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Revista Brasileira de Paleontologia 7(1):87-92, Janeiro/Junho 2004 © 2004 by the Sociedade Brasileira de Paleontologia PROVAS 87 MORFOLOGIA PÓS-CRANIANA DE CANDIDODON ITAPECURUENSE (CROCODYLOMORPHA, MESOEUCROCODYLIA), DO CRETÁCEO DO BRASIL PEDRO HENRIQUE NOBRE Depto. de Geologia, UFRJ, Av. Brigadeiro Trompowski, s/nº, Ilha do Fundão, 21.949-900, RJ, Brasil. [email protected] RESUMO – Candidodon itapecuruense Carvalho & Campos é um Mesoeucrocodylia, proveniente da Formação Itapecuru (Cretáceo Inferior), bacia do Parnaíba, Brasil. Esta espécie caracteriza-se por apresentar dentes de morfologia complexa, com uma cúspide principal e uma série de cúspides menores na base da coroa. São apresentados novos elementos referentes ao esqueleto pós-craniano de C. itapecuruense, bem como suas relações com outros Crocodylomorpha. O esqueleto pós-craniano de C. itapecuruense apresenta vértebras anficélicas com o corpo arredondado a levemente quadrangular. O úmero é alongado, cilíndrico e com uma crista deltopeitoral pronunciada. O fêmur é estreito, com a diáfise cilíndrica e reta. Os metatarsais são longos, delgados e com as extremidades pouco expandidas. Apresenta osteodermos muito delgados, de contorno quadrangular a cordiforme não ultrapassando 1mm de espessura, sendo a superfície interna lisa e a externa ornamentada com rugosidades e depressões irregulares. Em todos os osteodermos observa-se, na superfície externa, uma crista localizada no terço posterior da peça. Palavras-chave: Crocodylomorpha, Mesoeucrocodylia, Cretáceo Inferior, bacia do Parnaíba. Abstract – THE POSTCRANIAL MORPHOLOGY OF CANDIDODON ITAPECURUENSE (CROCODYLO- MORPHA, MESOEUCROCODYLIA), CRETACEOUS, OF BRAZIL. Candidodon itapecuruense Carvalho & Campos, 1988 is a Mesoeucrocodylia from the Itapecuru Formation (Lower Cretaceous), Parnaíba Basin, Brazil. This species is characterized by presenting teeth with a main cuspid and a series of smaller cuspids in crown base. The postcranial skeleton of C. itapecuruense presents amphicoelous vertebra with a rounded to quadrangular shape. The humerus is long, cylindrical, with a pronounced deltopectoral crest. The femur is narrow, with a cylindrical and straight diafise. The metatarsals are long, slender and with narrow extremities. The osteoderms are thin, quadrangular cordiform shaped, less than 1 mm thick, with the internal surface smooth and the external ornamented with rugosities and small irregular pits. All the osteoderms show a ridge in their external surface. Key words: Crocodylomorpha, Mesoeucrocodylia, Lower Cretaceous, Parnaíba Basin. INTRODUÇÃO Candidodon itapecuruense Carvalho & Campos, 1988 foi descrito como um mamífero a partir de dentes de estrutura molariforme provenientes da bacia do Parnaíba (Formação Itapecuru, Albiano) da localidade de Itapecuru-Mirim no Es- tado do Maranhão (Figura 1). Posteriormente, Carvalho (1994), analisou um novo fragmento, pertencente ao ramo mandibu- lar direito e dentes multicuspidados de estrutura molariforme. Com base nestes novos elementos, atribuiu a espécie Candidodon itapecuruense a um Crocodyliforme, Mesosuchia pertencente à infraordem Notosuchia proposta por Gasparini (1971). Mais recentemente, baseado na morfologia craniana, Nobre & Carvalho (2002) classificaram Candidodon como um Crocodyliforme, Mesoeucrocodylia pertencente à família Uruguaysuchidae. A principal característica de Candidodon itapecuruense é a grande especialização dentária, com estrutura morfológica complexa, apresentando uma cúspide principal e uma série de cúspides menores na base da coroa, indicando um hábito alimentar onívoro. Outras características da espécie como presença de fenestra pré-orbitária, órbitas laterais, osso qua- drado fortemente inclinado para trás, rostro curto, crânio alto e narinas externas de posição anterior (Nobre & Carvalho 2001, 2002), indicam um hábito de vida terrestre, tornando este fóssil de grande importância para o estudo dos Crocody- lomorpha. A grande semelhança apresentada pela morfologia dentária entre Candidodon itapecuruense e o crocodiliforme Malawisuchus mwakayungutiensis Gomani, 1997, proveni- ente dos Dinosaur Beds, Karonga District of Malawi (Áfri- ca), já foram ressaltadas por Carvalho (1994), Gomani (1997) e Nobre (1999, 2000). Tal semelhança, se confirmada filogeneticamente, corrobora a existência de um intercâmbio

MORFOLOGIA PÓS-CRANIANA DE CANDIDODON … · molariforme provenientes da bacia do Parnaíba (Formação Itapecuru, Albiano) da localidade de Itapecuru-Mirim no Es-tado do Maranhão

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Revista Brasileira de Paleontologia 7(1):87-92, Janeiro/Junho 2004© 2004 by the Sociedade Brasileira de Paleontologia

PROVAS

87

MORFOLOGIA PÓS-CRANIANA DE CANDIDODON ITAPECURUENSE(CROCODYLOMORPHA, MESOEUCROCODYLIA),

DO CRETÁCEO DO BRASIL

PEDRO HENRIQUE NOBREDepto. de Geologia, UFRJ, Av. Brigadeiro Trompowski, s/nº, Ilha do Fundão, 21.949-900, RJ, Brasil.

[email protected]

RESUMO – Candidodon itapecuruense Carvalho & Campos é um Mesoeucrocodylia, proveniente da FormaçãoItapecuru (Cretáceo Inferior), bacia do Parnaíba, Brasil. Esta espécie caracteriza-se por apresentar dentes demorfologia complexa, com uma cúspide principal e uma série de cúspides menores na base da coroa. Sãoapresentados novos elementos referentes ao esqueleto pós-craniano de C. itapecuruense, bem como suas relaçõescom outros Crocodylomorpha. O esqueleto pós-craniano de C. itapecuruense apresenta vértebras anficélicascom o corpo arredondado a levemente quadrangular. O úmero é alongado, cilíndrico e com uma crista deltopeitoralpronunciada. O fêmur é estreito, com a diáfise cilíndrica e reta. Os metatarsais são longos, delgados e com asextremidades pouco expandidas. Apresenta osteodermos muito delgados, de contorno quadrangular a cordiformenão ultrapassando 1mm de espessura, sendo a superfície interna lisa e a externa ornamentada com rugosidades edepressões irregulares. Em todos os osteodermos observa-se, na superfície externa, uma crista localizada noterço posterior da peça.

Palavras-chave: Crocodylomorpha, Mesoeucrocodylia, Cretáceo Inferior, bacia do Parnaíba.

Abstract – THE POSTCRANIAL MORPHOLOGY OF CANDIDODON ITAPECURUENSE (CROCODYLO-MORPHA, MESOEUCROCODYLIA), CRETACEOUS, OF BRAZIL. Candidodon itapecuruense Carvalho& Campos, 1988 is a Mesoeucrocodylia from the Itapecuru Formation (Lower Cretaceous), Parnaíba Basin,Brazil. This species is characterized by presenting teeth with a main cuspid and a series of smaller cuspids incrown base. The postcranial skeleton of C. itapecuruense presents amphicoelous vertebra with a rounded toquadrangular shape. The humerus is long, cylindrical, with a pronounced deltopectoral crest. The femur isnarrow, with a cylindrical and straight diafise. The metatarsals are long, slender and with narrow extremities. Theosteoderms are thin, quadrangular cordiform shaped, less than 1 mm thick, with the internal surface smooth andthe external ornamented with rugosities and small irregular pits. All the osteoderms show a ridge in their externalsurface.

Key words: Crocodylomorpha, Mesoeucrocodylia, Lower Cretaceous, Parnaíba Basin.

INTRODUÇÃO

Candidodon itapecuruense Carvalho & Campos, 1988foi descrito como um mamífero a partir de dentes de estruturamolariforme provenientes da bacia do Parnaíba (FormaçãoItapecuru, Albiano) da localidade de Itapecuru-Mirim no Es-tado do Maranhão (Figura 1). Posteriormente, Carvalho (1994),analisou um novo fragmento, pertencente ao ramo mandibu-lar direito e dentes multicuspidados de estrutura molariforme.Com base nestes novos elementos, atribuiu a espécieCandidodon itapecuruense a um Crocodyliforme,Mesosuchia pertencente à infraordem Notosuchia propostapor Gasparini (1971). Mais recentemente, baseado namorfologia craniana, Nobre & Carvalho (2002) classificaramCandidodon como um Crocodyliforme, Mesoeucrocodyliapertencente à família Uruguaysuchidae.

A principal característica de Candidodon itapecuruense

é a grande especialização dentária, com estrutura morfológicacomplexa, apresentando uma cúspide principal e uma sériede cúspides menores na base da coroa, indicando um hábitoalimentar onívoro. Outras características da espécie comopresença de fenestra pré-orbitária, órbitas laterais, osso qua-drado fortemente inclinado para trás, rostro curto, crânio altoe narinas externas de posição anterior (Nobre & Carvalho2001, 2002), indicam um hábito de vida terrestre, tornandoeste fóssil de grande importância para o estudo dos Crocody-lomorpha.

A grande semelhança apresentada pela morfologiadentária entre Candidodon itapecuruense e o crocodiliformeMalawisuchus mwakayungutiensis Gomani, 1997, proveni-ente dos Dinosaur Beds, Karonga District of Malawi (Áfri-ca), já foram ressaltadas por Carvalho (1994), Gomani (1997) eNobre (1999, 2000). Tal semelhança, se confirmadafilogeneticamente, corrobora a existência de um intercâmbio

REVISTA BRASILEIRA DE PALEONTOLOGIA, Nº 7, 200488

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Figura 1. Mapa geológico da região norte da bacia do Parnaíba com a localidade onde foi coletado Candidodon itapecuruense (ItapecuruMirim) em rochas da Formação Itapecuru (Aptiano – Albiano) e perfil estratigráfico da seção-tipo da Formação Itapecuru (modificado deCarvalho & Bertini, 2000).Figure 1. Geological map of northern Parnaíba basin with the collecting locality of Candidodon itapecuruense (Itapecuru Mirim) and thestratigraphic column of the section type of Itapecuru Formation (modified from Carvalho & Bertini, 2000).

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Figura 2. Esqueleto pós-craniano de Candidodon itapecuruense, UFRJ-DG 114–R. A. Vértebras dorsais em vista lateral - ventral. B.Escápula esquerda em vista lateral. C. Porção proximal do úmero direito em vista anterior e posterior. D. Porção proximal do úmeroesquerdo em vista anterior e lateral. E. Porção distal do úmero direito em vista anterior e posterior. F. Rádio e ulna direito em vista posterior.Figure 2. Postcranial skeleton of Candidodon itapecuruense UFRJ-DG 114-R. A. Dorsal vertebrae in lateral and ventral view. B. LeftScapula in lateral view. C. Proximal portion of right humerus in anterior and posterior view. D. Proximal portion of left humerus in anteriorand lateral view. E. Distal portion of right humerus in anterior and posterior view. F. Right radius and ulna in posterior view.

SISTEMÁTICA PALEONTOLÓGICA

CROCODYLOMORPHA Walker, 1970CROCODYLIFORME Benton & Clark, 1988

MESOEUCROCODYLIA Benton & Clark, 1988Candidodon itapecuruense Carvalho & Campos, 1988

(Figuras 2-4)

Material. UFRJ-DG 113-R; UFRJ-DG 114-R.DescriçãoVértebras pré-sacrais. As vértebras (Figura 2A) sãoanficélicas, com o corpo vertebral de forma arredondada asuavemente quadrangular, medindo 7,5 mm de comprimentoe 5 mm de diâmetro em ambas extremidades, com a regiãodorsal levemente achatada. No centro do corpo vertebral, alargura é de 3,5 mm e a altura 4,5 mm, apresentando umaconcavidade nesta região. A distância entre a pré-zigapófisee pós-zigapófise é de 8 mm; a distância entre as zigapófises ea superfície ventral do corpo da vértebra é de 9 mm. Abaixoda região da apófise transversa observa-se uma depressão eventralmente o corpo das vértebras, apresentam uma suaveconcavidade.Escápula. A lâmina escapular (Figuras 2 B e 4A) possui umaspecto alongado, é reta posteriormente em todo seu com-

faunístico entre a África e América do Sul, ainda durante oAlbiano, como proposto por Ortega et al. (2000) para o gêne-ro Araripesuchus Price, 1959.

Devido às grandes variações morfológicas pós-cranianasde crocodilomorfos cretácicos, já demonstradas por Pol (1999)e Nobre (2000), torna-se imprescindível o conhecimento de-talhado das características morfológicas deste crocodiliformebrasileiro. Em 1999, foram descobertos novos elementos pro-venientes da localidade tipo, que incluem, além de fragmen-tos de mandíbula, crânio e dentes, um grande número deossos do esqueleto pós-craniano, pertencentes a dois indi-víduos jovens de Candidodon itapecuruense (UFRJ.DG 113-R e UFRJ.DG 114-R). O presente trabalho tem como objetivoa descrição do esqueleto pós-craniano e comparação comoutros Crocodylomorpha, contribuindo desta forma paraampliar o conhecimento sobre a espécie Candidodonitapecuruense.Abreviações. UFRJ.DG, Universidade Federal do Rio de Ja-neiro, Departamento de Geologia; Cd, crista deltopeitoral;Cg, Cavidade glenoide; Cl, côndilo lateral; Cm, côndilo medial;Crp, crista principal; Df, diáfise; Dp, depressões; Ece,ectoepicôndilo; Ene, endoepicôndilo; Fart, faceta articular;Fib, fíbula; Le, lâmina escapular; Mt, metatarsos; Rd, rádio;Ul, ulna.

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primento e dorsalmente é expandida no sentido anterior. A re-gião da cavidade glenóide é mais robusta que o restante dalâmina e suas superfícies articulares encontram-se fragmentadas.Acima da cavidade glenóide, a escápula sofre uma constrição,alargando-se novamente em direção à região dorsal expandida.O comprimento total da escápula é de 16 mm, a largura em suaregião dorsal é de 7 mm e a região ventral mede 4,5 mm.Úmero. O úmero é alongado e cilíndrico (Figuras 2C, D e 4B,C, D). A extremidade proximal é expandida lateralmente, comuma crista delto-peitoral desenvolvida iniciando-se abaixoda cabeça do osso e atenuando-se gradativamente em dire-ção à diáfise. Na extremidade proximal do úmero direito ob-serva-se, anteriormente, uma acentuada concavidade na al-tura da crista deltopeitoral e logo abaixo da cabeça do úmero.A extremidade distal está mal preservada, apresentandoectoepicôndilo e endoepicôndilo, fragmentados na regiãoarticular. Anteriormente, entre os dois côndilos, observa-seuma suave e pouco evidente fossa que atenua-se em direçãoà diáfise. A região distal é comprimida e de aspecto triangularem seção transversal, reduzindo de diâmetro à medida que seaproxima da diáfise, adquirindo uma forma cilíndrica e medin-do aproximadamente 4,5 mm.Ulna. Estreita, com a a extremidade proximal expandidaanteroposteriormente e comprimida lateralmente, apresentan-do-se ovalada em seção transversal (Figuras 2F e 4E); é pouco

Figura 3. Esqueleto pós-craniano de Candidodon itapecuruense A-E. UFRJ-DG 114–R e UFRJ-DG 113-R(F). A,B. dois osteodermosmostrando a superfície externa. C. Osteodermo de contorno cordiforme, mostrando a superfície externa e interna lisa; D. porção proximaldo fêmur direito em vista lateral e medial; E. porção distal do fêmur esquerdo em vista anterior e posterior. F. Conjunto: fíbula e metatarsosesquerdos em vista anterior ventral (fíbula) e vista dorsal (metatarsos).Figure 3. Postcranial skeleton of Candidodom itapecuruense A-E. UFRJ-DG 114-R and F. UFRJ-DG 113-R. A. and B. two osteodermsshowing an external surface. C. Cordiform osteoderm, showing a external and internal smooth surfaces. D. Proximal portion of the right femurin lateral and medial view. E. Distal portion of left femur in anterior and posterior view; F. left fibula and metatarsals in anterior ventral view.

curvada anteriormente e suas superfícies articulares estão frag-mentadas. O osso reduz gradativamente de diâmetro em dire-ção à extremidade distal, onde sofre uma pequena expansão deforma triangular e bem menor, em relação à extremidade pro-ximal. O comprimento total da ulna é de aproximadamente 27mm. O diâmetro na região mais proximal da diáfise é de 4 mmpor 2,5 mm e, na região mais distal da diáfise, é de 2,5 mm.Rádio. O rádio é alongado, delgado e cilíndrico (Figuras 2F e4E). O diâmetro é de 2 mm em toda extensão da diáfise.Fêmur. O fêmur de Candidodon é estreito e alongado, com umadiáfise cilíndrica e reta (Figuras 3D, E e 4 F, G). A cabeça do fêmuré expandida anteroposteriormente e aplainada dorsoventralmente.Distalmente, em vista posterior, observam-se dois côndilos: uminterno, mal preservado, e um lateral, mais desenvolvido, ambosseparados por uma profunda fossa intercondilar. A extremidadedistal possui 7 mm de largura, atenuando-se gradativamente emdireção à diáfise, que adquire uma forma cilíndrica, medindo apro-ximadamente 4 mm de diâmetro.Fíbula. É alongada e cilíndrica, com a diáfise reta e delgada(Figuras 3F e 4I), apresentando comprimento total de 28 mme 3 mm de diâmetro na região central da diáfise.Metatarsos. São ossos longos, delgados e com as extremida-des pouco expandidas(Figuras 3F e 4I). Em todos os ossosobserva-se um pequeno achatamento na diáfise que adquireuma forma ovalada em seção transversal. Na região expandida,

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PROVAS

mais próxima às extremidades, observa-se uma leve depres-são, tornando esta superfície aplainada e a superfície opostaconvexa. Nas extremidades, observam-se dois pequenos sul-cos laterais. A diáfise possui uma forma alongada e é cerca deduas vezes mais estreita que as extremidades, medindo aproxi-madamente de 1,5 a 2 mm de diâmetro.Falanges. Apenas duas falanges distais estão parcialmentepreservadas. São pequenas, com as extremidades pouco ex-pandidas e arredondadas. A diáfise sofre uma constrição emrelação às extremidades e possui uma forma oval em seçãotransversal, com o maior diâmetro medindo 1 mm.Osteodermos. Os osteodermos são muito delgados, não ul-trapassando 1 mm de espessura. A margem é ainda mais del-gada, chegando a menos da metade da espessura da regiãocentral. A superfície interna é lisa e a superfície externa orna-mentada com rugosidades e depressões irregulares (Figuras3A, B, C e 4H). Em todos os osteodermos preservados, ob-serva-se, na superfície externa, uma pequena crista localiza-

Figura 4. Esqueleto pós-craniano de Candidodon itapecuruense. A-H. UFRJ-DG 114-R e I. UFRJ-DG 113-R. A. Escápula esquerda emvista lateral. B. Porção proximal do úmero esquerdo em vista lateral. C. Porção proximal do úmero direito em vista anterior. D. Porção distaldo úmero direito em vista posterior e anterior. E. Rádio e ulna direito em vista posterior. F. Porção proximal do fêmur direito em vista lateral;G. Porção distal do fêmur esquerdo em vista anterior. H. Osteodermo de contorno cordiforme, superfície externa (acima) e superfícieinterna (abaixo). I. Conjunto fíbula e metatarsos esquerdos, em vista anterior ventral (fíbula) e vista dorsal (metatarsos).Figure 4. Postcranial skeleton of Candidodon itapecuruense: A-H. UFRJ-DG 114-R , I. UFRJ-DG 113-R. A. Left scapula in lateral view; B.Proximal portion of left humerus in lateral view. C. Proximal portion of right humerus in anterior view. D. Distal portion of humerus in posteriorand anterior view. E. Right radius and ulna in posterior view. F. Proximal portion of right femur in lateral view. G. Distal portion of left femurin anterior view; H. Osteoderms shape cordiform, external surface (above) and internal surface (below); I. Left fibula and metatarsals inanterior ventral view (fibula) and dorsal view (metatarsals).

da no terço posterior da peça. Esta crista é pouco desenvol-vida e possui uma orientação no sentido do seu maior com-primento. Os osteodermos apresentam um contornoquadrangular e cordiforme e entre as 10 peças encontradas, 3delas apresentam contorno bem preservado, medindo, apro-ximadamente, 8 mm x 8 mm.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

O pós-crânio de crocodiliformes apresenta grandesvariações morfológicas, contribuindo significativamente paraestudos taxonômicos e filogenéticos (Pol, 1999; Nobre, 2000).Nestes estudos, as estruturas articulares e de inserção muscularsão de fundamental importância para se estabelecerdiferenciações. No caso do esqueleto pós-craniano deCandidodon itapecuruense os ossos encontram-se bastantefragmentados. O tamanho reduzido do material torna as peçasmuito frágeis e de difícil retirada da rocha matriz. Uma forte ação

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do intemperismo tornaram-no ainda mais friável, destruindoalgumas estruturas importantes para se estabelecer comparações.Baseado nas pequenas dimensões apresentadas pelos ossosdo esqueleto pós-craniano dos exemplares UFRJ.DG 113-R eUFRJ.DG 114-R, conclui-se tratar-se de um espécimem jovem,cujo tamanho não deveria ultrapassar 80 cm de comprimento.

De maneira geral o esqueleto pós-craniano de Candi-dodon apresenta uma estrutura típica dos crocodiliformes,porém uma análise morfológica mais aprofundada refletediferenças significativas. Características como membroslocomotores posteriores maiores que os anteriores, úmeroe fêmur estreitos com diáfise alongada, reta e delgada,apontam para um hábito de vida provavelmente mais cur-sorial e não nadador como nas formas atuais.

A escápula de Candidodon possui a extremidade dorsalreta, sendo expandida apenas anteriormente, diferindo, assim,de Notosuchus terrestris Woodward, 1896, e da maioria doscrocodiliformes que apresentam expansão anterior e posterior.Em Malawisuchus, a margem posterior da escapula é descritacomo sendo suavemente curvada posteriormente.

O úmero de Candidodon e Malawisuchus apresentam-secomo uma estrutura delgada, alongada, com a região proximalexpandida, exibindo seção oval e com uma crista deltopeitoralbem desenvolvida. O extremo proximal do úmero não éexpandido lateralmente, morfologia observada também emcrocodilomorfos mais primitivos como DibotrosuchusSimmons, 1965. O úmero difere de Notosuchus terrestris eoutros crocodiliformes cretácicos como UruguaysuchusRusconi, 1933 e Mariliasuchus amarali Carvalho & Bertini,1999, por apresentarem um osso de aspecto robusto e com oextremo anterior expandido lateralmente, exibindo uma formatriangular. A extremidade distal do úmero de Candidodonencontra-se muito fragmentada, impossibilitando comparações.

Os osteodermos pertencentes a Candidodon não foramencontrados articulados, impossibilitando, desta maneira, o corretoposicionamento destas peças ao longo do corpo do animal. Porém,comparando-se os osteodermos de Candidodon com aqueles deAraripesuchus patagonicus Ortega, Gasparini, Buscalione &Calvo, 2000, observa-se uma grande semelhança entre eles. Ambasespécies apresentam osteodermas de contorno quadrangular acordiforme, com uma crista principal localizada na porção lateralda peça. Em Araripesuchus patagonicus, os osteodermos estãolocalizados lateralmente ao longo do esqueleto axial e emCandidodon, poderiam ocupar a mesma posição.

Comparando-se espécimes jovens de Notosuchus,Uruguaysuchus e Mariliasuchus, o esqueleto pós-craniano deCandidodon mostra-se menos robusto, assemelhando-se aMalawisuchus e outros Crocodylomorpha mais primitivos comoDibohtrosuchus elaphros Simmons, 1965 (Wu & Chatterjee, 1993).

AGRADECIMENTOS

Agradecimentos à CAPES, à FAPERJ e ao CNPq, pelo apoionos trabalhos de campo. À Antônio Carlos SequeiraFernandes, Ismar de Souza Carvalho e Lílian PaglarelliBergqvist pela coleta do material. Aos revisores deste estudo,Zulma Gasparini (Museo de La Plara Argentina) e Ismar de

Souza Carvalho, pelas sugestões e avaliação crítica. AoDepartamento de Geologia da UFRJ, pelo apoio durante asatividades laboratoriais e empréstimo do material para estudo.

BIBLIOGRAFIA

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Received August, 2002; Accepted December, 2003.