Mp - Pernambuco - Racismo Institucional

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Estudo sobre o Racismo em esferas Institucionais. Obra com pesquisa realizada e publicada pelo MPPE.

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  • MINISTRIO PBLICO DE PERNAMBUCOGRUPO DE TRABALHO SOBRE DISCRIMINAO RACIAL

    GT - RACISMO

    O RACISMO INSTITUCIONAL COMO ELEMENTO DIFICULTADOR DO COMBATE AO RACISMO NO MINISTRIO PBLICO

    Maria Bernadete Martins de Azevedo Figueiroa Procuradora de Justia do Ministrio Pblico de PernambucoCoordenadora do GT Racismo

    1. JUSTIFICATIVA

    O debate sobre relaes raciais na sociedade brasileira tem se intensificado no incio deste

    sculo, especialmente a partir da renovao dos compromissos assumidos na II Conferncia

    Mundial Contra o Racismo, a Xenofobia, a Discriminao Racial e Formas Correlatas de

    Intolerncia, realizada em setembro de 2001, em Durban, na frica do Sul, da qual o Brasil

    participou ativamente, atravs dos organismos governamentais e do Movimento Negro.

    Posteriormente, em 12.06.2003, mediante Declarao Facultativa Conveno, reconheceu

    a competncia do Comit Internacional para a Eliminao da Discriminao Racial, a fim

    de receber e analisar denncias contra violao de direitos humanos.

    Esta circunstncia, aliada maturidade poltica dos movimentos sociais negros, tem

    forado a criao de novas demandas e a efetiva aplicao de princpios e normas h muito

    inseridos na ordem jurdica brasileira, gerando a necessidade de uma releitura crtica

    desses princpios e normas, numa perspectiva que considere a diversidade e a igualdade

    tnico-racial como um imperativo tico e jurdico a ser imediatamente implementado.

    No entanto, observa-se que, de um modo geral, nas instituies sociais, especialmente no

    mbito das instituies jurdicas encarregadas dessas mudanas, predomina uma viso

    preconceituosa construda historicamente em relao ao povo negro, contrapondo-se a uma

    identificao positiva do branco. Essas prticas estabelecidas, a par de trivializar as

    violaes de direitos sofridas por aquele segmento discriminado, possibilita uma ao

    institucional que dificulta ou mesmo impede a implementao de polticas pblicas

    afirmativas que tm por objetivo combater o racismo promovendo aes concretas de

    enfrentamento.

  • Nesse contexto, o objetivo desse trabalho demonstrar, a partir da experincia do Grupo de

    Trabalho sobre Discriminao Racial do Ministrio Pblico de Pernambuco - GT-

    Racismo,1 a necessidade de discusso, reflexo, apreenso e disseminao do conceito de

    Racismo Institucional, como estratgia de percepo das prticas institucionais racistas,

    reproduzidas ao longo dos sculos.

    Notadamente no que se refere ao Ministrio Pblico, como rgo essencial administrao

    da Justia (CF, artigo 127), tais prticas impedem uma ao focada na garantia do direito

    incluso social da populao afrodescendente. Neste sentido, o presente trabalho poder

    subsidiar a construo de novas prticas institucionais, sintonizadas com as diversas

    dimenses que conformam as demandas da sociedade nesse novo milnio.

    1.1 RACISMO E POBREZA

    Os indicadores sociais existentes so incisivos na demonstrao de que as mudanas sociais

    ocorridas no Brasil, no decorrer do sculo XX, embora tenham sido positivas em muitos

    aspectos, no representaram qualquer alterao relativa qualidade de vida dos grupos

    discriminados, mantendo-os num quadro de condies de vida aviltante e degradante

    (HENRIQUES; CAVALLEIRO, 2005). Com vistas ao enfrentamento dessa situao de

    desigualdade, impelido pelo ordenamento jurdico interno, pela comunidade internacional

    das naes democrticas e pelas novas demandas da sociedade, o Estado brasileiro tem

    introduzido, ainda que timidamente, polticas pblicas especficas que levam em conta

    essas diferenas, tais como aquelas voltadas s populaes afrodescendentes.

    Entre os estudiosos da temtica racial (GOMES, 2005; HENRIQUES; CAVALLEIRO,

    2005; SALES JUNIOR, 2006) h um consenso de que a forma como foram historicamente

    construdas as relaes raciais no Brasil ao longo dos seus quinhentos anos - a fuso de

    etnias e culturas, o mito da democracia racial, etc - possibilitou um racismo fragmentado,

    no dito, disfarado, que naturaliza o lugar social da pessoa negra como uma conseqncia

    natural dessa condio.

    Embora a populao brasileira seja composta de 45 % de pretos e pardos, dados do IPEA

    revelam que 64% dos pobres e 69% dos que esto abaixo da linha de pobreza so negros,

    numa demonstrao de que, como observa Henriques (2001, p. 2), a pobreza um dos

    mais agudos problemas econmicos do pas, mas a desigualdade principal determinante

    da pobreza o maior problema estrutural do Brasil, contrapondo-se ao argumento de que

    a desigualdade um problema social e no racial. Essa super-representao negativa

    tambm demonstra que a democracia brasileira reflete, em certo sentido, o mito da

    1 O referido Grupo de Trabalho foi institudo mediante Portaria do Procurador Geral da Justia publicada no DOE do dia 10.12.2002 e composto por 4 procuradores/procuradores de justia, 5 promotores/promotoras de justia das diversas reas de cidadania da capital e regio metropolitana, um servidor e uma servidora do MPPE.

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  • democracia racial, na medida em que, embora asseverando ter por objetivo primeiro

    construir uma sociedade livre, justa e solidria (CF, art. 3. I), o Estado de Direito no

    tem agido concretamente atravs de suas instituies democrticas na consecuo desse

    desiderato.

    Por sua vez, estudos e pesquisas recentes (BARROS, 2006; SALES JUNIOR, 2006)

    demonstram que a reproduo secular dessas situaes de desigualdade tem sido

    alimentada em razo de preconceitos e esteretipos racistas disseminados e fortalecida

    pelas mais diversas instituies sociais, tais como a famlia, a escola, os meios de

    comunicao, e o que mais grave, pelas prprias instituies do Estado que, em tese,

    deveriam garantir a realizao de uma cidadania plena, com a participao de todos .

    Todavia, em que pese j existir um aparato legislativo significativo, inclusive um Programa

    Nacional de Direitos Humanos prevendo aes afirmativas em favor de grupos

    vulnerveis, e apesar de serem evidentes as condies de desvantagem nas quais se

    encontra a grande maioria da populao negra, mesmo em relao aos outros pobres no

    negros, o Ministrio Pblico, de um modo geral, no tem empreendido aes institucionais

    de enfrentamento dessas discriminaes de modo eficiente, utilizando-se de um discurso

    legalista que remete a uma interpretao literal, isolada e descomprometida dos princpios e

    normas quando se trata dos direitos da populao negra.

    Entende-se que essa postura uma forma grave de omisso, principalmente quando a

    mesma ocorre dentro de rgos encarregados pela Constituio de garantir o respeito e de

    assegurar o exerccio dos direitos fundamentais, sem qualquer distino de raa, cor, sexo,

    origem, nacionalidade ou etnia, como no caso do Ministrio Pblico. Portanto, um dos

    maiores desafios atuais que se apresenta a esta instituio ter uma atuao que assegure

    aos seguimentos discriminados da sociedade, como a populao negra, por exemplo,

    padres dignos de cidadania no exerccio dos direitos sociais, tendo como meta a utopia

    configurada na promessa constitucional de igualdade e justia social.

    Pode-se, ento, concluir que o combate discriminao racial em todas as suas formas de

    manifestao, antes de ser uma atribuio a mais entre tantas outras, um compromisso

    prioritrio do Ministrio Pblico como instituio incumbida de zelar pelo efetivo respeito

    dos poderes pblicos e dos servios de relevncia pblica aos direitos assegurados [na]

    Constituio, promovendo as medidas necessrias a sua garantia (CF, artigo 129, inciso

    II).

    1.2 RACISMO, DISCRIMINAO RACIAL E RACISMO INSTITUCIONAL

    Ao longo dos tempos, a crena na existncia de raas superiores e inferiores racismo - foi

    utilizada para justificar a escravido e o domnio de determinados povos por outros. No

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  • Brasil, o fato de no haver uma legislao segregadora, nos moldes do apartheid, no tem

    impedido a existncia do racismo, como se pode constatar da simples verificao de dados

    disponibilizados pelos rgos oficiais como IPEA e IBGE, os quais demonstram com

    clareza que a populao negra compreendidos pretos e pardos vem se mantendo ao

    longo dos sculos em condies de vida inferior a populao no negra. Sejam quais forem

    os indicadores utilizados renda, educao, sade, habitao, etc as pesquisas sinalizam

    para a presena do racismo como elemento potencializador e reprodutor dessas condies

    (HENRIQUES, 2001).

    A ideologia racista, subentendendo ou afirmando claramente a existncia de raas puras,

    superiores s demais e que tal superioridade autoriza uma hegemonia poltica e histrica,

    valoriza positivamente essas caractersticas fsicas hegemnicas, em detrimento da

    populao negra, gerando uma concepo de mundo que hierarquiza os grupos humanos

    por suas diferenas raciais.

    A discriminao racial se diferencia do racismo, na medida em que se configura numa

    prtica, uma ao de excluso, restrio ou preferncia que impede, restringe ou dificulta o

    acesso igualitrio de determinados grupos em razo da cor.

    Para anlise a que este trabalho se prope, utiliza-se o conceito de discriminao racial

    definido pela ONU (BRASIL, 2006), entendido como qualquer distino, excluso,

    restrio ou preferncia baseada na raa, cor, ascendncia, origem tnica ou nacional com a

    finalidade ou efeito de impedir ou dificultar o reconhecimento e/ou exerccio, em bases de

    igualdade, aos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos poltico, econmico

    social,cultural ou qualquer outra rea da vida publica

    A discusso sobre o Racismo Institucional nos meios governamentais do Brasil surgiu a

    partir da proposta do Programa de Combate ao Racismo Institucional no Nordeste do

    Brasil PCRI - desenvolvido pelo PNUD/DFID, programa de cooperao internacional

    comprometido com a erradicao da pobreza no mundo, na perspectiva do cumprimento

    das chamadas Metas do Milnio.

    O racismo institucional, assim compreendido, como o fracasso coletivo de uma

    organizao em prever um servio profissional e adequado s pessoas por causa de sua cor,

    cultura ou origem tnica. Nesse diapaso, o racismo institucional pode ser visto ou

    detectado em processos, atitudes ou comportamentos que denotam discriminao resultante

    de preconceito inconsciente, ignorncia, falta de ateno ou de esteretipos racistas que

    colocam minorias tnicas em desvantagem e determina a inrcia das instituies e

    organizaes frente s evidncias das desigualdades raciais (DFID, 2004).

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  • Trata-se de um conceito que, na viso do referido Programa, possibilita identificar os

    mecanismos institucionais racistas consubstanciados em leis, normas atitudes e

    comportamentos estabelecidos, visto que o Racismo Institucional, enquanto um no-dito

    nas relaes raciais, engendra arranjos institucionais que restringem a participao de

    determinado grupo racial, ora afetando a punibilidade do racismo (SALES JNIOR, 2006)

    ora forjando uma conduta rgida frente s populaes discriminadas.

    Alm desse aspecto externo que se reflete na qualidade da prestao do servio sociedade,

    o Racismo Institucional tambm permeia os Ministrio Pblico na sua composio, (como

    de resto, as demais instituies e as organizaes privadas) na medida em que no se

    questiona e se v como natural o racismo refletido em sua hierarquia interna, onde os

    cargos e os salrios mais elevados e representativos de poder se encontram

    majoritariamente com as pessoas brancas, contrapondo-se a um segmento terceirizado

    predominantemente constitudo de pretos e pardos.

    1.3 A EXPERINCIA DO MINISTRIO PBLICO DE PERNAMBUCO NO

    COMBATE AO RACISMO: LIMITES E POTENCIALIDADES

    Na esteira da II Conferncia Mundial contra o Racismo, Discriminao Racial, Xenofobia

    Intolerncias Correlatas em Durban, em setembro de 2001, instalou-se o debate na

    sociedade brasileira sobre a discriminao, aes afirmativas e as cotas, gerando uma

    expectativa justa dos movimentos sociais negros em relao s instituies responsveis

    pela efetivao dos direitos reclamados, o que, por sua vez, vem suscitando uma avalanche

    de questionamentos em torno de temas como igualdade formal e igualdade material,

    universalidade e seletividade, direito e privilgio, motivando o estabelecimento do conflito

    legtimo, porque prprio da Democracia.

    Neste sentido que, para Chau (2006, p. 139), por seu vnculo constitutivo com o

    conflito, a Democracia no cessa de fazer surgir novos sujeitos polticos, que emergem dos

    conflitos e so criadores de direitos novos. Ela , fundamentalmente, processo de criao de

    direitos (o que tambm uma de suas originalidades) e, por isso mesmo, uma forma

    poltica aberta ao tempo e histria. Como sabido, o processo de aperfeioamento da

    democracia se d atravs do eficiente funcionamento de suas instituies.

    Nos limites a que se prope este trabalho, apenas se coloca essa questo como indicativa da

    situao estratgica em que se encontram instituies como o Ministrio Pblico, ao

    mesmo tempo Fiscal da Lei e agente poltico garantidor da cidadania. Por seu turno, ao

    prestgio por ele alcanado perante a sociedade ao longo de quase duas dcadas,

    corresponde a responsabilidade de ser a ponte para a consolidao dos direitos novos a

    que se refere a autora citada, impulsionando-o aes concretas e transformadoras,

    previstas no texto constitucional: Constituem objetivos fundamentais da Repblica

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  • Federativa do Brasil: I construir uma sociedade livre, justa e solidria; II garantir o

    desenvolvimento nacional;III - erradicar a pobreza e marginalizao reduzir as

    desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de

    origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outra forma de discriminao (CF, art. 3.).

    Sobre esse tema, discorre ROCHA (1996, p. 93 apud GOMES, 2005, p. 62): Verifica-se

    que todos os verbos utilizados na expresso normativa construir, erradicar, reduzir,

    promover so de ao, vale dizer, designam um comportamento ativo. O que se tem, pois,

    que os objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil so definidos em termos

    de obrigaes transformadoras do quadro social e poltico retratado pelo constituinte

    quando da elaborao do texto constitucional. Donde se pode deduzir que o Ministrio

    Pblico no pode se omitir de uma atuao proativa, que contribua efetivamente para a

    transformao dessa realidade.

    Nesse contexto, o Ministrio Pblico de Pernambuco MPPE , a partir da iniciativa de um

    grupo de promotores e procuradores da cidadania, criou o Grupo de Trabalho Sobre

    Discriminao Racial GT-Racismo , com o objetivo geral de desenvolver estratgias de

    incluso social mediante aes de combate s atitudes discriminatrias, inserindo a

    temtica racial na prtica institucional. Nessa perspectiva, foi construdo, junto com a

    assessoria de Planejamento do MPPE, um Plano de Atuao para o GT-Racismo, com

    metas, prazos e responsveis bem definidos, a partir de uma Audincia Pblica com o

    Movimento Negro de Pernambuco, que props duas prioridades bsicas: 1.Garantir a

    implementao da Lei N 10.639/03 (que altera a Lei no. 9.394, de 20 de dezembro de

    1996, para incluir no currculo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temtica

    Histria e Cultura Afro-Brasileira), e 2. Garantir a implementao de polticas pblicas

    de Sade da Populao Negra.

    To logo instalou-se o debate dentro da instituio, o Grupo se apercebeu de que havia

    dificuldade de percepo, por parte da maioria dos membros e servidores, da existncia

    do racismo como um dado real, capaz de interferir negativamente na vida das pessoas,

    porque h uma concepo no imaginrio social de que se vive numa democracia racial.

    Ora, se o racismo no existe, e se h tantas questes realmente importantes na agenda

    do Ministrio Pblico, para que, ento, enfrent-lo? Por outro lado, se no se assume que

    existe racismo, inclusive dentro do Ministrio Pblico, como este poder prestar um servio

    isento, adequado, que contemple essas novas demandas, que implemente a legislao anti-

    racista, penalizando as violaes desses direitos?

    A parceria com o Programa de Combate ao Racismo Institucional oportunizou a realizao

    de oficinas de capacitao e sensibilizao sobre este tema no MPPE com equipes tcnicas

    multidisciplinares especializadas em relaes raciais, com a participao do Movimento

    Negro, possibilitando a capacitao de cerca de 100 promotores e 40 servidores. Nessas

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  • ocasies, foram reconstrudas e, em alguns casos relatados, experincias vividas que

    retratavam o racismo implcito, revelando, por outro lado, que a complexidade do tema

    ultrapassa, em muito, uma abordagem meramente jurdica. Pde-se observar que esse

    processo alterou, em certos casos de forma visvel, a prtica institucional de alguns

    participantes.

    A ausncia dessa discusso, da apropriao de conhecimentos especficos sobre o tema, a

    interao com os movimentos sociais negros dentro das instituies, porm, pode

    representar um dos maiores entraves para a compreenso da necessidade das polticas

    pblicas afirmativas, de um modo geral, e, em particular, da implementao da Lei

    10.639/03.

    1.4Lei 10.630 de 09 de janeiro de 2003 - Ensino da Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana

    A Lei 10.639, de 09 de janeiro de 2003 - que alterou a Lei n. 9394/96, de Diretrizes e Bases

    da Educao Nacional, estabelecendo a obrigatoriedade do ensino da Histria e Cultura

    Afro-Brasileira e Africana na Educao Bsica - um instrumento legal de fundamental

    relevncia no sentido de serem reconstrudas as relaes raciais entre negros e no negros

    no Brasil, na medida em que essa lei contm as premissas bsicas para a implantao de

    uma educao cujas prticas pedaggicas considerem positivamente as relaes tnico-

    raciais, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exerccio da

    cidadania e sua qualificao para o trabalho (art. 205, CF). Essa lei representa uma

    conquista do Movimento Negro do Brasil, e um avano em direo garantia plena dos

    direitos, pela efetiva contribuio para a cidadania de uma populao que teve interditada a

    sua participao positiva na Histria por ela tambm construda.

    Objetivando a sua implementao, o Ministrio da Educao, atravs do Conselho Nacional

    de Educao, editou o Parecer n 003/2004, aprovado em 10.03.2004, dirigido aos

    Conselhos de Educao dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, estabelecendo

    Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao das Relaes tnico Raciais. Trata-se de

    uma Ao Afirmativa bsica com foco no racismo institucional e no racismo individual,

    voltada para a formao de professores e gestores, a elaborao e distribuio de material

    didtico e paradidtico, currculo escolar e projeto poltico pedaggico.

    No obstante esteja em vigor h mais de 4 anos e em que pese sua importncia para o

    combate ao racismo, o desconhecimento quanto a existncia dessa lei e a resistncia sua

    implementao nos mais diversos nveis de poder, so reveladores do quanto difcil para a

    populao negra se fazer ouvir e respeitar.

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  • Enquanto isso, segmentos expressivos das representaes dominantes da sociedade, reitera

    o senso comum da permanncia do mito da democracia racial, utilizando-se do discurso

    de repdio s cotas, como elemento instaurador do conflito institudo. Dessa forma,

    desconsidera-se a realidade, porque o mito cristaliza crenas e valores que so

    interiorizados pela sociedade como se realidade fosse, desempenhando uma funo

    apaziguadora e repetidora do status quo existente, como suporte da ideologia dominante,

    encarregada de manter a matriz mtica inicial (CHAUI, 2007).

    Portanto, sendo a escola um espao privilegiado de construo (e desconstruo) de

    valores, se a Lei 10.639/03 determina uma ao de construo e disseminao de

    conhecimentos sobre o racismo e suas conseqncias, mediante um compromisso tico e

    poltico de uma educao anti-racista, urgente que se priorize sua implementao, como

    ao transformadora.

    1.5 O CRIME DE RACISMO

    No que diz respeito a estratgia repressivo-punitiva para o enfrentamento da discriminao,

    observa-se que o crime de racismo, no obstante figurar como inafianvel e

    imprescritvel no texto constitucional, sujeito pena de recluso, nos termos da lei (CF,

    artigo 5, XLII), os estudos recentes (SILVA JR, 2006 ) demonstram que a impunidade

    a regra e que o mito da democracia racial e o racismo institucional (SALES, 2006)

    tambm dificultam, quando no inviabilizam por completo, a punio desses crimes.

    Nestes, a ao supostamente ilcita analisada isoladamente de seu contexto discursivo,

    favorecendo uma interpretao que sempre beneficia inconscientemente o agente

    discriminador - ou porque a ocorrncia sequer ultrapassa a esfera policial, ou porque,

    considerada como injria qualificada (artigo 140, 3. CP) possibilita, via de regra, a

    decadncia, quando, na maioria das vezes, a hiptese tpica do crime de discriminao

    racial previsto no artigo 20 da Lei 7.716/89, que imprescritvel e cuja titularidade da ao

    do Ministrio Pblico.

    Tese apresentada pelo promotor de justia Roberto Brayner, membro do GT-Racismo, no

    VI Congresso Estadual do MPPE, em setembro de 2005, defende que os crimes de injria,

    praticados com ofensas verbais de contedo racista, so crimes de racismo (Lei. 7.716/89,

    art. 20), em face da manifesta inconstitucionalidade do artigo 140 3 do Cdigo Penal,

    frente ao que dispes o artigo 5, XXLII, da Constituio Federal.

    Esse entendimento est em consonncia com as recomendaes do Comit sobre a

    Eliminao da Discriminao Racial, institudo pela Conveno Internacional sobre

    Eliminao de Todas as Formas de Discriminao Racial, o qual destaca que as

    investigaes relacionadas discriminao racial devem ser conduzidas com diligncia e

    agilidade, a fim de que proporcionem o esclarecimento rpido dos fatos, principalmente

    quando praticados em pblico e por grupos, recomendando a reviso da poltica e dos

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  • procedimentos nesses casos, inclusive com pagamento de indenizaes para amenizar os

    danos.

    Por sua vez, a alterao produzida pela Emenda Constitucional n 45, de 08 de dezembro de

    2004 que acrescentou o 3 ao artigo 5 da Constituio, atribui maior relevncia aos

    Tratados e Convenes Internacionais de Direitos Humanos (art. 5 3 e 4., CF), na

    medida em que prev a aplicabilidade imediata dessas normas de garantia de direitos

    fundamentais, incorporando-as automaticamente Ordem Jurdica brasileira e declara a

    submisso do Brasil ao Tribunal Penal Internacional

    2. CONCLUSES E PROPOSIES

    A renovao dos compromissos assumidos pelo Brasil para o combate discriminao

    racial, na Conferncia Mundial Contra o Racismo, a Xenofobia, a Discriminao Racial e

    Formas Correlatas de Intolerncia, realizada em setembro de 2001, em Durban, na frica

    do Sul, impe a incorporao do vis racial nas prticas institucionais, gerando a

    necessidade de uma releitura crtica dos princpios e normas que integram a ordem jurdica.

    Observa-se que no obstante a existncia de um aparato legislativo (constitucional e

    infraconsticional) determinando medidas repressivo-punitivas e compensatrias no combate

    ao racismo, as instituies governamentais, de um modo geral, e as instituies jurdicas em

    especial, no tem dado efetividade esses princpios e normas.

    O Ministrio Pblico, rgo essencial administrao da Justia (CF, artigo 127),

    instituio incumbida de zelar pelo efetivo respeito dos poderes pblicos e dos servios de

    relevncia pblica aos direitos assegurados [na] Constituio, promovendo as medidas

    necessrias a sua garantia (CF, artigo 129, inciso II), no tem sido eficiente no combate ao

    racismo, utilizando uma prtica institucional que trivializa as violaes de direitos sofridas

    pela populao negra e dificulta a implementao de polticas pblicas afirmativas.

    O Racismo Institucional, enquanto prtica institucional resultante de esteretipos racistas,

    presente nas organizaes e instituies, que restringe a participao de determinado grupo

    racial, tambm se reflete no Ministrio Pblico, ora afetando a punibilidade do racismo, ora

    forjando uma conduta rgida frente s populaes discriminadas, de modo a dificultar uma

    atuao institucional eficiente e adequada, o que exige a discusso, anlise compreenso e

    disseminao desse conceito.

    A Lei 10.639, de 09 de janeiro de 2003 - que alterou a Lei n. 9394/96, de Diretrizes e Bases

    da Educao Nacional, estabelecendo a obrigatoriedade do ensino da Histria e Cultura

    Afro-Brasileira e Africana na Educao Bsica - uma ao afirmativa fundamental para o

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  • combate discriminao, na medida em que possibilita a reconstruo das relaes raciais

    entre negros e no negros no Brasil, devendo ser urgentemente implementada pelo

    Ministrio Pblico.

    Na anlise do crime de racismo, no obstante ser este inafianvel e imprescritvel no texto

    constitucional (CF, artigo 5, XLII), a prtica institucional tem possibilitado em muitos

    casos, a impunidade, uma vez que as aes supostamente ilcitas so analisadas num

    contexto discursivo que favorece uma interpretao benfica para o agente discriminador.

    Considerado quase sempre injria qualificada (artigo 140, 3. CP) possibilita, na maioria

    dos casos, a decadncia, quando, via de regra, a hiptese tpica do crime de discriminao

    racial previsto no artigo 20 da Lei 7.716/89, que imprescritvel e cuja titularidade da ao

    do Ministrio Pblico.

    Essa prtica contraria as recomendaes do Comit sobre a Eliminao da Discriminao

    Racial, institudo pela Conveno Internacional sobre Eliminao de Todas as Formas de

    Discriminao Racial, o qual destaca que as investigaes relacionadas a esses crimes

    devem ser conduzidas com diligncia e agilidade, recomendando tambm a reviso da

    poltica e dos procedimentos nesses casos, inclusive com pagamento de indenizaes para

    amenizar os danos.

    REFERNCIAS

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