MOORE, Mark Harrison. Criando valor público por meio de parcerias público-privadas

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Misso da Revista do Servio Pblico Disseminar conhecimento sobre a gesto de polticas pblicas, estimular a reflexo e o debate e promover o desenvolvimento de ser vidor es e sua interao com a cidadania. ENAP Escola Nacional de Administrao Pblica Presidente: Helena Kerr do Amaral Diretor de Formao Profissional: Paulo Carvalho Diretora de Desenv. Gerencial: Margaret Baroni Diretora de Comunicao e Pesquisa: Paula Montagner Diretor de Gesto Interna: Lino Garcia Borges Conselho Editorial Barbara Freitag-Rouanet, Fernando Luiz Abrucio, Helena Kerr do Amaral, Hlio Zylberstajn, Lcia Melo, Luiz Henrique Proena Soares, Marcel Bursztyn, Marco Aurelio Garcia, Marcus Andr Melo, Maria Paula Dallari Bucci, Maria Rita G. Loureiro Durand, Nelson Machado, Paulo Motta, Reynaldo Fernandes, Silvio Lemos Meira, Snia

Miriam Draibe, Tarso Fernando Herz Genro, Vicente Carlos Y Pl Trevas, Zairo B. Cheibub Peridiocidade A Revista do Servio Pblico uma publicao trimestral da Escola Nacional de Administrao Pblica. Comisso Editorial Helena Kerr do Amaral, Elisabete Ferrarezi, Paulo Carvalho, Juliana Silveira de Souza, Claudia Yukari Asazu, Mnica Rique Fernandes, Livino Silva Neto, Srgio Grein Teixeira. Expediente Diretora de Comunicao e Pesquisa: Paula Montagner Editoras: Claudia Yukari Asazu e Larissa Mamed Hori Coordenador-Geral de Editorao: Livino Silva Neto Reviso grfica: Ana Cludia Borges Reviso: Larissa Mamed Hori e Roberto Carlos Arajo Colaborao: Juliana Silveira de Souza Projeto grfico: Livino Silva Neto Editorao eletrnica: Maria Marta da Rocha Vasconcelos.

Revista do Servio Pblico. 1937 v. : il.

. Braslia: ENAP, 1937 -

.

ISSN:0034/9240 Editada pelo DASP em nov. de 1937 e publicada no Rio de Janeiro at 1959. A periodicidade varia desde o primeiro ano de circulao, sendo que a partir dos ltimos anos teve predominncia trimestral (1998/2007). Interrompida no perodo de 1975/1980 e 1990/1993. 1. Administrao Pblica Peridicos. I. Escola Nacional de Administrao Pblica. CDD: 350.005

ENAP, 2007 Tiragem: 1.000 exemplares Assinatura anual: R$ 40,00 (quatro nmeros) Exemplar avulso: R$ 12,00 Os nmeros da RSP Revista do Servio Pblico anteriores esto disponveis na ntegra no stio da ENAP: www.enap.gov.br As opinies expressas nos artigos aqui publicados so de inteira responsabilidade de seus autores e no expressam, necessariamente, as da RSP. A reproduo total ou parcial permitida desde que citada a fonte.

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SumrioContentsO Plano Plurianual: resultados da mais recente reforma do Planejamento e Oramento no Brasil The Pluri-anual Plan: results from the latest planning and budget reform in Brazil Pedro Luiz Cavalcante Criando valor pblico por meio de parcerias pblico- privadas Creating public value through public-private partnerships Mark Harrison Moore Legitimidade da liderana no Ministrio da Sade um ensaio Authenticity of leadership in the Brazilian Ministry of Heath a case study Rose Marie Caetano Sade do trabalhador: um (no) olhar sobre o servidor pblico Workers health: a (absent) regard on the public sector worker Tatiana Ramminger e Henrique Caetano Nardi Vantagens e desvantagens do prego na gesto de compras no setor pblico: o caso da Funasa PB Advantages and disadvantages in reverse auction: the case of FUNASA/PB Jacqueline Nunes; Rosivaldo de Lima Lucena e Orlando Gomes da Silva Reportagem: Os direitos invisveis Claudia Asazu RSP Revisitada: Cincias e arte de educar Anzio Teixeira Para saber mais Acontece na ENAP

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Criando valor pblico por meio de parcerias pblico-privadas*Mark Harrison Moore

Introduo Cidados em todo o mundo parecem ter perdido grande parte da confiana em seus governos1. Eles no mais confiam que seus governos possam proteglos de ataques externos, como a guerra ou o terrorismo, da violncia tnica ou de crimes que insurgem de seus prprios pases. Temem que a corrupo amplamente disseminada tenha minado a capacidade do governo de assegurar direitos cvicos bsicos, tais como o direito propriedade, a formar associaes voluntrias e a participar da governana democrtica. Duvidam da capacidade dos governos de cumprir suas constantes promessas de ofertar emprego, aumentar o bem-estar material e prover, pelo menos, um nvel mnimo de sade e educao. Questionam, inclusive, a capacidade de fornecer bens e servios pblicos, que so hoje financiados pelos governos, de forma eficiente e efetiva. Por outro lado, os cidados parecem depositar crescente confiana no poder do setor privado para melhorar as condies de suas sociedades. Parte disso151

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provm da crescente f na capacidade das empresas privadas e dos mecanismos mercadolgicos em promover prosperidade material. claro que os cidados, h muito, entenderam o poder do capitalismo e dos mercados para impulsionar o desenvolvimento econmico e tecnolgico. O que talvez seja novo a crena de que esses avanos podem ser realizados sem as conseqncias econmicas, sociais e polticas negativas do passado. De um lado, h esperana expressa pelo movimento em prol de mais responsabilidade social corporativa de que as empresas privadas possam ser persuadidas a produzir sua mgica material evitando os danos que infligiram ao ambiente natural e social no passado2. De outro, h esperana expressa no atual entusiasmo pela iniciativa e empreendedorismo sociais de que a energia empreendedora, impulsionada e guiada pelos mercados, possa ser redirecionada para a tarefa de abordar e encontrar solues para importantes problemas sociais de que o governo descuidou3. Uma segunda parcela do entusiasmo pelo setor privado no provm, apenas, da f nos mercados, mas tambm da redescoberta e do desenvolvimento do poder que Bill Drayton, da Ashoka, descreve como o setor cidado4. Sua viso sobre o setor cidado inclui vrios empreendimentos criados e liderados por indivduos que se autorizam a agir em prol da melhoria da sociedade. Alguns desses empreendimentos operam como entidades econmicas que ampliam as oportunidades que advm da participao no mercado para grupos e indivduos excludos desse processo. Outras iniciativas do setor cidado funcionam como associaes civis de auto-ajuda que auxiliam no restabelecimento da dignidade individual e na construo da solidariedade152

coletiva entre grupos oprimidos e excludos. E incluem organizaes explicitamente polticas que buscam influenciar tanto o governo como as empresas no sentido de incentiv-los a atuar em prol do interesse pblico. Considerando a decrescente f no governo e a crescente confiana nas instituies privadas voluntrias com e sem fins lucrativos para melhorar a qualidade de vida individual e coletiva, bastante natural que se busquem parcerias pblicoprivadas para preencher esse vcuo deixado pelo governo. Portanto, no surpreende o fato de que tenha surgido um discurso pblico enfatizando o grande potencial das parcerias pblico-privadas para compensar a deficincia no trato de importantes problemas sociais e aumentar a efetividade dos servios prestados pelo governo. O propsito deste breve trabalho avanar um pouco em direo ao desenvolvimento de um marco analtico que ajude a avaliar as parcerias pblicoprivadas, tanto luz do conceito geral, como de propostas especficas concretas. difcil ser contrrio idia de que tais parcerias podem ajudar governos em dificuldade nos seus esforos para promover a prosperidade econmica, a sociabilidade e a justia em seus pases especficos. Confesso, porm, que me sinto pouco vontade em relao a esses arranjos emergentes. Mais especificamente, temo que o aspecto pblico desses arranjos seja, na prtica, vencido pelo aspecto privado. Em outras palavras, receio que o pblico fique a ver navios. Penso que isso ocorre por, pelo menos, trs motivos. Primeiro, o lado pblico no tem clareza sobre o que se supe que ele deva pedir ou proteger nessas parcerias. Em segundo lugar, o pblico est, de certa

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forma, comprometido, desde o incio, em fazer com que seus propsitos consigam satisfazer tanto o lado privado quanto o pblico. Por esta razo, o lado pblico representado de forma um pouco menos efetiva do que deveria. Em terceiro lugar, o lado pblico no entende, to bem quanto o privado, como conduzir a negociao em questo e enfrenta dificuldades para responder s jogadas estratgicas do parceiro privado. Iniciarei com um breve caso para ilustrar o problema de modo geral e, em seguida, desenvolverei um marco analtico para ajudar o setor pblico a aprender como realizar suas responsabilidades de due diligence (checagem) de forma mais eficiente.

Ele compartilhou sua viso de um empreendimento privado significativo para essa rea com a Agncia de Reurbanizao de Boston (BRA), rgo governamental local encarregado de orientar o desenvolvimento fsico e econmico da cidade. A Agncia gostou do que ouviu e denominou o local que interessava a Zuckerman de rea de reurbanizao do Park Plaza. A BRA solicitou a empreiteiras privadas propostas para reurbanizar a rea,

O caso do projeto de desenvolvimento Park PlazaNo final dos anos 1960, na cidade de Boston, um empreiteiro privado chamado Mort Zuckerman concebeu um plano para desenvolver uma parte bastante deteriorada da cidade5. O terreno que o interessava era ocupado por empresas dilapidadas e boates barulhentas e decadentes. Ainda que alguns pequenos empresrios ganhassem a vida com os poucos empreendimentos que ali sobreviviam, e que alguns indivduos gostassem de freqentar os bares e as boates de strip-tease do local, a maioria dos cidados da cidade considerava muito pouco significativa a contribuio daquela rea vida econmica, social e poltica da comunidade. Zuckerman tinha uma viso alternativa sobre as atividades fsicas, econmicas e sociais que poderiam ali ocorrer. Ele previu um hotel moderno, prdios comerciais e slidos projetos empresariais, que atrairiam indivduos de toda a cidade, da regio e at mesmo do mundo.

As PPPs mais simples so aquelas em que o governo inicia com um propsito pblico bem definido e busca, ento, a ajuda de parecerias privadas para realiz-lo. Ou seja, a terceirizao.

de modo a aumentar o seu valor para os habitantes de Boston. O projeto de Zuckerman ganhou a concorrncia, e o plano proposto por ele foi rapidamente aprovado pela BRA, pelo prefeito de Boston e pela Cmera de Vereadores. O projeto, ento, foi encaminhado ao Departamento de Assuntos Comunitrios do Estado de Massachusetts (DCA) para aprovao.153

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O plano foi encaminhado ao DCA porque somente esse departamento poderia aprovar planos de reurbanizao nos quais o domnio eminente do Estado deve ser exercido. O domnio eminente permite ao Estado tomar uma propriedade para fins pblicos, contanto que uma compensao razovel seja paga ao proprietrio. Do ponto de vista de Zuckerman e da BRA, o domnio eminente era crucial para o sucesso da empreitada. Se Zuckerman tivesse que negociar com cada proprietrio de terras na rea de reurbanizao, e o projeto no pudesse ser realizado at que todos concordassem, haveria forte incentivo para que cada proprietrio impusesse um preo muito alto, uma forma de vetar a iniciativa sem precisar exercer veto definitivo ao projeto como um todo. Foi exatamente para superar tais dificuldades que os legisladores estaduais delegaram aos rgos de reurbanizao autoridade limitada para o exerccio do domnio eminente, de forma a elevar as taxas de desenvolvimento econmico urbano. Contudo, como essa autoridade para retirar a propriedade privada de algum representa o exerccio de um poder estatal bastante significativo, o legislativo condicionou sua aplicao ao cumprimento de seis critrios: 1) o projeto no poderia ser realizado unicamente pela iniciativa privada; 2) o plano proposto deveria ser consistente com necessidades concretas da comunidade; 3) o plano de reurbanizao proposto deveria ser financeiramente slido; 4) a rea proposta para a reurbanizao deveria estar deteriorada; 5) o plano de reurbanizao deveria ser suficientemente completo; e 6) deveria haver um plano aceitvel para realocar os indivduos afetados negativamente pela reurbanizao proposta.154

Essas condies representavam um esforo do legislativo para assegurar que um interesse pblico nesse caso, a autoridade do Estado no fosse utilizado de forma irresponsvel, mas, sim, para criar algo que tivesse, de fato, valor pblico. No queriam que o poder do Estado fosse utilizado em situaes em que o mercado, sozinho, pudesse alcanar o mesmo resultado, tampouco que fosse utilizado somente para aumentar o lucro de um empreendimento privado. Se a situao pedia o exerccio do poder estatal, algo de valor pblico teria de advir disso. O que constitua, assim, o valor pblico a ser produzido? Aparentemente, algo consistente com necessidades concretas da comunidade, financeiramente saudvel, que possa reduzir a degradao e que atenda s necessidades dos indivduos que fossem deslocados pelo projeto. Cada um desses conceitos poderia ser visto no apenas como um critrio jurdico a ser atendido, mas, tambm, como uma dimenso do valor pblico a ser almejada por meio do uso da autoridade pblica. O responsvel pela reviso e aprovao ou rejeio da proposta no estado era um homem chamado Miles Mahoney, comissrio do Departamento Estadual de Assuntos Comunitrios. Importante dizer que, embora Mahoney tivesse sido nomeado e pudesse ser removido de seu cargo pelo governador, este no tinha autoridade para aprovar ou desaprovar diretamente o plano. O Legislativo de Massachussetts delegara a competncia para o exerccio do domnio eminente explicitamente ao comissrio do Departamento Estadual de Assuntos Comunitrios. Somente um documento de aprovao com a assinatura de Mahoney permitiria a Zuckerman e BRA invocar o uso do domnio eminente para lanar seu ambicioso projeto.

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Uma proposta para o desenvolvimento de trs dos cinco lotes includos na rea de reurbanizao do Park Plaza foi submetida reviso de Mahoney. Os trs lotes selecionados para o empreendimento imediato eram visivelmente de maior valor econmico. Os outros dois, nos quais estava localizada grande parte da desagradvel deteriorao, estavam programados para uma etapa posterior. A grande dificuldade do projeto era que o plano no inclua um compromisso firme, por parte da empreiteira privada, de prosseguir o desenvolvimento dos lotes economicamente menos lucrativos aps a finalizao dos trs lotes iniciais. O plano financeiro do empreendimento tambm era um tanto superficial. Parecia que pouca ateno havia sido dada realocao dos indivduos que seriam prejudicados pelo empreendimento. Assim, o plano parecia deficiente em relao a praticamente todos os critrios estabelecidos. Mais importante: do ponto de vista de Mahoney, parecia haver poucos aspectos que ele, pessoalmente, considerasse como de valor pblico no negcio. A viso que ele tinha da misso de sua agncia estava focada em assegurar que os indivduos carentes que haviam suportado os nus de tentativas anteriores de reurbanizao pudessem administrar o ritmo e participar dos benefcios dos projetos que passavam por seus bairros. O Park Plaza no era um desses projetos que prejudicariam seriamente a comunidade de moradores carentes, mas Mahoney no conseguia reconhecer na proposta um benefcio pblico. Parecia-lhe, simplesmente, que um empreiteiro privado estava pedindo-lhe para usar a autoridade do Estado e realizar um projeto que beneficiaria economicamente o empresrio e seus parceiros, e, eventualmente, a cidade, mas que

acrescentaria muito pouco em termos de valor pblico. Mahoney defrontou-se, ento, com a seguinte pergunta: ele deveria fazer parte dessa parceria pblico-privada, disponibilizando o exerccio do domnio eminente para os propsitos expressos no plano j apresentado para o Park Plaza ou deveria negociar algo de maior valor pblico, correndo o risco de afugentar o empreendedor?

Diferentes formas de parcerias pblico-privadasO caso do Park Plaza representa uma forma um tanto antiquada de parceria pblico-privada: o tipo que foi importante para o desenvolvimento econmico urbano ao longo de, pelo menos, um sculo. No difere muito daquelas formas de parcerias pblico-privadas que foram utilizadas durante os ltimos quatro sculos para construir o mundo que hoje habitamos. Parcerias pblico-privadas de apoio ao desenvolvimento econmico Afinal, foram as parcerias pblicoprivadas que apoiaram as exploraes do ocidente e o desenvolvimento do comrcio, tanto com o Novo Mundo como com o Extremo Oriente. Foram elas que desenvolveram a infra-estrutura econmica moderna desse Novo Mundo ferrovias e rodovias aproximaram florestas e cereais das cidades e dos mercados europeus, barragens preveniram enchentes danosas, hectares de terras arveis foram abertos, a energia hidreltrica chegou a vilarejos rurais e assim por diante. Em inmeros projetos desse tipo, as ambies governamentais de expandir o territrio e a base de recursos que155

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beneficiariam seus cidados estavam alinhadas aos fundos, s motivaes e capacidade da iniciativa privada para realizar esses objetivos. A prpria idia de corporao pblica nasceu de esforos patrocinados pelo Estado para promover o desenvolvimento econmico nesses novos domnios. Em outros exemplos histricos notveis, as parcerias pblico-privadas foram organizadas em torno de projetos cientficos estruturados para o avano do conhecimento bsico ou para a resoluo de importantes problemas prticos. Um livro recente documenta os esforos realizados pelo governo britnico ao incentivar pesquisas cientficas para descobrir um meio vivel de determinar a longitude de uma embarcao em alto mar6. Tambm ressaltam-se as parcerias pblico-privadas mais recentes dedicadas preveno de doenas, como a poliomielite e a AIDS. O aspecto que se quer destacar que a idia das parcerias pblico-privadas no nova. As organizaes pblicas h muito dependem das instituies privadas para alcanar seus objetivos. Ao longo da nossa histria, o pblico e o privado vm cooperando em grandes empreendimentos econmicos e no estabelecimento da ordem social. Interdependncia macro-institucional entre o pblico e o privado De fato, pode-se dizer que um governo praticamente incapaz de agir sem alguma forma de parceria com o setor privado. O direito pblico, desenhado para proteger a propriedade e assegurar que as relaes entre os cidados sejam ordenadas e justas, no poderia ser facilmente posto em prtica sem a obedincia voluntria e o controle156

social informal de um setor privado que consente e prope-se a faz-lo. Bens pblicos no podem ser produzidos, ser vios pblicos no podem ser prestados e condies sociais agregadas no podem ser asseguradas sem financiamento governamental, que , em grande parte, provido pela apropriao da renda e da riqueza privada por meio da tributao. Sem dvida, pode-se dizer que as formas mais antigas e comuns de parcerias pblico-privadas so aquelas oriundas da regulao governamental e taxao incidentes sobre os indivduos para o alcance de propsitos pblicos definidos coletivamente. Pode-se, tambm, dizer que o setor privado incapaz de uma ao efetiva sem a ajuda do governo. Sem a proteo governamental dos direitos propriedade, h poucos incentivos para que os indivduos empenhem suas mentes e suas energias na tarefa de produzir para outros ou em imaginar maneiras de alavancar esforos de um grupo de cidados em um processo organizado para produzir mais do que esse mesmo grupo faria por si s em uma ao no-coordenada. Sem o governo para fiscalizar contratos estabelecidos entre compradores e vendedores ou entre empregadores e empregados, seria difcil organizar os milhes de acordos estabelecidos entre estranhos que alimentam a energia geradora e as atividades associadas s economias de mercado. Portanto, ainda que a maioria das sociedades modernas deseje fazer uma distino marcante entre o setor pblico e privado, ela tambm tem de reconhecer que esses setores no so isolados um do outro 7 . Pelo menos no nvel macroinstitucional, eles convivem em uma relao complexa e interdependente para algumas de suas necessidades mais bsicas.

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A nova forma das parcerias pblico-privadas: micro-negociaes realizadas entre os representantes de empresas privadas e pblicas Essa macro-interdependncia, porm, no aquilo que hoje, em geral, definimos como parceria pblico-privada (PPP). O que entendemos hoje como PPP, a meu ver, so mais propriamente micro-arranjos: negociaes especficas estabelecidas entre os representantes de organizaes do setor privado, de um lado, e das organizaes do setor pblico, de outro. So representantes que controlam os ativos e representam os interesses de rgos pblicos e privados especficos, que buscam arranjos cooperativos, nos quais cada parte pode fazer melhor (nos seus prprios termos) do que faria agindo por conta prpria. Essas parcerias podem assumir diferentes dimenses. Podem ser maiores ou menores de acordo com os recursos envolvidos e controlados pelo acordo. Algumas como aquelas que envolvem decises sobre como utilizar melhor as terras de propriedade do governo podem envolver bilhes de dlares e mudar as condies fsicas e sociais de vastos territrios. Outras como as aes de um departamento de polcia no intuito de ajudar uma comunidade a restaurar o sentimento de segurana ao unir-se a ela para dar fim ao comrcio de drogas nas ruas so bem menores. As parcerias tambm podem ser mais ou menos complexas de acordo com o nmero de partes e do tipo de ativos, recursos e atividades que esto em jogo na negociao. Algumas podem envolver apenas dois representantes de duas empresas diferentes o caso de um agente de compras do governo que deseja comprar mesas de um fornecedor de

material para escritrio. Outras tais como aquelas formadas para lidar com a violncia juvenil ou para restaurar a ordem em uma comunidade tomada por conflitos tnicos podem envolver coalizes de dezenas de organizaes de diferentes nveis e setores da sociedade. Algumas podem tratar de transaes financeiras simples, como uma compra e venda, por exemplo, quando uma empresa privada se oferece para adquirir ativos do governo

Quando um acordo feito entre atores pblicos e privados, pode-se supor que cada pessoa melhorou de alguma forma a sua condio, em comparao com a no realizao do negcio.

ou quando o governo contrata entidades privadas para produzir bens e servios pblicos. Outras podem envolver trocas complexas de legitimidade e influncia de um grupo para garantir a legitimidade e influncia de outro. o que ocorre, por exemplo, quando um rgo governamental busca um relacionamento de trabalho mais prximo com uma comunidade que se afastou do governo ou quando uma157

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empresa privada busca assegurar seus investidores e clientes de que ela atuou, em determinada transao, de forma adequada e com a aprovao governamental. s vezes, a iniciativa de formar a parceria parte do parceiro privado; em outras, do parceiro pblico. s vezes, a grande maioria de recursos vem do setor privado; em outras, do pblico. s vezes, o parceiro privado faz muito dinheiro com o negcio; em outras, o governo abocanha a melhor parte dos benefcios.

Negociao pblico-privada como principal caracterstica das parcerias pblico-privadasAinda que as negociaes pblicoprivadas variem muito, uma caractersticachave de todas que elas so tipicamente desenvolvidas por meio de algum tipo de negociao entre aqueles que controlam os ativos no setor privado, para fins privados, e aqueles que controlam os ativos no setor pblico, para fins pblicos. Desejo, aqui, enfocar as parcerias pblico-privadas como negociaes e acordos estabelecidos entre representantes da iniciativa privada e do setor pblico, por trs motivos. Em primeiro lugar, ao caracterizar esse tipo de parceria como negociaes, quero enfatizar sua natureza voluntria. O argumento que um dos aspectos que distingue a idia de parcerias da iniciativa privada de outras relaes entre o setor pblico e o privado que cada uma das partes pode deixar as negociaes, se assim o desejar8. Elas no so obrigadas a participar. Conseqentemente, cada parte precisa obter da negociao o suficiente para atender os seus prprios objetivos, para estar disposto a entrar em acordo. Isso, por sua vez, significa que os acordos feitos podem ser e so avaliados do ponto de158

vista de cada parte da negociao. Ns, cidados, que estamos fora da negociao, podemos ficar mais ou menos satisfeitos com o acordo realizado e imaginar que o lado pblico do acordo deve ser dominante e maximizado na transao. O mais importante, porm, que nenhuma negociao que exija consentimento voluntrio das partes vingar, a no ser que cada parte possa melhorar a sua posio nos seus prprios termos. Em segundo lugar, ao qualificar as parcerias pblico-privadas como negociaes estabelecidas entre representantes, importante lembrar das poderosas tcnicas de anlise de negociaes para ajudar a compreender como os acordos so construdos e avaliados 9. Isso nos permite examinar sistematicamente o que pode ser descrito como a estrutura da negociao: as partes, os seus interesses, os recursos e as aes que as partes se comprometem a realizar e a maneira como o acordo distribui os nus e os benefcios de cumprir o acordo e concretizar suas ambies. Permite, tambm, olhar de perto como os riscos associados a possveis fracassos do acordo so distribudos. Em terceiro lugar, importante enfatizar a caracterstica processual desses acordos, especialmente pelo fato de que eles, em geral, acontecem em um contexto institucional e por meio de processos que diferem significativamente daqueles de que nos valemos para assegurar que poderes e bens pblicos esto sendo, de fato, utilizados para fins pblicos. De modo geral, podese dizer que os poderes e bens do governo so empregados quando o legislativo age, quando um rgo regulador prope uma nova regulamentao aps a realizao de algum tipo de audincia administrativa ou quando um tribunal julga determinado caso. Mas os acordos, negociados por

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representantes do setor pblico em nome da populao, no so como esses processos. Eles so muito menos formalizados, menos pblicos, menos transparentes e menos representativos. Esse ponto, a meu ver, relevante porque o poder e os bens pblicos no esto menos comprometidos quando representantes governamentais estabelecem acordos para criar parcerias pblico-privadas do que quando um rgo legislativo decide tributar ou regular os cidados para produzir determinado resultado social ou quando um tribunal decide ser procedente a demanda apresentada por um indivduo contra o governo. O fato de poderes e bens governamentais coletivos serem utilizados em parcerias pblico-privadas e o fato de instituies e processos, pelos quais esses acordos so construdos serem menos formalizados e transparentes cria um problema no apenas sobre a substncia do acordo realizado (se ele eficiente, para atingir os propsitos das partes, e justo na maneira como os nus e os benefcios so divididos) mas, tambm, sobre a legitimidade do acordo (se ele foi construdo a partir de um processo que tenha levado em conta os interesses dos cidados, tendo em vista a autoridade e o dinheiro pblicos nele comprometidos). Isso tambm levanta algumas perguntas importantes sobre prticas a que os servidores pblicos precisem recorrer para criar parcerias pblico-privadas eficientes, justas e legtimas, bem como sobre critrios que eles e os cidados devem utilizar para avaliar os acordos estabelecidos. Parcerias e negociaes na contratao de bens e servios governamentais As parcerias pblico-privadas mais simples so aquelas que o governo inicia

com um propsito pblico bem definido e busca, ento, a ajuda de parcerias privadas para realiz-lo. A forma mais simples desse tipo de acordo a terceirizao. O governo tem um propsito, algum dinheiro para gastar, e procura um ente privado que possa ajud-lo a atingir seus objetivos a um custo menor do que atuando por conta prpria. A parceria fica registrada no contrato redigido, que estipula resultados especficos em troca de um retorno financeiro especfico. Apesar de ser possvel descrever tais relacionamentos como parcerias, h vrios aspectos que merecem ser ressaltados em relao a esses arranjos. O primeiro deles que parece haver predomnio dos propsitos governamentais. So eles que do origem negociao, que mobilizam a capacidade financeira para fazer a negociao. O ator do setor privado, normalmente, no convidado a participar de uma busca conjunta por um problema e uma soluo. O governo quem decide qual problema deseja resolver e, muitas vezes, como resolv-lo. A nica questo se a organizao do setor privado deseja unir-se ao governo em seus esforos em troca de dinheiro do governo. Contudo, essa descrio exagera significativamente quando trata da natureza das relaes de contratao10. Os atores do setor privado tm voz, sim. Eles a utilizam para sugerir produtos aos rgos governamentais. Se eles no forem bemsucedidos junto aos rgos, podero, muitas vezes, dirigir-se a algum acima, na cadeia alimentar poltica, contatando legisladores ou executivos eleitos. s vezes, os parceiros do setor privado so abertamente convidados a desenvolver conceitos. O governo aceita idias que no foram solicitadas. Portanto, muitas vezes, h muito mais toma-l-da-c na definio dos159

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propsitos das relaes de contratao do que sugere um modelo excessivamente simplificado de compras e contrataes governamentais. Parece ser mais recomendvel mudar a nossa imagem de contratao governamental, como um mero esforo para comprar barato, para um modelo de parceria, no qual haja certo grau de explorao, inovao e soluo conjunta de problemas. Por outro lado, tambm vale ressaltar que as partes envolvidas na negociao no compartilham dos mesmos objetivos. A organizao privada pode ser indiferente meta alcanada e estar interessada somente no dinheiro a ser obtido por seus esforos para produzir o que o governo deseja. E, de fato, os parceiros do setor privado podem querer ganhar dinheiro com o governo, colocando um preo muito acima dos seus custos sobre produtos e servios e transferir os riscos para o governo. Uma funo importante do agente de compras governamental evitar que isso acontea. A princpio, o responsvel pelas compras no est interessado no bem-estar do contratado, mas, basicamente pode-se dizer quase exclusivamente em utilizar a capacidade do contratado para realizar o fim pblico ao menor custo possvel para o governo. Se ele puder encontrar uma maneira de comprar em margem ao invs de pagar o custo integral ou de passar o risco para o fornecedor privado, ele tem o dever de ofcio de faz-lo. No fim, ambas as partes desejam um acordo, o que torna a parceria uma idia plausvel. Mas elas prefeririam um acordo nos seus prprios termos. As partes podem no chegar a um ajuste que atenda aos interesses de ambos por no terem conseguido obter o suficiente do acordo e, assim, sentir que a negociao foi justa. No160

tiveram a impresso de que poderiam confiar em seu parceiro no futuro diante da perspectiva de ter de renegociar os termos medida que os eventos tomavam um curso imprevisvel. Parcerias e negociaes no incentivo ao cumprimento das regulaes Um segundo tipo de parceria pblicoprivada ocorre no contexto de um ambiente regulatrio 11. Nesse caso, o governo, mais uma vez, tem um propsito bem claro. provvel que, aqui, tambm, sejam estabelecidos alguns meios especficos pelos quais o governo precisa atingir seus objetivos. E essas expectativas e solicitaes especficas recairo sobre organizaes determinadas, em contextos especficos, para atender padres regulatrios. Nas burocracias tradicionais do tipo comando-e-controle, a histria terminava mais ou menos por a. Mas no admirvel novo mundo das parcerias pblicoprivadas, este apenas o incio. No mundo de hoje, guarda-se a expectativa de que o objeto da regulao possa apresentar uma proposta que, de alguma forma, seja melhor para todas as partes do que a ao especfica prevista na norma reguladora geral. Os alvos dos esforos regulatrios podem conhecer uma forma menos onerosa de atingir o mesmo objetivo regulatrio ou podem sugerir um mtodo que no apenas reduza seus custos, mas cumpra algum outro propsito do governo ou da comunidade local. Ou, o que mais complexo, eles podem ter uma explicao sobre por que o objetivo regulatrio desejado pelo governo, em um setor especfico, deveria ser considerado menos urgente ou pouco relevante face aos custos impostos, devendo, portanto, ser isentos no apenas da obrigao de usar um meio especfico para atingir o objetivo

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regulatrio, mas tambm da prpria obrigao de cumpri-lo. Em resumo, os atores privados regulados pelo governo comeam a negociar um acordo novo e diferente daquele incorporado de forma genrica por normas reguladoras no atacado. Os reguladores do governo so solicitados a fazer excees em nome da melhoria do valor geral da parceria. Isso se parece ainda menos com uma parceria do que com uma contratao governamental. Um grande motivo que o governo no est se propondo a comprar algo de um fornecedor disposto a faz-lo. O governo est forando um ator privado a contribuir para um objetivo pblico sem necessariamente receber qualquer compensao por seus esforos. A autoridade governamental, e no o dinheiro governamental, est sendo utilizada para atingir um objetivo por meio de uma parceria pblico-privada, e o parceiro privado pode no ter outra escolha seno concordar (correndo o risco de multas ou priso, caso deixe de faz-lo). Essa uma diferena importante, mas no chega a ser uma diferena que acontece do dia para a noite. Em transaes regulatrias, os atores privados tm as mesmas oportunidades de tentar influenciar servidores governamentais a respeito do que deve ser produzido e de qual forma. Eles tm o direito de colocar que as circunstncias que enfrentam so diferentes e que os interesses pblicos como um todo (tanto o que o governo est tentando realizar como ator pblico, como o que os parceiros privados esto tentando realizar como ator privado, tambm membro da sociedade) podem avanar de maneira diferente daquela solicitada pelo governo. Caso no estejam satisfeitos, eles tm o direito de buscar uma

soluo no topo da cadeia alimentar poltica ou ir aos tribunais e solicitar reparao. Eles sempre tm, tambm, a opo de resistir s demandas do governo ou simplesmente abandonar as atividades do governo que considerem injustas, ineficientes ou ilegtimas. Mas o que mantm viva a idia das parcerias pblico-privadas, at mesmo sob circunstncias regulatrias, a crena de que ambas as partes a pblica e a privada

Valor pblico pode ser o que ns fazemos em prol das condies pblicas que gostaramos de habitar e o que podemos, coletivamente, concordar que gostaramos de alcanar usando os poderes do Estado.

podem sair-se melhor se tiverem autorizao para buscar um tipo de acordo um pouco diferente do que aquele sendo proposto pelo governo. O ar pode se tornar mais limpo a um custo menor para a empresa privada e com menos danos economia local. Um local de trabalho pode tornar-se mais seguro e mais confortvel para os trabalhadores, a um custo menor para o empregador, se os trabalhadores e161

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a empresa puderem negociar longe da possibilidade de uma ao regulatria ameaadora, que imponha um padro de segurana arbitrrio. At o ponto em que esses acordos podem ser mais eficientes em produzir resultados positivos para ambos os parceiros pblico e privado , mais justos em distribuir os custos e os benefcios de um esforo conjunto e mais legtimos aos olhos daqueles que participam da negociao e da sociedade em geral, sim, pode-se atribuir muito valor a tais parcerias. Negociaes em torno dos usos privados de bens economicamente mensurveis e controlados pelo governo Um mundo diferente aquele onde as instituies privadas buscam fazer valer os seus propsitos por meio do governo. Foi o caso do Park Plaza. Mortimer Zuckerman, um empreiteiro privado, tenta usar o poder de domnio eminente para ajud-lo a reunir lotes de terras que poderiam ser utilizadas para um projeto de desenvolvimento urbano de grande escala. Seu plano, se executado com a ajuda do governo, poderia produzir muitos resultados que os cidados de Boston e seus representantes eleitos perceberiam e usufruiriam como benefcios pblicos. Uma rea conhecidamente deteriorada, onde as drogas e o crime prosperavam, poderia ser reabilitada de modo a incentivar atividades econmicas, sociais e culturais muito mais saudveis. O valor econmico dos imveis, bem como sua base tributria, aumentaria, permitindo cidade compartilhar dos benefcios econmicos propostos por Zuckerman. Os grandes investimentos em construo civil gerariam um boom bem-vindo no setor da construo civil e para seus trabalhadores.162

O prprio Zuckerman poderia atribuir valor a esses benefcios pblicos, bem como aos benefcios materiais privados que ele espera obter para si e para seus parceiros investidores. Como representante de uma empresa privada com fins lucrativos, porm, o que Zuckerman mais espera obter desse acordo um significativo benefcio para si. Ele espera ganhar muito dinheiro, de forma que tanto ele como seus investidores possam gastar para seu bem-estar material particular. Tudo que ele precisa para produzir os benefcios, tanto privados quanto pblicos, ser autorizado a usar um pouco de autoridade governamental para ajudar a reunir os lotes de terras e receber um pouco de dinheiro pblico para ajudar a criar a infra-estrutura pblica adequada para a urbanizao do local, ruas, sistemas de esgoto, etc. Em sociedades liberais, comum pensar que o governo no deve deter e no detm a propriedade de bens, que tenham valor econmico em trocas comuns de mercado, e que o governo um juiz das transaes econmicas, e no um participante de peso em tais transaes. Porm, o fato que o governo, muitas vezes, detm ativos e poderes de valor econmico extraordinrio e, portanto, torna-se o foco de intenso interesse por parte do setor privado. Isso fica bvio se considerarmos o poder de deciso do governo para tributar e regular como um tipo de ativo que pertence ao governo, tendo em vista que esse poder pode e utilizado para dar forma s transaes econmicas e de mercado. A poltica tributria utilizada, hoje, no somente para encontrar a maneira mais fcil e justa de garantir receita aos governos e aos seus propsitos, mas tambm para criar incentivos para que os

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atores econmicos internalizem alguns custos pblicos associados s suas atividades. A poltica regulatria tambm utilizada pelo governo para internalizar custos e benefcios sociais em transaes econmicas comuns e para alterar o que produzido pelo mercado e a maneira como os nus e os benefcios so distribudos entre os vrios grupos que compem a sociedade. Se pensarmos a autoridade governamental como sendo uma propriedade do governo e se percebermos que o uso da autoridade fiscal e regulatria altera o que produzido nos mercados, ento, conseqentemente, certos usos especficos da autoridade governamental geram um benefcio econmico calculvel. Os atores econmicos podem ser favorecidos ou prejudicados pelo uso que o governo faz de seus poderes fiscal e regulatrio. O nvel at o qual esses atores so favorecidos ou prejudicados aquele at o qual o governo tem algo a negociar economicamente com o setor privado. A pergunta importante, ento, o que o setor pblico deve negociar com o setor privado. claro que o governo um ator econmico poderoso no apenas quando impe tributos e normas reguladoras, mas tambm, quando usa seu considervel poder econmico para dar forma ao mundo em que vivemos. O governo controla um enorme fluxo de poder de gasto, que direciona propsitos pblicos por meio dos mercados privados, da mesma forma que os gastos dos consumidores direcionam propsitos privados por meio de mercados privados. O governo um grande comprador e o que ele decidir comprar no mercado privado tem um profundo efeito sobre o que o mercado produz. Parte desse efeito direto: se o governo desejar comprar

submarinos, escolas e servios de ateno para idosos e se decidir autorizar que fornecedores privados concorram para prestar esses servios, canalizando seus recursos por meio de contratos com fornecedores privados ou com a concesso de vales para beneficirios individuais, o mercado entrar em ao e produzir tais bens e servios, nas quantidades e nos formatos que o governo incentivou. Outro efeito importante indireto: o que o governo escolhe para prover e alterar as opes que os atores privados presentes no mercado escolhem para fornecer ou comprar com seus prprios recursos. Se o governo fornece um sistema de educao profissionalizante de alta qualidade, as empresas privadas precisaro fornecer menos treinamento a seus funcionrios. Se o governo oferecer benefcios aos aposentados, as empresas privadas no tero de faz-lo. Se o governo ofertar mecanismos e servios para fazer cumprir suas leis, garantindo a proteo da propriedade privada e o devido cumprimento dos contratos, as empresas no precisaro gastar dinheiro com essas atividades. O governo tambm detm grande poder econmico como fiador de transaes financeiras12. De fato, garantias para emprstimos e atividades de seguros representam um domnio no qual as economias de escala, bem como os benefcios pblicos associados atividade de segurar indivduos contra acidentes imprevisveis em suas vidas econmica e social so to grandes que se pode concluir que o governo tem uma vantagem econmica natural como fornecedor desses bens e servios. No preciso ir muito longe, contudo, para ver que a disposio e a capacidade do governo para garantir emprstimos so um ativo atraente e economicamente mensurvel, que chama163

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a ateno dos atores econmicos privados interessados em proteger a si prprios de riscos inassegurveis. O governo , ainda, um importante dono de propriedades fsicas vastos espaos de vida selvagem com valiosos recursos em madeira e minerais, parques municipais, piscinas, campos de golfe, enormes estoques de resduos slidos e, em algumas cidades, grande nmero de prdios abandonados por seus proprietrios. Como dono desses bens fsicos, que tm valor econmico tanto positivo quanto negativo, o governo, mais uma vez, tornase o foco da ateno de particulares que gostariam de colocar as mos em parte dos bens valiosos, se o preo for apropriado e, tambm, de no pagar sua parcela pelo tratamento dos ativos negativos do governo. Tendo em vista que o governo detm e faz uso da autoridade fiscal e regulatria que tem valor econmico e que um importante consumidor de certos tipos de bens e servios, e que pode oferecer seguro contra perdas e que dono de bens fsicos, ele age no mercado como um ator econmico, bem como, fora ou acima dele, como ator governante. Como participante do mercado, suas atividades economicamente importantes tornam-se o foco da ateno de atores privados que gostariam de usufruir dos poderes e ativos do governo. Estes apresentam-se, como Zucker man o fez, com propostas bastante razoveis sobre como tais poderes e ativos podem ser utilizados, tanto para o benefcio privado quanto pblico. O governo pode ser convidado a fazer parte de um acordo a partir da iniciativa do setor privado, assim como o setor privado pode ser convidado a participar de uma negociao a partir da iniciativa do governo.164

O locus da iniciativa importante para a formao do acordo? Na anlise acima, os tipos de parcerias pblico-privadas so diferenciados uns dos outros, basicamente em termos de qual lado toma a iniciativa para propor a parceria: o governo comea com seus propsitos e encontra um uso para entidades privadas; ou o setor privado inicia com os seus propsitos e encontra um uso para os poderes e os ativos dos rgos governamentais. Essa uma maneira natural de pensar a respeito desses acordos porque, muitas vezes, acredita-se que uma iniciativa est fortemente associada questo de quem est mais interessado no negcio, ou cujos propsitos iro dominar a formatao do acordo. Assim, aqueles, dentre ns, que esto preocupados com a capacidade dos atores de influenciar e corromper o governo, sentem-se melhor quando o governo toma a iniciativa de criar uma parceria pblico-privada por meio de um contrato ou de algum tipo de regulamentao. Aqueles, dentre ns, que pensam que o setor privado muito mais criativo e imaginativo para encontrar formas de utilizar o poder governamental na realizao de propsitos pblicos importantes (com potencial suficiente para interessar atores privados) sentem-se muito melhor quando a iniciativa para uma parceria parte do setor privado. Mas pode ser um grande erro confundir a idia de tomar a iniciativa para conversar a respeito de um acordo com a de ter o propsito dominante ou ser o principal beneficirio do acordo. Muitas vezes, tomar a iniciativa para propor uma negociao pode sinalizar uma certa fraqueza na sua posio de barganha. O iniciador pode precisar do acordo muito mais do que o parceiro passivo. Ao

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perceber que isso acontece, o parceiro, aparentemente passivo, muitas vezes, pode ser muito efetivo em formatar o acordo segundo o seu prprio desejo e obter benefcios significativos. Conseqentemente, ao analisar as parcerias pblico-privadas, pode ser menos importante preocupar-se com a questo de quem a iniciativa. Em vez disso, melhor ocupar-se com o que um acordo especfico de fato produz e como so distribudos os custos e benefcios dessa produo conjunta. Para avali-lo como eficiente, justo e legtimo, temos que analisar a estrutura dos acordos medida que eles evoluem, e seu desempenho medida em que so executados ao invs de olharmos para a histria da sua evoluo. Pode no haver nenhuma relao importante entre quem o iniciou, de um lado, e os propsitos de quem dominou o acordo ou quem acabou ficando com um maior retorno (absoluto ou relativo) do que o outro.

condio necessria ou suficiente para que esses acordos sejam firmados, pode-se pensar de uma maneira um pouco mais crtica a respeito dessas idias to comuns. Ganha-ganha e a distribuio dos benefcios da cooperao H um aspecto importante sob o qual todos os acordos bem-sucedidos precisam ser analisados como ganhaganha. Na teoria da negociao, aprende-se, como princpio, que nenhum ator voluntariamente concordar com um acordo que o coloque numa situao pior do que se o acordo no fosse firmado13. Supe-se que sempre h algo que um ator pode garantir para si na ausncia de um acordo. Essa condio descrita, analiticamente, como a melhor alternativa a um acordo negociado, estando presente para cada um dos atores envolvidos. claro, a melhor alternativa a um acordo negociado poderia ser pssimo do ponto de vista de um dos atores. E poder-se-ia dizer que essa pessoa precisava do negcio muito mais do que as demais. Essa necessidade, de alguma maneira, teria coagido a parte em desvantagem a aceitar um acordo que no era especialmente vantajoso para ela, ou especialmente justo na maneira como os benefcios da cooperao foram divididos. Porm, verdade que uma das partes integrantes sempre pode desistir do acordo e que no escolher entrar em um negcio, a no ser que esse a deixe numa situao pelo menos um pouco melhor do que ela estaria sem o acordo. Conseqentemente, quando um acordo feito entre atores pblicos e privados, pode-se supor que cada pessoa melhorou de alguma forma a sua condio, em comparao com a no realizao do negcio.165

Analisando a estrutura dos acordos pblico-privadosAo analisar a estrutura dos acordos, natural, primeiro, olhar para o que cada ator ganha com ele. Ademais, por tratarse de parcerias, e no de relaes adversrias, muitas vezes, deseja-se comear a anlise argumentando que o acordo uma situao de ganha-ganha, e que um dos aspectos que o torna assim o fato de que todos os atores envolvidos compartilham objetivos. Essas idias so importantes para possibilitar e impulsionar a formao de muitas parcerias pblico-privadas criadoras de valor. Mas antes de concluir que os aspectos ganha-ganha desses acordos no exigem uma inspeo minuciosa da distribuio de benefcios, ou que objetivos compartilhados so uma

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O que essa observao desconsidera a questo de quo melhor ficou cada uma das partes do acordo/negcio e, em especial, como o nus e os benefcios associados ao acordo foram distribudos entre os atores. Um negcio, realizado entre representantes do setor pblico e da iniciativa privada, impe deveres e confere privilgios a cada uma das partes. Esses deveres e privilgios so rapidamente convertidos em custos e benefcios materiais, avaliados pelos atores envolvidos. Um exemplo seria o caso do Park Plaza. Zuckerman buscou obter de Mahoney o privilgio de usar o poder de domnio eminente do estado para ajudlo a executar seu projeto de reurbanizao. Mahoney, por sua vez, buscou extrair, de Zuckerman, a produo de alguns benefcios publicamente desejados em troca de conferir-lhe o uso da autoridade estatal. Deve ficar claro que h muitos grandes acordos que permitiriam a cada um deles (atuando em sua funo social especfica) sair-se melhor do que o faria sem o negcio14. Zuckerman poderia ser persuadido a fornecer mais ou menos benfeitorias pblicas na forma de usos pblicos atraentes, pagamento de impostos, empregos e moradia pblica. Mahoney poderia aceitar diferentes verses desse acordo to complexo. Todos os arranjos permitiriam a eles sarem-se melhor do que sem o acordo. Nesse sentido, todos os negcios so ganha-ganha. Mas os acordos iro diferir significativamente em termos de qual deles ir receber quanto do valor total do acordo e como este valor ser distribudo entre os propsitos privados (e pblicos), que Zuckerman valoriza e os benefcios (exclusivamente) pblicos que Mahoney tinha a responsabilidade de produzir. Mesmo na situao ganha-ganha, uma parte pode ganhar um166

pouco mais do que a outra. Esse pode ser o foco de uma preocupao pblica, quando uma das partes da negociao est negociando em nome do poder pblico. Tambm importante observar que Zuckerman e Mahoney podem compartilhar alguns objetivos. O bom cidado, bem como o bom comerciante, pode valorizar vrios dos mesmos propsitos pblicos que Mahoney tem a obrigao de defender em funo de seu cargo. Mahoney, como servidor pblico, pode perceber o bem-estar pessoal e o valor puramente econmico do negcio que Zuckerman est propondo, como algo que Mahoney deveria estar interessado em apoiar da melhor maneira possvel, dentro dos limites impostos por seu cargo. Mas importante considerar que eles no compartilham os mesmos objetivos. H coisas que Zuckerman realmente valoriza (como o alto retorno financeiro) e que Mahoney tem o dever de no valorizar em absoluto, ou de valorizar negativamente (ele no deve permitir que os poderes do estado sejam utilizados para prover lucros exorbitantes a um dado empreendedor). H coisas que Mahoney valoriza (a exemplo da construo de moradias pblicas, como parte do empreendimento) que Zuckerman no o faz (seja por pensar que so ruins por si s, ou achar que elas ameaam o que ele efetivamente deseja, ou seja, um empreendimento privado altamente lucrativo). Ainda que valorizassem as mesmas coisas, eles poderiam atribuir pesos diferentes a elas. Em suma, Zuckerman e Mahoney no tm exatamente os mesmos interesses ou objetivos. Assim, importante que alguns objetivos compartilhados podem ajud-los a encontrar e estabelecer um acordo mutuamente satisfatrio, o fato de no compartilharem todos os objetivos no os

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impossibilita de negociar de forma satisfatria. Eles podem diferir um do outro em relao ao que importante e valioso produzirem juntos e, ainda assim, achar meios de cooperar. O motivo que eles podem decidir agir com e em prol um do outro, de modo a dar a cada um o que lhe importante (segundo seus prprios parmetros) para que se mantenham no negcio. Segundo consta, Jack Sprat, que no podia comer gordura e sua esposa, que no podia comer carne magra, conseguiram encontrar um modo de cooperar a ponto de limparem o prato, ainda que (ou exatamente porque) discordassem profundamente sobre o que valia a pena ser comido15. Critrios de avaliao a serem utilizados em parcerias pblicoprivadas O fato de que as partes de um acordo podem apresentar tanto objetivos compartilhados quanto divergentes, e que o acordo a ser estabelecido ir produzir resultados que so avaliados de forma diferente pelas diversas partes, significa que ser difcil realizar uma avaliao geral do negcio consumado. O motivo que, nesses acordos, sempre h pelo menos trs diferentes perspectivas, que se sobrepem de alguma forma, que podem ser usadas para decidir se um acordo foi satisfatrio ou no. A primeira perspectiva a do ator privado: faz-se uma avaliao em termos de quanto se ganhou com aquilo que fora valorizado de acordo com os seus prprios termos. A segunda refere-se parte pblica: a avaliao feita do ponto de vista de quanto do que o ator pblico valoriza foi recebido pelo acordo. A terceira perspectiva a de algum ator externo, por exemplo, um cidado, que avalia o acordo considerando o que

pareceu eficiente, justo e legtimo no acordo entre o representante pblico e o privado. O que confuso, em relao a esse processo de avaliao, so as relaes imaginadas entre as diferentes perspectivas, pois no so inteiramente distintas. Ao se pensar no acordo pblico-privado como uma simples negociao entre duas partes iguais, parece natural avaliar o acordo em termos da perspectiva de cada parte. Contudo, quando de um lado da negociao encontra-se o governo, muitas vezes, opta-se pela perspectiva de valor que esse apresenta, mais do que os propsitos de um nico ator. De um lado, freqentemente, imagina-se que os propsitos do governo deveriam ser mais importantes do que os do ator privado; que os objetivos do ator privado deveriam render-se urgncia social da situao. Por outro lado, imagina-se que um governo liberal deveria estar to preocupado com o bem-estar do ator privado envolvido na negociao, quanto com os propsitos agregados que busca alcanar. Mais precisamente, que o bem-estar e os interesses (sem mencionar os direitos) do ator privado sejam valorizados, honrados e considerados pelo governo, em sua avaliao do negcio, juntamente com os propsitos que o governo tem acima e alm desses interesses. Em suma, s vezes, pensa-se que o governo deveria incorporar a perspectiva privada na avaliao pblica da negociao. Pode-se, tambm, imaginar uma reivindicao semelhante na direo oposta: que o ator privado deveria incorporar, em sua avaliao do negcio, os importantes propsitos pblicos que o governo espera alcanar (e dos quais ele certamente pode beneficiar-se). Esse argumento apresentado com menos freqncia. Para tornar tudo isso um pouco mais concreto, necessrio retornar ao exemplo167

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do Park Plaza. Algum pode argumentar que Mahoney no deveria ser indiferente nem hostil aos benefcios privados que ele estava sendo solicitado a considerar, mas deveria, ao invs disso, avali-los positivamente. Afinal, Zuckerman, seus parceiros investidores, os trabalhadores da construo civil que seriam empregados, os habitantes que receberiam moradias e os turistas que encontrariam atraentes hotis para hospedarem-se todos eram indivduos, cujo bem-estar deveria ser motivo de considerao tambm por parte do estado. Sob essa perspectiva, Mahoney no deveria desdenhar dos benefcios econmicos do projeto proposto por Zuckerman. Ele deveria pensar no alcance desses benefcios como parte importante de seu dever. De fato, para que no restassem dvidas a respeito, ele no dispunha apenas dos argumentos defendidos, nesse sentido, por Zuckerman, mas tambm dos argumentos de dois atores pblicos-chave em relao ao valor pblico do plano proposto: a Cmara de Vereadores e o Prefeito de Boston, que concordavam que os interesses privados de Zuckerman eram quase idnticos aos interesses dos cidados de, pelo menos, Boston, se no do estado como um todo. No entanto, pode-se tambm argumentar que a responsabilidade bsica de Mahoney no promover os interesses de Zuckerman em prol de sua prpria riqueza privada, mas sim, um conjunto limitado de propostas pblicas, sobre o qual ele especificamente instrudo a promover por meio de regulamentos que lhe permitem decidir como o poder eminente de domnio poder ser usado. Ele deve ter certeza de que o plano ser suficientemente completo e economicamente bem-sucedido, alm de identificar quais sero os benefcios pblicos e privados que168

sero gerados. Deve satisfazer-se com a produo de alguns benefcios pblicos para justificar o uso do poder pblico. Nesse sentido, o dever de Mahoney restringir seus interesses maximizao desse conjunto especial de propsitos pblicos estabelecidos pelo governo. Ele deveria ignorar o bem-estar de Zuckerman ou a contribuio econmica que o empreendimento proposto pode trazer economia de Boston. Esses interesses sero resolvidos pelo prprio mercado. Mahoney responsvel apenas pelos propsitos que no sero promovidos pelo mercado e que, mesmo assim, so percebidos como sendo publicamente valiosos para a sociedade como um todo. O interesse aqui a questo de quais propsitos Mahoney est defendendo em seu encontro com Zuckerman. Ele pode defender apenas propsitos pblicos, excluindo os interesses de Zuckerman; ou pode defender os interesses pblicos que incluam os interesses de Zuckerman. Dependendo do que fizer, ele avaliar diversas propostas de forma diferente, sentindo-se mais ou menos satisfeito com os acordos especficos que so propostos. nesse estgio que a terceira perspectiva pode ser utilizada: a perspectiva dos cidados que observam o acordo e em cujo nome Mahoney supostamente est atuando. A perspectiva dos cidados relevante nesse caso, pelo menos, porque o poder coletivamente detido pelo estado est sendo utilizado na negociao. Os cidados foram ouvidos por meio de seus representantes eleitos na construo da legislao que orienta Mahoney quanto s questes que ele deve exigir como condies a serem cumpridas antes de invocar o poder de domnio eminente. Portanto, na velha ordem , pode-se dizer que o dever de Mahoney assegurar que

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o acordo contemple valor pblico suficiente para justificar o uso dos poderes de domnio eminente; alm disso, este desafio somente ter sido superado quando ele estiver convencido de que as condies estabelecidas na legislao foram atendidas. Uma questo importante a respeito da nossa nova ordem, penso eu, que tambm afirma-se que Mahoney deveria (no apenas como uma questo prtica, mas tambm como uma questo normativa) considerar o valor prtico e econmico que provm do empreendimento do Park Plaza. Em suma, questiona-se se uma boa parceria pblicoprivada aquela em que os propsitos pblicos, governamentalmente estabelecidos, so maximizados (potencialmente s custas de alguns interesses privados) ou aquela em que a combinao das dimenses de valor privativamente e publicamente indicadas e usufrudas maximizada. Em outras palavras, que a perspectiva do cidado a respeito da negociao deveria ser a mesma do ator privado, a mesma do governo, ou estar em algum lugar entre as duas. Observe que a anlise desse acordo difcil, no apenas de forma substantiva, porque no temos mais certeza sobre qual funo utilitria deve-se usar para mensurlo, mas tambm de forma processual, porque no estamos completamente certos sobre qual comunidade poltica de cidados deveria ser usada para arbitrar sobre a questo de quo valioso o acordo para a populao como um todo. Uma coisa perceber esse acordo como sendo um embate entre os lucros de Zuckerman versus o compromisso de Mahoney para com os propsitos pblicos. Nesse sentido, temos que considerar que os cidados de Massachussetts deram a Mahoney a obrigao de assegurar que haja interesses

pblicos suficientes em projetos de desenvolvimento que busquem fazer uso do poder de domnio eminente do estado. Outra, ver o acordo como algo que inclui efeitos sobre os salrios dos trabalhadores da construo civil, a eliminao do que percebido por muitos como sendo uma inconvenincia pblica e uma maior base fiscal em Boston, o que conta com forte apoio por parte dos cidados de Boston e de seus representantes eleitos. A viso de Boston sobre o que deveria constituir valor pblico suficiente para justificar o uso do poder de domnio eminente, por parte do estado, parece estar mais prximo posio de Zuckerman do que de Mahoney. E no est absolutamente claro nem legalmente, nem moralmente qual das duas comunidades polticas envolvidas no caso (a Prefeitura de Boston e o Estado de Massachussets) deveria decidir a questo do que constitui valor pblico.

Definindo valor pblico para fins de negociaoIsso levanta o que eu considero uma questo intelectual e prtica em desenvolvimento e avaliao de parcerias pblicoprivadas propostas. A questo crucial: como o valor pblico, que deveria ser a preocupao do lado pblico da transao, deve ser entendido e buscado? Se ns, cidados, e os servidores pblicos que negociam em nosso nome, no temos certeza do que constitui valor pblico, ento, fica difcil imaginar como os servidores que representam os nossos interesses faro um bom trabalho em aplic-los nas parcerias pblico-privadas, que estamos ansiosos por promover. O que constitui o valor pblico a ser produzido por qualquer acordo muito difcil de estabelecer. E a melhor maneira de169

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aprender a pensar sobre o que constitui uma investigao pblica adequada em um acordo pblico-privado pode ser uma anlise de exemplos concretos, ao invs de filosofia abstrata. Mas vale a pena esboar os profundos problemas conceituais que existem, bem como as questes concretas. As questes conceituais surgem devido a nossa confuso sobre o que realmente quer-se dizer com valor pblico em oposio ao privado. Trs diferentes conceitos de valor pblico Falando em termos gerais, h trs conceitos bastante diferentes de valor pblico. Um o padro proposto pela economia utilitarista e do bem-estar: valor pblico igual soma das satisfaes individuais que podem ser produzidas por um dado sistema social ou por uma poltica governamental16. esse o padro aplicado quando se mede as polticas pblicas em termos do maior bem para o maior nmero de pessoas. H trs importantes caractersticas nesse conceito: permitido a cada indivduo definir o valor segundo seu prprio termo; o processo de associar indivduos a uma sociedade ampla, em que as satisfaes individuais simplesmente so somadas; sabendo que, sob certos pressupostos, os mercados competitivos fazem um bom trabalho em organizar os recursos produtivos na sociedade, de modo a alcanar o objetivo social. Um segundo conceito de valor pblico a idia de que valor pblico tudo aquilo que um governo devidamente constitudo, atuando como agente de seus cidados, declara ser um propsito importante a ser perseguido utilizando os poderes e os recursos do governo. Esse o padro utilizado quando se argumenta que os170

servidores pblicos devem estar preocupados em alcanar os propsitos que lhes foram outorgados por meio da ao legislativa. esse o padro que encoraja Miles Mahoney a usar os poderes de domnio eminente para promover o desenvolvimento econmico e social, mas somente quando certos parmetros forem atendidos. Parmetros, estes, que permitam aos cidados estarem razoavelmente confiantes de que algum bem pblico geral ir advir do uso desse poder extraordinrio, em detrimento dos direitos propriedade individual. Nesse segundo conceito, tambm h trs caractersticas importantes, as quais o diferenciam do primeiro: em primeiro lugar, o coletivo e no o individual que atua por meio de algum tipo de processo poltico, torna-se o rbitro do valor; em segundo lugar, o coletivo que faz a avaliao no percebido como a simples soma das avaliaes vinculadas aos resultados por parte dos indivduos que o constituem. Em vez disso, percebido como um tipo de rgo deliberativo, que alcana um acordo coletivo acerca do que deveria ser feito e que domina os pontos de vista dos indivduos; por ltimo, depende-se do coletivo para ajudar a focalizar e produzir resultados que so importantes em um conjunto, tais como a prestao de bens e servios pblicos e a realizao da justia, bem como a maximizao do bem-estar material individual por meio de operaes de mercado. Um terceiro conceito de valor pblico baseia-se em idias dos conceitos anteriores: ou seja, o valor pblico consiste de propsitos importantes que podem incrementar o nvel de satisfao individual usufrudo pelos membros de uma organizao poltica, que no necessariamente seriam alcanados por mercados competitivos

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operando por si s, sendo que a organizao poltica atribuiu ao governo a tarefa de ajud-la a alcan-los coletivamente para seu benefcio individual. Nesse conceito, o governo est especialmente autorizado e requerido a lidar com um conjunto particular de condies, nas quais os mercados no sero eficazes para maximizar a soma de satisfaes individuais, tecnicamente factveis. Essas incluem: 1) lidar com externalidades (cuja escolha de uma pessoa afeta o bem-estar de outras, mas as outras no tm como registrar o fato junto primeira pessoa e no tm como negociar o preo a ser pago de forma a compenslas por um dano do qual no est ciente, ou que estariam dispostas a pagar para usufruir de um benefcio do qual ainda no esto cientes) e 2) produzir bens coletivos (dos quais os indivduos no podem ser facilmente impedidos de usufruir, mesmo no tendo contribudo para a sua produo e quando a utilizao do bem por uma pessoa no reduz a quantia do bem que est disponvel para os outros). Tais circunstncias impedem o mercado de fazer o trabalho de permitir aos indivduos trocar coisas que possuem com outras, de modo a agregar o mximo de bem-estar individual. Uma afirmao coletiva de valor pblico: redistribuio e paternalismo estatal Na tradicional teoria das finanas pblicas (ou, como diz Dutch Leonard, na teoria micro-econmica de governo), h outras duas circunstncias nas quais esperase e permite-se que o governo interfira na atuao do mercado para definir uma preferncia coletiva que tenha prioridade em relao s preferncias individuais. A primeira quando, coletivamente, decide-se, por meio de um mecanismo governamental, que h insatisfao com a eqidade dos

resultados do mercado: quando alguns indivduos acabam alcanando um bemestar material menor que outrem e outros acabam recebendo mais, de forma a ofender os conceitos individuais ou compartilhados a respeito de uma sociedade boa e justa. Nesse caso, o coletivo, atuando por meio do governo, pode agir de modo a produzir resultados de mercado mais eqitativos. Essa circunstncia trata do problema de que o mercado responde somente queles que tm capacidade de pagar para atender seus desejos, e alguns podem acabar ficando com uma capacidade muito menor ou at mesmo sem nenhuma capacidade de pagar pela satisfao de suas necessidades. A segunda, bem menos aceita, a noo de que o coletivo poderia decidir que h aspectos valiosos para os indivduos e para o coletivo, pelos quais os indivduos podem no estar dispostos a pagar, caso lhes seja permitido cometer seus prprios erros na tentativa. Esses aspectos foram tradicionalmente denominados bens de mrito. Entre eles, encontram-se a educao, a sade, a cultura e, at mesmo, a capacidade de empatia e tolerncia que os tornariam bons cidados democrticos. So descritos como bens de mrito para sugerir que o coletivo tem o direito, ou talvez, a obrigao de ajudar os indivduos a se desenvolverem em direo a uma vida virtuosa. At certo ponto, isso significa no escolher dentre as que so dadas, mas buscar format-las de modo a promover o crescimento individual humano e sociedades democrticas competentes e justas. Essas duas ltimas idias, que justificam a intromisso do governo no mercado, diferem das duas primeiras no sentido de que no estabelecem, apenas,171

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alguns aspectos tcnicos de produo e per muta para per mitir ao mercado realizar o seu trabalho de satisfazer preferncias individuais. Elas apresentam um novo conjunto de preferncias e um novo conjunto de padres normativos a serem utilizados na orientao da atividade produtiva de uma sociedade como um todo. Essas novas preferncias e padres normativos so aqueles que ou refletem as escolhas feitas pelo coletivo, ou referemse a algum estado social agregado, ou ainda, na maioria dos casos, a uma combinao das duas. De repente, em meio a um mercado livre, aparece um rbitro coletivo de valores que faz escolhas sobre o que deveria ser produzido para os indivduos e sob quais condies os indivduos deveriam viver, as quais poderiam ignorar as preferncias e resultados que seriam produzidos somente por meio de trocas do mercado livre. O coletivo comparece com preferncias, assim como os indivduos. importante reconhecer que a insero de um governo que atua em nome de alguma viso socialmente construda sobre o que seria bom para os indivduos e para a sociedade em geral sugere uma idia de valor pblico que traz de volta a idia de que o valor pblico o que os processos representativos do governo dizem ser, bem distante da idia de que valor pblico no apenas o que satisfaz os indivduos, ou apenas aqueles aspectos que um mercado no ir produzir naturalmente. Quando se tem um governo que age por meio do uso de ativos e poderes para assegurar condies sociais agregadas, tem-se que fazer a importante pergunta de como o prprio governo orienta a si mesmo. E aqui que h a necessidade de atentar para as bases e processos da poltica, e no da economia.172

A determinao poltica do valor pblico Uma maneira de compreender as bases da poltica comear, mais uma vez, com os indivduos e seus conceitos individuais de valor. claro que partir de indivduos isolados, com valores que eles almejam e buscam incorporar, ignorar fatores psicolgicos e sociolgicos importantes sobre como chegar a ter valores e preferncias. Isso tambm pode ser visto como um convite a imaginar que o contedo dos valores e das preferncias dos indivduos seria egoisticamente material e no altrustico; de forma mais ampla, seria poltico17. Mas no necessrio prosseguir nesse caminho j to batido. Pode-se dizer, por exemplo, que os indivduos tm valores que orientam suas aes especficas (ou seja, os valores so individuais e importantes para eles) e que se compreende que tais valores (individuais) so construdos socialmente. Talvez ainda mais importante: pode-se entender que valores individuais (porm construdos socialmente) incluem muito mais do que o bem-estar material e individual daqueles indivduos especficos. Podem incluir, por exemplo, um forte senso de identidade e preocupao a respeito do sofrimento de outros indivduos com os quais compartilham algum tipo de identidade. Podem incluir um conceito de uma sociedade justa e boa que os indivduos buscam tornar realidade em suas prprias vidas, por meio das atividades econmica, social e poltica. Portanto, os indivduos podem ser percebidos como tendo vises sociais e polticas reais, que esto vinculadas s condies econmicas, sociais e polticas dos demais na sociedade. Tal viso poderia ser real no sentido comportamental (essas preferncias podem orientar aes) e real no sentido

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normativo (elas podem ser utilizadas adequadamente para a avaliao das condies individuais e sociais), mesmo em um mundo onde somente os indivduos esto autorizados a atuar como rbitros do valor das condies numa sociedade ou das polticas pblicas concebidas para alterar tais condies. Nesse sentido, valor pblico poderia ser qualquer coisa que um cidado considera publicamente valioso. Isso se refere sociedade em geral, e no ao bem-estar material do indivduo, o que no seria necessariamente uma viso coletiva do que seria bom para a sociedade. Poderia ser a viso idiossincrtica de um profeta ou de um tolo. E o profeta ou tolo podem ser um cidado ou um representante do poder pblico, na esfera privada ou pblica. Pode-se, tambm, ir adiante e afirmar que algo que publicamente valioso no o apenas quando se trata de condies pblicas e no focalizadas no bem-estar material prprio, mas, tambm, quando se ganha algum grau de consentimento ou concordncia coletiva. No se trata apenas da viso idiossincrtica do profeta ou do tolo, mas, sim, da opinio mais ou menos estabelecida de uma comunidade poltica18. nesse estgio que a idia de valor pblico comea a assumir a caracterstica de um conjunto de valores polticos que poderia, como questo comportamental, promover uma ao poltica ou cvica. Tais processos podem mudar a viso dos indivduos a respeito do que bom e justo. Eles tambm podem construir a capacidade coletiva de agir de modo cvico, alm de construir a capacidade coletiva de orientar o governo quanto ao modo como seus poderes deveriam ser usados. A partir dessa perspectiva, ento, o valor pblico consiste naqueles valores que os indivduos e grupos voluntrios de indivduos vinculam aos

estados da sociedade para alm de seu prprio bem-estar material e individual, os quais eles procuram implantar por meio da ao individual ou coletiva, cvica ou poltica. Sempre pareceu-me importante que, ainda que as sociedades liberais apresentem os direitos econmicos (especialmente o direito propriedade) em suas constituies, elas tambm reservem um lugar especial para os direitos polticos, tais como a liberdade de expresso e de associao, o direito a apresentar uma petio ao governo e o direito a eleger os representantes do poder pblico, que podem empenhar dinheiro e autoridade pblicos em prol de propsitos especficos. Isso importante, porque se uma sociedade liberal distribui direitos polticos aos indivduos, ela no pode restringir as vises polticas, que so poderosamente expressas na sociedade, quelas que so consistentes com uma viso libertria do governo. O governo pode ser usado da maneira que os cidados desejarem e que seja permitido pelos demais cidados. Supostamente, se os indivduos detm valores a respeito do bem-estar dos demais e do estado agregado da sociedade, o bemestar dos cidados pode ser incrementado se a sociedade, como um todo, alinhar-se com esses desejos. Assim retornamos idia de que valor pblico pode no ser o que, muitas vezes, supe-se que , ou seja, o mximo bemestar (material) para o maior nmero de indivduos alcanado pelos mercados livres. Em vez disso, ele pode muito bem ser o que ns, como indivduos, fazemos em prol das condies pblicas que gostaramos de habitar e o que podemos, coletivamente, concordar que gostaramos de alcanar juntos usando os poderes do Estado.173

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Implicaes prticas aos encarregados de negociar o lado pblico das parcerias pblico-privadasAinda que parea adequado enquanto questo terica, h enormes problemas, para aqueles com responsabilidades prticas, de agir em prol do pblico. A razo que muitas vezes no fica claro quais propsitos ou qual conceito de valor pblico os cidados desejam que seus representantes defendam e promovam como proposta de valor pblico em seus encontros com o setor privado. incerto quais idias de valor pblico devem orientar Miles Mahoney em seu encontro com Mortimer Zuckerman. O melhor guia para isso pode ser o regulamento que os servidores pblicos prometem cumprir. Mas a dificuldade dos regulamentos que eles so demasiadamente gerais e podem haver oportunidades para uma ao melhor em prol de propsitos tanto privados quanto pblicos, o que coloca o servidor pblico em uma situao desconfortvel: mesmo quando incentivado a buscar o valor pblico por meio de parcerias pblicoprivadas, depende-se dele para defender nossos interesses nas negociaes. No estamos certos de como ele orientar-se- em relao ao que constitui o valor a ser defendido. A indeterminao cria um problema para quem est do lado do governo. Significativa confuso a respeito do que constitui valor pblico Os representantes do poder pblico enfrentam pelo menos dois problemaschave ao negociar parcerias pblicoprivadas e ao comprometer ativos pblicos para essas parcerias. O primeiro, j discutido, refere-se idia de que o174

principal propsito pblico a ser defendido pelo agente pblico nem sempre est totalmente claro. Aqueles que autorizaram o servidor pblico a negociar em seu nome, por exemplo, os legisladores que autorizaram Mahoney a usar o poder de domnio eminente quando certas condies fossem atendidas, asseguram que algo de valor pblico (em oposio ao meramente privado) seria produzido por uso desse poder eles mesmos podem no ter tido clareza sobre o que almejavam alcanar exatamente. Eles tambm podem no ter tido clareza a respeito de at que ponto a sua idia de valor pblico inclua a produo de diferentes tipos de valor privado, como sendo um importante componente do valor pblico que buscavam alcanar. De forma mais concreta, boa parte da questo, que colocada a Mahoney, se ele deveria reconhecer ou no como sendo importantes dimenses pblicas do valor pblico, o fato dos empresrios e trabalhadores da construo civil lucrarem com o projeto e que a arrecadao de impostos da cidade de Boston ir crescer. Ou essas questes esto fora dos limites do seu clculo? Est claro que muitas pessoas que vivem em Boston e que so mais afetadas por sua deciso parecem pensar que o projeto tem valor. Alm disso, seus representantes eleitos e os rgos especializados no nvel local dos quais o governo local depende para tomar decises a respeito da reurbanizao decidiram a favor do projeto. Portanto, a questo jurdica, prtica e normativa relevante se Mahoney deve considerar os efeitos positivos sobre o bemestar material individual para decidir se h benefcios pblicos suficientes que justifiquem o uso do poder de domnio eminente, ou se ele deveria deixar tais consideraes

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fora de seus clculos e recusar unir-se parceria que est sendo proposta, at que os benefcios pblicos especficos que o interessam sejam apresentados. Confuso processual a respeito da comunidade poltica que pode arbitrar sobre o valor pblico da negociao O fato da Prefeitura de Boston ter participao nessa questo cria um segundo problema para Mahoney. Mesmo que fossem claras as instrues recebidas pelo legislativo de Massachussets quanto definio de valor pblico que deveria buscar, ele enfrentaria uma questo moral, prtica e jurdica acerca de qual comunidade poltica seria a correta para ajud-lo a decidir a respeito do uso apropriado da autoridade pblica. Mahoney trabalha para o Estado e orientado pela comunidade poltica no nvel estadual. Mas h um princpio bsico no federalismo que favorece decises por parte daquelas comunidades polticas que so mais afetadas pela escolha. Com certeza, a cidade de Boston mais influenciada pela deciso de Mahoney do que o estado de Massachussetts, de forma que se discute que Mahoney deveria basear-se no julgamento daquelas comunidades quanto ao valor pblico ou, pelo menos, considerar seus pontos de vista ao avaliar o plano proposto. Caso ele deixasse de perceber esse aspecto, o legislativo estadual, movido pela insatisfao poltica em Boston, aprovaria uma legislao que excluiria a deciso a respeito do Park Plaza da jurisdio de Mahoney uma iniciativa que somente foi evitada pelo fato do governador ter exercido o seu poder de veto sobre a legislao para manter intacta a jurisdio de Mahoney. Assim, parece que o princpio poltico que diz que a deciso deveria ser tomada pelos mais afetados est presente no nvel estadual, no

qual Mahoney est explicitamente autorizado, tanto quanto no nvel local. Novas responsabilidades e novas habilidades para servidores pblicos que negociam Esses fatos criam novos e diferentes tipos de responsabilidades para servidores pblicos que estabelecem negociaes com entidades privadas. De um lado, eles precisam estar cientes da ambigidade dos propsitos significativos que almejam por meio do acordo. De outro, eles precisam estar preparados para encontrar formas de esclarecer os interesses pblicos, mesmo quando eles esto negociando em nome desse interesse. E eles precisam faz-lo, no somente na esfera familiar de sua prpria comunidade poltica e de suas instituies e processos de autorizao, mas tambm na esfera menos familiar de outras comunidades polticas e autorizadoras que do forma aos propsitos dos demais agentes privados e pblicos com os quais eles esto lidando. Isso tambm sugere que pode haver responsabilidades especiais para ajudar a tornar os acordos pblico-privados transparentes e abertos para um crculo mais amplo de atores interessados do que inicialmente sugerido pela imagem de um acordo pblico-privado fechado. Para que tais negociaes possam usufruir da legitimidade, que necessria no uso de quaisquer bens pblicos, o pblico deve poder analisar, investigar e questionar o acordo feito em seu nome.

ConclusoMuito provavelmente, as parcerias pblico-privadas tornar-se-o cada vez mais importantes medida que as sociedades buscarem formas de lidar com175

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problemas sociais difceis e os governos buscarem se tornar mais responsivos e efetivos no alcance dos objetivos que as sociedades lhes atriburam. Mas importante compreender que abraar as parcerias pblico-privadas no resolve o problema que ainda paira sobre o uso dos poderes governamentais para alterar as condies econmicas, sociais e polticas. Como qualquer parceria pblico-privada envolve os bens e poderes detidos pelo Estado em nome do coletivo, a qualidade da parceria permanece sujeita a perguntas difceis a respeito dos usos dos poderes do Estado, que sempre nos assolaram: como os poderes, coletivamente detidos de um Estado democrtico podem ser melhor utilizados para promover a prosperidade, a sociabilidade e a justia em um mundo onde se tem no apenas diferentes interesses materiais, mas tambm diferentes idias a respeito do tipo de relacionamentos pelos quais desejamos caracterizar as sociedades das quais fazemos parte? Tal determinao continua a ser a tarefa da poltica democrtica. Assim, preciso compreender que, ao abraar a idia das parcerias pblicoprivadas, no encontramos uma forma de evitar a poltica e aumentar a capacidade de resposta, eficincia e efetividade do Estado como agente dos propsitos sociais; simplesmente abrimos um novo domnio, mais micro, dentro do qual os cidados interessados podem de novo considerar se e como os poderes do Estado podem ser legitimamente e efetivamente empregados para lidar com importantes condies sociais. Esse novo domnio est localizado em algum lugar entre a legislao e a lei administrativa, de um lado, e os processos judiciais, do outro. um domnio no qual os indivduos que representam os rgos e os interesses pblicos e privados buscam176

um acordo melhor do que aquele que surgiria a partir desses outros, mais familiares, porm mais desajeitados. Ainda que esses acordos sejam promissores, h motivos para preocupao. Entre eles, inclui-se a idia de que as polticas e os propsitos dos quais os Estados dependem para orientar tanto a ao pblica quanto privada podem tornar-se menos gerais e, portanto, vulnerveis s preocupaes sobre como o nus de atender uma necessidade pblica ou realizar um propsito pblico foi distribudo de for ma equilibrada e justa. E tambm a idia de que quando o governo tem benefcios a oferecer, ao invs de nus a impor, a distribuio desses benefcios pode ser menos justa e consistente. Tambm deve haver a preocupao de que os interesses privados tendem a pedir mais do que a sua fatia de benefcios potenciais provenientes da colaborao e que os representantes do governo, incertos a respeito dos propsitos pblicos defendidos por eles, entregaro uma parcela demasiadamente grande aos poderosos interesses privados que eles enfrentam. Para exorcizar esses medos, pode-se, somente, depender dos mecanismos dos quais se dependeu no passado: uma certa quantia de transparncia no processo e na substncia do acordo feito; um convite queles que tm interesse de participar da negociao de expressarem o que pensam; um certo tipo de estadismo que se dedique a avaliar a fora relativa dos valores que esto em jogo na negociao. O objetivo, claro, assegurar que cada acordo realizado em nosso nome seja, de fato, no apenas eficiente, mas tambm eqitativo e justo. O trabalho de formar parcerias pblico-privadas, portanto, no pode apenas se dar em torno da eficincia que provm da constatao de que o governo

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pode ajudar os atores privados a alcanar seus propsitos, nem ser do tipo que provm da permisso para que o governo alcance os propsitos que lhe foram designados de forma mais eficiente e efetiva. O trabalho tem que ser do tipo que sempre ocorreu na governana democrtica: o trabalho de associar ativos e aspiraes pblicas e privadas para alcanar propsitos que so publicamente valiosos, por meio de mtodos que so percebidos como legtimos e justos, e que demonstram ser eficientes e efetivos. Isso exige mais e diferentes tipos de trabalho poltico e estadismo do que os servidores, que so convidados a realizar as negociaes

normalmente dispem. Assim, a tarefa de criar valor pblico por meio das parcerias pblico-privadas no apenas um desafio aos arranjos institucionais, que so feitos para orientar as interaes entre o pblico e o privado, mas tambm aos indivduos que ocupam posies especficas dentro desses arranjos governamentais e precisam encontrar meios de promover propsitos pblicos da melhor forma possvel. Que se possa ter esperanas de que a prtica e a reflexo continuada sobre o que as prticas produzem iro ajudar os servidores pblicos a cumprir as responsabilidades de due diligence que eles detm ao estabelecer negociaes em nome do pblico.

Notas* Verso preliminar do discurso a ser realizado perante o X Congresso do CLAD, em Santiago do Chile, em outubro de 2005. Favor no reproduzir ou citar sem a expressa permisso do autor. Publicao autorizada pelo autor em 22 de janeiro de 2007. Traduo feita por Anja Kamp. 1 Para uma anlise de uma possvel explicao sobre o porqu dos cidados nos Estados Unidos terem perdido a confiana no governo, ver NYE Jr, Joseph S.; ZELIKOW, Philip D.; KING, David C. Why people dont trust government. Cambridge: Harvard University Press, 1997. 2 Responsabilidade social corporativa como um movimento bem sucedido. Ver artigos em Economist. 3 Sobre a idia de empreendedorismo social, ver BORNSTEIN, David. How to change the world: social entrepreneurs and the power of ideas. Oxford: Oxford University Press, 2004. 4 DRAYTON, William. Ashoka, Comunicao pessoal. 5 DIVER, Colin. Park Plaza. Cambridge: Kennedy School of Government (Caso no 707.0). Tambm analisado intensamente em MOORE, Mark. Creating public value: management in government. Cambridge: Harvard University Press, 1995. 6 SOBEL, Dava. Longitude: the true story of a lone genius who solved the greatest scientific problem of his time. New York: Walker Publishing, 1995. 7 Para uma anlise dessa distino bsica, ver: WEINTRAUB, Jeff; KUMAR, Krishan. Public and private in thought and practice: perspectives on a grand dichotomy. Chicago: University of Chicago Press, 1997. 8 Caracterizar acordos como voluntrios no significa que no haja preo a ser pago caso uma das partes desista do contrato. Significa, apenas,