No sou vidente, meu senhor - disse a boa velha. - Osvidentes vem o que est por vir; mas eu acabo de chegardo futuro, isto , do que para os senhores vai ser ofuturo e o presente para mim. Os fatos que anunciei, e os senhores tomaram como previso do futuro, so paramim velhssimas coisas j realizadas, porque estolocalizadas entre o "meu" presente e o presente dossenhores. No estou visualizando o futuro - estourecordando o passado...

y

21

Era impossvel aos dois gregos a aceitao de semelhanteteoria; e, pois, continuaram na sua atitude decepticismo, embora no ntimo fortemente abalados.

- J que a senhora "sabe" o futuro

- disse Pricles, conte-nos qual vai ser o resultado daguerra do Peloponeso.

Dona Benta respondeu sem vacilao:

- Durar vinte e sete anos e ser o fim do perodo ureoda Grcia. Sereis acusado de promotor dessa lutadesastrosssima, Senhor Pricles, mas a posteridade vosfar justia, lanando-a conta da velha rivalidadeentre Atenas e Esparta. A guerra tinha de vir, como opinto tem de sair da casca depois de finda a incubaodo ovo. E a Grcia, combalida pelo esforo, noresistir aos golpes de Alexandre da Macednia - serescravizada...

- E qual o meu fim, minha senhora?

- perguntou ainda Pricles.- O grande Pricles manter-se- no governo at o fim deseus dias, e morrer vtima da grande peste que assolarAtenas. Sua morte ser no ano 429 - daqui a 9 anos... emarcar tambm o comeo da morte desta Atenasgloriosssima. A cidade subsistir por sculos esculos, mas to transformada em seu povo e em tudo, quese Pricles pudesse ver com os seus prprios olhos o queos meus viram hoje de manh ao chegarmos ao Porto doPireu, no reconheceria na Atenas de 1939 estamaravilhosa Atenas em que estamos.

- ?

- Sim, porque ns demos um mergulho. Quando o iateancorou no Pireu, Pedrinho e Narizinhodesinteressaram-se imediatamente da Atenas modernaentrevista de bordo; e com o clebre tchihum!mergulharam nesta sua Atenas, Senhor Pricles, que a mimsempre me seduziu do modo mais singular.

- Mas... qual a verdadeira razo desse tchibum!, minhasenhora? - balbuciou Pricles.

Dona Benta teve de contar toda a histria do Picapau Amarelo, a mudana para l dos personagens da Fbula e a grande festa do casamento deBranca de Neve, interrompida pela invaso dosmonstros.(1)- E nesse desastre, Senhor Pricles, tivemos a m sortede perder a nossa querida cozinheira Nastcia. Osmeninos supem que ela tenha sido aprisionada por .algumdaqueles monstros e trazida para aqui...- Para aqui? - espantou-se o grego.

- No propriamente para aqui, Senhor Pricles, mas paraa Grcia ainda mais antiga do tempo miceniano - a Grciada era dos fabulosos heris de Tebas.

- Mas se esses monstros; como a senhora disse, estavamno tal Picapau Amarelo, como pensa encontr-los numpassado que at para ns, os gregos de hoje, j toremoto?

- Ah, meu senhor, a invaso dos monstros destruiu anossa obra de mudana para o Picapau Amarelo de todo omundo da Fbula. Sumiram-se de l aqueles prncipes,princesas e heris - Codadade, Branca de Neve, PeterPan, Capinha Vermelha, Aladino, Belerofonte e at onosso bom amigo D. Quixote, com o seu leal escudeiroSancho. As terras que comprei aos fazendeiros vizinhospara acomodao dos personagens da Fbula, e que numinstante se encheram de castelos e palciosmaravilhosos, reduziram-se de novo ao que eram antes -morraria nua, com muito sap, barba de bode eformigueiros de sava.

- E para onde foram tais personagens?

- Para as suas antigas moradas, evidentemente. Unsvoltaram para os livros; outros, para o Oriente; outros, para a Grcia Antiga, donde tinham vindo.

- Quais eram esses?

- Inmeros! Tive a honra, Senhor Pricles, de hospedarem minha casa ao

I. O Picapau Amarelo.

22

heri Belerofonte e mais ao Pgaso - e tambm esteve emmeu terreiro a triste Quimera de trs cabeas. Mas nasnovas terras adquiridas ficaram morando os demais, e foil, no palcio do Prncipe Codadade, que se realizou atal festa interrompida pela invaso dos monstros. Quecena! Estou a v-la... Um bando enorme de centauros,faunos, stiros, grifos, hipogrifos, hidras, esfinges,minotauros, assaltou o palcio numa galopada louca.Fugi para o stio com meus netos, mas a pobre tiaNastcia se perdeu no tumulto. Resolvemos entoempreender esta viagem Grcia em procura da nossa boacozinheira. H de estar nas unhas dum daqueles monstros.Partimos no iate "Beija-flor das Ondas", a antiga "Hiena dos Mares" do clebre Capito Gancho - e de caminhoparamos aqui para conhecer a Atenas do perodo ureo.Eis tudo...

Por mais incompreensvel que fosse a histria davelhinha, suas palavras causaram profunda impresso nosdois gregos. Pricles voltou-se para Fdias:

- Meu amigo, sou forado a confessar que nem em sonhojamais me defrontei com situao semelhante. O que estavidente diz no forma sentido, mas impressiona-me,atordoa-me. Por qu? Haver algum fundo de verdade emsuas revelaes?

Fdias tambm estava abalado. Tudo quanto ouvira eraabsurdssimo - mas novo e impressionante, dessas coisasque nos empastelam as idias e nos deixam de olhos muitoabertos, parados...

- E estas crianas? So seus netos? - perguntou oestadista grego, para mudar de assunto.

- Sim. Esta aqui a Narizinho; e este, o Pedrinho,filho da Antonica. E esta a Emlia, Marquesa de Rabic- uma boneca de pano que tia Nastcia fez emisteriosamente foi mudando at virar no que hoje:gentinha de verdade.

Pricles olhou para Fdias. A linguagem da velha teimava em ser to estranha quoininteligvel.- E esse outro? - disse, apontando para o Visconde.

- Ah, este o Visconde de Sabugosa, um sbio. Estagora no comando do "Beija-flor das Ondas", o navio quenos trouxe do Picapau ao Pireu - e contou a histriainteira do sabuguinho cientfico.

Pricles no podia entender coisa nenhuma de coisanenhuma, nem sequer o que fosse "sabugo", j que o milhoera planta ignorada dos gregos.

- Suas palavras, minha senhora - disse ele - formamsentido, mas as coisas que elas expressam no formamsentido nenhum. Sou um homem de bastante experincia,mas sinceramente confesso que nunca me encontrei numembarao como o de hoje. Fico sem saber o que pensar, emuito duvidoso da minha inteligncia...

- E natural, Senhor Pricles - respondeu Dona Benta. -Se as nossas posies se invertessem, eu estaria aindamais tonta que o senhor. Isto um caso de choque entreo Futuro e o Passado...

V

Discusses em Atenas

Enquanto se desenvolvia a conversa de Dona Benta com osdois gregos, os meninos examinavam as esttuas, osmveis, as pinturas das paredes.

- Coitados! - exclamou Narizinho. - Esto completamentetontos. No entendem nada do que vov diz.

- Pois eu estou entendendo tudo nesta casa, e estou atadivinhando que ali dentro o lugar dos comes -cochichou Emlia, apontando para uma sala vizinha. -Vamos espiar?

Espiaram pela porta. Sala das refeies, sim. Umaescrava punha mesa o almoo de Pricles - po, queijo,mel,

23

vinho, uvas e figos - daqueles madurssimos que fazemvir gua boca.

Narizinho e Pedrinho lamberam os beios. A serventesorriu e aproximou-se com trs figos na mo, um paracada um.

- Quem no mundo vai acreditar - disse Narizinho, abrindoo seu - que j comemos figos na casa de Pricles? E quebom est! Um melado...

A escrava no entendeu - nem podia entender, maslevou-os para dentro, a mostrar a casa. Mveis lindos,mas discretos. Tudo muito elegante e sbrio. Pedrinhoachou graa nas lmpadas de azeite.

- Isto o tal candeeiro que vov conta que havia nacasa do pai dela. Aqui a gente pe o azeite; aqui amecha. Engraado, no?

- No assim tambm na terra onde vocs moram? -perguntou a escrava.

- Foi assim - respondeu Pedrinho. - Hoje temos aeletricidade - a luz eltrica.

- algum azeite especial? Pedrinho deu uma risadagostosa e bobeou-a:

- Sim, um azeite feito de vibraes do ter.

A pobre escrava ficou na mesma.

Narizinho estranhou muito o sistema de mesas dali.Baixinhas, tendo em redor, em vez de cadeiras, coxins.Os gregos comiam reclinados em coxins.

- S que no vejo talheres. Que dos talheres, escrava?- perguntou Emlia.

A escrava no entendeu - nem podia entender, porquenaquele tempo todos comiam com as mos.

Ao saber disso, a ex-boneca berrou:

- Ch! Quando vem mesa um peru assado, como searranjam?

A escrava no sabia nada sobre o peru, que Pedrinholembrou ser originrio da Amrica do Norte, e, portanto,desconhecido dos gregos.

- Mas paves h por aqui - disse Narizinho, vendo umapena de pavo espetada na parede.

- Sim - disse a escrava - e lindos. Querem ver? Elevou-os a visitar a meia dzia de lindos paves doavirio de Pricles.

L no ptio o grande heleno continuava de prosa com avelha. Discutiam poltica.

- Vencemos a aristocracia, minha senhora - dizia ele. -Hoje a Grcia positivamente governada pelo povo. Slonrevelou gnio ao conceber a nossa forma de governo. Noh imposio dum homem. O governante escolhido pelopovo. Eu, por exemplo, executo o que o povo deseja - epor isso me reelegem.

- O senhor um caso excepcional - argumentou Dona Benta- diz que segue os desejos do povo, mas na realidade asua inteligncia e os seus excelentes discursos quefazem o povo desejar isto ou aquilo. Quem realmentegoverna o senhor, no o povo.

- Vejo que a senhora possui um alto descortinopsicolgico - disse Pricles sorrindo. - O povo temmuito das crianas. Quer ser conduzido - mas comaparncias de que ele quem de fato conduz e manda. Omeu sistema, entretanto, nada querer em contrrio aosinteresses do povo. Sou o intrprete desses interesses -e o esclarecedor da cidade. Esta minha idia de fazer deAtenas uma obra-prima de arte hoje a idia de todos osatenienses. Consegui pass-la de meu crebro para o detodos - e sinto grande satisfao ao ver o orgulho dosatenienses quando os visitantes se deslumbram com anossa cidade.

- Noto um erro nas suas palavras quando se refere a"povo", Senhor Pricles. No o povo quem governaAtenas, sim a pequena classe dos cidados. Povo apopulao inteira e aqui h 400 mil escravos que no tmo direito de voto. Isto injusto e ser fatal Grcia.

Pricles muito se admirou daquele modo de ver.

- Mas eles so escravos, minha senhora! Escravo escravo.

25

- Engano seu, Senhor Pricles. Pelo fato de ser escravo,um homem no deixa de ser homem; e uma sociedade quedivide os homens em livres e escravos, est condenada adesaparecer.

Essa idia fez o grego sorrir.

- Acha ento que pode haver uma sociedade sem escravos esenhores? Quem far os trabalhos pesados?

- Uma sociedade justa no pode ter escravos, SenhorPricles, e nela todos os trabalhos sero feitos porhomens livres. Assim l no mundo moderno donde vim.Bem sei que aqui todos pensam como o senhor, e at ogrande filsofo Aristteles, que para os gregos de hojeainda vai nascer daqui a 54 anos, dir na abertura deseu tratado sobre a Poltica, estas palavras absurdas:"Os homens dividem-se naturalmente em escravos esenhores." Est errado. Artificialmente que assim;naturalmente, no. J no meu pas tambm tivemosescravos, at o ano de 1888 que foi quando a PrincesaIsabel, a Redentora, promulgou a Lei 13 de Maio, tambmchamada Lei urea. Foi o fim da escravido no Brasil.

Pricles abriu a boca. Ele julgava perfeita a formasocial de Atenas e aquela misteriosa criatura tinha otopete de dizer que no...

Dona Benta mudou de assunto.

- Pois, Senhor Pricles, saiba que o problema degovernar os povos talvez no seja resolvido nunca. Naera em que vivo, a 2377 anos daqui, o problema continuacada vez mais ameaador. Fazem-se experincias de todasorte. Uns povos se inclinam para a democracia, que como chamam esta forma grega de governar; outros estosob as unhas da ditadura; outros tentam um comunismo quenada tem com o que Plato sonhou.

- Que Plato?

- Um grande filsofo que ainda est no calcanhar da ave ir nascer justamente no ano da sua morte, SenhorPricles, em 429 A. E. Esse filsofo sonhou uma forma degoverno adiantada demais

para criaturas to imperfeitas como os homens, mas mesmo assim os modernos do me tempo tentam p-la em prtica.Outros povos experimentam uma coisa chamada"totalitarismo", em que o Estado tudo e ns, aspessoas, menos que moscas. Neste regime o indivduo nopassa de gro de areia do Estado.

- Mas no h Estado, minha senhora! - disse Pricles.Isso uma idia abstrata. O que h so criaturashumanas com interesses em conflito; a poltica no passada arte de harmonizar esses interesses individuais comum mximo de benefcio geral. O meu governo no maisque isso.

- O sonho esse, Senhor Pricles, mas a realidade paraa qual caminhamos afastar-se- muito dessa sensatssimaconcepo. A pobre humanidade, depois de tremendas lutas para escapar escravizao aos reis, caiu naescravizao, pior ainda, ao Estado - palavra Estado.

- Quer dizer que no futuro os reis de carne e osso serosubstitudos por um "som" - o som "Estado?"

- Sim, e isso vir fazer mais mal ao mundo do que todosos velhos reis reunidos, somados e multiplicados unspelos outros. Esta forma democrtica de Atenas tropicarno meio do caminho. Ser destruda pela palavra"Estado", que crescer e dominar tudo at chegar forma "totalitria" em que o som "Estado" o total, ens, os indivduos, simples pulgas.

Pricles ficou meditativo. Aquela revelao vinhacontrariar as suas idias sobre a continuidade doprogresso humano.

- Ento... ento a prova provada de que uma forma degoverno boa no tem valor nenhum? O progresso no uma consolidao de conquista?

- Nem na arte assim, Senhor Pricles. Ao ver aqui emsua casa estas maravilhas da escultura grega, sintopontadas no fgado.

- Por que, minha senhora?

26

- Porque o futuro vai afastar-se disto...

- Como? No admite ento que nestas esttuas h o mximode beleza que os escultores j conseguiram?

- Admito, sim - mas "sei" que no futuro isto sermoteiado, e esta beleza substituda por outra, isto ,pelo horrendo grotesco que para os meus modernosconstituir a ltima palavra da beleza. Como prova doque estou dizendo vou mostrar um papel que por acasotenho aqui na bolsa - e Dona Benta tirou da bolsa umapgina de "arte moderna", onde havia a reproduo dumasesculturas e pinturas cubistas e futuristas.

Pricles olhou para aquilo com espanto, e mostrou-o aFdias.

- Mas simplesmente grotesco, minha senhora! - dissedepois. - Estas esculturas lembram-me obras rudimentaresdos brbaros da sia e das regies nbias abaixo doEgito...

- Pois no so. So as maravilhas que embasbacam ospovos mais cultos do meu tempo - a 2377 anos daqui...

Os dois gregos ficaram literalmente tontos, sem saber oque pensar. As revelaes da estranha velhota vinhamopor-se a todas as suas idias sobre a marcha indefinidado progresso humano. Totalitarismo, cubismo,futurismo... Pobre humanidade!

VI

Fdias nocaute

O escultor grego, depois de dar um profundo suspiro, noteve nimo de ouvir mais. Deixou Dona Benta engalfinhadacom Pricles sobre um ponto da poltica de Atenas e foiconversar com os meninos l no ptio dos paves.

- Conhecem estas aves? - perguntou-lhes ao v-los tointeressados na roda que os paves abriam.

- Muito. Temos por l quanta ave existe - paves comoestes, papagaios,

periquitos, curis, perus - respondeu Emlia. - A nicanovidade que Narizinho encontra em Atenas o sossego,diz ela.

- Est ento gostando de Atenas? - perguntou o grego menina.

- Muito. Por mim, mudava-me para c s pelo gosto decomer estes figos. Um mel!

- Atenas uma cidade realmente gostosa - dissePedrinho. - S isso da gente poder brincar nas ruas semo menor perigo, quanto no vale?

- L na sua terra no assim?

- Nem queira saber! As nossas ruas so sinnimos deinferno. Uma barulheira horrvel de automveis que norespeitam cara. Atravessar uma rua um problema.

- Automveis? Que isso?

- Ah, so uns carros de ferro que andam sem cavalos,isto , tm os cavalos dentro, H. P. ou Horse-Power, emingls.

Fdias no entendia nada de nada.

- E que que puxa esses carros?

- No so puxados, so empurrados pelo motor que hinteriormente.

- Como? Explique-me o mistrio. Que motor esse?

- Motor uma mquina que usa as exploses da gasolinapara produzir cavalos de fora.

Fdias franziu a testa. Mquina? Exploses? Gasolina?Cavalos de fora? No entendia nada...

- Voc, menino, fala uma linguagem que me inteiramentenova. No entendo palavra do que me diz.

Emlia deu uma risada gostosa.

- Engraado! Vivemos no nosso mundo moderno a falar dainteligncia grega e no entanto os gregos no entendemnem o que qualquer negrinho l do stio entende...

- Isso nada tem que ver com a inteligncia - observouNarizinho. - que a vida mudou muito por causa dasinvenes, e um homem daqui est claro

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que no pode entender a linguagem da vida moderna. Agora que estou vendo como as invenes mudaram o mundo. menor coisa que a gente diga, eles abrem a boca.

- Realmente - disse Fdias - a linguagem que vocs usamme deixa tonto.

Pedrinho riu-se.

- Ah, se o senhor aparecesse no nosso mundo, por um sdia que fosse... Que tontura, hein Narizinho? Ele numcinema, num avio...

- Nem precisava isso - respondeu a menina. - Ele numtrem ou no bonde...

- Que trem ou que bonde, Narizinho! - berrou Emlia. -Ele diante dum homem fumando. Bastava isso. Sabe o que um cigarro, senhor "marmorista?"

O escultor fez cara de ponto de interrogao.

- Pois um foguinho, uma brasa que os homens chupam.Sai uma fumaa...

- Fumaa?

- Sim. O cigarro um rolinho de papel com fumodentro...

- Papel?

- Ou palha de milho... Papel uma espcie de papirofeito em fbricas. Os

homens enrolam o fumo picado e acendem o roletinho comum tio, ou com fsforo, ou com o acendedor...

- Fumo? Fsforo? Acendedor?...

- Ou isqueiro. Na roa a caipirada s usa isqueiro -mais barato. Acendem. Fica uma brasinha na ponta. Echupam a fumaa que sai, e soltam essa fumaa para o ar- assim! - e Emlia imitou o gesto do fumante que soltauma baforada.

Fdias estava cada vez mais bobo.

- E para que isso? - perguntou.

- toa - respondeu a Emlia. - Por gosto. Dizem que gostoso - mas eu acho fedorentamente horrvel. O fumotem uma tal nicotina que venenosa. Dizem que uma sgota na lngua dum cachorro mata o cachorro.

- Quer dizer ento que eles chupam a fumaa dum veneno?

- Tal e qual.

- E no morrem envenenados?

- Muitos at engordam. Os mdicos dizem que a nicotina um grande veneno, mas os fumantes respondem "Qual oque!" L no stio h o tio Barnab, um negro de mais denoventa anos, que no tira o cachimbo da boca. Osmdicos dizem

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que se ele no fumasse estaria j com cem anos.

- Cachimbo? - repetiu Fdias.

- Sim, um cigarro de barro em vez de papel - continuouEmlia. - Um potinho de barro na ponta dum canudo - ocanudo de pito. Tio Barnab bota fumo picado no potinhoe uma brasa em cima e chupa aquela fumaafedorents-sima...

Fdias comeou a suar, e mais ainda quando Narizinho lheperguntou: - E o rdio, ento? Sabe o que ?

- ?

- Um sistema da gente falar aqui e ser ouvida no fim domundo no mesmssimo instante. E o cinema? E as fitas doWalt Disney? Nem queira saber, Senhor Fdias! "Branca de Neve e os Sete Anes" foi um assombro. Vi quatro vezes.A Emlia ficou apaixonada pelo Dunga...

- Dunga? Disney? Fitas?...

Os meninos riam-se do atrapalhamento do grande homem.Por fim a ex-boneca achou que nem valia a penaconversar.

- Estamos perdendo o tempo, Narizinho. O "marmorista" ssabe abrir a boca e arregalar os olhos. No tem a menoridia do mundo em que vivemos - e afastou-se do grupopara ver se filava mais um figo.

Narizinho e Pedrinho tentaram explicar ao escultor muitacoisa moderna; por fim desistiram. Ele sabia menos queum aluno de qualquer grupo escolar. Ignorava as coisasmais simples, como a redondeza da terra, o tamanho dosol.

- De que tamanho o senhor pensa que o sol? - perguntoua menina.

Fdias suava, suava.

- Tivemos aqui um filsofo - disse ele - que afirmou sero sol do tamanho do Peloponeso - e por causa dessaasneira foi expulso da cidade.

- Pois mandem chamar esse homem e expulsem aos que oexpulsaram, porque o sol 334.500 vezes maior que aterra inteira, a qual milhes e milhes devezes maior que essa pulga do Peloponeso.

Fdias sorriu da ousada afirmao. Crianas, crianas...

- E como a forma da terra, Senhor Fdias? - perguntouPedrinho.

- A terra cncava e montanhosa, e est sustentada nosombros do gigantesco Atlante, segundo uns, ou sobrecolunas, segundo outros. Na ndia cometem o erro deadmitir que o mundo repousa sobre elefantes.

Os meninos deram uma gargalhada gostosa.

- A terra redonda, Senhor Fdias, e gira solta noespao em redor do sol. Est mais que provado.

- Provado?

- Sim. A viagem de circunavegao de Ferno de Magalhesprovou pela primeira vez a redondeza da terra. Hoje at bobagem falar nisso. Quem duvidar, que suba a um avio e d a volta; coisa de trs dias. Voando, ou navegandosempre em linha reta, a gente chega ao mesmo ponto deonde partiu.

Fdias estava literalmente apatetado.

- E que fogo? - perguntou Pedrinho.

- um dos quatro elementos que formam o mundo.

- Elemento, nada! O fogo o resultado da combusto dooxignio. E a gua?

- Outro elemento.

- Elemento nada! A gua composta de elementos, issosim. E de que elementos se compe a gua, vamos ver?

Fdias nem entendeu a pergunta.

- composta de hidrognio e oxignio. A frmula qumicada gua H2O, aprenda. E o ar? Elemento? Olha a maniados elementos!... O ar uma mistura de gases - azoto,oxignio e umas iscas de hlio, nenio, xennio e outrosgasezinhos vagabundos. E o que ... o que ...

- O que um figo? - disse Emlia que vinha entrando acomer o segundo figo filado.

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- Uma fruta - respondeu Fdias.

- Fruta o seu nariz - disse a diabinha. - O figo umaflor que abre para dentro. A parte que a gente come soos estames. - E voltando-se para a menina:

- Olhe, Narizinho, se ns ficssemos aqui e abrssemosuma escola para ensinar mil coisas a esta gente, quetacada, hein? So atrasadssimos...

VII

Visita s obras do Parteno

Depois do almoo, na sala que as crianas j conheciam,Pricles convidou Dona Benta para um pulo ao Parteno,cujas obras estavam quase no fim. A inaugurao ia sernaquele ano.

Foram todos, Pricles adiante, a tratar com Fdias deassuntos graves e a boa velhinha atrs, com as crianas.Narizinho falava em voz cochichada para que os doisgregos no ouvissem.

- So atrasadssimos, vov! Num instante deixamos "ele"nocaute - e indicou Fdias com o beio. - Nem a forma eos movimentos da terra sabia, calcule...

- No assim, minha filha - respondeu Dona Benta. - Osgregos de hoje sabem o que podem saber; claro que nopodem saber o que os homens s vo descobrir sculosdepois. Apesar disso, a primeira idia da terra girar emredor do sol nasceu nesta Grcia.

- Como, vov? Pois se eu estou dizendo que ele nosabe...

- Fdias poder no saber, nem Pricles, mas quemprimeiro lanou a hiptese dos movimentos da terra foiAristarco, um grego de Samos. Numa obra sobreastronomia, esse Aristarco observou que "o sol imvele a terra gira em redor dele numa curva elptica, e alm disso, dotada dum movimento de rotao em torno deseu prprio eixo." Afirmou mas no provou; s sculosdepois, numa obra publicada em 1543, que NicolauCoprnico iria demonstrar isso. Os gregos adivinhavam ascoisas.

Diante do Parteno todos pararam, Dona Benta sem flegopor ter subido a p uns cem metros da casa de Priclesat o alto da Acrpole. Acrpole era o nome da colina de pedra sobre a qual se erguia o templo. Dois homens lestavam aguardando Pricles, o qual, voltando-se paraDona Benta, disse:

- Permita-me que apresente Ictinos e Calcrates, osarquitetos do monumento. Fdias o superintendentegeral. Graas aos trs, Atenas pode orgulhar-se desteprimor de harmonia e graa que pretendemos inaugurareste ano. Veja. Observe o equilbrio do conjunto. No ha menor dissonncia em suas linhas.

Dona Benta ergueu os olhos e viu. Viu o que nenhumacriatura moderna jamais viu. Viu o Parteno fresquinhoainda, com andaimes internos, cisco e lascas de mrmorepelo cho. Viu e extasiou-se, porque era uma senhora deapurada educao artstica.

- Belo, realmente! murmurou depois de alguns instantesde contemplao. - Parteno que eu conhecia em desenhos,isto , as runas do Parteno que chegaram ao meu tempo, mal deixam entrever o que isto na realidade . Belo,belo, sim...

Enquanto a boa velhinha abria a boca, Ictinos,Calcrates e Pricles afastavam-se e penetravam notemplo, a discutirem pormenores do assentamento daesttua da deusa Palas Atena. Fdias ficou de prosa coma visitante.

- O futuro - disse Dona Benta - vai considerar estesmrmores a maior obra-prima de todos os tempos, e ossculos veneraro o nome dos seus criadores. A prpriafama de Pricles caber em boa parte circunstncia deter sido o promotor desta obra.

Fdias, que no sabia que o Parteno fosse toimportante assim, ficou admirado daquelas palavras ecomeou a falar da oposio de muitos atenienses.

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- Apesar do que a senhora diz, quanta luta parachegarmos a este ponto! O povo incontentvel. Pormuito que Pricles se esforce, a campanha contra ele noarrefece. A inveja lana mo de todos os meios paraofend-lo, e no podendo alcanar a pessoa de Pricles,atira-se contra os seus melhores amigos. Eu, que sou umdeles, sinto contra mim uma surda corrente subterrnea.Damon, o mestre de Pricles, foi exilado. Anaxgoras,outro grande amigo e mestre de Pricles, foi denunciadocomo mpio - e muito custou obter a sua absolvio.Mesmo assim a luta prosseguiu at for-lo a sair deAtenas.

- Anaxgoras, sim... - murmurou Dona Benta,recordando-se das profundas idias desse filsofo sobreo universo.

Fdias prosseguiu:

- H ainda o eterno caso de Aspsia. Como a senhoratalvez saiba, Pricles divorciou-se da primeira mulher emuito teve de lutar para o segundo casamento. O amorligou-o a Aspsia desde o primeiro dia, mas as leis deAtenas opunham-se a que um ateniense se casasse com umamiletiana - e Aspsia era de Mileto. Por fim osobstculos foram removidos e o casamento se fez - mas amesquinharia de seus inimigos no dorme. O implacvelAristfanes persegue-lhe a esposa com infames ironias em suas comdias. Chegaram at ao ponto de conduziremAspsia aos tribunais sob acusao de impiedade. Issodeu um trabalho a Pricles, que teve de defend-lapessoalmente com todas as foras do seu gnio e do seucorao. Nesse dia at chorou - e foram essas lgrimasque a salvaram...

As crianas haviam penetrado no templo, onde remexiamtudo. Emlia botava no bolso pedacinhos de mrmoredestinados ao seu clebre museu. Dando com uma escadatosca que servia aos pedreiros ocupados no teto, elaberrou:

- Toca a espiar l em cima, gentarada!...

Subiram todos, e descortinaram o panorama inteiro deAtenas. Emlia chegou a ver l longe, a oito quilmetrosde distncia, o Porto do Pireu, com o "Beija-flor dasOndas" a destacar-se da maneira mais estranha entre astrirremes da esquadra grega. Umas quatrocentas havia l,segundo o clculo da diabinha.

- A cidade no grande em comparao com as modernas -observou Pedrinho. - Uns quinhentos mil habitantes, nomximo.

- Mas linda! Veja quantas brancuras - disse Narizinho. -Deve ser mrmore. Quantos monumentos, hein?

- O mrmore aqui pedra -toa - lembrou Pedrinho. - Jli que h um tal de Pentlico. Hei de saber do escultoronde fica a pedreira.

- Do que mais gosto de no ver chamins de fbricas,nem uma! Que limpeza! Que ar claro e gostoso!

Pricles, que voltara sozinho do interior do templo,comeou a explicar a Dona Benta as alegorias do frontooriental.

- Temos ali - disse ele, apontando com o dedo - arepresentao do nascimento de Palas Atena, obra deFdias. Veja que primor.

Dona Benta parecia deslumbrada.

- Maravilha! - exclamou. - Que d no ter tal obrachegado aos tempos modernos! Estou notando uma coisa: aleve curvatura de todas as linhas retas, ou que deviamser retas. Estas colunas convergem imperceptivelmentecomo se fossem reunir-se nas nuvens, e tambm noto levecurva nas arquitraves, no fronto, em tudo...

- Foi uma das audcias- de Fdias, minha senhora, eparece-me que acertou. Dessa leve curva emana uma levezaque no encontro em nenhum outro monumento.

Pricles sentia-se feliz diante da profunda compreensoda misteriosa velhinha. At as quase imperceptveiscurvas

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de Fdias ela apanhara. E passou a explicar o alegricodo fronto.

- Fdias transps para o mrmore uns versos de Homeroque todos os atenienses sabem de cor - disse ele - erecitou: "Comeo cantando Palas Atena, a deusa augusta,frtil em sbios conselhos, nobilssima virgem decorao inflexvel, guardi das cidades, a forte divaque o prudente Zeus fez brotar de sua cabea, todarevestida de cintilantes armas de ouro. Ao verem-nasurgir, brandindo a lana aguda, os imortais pasmaram; oOlimpo estarreceu diante de sua fora; a Terra soltougrandes gritos; os mares tumultuaram as ondas; e o filhode Hiperion susteve as rdeas de seus fogosos corcisat que Palas Atena depusesse' as armas. Zeus irradiavade orgulho." Eis, minha senhora, os versos que Fdiasps no mrmore.

Dona Benta absorvia-se nas esculturas.

- Sim, vejo ali os corcis do carro do sol estacadospelo empuxo das rdeas. E vejo a radincia de Zeus. Evejo Palas Atena, sua filha cerebral, depondo as armaspara o sossego da Terra...

Pricles explicava, explicava.

- Quando o sol se ergue cada manh, seus primeiros raiosbatem neste fronto. A cabea dos cavalos estremece, ecomo que eles anunciam com relinchos o nascer do dia. Otit que os conduz retesa-se no empuxo das bridas.Quanta beleza nestes mrmores!...

Dona Benta parecia transfigurada. Emudecera.

- E ali naquele ngulo - continuou Pricles - note comoos corcis da Noite surgem suavemente do velhssimoOceano. O grande Teseu os sustem...

Dona Benta volveu os olhos para o ponto indicado;Pricles continuou:

- E temos ali Demter e Persfone, sua inseparvelfilha. Note a graa com que Persfone se apoia ao ombromaterno. Ao lado est a inquieta e violenta ris queanunciou ao mundo o nascimento de Atena. E h, ainda,aquela Vitria alada. E h o grupo das Trs Parcas, que acho umaextraordinria manifestao do gnio de Fdias.

- Sim - murmurou Dona Benta - vejo ali as trs parcas -Cloto, a fiandeira de vidas; Laquesis, a cortadeira dofio da vida; tropos, a implacvel medidora documprimento dos fios...

Pricles no deixou de admirar-se do conhecimento davisitante.

- Elas representam Moira, o destino - disse ele. - Estosentadas e severamente vestidas. A mais moa reclina-sesobre os joelhos da irm - e a sorrir que corta o fioda vida dos mortais...

- Realmente! - murmurou a boa velhinha. - Fdias deu aogrande mito das Trs Parcas a melhor das representaes.

E como essas figuras de mrmore alvssimo se destacamsobre o fundo vermelho!... Ns l no mundo modernosempre imaginamos a escultura grega uniformemente branca- mas aqui observo um sbio uso das cores. J notei nafrisa que as mtopes so vermelhas e os trglifos soazuis.

Depois de bem examinarem aquele fronto, passaram-separa o lado oposto, onde se via a luta entre Posidon ePalas Atena a propsito da tica. Num irresistvelmpeto de dominao, Palas Atena estarrecia com a suapresena os cavalos de Posidon, o deus dos oceanos.Atrs de Atena figuravam as cecrpidas Aglaura e Herse,e tambm o Ilisso - um dos rios que passam por Atenas. Eatrs de Posidon figuravam Ttis, a deusa do mar;Anfitrite, esposa de Posidon; e a formosa Latona comsuas filhas rtemis e Afrodite. Dona Benta notou que otridente de Posidon e o escudo de Atena eram de metal.

- Bronze? - perguntou.

- Sim - respondeu Pricles - o bronze o melhorcompanheiro do mrmore nas esculturas. Foi Alcamenes o autor deste fronto. Considero-o o melhor discpulo deFdias.

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- No h dvida que so dois gnios - disse Dona Benta.-- A posteridade os consagrar - sobretudo ao ltimo. Asituao de Fdias na histria das artes vai ser a deprimus inter pares e seu nome ser mais popular e citadono futuro do que o hoje.

Pricles sorriu com amargor.

- Hoje, minha senhora, o pobre Fdias atacado edifamado - sobretudo por causa da amizade que nos une.Algumas de suas ousadias estticas me causam apreenso.No escudo da esttua de Ate-na, que iremos ver, elerepresentou-se a si prprio e a mim em duas figurascentrais. Muito receio que o bom povo de Atenas seaproveite disso para uma nova acusao de impiedade..

Dona Benta sabia que ia ser assim, e que por causadaquela inocente bobagenzinha o maior escultor gregomorreria na priso. Mas calou-se. No teve nimo de odizer a Pricles.

Antes de penetrar no templo passaram a examinar asfrisas - que eram uma longa alternao de mtopes etrglifos, uma fita de esculturas fragmentadas masligadas pelo assunto.

- Quantas mtopes, Senhor Pricles?

- Noventa e duas.

Dona Benta estranhou a altura do altorelevo.

- Sim - explicou Pricles - vai at palmo e meio, paraque as mtopes fiquem harmonizadas com as salincias dascornijas e capiteis. Fdias possui o instinto daspropores justas. Este monumento no passa disto:justeza de propores.

- E quem esculpiu as mtopes?

- Os discpulos de Fdias, segundo seus desenhos. Note oar de famlia dessas esculturas. Tudo gua da mesmafonte. Aqui temos o comeo da procisso das Panatenias.

Dona Benta arregalou os olhos.

- Oh, a grande festa deusa Atenal Sei, sei...

No havia o que a diaba no soubesse.

- a mais imponente das nossas festas - e se a senhorapermanecer alguns dias em Atenas poder assistir a uma.Est a chegar.

- Panatenia: a cerimnia em que os atenienses mudam opeplo da padroeira - lembrou Dona Benta.

- Isso mesmo. Mas note com que finura, com queequilbrio, os nossos escultores representaram aprocisso do peplo. A cena comea aqui e vai sedesdobrando at o fim. Abre com os preparativos para aprocisso. Estes cavaleiros, montados em belos corcisda Tesslia, apressam-se em seguir os que j partiram.Aquele ali mostra-se ansioso .por que lhe tragam ocavalo. Aquele outro enverga a tnica; aquele outro atao calado. Interessante o movimento de impacincia doscavalos a sacudirem a crina...

- Os cavalos identificam-se com os nossos sentimentos,tanto na guerra como na paz - observou Dona Benta. - Atcom os burros assim, Senhor Pricles. Tenho l nostio o Conselheiro. Pois h de crer que esse burro estto identificado com os meninos como se fosse um membroda famlia?

Pricles no entendeu e continuou a falar nasesculturas.

- Observe a arte com que os nossos artistas "resumiram"a impacincia dos corcis - disse ele. - Sente-se que hno ar moscas importunas.

- Mutucas...

- S l na outra extremidade da frisa que aparecem osdeuses, ladeando a entrada do templo. A procissovai-lhes ao encontro.

Dona Benta no tirava os olhos dos cavalos.

- Quem h de encantar-se com isto meu neto. Pela-sepor cavalos! Mas que fim levou Pedrinho - e os outros?Sumiram-se...

As crianas vinham descendo a escada dos pedreiros ebreve apareceram fora do templo.

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- Corram aqui! - gritou-lhes Dona Benta. Esto perdendouma coisa nica no mundo - a frisa do Parteno explicadapelo Senhor Pricles.

Os meninos aproximaram-se.

- Que tal acha estes cavalos, Pedrinho? - perguntou DonaBenta. - So da Tesslia.

O menino examinou-os com ares de entendido.

- Bons, sim, vov. So "mangas-largas" legtimos - sque tm o focinho muito fino. Os cavalos que eu conheono so assim.

- Nem os daqui - disse Pricles. - Os escultores noreproduzem a natureza tal como . Modificam-na num certosentido, com uma certa inteno. Arte isso.

- Mas ento o belo no o natural "escarrado", vov? -perguntou o menino.

- No, meu filho. Se fosse, os melhores museus do mundoseriam as escarradeiras, e a maior das artes seria afotogrfica, porque a fotografia reproduz exatamente anatureza. A arte uma estilizao, isto , umafalsificao da natureza num certo sentido, como acabade dizer o Senhor Pricles. Voc bem sabe que no nasfotografias que encontramos o belo - nos desenhos quemodificam o real segundo o gosto do desenhista.

Fdias, que tambm se havia aproximado, estranhou aquelapalavra "fotografia" e perguntou o que era. Dona Bentafoi obrigada a desenvolver um verdadeiro curso arespeito da inveno de Niepce e Daguerre, e muitonaturalmente tambm falou do cinema, ou a fotografia quereproduz o movimento. Essa revelao interessouprofundamente os dois gregos, embora lhes parecesse acoisa mais absurda do mundo.

- Ser possvel, minha senhora, que se possa fixarmecanicamente as imagens e reproduzir o movimento de umcavalo a correr, de um homem a andar?

- Possibilssimo; to possvel que jfoi realizado. Considero a inveno da fotografia amelhor que os homens fizeram, porque a mais pacfica -uma pura inveno da paz. Isso porque h as invenes deguerra, isto , mais empregadas na guerra do que na paz,como a aviao ou a plvora.

- Que plvora? - quis saber Fdias. Mas Dona Benta noteve nimo de responder. Teria de iniciar novo curso, enaquela hora o que interessava eram as figuras da frisa.

- E ali? - perguntou, apontando para as mtopesseguintes, fingindo no ter ouvido a pergunta doescultor.

- Ali - respondeu Fdias - so os carros que precedem oscavaleiros. Note que so conduzidos por mulheres.

- Que mulheres?

- Figuras simblicas. Vitrias. Atrs de cada vitriapusemos um guerreiro de p. Adiante dos carros temosaquele coro de moos e velhos, explicou Fdiascaminhando mais uns passos. Esto tocando flautas eliras.

Emlia, que os acompanhava muito alerta, meteu obedelho.

- Lira no se toca - tange-se. - Eles esto tangendo alira. Tocar, Dona Benta diz que s para sino ougalinha.

O grego no ouviu.

- E adiante - continuou ele - vemos os ascforos, ouportadores de odres de couro - so os estrangeirosdomiciliados em Atenas.

Emlia fez nova graa.

- Se D. Quixote aparecesse, espetava com a lana todosesses odres de vinho.

Dona Benta espantou-a dali.

VIII

A esttua de Palas Atena

Pricles, que se afastara por uns instantes, voltou eretomou a palavra explicando todo o desenvolvimento daextensa frisa at chegar procisso das virgens

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atenienses, portadoras de vasos. E quanta coisa maisnaquela frisa! Havia o grupo dos magistrados de Atenas;o dos pontfices etc. Vinham, por fim, os portadores donovo peplo oferecido deusa.

Dona Benta admirou grandemente aqueles primores, dosquais a posteridade s iria conhecer fragmentos.

- Tudo isto vai ter vida muito breve- murmurou com tristeza. - L no meu tempo, que a2.377 anos de hoje, destes mrmores s restar o que foirecolhido ao Museu Britnico, em Londres.

- Londres?

- Sim, a capital da Inglaterra.

- Inglaterra?

- Sim, um pas que ainda vai nascer e formar o maiorimprio moderno. O Museu Britnico abrigar estesmrmores, ou a parte destes mrmores que escapar aomartelo do fanatismo barbaresco. O mundo um perenefazer e desfazer, Senhor Pricles. Aqui nesta Acrpole,o meu sculo s encontrar runas - colunas e lajesrodas pela eroso...

A "vidncia" da velhinha possua algo de impressionante.Os dois gregos sentiram um aperto na alma.

- Bem - disse Pricles - podemos agora ir ver o Partenopor dentro - e convidou Dona Benta a segui-lo.

Entraram no templo. Ainda havia por l andaimes eoperrios entretidos nas decoraes. Dona Benta chamoupara perto de si os meninos e explicou:

- Aqui a "pronaos", isto , a parte que vem antes da"naos". "Naos" como os gregos chamam nave de seustemplos, duas palavras que tambm significam navio.Estas colunas so dricas, reparem- o estilo mais severo de todos. Notem que saem do chocomo troncos de palmeiras, sem que se apoiem em bases,ou plintos... Isto faz que o Parteno nos d a impressoduma coisa naturalmente brotada do solo; se as colunasse apoiassem em plintos a impresso seria outra- seria de uma coisa colocada sobre o solo.

Os meninos ficaram cientes - e o grupo transps o portalque se abria para a "naos", ou o santurio da deusa.Dona Benta parou, estarrecida. Dez majestosas colunaserguiam-se de cada lado, cercando, como sentinelas, amaravilhosa Palas Atena, a mais rica obra-prima daescultura grega. Uma esttua de doze metros de alturasobre um pedestal de trs, toda de marfim e ouro. Apadroeira de Atenas l estava em atitude erecta, na suatnica talar, isto , que descia at aos ps e sobrava -tnica de pregueamento muito bem estudado e toda deouro. As partes nuas eram de marfim - os braos, osombros e o severo rosto olmpico. A morna tonalidade domarfim translcido dava a sensao da carne.

- Que maravilha! - exclamou Dona Benta deslumbrada. -Tudo ouro, marfim, pedras preciosas e arte - a maisrequintada das artes... E pensarmos que este prodgiono chegar aos tempos modernos - ser em caminho destrudo pela brbara rudeza dos fanticos... Martelose picaretas desfaro tudo isto, de modo que aposteridade s conhecer esta maravilhosa Palas Atenaatravs das descries. A obra de Fdias ser vtima domuito ouro nela empregado...

Pricles, que a ouvia, deu uma informao curiosa.

- S no vesturio empatamos 400 talentos de ouro.

- Quanto significa isso em moeda moderna, vov? - quissaber Pedrinho.

- O talento a medida do ouro e da prata destes povos.Tem variado de valor com o tempo e o lugar. Aqui, hoje,o talento tico vale 297 libras esterlinas.

- Cspite! - exclamou Narizinho - e fez a conta decabea. - Quatrocentos talentos de 297 libras do118.800 libras

- ou seja, 11.880 contos de ris na moeda do Brasil.Vestido mais caro, nunca houve no mundo.

- E as pedrarias? - observou Dona Benta.

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- E o marfim? E o trabalho do artista?

- Repare nos olhos - disse Pricles. So feitos de duasenormes opalas cuja transparncia copia o tom dos olhoshumanos. Muito nos custou descobrir esse par de gemas...

Com efeito, os olhos de Atena davam a iluso de vivos.

Dona Benta continuava em xtase.

- Sinto-me como que diante duma constelao que reduz asobras de arte a simples estrelas. Que riqueza! Quemaravilha!...

Ao p do escudo de Atena havia uma serpente de bronzeenroscada no cabo da lana. Pedrinho, que j estiveracom Fdias no interior do templo e se informara daqueledetalhe, resolveu dar um "tombo" em Dona Benta.

- Vov sabe tudo - disse ele - mas aposto que no sabe onome desta serpente.

Dona Benta declarou que de fato no sabia.

- Pois o Erectnio - disse o menino todo lampeiro - umfilho de Hefesto e tis, que ora representado assim,sob forma de serpente, ora meio serpente, meio homem.Foi o criador da festa Panatenia e tinha no corpo duasgotas de sangue da Grgona, uma que matava, outra quefazia viver. Pelo menos foi isso que o Senhor Fdias noscontou. Desta vez vov ficou nocaute - concluiu ele,piscando para Narizinho.

- E com o maior prazer, meu filho. No h av que no sedelicie com os nocautes que leva dos netos - respondeuDona Benta, sorrindo para Pricles.

O estadista grego fez vrias observaes sobre ainteligncia daquelas crianas, e teve de ouvir da boaav algumas passagens da vida deles l no stio.

- Imagine agora, Senhor Pricles, quando voltarem daqui!Os quinaus que vo dar em todos os "adultos" que tiveremo topete de falar em coisas gregas...

Em seguida Pricles explicou a significao dasesculturas em alto-relevo do pedestal.

- Temos aqui uma srie de combates, porque foi emconseqncia destas lutas que Palas Atena emergiu docrnio de Zeus. Nesta face a senhora v a terrvelrefrega entre os deuses e os gigantes; nesta outra, ocombate das amazonas; e nesta outra, a luta dos Lpitas,com os centauros.

Pedrinho, que andava com os instintos belicosos muitoassanhados, quis saber que luta fora essa. Fdiasexplicou.

- Os Lpitas eram um antiqussimo povo da Tesslia, cujorei, Pirito, ao casar-se com Deidamia, caiu na asneirade convidar para a festa os Centauros, os quais,embebedando-se, tentaram raptar a noiva e as mais belasconvidadas. Veio a medonha luta. Afinal, osperturbadores da festa foram vencidos e expulsos pelosLpitas, ajudados pelo herico Teseu. Eis a histria.

- Muito bem - disse Pedrinho. - Na nossa "penetrao nofundo da Grcia,

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havemos de visitar e apresentar cumprimentos aesses Lpitas.

A palavra "penetrao" causou espcie aos dois gregos.

- Ah, meus senhores - disse Dona Benta - estes meninosso do chifre furado. Coisa nenhuma os contenta. Vocontinuar pela Grcia adentro essa viagem - esta"penetrao" no passado. Eu ia com eles, mas j estou deidias mudadas. Prefiro ficar por aqui com a minha netaNarizinho, enquanto os outros fazem o tal mergulho.

- Srio, vov?

- Srio, meu filho. Terei mais gosto em passar algumtempo nesta cidade de Pricles, estudando costumes econversando com vultos eminentes, do que andar aventura com os monstros da Fbula. Deixo isso paravocs, que esto no perodo herico da existncia.

- E esta! - exclamou Pedrinho, voltando-se para aEmlia e o Visconde. - Temos que afundar na velha Hladesozinhos...

- E que tem isso? - animou Emlia. - Voc bem sabe quenas ocasies difceis Dona Benta no vale nada, atatrapalha. Ela que fique coando estas artes de Atenas.Eu quero faanhas. Sou quixtica...

O Visconde, que nunca fora grande amigo de aventuras,gemeu desculpinhas para no ir.

- Porque, afinal de contas, disse ele, o "Beija-flor"no pode ser largado sem comando no porto.

- Olha o pulha! - exclamou Pedrinho. - Est com oclebre medo, isso. No se incomode com o iate. Rabicest l. Vov o promove a comandante e pronto. Voc noescapa, no, Visconde! H de ir conosco para ver a Hidrade Lerna, e os Centauros, e as Grgonas...

O sabuguinho cientfico suspirou resignadamente.

Pricles e Fdias no entenderam grande coisa daquelaprosa, nem o suspiro do Visconde. Dona Benta teve de explicar, e faloudas funes do velho fidalgo nas eternas aventuras dosmeninos.

- Como o nico que consertvel - disse ela - osmeninos sempre recorrem ao Visconde nas ocasies demaior perigo.

- Por qu?

- Porque se ele perecer, tia Nastcia faz outro. Essecorpinho que os senhores esto vendo j o terceiro ouquarto...

Os dois gregos e