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Resumo do capítulo 3 de Maslow
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3 – MOTIVAÇÃO DE DEFICIÊNCIA E MOTIVAÇÃO DE CRESCIMENTO
O autor toma como ponto de partida para suas considerações a busca pela
resposta à questão “o que é que faz as pessoas neuróticas?” Segundo ele a neurose
parece ser uma “doença de carência”, ou doença de deficiência cuja origem centra-
se na privação de certas satisfações às quais chama de necessidades. Seus estudos
baseiam-se nos resultados de doze anos de trabalho como pesquisador e
psicoterapeuta, e de vinte anos de estudo sobre a personalidade, de onde derivam
sua percepção de que as doenças tendem a desaparecer quando essas deficiências
são eliminadas. Tais deficiências, às quais o autor se refere, são necessidades
básicas ou instintóides se: [1] a sua ausência gerar doença; [2] a sua presença evitar
a doença; [3] a sua restauração curar a doença; [4] em certas situações (muito
complexas) de livre escolha, for preferida a outras satisfações pela pessoa privada e;
[5] for comprovadamente inativa, num baixo nível, ou funcionalmente ausente na
pessoa sadia. O autor acrescenta outras duas características que, segundo ele, são
subjetivas: [1] o anseio e o desejo consciente ou inconsciente, e [2] a sensação de
carência ou deficiência.
Essas necessidades, ou carências, traduzem-se em déficits no organismo
(comparados a buracos vazios que devem ser preenchidos de fora por outrem para
que a saúde se estabeleça). Assim como o organismo necessita de nutrientes para
que se desenvolva de maneira saudável, o mesmo ocorreria com a necessidade de
amor, afeto, segurança etc, que em falta contribuiriam para o estabelecimento das
psicopatologias.
Recentemente, segundo o autor, muitos psicólogos têm indicado alguma
tendência para o crescimento ou autoperfeição nos indivíduos humanos, endossada
pelos resultados obtidos a partir dos trabalhos em psicoterapia, psicanálise e
psicologia infantil, e a partir de estudos com soldados com lesões cerebrais e na área
da criatividade. Percebe-se essa tendência de maneira muito clara no universo
infantil. Enquanto as crianças inseguras e assustadas têm a vida marcada por
constantes episódios de carência, as saudáveis, felizes e seguras demonstram não
um comportamento orientado à supressão de suas carências ou necessidades, mas
uma profunda avidez de novas aptidões e ânsia de amadurecer, crescer e abandonar
o velho ajustamento como algo imprestável e gasto.
Para o autor há, no entanto, uma grande dificuldade em se definir a
motivação do ponto de vista comportamental. Tal dificuldade residiria em não ter-se
descoberto ainda qualquer estado objetivamente observável que seja capaz de se
relacionar com as informações subjetivas analisadas em seus estudos. Não obstante,
deve-se, segundo ele, persistir na procura de correlatos ou indicadores de estados
subjetivos.
Quando nos referimos à questão da motivação devemos considerar dois
aspectos: [1] a motivação por necessidade de crescimento e [2] a motivação pelas
necessidades básicas. Nas pessoas sadias as necessidades básicas de segurança,
filiação, amor, respeito e amor-próprio encontram-se suficientemente satisfeitas,
demonstrando tendência e orientação à individuação (definida pelo autor como o
processo de realização de potenciais, capacidades e talentos, como realização plena
de missão [vocação, destino, apelo], como um conhecimento mais completo e a
aceitação da própria natureza intrínseca da pessoa, como uma tendência incessante
para a unidade, a integração ou sinergia, dentro da própria pessoa). Assim, a
individuação não deve ser entendida como um tipo de meta distante ou um estado
final e último de coisas, mas como um processo vivo, dinâmico, ativo e contínuo de
“construção do humano” ao longo de toda uma vida, podendo ser traduzido como
“SER em vez de VIR A SER”. Desse modo, deve-se entender a individuação como um
processo de crescimento contínuo, um conjunto de motivações específicas de
crescimento que marcam toda a biografia do indivíduo, e não como a mera
satisfação progressiva de necessidades básicas. Cabe, no entanto, ressaltar que as
pessoas transitam entre as necessidades básicas e a individuação, numa relação em
que a primeira é condição prévia e necessária para a segunda.
As pessoas tendem a viver sua vida psicológica de maneira diferente, de
acordo com sua propensão à satisfação das necessidades de deficiência e quando
são dominadas pela necessidade de crescimento (necessidade de individuação). As
razões para isso encontram explicação segundo as seguintes diferenças:
1. Atitude em Relação ao Impulso: Rejeição de Impulso e Aceitação de Impulso.
É quase unânime a consideração de que as necessidades, os impulsos e os
estados motivadores são eventos importunos, irritantes, indesejáveis e
desagradáveis e, como tal, devem ser eliminados. Tal consideração encontra eco na
Psicologia Freudiana, sobretudo no que concerne o entendimento sobre a
motivação, entendida como um conjunto de impulsos que devem ser combatidos.
No entanto, as considerações da Psicologia Freudiana baseiam-se, toda ela, na
experiência com pessoas doentes que, partindo de más experiências com as suas
necessidades, usualmente manipulam os impulsos, que lhes causaram perturbações
de ordem psíquica, por meio da repressão.
A degradação do desejo e da necessidade foi tema de inúmeras
considerações filosóficas, teológicas e científicas ao longo da história humana que,
partindo muitas vezes de pontos de vista divergentes, concordam que a supressão
ou a melhoria do estado desagradável de coisas de carência, de desejo e de
necessidade, traz como resultado o aumento da felicidade, prazer ou bem.
Embora tenha-se a tendência a considerar as necessidades fisiológicas, as
necessidades de segurança, amor, respeito e informação como inconvenientes e
potencialmente nocivas, um exame mais aprofundado revela que a maneira como
tais necessidades são encaradas é diretamente dependente da maneira como cada
indivíduo vivenciou tais necessidades. Se o indivíduo teve experiências passadas
satisfatórias ou se pode contar com a satisfação presente e futura, este pode aceitar
e desfrutar suas necessidades e acolhê-las na consciência. Dessa forma, tais
necessidades são bem recebidas, invés de temidas, sobretudo quando tratamos da
temática da individuação.
2. Efeitos Diferenciais da Satisfação
De acordo com a maioria das concepções o desejo de satisfação das
necessidades leva a efeito um círculo vicioso: o organismo mobiliza forças para que
suas necessidades sejam satisfeitas, o que leva a um estado virtual de homeostase.
Virtual porque uma vez supridas tais necessidades geram no indivíduo a expectativa
e a ansiedade de que novas necessidades surgirão, ocasionando assim a mobilização
de novas forças determinadas à sua supressão que, uma vez supridas, levarão à
novas expectativas de que outras necessidades surgirão e assim por diante. Diante
desse círculo vicioso alguns questionamentos se fazem necessários: como se dá o
desenvolvimento, ou movimento, ou se define uma direção? Por que é que as
pessoas melhoram ou se aperfeiçoam ou progridem? Como ficam mais experientes
ou mais criteriosas? O que significa o gosto pela vida?
Duas considerações devem ser feitas: [1] a satisfação de uma necessidade e
sua consequente remoção do campo das carências provocam o aparecimento de
outra necessidade “mais alta” na consciência (a carência e o desejo continuam, mas
em nível “superior”); [2] quando examinamos pessoas que são predominantemente
motivadas para o crescimento, a satisfação de uma necessidade gera uma crescente
motivação, uma excitação intensificada, não atenuada. Em vez de querer cada vez
menos, a pessoa quer cada vez mais, de modo que invés de chegar a um estado de
repouso, a pessoa torna-se mais ativa e engajada na direção da excelência, ainda
que a ambição do indivíduo seja simplesmente a de ser um bom ser humano.
Percebe-se que as pessoas dotadas de individuação tendem a desfrutar a
vida em geral em todos os seus aspectos, enquanto que as outras pessoas gozam
apenas de momentos dispersos de realização ou experiências culminantes. O que
pode ser explicado se levarmos em conta que a natureza inerentemente agradável
do crescimento e do ser crescido culmina na validade intrínseca da existência. Os
motivos de crescimento, por outro lado, mantém a tensão no interesse de objetivos
distantes e frequentemente inatingíveis.
3. Efeitos Clínicos e Personológicos da Satisfação
Há, segundo o autor, dois tipos de satisfação da necessidade: [1] a satisfação
por déficit e a [2] satisfação de crescimento; ambas têm efeitos subjetivos e
objetivos diferenciais sobre a personalidade. Em outras palavras: a satisfação de
deficiências evita a doença; as satisfações do crescimento produzem a saúde
positiva. Isso pode ser entendido como um contraste entre viver plenamente e a
preparação para viver plenamente, entre crescer e ser crescido.
4. Diferentes Espécies de Prazer
Erich Fromm distingue os prazeres superiores dos inferiores, isto é, os
prazeres de abundância, (associados à produção, criação, e desenvolvimento da
introvisão, que se traduz no prazer que acompanha o crescimento e que tende a
continuar se desenrolando para sempre), do prazer de escassez que, na melhor das
hipóteses, deve ser denominado “alívio” tendo maiores probabilidades de
desaparecer.
5. Estados-Metas Atingíveis (Episódicos) e Inatingíveis
A satisfação da necessidade por deficiência e a satisfação da necessidade de
crescimento são diametralmente opostas no que concerne à sua duração. Se a
primeira tende a ser episódica e ascendente, cujo prazer adquirido de sua satisfação
cai rapidamente para um platô de sereno alívio de tensão e falta de motivação, na
segunda não se percebe a presença de um clímax ou consumação, uma vez que o
crescimento é um projeto contínuo, progressivo e interminável de desenvolvimento
humano, cuja carência nunca poderá ser satisfeita.
6. Metas da Espécie e Metas Idiossincrásicas
Todos os membros da espécie humana, e em certo sentido todas as outras
espécies, compartilham os mesmos tipos de carência. Não obstante, a individuação
é um processo idiossincrásico, uma vez que a ontogênese permeia a diferenciação
de cada um dos indivíduos. Isso considerado, deve-se levar em conta que antes do
individual aflorar é necessário que as deficiências da espécie tenham sido devida e
ordinariamente satisfeitas. Só assim haverá condições para o desenvolvimento da
individualidade.
7. Dependência e Independência do Ambiente
Todos os indivíduos sofrem uma considerável dependência do ambiente,
uma vez que suas necessidades de segurança, filiação, relações de amor e respeito
só podem ser satisfeitas por outras pessoas, às quais o indivíduo deve estar
vinculado. Dessa forma, podemos afirmar que uma pessoa nessa posição de
dependência não possui (de maneira integral) autonomia em relação ao ambiente,
devendo ajustar-se e adaptar-se de forma flexível a este, uma vez que o indivíduo é
a variável dependente, enquanto o ambiente é a variável fixa, isto é, independente.
Os indivíduos orientados para a supressão de suas deficiências devem temer
o ambiente, uma vez de que não há garantias de que este satisfaça suas
necessidades. Por outro lado, o indivíduo capaz de individuação é aquela cujas
necessidades básicas foram satisfeitas, encontrando-se numa posição de
autosuficiência, muito mais autônomos e egodirigidos. Em outras palavras, as
determinantes que o governam são internas e não mais externas, e como
dependem cada vez menos de fatores externos, tendem a ser menos ansiosas e
hostis, necessitando menos do apreço e recompensas do ambiente externo, o que o
autor denomina “liberdade psicológica”.
8. Relações Interpessoais Interessadas e Desinteressadas
Os indivíduos motivados pela deficiência tendem a ser muito mais
dependentes de outras pessoas que aqueles em que há uma predominância da
motivação para o crescimento. Nos primeiros as relações interpessoais tendem a ser
vistas do ponto de vista de sua utilidade e o que não se relaciona às necessidades do
percebedor frequentemente ocasionam irritação, tédio, ameaça ou são tratadas
com profunda negligência. Por outro lado, as relações marcadas pela motivação de
crescimento a percepção se mostra completamente desinteressada do ponto de
vista utilitário. Nessas relações os indivíduos são mais admirados por suas
qualidades objetivamente admiráveis e por suas qualidades intrínsecas do que por
lisonjas ou elogios. As pessoas são amadas mais porque são dignas de amor do que
por dar amor.
9. Egocentrismo e Egotranscendência
Defronta-se com um difícil paradoxo ao tentar-se descrever a complexa
atitude em relação ao eu ou ego da pessoa orientada para o crescimento e a
individuação. É justamente essa pessoa a que pode ser mais centrada no problema.
Quanto mais motivada para o crescimento a pessoa for, mais centrada no problema
poderá ser.
10. Psicologia Interpessoal e Psicologia Intrapessoal
Como apontado anteriormente pelo autor a neurose é uma doença de
deficiência e a recorrência à terapia em busca de tratamento sugere que esta deve
suprir as carências das pessoas que a ela recorrem, de modo que, se esses
suprimentos partem do terapeuta em direção ao cliente então a terapia comum
deve ser encarada como um evento interpessoal. Por outro lado, nas pessoas
motivadas para o crescimento (e não para a deficiência) percebe-se uma forte
tendência de buscarem em si próprias as soluções para seu problemas e conflitos,
analisando-se e perscrutando o seu íntimo, num processo intrapessoal de auto-
aperfeiçoamento e auto-análise. A esse aperfeiçoamento de uma pessoa que já está
bem Oswald Schwarz chamou “psicogogia”. Se a psicoterapia faz das pessoas
doentes não-doentes e remove sintomas, então a psicogogia começa onde a terapia
parou e faz das pessoas não-doentes pessoas sadias.
11. Aprendizagem Instrumental e Mudança de Personalidade
As teorias da aprendizagem nos EUA mantiveram durante muito tempo o
foco no interesse em se compreender qual a melhor maneira de suprimir uma
necessidade. Contudo, se por um lado esse foco mostra-se funcional em algumas
áreas da vida, por outro apresenta-se disfuncional quando o foco é o problema da
motivação pelo crescimento e a individuação. Nesse caso a mudança passa a ser
menos uma aquisição de hábitos ou associações, uma a uma (aprendizagem
instrumental) e muito mais uma transformação total da pessoa total (mudança de
personalidade). Assim, a aprendizagem passa a ser vista não como mera adição de
hábitos no repertório do sujeito, mas como uma mudança total (holística) do
indivíduo, encarado como um todo complexo e altamente integrado, e o
crescimento como a “auto permissão” da pessoa em “ser ela própria”, despojada de
inibições e limitações.
12. Percepção Motivada pela Deficiência e Motivada pelo Crescimento
O entendimento do autor sobre percepção centra-se em dois tipos de
percepção: [1] a percepção interessada na necessidade e [2] a percepção
desinteressada na necessidade. As pessoas cuja percepção centra-se na deficiência
tendem a ver o mundo em termos dicotômicos e/ou maniqueístas, no qual a lógica
bimodal aristotélica permeia a captação dos estímulos. Assim, as classes e os
conceitos são percebidos em termos de sim-não, adulto-criança, macho-fêmea,
egoísta-altruísta, bom-mau etc. Em contrapartida, a percepção de mundo motivada
pelo crescimento considera as contradições como partes integrantes do mundo e,
por consequência, dos indivíduos. Assim, TODA pessoa é vista como boa e má,
egoísta e altruísta, macho e fêmea, adulta e criança
Esse tipo de percepção totalizante leva a cabo, segundo o autor, a seguinte
conclusão: “queremos ser tomados por nós próprios, ser aceitos como indivíduos
completos e totais. Não nos agrada sermos percebidos como objetos úteis ou
instrumentos. Desagrada-nos ser ‘usados’”.
13. Amor Interessado e Amor Desinteressado
O amor enquanto necessidade é sempre uma necessidade de déficit,
manifestado como um buraco sempre a ser preenchido. O autor aponta que se essa
necessidade curativa não for suprida uma grave patologia se instalará. Contudo, se
estiver ao alcance do indivíduo no momento certo, em doses e estilos adequados
então a patologia será evitada.
O indivíduo sadio não sofre da ausência do amor a não ser de pequenas e
regulares doses de “manutenção”, podendo até mesmo passar sem elas durante
razoáveis períodos de tempo. Tais pessoas, mais sadias, embora precisem menos de
receber amor, são as que estão mais sujeitas a compartilhar (dar) amor, podendo
ser encaradas (nesse sentido) como mais amantes.
Há assim um contraponto entre o amor pelo Ser (S-amor) e o amor-
deficiência (D-amor), pois enquanto o primeiro é desinteressado, altruísta e
incondicional, o segundo manifesta-se de modo egoísta, uma forma de amor-
deficiência, a necessidade do amor (do outro). Desse modo, percebe-se que o S-
amor é uma experiência subjetiva mais rica e valiosa que o D-amor. Isso porque os
chamados S-amantes são mais autônomos e independentes do amor do outro; mais
individuais e desinteressados, menos exigentes e mais interessados em ajudar o
outro no sentido da individuação, o que não se percebe nos D-amantes, dos quais
devemos esperar sempre um certo grau de ansiedade-hostilidade. Em outras
palavras: não é o amor que cega as pessoas, é justamente o não-amor que as torna
cegas.