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MOSQUITO TRANSGÊNICO PARA COMBATE DA DENGUE:
ABORDAGEM SANITÁRIA E DE BIOSSEGURANÇA
Luana de Castro Oliveira¹ Pedro Canisio Binsfeld²
¹ Farmacêutica pela Universidade de Brasília. Aluna do programa de Pós-Graduação em
Vigilância Sanitária pelo Instituto de Estudos Farmacêuticos e Pontifícia Universidade Católica de
Goiás, Brasília – DF. E-mail: [email protected]
² Orientador, Pós-Doutor em Biotecnologia e Biossegurança. Docente do Programa de Pós-Graduação
em Vigilância Sanitária pelo Instituto de Estudos Farmacêuticos e Pontifícia Universidade Católica de
Goiás, GO. E-mail: [email protected].
RESUMO
O presente trabalho visa destacar a importância e o avanço de metodologias alternativas para o controle do
mosquito vetor da Dengue, assim como mostrar a importância da abordagem sanitária e de biossegurança sobre o
uso dos mosquitos geneticamente modificados para este fim. Apresenta as ferramentas biotecnológicas até então
desenvolvidas e empregadas no desenvolvimento de mosquitos machos estéreis (SIT), que culminou com a
elaboração da promissora técnica do inseto macho estéril portador de um gene letal (RIDL). Destaca-se testes de
meio ambiente em diversos países e a legislação que tem regulamentado até então a liberação dos mosquitos GM
no mundo e nos países onde a tecnologia vem sendo avaliada, com destaque para as normas brasileiras.
Palavras-chave: Macho estéril. SIT. RIDL. Vetores da dengue. Saúde Pública.
TRANSGENIC MOSQUITO FOR DENGUE CONTROL: RISK ASSESSMENT AND
BIOSAFETY
ABSTRACT
This work aims to highlight the importance and the advance of alternative methodologies used to control the
vector mosquito of Dengue, as well as to show the need of the health risk and the biosafety analysis over the use
of genetically modified mosquitoes (GM) to this end. Herein we show the biotechnology tools developed and
tested to date in the Sterile Insect Technique (SIT), that ended up with the new Release of Insect carrying a
Dominant Lethal gene technique (RIDL). Herein we emphasize the open field tests that took place in many
countries and the current regulation that ordered until now the release of GM mosquitoes over the world and in
the countries where the technology have been evaluated, with emphasis to the Brazilian regulation.
Keywords: Sterile male. SIT. RIDL. Dengue vectors. Public Health.
1 INTRODUÇÃO
Doenças tropicais causadas por patógenos transmitidos por insetos vetores matam
milhões de pessoas anualmente, em todo o mundo. As estratégias utilizadas para o controle
desses vetores, como inseticidas e drogas, não têm se mostrado eficientes. A dengue é um dos
principais problemas de saúde pública não apenas no Brasil, mas também em todo o mundo.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que entre 100 a 200 milhões de pessoas
sejam infectadas anualmente, mais de 3 bilhões de pessoas vivem em áreas de risco, em mais
de 100 países de todos os continentes, exceto a Europa. Cerca de 550 mil doentes necessitam
de hospitalização e 20 mil morrem em consequência da dengue (CAPURRO et al., 2010).
O vírus da dengue é transmitido entre hospedeiros humanos quase exclusivamente
pelos mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus, ambos com fácil adaptação a criadouros
larvais artificiais, e por isso muitas áreas urbanas em países tropicais estão sujeitas à
transmissão dessa virose (GUBLER, 2002). O aumento da urbanização sem planejamento
adequado para o processamento do lixo ou para o sistema hídrico urbano criou condições
ideais para a reprodução do mosquito. Apesar de um progresso considerável no
desenvolvimento de novas técnicas para o controle do vetor, o conhecimento sobre a extinção
do mosquito e do vírus da dengue é pobre (WILLIAMS et al., 2010).
Muitos esforços têm sido direcionados ao desenvolvimento de novas estratégias para o
controle da dengue. Uma delas envolve fazer com o que o mosquito vetor seja inóspito ao
vírus da dengue por meio da reposição das populações do artrópode, impedindo assim que a
doença seja transmitida (PAN et al., 2012). Duas estratégias atualmente têm sido estudadas e
pioneiramente testadas em países asiáticos e na Oceania: a liberação do mosquito macho
estéril geneticamente modificado e o uso da bactéria endossimbiótica Wolbachia para infectar
A. aegypti, estratégia que diminui o tempo de sobrevivência dos mosquitos e interfere em sua
habilidade de infectar hospedeiros humanos com o vírus da dengue. (OSTERA e GOSTIN,
2011).
Na estratégia do mosquito macho estéril (SIT – Sterile Insect Technique), um
transposon é integrado em seu material genético, que codifica uma proteína repressível por
tetraciclina, que em altas doses intracelulares é deletéria ao desenvolvimento celular;
possibilitando o crescimento dessas espécies na presença do antibiótico ou levando à geração
de larvas do mosquito inviáveis em sua ausência (PHUC et al., 2007).
Estudo sobre a análise do risco da liberação desses organismos geneticamente
modificados no meio ambiente especulam riscos menores, dentre eles: a alteração da cadeia
alimentar pela eliminação de A. aegypti, o potencial de menor suscetibilidade do A.aegypti
transgênico a inseticidas e a possível transmissão dessa reduzida sensibilidade aos agentes
químicos a mosquitos selvagens, e a qualidade do solo e da água, que podem ser
potencialmente afetados (BEECH et al., 2009). Proponentes ao uso dos mosquitos
geneticamente modificados especulam impactos ecológicos mínimos pelo fato de as espécies
de mosquitos alvo ocuparem com grande probabilidade o mesmo nicho ecológico, evitando a
dispersão de outras espécies de seus nichos (OSTERA e GOSTIN, 2011).
Testes de biossegurança e eficácia para a supressão da população alvo de A. aegypti
têm sido realizados em laboratórios e em ambiente aberto, ou em fase de execução na
Malásia, no México, nas Ilhas Caymans, no Brasil e na Índia. No Brasil, por exemplo, sob
aprovação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) como publicado no
Diário Oficial da União (DOU, página 48 da seção 1, número 241, de sexta-feira, 17 de
dezembro de 2010), foi autorizada a introdução da linhagem transgênica OX513A do
mosquito A. aegypti transgênico nos sítios selecionados do município de Juazeiro, Bahia, por
meio de uma parceria entre a Universidade de São Paulo (USP) e a empresa britânica Oxitec,
e conta com o apoio do Ministério da Saúde, da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia e
outras entidades locais.
Em vista aos recentes avanços e ao potencial promissor de estratégias de controle de
doenças por meio da utilização de vetores geneticamente modificados, muitas considerações
devem ser feitas em níveis locais e globais no que diz respeito à ética, biossegurança, aspectos
legais, sociais e culturais (LAVERY et al., 2008).
Os protocolos internacionais sobre a regulação de organismos geneticamente
modificados que existem até então (como o Protocolo de Cartagena e o grupo AdHoc
Technical Expert - ATHEG) não oferecem clara cobertura à introdução de mosquitos
transgênicos no ambiente. Sendo assim, a comunidade internacional necessita urgentemente
de protocolos/normas que disciplinem a pesquisa e o desenvolvimento de artrópodes
geneticamente modificados para o controle de doenças (OSTERA e GOSTIN, 2011).
Este trabalho visa destacar a importância de metodologias alternativas para o controle
do mosquito vetor da Dengue, assim como mostrar a importância da abordagem sanitária e de
biossegurança sobre o uso dos mosquitos geneticamente modificados no controle da dengue,
principalmente com relação ao risco à saúde e ao meio ambiente.
2 METODOLOGIA
O presente trabalho é uma pesquisa qualitativa, de modalidade teórica e com análise
da bibliografia formal, discursiva e concludente. O método de abordagem indutivo foi
escolhido com procedimento monográfico, realizando o levantamento das publicações em
base de dados nacionais e internacionais, como Pubmed e Scielo, com o objetivo de detectar o
avanço e os desafios sanitários e de biossegurança relacionados ao uso do mosquito
transgênico para controle do mosquito da dengue.
A pesquisa foi realizada de junho de 2012 a fevereiro de 2013 e o período da pesquisa
foi concentrado entre 1998 a 2013. Este recorte temporal de 15anos foi escolhido em função
da maior disponibilidade de bibliografia, da crescente preocupação com o tema nesta última
década e crescentes avanços no campo de desenvolvimento de ferramentas biológicas no
combate a vetores de doenças, como é o caso da liberação do mosquito macho estéril
geneticamente modificado do vetor Aedes aegypti, estratégia essa que interfere na habilidade
do mosquito de infectar hospedeiros humanos com o vírus da dengue.
A busca de artigos científicos e do marco regulatório foi realizada pelo uso de palavras
chaves mosquito transgênico, RIDL, dengue, Aedes aegypti. Os trabalhos e as normas
encontrados foram avaliados e analisados, o que possibilitou inferências sobre uso e
procedimentos a serem adotados para o gerenciamento de riscos associados ao uso da
ferramenta do mosquito transgênico para o combate da dengue e ao combate a riscos à saúde
pública no Brasil.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para o Brasil a dengue é um problema de saúde pública visto que entre o ano 2000 e
2010 o Ministério da Saúde contabilizou mais de 4 milhões de casos, com 500 mil internações
pelo SUS e mais de 2 mil brasileiros mortos por conta da dengue. Além disso, a dengue
representa um custo elevado ao país, fruto de internações, faltas ao trabalho e perda de vidas.
A principal dificuldade no controle eficaz desta doença é o fato do aumento populacional, que
dificulta o combate efetivo do mosquito transmissor da doença, daí a importância de se buscar
no mosquito transgênico uma medida estratégica para o combate da dengue. Em bases de
dados como NCBI e Scielo é crescente o número de estudos relatando o uso da técnica do
mosquito estéril (SIT) no combate ao vetor da dengue, assim como seu avanço desde que
começou a ser investigada.
3.1 Mosquito transgênico como estratégia de combate à dengue
O mosquito A. aegypti é uma espécie robusta, adequada à criação em massa, além de
apresentar homogeneidade de sua população, sem presença de sub-espécies. Além disso,
estudos apontam que a liberação de mosquitos machos é conveniente, visto que somente
fêmeas entram em contato com o hospedeiro humano (PHUC et al., 2007).
O uso da estratégia de liberar somente insetos machos transgênicos é interessante por
dois motivos principais: a) Primeiro, porque as fêmeas entram em contato direto com o
hospedeiro humano por meio da picada e, b) Segundo, a liberação de uma população mista de
insetos, ou seja, fêmeas e machos estéreis, poderia afetar a copulação destes e, com isso,
manter a população selvagem quase inalterada (ALPHEY e ANDREASEN, 2002).
Foi verificado que este tipo de estratégia, com a manipulação genética para o controle
de pragas e vetores, data de 1960, quando a radiação ionizante foi utilizada para gerar machos
estéreis e reduzir as populações alvo (ASMAN et al., 1981). No entanto, a irradiação de pupas
parece danificar os insetos, apesar de a irradiação de insetos adultos diminuir esse dano, os
insetos se tornam menos eficientes e pouco competitivos. A utilização de processos
radioativos pode acarretar danos somáticos, interferindo indiretamente na capacidade desses
insetos copularem e em sua longevidade (ALPHEY e ANDREASEN, 2002; BENEDICT e
ROBINSON, 2003; HELINSKI et al., 2006).
Com o advento das ferramentas da biologia molecular, foram criadas novas técnicas
que utilizam mecanismos mais complexos e pontuais para a produção de insetos estéreis.
Existem pelo menos duas abordagens: a substituição populacional dos insetos e a eliminação
de uma população de insetos selvagens (VONTAS et al., 2010).
No primeiro caso, onde há a substituição da população de insetos, a abordagem
consiste na construção de um inseto transgênico que carrega um inserto gênico e assim é
capaz de matar ou impedir a replicação ou disseminação de um patógeno específico, ou
mesmo capaz de morrer uma vez que é infectado pelo microorganismo em questão
(TERENIUS et al., 2008). Por exemplo, a transformação de células de Aedes albopictus
(linhagem C3/C6) com um plasmídeo, que transcreve um RNA invertido-repetido (RNAir)
derivado do genoma do vírus da dengue tipo 2 (DEN-2), é capaz de gerar um RNA dupla fita,
que ativa a via de RNA de interferência (RNAi), e é capaz de inibir o ciclo viral por meio da
inibição da replicação do vírus no mosquito (ADELMAN et al., 2002). No entanto, o grande
problema dessa abordagem ainda é sobre como espalhar os indivíduos geneticamente
modificados na população selvagem, a fim de que o transgene seja distribuído e seja efetivo
(HAY et al., 2010).
Utilizando outra ferramenta molecular, a técnica do inseto estéril (SIT) é um método
não poluente ao meio ambiente e que consiste basicamente no crescimento em massa de uma
população espécie-específica de insetos, em sua esterilização por irradiação e na liberação de
um grande número de insetos. (KNIPLING, 1955). Neste sistema, machos estéreis liberados
copulam com fêmeas selvagens, reduzindo assim seu potencial reprodutivo e, caso machos
suficientes sejam liberados por um período de tempo adequado, podendo quase erradicar a
população de insetos (THOMAS et al., 2000). Programas utilizando a técnica SIT em larga
escala eliminaram grande número de pragas agrícolas (DYCK et al., 2005). Alguns fatores
limitaram o sucesso desta técnica em mosquitos, como a competitividade para a cópula
reduzida e a fertilidade residual dos machos irradiados, limitações que resultaram no
desenvolvimento da estratégia RIDL – Release of Insect carrying a Dominant Lethal gene,
que compreende a liberação de machos portadores de um gene letal condicionado, onde
apenas em uma determinada condição gene será expresso (THOMAS et al., 2000; YAKOB et
al., 2008).
O princípio do RIDL é simples: se os insetos machos liberados são homozigotos para
um gene dominante e copulam com fêmeas selvagens, toda a prole será heterozigota para esse
gene dominante letal e assim não sobreviverá. O único requerimento dessa abordagem é uma
condição permissiva, sob a qual será possível o crescimento da população dos insetos antes
que ela seja liberada, e que não esteja disponível no ambiente como, por exemplo, aditivos
químicos (ALPHEY e ANDREASEN, 2002).
Baseado nessa tecnologia, a Oxford Insect Technology (Oxitec Ltd., Oxford,
Inglaterra), empresa que desenvolve tecnologias para o combate de insetos com o uso de
linhagens transgênicas, desenvolveu linhagens para o controle populacional dos vetores. A
linhagem de insetos OX513A, originada de um cruzamento entre a linhagem Rockfeller e
outra malasiana de A. aegypti, apresentou maior penetrabilidade do transgene e mostrou ser
totalmente repressível sob a condição permissiva, além de apresentar um sistema letal
dominante e de ação tardia eficientes (PHUC et al., 2007).
O inserto do transgene LA513 (Figura 1) foi microinjetado em embriões larvais de A.
aegypti para gerar a linhagem OX513A do mosquito (JASINSKIENE et al., 2007). Neste
caso, o transposon baseado no vetor piggyBac não autônomo possui primeiramente um
domínio que codifica a proteína marcadora de fluorescência vermelha DsRed2, o que
possibilita a identificação dos indivíduos que receberam o vetor transgênico. Em seguida,
existe um sistema ativador de transcrição que é repressível por tetraciclina (tTAV), cujo
produto (a proteína tTAV) liga-se a tetO, sequência que promove a produção acentuada de
tTAV por um sistema de retroalimentação positiva na ausência de tetraciclina. Na presença
deste antibiótico, esta se liga a tTAV formando com ele um complexo, que não se liga a tetO
e assim não leva à expressão aumentada de tTAV. Sendo assim, esse transgene leva a
produção de altos níveis de tTAV na ausência de tetraciclina, enquanto que a administração
do antibiótico bloqueia a expressão da proteína. A expressão de altos níveis de tTAV é tóxica
à célula, e assim esse vetor transgênico produz um sistema letal repressível por tetraciclina
(PHUC et al., 2007).
Figura 01. Representação esquemática do inserto transgene LA513 da linhagem OX513A do
mosquito Aedes Aegypti (Adaptado de PHUC et al., 2007).
Esta é uma estratégia considerada pronta para aplicações no meio ambiente, e em um
estudo comparativo entre a linhagem OX513A e uma linhagem não-transgênica, o mosquito
geneticamente modificado mostrou uma formação das pupas em menor tempo, com o
consequente desenvolvimento de adultos de tamanho menor. A formação de pupas em tempo
menor, comparado à linhagem que não carrega o transgene, pode ser algo interessante para
crescer os insetos em massa antes de sua liberação. Apesar de algumas diferenças no
crescimento em massa de insetos geneticamente modificados, aproximadamente 97-99% do
genoma desses indivíduos permanece inalterado, possibilitando assim seu uso como possível
competidor com mosquitos selvagens (BARGIELOWSKI et al., 2011).
Com o estabelecimento de linhagens transgênicas, cria-se assim uma nova ferramenta
no combate ao vetor da dengue que, após testes iniciais em ambientes naturais, pode ser
apresentada às autoridades governamentais como uma nova estratégia no combate à
disseminação da dengue.
Além dessas, uma técnica que aborda fêmeas foi também desenvolvida, a construção
denominada Flightless (OX3604). Essa linhagem gera insetos fêmeas incapazes de voar, por
meio de um transgene que afeta a produção de actina-4, proteína que impulsiona o vôo e é
diferencialmente expressa em fêmeas. Dessa forma, é gerado um fenótipo fêmea-especifico
repressível também por tetraciclina, que é incapaz de copular, alimentar-se ou realizar
atividades do seu ciclo de vida. No entanto, essa linhagem ainda não possui resultados no
campo. Uma vantagem desta técnica é que, como os indivíduos geneticamente modificados
não conseguem sobreviver, o transgene não é inserido na população e, portanto, sua liberação
no campo pode ser controlada pela liberação dos insetos transgênicos (FU et al., 2009).
3.2 Estágios de desenvolvimento da tecnologia do mosquito transgênico para combate ao
mosquito da dengue
Estudos sobre a liberação de mosquitos relacionados à técnica SIT datam da década de
60, quando esta técnica ainda era baseada na esterilização dos animais por irradiação, com
vários experimentos conduzidos em vários estados dos Estados Unidos da América (EUA), no
Quênia e na Índia. No entanto, em muitas dessas tentativas a liberação dos insetos visava
responder a questões específicas de pesquisas realizadas, e não necessariamente suprimir a
população (BENEDICT e ROBINSON, 2003).
Já estudos de campo utilizando a técnica RIDL datam de poucos anos, sendo que
muitos pioneiros foram realizados na Malásia. Os parâmetros de performance chave
esperados para machos estéreis liberados no meio ambiente são longevidade, capacidade de
dispersão e competitividade pela cópula. O primeiro estudo de campo semi-aberto
(compartimento semi-campo ACL-2 – Arthropod level 2 Containment Laboratory) foi
realizado nesse país com mosquitos machos da linhagem RIDL-OX513A. Essa linhagem
demonstrou excelente competitividade pela cópula quando comparada aos machos selvagens
nesse estudo, confirmando achados anteriores realizados em gaiolas de laboratórios de que
esta é uma intervenção promissora como uma ferramenta de controle do vetor (LEE et al.,
2012).
Um dos primeiros estudos de campo aberto com mosquitos OX513A foi realizado no
Grande Cayman, Ilhas Cayman, conduzidos em dois estágios. No primeiro deles, de menor
escala, os insetos foram liberados durante quatro semanas a partir de novembro de 2009, e foi
investigada a capacidade que os mosquitos transgênicos teriam de sobreviver no meio
“selvagem” e de copular com as fêmeas nele existentes. Os resultados mostraram que os
machos transgênicos liberados são competitivos com os selvagens e são capazes de copular
com as fêmeas (HARRIS et al., 2011). Esses resultados foram a base para o segundo estágio
do estudo, por um período de 23 semanas, em 2010, com 3,3 milhões de machos OX513A
liberados nas Ilhas Cayman, que investigou a capacidade de os insetos suprimirem a
população de mosquitos selvagens. Os resultados mostraram uma redução de 80% do número
de mosquitos selvagens 11 semanas após a liberação dos insetos no campo, que foi sustentada
por até 7 semanas após o fim do experimento e, dessa forma, validou o uso dessa abordagem
de controle de vetores como potencial supressor populacional (HARRIS et al., 2012).
Um estudo posterior em campo aberto, na Malásia, feito com o intuito de investigar a
dispersão e longevidade dos insetos machos OX513A mostrou que a presença do transgene
não parece exercer um efeito significativo sobre a longevidade dos mosquitos após sua
liberação. Além disso, apesar de a dispersão mínima e a dispersão média da linhagem
OX513A se apresentarem significativamente menores quando comparadas à linhagem
selvagem testada, o mosquito transgênico apresenta capacidade de dispersão adequada ao uso
pretendido em um programa de liberação de mosquitos estéreis (LACROIX et al., 2012).
No Brasil, a linhagem OX513A passou primeiramente por testes de competitividade
entre machos transgênicos e selvagens por linhagens Higgs de fêmeas selvagens. Foi
observado que não existe diferença significativa entre a preferência das fêmeas da linhagem
de laboratório (Higgs) pelos machos Higgs selvagens ou pelos machos transgênicos OX513A
(OLIVEIRA et al., 2011). Em fevereiro de 2011 foram autorizados pela Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança – CTNBio testes no município de Juazeiro do Norte, na Bahia,
mas os dados referentes aos testes de campo com o mosquito transgênico ainda não foram
publicados (OLIVEIRA et al., 2011).
3.3 Abordagem sanitária do uso do mosquito transgênico
Todas as expectativas e até a presente data os dados indicam que a técnica do inseto
macho estéril é um método de controle de vetores de doenças de baixo impacto negativo ao
meio ambiente e dirigido a uma espécie-específica. A produção de mosquitos modificados
pelo uso de irradiação para gerar insetos estéreis pode ser um empecilho, já que alguns
indivíduos podem ter danos em vista das doses radioativas para a esterilização dos machos. O
mosquito A. aegypti é uma espécie relativamente robusta e de fácil crescimento em massa, e
assim não existem barreiras para a sua produção em larga escala. O uso potencial da
tecnologia de mosquitos machos estéreis carregando um gene letal (RIDL), seguindo um
princípio similar ao SIT, parece adequado como uma estratégia para programas de controle da
dengue (BENEDICT e ROBINSON, 2003; DYCK et al., 2005; HARRIS et al., 2012).
Em estudos de liberação dos insetos transgênicos é comum a observação que o
transgene desaparece completamente da população rapidamente, como esperado, e não é
detectado em áreas que circundam os locais onde os experimentos de liberação foram
realizados. Isso porque indivíduos da prole dos mosquitos RIDL liberados morrem como
consequência da herança de uma mutação genética dominante letal. Sendo assim, é possível
controlar a presença da mutação na população apenas pela liberação do mosquito transgênico
no ambiente. Além disso, uma grande vantagem do uso do macho geneticamente modificado
é o fato de ele não entrar em contato com o sangue humano, já que somente fêmeas picam, e
por isso não transmitir a doença ou efeitos adversos relacionados à mutação a humanos
(PHUC et al., 2007; HARRIS et al., 2011; LACROIX et al., 2012).
Consistente com o gerenciamento de risco dessa abordagem, nenhuma característica
sugerindo efeitos adversos ao meio ambiente ou à saúde humana foi revelada nos estudos de
campo realizados (LACROIX et al., 2012). Nos estudos de liberação de mosquitos
transgênicos em campo aberto nas Ilhas Cayman foi observada uma supressão populacional
significativa, revelando o potencial em controlar a população de A. aegypti, principal vetor da
dengue, e assim diminuir sua disseminação (HARRIS et al., 2012).
Assim, considerando os dados disponíveis e com os experimentos realizados, infere-se
que há baixo impacto ambiental pelo uso dos mosquitos transgênicos no combate à dengue.
Os estudos apresentados por diversos autores sugerem que a metodologia é eficaz para o
controle do mosquito vetor da dengue, que do ponto de vista sanitário e de saúde pública é
altamente desejável. Entretanto, no Brasil, para poder afirmar o mesmo, é preciso que os
estudos autorizados pelas autoridades competentes sejam concluídos e devidamente
avalizados para que se possa concluir sobre o aspecto sanitário e a eficácia desta metodologia
como ferramenta auxiliar no combate da dengue.
3.4 Considerações de biossegurança associadas ao uso do mosquito transgênico
O conceito de Biossegurança descrito na Convenção em Diversidade Biológica (CBD,
1993) requer segurança e adequados níveis de proteção no transporte, manipulação e uso de
organismos vivos geneticamente modificados que resultam de processos biotecnológicos
modernos. Reconhece a possibilidade de efeitos adversos na conservação e no uso sustentável
da diversidade biológica e da saúde humana (WHO, 1993).
O gerenciamento de risco ensina que deve haver um balanceamento entre
custo/benefício, ou seja, os benefícios esperados dados pela eficácia da introdução de um
novo organismo geneticamente modificado e os custos que representam para a sociedade, que
incluem não apenas indicadores econômicos, mas também questões ambientais, sociais, éticas
e culturais (BEECH et al., 2009).
O gerenciamento de risco e estudos de biossegurança adequados são a base para a
decisão em se tratando de experimentos envolvendo o meio ambiente e a saúde pública. É
necessário que se estabeleça procedimentos para minimizar os potencias efeitos adversos em
humanos e ao meio ambiente, antecipando alguns possíveis efeitos que podem ser agregados à
liberação de organismos geneticamente modificados durante as fases de experimentação,
desenhando sistemas de monitoramento capazes de detectar e avaliar precocemente resultados
não esperados e planejando estratégias de intervenção, para que as informações possam ser
analisadas e interpretadas a fim de dar solução a efeitos inesperados. A análise de risco e
avaliação da biossegurança para saúde humana e impactos ambientais devem prover
informações para a tomada de decisões e para a comunicação do risco (WHEELIS et al.,
1998).
Esta tecnologia interessa a muitos países que possuem dengue endêmica, e estes têm
grandes expectativas sobre os possíveis benefícios dos métodos inovadores de controle de
disseminação de doenças que envolvem insetos vetores de doenças humanas (BEECH et al.,
2009). Em um workshop realizado na Malásia em novembro de 2008, os riscos e os
benefícios da liberação de mosquitos A. aegypti geneticamente modificados, especificamente
os que carregam o transgene com sistema letal e portador de fluorescência, foi extensivamente
analisados. Para uma liberação hipotética em larga escala dos insetos, em um ambiente
específico, a conclusão dos participantes foi de que o risco à saúde humana ou ao meio
ambiente seria de risco praticamente negligenciável, com classificação de nível 4 (não
importante). Alguns riscos de baixo nível, entretanto, foram identificados como relevantes e
de importância (BEECH et al., 2009).
O primeiro deles diz respeito à espécie Aedes albopictus, onde em um extenso período
de tempo, ao invés do contexto de um único experimento, pode apresentar tanto o potencial
risco de aumento da transmissão da doença por essa espécie como uma mudança do nicho
ecológico. O segundo relata a possível alteração de cadeias alimentares pela introdução do A.
aegypti transgênico, considerado de baixo risco já que essa espécie não é nativa da Ásia, onde
a análise foi realizada e como também é o caso do Brasil, e assim predadores não dependem
somente dessa espécie para o seu ciclo alimentar (BEECH et al., 2009).
Outro risco considerado foi o potencial de A. aegypti transgênico ser menos suscetível
a inseticidas usados nos regimes de controle e poder transferir essa resistência à população
selvagem. Essa informação sobre a possível resistência da linhagem transgênica a inseticidas
comumente utilizados foi sugerida como um fato a ser determinado, pois seria útil para
determinar formas de controlar a forma transgênica do mosquito. No entanto, os primeiros
experimentos já realizados sobre a liberação dos mosquitos no ambiente revelaram que a prole
da população liberada e os próprios progenitores, ambos sem a condição permissiva, não são
capazes de sobreviver por períodos prolongados, e desaparecem da população poucas
semanas após o cessar de sua liberação (PHUC et al., 2007; BEECH et al., 2009; HARRIS et
al., 2012).
Por fim, a hipótese de que a qualidade do solo e da água pode ser afetada foi
levantada, não como um risco que impediria a liberação dos insetos geneticamente
modificados, mas como uma recomendação para a obtenção de informações importantes, já
que é improvável que a qualidade do solo seja afetada pela liberação dos mosquitos devido ao
fato de as proteínas presentes no indivíduo serem rapidamente degradadas no trato
gastrointestinal dos mamíferos e predadores. Além disso, os genes incorporados aos
mosquitos já se encontram presentes no meio ambiente. Com relação à qualidade da água,
existe a questão da escolha de qual fonte deve ser investigada e quais parâmetros serão
testados. No entanto, esse último risco não foi investigado em estudos de liberação já
realizados (BEECH et al., 2009; HARRIS et al., 2012).
O método RIDL, que está sendo desenvolvido e testado por vários laboratórios no
mundo, aplica avanços recentes de engenharia genética que oferecem soluções a algumas
questões não favoráveis ao uso dos primeiros SITs, como a separação de machos e fêmeas e a
necessidade de esterilização por irradiação (PHUC et al., 2007; BEECH et al., 2009).
Estratégias de supressão populacional de insetos que utilizam RIDL e sistemas
similares autolimitantes são considerados de menor risco, quando comparados a tecnologias
auto-sustentáveis. O sistema RIDL nunca será fixado na população selvagem, e qualquer
efeito não esperado pode ser revertido simplesmente com a supressão da liberação dos insetos
no meio ambiente. Em qualquer caso, entretanto, é importante enfatizar que possíveis riscos
associados à liberação dos mosquitos geneticamente modificados devem ser analisados caso a
caso (BEECH et al., 2009).
3.5 Normas e exigências regulatórias necessárias para o uso da tecnologia
O protocolo de Cartagena em Biossegurança da Organização das Nações Unidas
(ONU) é um tratado multilateral que preconiza o uso responsável de organismos
geneticamente modificados (OGM) (WHO, 2003). É um acordo internacional que entrou em
vigor em 2003, com 168 países participantes, e visa garantir o manuseio, transporte e uso
seguros de organismos vivos modificados (OVM) (MARSHALL, 2010; OSTERA e
GOSTIN, 2011).
Embora o protocolo se aplique a mosquitos geneticamente modificados (mosquitos
GM), este é apenas um instrumento geral, que estabelece regras básicas internacionalmente
aceitas, mas que exigem uma complementação regulatória nacional, ou seja, cada país
estabelece regras específicas para pesquisa e desenvolvimento tecnológico de novos produtos
ou organismos GM, incluindo artrópodes geneticamente modificados para o controle de
doenças, como é o caso do mosquito transgênico para o controle da dengue (OSTERA e
GOSTIN, 2011).
O primeiro documento que guia o gerenciamento de risco direcionado ao uso de
mosquitos GM foi publicado por um grupo de trabalho denominado Ad Hoc Technical Expert
Group (AHTEG) após uma reunião em abril de 2010 em Ljubljana, na Eslovênia. O
documento guia representou um importante passo inicial para orientação das questões de
biossegurança sobre o uso de mosquitos GM no âmbito do protocolo de Cartagena,
levantando muitas considerações importantes sobre o adequado gerenciamento de risco
associado ao uso dos mosquitos como estratégia de combate a dengue, no qual recomenda-se
a necessidade de um balanço entre princípios de segurança, soberania dos Estados e ética
(MARSHALL, 2010).
O programa especial de Pesquisa e Treinamento em Doenças tropicais da ONU
(WHO/TDR) fundou em 2008 um projeto de três anos, designado MosqGuide, a fim de
desenvolver um guia para o desenvolvimento em potencial de diferentes tipos de mosquitos
GM destinados ao controle de doenças, especialmente malária e dengue. É um guia que
pretende dar apoio aos países endêmicos com relação a aspectos de biossegurança, legais,
regulatórios, éticos, culturais e sócias no que tange ao desenvolvimento dessa tecnologia. A
comissão, formada por integrantes do Reino Unido, Panamá, Brasil, México, Tailândia,
Quênia e Índia, teve por objetivo a elaboração de sete módulos de guias com boas práticas
revisadas na literatura, provenientes de práticas já realizadas e dados emergentes sobre o
assunto (MUMFORD et al., 2009).
Na Malásia, por exemplo, para a aprovação dos estudos em campo aberto com os
mosquitos GM A. aegypti, uma série de normas regulatórias foram atendidas. No país existem
dois processos regulatórios essenciais: a aprovação e a notificação. O Conselho Nacional de
Biossegurança (NBB), autoridade competente que regulamenta atividades em pesquisa e
desenvolvimento que envolvem biotecnologia moderna, deve ser notificado quanto ao uso
contido em laboratório. Para a liberação dos mosquitos GM na natureza é necessário
certificado de aprovação pelo NBB, acompanhado de gerenciamento de risco que pode ser
causado pelo uso do OGM. A importação da linhagem OX513A para o país e seus testes foi
precedida por aprovações regulatórias apropriadas de autoridades competentes, incluindo o
Comitê Nacional Conselheiro de Modificações Genéticas (GMAC). As autoridades
competentes revisaram as propostas da pesquisa, os aspectos de biocontenção durante o
crescimento em massa em laboratório e nos estudos abertos e semiabertos, e um formulário
contendo todos os detalhes da técnica e dos experimentos realizados foram enviados ao NBB.
Além de inúmeros estudos realizados sobre a análise de possível risco da tecnologia, os
estudos nas Ilhas Cayman também foram levados em consideração. Na Malásia, a
participação do público no conhecimento do experimento realizado no país também foi um
passo importante para a realização dos estudos de campo aberto (SUBRAMANIAM et al.,
2009).
No Brasil, a instância que trata de assuntos relacionados a biossegurança da
biotecnologia é a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), criada pela Lei nº
8.974 de 5 de janeiro de 1995, que foi a primeira legislação regulamentar sobre pesquisa e
produção de OGMs no país, substituída pela Lei nº 11.105 de 24 de março de 2005,
atualmente em vigor, e vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. A CTNBio é
responsável pelo suporte técnico e pela assistência ao governo federal no que tange à
formulação, atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança (PNB) para
OGMs e seus derivados. Entre as competências inclui a identificação de atividades e produtos
decorrentes do uso de OGMs e seus derivados potencialmente causadores de degradação do
meio ambiente ou que possam causar riscos à saúde humana, bem como o estabelecimento de
normas técnicas de segurança e de pareceres técnicos referentes à autorização para atividades
que envolvam pesquisa e uso comercial de OGMs e seus derivados. Além disso, a lei também
cria o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), órgão de assessoramento superior do
Presidente da República para a formulação e implementação da PNB (BRASIL, 2005).
A nova lei incorpora princípios fixados no Protocolo de Cartagena, mas acima de tudo
conferiu à CTNBio a formulação de normas específicas que tratem da biossegurança de todas
as atividades relacionados a OGMS no país. Isso significa que a CTNBio deve publicar
resoluções específicas, quando a lei não seja específico, como é o caso para insetos
geneticamente modificados, neste caso, talvez seja necessário que seja criada uma resolução
normativa específica. Isso não significa que o uso deste OGM não esteja regulado, mas talvez
seja mais eficaz se houver resolução específica.
O decreto nº 5.991, de 22 de novembro de 2005, traz em seu anexo a classificação de
vetores ou insertos utilizados no desenvolvimento de OGMs. Vetores que são adequadamente
caracterizados e desprovidos de sequências nocivas conhecidas, além de um tamanho limitado
às sequências genéticas necessárias para realizar a função projetada, são classificados com
Classe de Risco I. Aqui pode ser classificado o inserto introduzido nos mosquitos machos
OX513A (CTNBio, DECRETO 5.991/2005).
Já a Resolução Normativa nº 05, de 12 de março de 2008, estabelece regras para a
liberação comercial de OGMs e seus derivados, que deverá ser autorizada pela CTNBio após
a realização de avaliação de risco, caso a caso, sobre os potenciais efeitos da liberação
comercial do OGM e seus derivados sobre o ambiente e a saúde humana e animal. O Anexo
IV dessa resolução diz respeito aos itens que devem ser informados para a avaliação de risco
ao meio ambiente de algumas classes de OGMs. Tratando-se de organismos utilizados para
controle biológico, é necessário informar, conforme descrito na resolução normativa 05/2008:
1. A espécie alvo do controle biológico e os efeitos diretos do OGM sobre ela
comparados aos efeitos sobre o organismo parental;
2. O espectro de organismos suscetíveis ao OGM e a susceptibilidade de organismos
não-alvo ao OGM, descrevendo critérios empregados na escolha nos organismos
avaliados;
3. Os modos de ocorrência de dispersão dos OGM de um indivíduo para outro e fatores
que afetam esta dispersão;
4. Os efeitos secundários que podem ocorres nos predadores, presas, competidores e
parasitas da espécie alvo;
5. Os metabólitos produzidos pelo OGM que podem causar efeitos deletérios diretos ou
indiretos a outras espécies através da concentração na cadeia alimentar;
6. Os efeitos resultantes da transferência horizontal para outro organismo, caso ocorra;
7. As possíveis modificações genéticas que podem ocorrer em populações de organismo
alvo como resultado do emprego do OGM (CTNBio, RN 05/2008).
A Resolução Normativa nº 07, de 27 de abril de 2009, define os procedimentos para
autorizações de liberações planejadas no meio ambiente de microorganismos e animais
geneticamente modificados de Classe de Risco I e seus derivados pela CTNBio, com base nas
avaliações de risco dispostas nas Resoluções Normativas 05/2008 e 06/2008. O requerente da
autorização deverá manter registro de acompanhamento individual da liberação planejado de
animais ou microorganismos geneticamente modificados no meio ambiente, detalhando as
práticas utilizadas nos experimentos e as medidas de biossegurança aplicadas. A proposta
deve ser apresentada ao CTNBio acompanhada dos documentos descritos na resolução
normativa, e será analisada por diferentes comissões setoriais da CTNBio (CTNBio, RN
07/2009).
E por fim, a Resolução Normativa nº 08, de 03 de junho de 2009, define que para a
liberação planejada de OGMs de Classe de Risco I e seus derivados no meio ambiente, só que
de forma simplificada e destinada aos organismos transgênicos que tenham obtido aprovações
anteriores da CTNBio, para fins de avaliações experimentais. Mas este não é o caso específico
ainda do mosquito trasngênico, visto que este está apenas nas suas primeiras autorizações de
pesquisa, tanto em laboratório quanto em liberações planejadas. E a Resolução Normativa nº
08 se aplica quando já há grande quantidade de referências (CTNBio, RN 08/2009).
Examinado o marco regulatório nacional, mais o Protocolo de Cartagena, do qual o
Brasil é signatário também, infere-se que há um ambiente regulatório contemplativo para as
atividades de pesquisa e uso comercial de OGMs, incluindo os mosquitos transgênicos objeto
deste trabalho. Isso não significa que o regulatório não necessite de ajustes ou mesmo revisões
das resoluções em função dos novos conhecimentos gerados e dos avanços científicos e
tecnológicos. Em outras palavras, o marco regulatório é suficiente e abrangente para garantir a
segurança biológica do uso de OGMs. O que é necessário é que autoridades, CNBS, CTNBio
e órgãos de fiscalização atuem de forma sistêmica para que o sistema nacional de
biossegurança de OGMs seja eficaz, e a sociedade possa se valer dos benefícios da
biotecnologia e dos OGMs.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo presente trabalho foi possível verificar o grande interesse e expectativas
associadas à produção de mosquitos geneticamente modificados para o combate da
disseminação de doenças através de seus vetores. O uso de insetos machos estéreis apareceu
como uma abordagem bastante vantajosa, uma vez que esses insetos não picam humanos e,
portanto, não transmitem a doença.
A irradiação para obtenção de insetos machos estéreis, como começou a ser
desenvolvida a abordagem SIT, foi amplamente utilizada por muitas décadas como
abordagem para a eliminação de pestes agrícolas. No entanto, essa metodologia sempre
apresentou algumas desvantagens importantes no desenvolvimento da técnica: o uso da
irradiação, que pode danificar os insetos além da esterilidade, e a dificuldade em separar
machos de fêmeas.
A abordagem do mosquito transgênico RIDL, seguindo os princípios do SIT, tem sido
desenvolvida com grande sucesso, e muitos experimentos têm sido realizados em diversos
países, como Malásia, Ilhas Cayman, EUA e Brasil. Os estudos mais avançados e expressivos
até o momento foram realizados nas Ilhas Cayman, que mostraram significativa redução da
população de A. aegypti selvagem, sem danos aparente ao meio ambiente.
Os experimentos em campo, com liberação planejada, mostram resultados
promissores, mas ressalta-se que não são estudos finais, e é preciso estar atento para a
avaliação de risco tanto do ponto de vista sanitário quanto do ponto de vista de biossegurança.
Politicamente, todas as autoridades sanitárias dos mais de 100 países que se encontram nas
áreas de risco de epidemia da dengue saúdam a possibilidade de tecnologias alternativas,
como é o caso do mosquito transgênico para o controle da dengue. E do ponto de vista
sanitário e de biossegurança há esforços em âmbito multilateral, como é o caso do Protocolo
de Cartagena sobre biossegurança e também da OMS pela elaboração do MosqGuide, que se
preocupa em prover orientações que sejam seguras para esta tecnologia. No âmbito nacional o
Brasil possui um sistema nacional de biossegurança muito bem estruturado, assim como
autoridades e órgãos sanitários e de meio ambiente que são capazes de prover segurança e
eficácia de novos produtos e tecnologias usadas na saúde.
A validação desta tecnologia como ferramenta de controle ou combate da dengue
depende basicamente dos resultados das pesquisas de campo que estão sendo desenvolvidas
em diversos países do mundo. Estes experimentos de campo são destinados a avaliar a
tecnologia do ponto de vista de biossegurança, ou seja, se é seguro usar mosquitos
transgênicos do ponto de vista de saúde e do meio ambiente. Outra resposta que se busca com
estes experimentos de campo é a avaliação da eficácia epidemiológica, ou seja, se os
mosquitos transgênicos são eficazes no combate à dengue não apenas em ambiente limitado,
mas de uma forma geral para as áreas de risco. Há vários indicadores que a apontam como
uma tecnologia com potencial. É necessário, entretanto, que se aguarde a conclusão dos
estudos pelos pesquisadores para a obtenção de uma perspectiva da relação de
custos/benefícios que o uso do mosquito transgênico representa como estratégia para
combater a dengue.
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