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1 Márcia Pastor A democratização da gestão da Política de Assistência Social em Londrina/PR no período 2001- 2004: a ampliação do acesso e da participação. Doutorado em Serviço Social Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo 2006

Márcia Pastor · 2019. 2. 7. · TCC Trabalho de Conclusão de Curso ... consista automaticamente na garantia de uma gestão democrática e descentralizada. A ... processo, pois

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Márcia Pastor

A democratização da gestão da Política de

Assistência Social em Londrina/PR no período 2001-

2004: a ampliação do acesso e da participação.

Doutorado em Serviço Social

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

São Paulo

2006

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Márcia Pastor

A democratização da gestão da Política de

Assistência Social em Londrina/PR no período 2001-

2004: a ampliação do acesso e da participação.

Doutorado em Serviço Social

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para

obtenção do título de Doutor em Serviço

Social sob a orientação da Professora

Doutora Maria Carmelita Yazbek.

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

São Paulo

2006

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Banca Examinadora

__________________________________

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DEDICATÓRIA

À Maria Luiza Amaral Rizzotti e à Márcia Helena

Carvalho Lopes, incansáveis no trabalho e na

dedicação à democratização da gestão da Política de

Assistência Social.

À equipe técnica da Secretaria Municipal de

Assistência Social de Londrina, pelo compromisso

na construção da política pública de assistência

social.

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AGRADECIMENTOS

À Orientadora Profª Drª Maria Carmelita Yazbek, pela oportunidade de

partilhar suas reflexões e pelo apoio constante.

À Profª Drª Dilsea Adeodata Bonetti, pela sua dedicação no processo de

formação acadêmica e pelo carinho sempre demonstrado.

À amiga Maria Luiza Amaral Rizzotti, pelo permanente incentivo e pela

confiança em mim depositada.

Aos entrevistados, pelas contribuições proporcionadas.

À equipe técnica da Secretaria Municipal de Assistência Social de Londrina,

pelas experiências socializadas.

Às amigas do Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de

Londrina: Maria Angela, Cássia, Claudinha, Jolinda e Márcia Lopes, pelo apoio permanente.

À Nena, pela convivência carinhosa.

Aos meus familiares, pela compreensão e pelo apoio neste período.

Aos amigos que, de perto e de longe, me incentivaram nesta trajetória.

Ao CNPq e à Universidade Estadual de Londrina, por viabilizarem a

realização deste estudo.

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RESUMO

Este estudo analisa o processo de democratização da gestão da Política de Assistência Social em Londrina/ PR no período entre os anos de 2001 a 2004. Examina as visões de gestores, conselheiros municipais, dirigentes de entidades assistenciais, assistentes sociais e usuários sobre a efetivação desta política pública baseada nos direitos do cidadão. O referencial teórico aborda a gestão e a democratização, bem como as determinações atuais da Política de Assistência Social. Foi utilizada a abordagem qualitativa para a análise da pesquisa documental e das entrevistas semi-estruturadas. Os dados coletados revelaram o entendimento da democratização como viabilização do acesso aos direitos sociais e à participação. A análise sobre a democratização da gestão baseou-se em dois eixos: a efetivação dos direitos e a ampliação dos espaços participativos. O aumento do financiamento possibilitou a ampliação quantitativa e qualitativa de programas socioassistenciais e a implementação dos Centros Regionais de Assistência Social (CRASs). Foi destacada a atuação do Conselho Municipal no exercício do controle social. A democratização evidenciou-se como elemento qualificador da gestão e também foi incorporada na prática dos gestores e dos profissionais da área. Palavras-chave: Assistência social. Democratização. Gestão social. Direitos sociais. Participação social.

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ABSTRACT

This study analyzes the Social Assistance Policy’s democratization process in the city of Londrina-Pr, between 2001 and 2004. It examines the comprehension of managers, municipal council counselors, directors of social assistance institutions, social workers and users about the effectiveness of this policy based on the citizen’s rights. Its theoretical framework includes the issues of management and democratization and also the actual key elements of the Social Assistance Policy. A qualitative research was done for the documental analysis and the semi-structured interviews. The data revealed the comprehension of the democratization as a means to make viable the access to social rights and to participation. The analysis about the democratization of the management was based on two axis: the effectiveness of the rights and the broadness of the participative process. The rise of the funds made possible the quantitative and qualitative amplification of the social assistance programs and the implementation of the Regional Centers of Social Assistance. The actions of the Municipal Council were highlighted by the exercise of the social control. The democratization was confirmed as a management qualifying component and was incorporated in the practice of the managers and professionals. Key-words: Social assistance. Democratization. Social management. Social rights. Social participation.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Demonstrativo do Orçamento da Secretaria Municipal de Assistência Social de

Londrina e respectivo percentual do Orçamento Municipal executado (1997-1999).

Tabela 2 – Evolução do Orçamento da Secretaria Municipal de Assistência Social de

Londrina (2001-2004).

Tabela 3 – Evolução dos recursos destinados pelo Fundo Municipal de Assistência Social de

Londrina às entidades sociais (2001-2004).

Tabela 4 - Atendimentos do Programa Renda Mínima de Londrina por modalidades (2002-

2004).

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LISTA DE SIGLAS

AIDS Síndrome da Imuno-Deficiência Adquirida

AMEPAR Associação dos Municípios do Médio Paranapanema

CMAS Conselho Municipal de Assistência Social

CMDCA Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente

CODEL Companhia de Desenvolvimento de Londrina

COHAB Companhia de Habitação de Londrina

CRASs Centros Regionais de Assistência Social

CRESS Conselho Regional de Serviço Social

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

FMAS Fundo Municipal de Assistência Social

IAPAR Instituto Agronômico do Paraná

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPARDES Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social

IPPUL Instituto de Planejamento Urbano de Londrina

LBA Legião Brasileira de Assistência

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação

LOAS Lei Orgânica da Assistência Social

NOB Norma Operacional Básica

NOB/SUAS Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social

ONGs Organizações Não-Governamentais

ONU Organização das Nações Unidas

PAS Política de Assistência Social

PIB Produto Interno Bruto

PCD Pessoas Com Deficiência

PMAS Plano Municipal de Assistência Social

PML Prefeitura Municipal de Londrina

PNAS Política Nacional de Assistência Social

PPD Pessoas Portadoras de Deficiência

PROVOPAR Programa do Voluntariado do Paraná

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PUC-SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

SMAS Secretaria Municipal de Assistência Social

SUAS Sistema Único de Assistência Social

TCC Trabalho de Conclusão de Curso

TCTF Termo de Cooperação Técnica e Financeira

UEL Universidade Estadual de Londrina

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 12

2 A GESTÃO NA ASSISTÊNCIA SOCIAL .......................................................... 24

2.1 Democratização e Gestão: Considerações Iniciais ..................................................24

2.2 Os Desafios da Gestão da Política de Assistência Social .........................................30

2.3 A Trajetória da Política de Assistência Social em Londrina ....................................36

1.3.1 Caracterização do município ................................................................................ 37

1.3.2 Histórico da assistência social em Londrina ........................................................ 45

1.3.3 A implantação da assistência social como política pública (1993-1996) ............. 50

1.3.4 A difícil construção da política pública de assistência social (1997-2000) .......... 57

3 A DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO DA POLÍTICA DE

ASSISTÊNCIA SOCIAL EM LONDRINA NO PERÍODO 2001-2004 ................. 66

2.1 Entendimentos sobre Democratização ..................................................................... 68

2.2 Expressões Concretas da Democratização da Política de Assistência Social .......... 79

2.2.1 Efetivação dos direitos socioassistenciais ............................................................ 80

2.2.2 Fortalecimento dos espaços participativos ......................................................... 102

2.3 Papéis dos Agentes na Democratização da Gestão ............................................... 119

2.3.1 Gestor e sua equipe ........................................................................................... 121

2.3.2 Conselho Municipal de Assistência Social ........................................................ 127

2.3.3 Rede de serviços ................................................................................................. 130

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 135

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 141

ANEXOS ..................................................................................................................... 147

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INTRODUÇÃO

A Constituição Federal promulgada em 1988 consagrou vários direitos

resultantes das lutas sociais empreendidas pela classe trabalhadora e por diversos movimentos

sociais. No Título VIII – Da Ordem Social (artigos 193 a 232) encontram-se estabelecidas

normas que indicam um novo reordenamento jurídico e institucional, tais como as que

atribuem aos municípios a incumbência de ser o lócus privilegiado na administração das

políticas sociais.

Os novos princípios e diretrizes constitucionais exigiram a elaboração de

legislações complementares, tais como o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (1990);

a Lei Orgânica da Saúde – LOS (1990), a Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS (1993),

a Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB (1996), etc, que contaram novamente com a

participação da sociedade civil organizada em sua formulação.

Este conjunto de leis fornece importantes subsídios para a luta pela

cidadania e pela democracia e, se posto em prática, pode contribuir significativamente para o

enfrentamento de diversas manifestações da questão social. Considerando-se os elevados

índices de desigualdades da realidade brasileira, isto não é pouco.

Dados do Censo 2000 (IBGE, 2001) revelaram que os brasileiros são 177 e

meio milhões, dos quais mais da metade das pessoas com idade acima de dez anos (59,5%)

ainda não concluiu o ensino fundamental.

Entre a população ocupada, 51,9% ganhava no máximo dois salários

mínimos e o desemprego já atingia 15% deste público. No mesmo ano, 11,2 milhões de

mulheres chefiavam suas famílias (24,9%), sendo que 3,4 milhões delas tinham mais de

sessenta anos.

Constatou-se que no século XX a riqueza do país aumentou em quase doze

vezes; no entanto, a distribuição de renda piorou: 51,9% dos brasileiros ganhavam até dois

salários mínimos e apenas 2,6% até vinte salários mínimos. A concentração era tão grande

que, na virada do século, 1% dos brasileiros mais ricos ganhavam praticamente o mesmo que

50% dos cidadãos mais pobres.

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Sabe-se que a superação da questão social decorre da transformação das

bases estruturais sobre as quais estão assentadas as relações capitalistas de produção que

geram, simultaneamente, riqueza e pauperização, vez que a riqueza socialmente produzida é

apropriada por uma classe cada vez mais seleta, como atestam os dados sobre desigualdade,

seja no Brasil ou em outros países.

Entretanto, enfrentar a questão social, minimizar suas seqüelas, reduzir os

índices de pobreza e melhorar as condições de vida de milhares de pessoas submetidas às

formas mais brutais de expropriação – que não restringem aos bens materiais, como se

discutirá adiante -, são tarefas inadiáveis. Proporcionar o acesso a serviços, benefícios e ações

que possam efetivar os direitos sociais mínimos, como os abrangidos pelas leis acima citadas,

são exigências prementes que compete primordialmente ao Estado responder.

No campo da Assistência Social, tem-se testemunhado os esforços para a

construção desta enquanto política pública, vez que se destina a “prover os mínimos sociais”

especialmente à população que se encontra em condições de vulnerabilidade ou de risco

pessoal e social. Sua implantação deve ser organizada de acordo com as seguintes diretrizes

estabelecidas no artigo 5° da Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS (Lei no. 8.742, de

07/12/1993):

I - descentralização político-administrativa para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e comando único das ações em cada esfera de governo; II – participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis; III – primazia da responsabilidade do Estado a condução da política de assistência social em cada esfera de governo (BRASIL, 1993).

Foi em decorrência da publicação desta lei que muitos serviços

governamentais – e inclusive os próprios órgãos gestores - foram implantados em grande

parte dos municípios brasileiros. Iniciou-se, a partir de então, o desenvolvimento de diversas

experiências de gestão descentralizada e compartilhada com a sociedade, pautada nos marcos

democráticos.

A Política de Assistência Social se operacionaliza através de um sistema que

envolve um conjunto de ações, de procedimentos e de instrumentos, tais como Planos,

Conselhos e Fundos de Assistência Social nas três esferas governamentais. Trata-se de um

sistema dinâmico, multideterminado, uma vez que depende de vários fatores (descentralização

político-administrativa, participação popular, financiamento, planejamento, controle social,

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avaliação, etc.) e de diversos atores (tais como gestores, profissionais, conselheiros, dirigentes

de entidades não governamentais, além dos próprios destinatários da assistência social).

Não se pode considerar, porém, que a existência de tais instrumentos

consista automaticamente na garantia de uma gestão democrática e descentralizada. A

concretização desta nova lógica que orienta a política de assistência social se faz num

processo, pois não se muda por decreto toda uma trajetória marcada por ações residuais, pela

perspectiva da benemerência e pela predominância da execução dos serviços fora do âmbito

governamental, embora geralmente subsidiada por recursos públicos.

Há que se reconhecer, porém, que se por um lado a regulamentação jurídica

contida na LOAS não se traduz automaticamente em garantia de democracia, por outro ela

traz o grande mérito de proporcionar condições para o exercício democrático na gestão da

assistência social, fato este repleto de possibilidades inovadoras, principalmente se

considerado o caráter centralizador da administração pública no Brasil.

As transformações concretas no conteúdo e na forma de organização da

política de assistência requerem, como ponto fundamental para sua realização, a

democratização no seu processo de gestão e o desenvolvimento de um autêntico movimento

participativo a ser desencadeado por toda a rede serviços, tanto governamental como não-

governamental.

Afinal, em que pese a construção da democracia participativa ser um

processo político de amadurecimento na relação do Estado com a Sociedade Civil, não se

pode desconsiderar as relações que se estabelecem entre as instituições e a sociedade, muitas

vezes eivadas de subalternidades. Nas palavras de Daniel (1994), não se pode querer

democratizar a política se não se democratizar os espaços institucionais onde ela se exerce.

Transcorridos doze anos da promulgação da LOAS, verificamos que a

assistência social encontra-se implantada enquanto sistema “descentralizado” na maioria dos

municípios brasileiros; entretanto, é o outro qualificador deste sistema que merece atenção

neste estudo, ou seja, seu caráter “participativo”. A participação popular e a democratização

da gestão da Política de Assistência Social constituem, a nosso ver, um dos principais

indicativos da concretização da lógica do direito e da publicização que devem reger a

execução dessa política. É um grande desafio a ser enfrentado propor-se democratizar a

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gestão de forma a atingir toda a rede prestadora de serviços, tanto governamental como não-

governamental incluindo, inclusive, seus destinatários.

Tendo estas premissas como referência, a questão inicial da qual se partiu

para a proposição desta pesquisa consistia em conhecer as possibilidades de efetivação da

gestão democrática da assistência social na esfera municipal. Nossa hipótese inicial presumia

só ser possível implementar tal gestão se os diversos componentes de seu sistema (gestores,

profissionais, conselheiros, rede de serviços, usuários, etc.) tiverem esta perspectiva em

comum, ou seja, que tivessem a democratização como princípio norteador de sua ação.

Cabe esclarecer que será privilegiado neste trabalho o emprego da expressão

“democratização” por se entender que a mesma reflete mais o caráter processual, que bem se

aplica à construção da Política de Assistência Social. É Coutinho (2000, p. 129) quem defende

a utilização desta expressão justificando que “a democracia deve ser entendida não como algo

que se esgota em determinada configuração institucional, mas sim como um processo”. Por

vezes, entretanto, o termo “gestão democrática” também será aplicado com a mesma

conotação.

O município de Londrina, localizado na região norte do Estado do Paraná,

constituiu o locus desta investigação. Cidade de médio porte, com aproximadamente 500.000

habitantes, destaca-se pelo seu pioneirismo na implantação da Política Pública de Assistência

Social, conforme se demonstrará adiante. A estruturação de sua Secretaria Municipal de

Assistência Social data de 1993, meses antes da promulgação da LOAS e desde o início

estabeleceu a gestão democrática como perspectiva para o desenvolvimento de suas ações.

Desde então, a trajetória desta política no município foi sendo construída,

não sem dificuldades, por um conjunto de sujeitos sociais que foram consolidando o trabalho

do Conselho Municipal de Assistência Social - CMAS. Os avanços registrados neste processo

histórico ganharam reforço a partir da administração municipal que tomou posse em 2001,

ano em que o projeto desta pesquisa foi elaborado.

Definiu-se, então, como objetivo desta investigação analisar o processo de

democratização da gestão da Política de Assistência Social em Londrina/PR no período 2001-

2004. Outras finalidades também foram se delineado, tais como a explicitação dos

entendimentos dos atores desta política sobre democratização da gestão e sobre como os

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mesmos identificavam suas expressões concretas, e também refletir sobre o papel destes

atores para a efetivação de uma gestão democrática da Política de Assistência Social.

Cabe mencionar que o interesse por este estudo emergiu de duas

experiências vivenciadas nos últimos anos.

A primeira delas referiu-se à nossa participação na pesquisa “Gestão de

Políticas Sociais na Esfera Local: um Estudo nas Áreas de Assistência Social e Saúde”,

desenvolvida de 1999 a 2003 através do Departamento de Serviço Social da Universidade

Estadual de Londrina (PR). Tal pesquisa, realizada em três municípios de porte diferenciados

pertencentes à região da Associação dos Municípios do Médio Paranapanema – AMEPAR -

visou descrever e analisar o modo como se constituía a gestão das políticas de assistência

social e de saúde, estabelecendo comparações entre elas.

A segunda fonte de motivação para o estudo proposto foi decorrente de

nossa atuação junto ao Conselho Municipal de Assistência Social de Londrina, onde

representamos o segmento das organizações profissionais afetas à área durante duas gestões:

de 1999-2001 e de 2001-2003. Os quatro anos de experiência como conselheira (dois dos

quais concomitantes ao curso de doutorado) correspondem a duas administrações municipais

com características bastante diferenciadas, o que nos possibilitou a vivência - como um dos

atores co-responsáveis - da gestão democrática da política de assistência social local.

É preciso mencionar que o desenvolvimento desta pesquisa contou com um

novo impulso a partir da IV Conferência Nacional de Assistência Social (realizada em

dezembro de 2003, em Brasília/DF), que deliberou sobre a construção e implementação do

Sistema Único de Assistência Social – SUAS – e também com a criação da Secretaria

Nacional de Assistência Social junto ao Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à

Fome, em janeiro/2004, durante o governo de Luis Inácio Lula da Silva.

Na etapa final deste estudo, em 15/07/2005, foi aprovada pelo Conselho

Nacional de Assistência Social a Resolução nº 130 - Norma Operacional Básica do Sistema

Único da Assistência Social, conhecida como NOB/SUAS. Devido às tarefas para a conclusão

deste trabalho, a discussão sobre este grande avanço para a implantação da Política Nacional

de Assistência Social será postergada para outros estudos que certamente virão a ser

desenvolvidos.

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Quanto à construção metodológica da pesquisa, procedemos à revisão

bibliográfica que versou sobre política de assistência social, democracia, gestão social,

cidadania, esfera pública, rede de serviços, terceiro setor, etc.

O levantamento empírico referente à gestão da Política de Assistência Social

no município de Londrina foi feito através da coleta de documentos em órgãos públicos

(Prefeitura Municipal de Londrina, Secretaria Municipal de Planejamento, Secretaria

Municipal de Assistência Social, Conselho Municipal de Assistência Social, Câmara

Municipal, etc.), em institutos de pesquisa regionais (Instituto Paranaense de

Desenvolvimento Econômico e Social - IPARDES, Instituto de Planejamento Urbano de

Londrina - IPPUL, Universidade Estadual de Londrina - UEL, etc), em periódicos locais

(Folha de Londrina e Jornal de Londrina), além da consulta à Trabalhos de Conclusão de

Curso – TCCs -, dissertações e teses sobre temáticas pertinentes ao estudo aqui proposto. De

posse destes dados (que continuaram sendo recolhidos até o término desta pesquisa),

realizamos a sistematização inicial sobre a implementação da Política de Assistência Social

local, partindo do marco da implantação do seu respectivo órgão gestor, em 1993. Tal resgate

foi organizado em conformidade com os períodos da administração municipal (1993-1996,

1997-2000 e 2001-2004), sendo que o último período foi o escolhido para uma análise mais

detalhada.

Nos valemos também de entrevistas semi-estruturadas como outra fonte de

coleta de dados, as quais nos possibilitaram o acesso a informações qualitativas extremamente

privilegiadas. Foram realizadas no decorrer dos anos 2004 e 2005 a partir de roteiros

previamente elaborados que procuraram captar o entendimento dos sujeitos escolhidos sobre a

democratização da gestão da Política de Assistência Social em Londrina, totalizando treze

entrevistas (sendo as três primeiras em forma de pré-teste, posteriormente validadas). Todas

elas foram gravadas com o consentimento prévio de cada informante.

O universo desta pesquisa constituiu-se dos atores responsáveis pela

implementação da Política de Assistência Social em Londrina, a saber: gestores, conselheiros,

dirigentes de entidades assistenciais, profissionais e usuários dos serviços socioassistenciais.

Foram utilizados três roteiros parcialmente diferenciados, que encontram-se anexados no final

deste trabalho.

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A amostra foi definida através de indicações de representantes do órgão

gestor e do conhecimento prévio que pessoalmente possuíamos devido à nossa participação

no Conselho Municipal de Assistência Social durante quatro anos; nem todos os entrevistados

eram nossos conhecidos. Tratou-se, portanto, de uma amostra intencional, mas extremamente

qualitativa.

Os atores pesquisados foram assim agrupados:

• duas representantes do órgão gestor, ocupantes de cargos de assessoria

técnica, identificadas pela nomenclatura “Assessora 1” e “Assessora 2”

• dois representantes do Conselho Municipal de Assistência Social,

identificados como “Conselheira 1” e “Conselheiro 2”;

• duas profissionais que atuavam diretamente na prestação de serviços

assistenciais, denominadas como “Assistente Social 1” e “Assistente

Social 2”;

• três representantes de entidades assistenciais, participantes da rede de

serviços não-governamentais, apresentados respectivamente como

“Representante de Entidade Assistencial 1”, “Representante de

Entidade Assistencial 2” e “Representante de Entidade Assistencial 3”;

• três usuários dos serviços sócio-assistenciais municipais, nomeados

como “Usuário 1”, “Usuária 2” e “Usuária 3”;

• a secretária municipal da assistência social no período 2001-2004

(Gestora).

As duas representantes da Secretaria Municipal de Assistência Social –

SMAS são assistentes sociais. A “Assessora 1” começou a trabalhar na Prefeitura Municipal

de Londrina -PML em 1987, na antiga Secretaria Municipal de Saúde e Promoção Social. Fez

parte do primeiro grupo de profissionais que compôs a atual Secretaria, em 1993. Já atuou em

diversos programas, projetos e serviços e exercia, à época da entrevista, assessoria técnica-

administrativa ao Gabinete da Secretária. Era membro do Conselho Municipal dos Direitos da

Criança e do Adolescente.

Data de 1993 a entrada da “Assessora 2” no atual órgão gestor. Sua

trajetória está mais ligada ao Projeto de Ação Comunitária (cujas ações são desenvolvidas

atualmente através dos Centros Regionais de Assistência Social – CRASs), onde atuou por

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cinco anos na zona rural e posteriormente na coordenação do mesmo. Respondia pela

Diretoria Técnica da Secretaria Municipal de Assistência Social e participava do Conselho

Municipal de Assistência Social.

Quanto aos representantes do Conselho Municipal de Assistência Social, a

“Conselheira 1” é assistente social e professora do Departamento de Serviço Social da

Universidade Estadual de Londrina. Participou de duas gestões (1999-2001 e 2001-2003)

representando o sindicato dos professores de Londrina, pelo segmento de usuários. O

“Conselheiro 2” foi o vice-presidente do Conselho Municipal de Assistência Social nas duas

gestões referidas. É sacerdote e ocupava uma das vagas do segmento criança e adolescente,

representando uma entidade que atendia crianças e adolescentes em situação de risco.

As duas assistentes sociais entrevistadas atuavam diretamente com os

beneficiários dos projetos desenvolvidos pela atual gestão. A “Assistente Social 1” trabalha na

Secretaria Municipal de Assistência Social desde 1994, onde já atuou no Projeto de Ação

Comunitária e no Centro de Atendimento e Referência. Ocupou cargo de coordenação em

algumas ocasiões e recentemente estava alocada no Programa Fome Zero/Geração de Renda.

A “Assistente Social 2” prestava atendimento há pouco mais de um ano em um dos Centros

Regionais de Assistência Social - um dos projetos inovadores desta gestão municipal. Foi uma

das organizadoras da Pré-Conferência da sua região e participou ativamente da V Conferência

Municipal de Assistência Social, realizada em outubro/2003.

O “Representante de Entidade Assistencial 1” é membro de uma instituição

existente há quinze anos no atendimento à pessoas portadoras do vírus HIV/AIDS (Síndrome

da Imuno-Deficiência Adquirida). A entidade desenvolvia como principais atividades:

distribuição de equipamento de proteção individual (preservativos masculinos e femininos, kit

de redução de danos), realização e participação em fóruns de discussão sobre a temática,

parcerias com instituições governamentais e não-governamentais para encaminhamentos de

soropositivos e seus familiares, apoio psicológico e social, oficinas e palestras de

sensibilização e prevenção a Doenças Sexualmente Transmissíveis/ Síndrome da Imuno-

Deficiência Adquirida - DST/AIDS. No Conselho Municipal de Assistência Social de

Londrina, a referida entidade tinha assento pela área de assistência social geral.

A “Representante de Entidade Assistencial 2” respondia pela gerência

administrativa da instituição há dois anos. Trata-se de uma instituição com vinte anos de

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existência, que desenvolvia ações com voluntariado especialmente através do fornecimento de

cestas básicas e de promoção de campanhas (Natal, inverno, dia das crianças), mas que a

partir de 2001 passou por um processo de reordenamento de suas atividades: além de manter o

trabalho com o voluntariado (formação) e as campanhas, estabeleceu parceria com SMAS em

grandes projetos, tais como o combate à pobreza e o apoio sócio-educativo para crianças e

adolescentes. Já contava, à época, com um quadro de mais de cem funcionários.

A terceira instituição da rede não governamental atende crianças e

adolescentes em apoio sócio-educativo. Funciona desde 1996 e é ligada à Igreja Batista. Desta

entrevista, especificamente, participaram duas pessoas: a assistente social (que trabalha há

dois anos na instituição) e a coordenadora do projeto, que participou desde o surgimento da

proposta do trabalho, ainda em 1988.

Há que se esclarecer que o roteiro de entrevista utilizado para este conjunto

(Anexo 1) constou de quatro núcleos temáticos, a saber: o entendimento sobre a

democratização da Política de Assistência Social, quais suas expressões concretas, o papel dos

agentes e como avançar na democratização da Política de Assistência Social.

Foi formulado um roteiro diferenciado para os usuários (Anexo 2), que

buscou captar: como foi sua inserção no atendimento oferecido pela assistência social, qual o

atendimento recebido no momento, como vê a assistência social no município e como vê a

participação nesta política.

Como nos diz Santos (2004, p. 158), “[...] é preciso ouvir mais as pessoas

que cotidianamente têm enfrentado as mazelas da exclusão. Elas possuem uma infinidade de

modos de enfrentamento dos problemas”. As narrativas destes usuários da assistência social

trouxeram uma riqueza imensa de elementos, até pela própria história de vida dos mesmos:

embora não fosse este o objetivo central, percebemos durante a realização das entrevistas que

todos eles sentiam a necessidade de falar de sua trajetória, sucintamente reproduzida abaixo.

O “Usuário 1” é um homem de 46 anos, ex-morador de rua e ex-andarilho.

Considerava-se um alcoólatra em recuperação. Anteriormente tinha família e um bom

emprego, mas quando descobriu a traição da mulher, saiu de casa e foi morar com parentes.

No mesmo período começou a beber e perdeu o emprego. Como justificativa para ir para a rua

alega “um pouco de sem-vergonhice, um pouco de falta de apoio da família”. Ficou oito anos

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na rua, a maior parte como andarilho; chegou a beber álcool combustível (de posto de

gasolina) quando não tinha dinheiro para a pinga. Começou a ser abordado pelo então

Programa de Atenção ao Morador de Rua (atual Sinal Verde) quando regressava à cidade de

Londrina, onde sempre visitava a única irmã que o acolhia. Fez tratamento para se recuperar

do alcoolismo e ficou albergado em uma entidade. Com o acompanhamento constante da

equipe do Programa Sinal Verde, conseguiu emprego, alugou uma casa e constituiu nova

família. Não tinha nenhuma inserção os espaços de participação existentes na Política de

Assistência Social e não sabia o que era o Conselho Municipal de Assistência Social.

A “Usuária 2” é uma mulher de 44 anos que mora com um casal de filhos

em um dos assentamentos da cidade. O filho era atendido por uma entidade até 2003, quando

completou 18 anos. Ela recebeu cesta básica durante muitos anos e estava inserida no

programa Bolsa Escola Municipal, mas afirmou: “meu sonho é não ficar no Bolsa Escola, é

me profissionalizar, ter um serviço e não precisar mais do Bolsa Escola, deixar esta Bolsa

para outra pessoa”. Participava do grupo de Geração de Renda local (e das Feiras da

Economia Solidária, promovidas pela Prefeitura), sobre o qual avaliou que proporcionava –

tanto para ela como para as demais pessoas - cidadania, dignidade, união, formação e contatos

com outros grupos; mas, principalmente, ressaltou a importância do resgate da confiança na

própria capacidade das pessoas. Ela havia sido informada da realização da Pré-Conferência

Regional e da V Conferência Municipal de Assistência Social promovidas no ano de 2003,

mas não havia acompanhado nenhuma delas1.

Uma idosa de 61 anos foi a terceira usuária entrevistada. Tem deficiência

em uma perna - conseqüência de um acidente sofrido há cinco anos - mas consegue fazer

alguns “bicos” (sic). Morava sozinha em um dos bairros mais violentos do município, embora

tivesse filhos residentes na mesma localidade. Recebia o Cupom Alimentação da SMAS e o

Vale-gás (do governo federal), enquanto aguardava para receber a Bolsa Auxílio para Pessoa

Idosa. Fazia parte de um grupo da terceira idade do bairro, promovido pela Secretaria

Municipal do Idoso, e utilizava constantemente os serviços públicos de saúde, devido à sua

condição física. Esta usuária participou da Pré-Conferência Regional da Assistência Social e

da V Conferência Municipal de Assistência Social realizadas no ano de 2003.

1 A fim de dar visibilidade à riqueza dos depoimentos obtidos, a entrevista desta usuária encontra-se transcrita no Anexo 4 e a do Conselheiro 2 consta do Anexo 5.

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Um terceiro roteiro de questões (Anexo 3) foi utilizado na entrevista com a

Secretária Municipal de Assistência Social, que é assistente social e docente do Departamento

de Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina – UEL. Já tinha sido assessora

técnica da primeira Secretária Municipal. Foi conselheira municipal e desenvolveu projetos de

pesquisa de âmbito regional sobre a Política de Assistência Social.

Após a transcrição das entrevistas, os dados foram agrupados em temáticas.

Recorreu-se à comparação entre as visões apresentadas sobre cada temática, tentando

identificar similaridades e diferenciações, mas considerou-se também as particularidades de

cada pessoa entrevistada. Empregou-se a abordagem qualitativa para nortear a análise dos

dados que emergiram da pesquisa empírica buscando captar o movimento, as contradições e

os determinantes históricos através da confrontação do conjunto dos depoimentos com os

fatos empíricos recolhidos em outras fontes (MINAYO, 1993). A efetivação do direito e a

ampliação dos espaços participativos foram os dois eixos identificados como os principais

indicadores da democratização da gestão Política de Assistência Social em Londrina.

O presente trabalho foi organizado em dois capítulos.

O primeiro capítulo traz apontamentos e reflexões sobre dois conceitos

centrais deste estudo, a saber, democratização e gestão, enfocados sob a ótica da gestão

democrática proposta para as políticas sociais, especialmente para a Política de Assistência

Social. Privilegiou-se, porém, o processo histórico de construção da Assistência Social como

política pública no município de Londrina e, partindo dessa experiência particular, buscou-se

indicar os determinantes para a democratização de uma gestão.

No segundo capítulo são apresentados os principais dados da pesquisa

empírica, enfatizando elementos que emergiram dos depoimentos dos atores sociais

entrevistados.

Certamente, gostaríamos de poder abordar a multiplicidade das perspectivas

evidenciadas nesta pesquisa e fazer jus à riqueza das informações coletadas, mas temos

consciência que o que se apresenta aqui é somente um ponto de vista, permeado ainda pelo

risco apontado por Minayo (1993) sobre a “ilusão da transparência”, dada nossa familiaridade

com o objeto proposto.

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Por fim, reconhecemos que são através de sucessivas aproximações que o

conhecimento vai sendo construído: uma busca que não tem ponto de chegada (LUKÁCS,

1974). Este trabalho, portanto, está se encerrando apenas provisoriamente.

Esperamos que o estudo aqui retratado possa trazer contribuições para a

formação profissional de nossa categoria, reafirmando o compromisso com a democratização

e com a consolidação dos direitos sociais, através do empenho de diversos atores sociais com

a concretização das políticas públicas.

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1 A GESTÃO NA ASSISTÊNCIA SOCIAL

Ao longo da história da humanidade, a democracia inspirou discussões e

ações que foram retratadas tanto em clássicas obras como em jornais populares. Todos eles

têm seus méritos, bem como as lutas cotidianas e localizadas que buscavam e que ainda hoje

insistem em construir práticas pautadas por este princípio.

A proposta deste capítulo é a de apontar algumas considerações sobre as

particularidades de um processo recente, delimitado pelos contornos de uma política que

ainda é “uma menina”, em termos históricos. Esta opção prioriza a abordagem de uma

experiência local permeada por condicionantes históricos mais amplos, sofrendo suas

determinações e também influenciando-as.

Portanto, para analisar o processo de democratização da gestão da política

municipal de Assistência Social, se fará uma breve contextualização sobre os temas principais

– democratização, gestão e política de assistência social – a partir da década de noventa do

século anterior, tendo em vista a implementação das diretrizes constantes da Constituição

Federal de 1988.

Será dada maior ênfase aos dados coletados nesta pesquisa, a fim de tentar

captar e explicitar sinais do movimento dinâmico que se processa entre o geral e o particular.

1.1 Democratização e Gestão: Considerações Iniciais

No final do século XX a sociedade brasileira vivenciou a luta pela

democratização depois de duas décadas de autoritarismo e de espoliação. A associação das

reivindicações por democracia e por cidadania já apontava para a interdependência entre essas

duas categorias, expressando a necessidade em adotar medidas que amenizassem as

crescentes desigualdades sociais.

Esta exigência provocou a revisão e a re-significação de conceitos e de

estratégias que, no limiar do século XXI, dessem conta de explicar as mutações de uma

sociedade cuja riqueza crescia velozmente, mas que, simultaneamente, alijava deste progresso

um contingente crescente da população brasileira.

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Autor do célebre artigo “A democracia como valor universal”, publicado em

plena vigência da ditadura militar (1979), Coutinho polemizava, dentro da própria esquerda,

sobre o entendimento da democracia como uma etapa de transição do capitalismo para o

socialismo.

Transcorridos mais de vinte anos da publicação de tal artigo, o autor propôs

a rediscussão do tema

Talvez hoje eu mudasse o título do meu artigo para “A democratização como valor universal”, porque a democracia é necessariamente alguma coisa que se aprofunda e que combina indissoluvelmente reformas políticas com reformas econômicas e sociais. A democracia é soberania popular, é construção de uma comunidade participativa, é igualdade (COUTINHO, 2000, p. 129).

O que nos chama a atenção na abordagem de Coutinho é a perspectiva da

democracia como um processo histórico. Ao olharmos as últimas três décadas,

testemunhamos o quanto a sociedade brasileira avançou em termos de resgate dos direitos

políticos e de consagração dos direitos sociais: do regime de exceção ao pluripartidarismo, do

Colégio Eleitoral às eleições diretas para presidente, das reivindicações e das emendas

populares à garantia constitucional dos direitos sociais, da Política de Assistência Social

elevada à condição de política pública constitutiva da seguridade social e, como não

poderíamos deixar de mencionar, da possibilidade legal de instauração da gestão

descentralizada e participativa de várias políticas sociais.

A esse respeito, Chauí (2004) assim se refere

A Constituinte que tivemos nos anos 80 foi essencial para o processo democrático, fez parte dessas lutas políticas, sociais e democráticas, mas, no caso, significa também a ampliação da noção de democracia, na qual a democracia não é confundida apenas como um tipo de governo, mas é pensada como a presença de direitos sociais, econômicos e culturais.

Ao reconhecer que os direitos sociais são legitimados e que só são

garantidos através da ação do Estado2, diversos segmentos sociais investiram tanto na

cobrança como na proposição de ações a serem implementadas pelo poder público e

reivindicando a ampliação da participação em suas várias instâncias.

2Nogueira (1998, p.71) afirma que “O Estado é um construtor de cidadania e seu principal fiador. É também um fator que regula, direciona e pode limitar os espaços de cidadania”.

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Assim, concordamos com a assertiva de que

Só pode haver democracia para as grandes massas da população se elas forem capazes de se organizar, de expressar seus anseios e de obter efetivamente conquistas sociais, culturais e políticas no quadro de uma institucionalidade em permanente expansão. Assim, a democratização é um valor universal sobretudo porque é um permanente desafio. Nunca poderemos chegar a um ponto que nos permita dizer que a democracia está acabada. A democracia é um processo que devemos conceber como em permanente construção (COUTINHO, 2000, p. 131).

Esta perspectiva vem ampliar a visão da democracia liberal representativa;

cidadania, democracia e participação popular passaram a fazer parte dos discursos oficiais,

embora nem sempre acompanhados do respectivo empenho para sua concretização.

Neste contexto, verifica-se também uma certa disputa pela nova visão sobre

democracia, na qual se destaca o entendimento de democracia como instrumento, propalada

especialmente pelos segmentos que tradicionalmente ocuparam o poder.

A democracia deixa de ser considerada como um fim em si mesma para ingressar no rol dos instrumentos do bom governo, conduzido segundo os critérios da racionalidade econômica e administrativa. A democracia é reduzida a procedimento para a escolha dos governos, após o que deve prevalecer a objetividade e não a participação (BENTO, 2003, p. 178).

A luta pela efetivação dos direitos inscritos na Constituição continuou sendo

protagonizada pelas classes dominadas e por setores progressistas, num período marcado pela

imposição das diretrizes neoliberais que, dentre outras ações, procurou desqualificar

movimentos sindicais e sociais rotulando-os como representantes do atraso e prejudiciais à

democracia; promoveu a destituição dos direitos trabalhistas; impôs Medidas Provisórias

restringindo direitos sociais e previdenciários e reduzindo o já precário sistema de proteção

social.

Oliveira (2000) relembra que nos anos oitenta do século anterior a

democracia foi saudada como uma importante conquista social e trouxe consigo uma grande

expectativa de governabilidade. Logo em seguida, porém, o que se assistiu foi uma série de

ações concretas, pautadas nos ditames neoliberais, visando a destruição dos direitos coletivos.

Embora a democracia estivesse constantemente presente nos discursos

oficiais, se processou um movimento de “desqualificação da política”, de supressão dos

dissensos, de “destituição da fala” e de desmoralização das demandas sociais e das

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alternativas apresentadas ao modelo imposto, rotuladas como “arcaicas”. Tentou se criar uma

falsa consciência sobre a “desnecessidade do público”, repertório obviamente necessário para

os processos de privatização que marcaram a década de noventa.

O que a destruição do público opera em relação às classes dominadas [...] é a destruição de sua política, o roubo da fala, sua exclusão do discurso reivindicativo e, no limite, sua destruição como classe; seu retrocesso ao estado de mercadoria, que é o objetivo neoliberal (OLIVEIRA, 2000, p. 79).

O que se viu, portanto, foi o empenho em infundir uma democracia

esvaziada de sua substância, ao mesmo tempo em que diversos atores sociais buscavam

implementar a cidadania e o fortalecimento dos espaços democráticos.

Outra característica da década de noventa pode ser visualizada através dos

controversos processos de descentralização das políticas sociais. A transferência de

responsabilidades para as instâncias locais constituiu-se, em grande parte, em mais uma forma

de escamotear o enfretamento à pobreza.

A descentralização político-administrativa tem dentre seus propósitos a luta

contra a subordinação dos municípios ao governo central (práticas autoritárias, burocráticas,

centralizadas). Sua inclusão nos ditames legais contou com o apoio de amplos segmentos da

sociedade que defendiam a perspectiva de que a esfera municipal estaria mais próxima dos

problemas da população, possibilitando assim um conhecimento mais adequado da sua

própria realidade e, conseqüentemente, gerando proposições e ações mais condizentes ao

atendimento das demandas específicas de cada localidade. Esta também era a linha de

pensamento da área da assistência social, conforme se discutirá adiante.

Verificou-se, porém, que parte considerável dos problemas enfrentados

pelos municípios (os efeitos da urbanização não planejada e da desindustrialização, por

exemplo) não podiam ser solucionados somente nessa esfera de governo, pois a maioria dos

municípios não tinham poder (político e econômico) para interferir nos fatores causadores do

aumento da pobreza, originados pelo próprio modo de produção e de reprodução social

capitalista. Na expressão de Dowbor (2002, p. 21), “os poderes locais estão na linha de frente

dos problemas explosivos da gestão social, mas no último escalão do orçamento”.

Como contraponto, porém, há que se reconhecer que a existência de uma

esfera de governo local pode ser mais permeável à atuação da sociedade civil organizada,

propiciando condições para uma gestão mais democrática e participativa e voltada aos

interesses sociais. Se, por um lado, o âmbito municipal apresenta limitações para superar a

pobreza, por outro, pode ter condições de atenuar os índices de desigualdades locais,

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propondo alternativas de enfrentamento às diversas manifestações da questão social e que

possam efetivar os direitos sociais.

Nesta perspectiva, a experiência abordada nesta pesquisa (a ser

desenvolvida no capítulo posterior) pode auxiliar nas reflexões sobre esta ambigüidade,

através do exame da construção de uma política social municipal, ou seja, sobre como a

assistência social foi sendo defendida por diversos atores sociais, chegando a ser reconhecida

como política pública. A ampliação do financiamento municipal obtida na última

administração (2001-2004) resultou da atuação efetiva do Conselho Municipal de Assistência

Social de Londrina e proporcionou o desenvolvimento de programas e serviços na área de

enfrentamento à pobreza, uma das prioridades definidas pelo respectivo Conselho.

Há que se ponderar que esta experiência acontecia ao mesmo tempo em que

se vivenciava, no cenário nacional, a adoção da programática neoliberal com o conseqüente

corte nos gastos públicos destinados às políticas sociais.

A diretriz descentralizadora aponta outro aspecto que contribui na

abordagem deste estudo: consiste na identificação da descentralização com a democratização

da gestão, propondo a participação da comunidade nos processos de elaboração e de

deliberação nas políticas sociais.

Dentre as aberturas trazidas pelo novo ordenamento constitucional, a

descentralização vem se somar à proposição da atuação autônoma dos municípios. Por outro

lado, estas aberturas não foram acompanhadas dos devidos recursos para a concretização

destas alternativas. Ao contrário, com a crise fiscal do Estado, foram os municípios que

acabaram arcando com o ônus da redução dos gastos sociais. A crise financeira também foi

utilizada para justificar o desenvolvimento de práticas participativas no âmbito municipal,

mas muitas vezes com o propósito de viabilizarem políticas e serviços públicos de forma mais

barata.

Partindo do discurso de que o Estado, por si só, não tem sido capaz de

promover o desenvolvimento social e econômico, deixando grandes parcelas da população

excluídas do atendimento a necessidades humanas elementares, um forte apelo foi feito à

sociedade civil para que ela também assumisse a tarefa de responder aos problemas

decorrentes das desigualdades sociais através da livre iniciativa e da mobilização de grupos de

pessoas, de instituições, de organizações não-governamentais e de empresas.

Yazbek (2000) alerta que, por traz do deslocamento da esfera pública para a

esfera privada, situa-se a despolitização da própria questão social e a ameaça de ver frustrada

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a universalização e a efetivação de direitos sociais legalmente adquiridos, que podem vir a ser

substituídos “pelo dever moral de atender à pobreza”.

A interpretação neoliberal sobre o papel do Estado estimulou diversos

debates, dentre os quais encontra-se a proposta de Reforma do Estado. Justificando a

necessidade da Administração Pública incorporar procedimentos gerenciais visando a

eficiência de suas ações.

De acordo com Bento (2003, p. 152)

Todavia, o plano de reconstrução do Estado vai além de um imperativo de eficiência. Trata-se também de reconstruir a esfera pública, de fortalecer a sociedade civil, sua capacidade de autogestão; ao mesmo tempo, de superar o insulamento burocrático, de combater a falta de responsabilidade política e administrativa pela má formulação ou implementação de estratégias, e de prevenir a captura dos governos por interesses corporativos e a privatização do espaço público.

Dentre as especificidades da gestão pública, Nogueira (1998, p. 202) situa

que

[...] a gerência pública não se separa da questão da democracia e do aperfeiçoamento dos mecanismos democráticos, devendo-se dedicar a estimular a participação dos cidadãos e a fazer com que os atos do poder sejam transparentes e estejam submetidos a um efetivo controle social.

As discussões a respeito da gestão - especialmente com as qualificações

“gestão social” e “gestão democrática” – emergem na segunda metade da década de noventa.

A perspectiva que norteia este estudo pauta-se na compreensão da gestão

exercida no terreno dos direitos e desenvolvida de forma a contar com a participação dos

envolvidos não apenas na discussão como também na deliberação sobre ações a serem

desenvolvidas, tendo por base os interesses coletivos.

É também necessário considerar a democratização da gestão como o espaço

onde se negocia o consenso entre os diversos atores sociais, geralmente motivados por seus

interesses específicos. Compreende-se, pois, que o exercício da gestão democrática seja

eivado de conflitos e contradições, mas também como uma possibilidade de publicizar os

interesses em disputa.

Por fim, é importante frisar que a gestão só tem valor se for democrática e se

possibilitar efetivamente o acesso aos direitos sociais. Diante do agravamento das

disparidades e das desigualdades sociais, este tem sido um desafio para a Política de

Assistência Social.

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1.2 Os Desafios da Gestão da Política de Assistência Social

Ao discutir a gestão da Política de Assistência Social implementada a partir

da década de noventa do século XX, faz-se necessário pontuar, ainda que brevemente, o

contexto histórico no qual se desenvolve esta política pública no país. Entretanto, neste

capítulo se enfatizará o resgate da Política de Assistência Social em Londrina/PR a partir da

estruturação de sua primeira gestão municipal, em 1993, pontuando aspectos comuns à

trajetória nacional da implementação da LOAS.

A contraditoriedade imanente às políticas sociais no capitalismo assume

contornos mais nítidos quando referida à Assistência Social, visto que esta se caracteriza pela

tensão permanente entre responder às demandas mais agudas decorrentes da questão social, ao

mesmo tempo em que questiona as condições que geram estas mesmas demandas; ao atender

as carências das camadas empobrecidas, contribui para a reprodução do próprio modelo

capitalista que cria essa pobreza, estruturado na apropriação privada da riqueza socialmente

produzida.

A proteção social construída ao longo dos anos em torno do trabalho foi

conquistada através das mobilizações e organizações protagonizadas pela classe trabalhadora,

cujo esforço resultou na efetivação de diversos direitos trabalhistas e sociais.

Até início da década de oitenta do século anterior, a seguridade social não

era entendida como extensão da cobertura. Somente com a Constituição Federal de 1988 a

Assistência Social passa a compor o tripé da seguridade social, o que lhe confere o caráter de

política de proteção social articulada às outras políticas sociais.

Regulamentada pela lei n° 8.742, de 7 de dezembro de 1993, a Lei Orgânica

da Assistência Social – LOAS – define:

Art. 1° A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas (BRASIL, 1993).

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Ao se constituir em política de direitos destinada a garantir mínimos sociais,

sob a responsabilidade do Estado e organizada com base num sistema descentralizado e

participativo, a Assistência Social afirma avanços:

A retomada da questão da assistência social para o Serviço Social possui dois aspectos fundamentais: o reconhecimento dessa prática, entre outras ações do serviço social, e o avanço para a perspectiva de que a assistência social deve e pode ser uma política pública. Essa idéia da assistência como política significava superar o limite do individual para a consolidação de propostas de cunho coletivo. Significava, portanto, a ampliação de direitos sociais (RIZZOTTI, 1999, p. 154).

As diretrizes e os princípios estabelecidos pela LOAS, entretanto, surgem na

contramão da conjuntura dos anos noventa, onde observou-se a adoção das medidas

neoliberais que ditavam ao Estado a redução dos gastos nas áreas sociais.

Nas palavras de Raichelis (1998), tal situação demonstrava um dos grandes

desafios para a Política de Assistência Social: estruturar-se como “política” e consolidar-se

como “pública”.

A desresponsabilização do Estado para com as políticas sociais3 se traduziu

especialmente na falta de financiamento para a área, bem como na efetivação de ações

paralelas e no apelo oficial pela co-responsabilidade da sociedade civil no atendimento às

seqüelas da questão social.

Vale recordar que, no Brasil, as ações na área da assistência foram

historicamente desenvolvidas mediante iniciativas governamentais ou da sociedade civil que

se caracterizavam pela descontinuidade, pela seletividade e por forte cunho privatista, com

administração centralizadora. Além disso, estavam quase sempre orientadas para o

atendimento de demandas pontuais e, via de regra, organizadas em torno projetos de curto

alcance que poucas vezes chegavam a se constituir em programas articulados de atendimento

às demandas sociais da população.

3Raichelis (1998) também avalia que a Assistência Social vive um processo de mutação e dualidade: de um lado é permeada pela dinâmica societária que busca seu deslocamento para o campo dos direitos, e de outro lado, convive com o aumento da difusão das práticas associativas que atuam no enfrentamento da pobreza como resposta à crise do Estado, retirando, de certo modo, a responsabilidade deste.

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Outro importante aspecto a ser ponderado refere-se à descentralização

político-administrativa. A ordem social instituída pela Constituição Federal de 1988 foi

pensada considerando-se a gestão das políticas sociais a partir dos governos locais e sob a

perspectiva da democratização. Esta proposição indicou a necessidade de forjar, a partir

destes novos pressupostos, estruturas administrativas locais e a atuação da sociedade civil

organizada junto às políticas setoriais, com vistas à participação popular.

No campo da política de assistência social, este processo se deu

especialmente através da criação, em diversos municípios, de secretarias de assistência ou de

ação social, onde muitas vezes existiam apenas departamentos de promoção social. Com a

promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social, começaram a ser instaurados os

Conselhos Municipais de Assistência Social, bem como seus respectivos Fundos e

Conferências Municipais, numa tentativa de ampliar a participação dos usuários da assistência

e da sociedade civil no planejamento e na definição desta política.

Porém, sob a égide das determinações neoliberais, a Assistência Social viu

seu público expandir-se em conseqüência do desmonte dos sistemas de proteção social; a

precarização das relações de trabalho, o aumento do desemprego, a elevação dos índices de

desigualdades sociais remeteu aos serviços socioassistenciais segmentos não contemplados

com as seguranças sociais básicas.

Nas palavras de Yazbek (2004, p. 12)

É sempre oportuno lembrar que nos anos 1990 a somatória de extorsões que configurou um novo perfil para a questão social brasileira, particularmente pela via da vulnerabilização do trabalho, convive com a erosão do sistema público de garantias e proteções sociais e com a emergência de “modernas” práticas filantrópicas que despolitizam os conflitos sociais e confrontam-se com a universalidade das políticas sociais públicas.

Este quadro de ampliação da demanda da Assistência Social fez-se notar

com mais ênfase diretamente nos municípios, que sentiram o ônus da drástica redução dos

recursos públicos destinados à área. Efetivar a Política de Assistência Social como uma

política de direitos dos cidadãos constituiu-se, portanto, numa desafiadora missão.

Cabe ressaltar outra atribuição preconizada pela LOAS para os municípios

(e aos demais entes federados): a gestão compartilhada pautada na participação popular e no

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efetivo controle social na execução desta política; pode-se dizer até mesmo que a Política de

Assistência Social já nasceu com a perspectiva democrática para sua gestão.

Infere-se que, a partir da LOAS, a Política de Assistência Social começou a

ser implementada em diversos municípios brasileiros, numa trajetória marcada por avanços e

desafios.

Ao fazer um balanço dos dez anos da LOAS, Yazbek (2004) apresentou

importantes constatações, que procuramos assim sintetizar:

• a concepção de Assistência Social como política de direitos ainda sofre

questionamentos devido à tradição clientelista, assistencialista e de um

padrão de gestão conservador que ainda permeia as ações nesta área e que

resiste em reconhecer o usuário como cidadão de direitos4;

• as dificuldades das ações da Política de Assistência Social contribuírem

efetivamente para a inclusão social;

• a necessidade de verificação quanto à contribuição do sistema

descentralizado e participativo na construção de mecanismos públicos e

democráticos de regulação e de controle social e

• a avaliação sobre os impactos da Política de Assistência Social nas

condições de vida da população usuária de seus serviços.

Sposati (2003, p. 5), por sua vez, faz uma comparação entre os dez anos da

LOAS e os dez anos de uma adolescente brasileira, afirmando que:

Ambas são portadoras de potenciais de direitos, que facilmente são negados, direta ou indiretamente, por instituições, por agentes institucionais, por técnicos, por autoridades, pela família, pelos companheiros. Ambas são, portanto, só cidadãs potenciais, já que não possuem garantias plenamente reconhecidas.

As análises acima mencionadas ratificam, a nosso ver, a relevância da

experiência examinada nesta pesquisa. Verificar como a Política de Assistência Social vem se

4Em um estudo anterior, Yazbek (1998, p. 53) também avaliava: “O reconhecimento do direito não vem se constituindo atributo efetivo das políticas sociais e da Seguridade Social no país. No vasto campo de atendimento às necessidades sociais das classes subalternas administram-se favores. Décadas de populismo e clientelismo consolidaram uma ‘cultura’ tuteladora que não tem favorecido o protagonismo dos subalternizados ou sua emancipação”.

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consolidando em um município, captar seus movimentos e demonstrar a apreciação deste

processo feita pelos atores que participam diretamente da gestão desta política, numa

experiência datada e localizada, pode contribuir para demonstrar as ambigüidades da Política

de Assistência Social que, ao mesmo tempo em que fornece respostas às necessidades de

sobrevivência dos setores mais empobrecidos, também acomoda as relações entre estes

setores e o Estado.

Por outro lado, pretende-se também indicar possibilidades de concretização

do que Yazbek (2004, p. 26) aponta como:

[...] iniciativas de “contradesmanche”, em andamento em alguns municípios brasileiros, onde em primeiro lugar recupera-se o protagonismo do Estado e de sua responsabilidade como regulador, financiador, provedor e gestor dos serviços socioassistenciais dos municípios.

A opção em refletir sobre a implementação da gestão democrática da

Assistência Social em Londrina pretende oferecer um contraponto ao exame da

descentralização como desresponsabilização do Estado, pois este processo não é linear. A

dinâmica da história revela-se no cotidiano em que se constrói, com avanços e com limites,

uma política pública afiançadora de direitos, especialmente numa conjuntura que assiste à

destruição dos padrões de proteção embasados no trabalho e da tentativa de destituição dos

direitos sociais.

Nesta perspectiva, Cabral (2004, p.136) chama a atenção para o processo

social e histórico da gestão, que deve ser compreendida

como processo inerente às organizações [que], em busca de sua realização, reflete a instabilidade de um momento, seja por força do dinamismo ininterrupto dos componentes internos, seja por força das relações externas das organizações com a sociedade.

Nada mais revelador da dinâmica deste processo do que a publicação, na

finalização desta pesquisa, da Norma Operacional Básica do Sistema Único da Assistência

Social – NOB/SUAS – em julho de 2005.

A Política Nacional de Assistência Social, aprovada em setembro de 2004

pelo Conselho Nacional de Assistência Social, veio reforçar a compreensão de que os

demandatários desta política não trazem somente necessidades materiais, mas apresentam

também possibilidades ou capacidades que devem ser estimuladas.

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Nas palavras de Sposati (2004, p. 32), a Política Nacional e o Sistema Único

de Assistência Social refletem a “necessidade política de construção democrática da

responsabilidade governamental sobre a assistência social como política de Estado” e “a

possibilidade de ampliar o alcance da cidadania, ainda que numa sociedade de desigualdade”.

A promulgação da NOB/SUAS vem reforçar tais perspectivas, traduzidas,

por exemplo, nas seguintes proposições: divisão de competências e responsabilidades entre as

três esferas de governo; definição dos níveis de gestão de cada uma destas esferas e das

instâncias que compõem o processo de gestão e de controle de tal política; a nova relação com

as entidades e organizações governamentais e não-governamentais; os principais instrumentos

de gestão a serem utilizados; e a forma de gestão financeira, que deve considerar os critérios

de partilha e de transferência de recursos.

Ao enfatizar a gestão da Política de Assistência Social, a NOB/SUAS

determina como eixos estruturantes:

• Precedência da gestão pública da política;

• Alcance de direitos socioassistenciais pelos usuários;

• Matricialidade sociofamiliar;

• Territorialização;

• Descentralização política-administrativa;

• Financiamento partilhado entre os entes federados;

• Fortalecimento da relação democrática entre Estado e sociedade civil;

• Valorização do controle social;

• Participação popular do cidadão/usuário;

• Qualificação de recursos humanos e

• Informação, monitoramento, avaliação e sistematização dos resultados.

A proteção da assistência social, inscrita no campo da Seguridade Social

brasileira, tem por direção o desenvolvimento humano e social e os direitos de cidadania, por

meio das garantias: à segurança da acolhida; à segurança social de renda; à segurança do

convívio ou vivência familiar, comunitária e social; à segurança do desenvolvimento da

autonomia individual, familiar e social; e à segurança de sobrevivência a riscos

circunstanciais.

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Tal como indicada anteriormente pela Constituição Federal e pela LOAS, a

população destinatária da assistência constitui-se de pessoas, grupos e famílias que se

encontram em situação de vulnerabilidade ou risco pessoal e social; vulnerabilidades que têm

se agravado como conseqüência do encolhimento da seguridade social.

Uma das principais estratégias de implementação destes preceitos encontra-

se na implantação dos Centros de Referência de Assistência Social – conhecidos por CRASs -

, que são equipamentos públicos voltados para o atendimento às famílias em todos os

programas, além de inclusão em projetos de geração de trabalho e renda, estabelecendo uma

rede local de proteção em áreas de maior vulnerabilidade social.

O município de Londrina foi protagonista na implantação de tais estruturas,

que começaram a desenvolvidas a partir do ano de 2002. No balanço realizado pela Secretaria

Municipal de Assistência Social referente ao exercício de 2005, registrou-se o atendimento a

12.000 famílias provenientes de oito unidades dos Centros Regionais de Assistência Social

(CRAS) localizados na área urbana e de três unidades da área rural, que atendem seis Distritos

Rurais, três Patrimônios e a Reserva Apucaraninha/Comunidade Indígena Kaigáng.

A objetivação das propostas de ações que visem contribuir no processo de

emancipação e autonomia das pessoas atendidas pelos serviços socioassistenciais de Londrina

será abordada o Capítulo 2 do presente trabalho.

1.3 A Trajetória da Política de Assistência Social em Londrina

Primeiramente, queremos deixar explícito que entendemos que a

implantação da Política de Assistência Social, nos moldes de uma política pública e de direito

dos cidadãos, se faz através de um processo lento, porém repleto de possibilidades de

construção de uma gestão pautada pela perspectiva democrática. É com este intuito que

apresentamos, na seqüência, o resgate histórico desta experiência no município de Londrina.

Para fazer a reconstrução deste processo, nos valemos de informações

obtidas em pesquisa documental feita em órgãos públicos (Prefeitura Municipal de Londrina -

PML -, Secretaria Municipal de Assistência Social – SMAS -, Conselho Municipal de

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Assistência Social – CMAS-, Câmara Municipal de Londrina, Secretaria Municipal do

Planejamento, etc), além de jornais locais (Folha de Londrina, Jornal de Londrina),

dissertações, teses e outros.

Contamos também com depoimentos colhidos de diversos atores envolvidos

na implementação da Política de Assistência Social (gestores, conselheiros, dirigentes de

entidades sócio-assistenciais e profissionais) e inclusive com alguns de seus próprios

destinatários (ou seja, com usuários).

Inicialmente, faremos uma breve contextualização do município de

Londrina, a fim de caracterizar o lócus de nossa investigação. Na seqüência, discorreremos

sobre como foi se constituindo a assistência social no município, especialmente após a

implantação de seu órgão gestor, em 1993.

O resgate das duas gestões iniciais objetiva dar maior visibilidade às ações

efetivadas pela atual administração, cuja configuração será abordada no capítulo seguinte,

bem como as possibilidades de implementação da gestão democrática na Política de

Assistência Social.

1.3.1 Caracterização do município

Londrina é uma cidade relativamente nova: comemorou seus 71 anos em 03

de dezembro de 2005, a maioria dos quais marcada pelo desenvolvimento decorrente da

cultura cafeeira.

No final da década de vinte do século passado, com a justificativa de não ter

recursos suficientes para implementar uma infra-estrutura regional, o governo do Estado do

Paraná concedeu terras da região norte a empresas privadas, dentre as quais encontrava-se a

Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), de capital inglês.

O interesse inicial da Companhia era o plantio e beneficiamento do algodão.

Entretanto, devido à baixa dos preços deste produto no mercado mundial, a empresa

reorientou seus planos transformando as terras adquiridas do governo estadual - a preços

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módicos - em projetos imobiliários. A venda de pequenos lotes de terra, altamente produtivos,

atraiu migrantes e imigrantes e possibilitou o ressarcimento ao grupo inglês. Afinal, o tipo de

terra de região (a “terra roxa”) possuía excelentes qualidades para o cultivo do café, o “Ouro

Verde”, como ficou conhecido.

O processo de colonização iniciado pelos ingleses deixou marcas na região:

em homenagem aos seus colonizadores, o futuro município que ali surgiria receberia o nome

de Londrina, em uma referência explícita à capital britânica.

Segundo Alves (2002, p.121)

A intensificação do povoamento na região norte do Estado do Paraná, se deu entre 1930 e 1950. Os povoadores eram compostos sobretudo de paulistas, mineiros e nordestinos, trazidos pelos proprietários das fazendas de café para trabalhar na lavoura. Colonos estrangeiros de variada origem e procedência também se instalaram na região, muitos de forma espontânea, outros dirigidos por companhias colonizadoras das quais adquiriam lote de pequenas propriedades.

Se esta é a versão mais difundida, cabe registrar que, especialmente nos

últimos anos, outra visão tem expressado uma análise mais crítica desta formação. Afinal,

É preciso, desejável, louvável do ponto de vista humanitário, caminharmos rumo a uma unidade, mas sem esquecer, jamais, que se trata de uma unidade na diversidade! Quer isto dizer que não se constroem relações, cidades, países ou nações plenas, sanas, livres, justas e igualitárias sem levar em consideração a multiplicidade de fatos, idéias, sentimentos, interesses e identidades presentes no emaranhado das relações sociais, interculturais e interpessoais (LONDRINA, 2003, p. 5).

Portanto, levando-se em conta as contradições inerentes aos processos

históricos, esta outra análise retoma a relação existente entre o contexto local e os contextos

nacional e internacional, afirmando que “uma vez que Londrina é ‘filha de Londres’, somos,

então, parentes de primeiro grau, ‘herdeiros’ do capitalismo ocidental” (LONDRINA, 2003,

p. 5-6).

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Sob este prisma, compreende-se de outra forma a aquisição de terras pelos

britânicos. A dívida externa brasileira com bancos ingleses já era considerável e o governo

brasileiro necessitava de mais empréstimos5.

Assim, com a concessão (ou venda, a preços módicos) de extensas faixas de

terras altamente produtivas do norte paranaense, pôde-se verificar na ação do Estado e dos

ingleses mais um exemplo da

[...] ingerência do capital internacional num país dependente, com toda uma gama de conseqüências nefastas, tanto para a natureza como para os seres humanos das regiões devastadas pela ânsia de acúmulo de capital, atitude ‘natural’ da ótica do capitalismo e dos grandes detentores do capital mundial (LONDRINA, 2003, p. 6).

A ascensão dos preços do café no mercado internacional dinamizou a

produção cafeeira na região e contribuiu para o desenvolvimento da cidade de Londrina, que

nos anos 50 do século XX ficou conhecida como a “Capital Mundial do Café” e como

“Eldorado Cafeeiro”.

Há que se registrar que, além da comercialização do café, a madeira também

despontou como uma mercadoria importante para o Estado:

Segundo Zane (1997, p. 10-13), com o início da colonização do norte do Paraná, verificou-se uma acelerada devastação coincidindo, em 1935, com a abertura do mercado europeu ao pinho brasileiro, provocando as derrubadas das araucárias no centro-sul. Até 1965, o Estado do Paraná havia perdido mais de 75% de sua cobertura florestal. E, em todo o Estado, um milhão de pessoas viveram do setor madeireiro. A exploração das matas com a finalidade do aproveitamento da madeira, ou para permitir o avanço da lavoura, foi muito intenso durante o século XX. Até 1963, 87.990 km² foram destruídos; apenas nas décadas de 30 a 50 desapareceram 39.199 km² das matas paranaenses (apud ALVES, 2002, p.142)6.

5 Iamamoto e Carvalho (1982, p.150) já afirmavam que “A dependência do núcleo central da economia ao mercado mundial, as políticas destinadas a assegurar sua reprodução ampliada, viabilizam o aprofundamento da industrialização e ao mesmo tempo lhe impõem limites. A continuação da política de valorização do café inaugurada em 1906 - marcando o predomínio do capital externo no financiamento e comercialização deste produto - torna-se indispensável para assegurar a acumulação”. 6A versão oficial da história não traz muitos apontamentos sobre as conseqüências deste desmatamento para os moradores primitivos da região de Londrina; porém, sabe-se que atualmente os índios kaingang estão reduzidos a uma população de 1.300 habitantes circunscritos à Reserva Indígena do Apucaraninha, localizada nos limites do município de Londrina. As atuais variações climáticas também têm sido atribuídas ao desmatamento acelerado ocorrido décadas atrás, repercutindo, inclusive, na produção agrícola recente ( JORNAL DE LONDRINA, 2004).

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A fama do “Eldorado” provocou a vinda de contingentes de migrantes em

busca da fortuna rápida: nos anos cinqüenta do século passado, contava com 110.000

habitantes e estava entre as 81 maiores cidades do país. O aumento populacional decorrente

do progresso cafeeiro provocou o surgimento das desigualdades sociais:

A cidade vivenciava os mesmos dilemas das áreas urbanas que haviam passado pelo fenômeno da urbanização, com o aumento da criminalidade, desajustes sociais, mendicância, jogo, prostituição, ameaçando a ordem e a segurança pública e privada. Os conflitos sociais eram vistos não como resultados das contradições latentes da sociedade, mas de desajustes individuais e passageiros, que mereciam vigilância e controle (ALVES, 2002, p.160).

Era a questão social7 que começava a se configurar em Londrina e que logo

foi abordada, tal como no contexto nacional, pela dupla via da repressão policial e da

assistência social.

A Prefeitura Municipal de Londrina já contava, à época, com um

Departamento de Educação Pública e de Assistência Social; porém, dados do orçamento do

ano de 1954, apurados por Alves (2002), demonstram que mais de dois terços dos recursos

foram empregados na educação primária, o restante foi destinado majoritariamente às

entidades da área da saúde e só um pequeno resíduo coube à assistência social.

Conseqüentemente

5De acordo com Yazbek (2001, p. 33), a questão social está relacionada com a apropriação desigual da riqueza e é abordada como uma questão estrutural: “Ao colocar a questão social como referência para a ação profissional, estou colocando a questão da divisão da sociedade em classes, cuja apropriação da riqueza socialmente gerada é extremamente diferenciada. Estou colocando em questão, portanto, a luta pela apropriação da riqueza social. Questão que se reformula e se redefine, mas permanece substantivamente a mesma por se tratar de uma questão estrutural, que não se resolve numa formação econômico social por natureza excludente”. Já Iamamoto e Carvalho (1982, p. 77) referem o surgimento da questão social à emergência do proletariado: “A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e da repressão”. Por sua vez, Pastorini (2004, p. 111), ao discutir as configurações da questão social nos diferentes estágios capitalistas, conclui que sua estrutura está assentada em três pilares centrais: “em primeiro lugar, podemos afirmar que a ‘questão social’ propriamente dita remete à relação capital/trabalho (exploração), seja vinculada diretamente com o trabalho assalariado ou com o ‘não-trabalho’; em segundo, que o atendimento da ‘questão social’ vincula-se diretamente àqueles problemas e grupos sociais que podem colocar em xeque a ordem socialmente estabelecida (preocupação com a coesão social); e, finalmente, ela é expressão das manifestações das desigualdades e antagonismos ancorados nas contradições próprias da sociedade capitalista”.

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Como as situações de pobreza continuaram aumentando e não aumentou a destinação de recursos para amparo aos necessitados, a década de 50 marcou o período em que a sociedade e a imprensa local passaram a denunciar e a exigir providências do poder público em relação à mendicância (ALVES, 2002, p.269).

O historiador Arias Neto (1993, p.121-123) oferece um excelente retrato

deste período:

À medida que as levas de migrantes miseráveis, atraídos pela fama do Eldorado, aportavam na cidade, a preocupação das elites crescia. Nesse momento as instituições assistenciais existentes (Santa Casa de Misericórdia - 1939 e o Posto de Higiene - 1942), tornaram-se medíocres frente ao crescimento urbano. Assim, na década de cinqüenta proliferavam as campanhas assistenciais visando sempre à criação de uma instituição beneficente. Dois foram os alvos prioritários: os migrantes pobres e as crianças [...] A construção dessas instituições corretivas e assistenciais não se desvinculava da proposta geral de regeneração material e espiritual da cidade, constituindo-se em símbolo do progresso, tanto pelo aspecto beneficente, como pelo estético [...] Concomitante à consolidação destas atividades, a repressão policial, com prisão e deportação de vadios e mendigos, desenvolvia-se aceleradamente. Os novos espaços públicos eram vedados ao comércio ambulante de qualquer espécie e à presença da miséria. Não era nas ruas e logradouros que os pobres iriam encontrar condições para seu próprio progresso, mas nos lugares - instituições - para eles destinados.

Do mesmo modo que ocorria em outras partes do país, vale a pena

mencionar o receio das classes dominantes frente ao assédio da organização sindical e da

doutrina comunista que já se faziam presentes na região.

Na análise de Lopes (1999, p. 102):

Assim, Londrina insere-se, desde as suas origens, no contexto ideopolítico do projeto burguês que, entre outras estratégias, concebe e utiliza as ações assistenciais como meio de regular o conflito social em nome da ordem pública e da segurança nacional.

O ciclo cafeeiro, que teve seu auge nos anos cinqüenta, não perdurou por

longo tempo. Devido às variações climáticas e às fortes geadas, como a “geada negra” que

ocorreu em 1975, os agricultores foram forçados a diminuir a produção de café e a

diversificar outras culturas agrícolas (JORNAL DE LONDRINA, 1998). O êxodo rural

provocado pela falência da cultura cafeeira e pela mecanização das lavouras agravou ainda

mais os problemas sociais já existentes.

O surgimento de favelas tentou ser contornado com a construção de diversos

conjuntos habitacionais na década de setenta, financiados com recursos da Companhia de

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Habitação de Londrina (COHAB) e do extinto Banco Nacional da Habitação (BNH). Tais

iniciativas, entretanto, não conseguiram atender a demanda existente. A Federação de Favelas,

dentre outras, passou a organizar ocupações de terras urbanas, tal como a ocorrida em 1985,

que deu origem ao atual Jardim União da Vitória, localizado na região sul da cidade.

O redirecionamento econômico da cidade pôde ser verificado especialmente

nos anos setenta. É do início desta década a implantação de diversas instituições, tais como a

Universidade Estadual de Londrina (UEL) e o Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR),

além da instalação de várias indústrias.

No decorrer dos anos, Londrina foi se desenvolvendo e se transformou no

maior pólo comercial, industrial e cultural do Norte do Paraná, além de se especializar na

prestação de serviços, tornando-se a segunda maior cidade do Estado8.

Com uma área de 1.660 km², o município de Londrina é constituído pelo

distrito sede e por oito distritos rurais, a saber: São Luiz, Espírito Santo, Warta, Lerroville,

Irerê, Paiquerê, Maravilha e Guaravera.

De acordo com a Estimativa Populacional do IBGE para 2004, a população

londrinense estimada é de 480.822 habitantes, sendo que 97% reside na área urbana e apenas

3% na área rural, dado este expressivo da mudança do eixo do desenvolvimento do município.

No início do século XXI contava com 14.372 estabelecimentos comerciais e

com 13.612 no setor de serviços. Seguiam-se os estabelecimentos industriais, com 3.287

unidades e, por fim, o setor agropecuário, com 3.119 estabelecimentos, segundo informações

da Secretaria Municipal do Planejamento e da Fazenda (LONDRINA, 2001).

A cidade possui cinco instituições de ensino superior (sendo uma destas a

Universidade Estadual de Londrina, que oferece 41 cursos de graduação), 223 escolas de

ensino fundamental e 53 de ensino médio; oito teatros, dezoito bibliotecas públicas, quarenta

auditórios, dez salas de cinema, dezesseis hospitais, 51 Unidades Básicas de Saúde, cinco

canais de televisão, dezesseis emissoras de rádio, dois jornais diários com tiragem média de

8 A caracterização a ser apresentada na seqüência baseia-se em dados retirados de periódicos locais (Jornal de Londrina e Folha de Londrina), de institutos de pesquisa (IBGE, IPARDES) e de diversos órgãos municipais (IPPUL, CODEL, SMAS, SMP, etc).

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62.000 exemplares, cinco estádios de futebol, um autódromo e quatro ginásios de esportes,

dentre outros equipamentos.

Se este panorama aponta para uma cidade com considerável nível de

desenvolvimento, os dados constantes do Mapa da Pobreza do Estado do Paraná

(INSTITUTO PARANAENSE DE DESEVOLVIMETO ECONÔMICO E SOCIAL, 1996)

trazem alguns índices que nos permitem detectar que, assim como em todo o país, tal

desenvolvimento econômico não permitiu à grande parte da população o acesso aos

benefícios sociais decorrentes desse progresso.

O Mapa da Pobreza revelou que em Londrina existiam 44.246 famílias

(aproximadamente 160.354 pessoas) vivendo na linha da pobreza, ou seja, com renda até dois

salários mínimos, índice que equivalia a 46,71% do total de famílias do município.

Para termos uma dimensão do público alvo da assistência social nesta faixa

de renda, basta dizer que em 2001 havia cerca de 20.133 crianças de 0 a 6 anos. Crianças e

adolescentes de 07 a 18 anos totalizavam 40.849 e entre os idosos contavam-se 13.512

pessoas (LONDRINA, 2001).

As pessoas portadoras dos diversos tipos de deficiência (auditiva, visual,

física, mental e múltipla) somavam 4.985 em 1999, independente da faixa de renda. Até a

mesma data, apenas 1.938 pessoas deste segmento eram atendidas por entidades não-

governamentais (LONDRINA, 1999).

Quanto à habitação, o Perfil do Município de Londrina em 2003 (Ano Base:

2002) indicava que havia 34.434 unidades distribuídas em 147 conjuntos habitacionais na

cidade (aproximadamente 172.170 pessoas). Outras 9.423 famílias (ou 47.115 pessoas)

viviam em ocupações, assentamentos e favelas. A mesma fonte afirma que 70% da população

é servida com rede de esgoto.

Quanto ao aspecto ambiental, apesar do desmatamento praticado no início

da colonização, o município possui uma excelente taxa de área verde, hoje equivalente a 22,2

m² por habitante.

No que tange aos equipamentos sociais, doze Centros Municipais de

Educação Infantil (governamentais) atendiam 1.255 crianças de três meses a seis anos;

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enquanto 61 centros de educação infantil mantidos por entidades não-governamentais

prestavam atendimento a 9.369 crianças. Já a taxa de analfabetismo estava em 6,4% em 2000,

ao passo que o Estado do Paraná possuía um índice de 9,5% e a média nacional era de 13,6%.

Na área da saúde, o município conta com 51 Unidades Básicas de Saúde.

Para o atendimento de média e alta complexidade, existem 16 hospitais que disponibilizam

1.444 leitos (entre públicos, conveniados e particulares) para os moradores não só do

município, mas também para toda a região. Em 2002, o coeficiente de mortalidade infantil

estava em 10,88%o (por mil).

Mesmo com tais discrepâncias sociais, o Produto Interno Bruto (PIB) de

Londrina é de 2,5 bilhões de reais. De acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano da

Organização das Nações Unidas (ONU), Londrina ocupa a colocação de 10ª cidade do Paraná

e de 185ª do Brasil em qualidade de vida.

Pesquisas recentes buscam caracterizar os novos contornos organizacionais

presentes no município. Citamos, como exemplo, o Mapa do Terceiro Setor de Londrina, que

foi executado através de uma parceria entre a Fundação Getúlio Vargas, a Prefeitura

Municipal de Londrina e a Companhia de Desenvolvimento de Londrina (CODEL). Dados

iniciais estimam que existam mais de 400 organizações do terceiro setor em Londrina, sendo

que 129 delas já estão cadastradas. Constatou-se que 19% das organizações mapeadas

concentram sua atividade principal na área de Assistência e Promoção Social, ficando abaixo

apenas da área de Educação e Pesquisa (onde estão incluídas, dentre outras, as creches, as

escolas e os diversos órgãos ligados ao ensino superior), cujo percentual é de 25%9.

Com esta apresentação geral da cidade de Londrina esperamos ter

possibilitado o entendimento sobre o contexto em que foi - e está - se desenvolvendo a

Política de Assistência Social, conforme discorreremos a seguir.

9A mesma fonte aponta que as 208 organizações cadastradas geram 4.900 postos de trabalho assalariado (o que corresponde a 6% do total do município), sendo que apenas cinco destas organizações são responsáveis por 3.959 postos de trabalho. Ao mesmo tempo, 30% delas trabalham somente com voluntários. Quanto ao orçamento anual, 50% dispõem de até R$ 25.000,00, enquanto somente 7% possuem orçamento superior a 1 milhão de reais (COMPAHIA DE DESENVOLVIMENTO URBANO DE LONDRINA, 2004, p.3).

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1.3.2 Histórico da assistência social em Londrina

A prática da assistência social no município de Londrina remonta à década

de 1940, quando emergiram as contradições inerentes ao processo de urbanização de uma

localidade recém-formada, para onde iam segmentos populacionais de várias partes do país

em busca de oportunidades de trabalho e de enriquecimento.

A esse respeito, Iamamoto e Carvalho (1982, p. 150) afirmam que

O desenvolvimento capitalista, tendo por núcleo central da acumulação a economia cafeeira, traz contraditoriamente, em seu interior, o aprofundamento da industrialização, a urbanização acelerada, com a diferenciação social e diversificação ocupacional resultantes da emergência do proletariado e da consolidação de estratos urbanos médios.

No caso de Londrina, mesmo que a industrialização ainda não tivesse

lançado suas bases, era notória a distância entre a elite cafeeira e as centenas de famílias

migrantes que aqui aportavam na esperança de encontrar trabalho e melhores condições de

vida. A infra-estrutura social e urbana necessária ao atendimento deste segmento, entretanto,

inexistia: a oligarquia buscava a mão-de-obra barata para trabalhar nos cafezais, mas não

planejara nenhum suporte para arcar com as condições de reprodução social desta força de

trabalho.

Para atender às diversas manifestações da emergente questão social,

verifica-se na década de 1950 a proliferação de entidades assistenciais que tinham por

objetivo atuar principalmente junto com migrantes e crianças, desenvolvendo atividades na

perspectiva disciplinadora, visando a manutenção da ordem:

Em 1952, é inaugurado o Lar Batista, orfanato e escola destinado ao amparo de crianças de ambos os sexos, até 8 anos. Após intensa campanha, em 1953, é inaugurado o Albergue Noturno, destinado a recolher os migrantes por até quatro dias. Ao longo da década, outras instituições surgiram: a Casa da Criança (1955), a Associação de Amparo ao Menor de Londrina (AAMEL- 1956), o Instituto de Educação de Surdos (1959). No ano de 1955, iniciou-se a campanha para a construção do Hospital Infantil, assim como a Casa de Portugal incluiu em seu programa a criação de uma instituição de amparo aos menores. No ano seguinte tiveram início as obras do Lar Anália Franco (concluído somente na década de 60). Criaram-se, também, a Guardinha de Automóveis, sob os auspícios do Juizado de Menores, e o Corpo de Pequenos Jornaleiros sob o patrocínio da Associação Norte Paranaense de Imprensa (ARIAS NETO, 1993, p.121-122).

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Porém, como a questão social “diz respeito ao conjunto das expressões das

desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a

intermediação do Estado” (IAMAMOTO, 2001, p.16), cabe mencionar as poucas iniciativas

do governo municipal. Registra-se a implantação do Posto de Higiene em 1942 e pouco

depois, em 1948, do Departamento de Educação Pública e Assistência Social. Somente em

1973, a partir de uma reforma administrativa na Prefeitura Municipal de Londrina, foi criada a

Secretaria de Saúde Coletiva e Promoção Social, através do Decreto nº 677/1973.

Se os serviços próprios oferecidos pelo poder público municipal na área da

assistência social eram residuais, cabe destacar que, assim como no governo federal, a tônica

das ações nesta área consistia nas subvenções oferecidas às associações e entidades da

sociedade civil: doações de terrenos para construção de equipamentos, recursos financeiros

para sua manutenção, etc.

O município contava também com uma Comissão Municipal de Legião

Brasileira de Assistência (LBA) que tomou a frente na construção da Casa da Criança,

inaugurada em 1955, tendo sido a mantenedora desta entidade até 196910.

Após ser incorporada ao Sistema Nacional da Previdência e Assistência

Social (SINPAS), em 1977, a LBA passou a firmar convênios na área de portadores de

deficiência: em Londrina, com a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) e

com o Instituto Londrinense de Educação da Criança Excepcional (ILECE). Também foram

enviados recursos federais para subsidiar o Programa de Assistência ao Idoso, que abrangia os

municípios de Cambé, Ibiporã e Londrina. Anos mais tarde, a LBA igualmente financiou,

através do “Projeto Casulo”, a construção de trinta e duas creches no município.

Valendo-nos mais uma vez da pesquisa desenvolvida por Alves, podemos

constatar, no período entre 1987 e 1991, um aumento do repasse financeiro municipal às 10A Legião Brasileira de Assistência foi criada em 1942 pela primeira dama, Sra. Darcy Sarmanho Vargas, com a finalidade de amparar as famílias órfãs e os pracinhas vindos da II Guerra Mundial. A LBA se instalou em Londrina em dezembro de 1942, sendo a primeira organização assistencial federal da cidade. Finda a Guerra, a LBA passou a ser centralizada na figura das primeiras damas dos governantes, visando, através do trabalho voluntário e da solidariedade, atender os pobres do país. A partir da década de 50, passou a ser considerado órgão paralelo à estrutura governamental, alargando seu arco de ações: “... ampliou a celebração de convênios de manutenção das entidades assistenciais existentes na rede de solidariedade civil como creches, orfanatos, asilos, lactários, colônias de férias, concessão de instrumentos de trabalho, entre outras. Seu âmbito de ação igualmente se expandiu na maioria dos estados através da rede de equipamentos sociais como Casas da Criança, Postos de Puericultura, Hospitais Infantis, Educandários” (ALVES, 2002, p.230-231).

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entidades assistenciais (destacando-se as ações para a assistência ao menor). A própria autora

analisa:

Apesar de aumentar gradativamente o volume de repasse de recursos públicos para a área da assistência social, os repasses eram dotações esporádicas e descontínuas sem uma proposta planejada com metas definidas e controle de orçamento. A maioria das verbas era repassada para as entidades assistenciais e os serviços públicos eram poucos, demonstrando que a sociedade civil assumiu o trabalho assistencial em Londrina e o poder público se limitou a subsidiá-la com repasse de verbas públicas (ALVES, 2002, p.289).

Destes dados iniciais podemos inferir a histórica falta de prioridade

atribuída à assistência social em Londrina: subordinada ora à área da educação, ora à saúde,

os serviços assistenciais no município foram desenvolvidos majoritariamente pelas entidades

filantrópicas, herança essa que perdura até a atualidade.

Porém, no final dos anos oitenta, com a mobilização social em torno do fim

do regime militar e da elaboração da nova Carta Constitucional, vemos ser consignado o

anseio por uma forma de gestão pautada na descentralização das políticas sociais que, no caso

da assistência social, foi ratificada pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), em 1993.

Desde então, a descentralização tem sido objeto de diversos estudos. Sobre a

região de Londrina/PR, contamos com o trabalho de Rizotti (1999), que desenvolve um

exame minucioso sobre o processo de descentralização das políticas sociais em geral - e da

Política de Assistência Social, em particular - no contexto posterior à promulgação da atual

Constituição brasileira, fortemente marcado pela implementação das diretrizes neoliberais.

Desenvolvida como uma estratégia administrativa que se traduziu na

transferência de responsabilidades para o âmbito municipal, mas que não foi acompanhada

pela devida transferência de recursos e de poder que possibilitasse a efetivação das novas

tarefas recebidas, a descentralização, tal como prevista na Constituição, não chegou sequer a

se concretizar no aumento da eficácia das políticas públicas, conforme preconizavam os

defensores da tese municipalista.

Se foi esta a característica marcante do processo de descentralização das

políticas sociais brasileiras, para o caso da assistência social verificam-se mais alguns

agravantes. Tradicionalmente concebida como uma prática de benemerência e baseada numa

cultura política que associava pobreza à marginalidade, a assistência social foi desempenhada

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majoritariamente por instituições de cunho filantrópico que atendiam aos necessitados na

perspectiva do dever moral de ajuda ao próximo, já que as ações do poder público nesta área,

quando existiam, eram residuais e seletivas:

Tudo isso somado resultou numa herança histórica contraditória aos princípios e diretrizes preconizados pela LOAS, que se manteve no momento posterior a sua promulgação: negação dos direitos sociais dos cidadãos e preponderância dos serviços assistenciais não-governamentais, de caráter meritório e a cargo de instituições filantrópicas (RIZOTTI , 1999, p.316).

No âmbito regional, tal afirmação foi ratificada por uma pesquisa realizada

em 1996, na qual se constatou que o pequeno conjunto de serviços assistenciais (face à

demanda existente) era mantido majoritariamente pelas instituições não-governamentais: os

dados revelaram que 68% dos serviços assistenciais da região da AMEPAR11 eram não-

governamentais, contra somente 32% de serviços governamentais (RIZOTTI, 1999, p.210).

As novas determinações legais estipuladas pela Carta Magna e pela Lei

Orgânica da Assistência Social previam, entretanto, a gestão descentralizada e participativa da

Política de Assistência Social, especialmente através da constituição dos Conselhos

Municipais de Assistência Social compostos pelo poder público, pelas instituições prestadoras

de serviços assistenciais e pelos representantes dos usuários e da sociedade civil.

Em sua análise sobre a descentralização da Política de Assistência Social na

região da AMEPAR, Rizotti apontou três fatores que dificultaram tal processo: os efeitos da

histórica centralização da política pública e a ausência de autonomia dos municípios; a

carência de estruturas técnica, administrativa e financeira necessárias ao processo de

reestruturação dos serviços assistenciais descentralizados e a incipiente participação popular

no processo de gestão e controle da política pública.

Na pesquisa empreendida, a autora também constatou que, devido à falta de

organização dos usuários da Política de Assistência Social e das dificuldades de participação

da população (especialmente nas cidades de médio e de pequeno porte), quem deu o ritmo da

descentralização da assistência social em diversos municípios da região da AMEPAR foram

os gestores e os prestadores de serviços.

11Londrina é a sede da AMEPAR (Associação dos Municípios do Médio Paranapanema), região que congrega 21 municípios e tem uma população estimada em 847.605 habitantes.

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Cabe citar ainda a influência externa que marcou este processo: os gestores

estaduais paranaenses criaram o Grupo Interinstitucional de Trabalho (GIT) para organizar o

processo de descentralização da Política de Assistência Social no Estado - criaram-se os

Fóruns Micro-Regionais, nos quais os prestadores de serviços tinham participação.

Mesmo assim, Rizotti conseguiu identificar possibilidades de avanços

concretos na experiência estudada, tais como os verificados na postura política-ideológica de

alguns gestores, nas iniciativas de participação da sociedade civil organizada, além da

participação da própria categoria dos assistentes sociais na divulgação e na implementação

das novas diretrizes trazidas pela LOAS. Além disto, o estudo do processo de implantação dos

Conselhos Municipais de Assistência Social demonstrou o surgimento de novos sujeitos

políticos e apontou para um novo tipo de relacionamento entre o Estado e a sociedade civil,

com vistas à consolidação da publicização12.

No caso específico da descentralização em Londrina, município alvo de

nossa investigação, destaca-se o apoio do poder público municipal e o papel desempenhado

pela categoria dos assistentes sociais, tanto daqueles alocados na PML, como também dos que

atuavam com as instituições prestadoras de serviços assistenciais, bem como os inseridos em

outros órgãos - em especial, os assistentes sociais/docentes da Universidade Estadual de

Londrina - que auxiliaram no debate sobre a nova configuração da assistência social no

âmbito municipal, dando “base técnica/intelectual de sustentação às novas idéias propostas”

(RIZOTTI, 1999, p.192).

A estruturação do órgão gestor municipal da Política de Assistência Social

foi um dos exemplos da luta desencadeada por esse conjunto de profissionais, conforme

discutiremos a seguir.

12A respeito da publicização, Raichelis (1998, p.27) escreve: “[...] Assim, torna-se imprescindível resgatar o sentido do público (da coisa pública, do bem público, do poder público, da administração pública, da gestão pública, da cultura pública, do gasto público, do espaço público, dos serviços públicos, da esfera pública, da política pública), para então se alcançar o ‘reconhecimento do direito de todos à participação na vida pública’”.

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1.3.3 A implantação da assistência social como política pública (1993-1996)

Uma vez que diversos aspectos da história da assistência social em Londrina

foram discutidos em outros estudos13, optamos por abordar neste trabalho o período mais

recente da referida política, partindo da estruturação do seu órgão gestor municipal.

Em Londrina, a Secretaria Municipal de Ação Social foi instituída em

janeiro de 1993, (ou seja, onze meses antes da promulgação da Lei Orgânica da Assistência

Social), no início de uma gestão democrática-popular, e constituiu-se no marco da

descentralização da assistência social no município.

A dissertação de mestrado de Lopes (1999) versa sobre a implantação da

Política de Assistência Social Pública em Londrina. A respeito da criação da Secretaria

Municipal de Assistência Social, a autora contextualiza:

Uma luta de pelo menos treze anos mobilizou principalmente assistentes sociais da PML, entidades da categoria e a Universidade Estadual de Londrina para que fosse criado um órgão técnico-político de administração exclusiva da área social na estrutura jurídica-administrativa da prefeitura municipal de Londrina, o que atualmente denominamos órgão gestor da Política de Assistência Social. Tal conquista se deu em 1991, através da Lei Municipal nº 4.910, de 26/12/91, criando a Secretaria de Ação Social, cuja implantação realizou-se a partir de janeiro de 1993 (LOPES, 1999, p.117-8).

A primeira gestão da referida Secretaria (1993-1996) teve à frente da pasta a

assistente social Márcia Helena Carvalho Lopes14, docente da Universidade Estadual de

Londrina e inserida no debate da elaboração e regulamentação da LOAS.

Na pesquisa que realizamos com os sujeitos envolvidos na implementação

da Política de Assistência Social em Londrina, o perfil da gestora foi citado como um

elemento de grande importância na viabilização de uma gestão democrática. O depoimento de

13Dentre outros, destacamos: Alves (2002), Lopes (1999), Neves (1999), Rizotti (1999), Stelmachuk e Nishimura (2000), Tavares (2004), Diório (2005). 14Márcia Helena de Carvalho Lopes, assistente social e docente do Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina, foi a primeira Secretária Municipal de Assistência Social de Londrina (gestão 1993-1996). Posteriormente, desenvolveu sua dissertação de mestrado sobre esta experiência - fonte que utilizamos para a elaboração deste trabalho. Foi eleita vereadora no período entre 2001-2004. Desde o mês de fevereiro de 2004, licenciou-se da Câmara Municipal para ocupar o cargo de Secretária Nacional de Assistência Social, no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. A partir de 2005, assumiu as atribuições de Secretária Executiva no mesmo órgão.

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uma conselheira municipal de assistência social15 revela esta visão e faz referência à primeira

gestora:

Eu acho que em Londrina realmente houve a democracia, está havendo sim a democratização [da Política de Assistência Social]. Agora, uma opinião: essa democratização pode ocorrer por conta das pessoas que assumem a Secretaria. Nós tivemos inicialmente uma secretária que era professora da Universidade, que acompanhava a construção dessa política de assistência desde o seu início, que foi a primeira secretária de assistência social aqui em Londrina. Ela tinha um perfil democrático, um perfil de ouvir; quer dizer, com isso, ela construiu uma Secretaria (Conselheira 1).

De fato, a implantação da assistência social não só como uma política

pública, mas também com a perspectiva democrática em sua gestão, mereceu atenção

constante durante esta primeira administração municipal, conforme podemos verificar na

afirmação da própria gestora da época:

Estava claro que, para viabilizarmos com efetividade uma política democrática, deveríamos, desde logo, considerar a reflexão coletiva e processos decisórios participativos. Portanto, buscamos a incorporação da prática do pensar, discutir e definir a Política de Assistência Social, dos princípios mais gerais às especificidades de cada área e segmento da população usuária, envolvendo os gestores públicos e da rede privada, autoridades públicas, órgãos de classe, lideranças comunitárias, grupos de profissionais de várias áreas e outros, como exercício coletivo e de superação da história e cultura assistencialista que sempre marcou as ações nessa área.

Ressaltamos a prevalência, na época, de uma cultura que sempre favoreceu a atomização das ações, as relações individualizadas e personalizadas com o poder constituído, reproduzindo as desigualdades de tratamento e cristalizando o distanciamento entre ações públicas e privadas na área. Tendo em vista o descrédito quanto às reais possibilidades de constituição de uma política pública transparente e voltada às necessidades coletivas e, ainda, os próprios interesses e posturas divergentes entre os agentes filantrópicos, empenhamo-nos vigorosa e persistentemente na busca do envolvimento e participação da sociedade (LOPES, 1999, p.144-145).

A preocupação com a realização de uma administração comprometida e

responsável fez com que uma das primeiras ações proporcionadas pelo governo municipal que

se iniciava em 1993 fosse a capacitação em administração pública, pois se entendia que

[...] compreender o orçamento, as fontes de receitas, as fases de execução orçamentária, o fluxo financeiro, a política fiscal e a legislação, entre outros,

15Todos os depoimentos citados foram colhidos por meio de entrevistas realizadas no primeiro semestre/2004 e vários deles tecem comentários não só sobre a gestão atual da assistência social (2001-2004), mas também sobre as anteriores.

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era condição primordial para os gestores imprimirem qualidade e eficácia no desempenho de suas atribuições administrativas e políticas (LOPES, 1999, p.140).

A viabilização de dotação orçamentária para a nova Secretaria foi outro

desafio enfrentado a contento: já nos primeiros anos contava com um percentual de 5 a 6% do

orçamento municipal, demonstrando a vontade política na implementação da assistência

social como política pública. Destaca-se também, nesta fase inicial, a adoção de uma política

de recursos humanos para qualificar o corpo técnico-profissional, administrativo e

operacional.

A prioridade de atuação definida para a gestão foi o atendimento à criança e

ao adolescente, visto que, nas palavras de uma profissional do período mencionado:

Nós tínhamos em 1993, em especial, um número muito grande de crianças e adolescentes nas ruas, entidades com crianças e adolescente. Acredito que, igual à Secretaria, as entidades também avançaram no seu reordenamento, mas naquela época o entendimento deste atendimento era mesmo fechado. A criança dentro da instituição era, por assim dizer, um depósito onde ela ficava. Hoje a visão é outra (Assessora 2).

A partir disso, os serviços - tanto os governamentais, quanto os não-

governamentais - foram estruturados em quatro grandes programas, a saber: Programa de

Atenção à Criança e Adolescente, Programa de Assessoria às Entidades Sociais, Programa de

Ação Comunitária e Programa de Assistência Social Geral.

Ainda quanto à regulamentação legal da Política de Assistência Social em

conformidade com a LOAS, Londrina foi a primeira cidade do Estado do Paraná a implantar o

Conselho Municipal de Assistência Social. Seu anteprojeto de lei foi elaborado por uma

comissão paritária formada por representantes do poder público e da sociedade civil,

posteriormente discutido com segmentos e usuários. Esta articulação política obteve do

Legislativo Municipal a aprovação do projeto na íntegra. A lei nº 6.007, de dezembro de

1994, instituiu o Conselho Municipal de Assistência Social, o Fundo Municipal de

Assistência Social e a Conferência Municipal de Assistência Social de Londrina.

Na seqüência, outra comissão, também paritária, foi formada para organizar

a 1ª Conferência Municipal de Assistência Social, realizada em abril/1995. Nesta

Conferência, que contou com mais de 500 participantes, foi eleito o primeiro CMAS de

Londrina.

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Além de ser o primeiro CMAS da região da AMEPAR16 e o de maior

composição (vinte e seis membros), também foi o primeiro do Estado do Paraná,

demonstrando o empenho do município na estruturação da Política Pública de Assistência

Social.

A esse respeito, Rizotti (1999, p.257-258) afirma que, mesmo sendo no

maior município da região, houve “vontade política” na implementação do CMAS:

Paradoxalmente, o primeiro Conselho criado na região foi instalado no maior município - Londrina - onde a relação entre os poderes executivo e legislativo locais era mais difícil, e as estruturas de organização e representação política da sociedade civil mais complexas. Era de se esperar, portanto, que nele houvesse maior dificuldade no envolvimento dos variados segmentos da sociedade civil, e que fosse mais lenta, difícil e complexa a mudança de concepção acerca da assistência social necessária à formação de um consenso mínimo sobre a importância e a necessidade de criar o Conselho. Entretanto, [...] o governo local imprimiu especial empenho na constituição dos preceitos da LOAS no nível local, exercendo importante influência para superar as dificuldades iniciais que se apresentaram.

O respeito aos conselhos constituídos (Conselho Municipal de Assistência

Social e Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente - CMDCA) foi outro

princípio de gestão democrática seguido: a eles eram submetidos para discussão, análise e

aprovação os projetos e serviços implantados pela Secretaria Municipal de Assistência Social.

Entretanto, a análise das possibilidades de uma gestão democrática da

assistência social no âmbito municipal não deve se restringir unicamente à vontade política da

administração local. Em se tratando especialmente da assistência social, cabe lembrar que

historicamente ela não foi concebida como política pública, mas sim como uma prática. Nesta

perspectiva,

O exercício da democracia, da descentralização e da participação popular não se constitui tarefa fácil, porquanto, além da vontade e decisão política, exige o aprendizado e a incorporação de valores e referenciais condizentes com aqueles princípios (LOPES, 1999, p.167).

O forte cunho filantrópico17 manifestado através das diversas entidades

assistenciais existentes - várias delas consolidadas há quase quarenta anos - e sua tradição

16Na região da AMEPAR, até final de 1995, havia apenas seis conselhos constituídos (RIZOTTI, 1999). 17Para Mestriner (2001, p. 14), “Assistência, filantropia e benemerência têm sido tratadas no Brasil como irmãs siamesas, substitutas uma da outra (...) A filantropia (palavra originária do grego philos,

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clientelista no trato com o poder público não foram, obviamente, superados no curto período

histórico dos quatro anos da referida gestão. Não se pode esquecer, ainda, da cultura política

presente na sociedade em geral, que associa pobreza à marginalidade, dificultando a

incorporação de uma visão sobre os destinatários da assistência social enquanto cidadãos de

direitos.

Mestriner (2001, p.39-40) acrescenta que:

Na verdade, as práticas assistenciais deste quadro de organizações sociais repousam sobre as bases de uma filantropia que, regulada inicialmente pela Igreja (principalmente católica) e depois pelo Estado, passou por fases e alianças que lhes deixaram marcas difíceis de superar. Da filantropia caritativa à higiênica, disciplinadora, pedagógica, profissionalizante, vigiada e de clientela, foi se construindo uma estratégia de intervenção no espaço urbano, de controle da pobreza e das ‘classes desviantes’, que reduziu indigentes, abandonados, inválidos, doentes e delinqüentes à categoria de ‘assistidos sociais’, para os quais foram se acumulando espaços institucionais próprios.

As inovadoras conquistas obtidas neste mandato (1993-1996) conviveram,

portanto, com esta ambigüidade que marca a política de assistência social: a perspectiva da

ajuda e a consolidação do direito. Processo dinâmico e complexo, conforme nos esclarece

Yazbek (1996, p.44-45):

A passagem da assistência social de ‘prática de benemerência’ para uma política de Estado supõe, antes de mais nada, a superação de um ‘caldo cultural’ que se constituiu historicamente sobre o assunto e a necessária reconceituação da assistência social, de seus princípios e objetivos na sociedade e a criação de novas bases para seu exercício. Supõe, sobretudo, que se conceba a assistência social como um dos mecanismos na luta permanente pela apropriação da riqueza socialmente construída.

Ainda assim, ao resgatar a experiência da primeira gestão municipal da

assistência social em Londrina, Lopes (1999) indica como principais resultados:

significa amor e antropos, homem) relaciona-se ao amor do homem pelo ser humano, ao amor pela humanidade. No sentido mais restrito, constitui-se no sentimento, na preocupação do favorecido com o outro que nada tem... No sentido mais amplo, supõe o sentimento mais humanitário: a intenção de que o ser humano tenha garantida condição digna de vida. É a preocupação com o bem-estar público, coletivo. É a preocupação em praticar o bem. E aí confunde-se com a solidariedade. A filantropia constitui-se, pois - no campo filosófico, moral, dos valores - como o altruísmo e a comiseração, que levam a um voluntarismo que não se realiza no estatuto jurídico, mas no caráter da relação”.

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1. a ampliação quali-quantitativa do acesso aos serviços, sendo estes

organizados em conformidade com os quatro segmentos previstos pela

LOAS;

2. a descentralização dos serviços para os bairros periféricos e para os

distritos rurais, através do Programa de Ação Comunitária, além da

instalação de cinco postos do Centro de Apoio à População;

3. destinação orçamentária para a pasta, chegando ao índice de 6% do

orçamento municipal, o que possibilitou, além da estruturação da Secretaria

e dos serviços próprios, o estabelecimento de convênio com cento e sete

entidades não-governamentais, que também receberam supervisão técnica

através dos programas de atenção à criança e ao adolescente (nos quais se

incluíam 49 creches), ao idoso, aos portadores de deficiência e às entidades

de assistência social geral;

4. implantação de programas governamentais, tais como: quatro casas-

abrigo para crianças de rua; vinte e duas oficinas de apoio sócio-educativo

em bairros periféricos; um Núcleo de Apoio Psico-Social para crianças e

adolescentes com distúrbios de comportamento e/ou usuárias de drogas e o

Projeto Sinal Verde, para abordagem de crianças/adolescentes nas ruas

(pedintes nos sinaleiros, guardadores de carros, etc.);

5. criação de condições objetivas de trabalho na Secretaria: concurso

público e contratação de sessenta técnicos da área social; estruturação da

equipe com caráter interdisciplinar e com sistemática de reuniões de

planejamento e avaliação; realização de cinqüenta eventos de capacitação

para a equipe técnica e funcionários, inclusive das entidades assistenciais e

aquisição de cinco veículos para a realização dos trabalhos;

6. democratização e ampliação dos interlocutores, com espaços para os

conselhos municipais e para o Conselho Tutelar também criado; incentivo à

organização dos bairros e de fóruns de discussão na área;

7. execução de programas pautados na realidade da população; como por

exemplo, a realização do Censo Municipal das Pessoas Portadoras de

Deficiência visando, dentre outras, conhecer as demandas do segmento;

8. implantação de projetos relacionados a segmentos até então excluídos

da ação do poder público, tais como comunidade indígena, homossexuais,

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trabalhadoras do sexo e população de rua, buscando, para tal trabalho,

articulação com outras secretarias afins.

As dificuldades, entretanto, também fazem parte deste processo histórico.

Recorrendo novamente à nossa pesquisa empírica, verificamos o reconhecimento dos avanços

obtidos, mas também quão profundas foram as marcas deixadas na equipe de profissionais

que foram os agentes primordiais na construção da assistência social como política pública

neste período.

A longa citação a seguir retrata uma análise de quem vivenciou esta

experiência:

Na época a gente sentiu que foi mesmo o “boom” da Assistência, dessa coisa da Assistência se colocar enquanto política, até porque foi criada a própria Secretaria da Assistência. Nós participamos da Conferência; vimos um movimento em torno da Assistência e as pessoas preocupadas com isso, se envolvendo, fazendo curso, a gente lia, enfim, a gente colocou isso para concretizar na prática enquanto Secretaria. Programas foram criados, de atendimento à criança, à família, ao próprio idoso, mulher, enfim, a Secretaria tinha um movimento grande [...] Então, nós vimos as coisas acontecendo com muita dificuldade; para quem está na ponta (sic), é muito sofrido, porque você não tem estrutura para o trabalho. [...] A gente se questionava muito: ‘tinha valido a pena realmente sofrer tanto?’ Porque a equipe estava desgastadíssima, muito desgastada. ‘Valeu a pena termos conseguido colocar os programas para andar com aquele preço?’ Por outro lado, agora quando olhamos para trás, falamos: ‘Também, se não tivesse acontecido deste jeito, acho que as coisas não iriam acontecer’; esperar ter todos os recursos para poder começar a implantar os programas e pensar a realidade de Londrina nesta área, acho que também ia ser muito lento; talvez a gente não tivesse este progresso que tem hoje (Assistente Social 1).

A trajetória da implantação da Política de Assistência Social em Londrina

foi marcada, portanto, pela vontade política da administração pública local, pela capacidade

de sua gestora, pela atuação da sociedade civil organizada - especialmente através dos

Conselhos instituídos - e pelos esforços significativos dos profissionais que cotidianamente

buscaram concretizar a assistência social como política pública de direitos dos cidadãos.

O protagonismo desta experiência não pode deixar de ser ressaltado: ao final

deste mandato, em 1996, os dispositivos previstos pela LOAS para a gestão plena (órgão

gestor, Conselho, Fundo, Conferência e Plano Municipal de Assistência Social) encontravam-

se todos implantados.

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Podemos finalizar indicando que as ações implementadas, bem como os

limites encontrados, fazem jus à assertiva que “repensar as relações Estado-Filantropia-

Sociedade Civil sob a égide da democracia e cidadania exige a necessária clareza de que se

está alterando esse modelo histórico de relações sociais” (SPOSATI, 1994, p.07).

1.3.4 A difícil construção da política pública de assistência social (1997-2000)

Os avanços obtidos na primeira experiência de gestão municipal da

assistência social não tiveram continuidade no período seguinte. A segunda gestão da

Secretaria Municipal de Assistência Social (1997-2000) foi marcada pelos percalços de uma

administração municipal de cunho populista e autoritário18, na qual a Política de Assistência

Social não recebeu reconhecimento:

Com o [nome do prefeito] quase foi uma derrota (sic); a gente precisava tirar dinheiro do bolso para trabalhar, porque a gente queria fazer as coisas, queria continuar, já estava acelerado desde o começo. [...] Então, por mais boa vontade que tinha de fazer esta política deslanchar, a gente não conseguia, porque não era uma prioridade do governo, não era vista como uma política pública. Muito pelo contrário, o próprio prefeito via como uma benesse. Para ele, é um favor que ele está fazendo, e a pessoa tem de dar um retorno para ele, que é votar nele, coloca-lo no pedestal que ele acha que tem direito, de [ser] o rei da cidade, enfim (Assistente Social 1).

A visão clientelista sobre a assistência social, que contraria os princípios

expressos na Constituição Federal e na LOAS, expressa a coexistência da ‘lógica do favor’ e

da ‘lógica do direito’, conforme observa Yazbek (1996, p.38):

É importante ter presente que, nas relações clientelistas, não são reconhecidos direitos e espera-se lealdade dos que recebem os serviços. Estes aparecem como inferiores e sem autonomia, não são interlocutores. Trata-se de um padrão arcaico de relações que fragmenta e desorganiza os subalternizados ao apresentar como favor ou como vantagem aquilo que é direito. Alem disso, as práticas clientelistas personalizam as relações com os dominados, o que acarreta sua adesão e cumplicidade, mesmo quando sua necessidade não é atendida.

Quanto à gestora da Assistência Social, de 1997 ao início do ano de 2000, o

cargo foi ocupado pela assistente social Marisa Goettel do Nascimento. Nos últimos nove

18Há que se esclarecer, de antemão, que esta administração municipal apresentou tantos problemas que o prefeito e outras autoridades foram afastados de seus cargos, por motivo de corrupção, antes do término de seu mandato.

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meses do ano de 2000, passaram pela Secretaria mais dois titulares: o Secretário Municipal de

Educação, Prof. José Dorival Perez, que acumulou as duas pastas, e posteriormente a

pedagoga Mitue Ishikawa Martins, ambos sem experiência na área da assistência.

Novamente o perfil do gestor aparece como um aspecto relevante para a

análise da gestão democrática na assistência. A coordenadora de uma entidade declarou que a

relação com o poder público nem sempre foi aberta e que houve momentos em que “era mais

difícil para a gente até conversar” (Dirigente de Entidade Assistencial 3).

Para os profissionais que continuaram trabalhando, o respaldo da gestora

também comprometeu o desenvolvimento da política:

A secretária falava que a gente tinha de tocar a Secretaria porque aquilo era nosso, o trabalho da Assistência na cidade era nosso, não era dela; como se a gente tivesse de assumir tudo e ela não tivesse nenhuma responsabilidade enquanto agente político mesmo, que era o principal papel dela e ela não o fazia; deixava por conta dos técnicos. [...] Então a gente ficava amarrada, na verdade tentando segurar as pontas (sic) de uma situação muito difícil e muito complicada (Assistente Social 1).

Quanto aos serviços e programas, esta administração parece não ter deixado

sua marca, nem mesmo quanto à definição de uma linha de atuação prioritária.

A instigante pesquisa de Stelmachuk e Nishimura (2000) sobre o

financiamento para a assistência social em Londrina no período de 1994 a 1999 vem

comprovar os parcos recursos disponibilizados para a área. De acordo com as autoras,

[...] o orçamento passa a ser peça fundamental para a avaliação da priorização estabelecida por um governo, da seriedade com que vê a área da assistência social, e até do projeto de sociedade que prevê para uma administração municipal (STELMACHUK; NISHIMURA, 2000, p. 2).

Ao analisar o orçamento executado19 pela Secretaria Municipal de

Assistência Social frente ao executado pela Prefeitura20, percebe-se nitidamente uma retração

no investimento:

Nota-se que o orçamento executado destinado às ações de prestação de serviços aos usuários da assistência social manteve-se praticamente no

19 Na administração pública, o orçamento previsto é o planejamento dos investimentos que se pretende implementar, enquanto o orçamento executado é o de fato realizado. Nem sempre a previsão orçamentária corresponde à sua execução final, podendo ficar abaixo ou acima do planejado. 20Incluindo administração direta e indireta.

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mesmo patamar, com pequenas oscilações, no período de 1994 a 1997, entre 3,01% e 3,69%. No período de 1997 a 1999, sofreu um decréscimo significativo, chegando ao índice de 1,43% de execução financeira (STELMACHUK; NISHIMURA, 2000, p. 4).

Cabe mencionar que o orçamento do ano de 1997 foi elaborado e

aprovado em 1996, no último ano da gestão intitulada democrática-popular. Neste ano de

1997, o investimento da Secretaria Municipal de Assistência Social atingiu R$ 5.037.872,64,

correspondendo a 3,25% do orçamento executado pela PML. Já em 1998, este valor foi

reduzido drasticamente para R$ 3.547.369,40, equivalente apenas a 1,43% do orçamento geral

executado. Constata-se um ligeiro aumento no financiamento para 1999, da ordem de R$

4.030.919,28, com o percentual correspondente de 1,83% (STELMACHUK; NISHIMURA,

2000, p.4). A tabela abaixo pode auxiliar na visualização destes dados:

Tabela 1

Demonstrativo do Orçamento da Secretaria Municipal de Assistência Social de Londrina e respectivo percentual do Orçamento Municipal executado (1997-1999).

ANO Orçamento SMAS (R$) Orçamento Executado PML (%)

1997 R$ 5.037.872,64 3,25%

1998 R$ 3.547.369,40 1,43%

1999 R$ 4.030.919,28 1,83%

Entretanto, para termos uma percepção mais clara quanto às dificuldades

resultantes de um planejamento que estipula e que recebe a aprovação - mas não a destinação

efetiva - de um montante de recursos para ser aplicado na política municipal de assistência

social, basta conferir os dados constantes do Relatório Anual de Atividades de 1999

(LONDRINA, 1999). Segundo esta fonte, o Plano Municipal de Assistência Social de 1999

previa um orçamento da ordem de R$ 9.139.124,00. Porém, no decorrer daquele mesmo ano,

o orçamento efetivamente executado pela Secretaria Municipal de Assistência Social foi de

R$ 4.030.919,28; ou seja, o percentual executado (aproximadamente 44%) não atingiu sequer

metade do orçamento proposto, comprometendo, evidentemente, o desenvolvimento dos

programas e projetos existentes.

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Um exemplo da repercussão dessa situação para os usuários da Política de

Assistência Social pode ser verificado nos próprios documentos oficiais: o Plano Municipal

de Assistência Social de 1999 indicava que somente 10% das famílias em situação de pobreza

recebiam cestas básicas e/ou atendimentos eventuais, tais como os advindos das Campanhas

do Agasalho e do Cobertor. À época, a demanda reprimida registrada era de 36.576 famílias,

tanto que o referido Plano propunha como ações prioritárias a descentralização do

atendimento para os bairros, a implantação de programas de renda familiar mínima e de

geração de renda e a ampliação do atendimento sócio-educativo para crianças e adolescentes.

Obviamente, sem a aplicação dos recursos previstos, tal planejamento, mesmo aprovado pelo

Conselho Municipal de Assistência Social, não conseguiu ser cumprido.

Outro segmento também acumulava grande demanda. Uma pesquisa

realizada através do Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina

constatou que no ano de 1998 havia um déficit de aproximadamente 20.000 vagas em creches

(PASTOR; LOLIS, 1999). Tal situação deu origem a uma Ação Cível impetrada pelo

Ministério Público, exigindo da Administração Municipal a ampliação de vagas neste setor, o

que foi atendido parcialmente nos anos seguintes21.

Podemos supor, portanto, os limites impostos à política de assistência social

no período, pois “a retração do Estado com a falta de investimentos pode ter conseqüências

desastrosas na vida das pessoas alvo dessa política, causando estragos irreversíveis e

irreparáveis para os ‘cidadãos’ que deixaram de ser atendidos” (STELMACHUK;

NISHIMURA, 2000, p. 9).

Não se pode negar que houve ampliação dos convênios com a rede de

serviços não-governamental: já eram cento e dezesseis entidades subsidiadas em 199922.

Entretanto, ocorreram sérios problemas no repasse financeiro, principalmente no último ano

da gestão, quando se tornou conhecido o desvio de recursos dos cofres públicos municipais23.

21A transferência das unidades de creche para o sistema municipal de educação iniciaria a partir do ano 2000, para atender às exigências da Lei de Diretrizes de Base da Educação (LDB). 22Vale recordar que a conjuntura nacional passava por um período onde prevalecia o ideário neoliberal e o apelo à responsabilidade da sociedade civil pelas demandas de cunho social, ao qual Yazbek (1996) denominou de “refilantropização da questão social”. 23Em fevereiro de 1999, surgiram denúncias de desvios do erário público através de licitações fraudulentas realizadas em 1998 pela Autarquia do Meio Ambiente (AMA), através do pagamento de serviços - não executados - de roçagem e capina. Em seguida, emergiram denúncias contra a Companhia Municipal de Urbanização (COMURB), em que teriam sido realizados cerca de 130 contratos licitatórios fraudulentos. O “Escândalo AMA/COMURB”, como ficou conhecido, passou a

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Além de atrasar por vários dias o pagamento às instituições, o valor do repasse mensal ainda

foi parcelado, comprometendo o atendimento prestado.

Neste caso, o Conselho Municipal de Assistência Social tentou várias

iniciativas, mas quase todas desconsideradas pelos ocupantes do poder municipal, inclusive

pela própria gestora, que não demonstrou empenho para encaminhar esta situação. Na

avaliação de uma profissional, “a própria Secretária não tinha peso político nenhum dentro da

Secretaria e dentro da Prefeitura” (Assistente Social 1).

Há que se registrar, entretanto, que durante esta gestão, o CMAS manteve-se

em funcionamento e foram realizadas a II e III Conferências Municipais de Assistência Social

(em 1997 e 1999, respectivamente). Por diversas vezes, o Conselho teve momentos de

confronto com a administração, mas não obteve dos poderes executivo e legislativo municipal

a autonomia e o respeito necessários ao desempenho de suas funções24.

O CMAS de Londrina (que contava com alguns profissionais da Secretaria

Municipal de Assistência Social como membros do Conselho), mesmo sem autonomia,

empenhou-se para cumprir suas funções. O Plano Municipal de Assistência Social para o ano

de 2000, pautado nas indicações da III Conferência Municipal (1999), trazia as seguintes

proposições: implantação de um programa de renda familiar mínima, definição de programa

de geração de renda, ampliação do acesso da população-alvo aos serviços já existentes,

transição da educação infantil e da educação especial para a Secretaria Municipal de

Educação e realização de estudos e pesquisas para diagnosticar a realidade da população-alvo

da assistência social no município. O Plano apontava ainda, como prioridade, atividades de

ser investigado pelo Ministério Público. A sociedade londrinense se organizou para acompanhar o processo e criou o “Movimento Pela Moralização na Administração Pública de Londrina”, com o lema “Pés Vermelhos, Mãos Limpas!”. Tal movimento - que contou com a participação de mais de 80 entidades sociais, sindicais, populares e patronais - lutou pela abertura de uma Comissão Especial de Inquérito (CEI), no final de 1999, para que tais denúncias fossem também investigadas pela Câmara de Vereadores de Londrina. As denúncias se avolumavam e, em março de 2000, foi aprovada a abertura de uma Comissão Processante (CP) contra o prefeito Antônio Casemiro Belinati (PFL), acusado de promoção pessoal e de improbidade administrativa. A sessão de cassação do prefeito foi realizada em junho/2000. Nos diversos processos desencadeados a partir do caso AMA/COMURB, estima-se que tenham sido desviados dos cofres públicos de Londrina o equivalente a R$ 180 milhões de reais. Faz-se necessário ressaltar que todos os processos, entretanto, ainda não possuem decisões definitivas pelo judiciário, o que permitiu que no ano de 2004, o ex-prefeito cassado pudesse se candidatar ao cargo de prefeito (pelo Partido Progressista – PP), indo ao segundo turno das eleições, onde foi derrotado. Para informações mais detalhadas, consultar Oliveira (2001). 24Para articular melhor suas proposições, a partir de 1999 os representantes da sociedade civil passaram a reunir-se separadamente antes das reuniões ordinárias do CMAS.

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capacitação para profissionais, dirigentes de entidades, coordenadores, funcionários,

voluntários, conselheiros e educadores sociais.

Em termos financeiros, o ano de 2000 foi o mais difícil não apenas para a

Secretaria Municipal de Assistência Social, mas também para os diversos órgãos da

Prefeitura. Desde 1999, o poder público municipal passava por um momento de absoluto

descrédito devido às denúncias de desvio de recursos públicos, da ordem de aproximadamente

R$ 170.000.000,00, que culminaram com o afastamento e posterior cassação do próprio

prefeito e de outras autoridades.

Ainda assim, merece destaque a realização, durante o ano de 2000, de

algumas atividades de capacitação, tais como a desenvolvida através da Universidade

Estadual de Londrina - a “Capacitação Técnico-Política para Conselheiros Municipais da

Assistência Social”25 e a Oficina de Planejamento para o Conselho Municipal de Assistência

Social, realizada com recursos próprios.

A capacitação dos conselheiros tem sido um dos elementos reconhecidos

como imprescindível para o exercício adequado das funções precípuas dos Conselhos:

Há consenso sobre a necessidade de qualificação e de compromisso dos conselheiros no desempenho do mandato, sejam do governo ou da sociedade civil. A permanência de uma visão assistencialista de anti direito, o despreparo, a pouca participação e rotatividade dos conselheiros são registradas como dificuldades. Nesse sentido, a carência de capacitação é uma unanimidade. O que aponta para a necessidade de uma qualificação mais clara desta demanda, traduzida como capacitação técnica e política ou, pelo menos, avaliar o alcance e a eficácia dos programas de capacitação até então levados a efeito (YAZBEK; GOMES, 2001, p.07).

Como se pode inferir ao comparar as duas administrações iniciais da

assistência social, a alternância do poder - neste caso, municipal - pode comprometer

profundamente não só a gestão democrática da assistência social, mas inclusive suas ações e

serviços mais elementares.

Demonstra-se, mais uma vez, o quanto a área da assistência é vulnerável às

determinações políticas no âmbito local, além de susceptível às macro-determinações políticas

25Trata-se de uma capacitação aprovada e subsidiada pelo Conselho Estadual de Assistência Social e realizada, através das universidades estaduais, em todo o Paraná.

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e econômicas, especialmente na conjuntura em que vivíamos na transição do século XX para

o XXI, muito bem analisada por Yazbek (1998, p. 57-58):

Com a crescente subordinação das políticas sociais à lógica das reformas estruturais para a estabilização da economia, mesmo que não se avance para uma privatização total da área social, constata-se uma redução das responsabilidades do Estado no campo das políticas sociais. A redução de recursos tem significado uma deterioração dos serviços sociais públicos, comprometendo a cobertura universalizada bem como a qualidade e a equidade dos serviços.[...] Esse corte assistencialista, que caracteriza as ações sociais sob a égide do neoliberalismo, está presente também na forma como vêm sendo operacionalizados os benefícios previstos na LOAS, ao eleger seletivamente os mais pobres entre os pobres. São ações tímidas, incapazes de interferir no cenário de exclusão e de enfrentar as causas da desigualdade entre os brasileiros (YAZBEK, 1998, p. 57-58).

Faz-se importante, porém, salientar que os agentes responsáveis pela

Política de Assistência Social aos poucos foram apreendendo as ambigüidades intrínsecas a

esta política e buscando alternativas que respondessem, mesmo que paulatinamente, a esta

situação.

As dificuldades vivenciadas nesta segunda administração levaram o CMAS

a tomar a iniciativa de, no ano eleitoral de 2000, promover um debate sobre a assistência

social com os candidatos a Prefeito, onde foi apresentada a situação da assistência social

local, as demandas existentes, os problemas enfrentados, etc. Foi entregue um documento aos

candidatos, no qual solicitava-se o compromisso com as seguintes propostas:

Respeito e apoio às deliberações do Conselho Municipal de Assistência Social.

Cumprimento e execução do Plano Municipal de Assistência Social.

Nomeação de um profissional da área, capacitado e com experiência no âmbito da Política de Assistência Social, para ocupar o cargo de Secretário Municipal de Assistência Social.

Disponibilização dos recursos previstos no Orçamento Municipal para a área de assistência social.

Empenho na busca pela ampliação dos recursos destinados à área, tanto governamentais quanto na iniciativa privada.

Implantação do Programa de Renda Familiar Mínima e de programas de geração de renda para famílias carentes (CONSELHO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, 2000).

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Os candidatos presentes assinaram o referido compromisso (inclusive o que

viria a ser o vencedor no pleito municipal) e, apesar dos limites que uma análise mais

pormenorizada desta ação possa apresentar, vale considerar a tentativa realizada no sentido de

discutir a assistência social enquanto política pública e de responsabilidade do Estado com o

grupo de pretendentes ao posto máximo do poder local, até porque a conjuntura específica

(com a discussão na sociedade acerca do desvio de verbas públicas) propiciava isto.

Após esta breve caracterização sobre a gestão 1997-2000, passamos a

apresentar algumas considerações sobre a mesma. Vários depoimentos coletados em nossas

entrevistas vêm corroborar o entendimento de que as ações da Política de Assistência Social

neste período conseguiram se manter devido à atuação do Conselho e ao compromisso da

equipe técnica da Secretaria Municipal de Assistência Social.

Uma conselheira municipal assim se refere à esta administração:

Aí entrou uma gestão de um prefeito extremamente populista (sic) [...] Mas mesmo assim ele não conseguiu destruir, ele não destruiu o que a primeira secretária tinha construído, mesmo com a segunda secretária sendo uma pessoa extremamente alheia à política de assistência. Mas, graças ao corpo técnico que foi montado com a primeira Secretária, com profissionais extremamente qualificados, cada um desses técnicos acreditando, e por conta desses profissionais, a política de assistência social continuou em Londrina. Aos trancos e barrancos ela continuou, com um Conselho Municipal de Assistência Social que dava o respaldo a esses técnicos. E foi aos trancos e barrancos (sic), a gente passou; depois teve outros secretários. Mais dois secretários que, mesmo assim, não destruíram essa política, graças aos seus técnicos, que garantiram a política de assistência social aqui em Londrina (Conselheira 1).

Esse compromisso com a Política de Assistência Social foi confirmado em

outros depoimentos. Profissionais que atuam hoje na Secretaria Municipal de Assistência

Social e que trabalharam na gestão 1997-2000 tecem os seguintes comentários sobre aquela

experiência:

Nós resistimos porque tinha esse compromisso; acho que de uma forma geral, todo mundo tem uma construção nas costas. Nós construímos aquilo ali, foi com o nosso suor e nossas lágrimas, um preço que até hoje muita gente questiona... (Assistente Social 1)

A gente percebe que na gestão anterior não era premissa, ou não era prerrogativa, vamos dizer assim, da administração municipal, essa questão de democratização da política pública de assistência social. Se alguns avanços aconteceram - não chamaria de avanço, mas acho que de manutenção de uma proposta que foi iniciada em 1993 -foi em função de

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muita luta, muita briga do Conselho Municipal de Assistência Social e da própria equipe, de funcionários, técnicos que existiam na época na Secretaria Municipal de Assistência Social. Mas a gente percebe claramente e nitidamente que não era esse o enfoque da administração anterior (Assessora 1).

Ao finalizarmos o resgate deste período, ficam explícitas as dificuldades

enfrentadas quanto à gestão democrática da assistência social. A visão clientelista e

residualista sobre a assistência social; a falta de capacitação dos gestores que não conseguiram

dar direção à política; o pouco investimento efetuado; o desrespeito às determinações do

Conselho, das Conferências e dos Planos Municipais, dentre outros, comprometeram

sobremaneira o atendimento que deveria ter sido prestado com qualidade e efetividade a

inúmeros cidadãos e cidadãs residentes nesta municipalidade.

Entretanto, se a Política de Assistência Social não conseguiu obter alguns

avanços, ao menos ela não foi totalmente desestruturada graças ao empenho da equipe de

técnicos e funcionários do órgão gestor, bem como ao amadurecimento que diversos

conselheiros municipais tiveram quanto ao seu papel de co-responsáveis pela gestão desta

política.

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2 A DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

EM LONDRINA NO PERÍODO 2001-2004

A Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS – estabelece em seu artigo 6º

a base sobre a qual deve se organizar a gestão da Política de Assistência Social:

As ações na área de assistência social são organizadas em sistema descentralizado e participativo, constituído pelas entidades e organizações de assistência social abrangidas por esta lei, que articule meios, esforços e recursos, e por um conjunto de instâncias deliberativas compostas pelos diversos setores envolvidos na área (BRASIL,1993).

Os esforços para implantar tal gestão vem se desenvolvendo num processo

histórico permeado por avanços e dificuldades, como se pôde visualizar nas duas

administrações municipais anteriormente retratadas.

A partir deste capítulo iremos abordar a terceira gestão da Secretaria

Municipal de Assistência Social de Londrina, correspondente aos anos de 2001 a 2004, na

qual o município teve novamente à frente uma administração de cunho democrático-popular26.

A Gestora que exerceu o referido mandato foi Maria Luiza Amaral Rizzotti,

assistente social e docente do Departamento de Serviço Social da UEL27. Sua trajetória

profissional demonstra seu compromisso com a Política de Assistência Social: desenvolveu

diversas pesquisas na área e doutorou-se em Serviço Social pela PUC-SP; foi membro do

CMAS de Londrina por duas vezes; acompanhou o processo de discussão e de implementação

da LOAS e contribui atualmente na elaboração do Sistema Único de Assistência Social.

Nesta administração observou-se a retomada da centralidade da Assistência

Social como política pública no município e o compromisso coletivo com a democratização

de sua gestão, conforme discorremos na seqüência.

Para desenvolver esta etapa vamos nos valer da sistematização e da análise

dos dados emanados desta nossa pesquisa, especialmente dos obtidos através das entrevistas

26A coligação liderada pelo Partido dos Trabalhadores foi vitoriosa no segundo turno do pleito municipal no ano de 2000 e elegeu Nedson Micheletti como prefeito (sendo este reeleito posteriormente para o mandato 2005-2008). 27A gestora permanece no cargo durante o atual mandato.

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realizadas com o conjunto de atores participantes da gestão da Política de Assistência Social

local.

Vale relembrar que nossa amostragem foi composta por treze pessoas28,

doravante denominadas pela indicação que se encontra entre parênteses:

• Secretária Municipal de Assistência Social de Londrina (Gestora);

• Duas gerentes que trabalham na assessoria da gestora (Assessora 1 e

Assessora 2);

• Dois conselheiros municipais (Conselheira 1 e Conselheiro 2);

• Duas assistentes sociais que atuam nos CRASs (Assistente Social 1 e

Assistente Social 2);

• Três dirigentes de entidades não governamentais (Dirigente de Entidade

1, Dirigente de Entidade 2 e Dirigente de Entidade 3);

• Três usuários da Assistência Social (Usuário 1, Usuária 2 e Usuária 3).

Mais uma vez, cabe ressaltar que buscamos retratar o processo de construção

da gestão da Assistência Social no âmbito municipal com os próprios sujeitos que

cotidianamente a vivenciam, pois também entendemos que

[...] a gestão social supõe a participação dos diversos protagonistas envolvidos. Supõe, portanto, a parceria, as experiências inovadoras (que possam ser referência para a construção de políticas no campo social), as ações em rede, complementares e compartilhadas. Sem que o Estado perca a responsabilidade e centralidade na gestão do social, sem que se confundam identidades e responsabilidades (YAZBEK, 2001, p. 9).

As concepções e opiniões dos nossos entrevistados serão abordadas no

presente capítulo no intuito de identificar: 1) as compreensões sobre o que é democratização

na Política de Assistência Social; 2) as visões sobre como tal democratização tem se

concretizado em Londrina e 3) quais as atribuições dos atores sociais para a viabilização deste

processo.

Contextualizados a partir do processo de consolidação da Assistência Social

como política pública, os entendimentos sobre democratização enfatizaram dois aspectos: a

democratização como acesso e como participação. Discutida à luz dos referenciais apontados

28O detalhamento dos procedimentos metodológicos e a caracterização dos informantes estão indicados na Introdução deste trabalho.

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no Capítulo 1, a democratização emergiu como elemento qualificador da própria gestão e

também como um princípio incorporado pelo coletivo de atores inseridos na Política de

Assistência Social local.

As ações através das quais a democratização desta gestão objetivou-se foram

por nós sistematizadas a partir de dois grandes eixos: a efetivação do direito e a ampliação dos

espaços de participação.

A experiência trazida pelos nossos entrevistados demonstrou que o

funcionamento do sistema descentralizado e participativo da Assistência Social requer o

envolvimento dos diversos agentes, bem como o exercício de suas funções. No caso em

estudo, os papéis da Gestora e da Equipe Técnica mereceram destaque. A participação dos

usuários foi priorizada nas ações desencadeadas pelo órgão gestor e pelo CMAS, mas ainda

aparece como um dos grandes desafios com que nos defrontamos na construção democrática.

2.1 Entendimentos sobre Democratização

O objetivo de implementar uma gestão democrática encontra-se registrado

em diversos estudos sobre a Política de Assistência Social brasileira, principalmente após a

promulgação da LOAS, em 199329. Pode-se mesmo afirmar que levar adiante a proposta da

LOAS é levar adiante a própria proposta democrática, ratificada recentemente através da

aprovação da NOB/SUAS.

Para averiguar o alcance de tal objetivo, pensamos ser necessário conhecer

como os sujeitos responsáveis pela execução da Política de Assistência Social entendem esta

democratização (e, posteriormente, como a realizam na prática diária da gestão).

Como declarou o Dirigente de Entidade 1, falar ou discutir sobre democracia

é fácil; “agora, como isso se conduz na prática da democracia, de participação dentro de uma

instância que opera uma política pública, que está aí institucionalizada somente há dez anos,

torna-se difícil” Ele afirma que a democracia existe, pois está inscrita em leis, e que até

29Como exemplo, podemos citar Raichelis (1998), Rizotti (1999), Silva (2004), Sposati (1994; 2004), Vieira (1997) e Yazbek (1996; 2001; 2004).

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usufruímos diversos aspectos dela, mas o que importa é saber como ela se opera na prática,

pois “o difícil é praticar a democracia”.

É interessante notar que esta preocupação quanto à relação entre teoria e

prática emerge de um militante que, além dos usuários, foi casualmente o único dos

entrevistados que não possuía curso superior.

Foi este mesmo dirigente que abordou a democracia como uma relação de

complementariedade entre direitos e deveres: “Para um cidadão poder exercer direitos, o

governante tem de exercer deveres e vice-versa”, visão esta muitas vezes relegada no debate

contemporâneo:

Nessa situação onde muitos grupos e indivíduos voltam-se somente para seus interesses particulares, os direitos deixam de contar com o anteparo de uma comunidade política consistente: expandem-se em quantidade e em qualidade, mas ficam sem muitas garantias e acabam, muitas vezes, por não ser efetivamente usufruídos. A própria idéia de público sofre uma inflexão e tende a ser concebida como um espaço onde direitos (individuais/grupais) podem ser afirmados de modo categórico e unilateral, ou seja, sem a recíproca afirmação dos deveres (NOGUEIRA, 2001, p. 86).

Pontuada esta discussão de caráter mais geral sobre democracia, a próxima

observação a ser destacada é que a maioria dos depoentes contextualiza a democratização da

Assistência Social numa perspectiva histórica, caracterizando-a como um “processo”. Isto

pode ser verificado através das referências constantes à trajetória histórica da AS, como as

exemplificadas abaixo:

Quando a gente fala de Política de Assistência, nós temos de olhar para um caminhar histórico para se chegar onde está hoje (Conselheiro 2).

Se avaliarmos esta trajetória de 1993 a 2004, nós avançamos nesta questão da democratização: desde a postura do técnico, a forma de atendimento, como tratar os problemas, as dificuldades do dia-a-dia e no trabalho com famílias (Assessora 2).

Tal dimensão histórica pode ser atribuída, dentre outros fatores, à vivência de

alguns destes agentes na implantação da assistência social como política pública no

município.

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A atual Gestora já havia sido conselheira municipal por duas vezes: uma

representando o setor governamental, quando participou da assessoria da primeira gestora

(1995-1996) e outra vez exerceu o mandato de 1997 a 1998, como representante do órgão de

classe30.

As entrevistadas “Assistente Social 2” e “Dirigente de Entidade 3” são

profissionais de Serviço Social formadas a partir do ano 2000, donde se infere que tenham

acompanhado os debates em torno da LOAS, mesmo que durante a formação profissional na

Universidade Estadual de Londrina, instituição onde também atua como docente a

“Conselheira 1”.

Outras três entrevistadas (as “Assessora 1” e “Assessora 2” e a “Assistente

Social 1”) são assistentes sociais concursadas na PML que trabalharam nas três

administrações da Secretaria Municipal de Assistência Social.

A vivência profissional nestas administrações foi retomada pela Assistente

Social 131, que caracterizou o primeiro momento (1993-1996) como a “implantação da PAS

no município”; a segunda administração como sendo “quase uma derrota (sic)” para a

Assistência Social e a terceira e atual gestão como o momento de “resgatar tudo”.

O processo de construção da assistência nas esferas local e nacional foi

mencionado pelos dois conselheiros municipais que enfatizaram os princípios norteadores da

Política de Assistência Social, especialmente a concepção de assistência social como política

de direito do usuário e a participação popular:

Com relação ao usuário, [a LOAS] determina que ele não pode ser tratado como alguém que está aí, como um pobre coitado, mas como um usuário de direito, como um cidadão, garantido pela lei, que tem direito à Assistência; assim como tem direito à saúde, tem direito à Assistência. Um cidadão de direito que deve ser tratado como cidadão tanto pelas entidades como pelos próprios programas do governo, que tem de seguir uma determinada política de descentralização, de participação, atendendo os vários segmentos da política: o idoso, o PPD, família em situação de risco, a criança e o adolescente (Conselheira 1).

A perspectiva histórica sobre a gestão desta política também foi considerada

no aspecto prospectivo, tanto que a Assessora 2 declarou enxergar na proposta de implantação

30Conselho Regional de Serviço Social – CRESS – Delegacia Seccional de Londrina. 31Conforme abordado no item 1.3.

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do Sistema Único da Assistência Social (SUAS) uma possibilidade de ampliação da

democratização na Política de Assistência Social32.

Neste grupo de atores houve unanimidade no reconhecimento de que a

Política de Assistência Social em Londrina já teve muitos avanços quanto à gestão

democrática, principalmente quando comparada com outras experiências, pois vários

entrevistados tinham conhecimento de que isso não correspondia a uma prática comum a

outras cidades:

Olha, se eu for falar de caráter local, houve muito avanço. Quando eu saio aí pelo Estado [PR], eu vejo as necessidades desses municípios e eu fico de boca aberta! No começo eu chegava até a contestar: “Mas como? Isso não é direito, isso não é justo, a lei diretriz diz assim, Londrina faz assim” - “Mas você é de Londrina”, respondiam (Dirigente de Entidade 1).

Londrina é um caso excepcional, isso é, uma exceção dentro dos municípios. Eu acho que em Londrina realmente houve a democracia, está havendo sim a democratização (Conselheira 1).

Uma demonstração da simultaneidade de concepções e práticas presentes na

Assistência Social pôde ser constatada no relato da Dirigente de Entidade 3, que avaliou que a

Política de Assistência Social em Londrina tem sido “excelente porque não atrasa o repasse

financeiro como acontecia antes, alguns anos atrás”.

Se, por um lado, esta declaração parece se contrapor à maioria dos relatos

anteriores, que apontaram para o estabelecimento de uma cultura e prática da Assistência

Social como política pública, não podemos esquecer que a perspectiva contida na LOAS

coexiste com uma herança cultural cuja marca é a prática da benemerência com ações

pontuais e descontínuas, na qual espera-se do poder público o apoio financeiro que

historicamente existiu, notadamente através das subvenções sociais e isenções fiscais que

eram destinadas às instituições filantrópicas.

Em outro estudo realizado há poucos anos em Londrina, Lima constatou que

a tônica da relação das entidades assistenciais com o poder público ainda centrava-se no

aspecto financeiro: “Note-se que os recursos destinados às entidades assistenciais são

32Depoimento colhido em meados de 2004, o que demonstra que esta profissional estava atualizada e acompanhando as discussões – então recentes – da Política Nacional de Assistência Social.

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entendidos enquanto uma ajuda ou colaboração dos governos para custeio e manutenção dos

trabalhos filantrópicos das instituições” (LIMA, 2002, p. 89).

Concordamos com a maioria das opiniões registradas acima, que

demonstram que o processo de construção da gestão democrática da Assistência Social no

município de Londrina teve avanços significativos, mas tal como no cenário nacional, é

permeado por ambigüidades e contradições, o que torna ainda mais desafiadora esta missão.

Afinal, é preciso considerar “a existência de uma cultura política que se

mantém ao longo do autoritarismo, sugerindo um entendimento da democratização como um

processo mais longo de transformação da cultura política e das relações Estado-sociedade”.

(AVRITZER, 1995, p.109-110).

Ter esta compreensão sobre o movimento histórico é essencial para balizar as

melhorias concretizadas, ainda que limitadas pelos marcos estruturais da ordem capitalista, na

qual

o processo de produção como reprodução ampliada de relações sociais [...] recria potencialmente as desigualdades sociais [...] [e] conduz ao alijamento da riqueza material e espiritual parte de parcelas cada vez mais amplas dos indivíduos sociais" (IAMAMOTO, 2001, p. 80-81).

Por isso, falar em gestão democrática é falar também da busca pela

efetivação dos direitos sociais, especialmente para os setores sociais excluídos e que se

encontram em condições mais vulneráveis.

No campo das políticas sociais, há de se ter em conta que

O fortalecimento de suas instituições, como também a democratização das relações sociais, depende da atuação do Estado a fim de assegurar condições para o exercício da cidadania, o que envolve, principalmente, efetivação de direitos fundamentais (BENTO, 2003, p. 179-180).

Pelos relatos obtidos nesta pesquisa, foi possível constatar que os atores da

Política de Assistência Social apresentam, quase como uma premissa, a compreensão de que a

democratização deve propiciar o acesso tanto aos serviços e benefícios quanto às informações,

para que se possibilite assim o próprio acesso aos direitos sociais.

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O acesso aos diversos serviços sócio-assistenciais foi apontado, portanto,

como um requisito essencial à democratização – o que, dado o contexto histórico de falta de

investimento para as políticas sociais, já não é pouco.

Entretanto, a Assistente Social 1 verbalizou a angústia dos profissionais que

atuam diretamente com a população, que “lida (sic) com todos os conflitos”; por isso, gostaria

que o número de famílias atendidas (por exemplo, no Programa Renda Mínima) e que o valor

do benefício fossem maiores, “porque a pobreza é muito grande”. De fato, as duas

profissionais entrevistadas que já atuavam nos CRASs (Assistente Social 1 e Assistente Social

2) pleitearam como critério da democratização da Política de Assistência Social não apenas o

acesso, mas a “universalização do acesso”.

Se a universalização já se constitui em um qualificador almejado, há de se

registrar outra perspectiva também expressada: o acesso não apenas à assistência social, como

também às demais políticas: “É preciso tornar o usuário da assistência um usuário das demais

políticas sociais. Por isso, a democratização é onde todos teriam acesso” (Conselheira 1).

Isto vem demonstrar mais uma das especificidades da Política de Assistência

Social: a necessária integração com as outras políticas sociais para que se consiga propiciar ao

cidadão – que não é usuário exclusivo da assistência social - o acesso à cidadania, ou seja, ao

conjunto dos direitos sociais.

Outro ponto convergente foi o entendimento do “acesso à informação como

requisito para uma gestão democrática” (Assessora 1). Afinal, a transparência, a publicidade e

a visibilidade das informações são ratificadas como atributos necessários para qualquer gestão

que se proponha ter caráter social (RAICHELIS, 1998; BENTO, 2003; NOGUEIRA, 2004).

O acesso dos usuários às informações – e ao conhecimento, de forma mais

abrangente – é concebido, inclusive, como condição para que estes consigam acessar os

próprios direitos sociais:

A gente vê que tem muitas pessoas que estão carentes de informação, que não vão atrás, não porque não querem: é porque nem tem informação de como buscar essa informação (Dirigente de Entidade 1).

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A falta de informação constitui-se em mais um mecanismo de opressão na

medida em que faz a pessoa achar que é através do recurso (financeiro) que ela irá ter acesso

aos seus direitos:

Se o usuário não tem informação, às vezes ele se vê precisando de recurso para pagar um advogado para lutar, para conseguir o seu direito. E devido a sua situação financeira, ele às vezes deixa de conquistar direitos, porque não tem conhecimentos e não tem recursos para pagar um advogado; então ele deixa o direito de lado (Dirigente de Entidade 1).

O depoimento acima demonstra claramente a compreensão e a necessidade

de se democratizar também as informações. Por isso, concordamos com Dowbor (2001), que

postula que a informação é um “pré-direito”, porque é uma forma de acessar outros direitos,

constituindo um elemento central da cidadania e da qualidade da gestão.

Vemos, assim, que o acesso aos serviços sócio-assistenciais e às informações

torna-se condicionante para o próprio acesso aos direitos sociais. Pode-se dizer que uma das

medidas de uma gestão democrática é o reconhecimento do direito e que o compromisso com

o direito é o critério para avaliar a esfera pública33.

Vez que o entendimento de democratização como acesso foi enfatizado pelos

nossos entrevistados, estabelecemos também como um dos eixos de análise desta pesquisa o

compromisso com a efetivação dos direitos sociais, que será posteriormente abordado (no

item 2.2).

Uma complementação importante foi feita pela Gestora, para quem a

informação aparece co-relacionada à formação:

Eu acho que o chão comum da democratização – o fio que conduz o colar – é a informação: é a socialização, o ensino, a formação. Porque a rede tem sede de conhecimento. E eu acho que o conhecimento ajuda as pessoas a decidirem, a tomarem decisões (Gestora).

A formação a que se refere a Gestora, pelo seu depoimento seguinte, vai

além da transmissão de informações ou de orientações sobre os direitos sócio-assistenciais,

por exemplo. A socialização do conhecimento é indicada como um pressuposto para a

socialização do poder decisório, conceituada aqui como democratização pela Gestora da

Política de Assistência Social de Londrina:

33Apontamentos das orientações com a Profª Maria Carmelita Yazbek.

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Para mim, não tem democratização se não tiver partilha do poder decisório – esse é o espaço da democratização. O Conselho é um espaço de partilha. Ocorre que a partilha não acontece se você não tiver divisão de saberes, partilha de conhecimento. Se não, o Conselho vai ficar à mercê das decisões do poder público.

Nota-se que esta Gestora demonstra ter muita clareza sobre a dualidade do

conhecimento, sobre o risco de manipulação, mas também sobre seu caráter emancipatório:

Por outro lado, o conhecimento sempre foi arma, uma arma importante, a favor e contra. Você pode informar as pessoas pela sua cartilha, se quiser. Quer dizer, você pode formar sem garantir autonomia de pensamento, sem criticidade suficiente para opinar (Gestora).

Seguindo esta interessante linha de raciocínio apresentada pela Gestora,

compreende-se com facilidade mais esta afirmação sobre a democratização da gestão: “Acho

também que é uma ação mais política que técnica, porque você pode criar espaços técnicos de

fala (sic), porém pode não conseguir espaços políticos de decisão”. Verifica-se que os

instrumentais administrativos não são descartados; pelo contrário, o que se enaltece é a

dimensão política da gestão, como já discutia Nogueira (2004, p. 11-12):

Por se dispor a dirigir, coordenar e impulsionar a formação ampliada de decisões, a gestão democrática opera em um terreno que não se esgota no administrativo, no manuseio de sistemas e recursos, mas se abre para o universo organizacional como um todo. Ela é essencialmente dialógica, e transcorre em ambientes éticos e políticos povoados de pessoas, desejos e interesses que não podem ser simplesmente ‘gerenciados’.

Percebe-se uma coerência entre os pontos de vista da Gestora e as opiniões

de outros entrevistados, que ressaltaram o entendimento de gestão democrática também como

participação.

A Assessora 1 declara a importância dessa gestão proporcionar espaços nos

quais os usuários possam participar, mas defende que tais espaços precisam se traduzir em

real acolhida das solicitações apresentadas, que devem ser consideradas como subsídios para

o planejamento e para a avaliação da Política de Assistência Social, inclusive no que tange à

definição dos critérios e indicadores de qualidade dos serviços ofertados.

Partilha dessa visão a Assistente Social 2, para quem “enquanto a população

não tiver este conceito de que ela pode ter um espaço de fala e de escuta”, não vai ser possível

uma participação mais efetiva por parte dos usuários.

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O Dirigente de Entidade 1 diz ser importante incentivar a participação dos

cidadãos e vê isso como uma responsabilidade também das entidades34. Ele ressalta, porém,

que não é só o cidadão que precisa ter informação; a entidade também deve ter informação

para defender a política pública, para avaliar se o gestor está atuando adequadamente; caso

negativo, a entidade deve levar a informação para a comunidade e ir junto com ela cobrar:

“isto é participação, é democracia”.

Evidencia-se que a maioria destes agentes responsáveis pela Política de

Assistência Social de Londrina assimilou a concepção de democratização como participação e

com caráter deliberativo.

A esse respeito, Vieira (1992, p. 13) assim se refere:

Sociedade democrática é aquela na qual ocorre real participação de todos os indivíduos nos mecanismos de controle das decisões, havendo portanto real participação deles nos rendimentos da produção. Participar dos rendimentos da produção envolve não só mecanismos de distribuição de renda, mas sobretudo níveis crescentes de coletivização das decisões principalmente nas diversas formas de produção

Novamente há de se recordar o movimento tenso e intrínseco do processo de

gestão. Se podemos afirmar que existe uma predominância do ideário da participação nas

narrativas destes atores, há também de se atentar para as sutilezas que revelam traços de uma

trajetória histórica que sempre buscou limitar a discussão e a participação política mais

atuante.

Dentre outros entrevistados, a Dirigente de Entidade 3, apesar de atribuir

importância à participação, parece ser a que apresentou uma visão um pouco mais restrita:

participação foi comparada ao comparecimento, à presença nas reuniões para as quais são

convidados35. A mesma postura foi reproduzida quando se tratou dos usuários, dos quais se

esperava a “participação nas atividades da instituição”.

A falta de participação desta entidade em reuniões promovidas pela SMAS e

pelos Conselhos (CMAS e CMDCA) foi justificada pelo excesso de trabalho interno:

34Um dos exemplos mencionados foi o projeto “Saber para Reagir”, desenvolvido por sua instituição. 35Peruzzo (1998), por exemplo, classifica a simples presença ou freqüência em reuniões como pseudoparticipação.

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Porque tem demanda aqui dentro; é difícil, às vezes, você sair. É importante a gente sair, participar, mas a dificuldade é essa, a própria demanda aqui dentro exige do profissional que fique, que esteja aqui para dar conta (Dirigente de Entidade 3).

Provavelmente este é um motivo legítimo e que precisa ser ponderado.

Entretanto, se estamos refletindo a respeito dos entendimentos sobre a democratização da

gestão, cabe registrar o posicionamento da Dirigente de Entidade 2 (que tem serviços em

diversas áreas, tais como apoio sócio-educativo, assistência social geral, geração de renda,

etc). Ela faz referências constantes à participação e afirma que a entidade é atuante; que tem

discutido e que participa no dia-a-dia da política, em “muitos momentos, não só nos eventos”.

Reconhece os canais institucionais e cita o CMAS e a Conferência Municipal

de Assistência Social como espaços democráticos e participativos, especialmente através das

pré-conferências realizadas no ano de 200336. Porém, esta dirigente admite que muitas

entidades não-governamentais “se fazem ausentes em muitas discussões”, ficando presas em

seus afazeres.

Ao realizarmos nossa investigação com este grupo selecionado de sujeitos

políticos, supomos que todos apostem na viabilização dos mecanismos de participação

preestabelecidos constitucionalmente e que se comprometam, inclusive, com a ampliação de

tais espaços.

Tendo em vista a importância atribuída à participação no processo de gestão,

outro eixo selecionado para avaliar a implantação da gestão democrática em Londrina foi a

ampliação dos espaços participativos.

É preciso deixar explícito que a democratização almejada não se limita e nem

se aplica exclusivamente aos organismos estatais incumbidos da execução da Política de

Assistência Social.

A democratização vem sendo delineada aqui como uma modalidade de

operar a política pública de assistência social, tendo por base o sistema descentralizado e

participativo preconizado pelo artigo 6º da LOAS.

Yazbek (2001, p.9) avalia que: 36As pré-conferências foram realizadas também em 2005, envolvendo uma quantidade maior de usuários.

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Sem dúvida, um dos aspectos mais significativos na implementação da LOAS refere-se à criação dos Conselhos e à interlocução que permitem entre organizações governamentais e sociedade civil [...] um outro aspecto que vem sendo alvo de debates diz respeito às tarefas de gestão das ações assistenciais tanto da rede privada de entidades prestadoras de serviços sócio-assistenciais, como dos programas da esfera pública.

Em mais um entendimento formulado pela Gestora - que também é uma

estudiosa da política de assistência -, a democratização refere-se a três instâncias:

A primeira instância é a democratização da gestão em si, que é a relação dentro do órgão gestor; o direito de participação que os funcionários, os técnicos e a coordenação da instituição tem; eu diria, a instância administrativa. Depois, nós temos de fazer outra divisão: não adianta só o órgão gestor ser democrático [...] a democratização da política tem de passar pela democratização da rede, [pois] não basta construir uma rede, não basta que ela seja eficiente, não basta que ela tenha qualificação, porque hoje o que está posto para a política é que a qualificação depende da forma democrática ou não em que ela é gerida. [...] E, por fim, a instância da democratização em reconhecer os órgãos que foram criados para facilitar isso, que são os conselhos, as comissões, os fóruns (Gestora).

Mais uma característica apontada pelo Conselheiro 2 (que ocupou o cargo de

vice-presidente do CMAS) e que se conjuga com a visão da Gestora sobre o caráter

deliberativo da gestão foi a autonomia:

Eu acho que a primeira forma de democratização, um grande avanço, foi o grande respeito do poder público para com o Conselho Municipal de Assistência. Respeito em que sentido? Nas deliberações, nas determinações, nas orientações às entidades, na administração do Fundo, na fiscalização (Conselheiro 2).

O mesmo Conselheiro ressaltou ainda o exercício efetuado no sentido de

pensar a política de assistência de modo ‘projetivo’ e não só imediatista, o que nos indica a

seriedade de se planejar uma política, e não apenas um programa social ou um projeto de

tempo determinado.

Evidencia-se, portanto, que a democratização precisa ser incorporada por

todo o sistema que compõe a Política de Assistência Social, e supomos que aqui desponta

uma das primeiras conclusões desta pesquisa: a democratização não pode ser compreendida

como uma norma, que é imposta; a democratização é um valor a ser incorporado no cotidiano

da gestão.

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As opiniões dos protagonistas desta experiência municipal guardam, a nosso

ver, uma intrínseca complementaridade: democratizar a gestão da Política de Assistência

Social é possibilitar o acesso aos direitos sócio-assistenciais, é viabilizar a participação, é

compartilhar com todos os envolvidos – especialmente com os usuários – as decisões acerca

dos rumos que esta política deve tomar para consolidar-se como pública e para contribuir com

a própria história de democratização da nossa sociedade.

No caso do Brasil, a democratização teria que ser pensada enquanto o processo de longo prazo de incorporação dos princípios democráticos pela própria sociedade, um processo que certamente ainda não chegou ao seu final... (AVRITZER, 1996, p. 146).

2.2 Expressões Concretas da Democratização da Política de Assistência Social

Discutimos anteriormente que os protagonistas entrevistados identificaram

democratização como um modo de gerir que deve propiciar o acesso e a participação. Num

segundo momento de nossa investigação, buscamos demonstrar quais seriam as objetivações

desta democratização na Política de Assistência Social em Londrina. Para tanto, nos valemos

novamente dos relatos destes nossos informantes, mas também recorremos a outras fontes

documentais37 para comparar ou esclarecer as informações fornecidas. Como poderá ser

observado, a partir deste tópico contaremos com os depoimentos dos três usuários

entrevistados, com os quais utilizamos um roteiro diferenciado de questões.

Cabe registrar, inicialmente, que houve unanimidade por parte de nossos

informantes em atribuir ao período examinado (2001-2004) grandes avanços na

democratização na Política de Assistência Social local. Por diversas vezes, entretanto, foram

levantados questionamentos, críticas e dificuldades, vindas deste mesmo grupo de

responsáveis pela política de assistência local.

37Os documentos oficiais consultados foram relatórios, planos, avaliações, atas de reunião, etc. Outras informações foram retiradas de trabalhos acadêmicos (TCCs, dissertações, etc).

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Considerando as compreensões sobre democratização salientadas

anteriormente, os dados que se seguem foram organizados e analisados a partir de dois eixos,

a saber: a efetivação dos direitos e o fortalecimento dos espaços participativos.

2.2.1 – Efetivação dos direitos socioassistenciais

Ao falar em efetivação de direitos sócio-assistenciais, precisamos considerar

os reflexos de uma herança histórica que sempre tratou assistência como uma prática marcada

pela benesse, pela fragmentação e pelo voluntarismo.

Acresce-se a isto a conjuntura que acompanhou a transição para o século

XXI, permeada pelas tentativas de implementação dos direitos sociais juridicamente

estabelecidos versus a adoção de propostas de desregulamentação destes direitos recém-

inaugurados, por parte de um Estado restritivo às seqüelas da questão social:

O neoliberalismo, como sabemos, é muito mais do que política econômica e se expressa em um ideário e em práticas societárias que moldaram, para as políticas específicas do campo social, um perfil despolitizado no qual a proteção social é tratada como questão individual e assunto de filantropia (YAZBEK, 2004, p. 57-58).

Assiste-se, portanto, ao confronto entre programas que atribuem ao modo de

produção e de reprodução social capitalista a exclusão de parcelas significativas da população,

que clamam pelos direitos de cidadania e, por outro lado, a manutenção de uma ideologia que

tenta imprimir aos indivíduos a responsabilidade exclusiva por sua situação de pobreza,

sugerindo como alternativa para estes a esperança em serem agraciados com ações da

caridade e da filantropia, traduzindo assim uma explícita disputa entre a cultura de direitos e a

cultura da ajuda.

Podemos associar a concretização dos direitos como o próprio objeto da

LOAS e, como elemento qualificador, a democratização da sua gestão. Por isso, indagar

sobre as expressões concretas da democratização da Política de Assistência Social na

experiência de Londrina pareceu-nos um elemento chave para refletir o objeto proposto neste

estudo.

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Um dos principais indicadores da priorização de qualquer projeto – e, neste

caso, de uma política municipal de Assistência Social – encontra-se na sua dotação

orçamentária (STELMACHUK; NISHIMURA, 2000).

Neste sentido, os dados emanados desta pesquisa comprovaram que o

compromisso da gestão realizada entre 2001 e 2004 ficou evidenciado na ampliação

significativa do financiamento destinado à Assistência Social.

Como observamos na administração anterior, os serviços sócio-assistenciais

foram extremamente prejudicados devido à escassez e à irregularidade na liberação de

recursos. Em função disto, ainda no ano de 2000, o Conselho Municipal de Assistência Social

desenvolveu uma ação contundente com a Secretaria Municipal de Planejamento e a Câmara

de Vereadores, dentre outros, visando garantir na Lei Orçamentária de 2001 um investimento

mais expressivo para a assistência social. Tal objetivo foi conquistado e ficou determinado em

R$ 8 milhões o orçamento para a Assistência Social.

Mesmo com a alternância no poder municipal, este orçamento foi respeitado

e o repasse atrasado pela administração antecessora à rede não-governamental foi quitado

logo nos primeiros meses de 2001. Há de se registrar ainda o aumento de 5% nos valores per

capita a partir do 2o semestre/2001, atendendo assim a uma antiga reivindicação das entidades

que há anos não tinham reajuste.

O financiamento municipal para a AS aumentou significativamente nos anos

seguintes, como pode ser verificado na tabela abaixo:

Tabela 2

Evolução do Orçamento da Secretaria Municipal de Assistência Social de Londrina (2001-2004).

ANO Orçamento SMAS (R$)

2001 R$ 8.000.000,00

2002 R$ 12.500.000,00

2003 R$ 17.000.000,00

2004 R$ 18.000.000,00

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Percebe-se que em 2002 a cifra empregada na assistência social atingiu R$

12,5 milhões, representando um aporte de mais de 50% em relação ao ano anterior38.

No ano seguinte, a dotação municipal para a Assistência Social chegou a

R$ 17 milhões, o que correspondia a 6,9% do orçamento da Prefeitura. É preciso ressaltar que

tal percentual é inédito para a política de assistência social, que há anos vem lutando para

garantir um mínimo de 5% do orçamento das três esferas do governo. Na síntese avaliativa

das Conferências Estaduais apresentada à III Conferência Nacional de Assistência Social,

realizada em dezembro de 2001, pode-se observar a importância da definição de um

percentual orçamentário, em todas as esferas de governo, como condição necessária para a

efetivação da assistência social como política pública:

Em geral, as propostas pretendem destinar 5% do orçamento (da seguridade social, em nível federal e do orçamento fiscal nas outras esferas) para a assistência nos três níveis de governo, havendo algumas que destinam 10%. Trata-se de percentual presumido como satisfatório, em razão de aparecer como anseio nas duas Conferências Nacionais, embora fique claro que não há apropriação de estudos e diagnósticos suficientes e capazes de definir percentual realmente compatível (YAZBEK; GOMES, 2001, p. 6-7).

Para 2004, o investimento municipal para a assistência ficou determinado

em R$ 18.000.000,00. Antes que se avalie a quebra de continuidade nesta série histórica

orçamentária, cabe esclarecer que, como fruto da discussão sobre as especificidades da

Política de Assistência Social e do reconhecimento da necessidade de acompanhamento

técnico, bem como da integração intersetorial promovida pelo Conselho Municipal de

Assistência Social e por seus gestores, a partir de 2004 foi feito o repasse de alguns serviços

para outras secretarias, a saber: serviços relativos à terceira idade foram transferidos para a

gestão da Secretaria Municipal do Idoso e de seu respectivo Conselho, e as escolas de

educação especial passaram para a Secretaria Municipal de Educação. Como a transição

destes serviços foi acompanhada pelo respectivo aporte financeiro, antes alocado no FMAS,

pode-se inferir que não houve contingenciamento para a Política de Assistência Social, o que,

entretanto, ocorreu em outros órgãos municipais no exercício de 2004.

Podemos afirmar com tranqüilidade que o financiamento da Política de

Assistência Social no município de Londrina tem sido inédito, principalmente se comparado à

destinação orçamentária para a área proveniente das outras esferas.

38Merece destaque ainda em 2002 a inclusão de todos os recursos da assistência social no respectivo Fundo Municipal.

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Não podemos esquecer de que o Brasil adentrou o século XXI trazendo

como marca as determinações impostas pela agenda neoliberal, que foram especialmente bem

cumpridas no que se referiu à redução do investimento nas políticas sociais, em geral, e na

política de assistência social, em particular.

O caso do Paraná, nesse sentido, é exemplar. Em pesquisa realizada sobre o

financiamento para a área pelo Estado do Paraná, Tavares (2004) constatou que o volume de

recursos destinados ao Fundo Estadual de Assistência Social no ano de 2001 foi de R$

18.386.800,00. Tal cifra correspondia a bem menos de 1% de orçamento fiscal do Estado –

para ser mais exato, a 0,16%. Como se não bastasse, em 2002 este montante foi reduzido para

R$ 16.261.000,00 (TAVARES, 2004, p. 225).

Ao fazer uma rápida comparação, percebe-se que os recursos alocados pelo

gestor estadual em 2001 para atender a seus 399 municípios equivaliam ao investimento total

praticado por um único município – Londrina - no período subseqüente: R$ 17 milhões em

2003 e R$18 milhões em 2004.

Quanto ao orçamento federal destinado a esta política até o ano de 2001,

Paiva e Rocha (2001, p. 99) atestam que:

A ação financiada pelo governo federal tem oscilado entre 1% e 2% do Orçamento da Seguridade Social, quando o compromisso do fundo público deveria contemplar aumentos anuais, a partir do mínimo de 5% do orçamento, conforme decisões das duas Conferências Nacionais realizadas pelo movimento social erguido em defesa da LOAS.

Evidencia-se, portanto, que no item financiamento o município de Londrina

despontou com uma experiência ímpar exatamente em uma conjuntura que propunha

declaradamente a redução do Estado no campo social, dividindo e transferindo esta

responsabilidade para a sociedade civil, ao que Yazbek (1996) definiu como

“refilantropização da questão social”. Merece destaque ainda o fato deste município estar

cumprindo a alocação de no mínimo 5% de sua arrecadação para esta área, antecipando o que

passaria a ser uma recomendação inscrita na Política Nacional de Assistência Social aprovada

em 2004.

Entretanto, faz-se necessário reconhecer que o crescimento do orçamento da

assistência correspondeu eqüitativamente ao aumento do repasse às instituições não-

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governamentais, que tiveram seu financiamento duplicado num período de quatro anos. O

quadro abaixo ajuda-nos a visualizar tal situação:

Tabela 3 Evolução dos recursos destinados pelo Fundo Municipal de Assistência

Social de Londrina às entidades sociais (2001-2004).

ANO RECURSOS (R$)

2001 R$ 2.718.636,00

2002 R$ 4.796.256,00

2003 R$ 6.289.080,00

2004 R$ 5.756.944,00

Se o que estamos discutindo é o aporte financeiro como subsídio essencial

para implementar serviços e benefícios sócio-assistenciais visando a concretização de direitos,

e considerando que tais serviços encontravam-se até a poucos anos concentrados nas mãos das

instituições não-governamentais, pode-se inferir que isso significou também a ampliação da

oferta de tais serviços, historicamente insuficientes quantitativa e qualitativamente para

responder às demandas sempre crescentes no campo da assistência social.

Cabe observar, porém, que as cifras destinadas a tais serviços não chegaram

à metade da dotação anual. No caso em estudo, a constituição da rede assistencial municipal

também mereceu atenção, conforme se pretende demonstrar posteriormente. Como um rápido

exemplo, podemos citar a expansão da frota, com a aquisição de seis veículos e de um 01

caminhão (em 2003) e a admissão, via concurso público, de dezessete novas assistentes

sociais em 2004, ampliando assim o quadro próprio de pessoal da Secretaria Municipal de

Assistência Social.

Deve-se reafirmar, ainda, que os Termos de Cooperação assinados com as

ONGs foram definidos pelo Conselho Municipal de Assistência Social, que exerceu firme

fiscalização sobre a utilização dos recursos.

Mais uma vez, revela-se aqui um dos conflitos que acompanha a trajetória

da assistência social em “constituir-se como política e realizar-se como pública”

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(RAICHELIS, 1998, p. 269). Se o recurso é público, é passível de fiscalização,

diferentemente de quando as subvenções sociais eram destinadas às instituições não-

governamentais que poderiam aplicá-las de acordo com sua livre escolha.

Para exercer sua atribuição de controle social e visando a democratização da

política de assistência, cabe registrar que o CMAS de Londrina teve duros embates com

dirigentes de entidades: algumas instituições chegaram a ter seus convênios suspensos e

outras sofreram intervenção direta do Poder Executivo e/ou do Judiciário, tendo de devolver

dinheiro aos cofres públicos.

No caso em estudo, constata-se que não foi só o volume de recursos que

aumentou: o trato dado ao orçamento foi muito mais criterioso e controlado de perto pelo

CMAS.

O avanço quanto ao financiamento da assistência social foi identificado por

vários dos sujeitos entrevistados nesta pesquisa, como a Conselheira 1, que afirma que “O

poder público em Londrina está apresentando seu orçamento, garantindo seu orçamento: era

de 17 milhões no ano de 2003” (Conselheira 1).

Se há, por um lado, o reconhecimento deste avanço, por outro não se pode

deixar de mencionar alguns desafios que ainda se apresentam.

A preocupação com a definição do percentual de financiamento é partilhada

pelos atores responsáveis pela gestão, conforme se verifica no relato abaixo:

A questão orçamentária [...] Eu sempre cito isso porque a gente viveu com um recurso limitadíssimo na Secretaria e hoje vemos chegando a 6%, mas não temos garantia. A política de assistência não tem hoje garantia desta manutenção de x% com relação à assistência; nós podemos regredir o trabalho se não conseguirmos manter este orçamento (Assessora 2).

Pode-se perceber com clareza a angústia desta entrevistada que, por ter

trabalhado em gestões anteriores, sabe o quanto a consolidação da assistência social guarda

íntima dependência com o aporte financeiro designado para tal política.

Não há dúvidas quanto à priorização da Política de Assistência Social pelo

executivo local; entretanto, até o término desta pesquisa, ainda não havia sido garantido

juridicamente um percentual mínimo de financiamento para a PAS em Londrina.

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Outro desafio apontado foi que mesmo este investimento ainda não era

suficiente para atender a demanda existente. A Assistente Social 1 expressou o desejo de que

nesta administração “tudo fosse melhor, perfeitinho”; mas não deixa de reconhecer que na

gestão atual se investiu muito na assistência, principalmente quando considerada a série

histórica de parcos investimentos na área.

O Dirigente de Entidade 1 também reconheceu tanto o investimento

realizado quanto a necessidade de seu crescimento:

Então, na política local, é lógico, tem muita coisa ainda a fazer, que por falta de recursos não foi feito. Mas não podemos deixar de olhar o que esta administração fez, em questão de recurso para esta política; fez além do que estava escrito, do necessário - não do necessário, mas do que prediz a lei - já fez além, e mesmo assim falta recurso.

Os relatos acima nos permitem perceber uma consciência sobre esta

trajetória financeira da assistência social, pontuando tanto os avanços quanto os desafios a

serem ainda enfrentados, demonstrando, assim, a inconcretude deste processo.

Há, também, um outro ponto de vista que contribui para ilustrar estes

percalços:

Esse último governo foi excelente para a instituição. Por quê? Acho que no começo deste ano [2004], foi a primeira vez que atrasou o repasse, foram dois meses de atraso. Atrasava alguns dias, mas nunca faltou ao ponto de atrasar meses, como acontecia antes, alguns anos atrás. Teve sempre um repasse bom, dentro das metas. Então, acho que pelo menos este objetivo, na parte de Assistência Social, conseguiram passar (Dirigente de Entidade 3).

O relato nos leva a considerar quanto a relação entre o órgão gestor e a

instituição parece ainda estar alicerçada no aspecto financeiro, como já havia sido apontado

por Lima (2002).

Se, por um lado, fica explícita a avaliação positiva que a entidade faz do

órgão gestor em razão da pontualidade no pagamento e do valor adequado do repasse, por

outro nota-se que o que deveria ser um procedimento rotineiro de gestão – o pagamento em

dia dos compromissos assumidos – parece ser incomum quando se refere à política de

assistência social, ou seja, o que deveria ser a regra na administração de qualquer setor é visto

aqui como exceção, provavelmente devido às experiências que deixaram a marca da

eventualidade no campo da assistência social.

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Sequer a responsabilidade na gerência do recurso público parece ser

concebida como uma prática habitual. Neste caso, pode-se supor que não tenha ocorrido a

incorporação da pontualidade do repasse, por exemplo, como uma ação natural e – por que

não dizer – como um direito legítimo da própria instituição que compõe a rede de serviços

sócio-assistenciais.

Percebem-se também traços de conformismo em outro trecho, quando a

mesma Dirigente de Entidade 3 declara que “alguns governos são bons, outros não”; o que

nos faz lembrar que:

O aprendizado do processo participativo é lento [...] As causas estão nas raízes culturais e históricas das sociedades latino-americanas, que, por um lado, geraram uma certa apatia e um sentimento de inferioridade diante dos ‘que sabem’ e, por outro, uma tendência a delegar o poder, uma espécie de consenso e cumplicidade em relação a ideologias conservadoras e práticas autoritárias (PERUZZO, 1998, p. 298).

Mais uma vez, para a gestão social é importante atentar para a influência da

cultura política nas manifestações cotidianas, que remete à própria experiência histórica do

povo brasileiro, cujas tradições apontam mais para o autoritarismo e para a delegação do

poder que para o assumir a co-responsabilidade na resolução dos problemas.

Em se tratando da definição sobre a implementação de serviços e de

benefícios que viabilizem o acesso aos direitos sociais, ampliam-se ainda mais as exigências

quanto à lisura no tratamento do fundo público.

Por isso, é necessário salientar os esforços feitos pelos gestores da Política

de Assistência Social do município que, com o aporte de recursos conquistado no exercício de

2001 a 2004, conseguiram implementar diversos programas e serviços e ampliar o acesso a

outros já existentes.

Duas ações foram priorizadas durante este mandato, atendendo a

reivindicações pleiteadas desde a III Conferência Municipal: as ações de enfrentamento à

pobreza e de atenção à criança e ao adolescente:

O programa de enfrentamento à pobreza busca implementar ações que contribuam no processo de inclusão social considerando o suprimento das necessidades sociais básicas através do combate à fome, da renda mínima, da geração de renda e da organização de grupos comunitários [...] Os serviços destinados à criança e ao adolescente atendem a faixa etária de 07 a 18 anos

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em ações de apoio sócio-educativo, iniciação profissional, abrigo, crianças vítimas de violência e situação de risco, na perspectiva da prestação integral através de parceria com a rede não-governamental (LONDRINA, 2003b).

Há de se observar, de antemão, que devido à opção desta pesquisa em fazer

uma abordagem qualitativa das ações desenvolvidas no âmbito da gestão democrática, vamos

delimitar às ações de enfrentamento à pobreza, cujo enfoque proposto é a atenção à família

como um todo. Não vamos examinar, portanto, a totalidade das atividades realizadas pela

SMAS, inclusive as referentes ao atendimento às crianças e aos adolescentes39.

Implantado em maio/2001, o Programa de Renda Mínima começou

atendendo 450 famílias. De acordo com o artigo 2º da Lei nº 9.000/02 (LONDRINA, 2002),

que aprovou outras modalidades de Bolsa Auxílio, além da Bolsa Escola Municipal,

constituem objetivos deste Programa:

I - Propiciar o acesso aos direitos fundamentais preconizados pela Constituição Federal e pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos; II - Garantir o cumprimento e a efetivação das leis federais nºs 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social) e 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e das leis afetas aos direitos da pessoa idosa e da pessoa portadora de deficiência; III - Propiciar condições para a melhoria da qualidade de vida do público-alvo da assistência social, visando à sua emancipação e autonomia por meio de ações integradas das políticas públicas; IV - Promover o resgate e o fortalecimento de vínculos familiares, bem como a convivência comunitária, por meio de atividades sócio-educativas e de ações que fomentem a vivência coletiva; V - Promover ações de formação pessoal, social e profissional, com o intuito de fomentar o acesso e a integração dos usuários às políticas de emprego e renda; e VI -Contribuir para o desenvolvimento psico-social da população-alvo, de forma a propiciar seu envolvimento em atividades que resgatem ações co-responsáveis.

Devido ao caráter intersetorial, fazem parte da operacionalização deste

Programa outros órgãos municipais, a saber: Secretaria Municipal de Saúde, Secretaria

Municipal de Educação, Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento, Secretaria

Municipal da Mulher, Secretaria Municipal da Cultura, Fundação Municipal do Desporto,

COHAB e CODEL, ficando a coordenação a cargo da Secretaria Municipal de Assistência

Social.

39Neste segmento, vale citar o Projeto de apoio sócio-educativo Viva Vida, destinado a crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos, em situação de vulnerabilidade social. A proposta busca desenvolver a criatividade, a expressão, as potencialidades e a convivência social através de oficinas arte- educativas e trabalhos pedagógicos (atividades de dança, capoeira, hip-hop, artes plásticas, poesias e outras linguagens artísticas). Em 2003, 1.400 crianças e adolescentes foram atendidos nas treze unidades, incluindo a zona rural. Para mais detalhes sobre o Projeto, consultar Araripe (2003).

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Cabe registrar que o valor do benefício concedido por esse programa

municipal - na grande maioria, de R$ 100,00 - era significativamente maior que os valores

referentes aos benefícios do governo federal destinados ao mesmo público, como por

exemplo, o Bolsa Escola Federal, no valor de R$ 15,00 por criança (sendo que cada família

poderia inscrever no máximo três crianças), ou Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

- PETI, com valores de R$ 25,00 por criança (para área rural) e R$ 40,00 (para área urbana).

No ano de 2003, foram destinadas 2.021 bolsas a famílias e/ou pessoas, e

em 2004, este número aumentou para 2.105 atendimentos, conforme observa-se na tabela

abaixo:

Tabela 4 Atendimentos do Programa Renda Mínima de Londrina

por modalidades (2002-2004).

BENEFÍCIOS MUNICIPAIS 2002 2003 2004

Bolsa Escola Municipal 1315 1578 1622

Bolsa Auxílio Idoso 0 265 273

Bolsa Auxílio PCD 0 67 100

Bolsa Auxílio Adolescente 0 99 94

Bolsa Auxílio Morador De Rua 0 12 16

TOTAL 1315 2021 2105

Diversas atividades que dão suporte ao referido Programa (grupos de

geração de renda, cursos profissionalizantes, etc) são promovidas com o público-alvo da

Assistência Social: moradores de rua, adolescentes em situação de risco pessoal e social,

mulheres, homens, idosos/as com dificuldade de sobrevivência, residentes em localidades de

maior risco social. O desenvolvimento deste trabalho sócio-educativo visa o fortalecimento do

indivíduo, tanto no aspecto objetivo como no subjetivo, para que de fato ele tenha condições

inclusive de participar ativamente na vida comunitária:

[Essas atividades] que estão fazendo lá através do Bolsa-Escola, eu acho isso uma forma de democratização, de atingir esse usuário, não dando só a cesta básica, mas discutindo os seus problemas subjetivos, porque eu acho que o subjetivo interfere diretamente no objetivo. E quando o subjetivo não está bem, o usuário não vai conseguir ser um militante, um membro da

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associação de moradores, ele não vai conseguir participar da sua igreja, só vai lá pra rezar (Conselheira 1).

Percebe-se que noções como cidadania, direitos, participação e democracia

são mutuamente implicantes e que se ampliam na medida em que procuramos fundamentar

nossas compreensões. Como exemplo,

É importante lembrar que a pobreza não é apenas uma categoria econômica, não se expressando apenas pela carência de bens materiais. Pobreza é também uma categoria política que se traduz pela ausência de direitos, de possibilidades e de esperanças (YAZBEK, 2001, p. 8).

Partindo desta perspectiva, Santos (2004, p. 205) pesquisou o significado do

Programa Bolsa Escola Municipal:

O Programa Renda Mínima - Bolsa Escola de Londrina é um mecanismo inovador no âmbito da gestão da Política de Assistência Social no município, porque ele se configura numa ‘estratégia de alargamento de direito’. O que traz de novo é a necessidade de tratar a pobreza não apenas no seu aspecto material de superar a fome, mas de resgate de uma parcela da população que se encontrava massacrada pelo estigma de uma pobreza que tem marcado seu cotidiano.

Além do benefício financeiro concedido a um contingente populacional

significativo (embora não suficiente) neste período, o Programa tem se caracterizado pela

qualidade do atendimento prestado, especialmente no que tange ao entendimento do usuário

como um cidadão que possui direitos que não se restringem à transferência monetária, mas

que deve procurar reconhecer outras necessidades objetivas e subjetivas, na perspectiva do

que Dagnino (1994) denominou de “direitos a ter direitos”, e que no campo da Política de

Assistência Social vem se construindo numa trajetória recente.

Outra analista nos alerta também sobre o valor de iniciativas como esta,

frente ao cenário de destituição real e simbólica dos direitos sociais:

Se diante da avalanche neoliberal, a questão que se apresenta hoje é de refundar o horizonte de legitimidade dos direitos, também é verdade que as mudanças em curso na economia (e na sociedade) estão nos colocando em uma fronteira de dilemas que escapam a conceitos, categorias e fórmulas políticas conhecidas e que estão a exigir uma reinvenção dos termos para se pensar as relações entre trabalho, direitos e cidadania [...] Nesses tempos incertos, em que o consenso conservador que tomou conta da cena pública tenta fazer crer que estamos diante de processos inelutáveis e inescapáveis, fazer essa aposta não é pouca coisa (TELLES, 1996, p. 95).

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O depoimento de uma beneficiária do Programa Bolsa Escola Municipal

pode nos ajudar a materializar esta perspectiva adotada:

[...] Estou no Bolsa Escola vão fazer dois anos, graças a Deus. Pra mim, foi muito bom ter entrado. [...] Mas não só pelo dinheiro. O dinheiro é necessário, mas pelo que foi desenvolvido através do Bolsa Escola, com a Assistência Social, a educação. E tudo vem trabalhando dentro da área da Bolsa Escola, da informação, da formação, da valorização de cada ser humano. [...] Só que foi agora, apareceram esses cursos de profissionalização, de cidadania, dos direitos que a gente tem e não sabe; então comecei a fazer bastante, ir em palestras e me levantar. [...] Eu acho que eles devem investir mais nisso, porque tem bastante gente com capacidade de fazer esse trabalho com a pobreza e mudar um pouco. Não pode mudar o Brasil, mas pode mudar Londrina. [...] Eu falava assim: “Eu não tenho capacidade para nada, vou esperar aqui a morte”, e, olha, deu uma virada na minha vida! E através do quê? De formação mesmo, de Assistentes Sociais, de muitas pessoas que vieram nos valorizar. Eu agradeço todo mundo que participa comigo, que fala as coisas pra mim, pra tocar pra frente (Usuária 2).

O relato acima demonstra o que é vivenciar um atendimento qualificado no

qual o usuário é tratado como cidadão e em que se difunde a concepção de Assistência Social

como direito e não como favor.

Outro importante aspecto no processo de democratização da assistência

social é a transparência das informações e dos critérios de concessão dos benefícios. O acesso

às informações tem sido uma diretriz posta em prática no dia-a-dia do trabalho profissional:

Particularmente procuro deixar isto muito bem claro, desde a primeira vez: “Eu não sou a moça boazinha que concede a cesta básica; aliás, de moça boazinha eu não tenho nada. Eu estou aqui para defender uma Política Pública de Assistência e para isso eu trabalho com critérios, e os critérios são esses, esses e esses, porque a Lei me fala isso; então, se a senhora não está nos critérios, infelizmente não vou conceder” (Profissional 2).

A dimensão deste trabalho foi valorizada e incentivada por outros agentes,

tais como esta Conselheira Municipal de Assistência Social:

É aquela Bolsa-Escola que não se limita somente a dar a Bolsa, que trabalha para esta mulher - porque a maioria é mulher - e que não discute somente o seguinte: “Você vai ter de cuidar bem do seu filhinho, fazer isso...”. É mais, é discutir o seu ser como mulher, seu sentimento na qualidade de mulher [...] que não pode parar um minuto sequer porque a realidade diária é tão violenta e a gente não consegue. Então, eu acho que quando as assistentes sociais

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fazem aquelas reuniões para discutir o seu problema do dia-a-dia, está se discutindo, resgatando a sua cidadania. É por aí (Conselheira 1)40.

Sistematizando algumas reflexões sobre Programa de Renda Mínima –

Bolsa Escola Municipal, fazemos nossa a avaliação de Santos:

O cerne desta questão é que muito mais que o valor do recurso, ainda modesto e insuficiente para prover as necessidades básicas, está a importância da ação sócio-educativa, que possibilitou o desenvolvimento pessoal e social dessas pessoas, seja pela participação em espaços coletivos, pela inserção em grupos de geração de renda, terapia comunitária, alfabetização, entre outros. Esse acesso permitiu uma nova forma de vida e, principalmente, um novo olhar sobre si mesmo, mais valorizado, porque os mecanismos excludentes que construíram a subalternidade estão em processo de desconstrução através do acesso às ações que buscam promover o fortalecimento pessoal e social (SANTOS, 2004, p. 203).

Não poderíamos deixar de mencionar, porém, as mudanças na esfera federal

que repercutiram diretamente na gestão da Assistência Social: “Por exemplo, a ampliação dos

benefícios, a forma de regulação, os cadastros, a forma de financiamento, etc. Estas mudanças

que ocorrem no âmbito nacional exigem do município uma nova postura em relação à União”

(Gestora).

A partir de 2003, começou a aumentar o número de beneficiários dos

Programas Federais; tais programas foram unificados em 2004 no Programa Bolsa Família,

pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, num claro exemplo do

cumprimento das atribuições deste órgão federal na implantação da Política Nacional de

Assistência Social.

O aporte significativo de benefícios exigiu dos gestores locais o

planejamento das ações de acompanhamento para mais de 25.000 famílias e/ou pessoas

residentes em Londrina contempladas diretamente com recursos advindos da União. Caberia

aqui o questionamento: como fazer para desenvolver um trabalho de acompanhamento para

tantas pessoas?

Tal indagação veio impulsionar outra proposta já desenvolvida desde 2002

pela administração municipal e que consiste na implantação dos Centros Regionais de

40Nesta grande missão de efetivação dos direitos, é importante assinalar as especificidades relativas à questão de gênero, sobre a qual muito poderia ser debatido, mas cuja temática não concerne a esta investigação.

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Assistência Social – CRASs, em mais uma demonstração do envolvimento e do compromisso

da equipe de Londrina com a construção da Política Nacional de Assistência Social – PNAS.

Atendendo às diretrizes propostas na IV Conferência Municipal

(outubro/2001), a partir do 2º semestre/2002, a Secretaria Municipal de Assistência Social

começou a operacionalizar a descentralização de seus serviços, através da instalação

progressiva de Centros Regionais de Assistência Social (CRAS) nas diversas regiões da

cidade.

Inicialmente, foram organizados sete Centros Regionais de Assistência

Social nas regiões Sul, Leste, Oeste A, Oeste B, Norte A, Norte B e Centro, com ampliação da

cobertura de 17 para 90 bairros.

Nestes CRASs, a metodologia de trabalho empregada visa esclarecer os

usuários sobre o que é a Política de Assistência Social, como ela é operacionalizada no

município, quais os critérios de concessão dos benefícios, etc. Isto é feito através das

Reuniões de Acolhida e dos diversos grupos de discussão formados em todas as regiões.

Além das orientações, acompanhamentos e encaminhamentos, os técnicos

alocados nos CRASs fazem o gerenciamento dos benefícios municipais e federais

(anteriormente citados) e incentivam a organização comunitária com vistas a propiciar a

melhoria da qualidade de vida da população atendida.

Hoje todas as famílias que compõem uma região e que são atendidas por um CRAS têm a entrada em uma Reunião de Acolhida, onde elas recebem toda a informação do que o CRAS oferece, de como está organizada a Política de Assistência Social dentro do município, o público que atende. [...] Depois, elas são inseridas nos grupos que a gente chama de “grupo de acompanhamento sócio-familiar”. [...] E o que este espaço oportuniza? A partir da natureza daquela população, por exemplo, se é uma comunidade onde a violência reina, então vem para este espaço a discussão, traz as outras políticas mais próximas para esta discussão e aí as famílias aos poucos vão apontando os temas, as discussões e é feito este trabalho [...] Acho que a descentralização do serviço foi um caminho, propiciando esta aproximação e esta participação entre família, serviço público e trabalho técnico (Assessora 2).

Eu acredito que hoje, principalmente nas Reuniões de Acolhida que nós fazemos, que são reuniões para aquelas pessoas que vêm pela primeira vez procurar a Assistência, quando nós explicamos o que é a Política de Assistência Social, que isso é um direito, que é com base na Constituição Federal, que não é favor, qual é a diferença entre a política de direito e o assistencialismo, acho que partindo deste princípio nós estamos caminhando

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para que haja uma democratização, porque a democracia passa pelo sentido das pessoas entenderem a Política como direito, e elas só vão entender a partir do momento em que falem para elas muito claramente que isto é um direito (Assistente Social 2).

As duas técnicas relacionam nitidamente esta forma de atendimento pautada

na cidadania como uma concretização da democratização da Política de Assistência Social, tal

como apontada inicialmente nesta pesquisa nos “entendimentos sobre democratização”.

A territorialização propicia também o acompanhamento mais próximo dos

serviços alocados na região, bem como a integração com as demais políticas. Mais uma vez, é

por meio do relato de uma usuária que podemos visualizar uma das expressões de tal

democratização. Trata-se de uma idosa bastante atuante que participa, dentre outras

atividades, do Grupo de Terceira Idade local:

Outra coisa: a professora que dá Educação Física para a gente toda sexta-feira - a cada quinze dias - está muito fraca este ano. No ano passado a gente tinha umas meninas que trabalhavam com a gente que eram uma beleza; esse ano nós estamos com uma que é muito fraca, parece que ela está acostumada a cuidar de pessoas doentes e nós não somos doentes, nós somos idosos. E se nós precisa é de alongamento, nós não vai brincar de rodinha, de “atirei o pau no gato...”. Eu quero é alongamento! [...] Nós falamos para a assistente social que vai lá no nosso grupo, a gente abriu o jogo, falamos: “Não está bom assim, deste jeito nós estamos descontentes” (Usuária 3).

Vê-se que a usuária cobra a qualidade do atendimento no serviço público

como um direito, e justifica: “se nós temos o nosso direito, é um direito nosso, da mulher

brasileira, da idosa chegar e abrir a boca e falar, nós falamos mesmo; e se precisar pegamos

um papel, fazemos um ofício, registramos e levamos para a Prefeitura” (Usuária 3). Do grupo

de usuários entrevistados, esta é a mais atuante, tendo participado até da Conferência

Municipal, como se discutirá adiante.

Em 2004, já havia 11 CRASs implantados; destes, oito localizavam-se na

área urbana, atenderam a 12.000 famílias de 244 bairros. Na área rural, 3 CRASs abrangeram

todos os 06 Distritos e 03 Patrimônios, bem como as 350 famílias da Reserva

Apucaraninha/Comunidade Indígena Kaigáng.

Apesar do pouco tempo de desenvolvimento deste serviço, seu diferencial

de atendimento já está sendo reconhecido:

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Ah, eles [a população] estão tomando conhecimento dos direitos, porque cada vez que vêm aqui, eles não estão só encontrando apoio da cesta básica. A cesta está lá para qualquer um, mas eles vêm no CRAS, no Centro de Referência aqui e recebem informação de onde buscar, o que fazer. Tem gente competente no CRAS, que está fazendo isso acontecer e as pessoas se valorizando mais [...] Tem uma reunião geral mês sim, mês não, uma individual a cada semana que fala sobre uma coisa, cada mês sobre a mulher, sobre esses programas que têm de desenvolvimento. Essas pessoas que vêm hoje aqui, eu acredito que estão vendo uma coisa muito diferente, estão buscando não só a cesta básica, mas estão buscando dignidade, aprendendo a caminhar por outros caminhos e também estão aprendendo muito (Usuária 2).

É animador observar que é uma beneficiária que constata as melhorias para

a população. Outro exemplo á a integração dos serviços proporcionados através dos CRASs:

“No bairro já tem um Conselho [Tutelar] que melhorou bastante, que antes as pessoas tinham

de sair daqui e ir lá [no centro da cidade]; agora, só quando é outro caso mais grave que as

mães têm de ir” (Usuária 2).

Vários outros entrevistados também citam os CRASs como um avanço na

democratização.

A Assessora 2 resgata a dimensão histórica da Política de Assistência

Social: começou com aproximação e criação de vínculos dos técnicos com as famílias,

comunidades e lideranças; depois avançou com programas e projetos e atualmente com os

CRAS.

A implantação dos CRASs também foi identificada como um meio de

promover e facilitar a participação dos usuários:

Todos os dias vamos aos bairros e praticamente tem um grupo reunido, quer seja em reuniões, em terapias comunitárias ou em grupos de geração de renda. Isto temos visto aumentar gradativamente no município. [...] Temos visto, por exemplo, que onde existem os grupos de geração de renda, a comunidade participa muito melhor, porque consegue enxergar uma outra possibilidade que não aquela de continuar sendo um usuário direto. Como é o caso hoje dos mais de cinqüenta grupos de geração de renda que temos na cidade, onde a maioria dos participantes são usuários da assistência social (Dirigente de Entidade 2).

Dentre outras realizações implementadas pela Política de Assistência Social

na administração municipal, o projeto sobre geração de renda também foi destacado como

mais uma ação visando a efetivação dos direitos.

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Implantado em setembro de 2003, este projeto está inserido no Programa

Fome Zero, criado pelo do governo federal. Em Londrina, este programa conta com o

envolvimento de diferentes secretarias (assistência social, idoso, mulher, saúde, educação,

agricultura e abastecimento) e órgãos (CODEL e PROVOPAR-LONDRINA)41.

Em parceria com a Universidade Estadual de Londrina, o Programa Fome

Zero fez um diagnóstico dos grupos de geração de renda existentes na cidade. Foram

mapeados e cadastrados 68 grupos. De posse desse mapeamento, foram criados em todas as

regiões da cidade (norte, sul, leste, oeste e rural) os Núcleos de Economia Solidária (NESOL).

A partir de 2003, foram implementadas ações de fomento técnico e

financeiro a tais grupos. Como opção para que esses grupos tivessem a oportunidade de

comercializar os seus produtos, foi realizada, nos dias 12 e 13 de dezembro de 2003, a I ª

Feira de Economia Solidária (FEISOL), no Museu de Arte de Londrina. Vários eventos como

este foram reproduzidos no ano seguinte.

Através do depoimento de uma das usuárias entrevistadas - que está inserida

nesta atividade - podemos ter um retrato sobre o início deste trabalho:

[...] Logo no começo, tinha assim pra mim que Geração de Renda não dava certo, porque envolvia mais pessoas e cada um com gênio diferente; eu falava assim: “Não vai dar certo, não”. Falei isso, mas se a gente não tentar, não tem como você conhecer a pessoa melhor, tem de tentar estar com elas. A gente formou o primeiro grupo: eram seis, saíram três, agora a gente tá hoje em seis (Usuária 2).

Outra entrevistada - que era co-responsável por este Projeto – declarava a

sua expectativa:

Outro rumo que a Secretaria hoje tomou como uma proposta concreta de busca de alternativas para a família é a Geração de Renda. [...] E eu acredito que também seja um processo de democratização no sentido de que eles recebem a informação, eles têm essa capacitação e depois a autonomia; tem todo um processo vivido para a autonomia do grupo ou da família em relação à Geração de Renda (Assessora 2).

No relato seguinte podemos encontrar expressões da viabilização desta

proposta:

41Alguns serviços foram criados e outros já desenvolvidos pelo município foram incorporados, como por exemplo a substituição do fornecimento de cestas básicas por cupons de alimentos; e a viabilização de Cursos de Formação Profissional (junto com outros órgãos e entidades).

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[...] Todo fim de semana a gente faz assim: cozinha junto e vende e depois a gente senta e coloca, tá tudo registrado: quanto custou, quanto pagou, quanto vai deixar, tirar, o que gastou e tirar uma porcentagem pra deixar pra girar; tá dando, graças a Deus. Para nós foi bom, pra mim especialmente. Eu falava: “Eu não posso fazer nada, não posso fazer nada”, mas é o que tá me ajudando (Usuária 2).

Esta cidadã apresenta, então, seu parecer sobre o Projeto Geração de Renda:

[...] Eu vejo assim, que a Geração de Renda, além de dá pra gente um retorno de cidadania, dignidade de trabalho, ela desenvolve, assim, mais união, sem contar a formação que a gente continua tendo. [...] Agora aqui eu fiquei sabendo que tem muita gente que estava lá no fundo do poço, coitado, mas porque não tinha valorização. Essa Geração de Renda está vindo mostrar que eles têm capacidade, que eles podem, sabe (Usuária 2).

Ao fazer uma abordagem qualitativa dos dados emanados desta pesquisa,

pretende-se dar visibilidade tanto aos indivíduos aos quais sempre nos referimos como

destinatários das políticas sociais, como também almeja-se materializar alguns resultados da

ação de diversos protagonistas que tentam pôr em prática objetivos, tais como:

contribuir no processo de emancipação e autonomia das pessoas atendidas, através da construção ou reconstrução da identidade pessoal e coletiva, melhorando as relações e reforçando os vínculos familiares e comunitários e identificando e desenvolvendo as potencialidades das mesmas” (LONDRINA, 2004).

Vejamos, pois, a reflexão feita pela nossa entrevistada:

Eu vivi em estado de miséria, pobre não só de pobreza, mas pobre de fome de saber, de querer participar, de conhecimento, de tudo, essa pobreza que mata qualquer um. Quando você não sabe nada - às vezes, eu sabia, mas eu não tinha ânimo para passar para as pessoas, que eu tinha medo até de conversar. [...] Hoje eu vejo pessoas que eu não dava um tostão por elas, mas devagarinho estão chegando, buscando, querendo saber, entendeu? Tem gente com qualidade, minha filha. Porque todo ser humano tem qualidade, tem vontade de ser, de poder estar fazendo alguma coisa pela comunidade, só que não tem oportunidade. Porque eu acredito assim, se você quer valorizar alguém, você vai oferecer condição para ela estar fazendo, para depois caminhar, que foi o que aconteceu com a gente (Usuária 2).

Com a riqueza deste testemunho, podemos ratificar o mérito do trabalho

sócio-educativo como componente essencial na democratização do acesso aos benefícios e

serviços sócio-assistenciais.

Como optamos por valorizar a interpretação qualitativa das informações que

nos foram fornecidas pelos sujeitos desta pesquisa, estamos explicitando alguns programas

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que foram enfatizados nos depoimentos deles. Por isso, além do Programa de Renda Mínima

– Bolsa Escola Municipal, da implantação dos CRASs e do Projeto Geração de Renda já

abordados, um outro serviço merece destaque por representar também a efetividade da

Política de Assistência Social em um segmento de grande vulnerabilidade.

Trata-se do Programa “Sinal Verde”, um serviço de proteção especial

executado pela Secretaria Municipal de Assistência Social em parceria com uma ONG, que se

destina a atender crianças, adolescentes e adultos em situação de risco pessoal e social nas

ruas.

Desenvolve ações de abordagem de rua, apoio sócio-familiar e apoio sócio-

educativo, para viabilizar a construção ou a reconstrução da identidade pessoal e coletiva e

respectivos projetos de vida. O projeto ainda contempla o fornecimento de benefícios, cestas

básicas, documentação e encaminhamentos diversos.

No primeiro ano da gestão examinada, houve uma diminuição do índice de

abordagens de crianças e adolescentes em mais de 50%: reduziu-se de 268 abordagens em

2001 para 104 abordagens no ano seguinte.

Não são poucos os desafios que envolvem a atuação com os moradores de

rua, até mesmo pelas especificidades e complexidades desta questão; mas também aqui

fazem-se notar as possibilidades decorrentes de um trabalho que procura considerar os

usuários da Política de Assistência Social como cidadãos de direitos.

A história de vida do Usuário 1, transcrita abaixo, mostra como foi o

trabalho inicial da equipe de abordagem:

Eu era um andarilho, eu não era um mendigo. Mendigo, assim, numa forma que eu era sujo, era um pedinte e era um alcoólatra, vivia do álcool. [...] Quando eles me abordaram na rua, eu realmente já estava com vontade de sair da rua. [...] Me perguntaram se eu queria fazer o tratamento, se eu queria sair da rua. Falei: “Quero sair da rua. Quero ajeitar minha vida, porque eu tô sabendo que eu vou morrer ali, não vou ter ninguém pra colocar uma vela na minha mão; eu quero sair, quero ver se eu refaço a minha vida de novo, quero ver se eu tenho meu lar.” [...] Só que pra isso, eu tive de fazer um tratamento no hospital. [...] Quando eu saí, me arrumaram esse lugar pra eu ficar, lá no SOS42 (Usuário 1).

O tratamento para se recuperar do alcoolismo continuou sendo feito no

serviço municipal de saúde. Depois, passou a pedir à assistente social que lhe arranjasse um

42Refere-se ao Serviço de Obras Sociais – SOS, um albergue da rede não-governamental.

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emprego, pois “O que eu queria era trabalhar, pra mostrar pra muita gente, não pra se exibir,

pra mostrar que eu tinha capacidade”.

Este usuário citou uma importante experiência neste período: uma

funcionária da SMAS o contratou para pintar a parte dos fundos da casa dela, mas um dia ela

saiu e deixou-o sozinho na casa. Foi então que ele sentiu que aquela pessoa confiava mesmo

nele, mesmo sabendo que ele havia sido homem de rua e alcoólatra: “Então, aquilo pra mim já

veio mais um pouco de confiança”.

Durante a entrevista, foram feitas várias referências a dois funcionários da

equipe do Sinal Verde (uma auxiliar educativa e um motorista) e ele faz uma analogia dizendo

que estas pessoas foram como “dois pedaços de corda” que o ajudaram a “sair do fundo do

poço”. Mantém vínculo até hoje com estas pessoas, sendo que um é hoje seu próprio chefe.

Foi inserido no então projeto Bolsa Capacitação para o Trabalho e depois

foi contratado pela frente de trabalho da PML, sempre lotado na Secretaria Municipal de

Assistência Social. Enquanto recebia Bolsa Trabalho, continuou morando no Albergue; mas

quando foi para a Frente de Trabalho, seu salário aumentou e ele decidiu alugar um cômodo.

É interessante destacar a visão do usuário sobre sua saída da instituição:

Eu falei pra assistente social do SOS: “Eu vou sair, eu acho que eu estou tomando espaço de mais alguém que está precisando, e como me alteraram um pouquinho no meu ordenado, eu quero ver se arranjo um cômodo pra mim viver minha vida”. [...] “Porque se eu ficar aqui dentro - eu falei pra ela - eu tô dando a pensar comigo, eu só não estou bebendo porque eu estou aqui dentro e eu quero mostrar que eu também consigo ficar sem beber lá fora.

Depois, arrumou uma companheira e juntos alugaram uma casa maior.

Atualmente trabalha em uma entidade não-governamental da área da assistência social, na

área de manutenção; reconhece que “fez por merecer” e por isto foi contratado, e que

conseguiu construir muitas coisas nestes últimos anos.

Dentre as diversas análises que esta história de vida pode suscitar, queremos

realçar dois aspectos que nos parecem preponderantes para continuarmos as reflexões sobre a

efetivação dos direitos: a importância da criação de vínculos com os funcionários da equipe (e

não apenas com a Assistente Social) e o desejo de trabalhar para demonstrar que tinha

capacidade e para deixar de ser um usuário da Assistência Social.

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O desejo deste ex-andarilho e do “alcoólatra em recuperação” (como ele

mesmo se denomina) conseguiu ser realizado. Isto não é a concretização da Assistência Social

como viabilizadora dos direitos do cidadão?

A partir dos exemplos elencados acima, percebemos que a mudança da

visão sobre a assistência (esta concebida como política de cidadania) e sobre o usuário (este

visto agora como um cidadão de direitos) veio se consolidando nesta administração. Este foi o

direcionamento dado à rede de serviços pela equipe gestora da Política de Assistência Social

em Londrina, que assumiu a condução desta política, em consonância com o preconizado pela

LOAS – não sem embates, é lógico.

Afinal, o que define a rede é o seu compromisso em assumir e executar a

política pública (SILVA, 2004), participando também da sua formulação. Há exemplos de que

isso esteja ocorrendo em Londrina:

Primeiro, a maneira de ver e de encarar a questão da Assistência Social. Acho que esta ligação com o poder público nos últimos anos nos ajudou muito a ter uma outra visão do modelo de Assistência Social. Não mais como aquilo de fazer algo pelo outro sem muito comprometimento: você faz a campanha, vai lá, entrega e pronto, acabaram os seus laços; mas, de fato, inserido dentro de uma Política de Assistência, de uma política de cidadania, de uma política de direitos dessa pessoa (Dirigente de Entidade 2).

Não se pode deixar de mencionar, portanto, o grande investimento feito por

tal administração na capacitação da rede governamental e não-governamental. A equipe

técnica da Secretaria foi reforçada quantitativa e qualitativamente, com formação inclusive

em nível de pós-graduação (especialização e mestrado), além das promovidas mensalmente

para o conjunto dos funcionários.

Outra iniciativa implementada pelo órgão gestor, em consonância com as

diretrizes emanadas do Conselho Municipal de Assistência Social, foi a profissionalização da

rede não-governamental, complementada pelo acompanhamento e monitoramento dos

serviços conveniados pela equipe técnica da Secretaria. Foi realizado todo um esforço para

que as entidades que ainda não possuíam corpo técnico contratassem profissionais de acordo

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com a especificidade do serviço prestado, numa tentativa explícita de superar práticas

marcadas pela benemerência e pelo voluntarismo43.

Cabe recordar que o aumento do financiamento municipal para esta política

possibilitou a ampliação das ações. No final da gestão estudada (2004), a rede de assistência

social era composta por 120 serviços e entidades não-governamentais e por 9 projetos

mantidos e administrados pelo poder público municipal. Esses projetos se desdobram em 58

serviços/unidades, demonstrando o empenho em construir e fortalecer uma estrutura de

serviços próprios.

Segundo Diório (2005), a consolidação da Política de Assistência Social em

Londrina deveu-se, entre outros fatores, ao processo de estruturação da área com a formação

de seu aparato institucional e de capacidade técnica. De fato, não se pode desconsiderar o

imperativo em criar estruturas concretas sobre as quais possam se desenvolver programas,

projetos e serviços em uma política pública.

Por isso, faz-se necessário registrar que o município de Londrina foi um dos

primeiros, no âmbito nacional, a implantar o SUAS com gestão plena de serviços. Visando

garantir uma estrutura mais permanente, no final desta gestão foi aprovada a Lei Municipal n°

9681/2004, a qual institui um novo organograma na Secretaria Municipal de Assistência

Social, permitindo adequar as funções e os cargos dentro do quadro de pessoal em

conformidade com as indicações do SUAS.

Ao finalizarmos este conjunto de informações, podemos declarar que

compromisso com a gestão democrática na Política de Assistência Social se expressa

primordialmente na realização dos direitos.

Na experiência examinada, verificamos que a ampliação do financiamento

demonstrou o reconhecimento da Assistência Social como política pelo poder público local e

proporcionou uma base mais sólida para o seu desenvolvimento.

43Através das atas das reuniões do CMAS é possível verificar algumas conseqüências desta orientação, traduzidas, positivamente, na melhoria da qualidade do atendimento aos usuários e/ou na readequação dos serviços prestados. Entretanto, também houve situações em que as proposições apresentadas pelos novos técnicos contratados não eram aceitas pela direção das entidades, além de outras instituições que se negavam ou tentavam driblar a contratação de profissionais (o que provocou, inclusive, exaustivas reuniões e até a suspensão de recursos, em alguns casos).

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O enfrentamento à pobreza, estabelecido como prioridade desta

administração, envolveu um conjunto de atividades visando atender não apenas às

necessidades materiais de seus beneficiários, mas também respondendo à demanda pelo

alargamento do entendimento sobre os direitos individuais, sociais e políticos, na perspectiva

da totalidade do ser humano.

Fator fundamental para a concretização destes propósitos pode ser

identificada na postura dos técnicos em viabilizar o acesso a bens e serviços sócio-

assistenciais pela condição de direito que as pessoas têm.

Afinal, a marca da gestão democrática em Londrina pode ser atribuída a

uma construção coletiva do conjunto de atores sociais co-responsáveis pela implantação da

Assistência Social como política pública e como afiançadora de direitos, visto que:

Nos difíceis tempos em que, na sociedade brasileira, convivemos com a desmontagem das promessas constitucionais de incorporar à cidadania uma maioria que sempre esteve à margem das formas de proteção social; quando observamos o precário reconhecimento de direitos que nem mesmo chegaram a se efetivar, quando as intervenções no campo da Assistência Social passam para o lugar da não política, o maior desafio que temos pela frente diz respeito ao fortalecimento da própria noção de direitos dos usuários da Assistência Social como questão política, questão pública e não apenas como problema humanitário da filantropia (YAZBEK, 2001, p. 9).

2.2.2 Fortalecimento dos espaços participativos

Se, na primeira parte das entrevistas, diversos atores identificaram

democratização com participação, estes apontaram, na seqüência, como vêem tal participação

acontecer na PAS local.

Organizamos este eixo em duas partes: a autonomia do CMAS e o exercício

do controle social e, na seqüência, o fortalecimento dos espaços participativos.

Os dados coletados apontaram a atuação efetiva do Conselho Municipal de

Assistência Social como uma das principais expressões do processo de democratização da

gestão.

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Parte integrante do sistema descentralizado e participativo da Política de

Assistência Social, os conselhos são concebidos como instância deliberativa e compostos

paritariamente entre governo e sociedade civil. São espaços, por natureza, democráticos, cuja

ação deve pautar-se pela publicização (RAICHELIS, 1998), dando visibilidade aos interesses

coletivos (por vezes, contraditórios) e viabilizando a construção de consensos.

A autora recorda que, historicamente, a Assistência Social foi concebida

como uma mistura de ações dispersas e descontínuas de órgãos governamentais e não-

governamentais, realizada por meio de ações clientelistas, construída por frágeis níveis de

publicização, sendo considerada como o grande desafio desta política associar os termos

política e pública.

Por isso, afirma serem os conselhos espaços de estímulo ao debate público e

de consolidação dos mecanismos de publicização: “Estes conselhos [...] significam uma

experiência em gestação no que se refere ao desenho de uma nova institucionalidade nas

práticas sociais de distintos atores da sociedade civil e do Estado” (RAICHELIS, 1998, p. 34).

Considera a esfera pública como parte constituinte da democratização da

vida social, ao possibilitar a inscrição dos interesses da maioria da população no processo de

decisão política. A democratização, portanto, não se limita ao âmbito estatal, devendo ser

incorporada também pela sociedade civil.

Os conselhos são concebidos como uma das “principais inovações

democráticas no campo das políticas sociais no país” (RAICHELIS, 1998 p. 38); sendo um

instrumento recente, apresenta inúmeros desafios. Dentre estes, destacamos um dos

questionamentos da autora: “Até onde a prática dos Conselhos pode impulsionar a construção

de uma esfera pública afirmativa de direitos no campo da assistência social?” (Idem, p. 36).

Estes espaços de democratização da Política de Assistência Social também

foram problematizados por Yazbek e Silva (2001), que acrescem indagações quanto à

autonomia dos conselhos e quanto à efetiva participação dos usuários em tais instâncias:

Três problemas centrais para o cumprimento da função precípua dos conselhos são abordados: sua autonomia como instância deliberativa do sistema, sua condição de espaço público que não tem conseguido, via de regra, constituir-se como tal (se fala muito em publicização) e a questão da ausência dos usuários, comprometendo enormemente os seus objetivos de

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democratização da política, mediante a apropriação do controle por seus destinatários (YAZBEK; SILVA, 2001, p. 8).

No caso de Londrina, a atuação do Conselho Municipal emergiu como uma

das objetivações da democratização da gestão dos dados extraídos da pesquisa empírica, da

análise documental e – por que não dizer - de nossa observação e participação direta como

conselheira.

Cabe recordar que o protagonismo deste Conselho já havia sido ressaltado

na administração anterior (1997-2000). Atribuiu-se ao Conselho e à equipe técnica do órgão

gestor a própria manutenção da PAS, na contra-corrente das proposições neoliberais

dominantes no âmbito nacional e da notória ausência de investimento público por parte dos

órgãos gestores estadual e municipal, numa clara evidência da desresponsabilização do Estado

para com as expressões decorrentes do aprofundamento da questão social. Como agravante,

no âmbito local, há de se recordar a improbidade administrativa que reinou no poder

executivo durante o mesmo período44.

No que se refere ao controle social, já apontamos que na gestão em estudo

(2001-2004) houve um grande aporte de recursos na PAS; mas, além do investimento

municipal efetivado, uma experiência inédita do Conselho Municipal de Assistência Social de

Londrina mostra que a democratização também tem de ser um princípio norteador do acesso

aos recursos públicos.

O exemplo merece ser relatado: a Receita Federal tinha como prática

eventual doar lotes de mercadorias apreendidas (geralmente brinquedos e outros objetos

adquiridos ilegalmente na fronteira do Brasil com o Paraguai) para algumas entidades, que

realizavam ‘bazar’ visando arrecadar verbas. O CMAS pleiteou a mesma concessão na

Receita Federal, que no primeiro semestre de 2002 doou grandes lotes de mercadorias, com os

quais o Conselho organizou um Bazar Social de Importados, conseguindo com isto arrecadar

R$ 153.000,00.

O processo de distribuição do recurso obtido foi interessante: as entidades

sociais apresentaram projetos no valor máximo de R$ 5.000,00 e uma comissão de

conselheiros avaliou as propostas apresentadas, a partir de critérios preestabelecidos pelo

CMAS. Ao todo, foram contemplados projetos de 30 entidades e foi também adquirido um

44Como informado no Capítulo 1.

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veículo para o CMAS45 (disponibilizado para as visitas das comissões do Conselho às

entidades e para demais atividades da Secretaria Municipal de Assistência Social).

A transparência e a democratização na condução deste processo reforçaram

os princípios que devem sempre reger a gestão dos recursos públicos, bem como

demonstraram que é possível implementar uma política de assistência social superando

práticas tradicionais de clientelismo político.

Vale destacar que não apenas o montante orçamentário aumentou, mas

também a forma de administrar tal recurso avançou. Como órgão responsável pela gestão da

Política de Assistência Social, constitui uma das responsabilidades do CMAS o controle dos

recursos financeiros. É importante recordar que a partir de 2002 todo o orçamento destinado à

Assistência Social foi alocado no Fundo Municipal, ou seja, os recursos dos projetos

governamentais passaram também para a deliberação e fiscalização do Conselho, numa

demonstração do respeito e da credibilidade conquistados por tal órgão.

Até então se alocavam no Fundo Municipal de Assistência Social apenas as

rubricas constantes do financiamento à rede não-governamental, bem como as relativas à

própria administração do Fundo. Para se ter uma noção do que tal gerenciamento significava,

basta assinalar que a Secretaria Municipal de Ação Social contava, em 2001, com 121

instituições que compunham a rede sócio-assistencial, assim distribuídas: 60 creches46, 21

instituições de atendimento à criança e ao adolescente (proteção especial), 21 instituições de

assistência social geral, 14 entidades que atuavam com pessoas com deficiências e 5 de

atendimento à terceira idade47.

Percebe-se que a rede não-governamental já era bastante ampla. Todas estas

instituições, além de cadastradas no Conselho Municipal de Assistência Social, recebiam

45Um carro modelo Gol 1.0. 46Em cumprimento à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que define a transição do atendimento em creche para o sistema educacional, Londrina desenvolveu um processo gradativo. No ano de 2000, ocorreu a transferência das 12 creches municipais para a Secretaria Municipal da Educação e as 60 creches conveniadas foram assumidas integralmente por essa Secretaria em 2002. 47Cabe destacar que o município não oferecia nenhum serviço próprio às pessoas com deficiências e aos idosos, ficando este atendimento nas mãos da rede não-governamental, embora a Secretaria Municipal do Idoso tenha sido criada em 2001.

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verbas estipuladas através do Termo de Cooperação Técnica e Financeira, desde que

aprovadas pelo CMAS e analisadas previamente por suas comissões48.

Além desta tramitação administrativa, os conselheiros foram percebendo

que as análises dos relatórios, dos projetos e das prestações de conta não eram suficientes para

saber se a entidade atendia de fato o número de metas declarado, se as atividades previstas

eram mesmo realizadas e se o atendimento dado aos usuários condizia com as proposições da

LOAS indicadas no próprio Termo de Cooperação Técnica e Financeira.

Verificamos, neste processo, como foi sendo construída a noção de co-

responsabilidade entre os componentes do CMAS, principalmente no que dizia respeito à

autorização de recursos financeiros. Há de se lembrar que alguns conselheiros eram

representantes de entidades e que, numa perspectiva corporativa, deveriam estar se esforçando

para defender os interesses e angariar mais fundos para seus segmentos. Mas, por outro lado,

a partir de suas experiências, alguns destes conselheiros acabavam declarando ou mesmo

denunciando: “eu pago ‘x’ pelo quilo do frango, por que tal instituição paga o dobro?”, ou

então: “Por que aquela entidade recebe ‘x’ para atender tantas crianças se eu atendo mais

crianças e recebo um valor menor?”.

Vemos que a transparência nas informações e o tratamento delas como

públicas e não como sigilosas por si só já propicia o debate, publicizando mesmo as práticas

que caracterizaram por tanto tempo as relações entre Estado e sociedade e o trato do fundo

público. Democratizar a gestão da PAS foi um princípio seguido e reafirmado a cada dia.

A implementação dos serviços sócio-assistenciais em Londrina contava com

uma extensa rede de serviços não-governamentais. O CMAS percebeu a necessidade de

verificar empiricamente como cada serviço estava sendo prestado, até porque chegava ao seu

conhecimento que “determinada entidade” não fornecia, por exemplo, a quantidade de carne

ou as frutas que declarava comprar semanalmente, ou que a instituição “x” não atendia seus

usuários no período informado.

Por isso, na gestão do CMAS correspondente ao período de 2001-2003, uma

das principais ações consistiu no conhecimento e no reordenamento da rede de serviços não-

governamentais: membros do Conselho Municipal de Assistência Social dividiram-se em

48Por exemplo: Comissão de Análise de Projetos e Comissão do FMAS.

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equipes (sempre com pessoas da sociedade civil e do poder público) para visitar as entidades,

buscando verificar tanto a demanda atendida como a qualidade dos serviços prestados.

O Conselho, agora, vai visitar, vai ver esses usuários, como estão sendo atendidos e como é que essa entidade está atuando, e também o poder público. A gente ainda não consegue fiscalizar os programas da Prefeitura 100%, mas não é uma questão dos programas, é que nós somos ainda tão poucos (Conselheira 1).

O resultado deste trabalho traduziu-se na adequação dos itens constantes dos

Termos de Cooperação Técnica-Financeira - inclusive com a revisão e aumento dos valores

per capita repassados - e na reorganização dos serviços de acordo com a demanda do

município para a política de assistência social.

O descumprimento dos requisitos estabelecidos pelo Termo de Cooperação

acarretou a necessidade de realizar intervenção em algumas instituições, bem como suspender

verbas destinadas a outras.

Enquanto o recurso é público, eu acho que todo poder público, e também toda entidade e a sociedade civil, tem de entender que, se é público, ela tem de estar voltada para aqueles que devem ser atendidos. [...] Então, olhando a partir do índice do controle, da fiscalização, que também é uma forma de democratização, o que nós percebemos? Nós percebemos que nestes dois anos o Conselho teve uma atuação significativa neste cenário (Conselheiro 2).

Este controle mais rígido sobre a utilização do recurso público nas entidades

não-governamentais contou não só com o apoio, mas também com a ação incisiva da

Auditoria Municipal49, que provocou a suspensão e/ou a devolução de recursos, em alguns

casos, além do procedimento de denúncia no Ministério Público e de intervenções e alterações

na direção de entidades50, tanto que o mesmo conselheiro reconhece que “atuação

significativa também pode ser entendida como uma ação às vezes até odiada (sic) por alguns

dirigentes”.

49Vale lembrar que a administração anterior havia se caracterizado por ações de corrupção e que a nova administração municipal estava empenhada em tratar com lisura e com transparência a aplicação do recurso público.

50Para casos como estes, foram formadas comissões mistas de secretarias e de órgãos (CMAS, CMDCA, Ministério Público, etc) para discutir e acompanhar processos de reordenamento institucional.

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O exercício do controle social, o processo de democratização e a construção

da esfera pública não se traduzem em relações ou em práticas harmônicas; a expressão de

interesses diversos e o poder de decidir qual deles deve prevalecer ou ser atendido naquele

momento pode gerar embates, por vezes bastante acirrados, pois

a publicização das práticas sociais envolve a representação de interesses coletivos na cena pública, que possam ser confrontados e negociados a partir da explicitação de conflitos que regem as relações societárias na sociedade capitalista contemporânea (RAICHELIS, 1998, p. 26).

É a difícil, mas não inatingível tarefa de buscar a hegemonia e de construir o

consenso51 no exercício da gestão democrática. Afinal, nas palavras da gestora, “no processo

de democratizar, nós temos de construir um consenso, uma visão convergente do que é o

direito”, pois “na hora das decisões, [é] exatamente o princípio legal do direito que vai tornar

mais coletivo e menos individualizado” e isto especialmente no campo da assistência social,

onde a cultura de direitos tenta se firmar cotidianamente, procurando transpor os resquícios do

clientelismo e da benemerência que marcaram a trajetória da assistência social brasileira.

Por isso, reveste-se de importância a clareza e a incorporação dos princípios

que norteiam a PAS, o conhecimento das demandas locais e a determinação em efetivar esta

política pública. Em outras palavras, isto parece traduzir a própria implementação da

condução da política de assistência que requer o conhecimento antecipado das necessidades,

de onde estão os estrangulamentos, de saber o que é atribuição da assistência e quais os

direitos que devem ser garantidos.

Democratizar para mim significa estabelecer uma relação de respeito e de igualdade. Da mesma forma que nós temos de respeitá-las [as entidades sociais] nas suas lutas, nas suas dificuldades, na sua vocação (porque tem toda uma questão vocacional na rede) – acho que também a rede tem de respeitar o órgão público na sua determinação de cumprir a lei, de cumprir as diretrizes (Gestora).

É interessante perceber, a partir do depoimento de quem tem a vivência do

papel de executora desta política, uma dimensão pouco abordada nos estudos sobre gestão

democrática – até porque parece conter uma contradição inerente a tal discussão:

51 E que requer “a constituição de sujeitos sociais no movimento de conquista do consenso e da direção ético-política, em torno de valores a serem fixados para condução e sustentação de determinado projeto político” (RAICHELIS, 1998, p. 43).

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A democratização não significa ausência da autoridade, ausência do poder decisório, do poder executivo, de cumprir a lei. [...] Porque há uma tendência a ter uma idéia de democracia como ‘todos podem tudo’. Não é assim, você tem a obrigação de usar a sua autoridade pública para defender um interesse maior52.

No campo da assistência social, o compromisso com esse ‘interesse maior’

reveste-se de importância, visto que significa a cobertura à própria segurança das condições

de vida do cidadão e de sua família (SPOSATI, 2001).

O exercício da autoridade, na situação acima referida, expressa, dentre

outras análises, a dimensão técnica e política da gestão (NOGUEIRA, 1998): as decisões

precisam ser tomadas com base em dados empíricos, com a regulamentação jurídica, com a

avaliação circunstanciada do caso e, como componente intrínseco, com determinação política

– e a legitimidade das deliberações resulta do debate e da manifestação da vontade da maioria.

Mais uma vez, observam-se indicativos da democratização da PAS: através

da explicitação do diverso, do debate e do embate, da busca pelo consenso no compromisso

com o cumprimento das decisões. E isto está a cargo, principalmente, do conjunto dos atores

sociais que compõe o sistema descentralizado e participativo da AS – no caso em estudo,

verifica-se a consolidação do CMAS como órgão colegiado e deliberativo.

Há de se considerar, entretanto, que no dia-a-dia da gestão os embates são

conflituosos, desgastantes e exigem um firme posicionamento político. Compreende-se bem a

afirmação da gestora de que a democratização “é uma ação mais política que técnica”.

Por inúmeras vezes, os embates ganharam maior repercussão devido aos

meios de comunicação locais53, como no caso da [entidade X], uma instituição de atendimento

a adolescentes em conflito com a lei que foi alvo de intervenção direta do poder público

municipal. Além de apresentar sérios problemas quanto ao atendimento oferecido, entrou

numa grave crise financeira.

Qual foi a postura que nós discutimos amplamente no Conselho: ‘O que fazer naquela situação?’ E tomamos a decisão que o poder público ia assumir a instituição. Mas é o seguinte: nós vamos assumir e rediscutir com o Conselho o que deve ser feito neste espaço e quais as responsabilidades que nós vamos ter com os que ficaram, com os adolescentes que estavam em

52Comentários da Profª Drª Maria Carmelita Yazbek a respeito da entrevista com esta Gestora. 53A cidade de Londrina conta com vários veículos de comunicação de massa: dois jornais de circulação diária, cinco emissoras de TV e diversas estações de rádio.

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formação. Então, foi um amplo debate, inclusive com a mídia. Deveríamos dizer, até para a mídia, o que nós iríamos fazer com cada um dos adolescentes: “Bom, este foi para tal lugar, esse para tal lugar e nós estamos incluindo todos eles”. Mas, nesse momento, foi um embate forte, porque a instituição estava lá há pelo menos dez anos (Gestora).

Pode-se deduzir que esta e outras iniciativas motivaram confrontos com

algumas entidades assistenciais que relutavam em ter o “seu” dinheiro controlado por um

órgão público. Houve situações em que dirigentes institucionais reportaram-se ao Prefeito,

exigindo que este determinasse ao Conselho Municipal de Assistência Social a liberação de

verbas para sua entidade, o que em nenhum caso chegou a ser atendido, visto que o

Executivo, em todos os momentos, acatou e respeitou as deliberações do Conselho. A

autonomia foi apontada por vários depoentes como um dos elementos constitutivos da gestão

democrática:

Então, eu acho que a primeira forma de democratização, que foi um grande avanço, foi o grande respeito do poder público para com o Conselho Municipal de Assistência. Respeito em que sentido? Nas deliberações, nas determinações, nas orientações às entidades, na administração do Fundo, na fiscalização. [...] E o Prefeito, nesta última gestão, sempre que o Conselho decidiu, teve respeito (Conselheiro 2)

Um Conselho que é ouvido pelo poder público, que o Prefeito não passa por cima, eu acho que isso já é uma exceção. E as entidades aqui de Londrina, aos trancos e barrancos, com muita raiva, mas estão acatando e aceitando as determinações do Conselho. Porque as entidades estão percebendo que não adianta a imagem do Prefeito, que tem de aprender a decidir junto (Conselheira 1).

A autonomia do CMAS é, sem dúvida, uma das principais características da

democratização da gestão da assistência social no município de Londrina e sua atuação revela

uma determinação política daquela administração em fortalecer os espaços participativos e em

incentivar o desenvolvimento de uma cultura democrática.

E como isso aconteceu em Londrina? A primeira coisa é que foi uma decisão política de respeitar o espaço do Conselho. Isso significa que o Conselho é um espaço de deliberação, de poder, de decisão. Portanto, tudo o que o Conselho decidir, nós vamos cumprir. Então, o nosso espaço de debate é lá... E isso tanto da parte da Secretaria como da parte do Prefeito (Gestora).

Sabe-se, porém, das práticas viciadas que ainda persistem no âmbito da

administração pública; por isso, durante a entrevista, a gestora foi diretamente indagada se

não havia questionamentos quando as deliberações contrariavam as posições do próprio Poder

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Executivo, ao que respondeu “Nós já fomos vencidos no Conselho. Mas, claro, até por uma

questão de coerência, nós cumprimos o que foi definido”.

Ao acatar o consenso e submeter-se a decisão coletiva, evidencia-se a

transferência de parcela do poder do Estado para sociedade. No nosso entendimento, foi

exatamente no período correspondente a esta administração (2001-2004) que o CMAS

apropriou-se do poder que tinha, que exerceu este poder, num aprendizado constante e que

contou com o apoio do Poder Executivo, através da gestora da pasta e do prefeito em

exercício. Nas palavras do Conselheiro 2, “Isso significa o quê? Que o Conselho tem

credibilidade, que o Conselho tem poder, que o Conselho democratizou a política”.

Reconhecemos, obviamente, que considerada a estrutura do Estado, trata-se

apenas de uma pequena parcela do poder, relativa ao desempenho de um dos mecanismos

institucionais de participação popular. Entretanto, não podemos esquecer de que a

democratização da gestão é um processo em construção e que precisa aprofundar-se cada vez

mais. Afinal,

Não há gestão democrática sem controle social [...] Nesse sentido, reafirmo mais uma vez o entendimento de que, dentre as possibilidades colocadas para construir uma esfera pública no âmbito da Assistência Social destacam-se os Fóruns e Conselhos de Assistência como instâncias democráticas, com visibilidade, representação de interesses coletivos e controle social, pois envolvem processos que orientam as decisões políticas; viabilizam a participação da sociedade organizada na formulação e revisão das regras que conduzem a negociação sobre os interesses em jogo, além do acompanhamento da implementação das decisões, segundo critérios acordados (YAZBEK, 2001, P. 11).

O papel do CMAS como fiscalizador foi citado como um avanço por uma

das entrevistadas pertencente a uma entidade que foi denunciada pela própria Comissão do

Fundo Municipal de Assistência Social e que está sendo investigada pelo Ministério Público

por suspeita de desvio de recursos na administração anterior54. A diretoria da entidade foi

totalmente recomposta e se compromete presentemente em “zelar pelo bom uso do recurso

público” (Dirigente de Entidade 2), tanto que ampliou consideravelmente os recursos

recebidos do FMAS para o desenvolvimento de vários projetos.

54Tal como os processos contra o ex-prefeito da cidade, ainda não se tem uma decisão judicial sobre o caso, que se encontra na esfera estadual.

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Como mais uma expressão dos avanços na democratização da gestão,

registra-se o duro embate que o CMAS – composto paritariamente por representantes

governamentais e da sociedade civil - travou com outro grande poder instituído no município:

o Legislativo local.

O Conselho disputou publicamente com os vereadores a condução da

Assistência Social pautada como política pública de direitos contra as práticas clientelistas

que predominaram - e que infelizmente ainda se fazem presentes – na história da nossa

sociedade:

Em primeiro, o grande e significativo avanço foi o embate que teve do Conselho com os vereadores - foi muito violento, no sentido de que cada vereador queria ter, digamos assim, o seu pleito assistencial garantido; mas não garantido como direito, garantido como promoção pessoal, e o Conselho não legislava e não orientava a assistência como gratificação pessoal, mas como uma política própria de assistência (Conselheiro 2).

A autonomia do CMAS foi mais uma vez ratificada quando este deliberou

por não aprovar a maioria das emendas parlamentares.

Eu me lembro de que no primeiro ano de gestão foram mais de setenta emendas de vereadores que foram apresentadas ao Conselho; destas setenta ementas, o Conselho barrou praticamente todas (Idem).

As justificativas utilizadas pautaram-se nas demandas diagnosticadas, nas

prioridades estabelecidas coletivamente pelo município (através da Conferência e do próprio

Conselho) e no conhecimento empírico sobre a atuação das entidades. O debate público

explicitou interesses e exigiu argumentos devidamente embasados. Isto provocou a redução

de 70 para 13 emendas de vereadores de um ano para outro. O mesmo aconteceu com alguns

deputados federais da região, que ao final passaram a enviar verbas (emendas) para o próprio

FMAS, reduzindo as destinadas às entidades.

Por isso,

É unânime a rejeição às chamadas destinações de recursos carimbados para a assistência social, destacando-se as subvenções sociais de domínio dos parlamentares e as emendas parlamentares ao orçamento, sobretudo considerando-se que a grande maioria não passa por discussões nos conselhos (YAZBEK; GOMES, 2001, p. 7).

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Na avaliação do vice-presidente do CMAS à época, “Olhando para o lado

do Legislativo em relação ao Conselho, foi uma relação conflituosa, foi uma relação política,

mas este conflito foi muito importante” (Conselheiro 2).

A gestão de uma política pública não pode prescindir da instância

legislativa; aliás, a própria gestão democrática e participativa da Assistência Social está

estipulada por uma Lei Orgânica (Lei nº 8.742/93).

É preciso considerar também as características culturais e políticas da

sociedade brasileira para compreender que “existe um hiato entre a existência formal de

instituições e a incorporação da democracia às práticas cotidianas dos agentes políticos”

(AVRITZER, 1996, p. 113).

Em vista disso, Londrina merece menção por outra conquista obtida no

âmbito jurídico: em 2003 foi aprovado o Projeto de Lei nº 417/2002, de autoria da vereadora

Márcia Lopes, que alterou a Lei 6.007/94 (Lei de Criação do Conselho Municipal de

Assistência Social), permitindo que o/a presidente do Conselho fosse escolhido/a por eleição

entre todos os conselheiros, e não mais sendo exercido obrigatoriamente pelo titular do órgão

público responsável pela Política de Assistência Social municipal55.

Entretanto, há de se admitir algumas pendências no que se refere à

legislação para a área, dentre as quais podem ser citadas a ampliação da participação direta

dos usuários da Assistência Social no respectivo Conselho e em outras instâncias deliberativas

e o estabelecimento de um percentual orçamentário que garanta a provisão de recursos para a

execução desta política pública, com vistas a superar o risco da descontinuidade das ações

desenvolvidas.

55A trajetória da elaboração à aprovação deste Projeto de Lei consiste em mais um notório exemplo de como a democratização é um processo construído historicamente. Este Projeto recebeu parecer favorável das comissões legislativas e foi para o Plenário da Câmara Municipal em 18/12/2002, mas teve de ser retirado de pauta porque provavelmente seria rejeitado. A maioria dos vereadores à época não concordava com a retirada da representação do Legislativo municipal do referido Conselho (que também constava do projeto) e ainda questionava o poder deliberativo deste. Visto que existiam no município outros conselhos de caráter meramente consultivo, um vereador chegou a propor outro Projeto de Lei, retirando o poder deliberativo de todos os conselhos municipais. Foram necessários muitos meses de diálogo e a articulação (tanto do CMAS como de outros conselhos) para que o segundo PL fosse definitivamente retirado de pauta. Já o PL 417/2002 voltou para discussão no Plenário da Câmara em setembro/2003, sendo aprovado e em seguida sancionado pelo Prefeito, transformando-se na Lei n. 9.185, de 02.10.2003, que também excluiu a vaga de um representante da Câmara Municipal no CMAS.

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Por isso, outro eixo essencial para a objetivação da democratização na

Política de Assistência Social é a ampliação e o fortalecimento dos espaços que viabilizem a

participação social.

O envolvimento dos usuários nos serviços governamentais e não-

governamentais e a participação das entidades na Política de Assistência Social local foram

uma diretriz que se procurou efetivar durante a gestão estudada.

Em quase todas as entrevistas, ao se indagar os indicativos de

democratização da gestão, a primeira referência feita foi à V Conferência Municipal de

Assistência Social, realizada nos dias 03 e 04/10/200356 e que teve como marca a significativa

ampliação da participação popular, contando com mais de 800 participantes.

Em Londrina, as Conferências anteriores já eram antecedidas por pré-

conferências, nas quais os segmentos existentes discutiam suas especificidades e indicavam

propostas para serem encaminhadas à Conferência Municipal.

A V Conferência foi precedida por dez pré-conferências regionais

promovidas pelos CRASs (já instituídos e em funcionamento), que contaram com grande

participação dos usuários, além da realização de cinco pré-conferências por segmentos, que ao

todo envolveram aproximadamente 1.200 pessoas durante os meses de agosto e

setembro/2003. A maioria dos presentes ao evento municipal veio destas pré-conferências.

A participação dos usuários da assistência social era um anseio há muito

almejado:

A gente percebe que nas Conferências de Assistência Social, da primeira até a quinta e última conferências, nós tivemos uma participação maior dos usuários da política de assistência social. Mas isso foi um intenso trabalho que foi feito por meio dos Centros Regionais de Assistência Social, que desenvolvem o trabalho na periferia do município de Londrina: nas regiões norte A, oeste, sul e zona rural. Por outro lado, desde o começo, a gente colocava como premissa, vamos dizer assim, para participação na Conferência, que houvesse presença de usuários da assistência social nas reuniões preparatórias dos próprios serviços. Para nós, era uma premissa importante porque não havia a prática de envolvimento do usuário da

56Recordamos que as entrevistas foram feitas durante o ano de 2004; possivelmente, a experiência daquela Conferência ainda era muito viva para os nossos informantes. Informamos também que, seguindo as deliberações da Polícia Nacional de Assistência Social, em julho de 2005 realizou-se a VI Conferência Municipal de Assistência Social de Londrina.

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assistência social nesse processo. Mas isso ainda não está totalmente internalizado, em alguns serviços [acontece] de uma forma melhor e em outros de uma forma menor (Assessora 1).

Mesmo reconhecendo algumas dificuldades existentes para uma

participação mais efetiva dos usuários, não se pode desconsiderar o envolvimento de quase

1.200 pessoas que discutiram, em suas comunidades, a política municipal de Assistência

Social, e que foram incentivadas a participar da Conferência maior, na qual também houve

espaço para discussão, como comenta uma usuária:

Tinha espaço. Então, cada representante de grupo tinha espaço para falar, expor a sua opinião. E a nossa opinião era sobre a saúde do idoso, sobre as crianças de rua que precisavam de ajuda, precisavam de estrutura. “Como que vai deixar a pessoa se matando, principalmente quem vive nas drogas?” Então, este debate a gente acompanhou, a gente escreveu. Foi na Câmara57, teve inclusive vários vereadores que ficaram junto naquele dia. Foi uma oportunidade de falar o que a gente sentia, porque antes a gente não tinha este espaço para falar (Usuária 3).

As Assistentes Sociais 1 e 2 atuavam à época no atendimento

descentralizado dos CRASs: para ambas, foram as Pré-Conferências Regionais o grande

espaço de participação da comunidade:

Porque quem fez a pré-conferência normalmente foi alguém que era ligado à comunidade, e isso é um papel extremamente importante, porque falou de uma forma que a comunidade entendeu; os grupos de estudos foram formados somente por usuários, não tinha outras pessoas que inibissem a participação deles e ali, sim, eles puderam se colocar, eles puderam falar (Assistente Social 2).

Por mais positiva que tenha sido a avaliação sobre esta primeira experiência

de descentralização das pré-conferências, a ansiedade dos profissionais em aprofundar o

processo de democratização faz emergir críticas e sugestões, como a que destacamos abaixo:

Para consolidar este avanço da participação da Pré e fazer com que a participação continue crescendo, a pré-conferência deveria possibilitar a “Pós-Conferência Regional”. Por quê? Porque daria ao usuário o retorno: “Olha, o que foi encaminhado daqui realmente foi votado na Conferência”; e, de repente, ele realmente poderia se perceber como sujeito desse processo de participação (Assistente Social 2).

De fato, concordamos que se sentir “sujeito desse processo” é uma condição

para a qual devemos nos atentar, tendo em vista que a participação é um aprendizado

57A Câmara Municipal foi o local onde se realizou a V Conferência.

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constante, “aprendizado este que pode inclusive ser rejeitado por atores que, por jamais terem

praticado a negociação, não teriam porque acreditar nela” (AVRITZER, 1996, p. 113).

Por isso, outra iniciativa registrada que demonstra o compromisso com o

fortalecimento da participação foi a realização de mini-plenárias preparatórias à V

Conferência, promovidas por algumas entidades, por exemplo, de atendimento a adolescentes:

Quando foi proposto que os adolescentes participassem lá na EPESMEL58 de uma mini Conferência, ninguém falou ‘eu não quero participar’; todos participaram. As propostas apresentadas foram muito discutidas. Por exemplo, me lembro que uma proposta que foi apresentada para o público adolescente era estender os cursos de ensino profissionalizante para as periferias, para Tamarana, para os distritos [rurais], para que os adolescentes não tivessem de acordar quatro e meia da manhã para vir ao centro. Então, eles têm muita clareza do que querem (Conselheiro 2).

Verifica-se, assim, o empenho de diversos agentes responsáveis pela

Política de Assistência Social em ampliar os espaços participativos, principalmente que

envolvam os destinatários dos serviços e benefícios59. Percebe-se, também, que o grupo

estudado tem consciência de que os avanços obtidos não encerram os esforços que devem

continuar sendo executados, pois “o desafio é fazer com que isso seja um processo contínuo”

(Conselheiro 2).

O processo de democratização da gestão vai se incorporando também na

prática de algumas instituições da rede não-governamental, fato reconhecido por vários dos

nossos informantes.

Das três entidades pesquisadas, duas declaram participar mais ativamente da

PAS: seja nas reuniões do Conselho, nas Conferências, nos Fóruns existentes, nos debates

promovidos, em outras atividades e até no ‘dia-a-dia’.

58 Escola Profissionalizante e Social do Menor de Londrina.

59Como analisado por Yazbek e Gomes (2001, p. 4), “a própria gestão deve criar a possibilidade da participação e do debate democrático dos diversos protagonistas envolvidos, resultando um novo paradigma de relação entre Estado e sociedade civil”.

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Somente a Dirigente de Entidade 3 alegou participar “mais ou menos”,

justificando que há um volume de trabalho muito grande dentro da instituição, o que limita a

saída do técnico. É interessante notar que, na referida instituição, a atribuição em participar

das atividades promovidas pelo CMAS ou mesmo pela Secretaria Municipal recai sobre a

profissional de serviço social, como se fosse somente ela que tivesse de acompanhar a Política

de Assistência Social, e não todo o corpo de funcionários e de dirigentes de todas as

entidades.

Mais uma vez, os dados advindos da pesquisa revelam o movimento

dialético que marca também a construção desta política. Em um outro exemplo, o Dirigente

de Entidade 1 diz que a ONG que representa considera-se ‘participativa’ e entende a

participação como ocupação dos espaços e dos canais instituídos, tanto que participava (à

época) de quatro Conselhos Municipais, do Conselho Estadual de Saúde e dos Fóruns

Estadual e Nacional de ONGs/AIDS60.

E não é só isso: a entidade também incentiva os usuários a participarem e

cria espaços para isso, tal como o projeto “Saber para Reagir”, cujo propósito é esclarecer seu

público-alvo sobre seus direitos, dando suporte para as denúncias procedentes, mas sem tirar o

protagonismo do sujeito:

Se for uma denúncia, vai ser feita pela entidade; mas só que o sujeito também tem de se implicar, porque é o sujeito que se sentiu menosprezado nos seus direitos. E o sujeito [o usuário] começou a gostar disso. Ele começou a se sentir mais dono, a se apropriar, se empoderar (sic) dos seus direitos, mas também se empoderar dos seus deveres. Isso aí veio através de um projeto que vem sendo desenvolvido há três anos, que se chama “Saber Para Reagir” (Dirigente de Entidade 3).

A importância da socialização das informações, da valorização do ser

humano, do reconhecimento de seus conhecimentos e do fortalecimento de suas capacidades

foi observada também por uma das coordenadoras municipais do projeto Geração de Renda:

Esses tempos atrás, eu estava numa reunião com os grupos de geração de renda e uma das coisas que eles colocavam como fundamental no processo decisório era a questão da informação e da transparência. Eles diziam o

60 “As ONGs/AIDS, além de se constituírem em um espaço de prática de solidariedade, proporcionam ainda uma exposição pública do soropositivo e do doente na condição de porta-voz ou de representante de uma luta coletiva, o que permite, algumas vezes, suscitar um outro sentido para a vida, um reconhecimento público ou um novo papel social. Para alguns isso pode até significar o abandono de uma condição de marginalidade, no caso de drogadictos (sic) e profissionais do sexo; para outros a aquisição de um novo status social” (PAULILO, 1999, p. 36).

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seguinte: “Como é que nós vamos decidir, se a gente não tem conhecimento e se a gente não tem acesso a essas informações?” Então, a gente percebe que a população já começa a ter um olhar diferente, já começa a ter uma análise diferente - embora não dê para a gente generalizar isso. Mas eu percebo que isso é resultado de uma trajetória que a assistência social vem tendo no município de Londrina (Assessora 1).

Como já se havia abordado anteriormente, o acesso à informação é

condição elementar para uma participação substantiva e deliberativa, como a que se espera

para uma gestão democrática na assistência social.

Dentro desta perspectiva, a descentralização dos serviços assistenciais

governamentais através dos CRASs é concebida como facilitadora do acesso à política

pública e como fator de democratização, visto que pretende contribuir para o aumento da

participação da população no debate sobre a Política de Assistência Social municipal.

A descentralização objetiva não apenas cumprir os aspectos legais, mas evidencia a intencionalidade política, fortalecendo o processo democrático. É uma nova forma de agir profissional, onde os técnicos se deparam enquanto gerenciadores das ações da política de assistência social no nível regional. Com ações mais próximas dos beneficiários da assistência, os técnicos desempenham um papel de articulador na região envolvendo as demais políticas, na proposta de atendimento às necessidades da população empobrecida e excluída dos serviços (LONDRINA, 2004, p. 7).

Uma das estratégias apontadas por vários de nossos entrevistados visando a

efetivação da participação daqueles cidadãos que constituem a própria essência do trabalho da

Assistência Social é que em todos os CRASs sejam formados os “Conselhos Regionais de

Assistência Social”, futuras e necessárias bases do Conselho Municipal de Assistência Social

de Londrina. Este é mais um dos desafios que já começaram a ser enfrentados por esta gestão.

Ao pontuarmos os avanços alcançados e os desafios que ainda se fazem

presentes na experiência de Londrina no período estudado, esperamos ter demonstrado alguns

dos diversos elementos que sinalizam para a complexidade da gestão de uma política que

busca cotidianamente sua consolidação. O financiamento, como um dos elementos

constitutivos da gestão da PAS, é subsídio essencial para a implementação de serviços e de

benefícios que possibilitem o acesso aos direitos sociais.

A experiência examinada aponta para um amadurecimento do CMAS de

Londrina, que buscou orientar a Política de Assistência Social de acordo com as demandas

locais e com a aplicação criteriosa do fundo público, atendendo os princípios previstos na

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LOAS. Percebe-se que o Conselho não exerceu um mero papel fiscalizador, mas que

implementou o controle social sobre os serviços e sobre os recursos referentes a esta política

pública.

Finalmente, constatou-se a incorporação do princípio da democratização

pelos diversos agentes desta gestão local, traduzida especialmente no fortalecimento e na

consolidação das instâncias participativas, corroborando, assim, a capacidade deliberativa de

tais espaços.

2.3 Papéis dos Agentes na Democratização da Gestão

Em relação à democratização, foram examinados quais deveriam ser os

papéis dos atores envolvidos na PAS: gestor, CMAS, rede e usuários. Tal indagação reveste-

se de dupla importância: primeiro, porque são estes mesmos atores os protagonistas desta

recente história da AS como política pública inserida no contexto da seguridade social

brasileira; segundo, em razão de que, para que a gestão democrática se realize concretamente,

todos os atores envolvidos nesse sistema têm de estar articulados e desempenhando suas

funções.

Em seu depoimento, a Conselheira 1 destaca que a democratização pode

ocorrer dependendo do perfil do gestor, da postura do Conselho Municipal de Assistência

Social e da equipe técnica. Ela recorda que na segunda administração mencionada (1997-

2000) a assistência social se manteve graças ao corpo técnico e ao CMAS, que deu respaldo

aos técnicos.

Por isso, optamos por verificar as visões deste conjunto de atores que

vivenciava esta experiência.

Esclarecemos que, dada a relevância obtida por alguns sujeitos a partir da

análise dos dados produzidos por esta pesquisa, iremos subdividir o segmento “gestor” em

“gestora municipal” (referindo-nos exclusivamente à secretária municipal) e “equipe técnica”,

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aqui incluso tanto o grupo de assessores e coordenadores do órgão gestor, como a equipe de

profissionais que atua diretamente nos programas e serviços desenvolvidos.

Foram feitas referências ao “poder público” que demonstraram, a nosso ver,

uma consciência sobre os papéis que não se restringem unicamente ao órgão gestor da PAS,

indicando possivelmente uma percepção mais abrangente sobre as atribuições do próprio

Estado.

Duas ordens de preocupação foram levantadas pelos nossos informantes. A

primeira delas diz respeito à garantia do orçamento para a AS: houve, como já exposto, o

reconhecimento sobre o investimento ímpar feito na AS no município de Londrina (que

chegou a 17 milhões/ano); entretanto, a Conselheira 1 indica que é papel do Estado garantir

recursos para o financiamento desta política.

De fato, tal atribuição compete às três esferas de governo. É o desafio do co-

financiamento da PAS, que engloba não apenas o aspecto quantitativo – a destinação de um

percentual orçamentário – mas também o modo de gerir tais recursos: conforme as

proposições do SUAS, os repasses devem ser realizados de Fundo a Fundo e a aplicação das

verbas deve ser pactuada e aprovada nos respectivos Conselhos de Assistência Social.

Outro aspecto indicado pelo Dirigente de Entidade 1 refere-se à importância

da capacitação dos funcionários públicos, visto que

Para democratizar qualquer política pública, primeiro [o poder público] tem de estimular, tem de fomentar e tem de proporcionar espaço para que esse trabalhador realmente tenha prazer em prestar o serviço para a população [...]

Percebe-se também na fala deste dirigente uma certa exigência quanto à

eficiência, no sentido de que não basta apenas capacitar; é necessário cobrar o retorno e

aproveitar o funcionário que já foi capacitado em determinado assunto, pois “e tudo aquilo

que foi investido nele? Como fica esse retorno para o patrão dele, que é o povo?” (Dirigente

de Entidade 1). Destaca-se, aqui, o ponto de vista deste dirigente sobre a própria missão dos

servidores públicos, que deve ser ‘servir ao público’.

Evidencia-se que o controle social aqui também se faz necessário: a

capacitação profissional precisa tanto ser oferecida como também aplicada no cotidiano

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profissional. Sociedade e Estado devem avaliar juntos os resultados dos investimentos

realizados também na área de recursos humanos.

A mesma preocupação pode ser encontrada em observações de Nogueira

quando o autor analisa os desafios da administração pública:

A solução dos complicados problemas do Estado e da gestão estatal passa por providências que interferem nas práticas governamentais concretas, na mentalidade dos servidores, na cultura da administração, e que, por isso, só podem ser materializadas num tempo dilatado (NOGUEIRA, 1998, p. 210).

Percebemos, portanto, que tais entrevistados identificaram este elemento

essencial à gestão: o Estado como provedor de recursos financeiros e de recursos humanos

capacitados para o desempenho de suas funções.

Mais uma vez, cabe recordar a relevância destas cobranças no campo da

PAS, em função de seu histórico enquanto prática voluntária, caritativa, assistemática e

clientelista. Além disso, no limiar do século XXI, Yazbek (2001, p. 9) alertava sobre as

tentativas de se deslocar o problema da pobreza do campo da política para o campo da moral,

numa tentativa explícita de impor “uma forma despolitizada de abordagem da questão social

fora do mundo público e dos fóruns democráticos de representação e negociação dos

diferentes interesses em jogo nas relações Estado/Sociedade”. Nesta perspectiva, desmerece-

se a necessária qualificação dos profissionais, especialmente no campo das políticas sociais

públicas.

A experiência municipal aqui retratada demonstrou que Londrina ousou

investir na capacitação de técnicos, funcionários, conselheiros e membros de entidades

sociais. As diversas ações de capacitação técnico-política constituem um elemento a mais na

construção de uma cultura democrática neste país.

2.3.1 Gestor e sua equipe

A gestora municipal da assistência social, como já indicamos anteriormente,

é uma profissional cujo histórico demonstra claramente seu compromisso com a gestão

democrática da política pública de assistência social, tanto que, na sua entrevista, declara que

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a função do órgão gestor é fazer proposições e executar ações conforme deliberação do

Conselho.

O Dirigente da Entidade 1 afirma a importância de se ter uma assistente

social ocupando o cargo de gestora e reconhece o quanto a atual está empenhada no processo

de construção da política de assistência social; porém admite que esta é uma situação de

exceção, visto que conhece vários municípios onde ainda predomina o primeiro-damismo.

A Conselheira 1 ratifica:

Se a gente tem uma secretária ou uma gestora que participa da política, aí a democratização avança [...] Então, decididamente, tem que ter um gestor que tenha vontade política e um corpo técnico qualificado como nós temos (Conselheira 1).

Este perfil que começa a ser delineado é fundamental não apenas para o

exercício da função de gestora, mas especialmente para a própria democratização. A

capacidade de articular as dimensões técnica e política no exercício cotidiano da gestão

aparece como componente imprescindível dentre as qualificações do gestor.

Ao considerar o gestor como um agente técnico e político, em conformidade

com as proposições da NOB/98, Diório (2005, p. 196) observa que

O perfil do gestor da política de assistência social envolve o comprometimento com o interesse público, a transparência das ações, o engajamento estratégico e político na busca da ética e da equidade, e a competência técnico-operativa. Esses elementos permitem ao gestor orientar as estruturas públicas para o atendimento aos princípios e diretrizes da política de assistência social.

É o que revela a Assessora 1, ao entender que cabe ao gestor desenvolver

práticas que reforcem tal processo, pois como responsável pelo comando único, compete ao

gestor articular “a somatória de diferentes agentes rumo à construção do processo de gestão

democrática da Política de Assistência Social”. A Assessora 2 também destacou o papel

desempenhado pela gestora em direcionar e dar respaldo aos técnicos para “abrir canais, abrir

espaços”.

A abertura para o diálogo apareceu, portanto, como outro componente e foi

mencionada pela Conselheira 1, que caracterizou a postura da atual gestora como aberta e

competente. A Dirigente de Entidade 3, que demonstrou menor envolvimento com a PAS

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local, declarou que “agora tem diálogo”, deixando subentendido que tal postura não era

exercitada na administração anterior. Vê o papel do órgão gestor como responsável por “estar

articulando reuniões e instituições, promover cursos, capacitação, fiscalizar as entidades e

verificar suas dificuldades, o que elas precisam, enfim, ajudá-las”. Aliás, nota-se neste relato a

preocupação com as necessidades das entidades, mas em nenhum momento transparece a

visão do papel do gestor como responsável em conhecer e atender as demandas da população

do município, ou mesmo da existência do CMAS.

Ao comentar as qualidades do que denomina dirigentes-estadistas, Nogueira

afirma:

Descobrem formas de preservar, atualizar e valorizar as instituições. Governam, não só administram. Sua força repousa na liderança, na capacidade de projetar futuros, de dar sentido às coisas, de agregar pessoas e orientá-las, fazendo com que as energias, qualidades e idiossincrasias convirjam para um denominador comum que potencializa as organizações (NOGUEIRA, 1998, p. 214).

A importância do papel do gestor também é discutida em outro estudo:

É fundamental ressaltar a centralidade do gestor como elemento do público constituinte, para o qual confluem os interesses e influências de todos os públicos... Sua presença na gestão da organização atribui-lhe a responsabilidade na comunicação com os públicos, que externalizam a imagem da organização, e os públicos que a desenvolvem internamente, de modo que fluem pelo gestor as expectativas e representações dos outros integrantes e as realizações e objetivos concretizados da organização (CABRAL, 2004, p. 103).

No estudo empreendido constatou-se o quanto a atuação desta gestora é

reconhecida por sua equipe técnica, que se sente respaldada para o desenvolvimento das

ações:

Eu acredito que em Londrina tem uma grande preocupação dos gestores em relação a implementar uma política pública de assistência social (Assistente Social 2)

Eu sinto uma firmeza muito grande, enquanto diretora técnica, em conduzir uma situação pela firmeza que a Secretária nos passa (Assessora 2).

Ao se refletir sobre a postura firme e segura atribuída a esta gestora, não se

pode esquecer outro aspecto levantado anteriormente neste mesmo capítulo e que apontou que

a democratização não significa ausência da autoridade, já que, nas palavras da própria

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Gestora, “você tem a obrigação de usar a sua autoridade pública para defender um interesse

maior”, ou seja, para publicizar as ações.

Pesquisa realizada por Diório (2005, p. 198) também demonstrou que

[...] muitos dos avanços ocorridos na gestão da política de assistência social no município de Londrina derivaram da direção política e autonomia conferidas pelo gestor à equipe técnica da Secretaria Municipal de Assistência Social, como também dos investimentos na capacitação dessa equipe.

Pelo que vimos até o momento podemos destacar que, além do perfil, a

própria legitimidade desta gestora foi marcante: legitimidade que se deu pelo conhecimento

da lei (PAS), pela capacidade de interpretá-la, pela habilidade técnica e pelo compromisso em

efetivar a PAS com os demais agentes participantes desta política, articulando a construção

coletiva, para a qual se fez particularmente importante a equipe técnica desta Secretaria, como

veremos a seguir.

O corpo técnico da Secretaria Municipal de Assistência Social começou a ser

formado a partir de 1993, quando se implantou o órgão gestor municipal. O quadro de

profissionais cresceu tanto numericamente61 como qualitativamente também, o que

provavelmente deveu-se tanto às capacitações oferecidas para a rede quanto pela forma

participativa que marcou esta gestão, inclusive dentro do próprio órgão.

De acordo com a Gestora, uma das dimensões da democratização é a que se

realiza “dentro do órgão gestor, o direito de participação que os funcionários, que os técnicos,

que a coordenação da instituição têm; eu diria, a instância administrativa”.

Em seu trabalho, Diório (2005, p. 197) também constatou que

Um dos aspectos fundamentais para se alcançar esse perfil descrito é a construção de uma equipe de trabalho com hegemonia tanto no âmbito da direção quanto operacional, ou seja, uma equipe que atua “no comando” e outra “na ponta”, realizando os trabalhos em consonância, “falando e fazendo a mesma coisa”.

Reforça esta posição o depoimento da Assistente Social 1, que, por já ter

trabalhado nas duas funções, declara ser importante uma maior articulação entre os técnicos 61Para exemplificar podemos tomar o Programa Ação Comunitária, que em 2000 contava com onze assistentes sociais e em 2004 este número foi elevado para 36 profissionais que atuavam nos doze CRAS implantados.

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(entre si) e entre o CMAS. Ela afirma que os técnicos que trabalham diretamente com a

população recebem mais pressão porque convivem no dia-a-dia com a necessidade da

universalização dos benefícios e da ampliação dos programas, isto tudo além da “demanda de

amor do usuário” (sic), que se torna também um fator desgastante. Por mais que esta

declaração traga uma verdade, vale considerar que é no dia-a-dia do trabalho em campo que o

profissional também pode verificar os resultados do seu trabalho, fruto de um processo e da

construção persistente do resgate da cidadania para tantos excluídos:

Eu realmente já estava com vontade de sair da rua, só que eu não achava um braço pra segurar ou senão é porque eu já tava lá embaixo, no fundo do poço, na corda mais fininha, lá embaixo. [...] Aí, vai daqui, vai dali, de tanto eles trabalharem em cima de mim, em nenhum minuto eles me abandonou (sic), em nenhum minuto, toda a vez que eu precisava, eles estavam ali. Não que eu chamava, mas toda a vez que eu tava precisando, parecia uma coisa, tava ali. (Usuário 1)

Um dos principais aspectos evidenciados por esta pesquisa foi o

compromisso destes profissionais com a consolidação da política pública de assistência social,

especialmente através da atuação pautada na concepção dos usuários como cidadãos de

direitos (como já indicado no item 3.1). Tal fato foi reconhecido por diversos participantes

deste estudo, mas especialmente pelos próprios destinatários dos serviços sócio-assistenciais,

como podemos verificar nos relatos que se seguem:

Porque a Assistência Social daqui foi bem competente pra tá montando isso aí mesmo. Porque eu acho que foi buscá, estudô um pouco e viu que aquele jeito era o modo de trabalhar, de não só dá por dá [...] Porque se você tem consciência de que eu sou um ser humano, você não vai querer só me dar, você vai querer me valorizar, foi esta questão que está agora nessa Assistência Social, que eu vejo (Usuária 2)

Aí eu comecei a procurar [a assistência social] porque não tinha o dinheiro para comprar o remédio. Aí tinha as meninas, as assistentes sociais, que iam na casa da gente vê a situação da gente como é que era, foi aonde que eu fui entrando junto e sabendo como e qual é os meus direitos, que eu tinha aquele direito e não sabia. [...] Eu peço à Deus que entre alguém62 que continue cuidando da Assistência Social e dando valor para vocês, incentivando vocês trabalharem [...] E eu oro muito por vocês assistentes sociais que estão na luta, larga suas famílias para vir atrás da gente, cuidar da saúde, da humanidade, acho que é um privilégio muito grande (Usuária 3).

62A entrevistada refere-se à entrada do novo prefeito, pois na época da realização das entrevistas era período pré-eleitoral.

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A qualificação da equipe também foi pontuada: “Os técnicos também são

bem preparados, apresentam programas bem elaborados e em consonância com as

necessidades da população da assistência social” (Conselheira 1).

A própria gestora municipal atribuiu à sua equipe a co-responsabilidade pela

construção da PAS no município:

Nós mesmos fomos os sujeitos de construção desta política, da proposta desta política; então, o fato de que como fomos nós que a concebemos e nós que temos de executá-la traz para dentro da política um compromisso ético no processo da gestão (Gestora).

Outra marca observada nesta gestão é o compromisso ético, político e

ideológico com a causa da assistência social como direito. Ao discutir especificamente o

papel do assistente social na estruturação e implantação da PAS, compete a este profissional:

[...] fazê-la sobre a ótica da dignidade, do direito, da participação, da democracia, uma vez que essa categoria expressa compromisso real com estes princípios, que fazem parte do compromisso ético-político da profissão e encontram-se materializados no Código de Ética Profissional e nas diretrizes curriculares que balizam a sua formação profissional (Diório, 2005, p. 202)63.

Ao discutirmos, no início deste capítulo, a concepção de democratização, a

Gestora mencionou que entendia a democratização como um princípio a ser seguido.

Podemos afirmar que os dados emanados desta pesquisa deixam explícito que tal princípio

foi, de fato, incorporado e implementado por esta equipe no seu cotidiano profissional.

Exemplo disso foi relatado pela Gestora, ao comentar os preparativos para a VI Conferência

Municipal de Assistência Social64, dentre os quais encaminhou-se a realização de pré-

conferências pela cidade, que já contava com doze CRASs:

Eu falei isso numa reunião de coordenação. Passados uns quatro dias, elas me trouxeram um cronograma com vinte e três pré-conferências organizadas, preparadas. Passou algum tempo, uma delas disse: “Olha, nós fizemos a pré-conferência com as entidades de moradores de rua”. Eu sequer tinha pensado nisso, mas elas tinham construído isso. Eu quero dizer o seguinte: elas adotaram isso como princípio, porque elas poderiam... Se não fosse isso, elas teriam perguntado: “Quantas você quer?”, ou “Quantas nós vamos ser obrigadas a fazer?” – Não foi assim. (Gestora).

63Cabe considerar que a equipe técnica da SMAS, embora seja composta majoritariamente por assistentes sociais, conta também com outros profissionais tais como pedagogos, psicólogos, educadores sociais, etc. 64Ocorrida no ano de 2005.

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Por diversas vezes a Gestora ressaltou que o apoio da sua equipe (bem como

do CMAS) foi essencial na concretização das diretrizes da LOAS. Cabe lembrar, entretanto,

que esse quadro de profissionais foi formado nos cursos de capacitação oferecidos nos

espaços de participação criados nesta gestão e, por que não mencionar, na própria

interlocução com a referida gestora, cujo perfil contribuiu significativamente para o avanço da

gestão democrática desta política65.

Portanto, é bom relembrar aqui as palavras de um estudioso da área: “Bons

gerentes públicos não existem prontos no mercado; precisam ser formados cuidadosa e

permanentemente” (NOGUEIRA, 1998, p. 203).

O mesmo autor, ao analisar o papel dos profissionais na gestão pública,

aponta alguns desafios que se colocam na atualidade:

O tempo de mudanças em que nos encontramos requer profissionais vocacionados para atuar com base na articulação do conhecimento científico, criatividade, conduta ética, visão política e sensibilidade social – profissionais que, em outras palavras, estejam habilitados tanto para compreender as novas determinações do Estado e da sociedade quanto para adotar renovados estilos de trabalho, tanto para o manejo e a seleção de volumes crescentes de informações quanto para a negociação com múltiplos atores socioinstitucionais e a dinamização do processo decisório” (NOGUEIRA, 1998, p. 194).

E sintetiza suas reflexões confirmando a necessidade de termos

“profissionais que entendam a importância do espaço público nesses tempos tão mercantis”

(Idem, p. 211).

2.3.2 Conselho Municipal de Assistência Social

Já foram apontadas por este estudo algumas experiências implementadas por

este órgão; portanto, não iremos retomar quais devem ser as funções do CMAS, mas pontuar

65Diório (2005, p. 201) também concluiu que dois aspectos marcaram a gestão 2001-2004: “o perfil do gestor e a politização da equipe. Em relação ao perfil do gestor, ressalta-se a visão teórico-metodológica da participação e da gestão democrática, questões fundamentais no processo. No que diz respeito à equipe constatou-se ser um grupo coeso, forte, com consciência política, cujo potencial soube ser trabalhado pelo gestor”.

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alguns aspectos no que se refere ao seu papel na democratização da gestão da PAS, a partir

das observações dos participantes desta pesquisa.

No exercício da função do CMAS de Londrina, visualizou-se a necessidade

de que o Conselho tivesse “uma leitura clara do seu papel” (Assessora 1), em razão de ser ele

um dos principais protagonistas da gestão da PAS e, porquanto, responsável por “planejar,

gerir, implementar as deliberações das Conferências” (Conselheiro 2), partindo de uma ampla

visão da estrutura administrativa, dos programas, dos projetos e da rede de serviços

(governamental e não-governamental), bem como das demandas existentes.

Um dos primeiros pontos que merece ser resgatado é a confirmação, por

parte de vários agentes, de que o CMAS de Londrina “já está institucionalizado e reconhecido

com o status de publicização da política” (Gestora). O CMAS se consolidou como um órgão

que exerce esta atribuição que lhe é eminente e

Isto garante a democratização porque ele é um espaço instituído com poderes de deliberação... ele está instituído, institucionalizado como um espaço de democratização e de decisão (Gestora)

Conforme citado anteriormente, esse status alcançado pelo Conselho deve-se

também à autonomia que ele conquistou do poder executivo local, em particular, e de

integrantes do poder legislativo.

No que se refere à socialização e transparência das informações, foi

apresentada também a visão do conselheiro como um interlocutor, que deve sempre “ser a voz

da comunidade (e não só da entidade)”, como também precisa “levar as necessidades e as

informações para o gestor” (Dirigente de Entidade 1).

Percebe-se com clareza a compreensão de que o conhecimento das ações

sócio-assistenciais ofertadas e das problemáticas sociais enfrentadas no âmbito local deve

subsidiar o CMAS para a “justa distribuição dos recursos financeiros de acordo com as

demandas do município” (Conselheiro 2).

Em outras palavras,

Ao CMAS cabe acompanhar e conhecer como está se dando a operacionalização dos projetos junto aos usuários; garantir recursos orçamentários para a assistência; estabelecer critérios de qualidade para os

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serviços existentes; pensar (junto com o gestor) em como atender a demanda reprimida (Assessora 2).

Reveste-se de maior responsabilidade o controle sobre a utilização do recurso

público visto que, além de analisar constantemente a execução orçamentária e aprender a

manusear suas rubricas, o CMAS precisa “acompanhar entidades, verificar se o recurso está

sendo empregado e em que perspectiva” (Assistente Social 2).

Para tanto, uma das ações mais requisitadas ao CMAS foi o

acompanhamento às entidades:

[...] para democratizar, o Conselho precisa não só fiscalizar, mas também orientar as entidades, estar junto com elas (Conselheiro 2)

O CMAS deve ir visitar as entidades, ver como funcionam, como o usuário está sendo atendido. [...] Deve cobrar que as entidades se enquadrem na PAS e ajudá-las neste processo (Conselheira 1)

Ressalta-se aqui um grande avanço no entendimento sobre a relação do

Conselho com as instituições sociais: o trabalho não é só o de fiscalizar (a aplicação do

recurso, a prestação de contas, a atualização dos documentos, ect), mas principalmente o de

“orientar, de estar junto” com as entidades neste processo de implantação da assistência social

como política e como pública.

Já mencionamos que é neste ponto que se tornam mais visíveis as

contradições e ambigüidades existentes nesta área, na qual se confrontam duas culturas e onde

a concepção da assistência como direito do cidadão disputa espaço com a cultura

assistencialista pautada na meritocracia e no clientelismo.

Esta é uma tarefa que precisa ser desenvolvida cotidianamente e cuja

construção se dá num processo que nem sempre é tão ágil quanto se espera. É compreensível,

portanto, o questionamento feito por uma das profissionais que atua em um CRAS, atendendo

diretamente a população e convivendo no território que também é constituído pelas

instituições não-governamentais:

Até que ponto o CMAS tem contribuído para que as entidades entendam a Política de Assistência Social como política pública de direitos? (Assistente Social 2).

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Por mais avanços que se possa ter constatado neste e em outros estudos, é

inegável que ainda persistam limites a serem enfrentados pelo CMAS, dentre os quais podem

ser citados:

[...] ter ligação mais forte com técnicos para articular o usuário com o desenvolvimento da política e, juntos, envolver mais os usuários, a fim de que a população tome para si a assistência como seu direito (Assistente Social 1)

Os Conselhos também precisam buscar integração entre si (só se vê o CMAS com o CMDCA, mas não com o da saúde, da educação), embora a gente saiba que a culpa não é do conselheiro; a estrutura não proporciona isso (Dirigente de Entidade 2).

No processo de efetivação da PAS, o CMAS, como já foi demonstrado,

ocupa um lugar central. A missão de “lutar pela democratização do acesso, pela participação”

(Assessora 1) precisa ser cumprida concomitantemente à outra tarefa, já aludida por alguns

estudiosos, que é a de “avançar na relação com a sociedade” (Gestora) para ir aprofundando,

paulatina e firmemente, a esfera pública na sociedade brasileira.

2.3.3 Rede de serviços

A rede de serviços sócio-assistenciais66 ocupa lugar de destaque no processo

de democratização da política de assistência social, uma vez que, por mais que a legislação

social e as ações do poder público e do CMAS possam provocar mudanças nas formas de

gestão das entidades sociais, estas são mediadas pelos agentes institucionais que nelas atuam

(diretores, coordenadores, técnicos e funcionários) e que mantêm relação direta e cotidiana

com os usuários.

Não se pode esquecer de que tais instituições carregam uma cultura interna

construída ao longo dos anos, por vezes eivadas de subalternidade; seus agentes podem

apresentar graus variados de resistência às mudanças, principalmente no que se refere à

democratização da gestão.

66Entende-se por rede de serviços sócio-assistenciais tanto os serviços executados diretamente pelo poder público, como também aqueles oferecidos pelas instituições não-governamentais. Neste item, iremos nos reportar mais às entidades sociais que compõem a rede não-governamental.

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Eu acho que isso ainda demora um pouco para ser desmistificado, não é tão simples; alguns textos falam inclusive que não basta escrever a lei, a lei está escrita, daí para ser implementada tem ainda de mudar a cultura, que no Brasil é - desde que se conhece a Assistência - é uma cultura clientelista (Assistente Social 2).

Dentre as profissionais entrevistadas, a Assistente Social 2 acha que as

entidades ainda têm dificuldade de entender assistência social como política; muitas ainda

trabalham na perspectiva da ajuda ou do assistencialismo, o que faz proliferar essa cultura que

precisa ser superada. Precisam entender que o recurso tem de ser aplicado como direito, como

política pública.

A Assistente Social 1 faz a crítica de que “a direção dessas entidades é que

acaba sempre se envolvendo com as políticas públicas, assistência é uma delas. Eles acabam

dominando as informações”, são eles que participam das Conferências e dos Conselhos. Por

isso, insiste que as entidades precisam priorizar a participação de seus usuários, facilitar

discussões, envolver mais os usuários.

Para isso, é necessário continuar incentivando a incorporação dos princípios

atuais da PAS, pois “algumas entidades já avançaram bastante, mas ainda existem aquelas que

querem trabalhar na linha da caridade, e é preciso superar isto” (Conselheira 1).

Pelos relatos obtidos, os sujeitos entrevistados parecem retratar bem a

realidade ambígua vivenciada no campo da assistência social. Convive-se diariamente com as

resistências a um modo de gerir que dê transparência ao que é, de fato, público; mas observa-

se concomitantemente a disseminação da consciência sobre a publicização: “a entidade é do

povo, e de um povo que necessita dela para poder ter seus direitos defendidos” (Representante

de Entidade 1).

Este compromisso com a efetivação dos direitos sociais, com o

discernimento sobre as políticas públicas e com a democratização que vem sendo

compartilhada pode ser ilustrado com o relato abaixo:

Primeiro [avanço], a maneira de ver e de encarar a questão da Assistência Social. Acho que aí que esta ligação com o poder público nos últimos anos nos ajudou muito a ter uma outra visão do modelo de Assistência Social. Não mais como aquilo de fazer algo pelo outro sem muito comprometimento - você faz a campanha, vai lá, entrega e pronto, acabaram os seus laços - mas, de fato inserido dentro de uma Política de Assistência, de uma política

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de cidadania, de uma política de direitos dessa pessoa (Dirigente de Entidade 2).

O Conselheiro 2 declara que as entidades reconheceram a importância de

participar das instâncias (fóruns, conselhos), de lutar pela política de assistência e não

somente pela entidade ou pelo seu segmento, mas de ter a visão do todo, da cidade, das

necessidades - o que exige maturidade, pois

[...] não basta, por exemplo, você lutar pela entidade; você tem de lutar por uma política [...] Então, participando da rede, a gente percebe que a entidade cresce em termos de democratização porque ela vai ver que não é o umbigo do mundo, ela não é o umbigo da cidade, não é a única que está passando por necessidades. Acho que esta abertura é fundamental para que a rede, de fato, consolide uma política democrática, porque se é democrática tem de ser para todos (Conselheiro 2)

Cabe às instituições, portanto, a necessidade de estar “participando e [serem]

envolvidas na elaboração da política de assistência social como um todo, e não só para sua

entidade” (Assessora 2), bem como “estarem envolvidas no dia-a-dia da comunidade”

(Assessora 1).

Para isso, torna-se cada vez mais imprescindível o desenvolvimento de um

trabalho em rede, em que um possa “usufruir do trabalho do outro”; superando, assim, a falta

de comunicação e de integração da rede de serviços públicos entre si (na assistência, na saúde,

na educação) e entre a rede não-governamental (Representante de Entidade 2).

Se grande parte das proposições apresentadas até o momento referia-se à

rede não-governamental, nota-se aqui a cobrança pela articulação dentro da própria

administração pública e pelo desenvolvimento de um trabalho em rede que abranja as

secretarias municipais, principalmente as ligadas às políticas sociais.

O trabalho em rede deve ser entendido aqui como uma ação articulada e

integrada de todas as políticas sociais, interligada com a rede de serviços governamentais e

não-governamentais, sob a gestão dos Conselhos. Vale a pena reproduzir aqui a visão sobre a

rede de serviços elaborada por um dos agentes deste processo:

Todo usuário tem de estar, digamos assim, atendido dentro de uma rede. A rede da Política de Assistência não inclui, por exemplo, o atendimento unilateral; mas ele é multifacetário, ele se desenvolve nas multifaces. Quer dizer, todo usuário tem de ter atendimento dentro de uma Política de Assistência, dentro de uma Política de Educação, dentro de uma Política de

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Saúde; essas políticas todas, para mim, elas tem de estar devidamente amalgamadas. [...] Esta seria a dimensão das grandes redes de atendimento, aquelas redes que atendem a pessoa no seu todo. A segunda rede, que também está intimamente ligada a esta, seria a rede das entidades: toda entidade não pode fazer um atendimento individualizado, mas toda entidade tem de estar ligada a estas grandes redes para que o usuário seja atendido na integralidade (Conselheiro 2).

Pode-se vislumbrar que a finalidade última deste atendimento seria inserir os

usuários no conjunto maior das políticas sociais, com vistas à garantia dos seus direitos.

Manifesta-se, aqui, a transversalidade da assistência social.

Os diversos aspectos acima pontuados convergem para o que seria, a nosso

ver, a principal tarefa a ser executada pela rede de serviços: propiciar a efetiva participação do

usuário dentro das próprias entidades, fazendo-o de fato assumir sua condição de sujeito no

campo da PAS.

Em outras palavras, compete às entidades “democratizar mais dentro do seu

espaço, fazer o usuário participar mais - e o desafio é fazer disto um processo contínuo”

(Conselheiro 2)

Para isso, é preciso “informar, esclarecer o usuário, conscientizar sobre seus

direitos” (Representante de Entidade 1), abrindo espaços para que ele venha participar

ativamente da instituição. Como abordado anteriormente, a participação de que se fala não é

exclusivamente a presença em uma reunião, mas refere-se à participação com caráter

deliberativo:

Até tem a reunião, mas é para dizer que o filho tem piolho, que a mãe faltou na última reunião... Discutir o que é a instituição, o que ela tem de fazer, como ela precisa caminhar, decidir sobre a instituição, isso está muito longe... (Gestora)

Entretanto, esta é uma perspectiva que está sendo impulsionada e cobrada

pela equipe de gestores da assistência social de Londrina, a partir do entendimento de que

[...] não basta construir uma rede, não basta que ela seja eficiente, não basta que ela tenha qualificação, porque hoje o que está posto para a política é que a qualificação depende da forma democrática ou não em que ela é gerida. Neste sentido, o tema democratização passa a ser um elemento de qualificação (Gestora).

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Tal qual referida anteriormente pela mesma Gestora, a democratização da

gestão deve ser implementada em todos os espaços em que se exerça a PAS, mas,

logicamente, considerando a trajetória histórica desta política, as mudanças – principalmente

as institucionais - não se fazem automaticamente. Para cumprir esta meta, já relatamos a ação

do CMAS no acompanhamento, orientação e controle social das entidades parceiras. A SMAS

também possuía um Programa de Assessoria às Entidades Sociais, que no final de 2004

passou a denominar-se Diretoria de Articulação Institucional e que possui a função de “ir lá

na instituição, fazer reuniões à noite, de chamar os pais, chamar toda a diretoria, fazer a

reunião lá com a entidade, explicar o que é esse critério de democratização” (Gestora).

Nota-se que o compromisso com a democratização da gestão foi priorizado

por esta administração e subsidiado pelo CMAS e pelo órgão gestor (aqui incluindo-se tanto a

própria gestora quanto sua equipe técnica). Mas, se democratizar significa propiciar espaços

de expressão dos usuários e seu envolvimento nos processos de “planejamento, de decisão e

de definição de indicadores de qualidade dos serviços prestados” (Assessora 1), cabe discutir

quais os desafios e sugestões para se avançar na gestão democrática da assistência social,

considerando principalmente os usuários destes serviços.

Finalmente, foi citado que cabe a todos os setores contribuir para superar a

visão de assistência como favor, de caráter eleitoreiro, e fazer com que se entenda a

assistência como política pública de direitos (Conselheiro 2).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pautado nas diretrizes estabelecidas pela Lei Orgânica da Assistência Social

de descentralização político-administrativa, participação popular e primazia do Estado na

condução desta política, o estudo aqui apresentado buscou analisar o processo de

democratização da gestão da Política de Assistência Social em Londrina/PR nos anos de 2001

a 2004.

As reflexões oriundas de uma experiência localizada e delimitada ao período

de uma administração que conseguiu obter avanços respeitáveis vieram demonstrar

possibilidades quanto à efetivação da estrutura descentralizada e participativa que o Sistema

Único da Assistência Social pretende consolidar.

A democratização da gestão foi compreendida como um processo coletivo,

dinâmico e contínuo que marca a construção da referida política pública e que requer, na sua

prática, a articulação constante das dimensões técnica e política.

Procurou-se fazer uma abordagem qualitativa dos dados coletados com o

conjunto de atores envolvidos e responsáveis pela Assistência Social, privilegiando seus

entendimentos quanto à concepção e à prática da gestão democrática no âmbito local.

Os entrevistados deixaram explícita a compreensão de que a democratização

deve socializar informações e proporcionar benefícios e serviços sócio-assistenciais como

condição para o acesso aos próprios direitos sociais e à participação dos cidadãos.

Vale situar que Londrina é uma cidade de médio porte, na qual os índices de

pobreza não chegam a ser tão elevados como nas metrópoles. O período analisado

correspondeu a um governo municipal que apoiou a assistência social como uma política

pública e viabilizou condições para a sua implementação.

A ampliação do acesso foi evidenciada através do aumento dos recursos

financeiros, chegando ao índice de quase 7% do orçamento municipal em 2004, o que

subsidiou a criação e a implementação de ações desenvolvidas pela rede de serviços

governamental e não-governamental. Destacou-se também a estruturação dos Centros

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Regionais de Assistência Social – CRASs – com a proposta de facilitar o acesso, promover a

participação dos usuários e articular a rede de serviços de cada região.

O exercício do controle social e a autonomia conquistada pelo Conselho

Municipal de Assistência Social foram apontados como um dos grandes avanços desta gestão.

A tão almejada participação dos usuários evidenciou-se, de maneira especial, por meio da

realização das Pré-Conferências organizadas regionalmente pelos CRASs, propiciando

discussões e indicação de propostas para a V Conferência Municipal de Assistência Social,

ocorrida em 2003. Os CRASs também foram se constituindo como espaços facilitadores da

participação e do debate sobre cidadania.

Outra importante conclusão que a análise desta experiência permitiu foi a

incorporação do princípio da democratização pelos profissionais que cotidianamente

executam a Política de Assistência Social e que atuam com os usuários, acolhendo-os como

cidadãos que têm direitos a uma política pública exercida com qualidade e com respeito à

dignidade do ser humano.

No caso de Londrina, não se pode negar a importância atribuída pelos

sujeitos entrevistados ao papel exercido pela gestora municipal, que se legitimou pela

competência técnica, pelo conhecimento e entendimento das determinações que envolvem a

área da Assistência Social e pela “vontade política” em construir democraticamente uma

gestão e consolidar a política pública de Assistência Social, sem abrir mão da autoridade que

lhe competia na defesa dos interesses públicos.

O perfil do gestor delineado por esta pesquisa se contrapõe à prática vigente

na maioria dos municípios brasileiros, uma vez que a indicação de um gestor é feita por livre

nomeação do prefeito, sem a consideração dos requisitos técnicos e políticos para a condução

da Política de Assistência Social. Situa-se aqui, portanto, uma das dificuldades a serem

enfrentadas pelo conjunto da categoria, em nível nacional, e inclusive neste município, visto

que não há nenhuma garantia legal quanto à qualificação do gestor a ser exigida nas próximas

administrações. Será que o conjunto dos atores que compõem o sistema de gestão desta

política conseguirá mais este avanço?

Ao se falar em gestores qualificados, o desafio da formação profissional

emerge e, de maneira especial, para o Serviço Social. Recorde-se aqui o depoimento da

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Gestora, que afirmou ser a democratização uma ação primordialmente política, mas que ao

mesmo tempo necessita de conhecimentos técnicos.

Este trabalho evidenciou que não há como prescindir da abordagem sobre a

dimensão política da gestão. E incorporar tal conteúdo na formação acadêmica não requer o

exercício da própria participação política? Como capacitar politicamente os assistentes

sociais? As experiências implementadas na área da Política de Assistência Social, a nosso ver,

constituem-se em um campo repleto de possibilidades.

Faz-se necessário atentar para o fato de que estamos tratando de uma política

pública recente - que é uma “menina”, nas palavras de Sposati (2004), e que, embora

firmando bases sólidas para sua consolidação, convive com as contradições decorrentes da

trajetória de uma sociedade que historicamente preteriu a extensão dos direitos sociais às

vantagens apropriadas por uma restrita parcela da população, agravando ainda mais as

desigualdades sociais e econômicas.

Ao término da gestão analisada, no ano de 2004, a avaliação feita pela

própria equipe técnica da Secretaria Municipal de Assistência Social reconheceu que “Tudo o

que a gente tinha feito, tinha sido bom, mas tinha tudo por fazer...” (Gestora). Ou seja, a

estruturação dos CRASs, do Projeto de Geração de Renda, o aumento do orçamento, a

ampliação dos serviços e do número de benefícios, a participação dos usuários, a articulação

da rede, etc, tudo foi apontado como positivo; mas, ao se discutir as demandas para a

administração seguinte, detectou-se a necessidade de “fazer tudo de novo”: aumentar os

programas, os benefícios e os recursos; implantar o programa de geração de emprego e renda;

incentivar a participação dos usuários nos serviços e nos espaços deliberativos; fortalecer o

trabalho em rede, etc.

As reflexões decorrentes dos dados produzidos por esta pesquisa ratificam

alguns desafios a serem considerados no processo de construção desta política “afiançadora

dos direitos de seus usuários” (YAZBEK, 2001). Alguns deles já são nossos ‘velhos

conhecidos’, até porque não se esgotam em determinada configuração institucional, como

alertava Coutinho (2000).

Se o processo de gestão é dinâmico, grande parte das informações é

produzida simultaneamente: a quantidade de benefícios concedidos mensalmente, a dotação

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orçamentária prevista e a executada, os recursos disponibilizados por outros órgãos, os

critérios de inclusão adotados, os responsáveis por determinados serviços, os usuários

atendidos em diversos projetos e por várias instituições, etc, são tipos de dados que precisam

ser atualizados constantemente – e aqui as ferramentas de gestão, tais como a informatização

da rede e o cadastro único são requisitos administrativos indispensáveis nesta era

informacional.

Mesmo havendo legislações, normatizações e procedimentos que possuem

um tempo de vigência mais duradouro, a disponibilização de informações, tanto para os

usuários quanto para gestores, conselheiros e funcionários que prestam atendimento diário na

rede de serviços governamental e não-governamental, é um atributo de qualquer gestão

democrática. Atente-se aqui para a linguagem a ser utilizada com segmentos diferenciados:

redundância à parte, as informações precisam ser acessíveis para que sejam efetivamente

apreendidas.

Igualmente, a capacitação permanece sendo outra demanda pleiteada por

profissionais, por conselheiros, por dirigentes, por lideranças comunitárias e pelos

destinatários dos serviços sócio-assistenciais. A formação para a cidadania e para a gestão,

norteada pelo princípio democrático, deve buscar níveis crescentes de partilha de

conhecimento e possibilitar, especialmente aos usuários, formas de “empoderamento”, de

emancipação e de autonomia.

A ampliação da participação em espaços decisórios - seja reforçando os já

existentes, seja criando novas formas – consiste em uma busca contínua e coletiva. Como se

verbalizou no decorrer deste estudo, a democratização precisa ser exercitada em diversas

instâncias: dentro do próprio órgão gestor, na rede de serviços, nos canais já

institucionalizados. Trata-se de uma dupla exigência para os setores integrantes da Política de

Assistência Social: tanto favorecer a participação de usuários, de funcionários, de

profissionais e de dirigentes dentro de cada programa ou serviço (governamental ou não),

como também ocupar os espaços constituídos, tais como fóruns, conselhos, comissões,

núcleos regionais, etc.

Há de se recordar aqui a persistência de práticas reveladoras da “cultura de

apropriação do público pelo privado” e as “poucas alternativas favorecedoras de

publicização” (WANDERLEY, 1996, p. 98-99). A cultura democrática requer a necessária

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articulação entre participação e capacitação: é preciso formar cidadãos e cidadãs para

participar dos espaços decisórios. Particularmente quanto aos demandatários dos serviços

sócio-assistenciais, redobram-se as exigências para o desenvolvimento de ações que os

conduzam a serem protagonistas da Política de Assistência Social.

Neste sentido, um dos principais desafios para a democratização da gestão na

esfera local é a implantação dos “Conselhos Regionais” de Assistência Social. Com as novas

estruturas descentralizadas, implantadas neste município desde o ano de 2002 – os “Centros”

Regionais de Assistência Social (CRASs) -, pretende-se propiciar espaços para que os

usuários tragam suas demandas; para que conheçam e discutam os critérios de atendimento e

de qualidade dos serviços prestados; para que sejam motivados e para que tenham garantidos

espaços de participação.

Dentre outras possibilidades, a territorialização pode favorecer também a

articulação da rede, o exercício do controle social, a realização de diagnósticos mais precisos

sobre as necessidades locais e a elaboração de planejamentos regionais que possam contar

com a participação dos usuários, da rede, das comunidades e das organizações existentes.

Ressalta-se mais uma vez que, na perspectiva da consolidação da gestão democrática, a

participação consiste num aprendizado permanente e numa prática a ser exercitada

continuamente.

Mas a gestão democrática é também aquela na qual prevalecem os direitos

dos cidadãos. Portanto, a universalização do acesso é um clamor diante do crescimento das

desigualdades sociais, agravadas principalmente pela perda dos padrões mínimos de proteção

social impostos pelo capitalismo globalizado.

Neste sentido, foi com muita esperança que a Norma Operacional

Básica/Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS) foi recebida. Partindo das

proposições da Política Nacional de Assistência Social/2004, este novo sistema vem

disciplinar a operacionalização da gestão da Política de Assistência Social entre os entes

federados, hierarquizando ações de proteção social básica e especial destinadas à população

em condições de vulnerabilidade e de risco pessoal e social, promovendo a vigilância social e

a defesa dos direitos sócio-assistenciais.

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Pode-se verificar que os eixos estruturantes da gestão, indicados no SUAS,

(cuja aprovação se deu em julho de 2005), tais como precedência da gestão pública da

política, alcance dos direitos sócio-assistenciais, participação dos usuários, controle social e

territorialização, já vinham sendo praticados em Londrina durante a gestão 2001/2004.

A grande expectativa trazida pelo SUAS vem acompanhada, porém, da co-

responsabilidade na sua implantação. Co-responsabilidade que advém de anos anteriores, dos

fóruns de discussão surgidos em torno da LOAS, das conferências municipais, estaduais e

nacionais realizadas desde a década de noventa do século passado, para não retornar ainda

mais no tempo.

Como se procurou demonstrar neste estudo, desde a implantação da

Secretaria Municipal de Assistência Social, em 1993, a perspectiva da gestão democrática já

estava presente – basta recordar que o primeiro Conselho Municipal implantado no Estado do

Paraná foi o de Londrina. Ao longo destes anos, não sem dificuldades, esta perspectiva foi se

transformando em um modo de gerir a Política de Assistência Social local, na qual a

democratização tornou-se um princípio que foi incorporado na prática de muitos profissionais

e de atores sociais que se comprometeram com a efetivação da Assistência Social como

política pública e de direitos dos cidadãos.

Pode-se dizer, portanto, que os avanços registrados na democratização da

gestão da Política de Assistência Social em Londrina deveram-se, dentre outras causas, ao

compromisso coletivo assumido por um conjunto de atores sociais que hoje comungam das

propostas contidas na Política Nacional de Assistência Social, cuja expressão maior é o

SUAS. Nas palavras da Gestora municipal, “Nós nos sentimos obrigados a protagonizar esse

novo modelo, até porque participamos do seu processo de construção”.

Espera-se que este estudo, provisoriamente encerrado, possa ter trazido

elementos que venham se somar a muitos outros já produzidos e a serem elaborados, e que

reforcem o compromisso de inúmeros atores sociais com a ampliação do acesso aos direitos

sociais, nestes incluídos “o direito de participar efetivamente da própria definição desse

sistema, o direito de definir aquilo no qual queremos ser incluídos, a invenção de uma nova

sociedade” (DAGNINO, 1994, p. 109).

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ANEXOS

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ANEXO 1

ROTEIRO DE ENTREVISTA

Data:

Caracterização Do(a) Entrevistado (a):

1. Como você entende a democratização (ou participação) da Política de

Assistência Social?

2. Como está ocorrendo a democratização (ou participação) da Política

de Assistência Social em Londrina?

3. Qual o papel dos agentes na democratização da Política de

Assistência Social? (avanços, dificuldades)

• Conselho Municipal de Assistência Social

• rede

• gestor

4. Como avançar na democratização (ou participação) na Política de

Assistência Social?

• sugestões

• participação dos usuários

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ANEXO 2

ROTEIRO DE ENTREVISTA - USUÁRIO Caracterização Do(a) Entrevistado (a):

• Nome • Local de nascimento • Quanto tempo mora em Londrina • Idade • Estado civil/filhos/netos • Bairro onde mora/com quem • Costuma participar de alguma coisa (entidade, associação, Igreja)

1. Já recebeu alguma ajuda da Assistência Social? Pode contar como

foi? a. Qual (cesta básica?) b. Desde quando? c. Onde recebia? d. Como conseguiu?

2. E hoje, ainda recebe alguma ajuda (ou tem contato) com Assistência Social? Qual?

3. O que o(a) Sr(a). acha do trabalho da assistência social em Londrina

nestes últimos anos? a. pontos positivos b. dificuldades c. algum projeto que acha importante?

4. O(a) Sr(a). já participou de alguma reunião/encontro feito pela assistência social?

a. Quantos? b. Quando? c. Sobre o quê?

5. O(a) Sr(a). acha que as pessoas estão participando mais da assistência social ? (Como?)

6. Como as pessoas poderiam participar da AS? O que fazer para

melhorar?

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7. Já ouviu falar no Conselho Municipal de Assistência Social?

8. O que acha que o Conselho, a Secretaria e as entidades assistenciais

devem fazer? (papel)

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ANEXO 3

ROTEIRO DE ENTREVISTA (GESTORA)

1. Considerando a assistência social como uma política pública, como é

gerir a assistência social (em Londrina)?

2. Como você vê a democratização na gestão da Política de Assistência

Social?

3. Como está ocorrendo esta democratização em Londrina? (espaços,

situações, projetos, iniciativas)

4. Qual o papel dos agentes na democratização da Política de

Assistência Social?

a. Conselho Municipal de Assistência Social b. rede c. gestor d. usuários

5. Como avançar na democratização na Política de Assistência Social?

a. sugestões b. participação dos usuários (como se apropriam das informações)

6. Como você analisa a experiência de Londrina em relação ao contexto

nacional da Política de Assistência Social?

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ANEXO 4

Entrevista com Usuária 2

Entrevistada: R.O.N. Usuária - CRAS Norte B 19 de maio de 2004.

P – A senhora é daqui de Londrina?

R – Eu sou natural de São João do Ivaí, mas me criei aqui. Eu fui em 77, 78, fui para a cidade de São Paulo, fiquei lá até 85. P – Ficou onde? R – Fiquei em São Mateus, ali naquela região bem braba, de favela. Morei na favela da Av.

do Cursino, de frente pra favela. Meu pai era presidente da favela. Ficou aquela, assim, uma

paixão, por assim dizer, do meu pai, que ficou trabalhando lá. Só que eu não dava tanta

importância pro trabalho que ele fazia de liderança; a gente novo [jovem], já sabe... E fiquei

lá. Eu vim para cá em 85, aqui mesmo. Londrina de novo. Minha mãe voltou e os filhos

voltaram atrás. Eu já tinha um bebezinho quando cheguei a voltar para cá. Eu criei ele aqui,

hoje ele já tem dezoito anos e fiquei, mas durante este tempo todo a nossa situação era triste,

eu já estava, sabe, com quase trinta e poucos anos; foi crescendo a idade, formação minha era

pouca; lá tinha um trabalho tudo certinho, lá em São Paulo, era caixa. Mas quando eu vim

para cá com o filho nos braços ficou difícil, esse tempo todo eu fui sendo doméstica, mas não

tinha uma casa pra morar, nada, dependia tudo dos outros. É, e foi naquela vida lá lutando.

Quando chegou 1996 para 1997 a gente resolveu..., Nóis não tinha opção, ganhá o que a gente

ganhava de doméstica, só pra comê e pagá aluguel.

P – A senhora já tinha quantos filhos?

R – Só ele. Aqui eu arrumei um outro casamento para mim, tal. Não deu certo. Tive uma filha

também, mas não deu certo. Hoje ele está aqui também, ele tem a menina de onze anos, se

chama Jaqueline, o meu primeiro se chama George, tem dezoito anos e a menina onze anos.

P – E os dois moram com a senhora?

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R- Mora comigo. E a gente resolveu, minha irmã também tinha vindo de São Paulo, não tinha

dado certo a vida dela lá. Ela veio para cá e a gente começou: “puxa vida, a gente não tem

lugar para morar, vamos criar um novo, uma nova meta”, e fomos montando. A gente olhava

todos aqueles bairros vazios, terrenos vazios e tentamos uma invasão, na qual não deu certo,

lá no fundo de vale do João Giordano. Só que naquela época a gente não tinha experiência de

nada, como fazer, como andá, então não deu nada a invasão. Só que a gente tava naquela lida

de invasão, a gente não queria abrir mão; queria ter um canto mesmo. A gente criou - a gente

não queria, que aqui tinha associação de favela de Londrina - não tinha sem-teto, a gente

começou a lutar por sem-teto. A gente queria ganhar mesmo uma casa, foi aonde que a gente

resolveu, sabia que eles iam tirar a gente, como tirou o nosso povo todo e levou pro Olímpico,

sabia que eles iam tirar a gente. Então a gente começou a trabalhar de novo a cabeça: como

que a gente ia invadir, onde invadi, se ia dar certo e bolar uma coisa melhor. A gente sabia

desse terreno ali na CODEL que a gente sabia na época que era da Prefeitura. Formamos tudo

primeiro, corremo atrás e invadimo o São Jorge.

P – A senhora mora no [Assentamento] São Jorge?

R- Eu moro no São Jorge desde o início, viemos pela invasão e ali a dificuldade mesmo de,

não tivemos a oportunidade. Primeiro teve aquele impasse de estar invadindo o terreno da

Prefeitura, depois vem as pessoas olham a gente com maus olhos, por causa da periferia,

então já para eles era muito difícil tá ali, dá murro em ponta de faca. Nesse ano de 2000 pra

cá, melhorou para nós porque a gente começou a ter bastante cidadania, começou mais, a até

então a gente sofria muito, muita discriminação, muita coisa, hoje ainda tem um pouco. Mas

minha vida não foi fácil, foi de chorar mesmo e a gente chorava mesmo, pois não tinha para

aonde correr. Formação eu tinha, mas tinha que me informar mais, tinha vontade de fazer as

coisas e eu não tinha para aonde correr, não tinha como. De 2000 para cá, foi aparecendo

algum buraquinho, a gente começou a ver, apareceu a Bolsa Escola para algumas pessoas.

Lógico, eu não fui encaixada, fiquei tão triste, por causa que precisava tanto, tava muito

doente; peguei um problema bem sério de osteoporose, um negócio que dá nas mãos, tenho

até hoje, mas é dos nervos, que impede de trabalhar. Mas aquele tempo atacou, fiquei de

cama, fui pro médico e corria daqui, corria dali, comecei a ficar até assim, com depressão.

Depressão profunda, por eu não ter lugar pra aonde corre. Eu fui conhecendo pessoal,

Assistentes Sociais, conheci bastante Assistentes Sociais, pessoal da UEL, que veio faze

trabalho ali. Mas sempre falavam e ficava no papel. Então não tinha como desenvolver, eu

falava: “a não, não vou mais conversar com ninguém”. Começou a chegar aquela época

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assim, comecei me afastar, não vou conversar com ninguém mais. Até que agora em 2000,

apareceu uma Assistente Social, veio conversando o que a gente gostaria de fazer, trouxe o

Programa Bolsa Escola Municipal, eu não entrei, não faz nem dois anos que eu to, eu fiquei

triste porque eu precisava muito, mas eu falei: “não eu vou me virar de outra forma”.

Começamos o básico mesmo, trabalhando e lutando mesmo, porque a minha vida toda eu

lutei, mas parei de estudá e hoje vejo que o estudo é tudo pra gente tá chegando em algum

lugar. Eu pensei assim: “vou voltar a fazer alguma coisa”. Só que foi agora, apareceu esses

cursos de profissionalização, cidadania, mais assim dos direitos que a gente tem, que a gente

não sabe, então comecei a fazer bastante, ir em palestras e me levantar. Em seguida veio esse

trabalho para cá e a gente começou trabalhando junto. Só que esse ano passado, 2003, foi o

ano assim, eu falo assim que foi esse ano, foi da preparação. Desde 2000, começou um

passinho, um pezinho; depois em 2002, dei uma levantadinha, 2003 foi o ano da preparação

que eu consegui chegar onde queria, aprender alguma coisa que dê para mim sair daquela vida

miserável, que era uma vida miserável. Sabe, tudo o que eu queria fazer não podia, porque eu

não tinha curso ainda. Sabe, eu era merendeira, era um monte de coisa, mas não tinha serviço.

Eu precisava fazer alguma coisa, precisava saber. Começou a aparecer esses cursos, até então

a gente nem sabia que existia esses lugar que oferece oportunidade da pessoa se formá.

P – Onde a senhora fez?

R- Eu fiz lá no CRAS leste. No clube de mães eu fiz o curso de panificação de cento e vinte

horas e fiz um de bolos que foi de três dias, bolos e pães, fiz um de bolacha, fiz um de

doméstica, onde aprendi muito, o que é cidadania. Fiz um de bolacha também no centro, com

uma associação de mulher lá e fui descobrindo essas coisas. Falei “bom, eu tenho tantos

certificados, mas eu preciso fazer alguma coisa, para melhorar”. Foi aonde chegou, veio o

pessoal falar com a gente sobre a Geração de Renda, tal. A gente podia tá começando aqui

também na zona norte e a gente tá começando degavarzinho, mas já ta sim com uma cara

melhor. Eu acho que... Em toda minha vida eu trabalhei, eu era doméstica, tive uma profissão

que era caixa, tudo em São Paulo. Mas depois disso ali, eu não tive mais pra onde correr,

fiquei assim mesmo lá dependendo de que alguém me acalmasse, porque não tive estudo e foi

difícil pra mim, foi muito difícil, porque eu fiquei assim, isolada mesmo praticamente.

P – E a senhora recebia cesta básica da Prefeitura?

R – Recebia, recebia cesta básica.

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P- Desde quando, a senhora se lembra ?

R- Olha, quando eu cheguei aqui tinha uma época que eles davam cesta básica pra gente.

Você ia no PROVOPAR, fazia uma ficha, eles faziam uma visita e davam, mas era difícil,

porque era só uma cesta. Eu vivia disso, logo quando eu vim. Daí eu dei uma estabilizada,

porque arrumei serviço, parei. Quando eu vim no São Jorge eu dependi também muitas vezes

da cesta básica. A cesta básica vinha assim uma vez por mês, mas era o básico era, é só assim:

arroz, feijão, normal de alimento. Mas ainda era muito difícil, porque a gente não vive só

daquilo, quem é acostumado trabalhar, ter alguma coisa a mais para ajudar na casa, não era

não. A gente só passar com uma cesta básica é muito difícil, eu fui ajudada também. Agora

desse ano pra cá, desde o ano de 2000 pra cá melhorou; na verdade a cesta básica da

Assistência Social melhorou muito; o que foi desenvolvido aqui, foi uma coisa que eu

pensava que nunca ia vê.

P – É mesmo?!

R – É, principalmente no atendimento, valorização da vida, curso de formação em todas as

áreas, tipo de: drogas, álcool, essas palestras de cidadania, direitos da mulher, porque a razão

de todas essas coisas. Eu acho assim, que o pessoal sendo bem informado, eu acho que pra

mim assim, não deixou assim, nada a desejar não, porque pra mim foi muito bom ter

aprendido essas coisas ou que eu sabia, mas que não tinha coragem nem de fazer mais.

Depende, então essas coisas, veja, conversei com bastante pessoas, professores já formados na

UEL mesmo também.

P - Porque a gente precisa aprender com vocês, com as experiências, ver o que dá certo...

uma coisa é só boa intenção, outra coisa é boa intenção mas que atenda o que o pessoal

precisa... E hoje, a senhora ainda está no Bolsa Escola Municipal?

R- Isso, estou no Bolsa Escola. Vão fazer dois anos, graças a Deus, tô com essa, foi uma coisa

que veio mesmo, pra mim foi muito bom ter entrado. Só que meu sonho mesmo, é não ficar

no Bolsa Escola, mas sim me profissionalizar, ter um serviço que eu não precise mesmo do

Bolsa Escola, que essa bolsa escola chegue a ficar para outro até, sabe? Mas foi muito bom,

nossa. Mas não só pelo dinheiro. O dinheiro é necessário, mas porque eu quero dizer, pelo que

foi desenvolvido através do Bolsa Escola, com a Assistência Social, a educação. E tudo vem

trabalhando dentro da área da Bolsa Escola, da informação, da formação, porque valorização

de cada ser humano.

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P- E a senhora percebe assim que outras pessoas daqui também têm participado mais?

Como a senhora percebido esse serviço?

R- Ah! Eu acredito que sim. Que na medida que tiver correndo vão aprendendo a separar as

coisas. O que foi bom, o que foi bom, o que eles não viam e o que estão vendo agora,

entende? Por mais que eles estão aprendendo dividir as coisas, sim. É assim como eu, tô

colocando na balança tudo o que foi minha vida e o que está sendo agora. Para mim o que tem

sido, caminhando sempre, mas eu acho que não devia parar, que nem o papel lá de vocês da

formação... tem bastante Assistente Social que se forma, que tá conhecendo, a estagiária vem

e conhece, depois vem trabalhar, é muito importante conhecer esse lado nosso, da pobreza.

Que eu vivi em estado de miséria, pobre não só de pobreza, mas pobre de fome, de sabê, de

querer participar, de conhecimento, de tudo, essa pobreza que mata qualquer um. Quando

você não sabe nada - às vezes, eu sabia, mas eu não tinha ânimo para passar para as pessoas,

que eu tinha medo até de conversá. Mas eu sabia que aquilo era errado mas tanto que quando

eu fui aprendendo também bastante coisa, foi assim, você tinha uma vida, eu já tive uma vida

que foi boa, uma que foi melhor e outra que foi melhor. Pelo destino mesmo, que fui caindo,

fui caindo, parei estudo, não dei valor naquela época e eu pensava que não era nada de estudo

e nessa que não foi nada eu fui só caindo pra baixo, eu cheguei neste estado ali de rastejar

mesmo, que não foi fácil. Eu acho assim, hoje a gente tem muita pobreza aqui em Londrina,

tem muita, tem. Têm algumas cidades que tão melhor, em Londrina ta bem assim abaixo e nós

chegamos, eu cheguei num ponto assim, mas hoje eu to na minha vida assim, melhorou, não

digo assim um cem por cento, mas com o aprendizado que a gente vai melhorando, todo o dia

tô aprendendo.

P– As crianças estão na escola?

R– Tão. Eu tenho um filho que terminou, faz um, dois anos, vai para dois anos, terminou o

terceiro. Não deixei, eu lutei esses anos todos, foi difícil. Agora ele parou um pouquinho

porque tem que me ajudá, ta trabalhando já agora, mas também foi.

P – Consegui terminar?

R- Terminou, ele entrou na Guarda Mirim, no ano passado. Em agosto ele completou os

dezoito anos, agora já vai fazer dezenove e eles efetivaram ele. Mas tinha aquele projeto, foi o

primeiro emprego dele; então, pela Guarda, ele ganhava cem reais, só pra ajudar ele mesmo.

P – Agora ele está trabalhando onde?

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R- Agora já efetivaram ele, tá no mesmo emprego... só que colocaram ele num outro setor.

Ele ganha um pouquinho mais, graças a Deus. Mas eu agradeço muito ter criado ele, porque

foi algo de benção, dois anos pra cá foi dois anos de glória, pelo menos meu filho terminou os

estudos, entrou pela Guarda, já entrou, já foi formado, já foi pro servicinho dele, o que faltava

algumas Assistentes Sociais tavam também conversando. Pra mim tudo o lugar que eu fui

assim, foi pra mim, foi uma benção.

P – E a menina também estuda em escola daqui?

R- Também, tá na sétima série, sexta série, hoje sétima série e eu não deixei, nem que eu

tenho que me virar. Tem que estudar e eu também não lutei por nada, tô estudando e agora eu

quero terminar. O ano passado terminei a quarta série que tinha parado, peguei o histórico e

agora esse ano, eu não entrei porque tive bastante doente; eu ia voltar estudar. É meu sonho...

agora quero terminar.

P – E quando começou essa história do grupo de Geração de Renda, foi pelo Bolsa

Escola?

R – Não, as meninas vieram aqui e deu pra nós uma formação: sobre Geração de Renda,

capitalismo, sobre o que fica pra nós aqui no Brasil, o que vai pra fora, quem faz esse tipo de

coisa. Foi uma formação, tinha assim de uma, duas horas. Dali ela perguntou pra gente o que

a gente sabia fazer. Eu tinha feito um curso de doméstica, outro de bolacha, mas parado, não

tinha expandido nada não e mais outros dois cursos que era de pães e bolos caseiros. Eles

perguntaram com a gente via isso de Geração de Renda. Na primeira, assim, depois que elas

explicaram tudo direitinho, logo no começo, Geração de Renda tinha assim pra mim, que não

dava certo, porque envolvia mais pessoas e cada um com gênio diferente.

P – Mas tem isso também.

R- É exatamente, mas eu falava assim, não vai dar certo não. Pensava comigo, mas falei

assim, mas se a gente não tentá, não tem como você conhecê a pessoa melhor, se você não

tentar tá com elas. A gente formô o primeiro grupo, saíram três, depois ficou seis, agora a

gente tá hoje [em seis]. Eu vejo assim, que a Geração de Renda, ela além de dá pra gente um

retorno de cidadania, dignidade de trabalho, ela desenvolve assim, mais união, sem contar a

formação que a gente continua tendo, as coisas. Mas o Geração de Renda hoje, eu falo, eu

penso: cem real do Bolsa Escola, meu filho me dá quarenta real pra me ajudá nas compra e eu

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vou sobrevivendo com isso. O resto é assim: se entra dez reais, a gente sai dividindo, sabe,

porque tem a divisão de tudo que você faz, é feito, tem que dividir por seis.

P – Vocês tem que pagar as coisas, por exemplo: farinha, açúcar, vocês é que pagam?

R- Não, a Prefeitura deu um ponta-pé, porque a gente não tinha nada. Então a Prefeitura

mandou pra gente algumas coisas e ainda tem um estoquezinho, que você viu. Só que a gente

hoje já tá trabalhando mais com dinheiro que a gente tá ganhando, a gente tá cobrindo as

despesas, mas ainda por exemplo: farinha, açúcar a gente tem, polvilho, essas coisas a gente

tem. Mas assim, tipo o recheio, o recheio a gente já tá comprando e tá deixando o dinheiro

que a gente tá gastando nas outras coisas.

P – Dá para tirar um pouquinho ainda para vocês?

R- Dá, dá. Todo fim de semana a gente faz assim: cozinha junto e vende e depois a gente

senta e coloca, tá tudo registrado: quanto custou, quanto que pagou, quanto vai deixar, tirar, o

que gastou e tirar uma porcentagem pra deixar pra girar; tá dando, graças a Deus. Para nós foi

bom, pra mim especialmente. Eu falava: “eu não posso fazer nada, não posso fazer nada”, mas

é o que ta me ajudando, a Geração de Renda. Tá me ajudando bastante, porque eu to tirando,

tá pingando e no fim é claro, não é aquele absurdo todo, mas a gente ta se aperfeiçoando,

depois os cursos que a gente tá fazendo.

P – E vocês têm contato com outros grupos de Geração de Renda?

R- É mais de cem grupos e a gente todo mês, a cada dois meses tem uma feira que a

Prefeitura tá promovendo.

P – Eu fui lá.

R- Você foi?

P – Eu fui, na véspera do dia das mães.

R – É?

P- É. Vocês estavam lá?

R- Eu tava lá na barraquinha. Eles promovem aquela feira e agora tem dia que é nas

indústrias: SANEPAR, etc., estão promovendo pra gente poder ir vender lá dentro, estão

arrumando tudo direitinho. Eu falo assim, é uma equipe de benção da Prefeitura, é uma equipe

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de benção, mas eles, eu acredito que não estão fazendo isso só por fazer, tem alguma coisa a

mais, porque procurou, estudou, viu que ia dar certo na área da pobreza, não só dá o peixe,

mas também tá aprendendo a pescar, porque é você fazer, ir lá, trabalhar e vender. Então foi

muito bom. É bom.

P – Eu queria também conversar sobre isso: como a senhora vê o papel da Prefeitura, da

Secretaria da Assistência Social, do Conselho e das entidades de assistência social? O

que eles devem fazer para realmente, para ajudar, para melhorar?

R- Eu acho que eles devem investir mais nisso, porque tem bastante gente com capacidade de

fazer esse trabalho com a pobreza e mudar um pouco. Não pode mudar o Brasil, mas pode

mudar Londrina, a sugestão foi essa, eu acho que esse é o pensamento. Outra, você não pode

estar mudando o mundo. Porque a Assistência Social daqui foi bem competente, pra tá

montando isso aí mesmo. Porque eu acho que foi buscá, estudô um pouco e viu que aquele

jeito era o modo de trabalhar, de não só dar por dar. Mas ficou mais pesado (?) pro pobre; eu

tô falando isso porque eu sou pobre, tipo assim: se a Assistente Social, assim, só me dá, mas

aí eu vou me acomodar? Porque você tem consciência de que eu sou um ser humano, você

não vai querer só me dar, você vai querer me valorizar, foi esta questão que está agora nessa

Assistência Social, que eu vejo. Então, eu falo pra D. Lenir assim, que eu acho que é uma

mãe.

P – A Lenir lá do PROVOPAR?

R- Isso. Então não é só questão, porque eu acredito assim, se você quer valorizar alguém, o

que você vai fazer primeiro é oferecer pra ela algumas coisas, que ela goste de fazer, lógico.

Estar oferecendo condição para ela estar fazendo, para depois caminhar, que foi o que

aconteceu com a gente.

P- Mas D. Regina, a senhora tem uma história diferente. E a senhora falou assim que

quando já estava aqui, que estava difícil, tentaram ocupar uma vez, não deu muito certo,

depois tentaram de novo. Então a senhora também tem essa disposição de não ficar só

esperando, de ir para fora. Mas e as outras pessoas? A senhora acha que o pessoal tem

procurado, tem participado mais?

R- Tem. Tem porque, os grupos estão todos buscando devagarzinho. A gente que tá lá no

fundo do poço, as pessoas têm de chegar devagar, porque muitas coisas a gente não vai

entender. Que é o que acontece com meus irmãos lá, que estão lá, gente caída, se você chegar:

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“vamos fazer isso?”, eles não tem ânimo para fazer. Tem que começar onde? Lá, de

pouquinho, valorizando eles, para eles vir vindo. Hoje eu vejo pessoas que eu não dava um

tostão por elas - assim como acho que a Assistente Social não dava. Mas devagarzinho estão

chegando, buscando, querendo saber, entendeu? Tem gente com qualidade, fia.

P- Claro que tem.

R- Porque todo ser humano tem qualidade, tem vontade de ser, de poder estar fazendo alguma

coisa pela comunidade, só que não tem oportunidade. Acho que esse ano, foi o ano da benção,

das oportunidades. Da oportunidade que deu pro crescimento das famílias pobres. Um que é

pobre, pobre, não é crasse média não, pobre. Que foi dado não só aqui no São Jorge, mas eu

acredito no geral. Depois que descentralizou os CRAS, que é aqui da Assistência Social daqui

(tem de lá na Região Norte A também, que a gente tem duas Assistências Sociais) [dois

CRAS: Norte A e Norte B].

P- Aqui tem desde quando?

R- Desde começo de 2002, 2003 então tem dois anos já. Então tem dois anos que a Lélia está

aqui já. Então eu acho assim, que hoje para as pessoas que estavam lá embaixo, elas estão

aprendendo mesmo, elas vão lá aprender. Que nem agora, nós não sabia nada... bom, sabia: se

me der uma comida para quinhentas pessoas, eu sei fazer.

P – Nossa!! ...

R- Até eu cozinhava na igreja e tudo, eu tinha uma valorização nessa área, só que não era uma

profissional, só fazia as coisas, não era então. É isso aí que eu falo, ele começa e você cai e

quando olha você já caiu até o fundo do poço, já cheguei a ficar no fundo do poço igual essas

outras pessoas que eu estou vendo elas se reerguer dia por dia. Um dia vai lá [nos grupos de

Geração de Renda] faz um vidrinho, noutro dia vai lá faz uma coisinha que elas aprenderam

quando crianças ou que a mãe passou, ou uma pintura, um ponto cruz, um bordado. Então

hoje eu falo, estão valorizando mais. Este Assistente Social foram descobrindo de pouquinho

que tem uma luz lá, todo mundo tem. Então por mais que eu via aquelas mulheres lá decaídas,

hoje elas já estão fazendo alguma coisa na Geração de Renda, eu creio; vejo um vidrinho, um

caco, você vai lá faz um ‘bisquizinho’, elas te forram o vidro, coisa mais linda.

P- Aquela feira dessa vez tinha muito mais gente, muito mais trabalhos.

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R- Fiquei de cara no chão, quando as meninas me olharam lá, o que estão fazendo ... Agora

aqui eu fiquei sabendo que têm muita gente que estava lá no fundo do poço, coitado, mas

porque não tinha valorização. Essa geração ali está vindo mostrando que eles têm capacidade,

que eles pode, sabe, eu acho que a nossa administração investiu bem esse ano quando

resolveu fazer isso. Foi diferente, foi uma coisa que buscou diferente, não lá sim tipo, fazer

bonito nem não fazendo bonito, mas vendo as necessidades, fazendo, tratando as pessoas

como um direito que elas têm. Eu vi isso tudo, essas coisas ali acontecendo, às vezes, eu falo

assim, como eu vi, eu pude presenciar o que a gente faz.

P- E a senhora se sente participando da Assistência Social hoje?

R – Me sinto, me sinto bem valorizada, me sinto muito bem.

P – E a senhora já chegou a ir a alguma Conferência da Assistência Social?

R- Não, ainda não fui não. Fui uma vez só um pedacinho de tempo. Eu fui agora nessa de

Economia Solidária que teve em Maringá. Lá também foi assim, me chamaram pra ir e eu já

tinha feito aquela Geração de Renda, tal. Aquela palestra foi onde que eu aprendi com a

Sandra Nishimura, que veio aqui fala sobre Economia Solidária.

(Troca de fita)

Veja, eu peguei um bolo pequenininho no domingo a tarde para entregar nesse sábado. Eu

falei: “bom, a gente está num grupo, mas se eu fazer esse bolo sozinha não vai dar certo

porque se eu estou, quero ser solidária com essas meninas, tem que pôr no grupo”. Primeira

encomenda grande que foi para fora um bolinho assim..., não, já teve outras, mas outras

pessoas. Essa que está as meninas [este grupo de seis pessoas] é a primeira. Eu falei, “eu não

vou pegá esse bolo sozinha”. Peguei o bolo, a gente vai fazer toda a divisão certinha. Pegamos

a encomenda de salgado. Desde o começo eu estou fazendo essa economia, mas como elas

são novas, eu falei, não também tem que ensinar o que eu também aprendi, elas também vão

aprender.

P – Que legal.

R- Ser solidário. Então tem que passar isso para outras que não é só eu que tenho que ter essas

coisas. Então o pouco que eu tenho, mas eu tenho que dividir com alguém e foi isso. Eu

peguei o bolinho, ainda a gente levou umas encomendas, já encomendaram mais e assim... a

gente levou amostra.

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P- Propaganda, né?

R- Então, a única coisa que eu quero que as pessoas valorizem mesmo. Hoje, o quê que eu

quero? Porque, às vezes, não vou ter oportunidade para ir e, às vezes, não vou ter, valorizar

esse espaço que fundamos hoje com o geração. Mais porque aquele negócio que eu fui lá de

Maringá, foi pra mim, abriu assim minha cabeça, sabe? bastante mesmo. Então eu acho que

esse partido foi também, foi uma coisa que deu um destaque bastante de Economia Solidária

que é essa Geração de Renda. Ser solidário com o outro que está caído: “você pode, você

deve, faz, vai fazer esse curso, vai conseguir” - “Mas eu não sei ler” - “vai estudar, tem a

escola aqui que oferece estudo a noite, tem bastante gente estudando”. Está até bonito, agora o

São Jorge está bonito, bem bonito mesmo, o pessoal está estudando a noite, mãe de família,

tudo. Estão aprendendo a escrevê, copiando a receita, faz uma coisa. Eu estou muito feliz por

isso, porque vai mudando, vai mudando nosso mundo.

P – E a senhora percebe se aqui no CRAS, as pessoas que vêm aqui procurando ajuda...

A senhora assim acha que eles estão conseguindo ser atendidos, eles estão brigando pelos

direitos deles? Como é que está sendo a participação aqui no CRAS?

R- Aqui no CRAS?

P – Envolvendo outras pessoas, porque a senhora está bem inserida, bem engajada.

R- Ah, eles estão tomando conhecimento dos direitos, porque cada vez que vêm aqui também,

eles também não estão só encontrando apoio da cesta básica que está lá. A cesta está lá para

qualquer um, mas eles vêm no CRAS, no Centro de Referência aqui, as pessoas vem aqui,

eles não recebe só a cesta básica, eles recebem informação de onde buscar, o que fazer, tem

gente competente no CRAS, que está fazendo isso acontecer e as pessoas se valorizando mais.

Então nesse Centro de Atendimento eles vêm buscar não só a cesta básica, mas eles vêm

buscar um atendimento diferenciado, de um Conselho Tutelar, onde eles ir, como encaminhar.

No bairro já tem um Conselho [Tutelar], aqui tem, que melhorou bastante, que eles tinham

que sair daqui e ir lá [no centro da cidade]; só quando é outro caso mais grave, que as mães

tem que ir, mas, nossa, melhorou assim a informação... Tem uma reunião geral de cada mês

sim, mês não, uma individual a cada semana, fala sobre uma coisa, cada mês sobre a mulher,

sobre esses programas que tem de desenvolvimento. Mas essas pessoas que vêm hoje aqui eu

acredito que eles estão vendo uma coisa muito diferente, elas estão buscando aqui, não só a

cesta básica, mas elas estão buscando dignidade, aprendendo a caminhar por outros caminhos

e eu acredito que elas estão aprendendo também muito.

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P- E o pessoal do grupo, eles também falam sobre o que eles querem conversar, sobre os

temas que eles querem falar?

R – Sim. Todos falam, não só eu, aliás inclusive quando eu vou deixo que todo mundo, na

minha reunião de Bolsa Escola, eles defendem lá eu vou, porque o que eles decide é o melhor

tema. O tema, o tema é votado.

P- É o pessoal que escolhe?

R- Escolhe sim, escolhe, traz uma psicóloga para falar sobre o adolescente, sobre doenças,

sobre um monte de coisa, tudo é escolhido no decorrer dos temas. Mas agora esse pessoal que

não está inserido no Bolsa Escola Municipal nem nada, elas também vêm, passa por aqui,

recebe o atendimento, é especial mesmo não é aquele atendimento “ah, ta e pronto”; é bem

íntimo mesmo, diferente.

P – Está sendo tratado como gente?

R- Está tendo um trabalho de uma Assistência Social sem assistencialismo.

P- Nossa, que bonito!

R- Você entendeu?

P- Está muito bonito! Logo, logo, a senhora vai dar aula lá na UEL com a gente, viu?

R- Não, ah não. O trabalho de Assistência Social que é especialíssimo; é aquele trabalho que

não precisa aparecer muito, mas tem conversado um com outro sobre problemas, tem coisa

que não pode falar na frente dos outros e tal, guarda, sabe, gente que desabafa, sabe? Então é

isso que está acontecendo hoje aqui para nós. Eu acredito que todo mundo está vendo essa

melhoria sim, não é só eu, não.

P – Ah bem.

R- Está muito bom, nossa, está muito bom, está bem.

P – A senhora está muito otimista, mas e as dificuldades?Não tem problemas?

R- Tem, sempre vai ter.

P- Que a senhora acha que é a maior dificuldade?

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R- Ah! Dos recursos. Acho que devia investir mais, falar com o governo, devia investir mais

nesta área de Assistência Social, porque elas... Tipo assim, está investindo em Geração de

Renda e tal. Mas eu acho que tem que investir mais porque tem trabalho social ideal, com o

governo, conversando, estão investindo, desenvolvendo, conversando, porque a partir do

momento que ele forma Assistentes Sociais, uma formação diferente, não só dar, mas de tratar

a pessoa lá, o doente. O médico não trata, não vai lá dar o remédio só. Para tratar a doença ele

quer primeiro saber se você tem a doença, então a mesma coisa eu acho que tem que ser

investido mais nessa área para que a gente possa, a crasse pobre, que nós possa ter mais onde

se apegar e onde se formá. Se eles não derem formação, você não tem como vim para cá.

Mesma coisa se tem o CRAS aqui, mas se o município não investe, como ele vai fazer alguma

coisa? Eu não sei como funciona a universidade, se é por governo, mas se ele não incentiva

nada, não tem como, eu acho que fica difícil.

P – A UEL é do Estado.

R- Então, o Estado deveria estar investindo mais para que elas, nossa é uma coisa muito

complicada, porque dificuldade vai ter. Por exemplo, nós, a gente de Geração de Renda, tem,

vai para quanto, oito meses, oito meses que a gente está dando murro em ponta de faca lá na

cozinha, você viu como é dar murro em ponta de faca. A gente está assando coisas no fogão

que demora muito tempo para assar, gasta um monte de gás, entendeu? De repente se a gente

tivesse uma estrutura melhor, se o governo investisse nessa área de... nem que fosse para a

gente estar pagando, porque a Geração de Renda não é só o governo investir, a gente está

pagando depois de uma forma tipo, até a gente se estruturar, não digo ser uma empresa, uma

microempresa porque já é sonhar muito, mas se acha que, eu sonho, o meu sonho sim. Se

alguém pudesse estar investindo em nós, nesse material que é o sonho também que eu

acredito dos outros Assistentes Sociais, que elas estão buscando todas as Assistentes Sociais

busca, elas conversam, trabalham e visa isso. Então nessa cozinha, a gente tem oito mês, a

primeira parte foi do dinheiro que veio para investir dando suporte pro básico, mas o básico,

mas ainda tem essas outras coisas que é o forno melhor, industrial, um liquidificador, uma

coisa pra gente ter qualidade melhor no que a gente está fazendo. Assim a gente dá um chute

ainda mais lá na frente na Geração de Renda, já dá um chute de uma vez, de poder estar

competindo também, entendeu? No mercado de trabalho.

P – Olha que beleza.

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R- Eu acho que devia vir mais mesmo; mas assim, o governo deveria investir, fica melhor,

não só a Prefeitura. Sabe, o que veio, estou contente. Mas tinha que investir mais nessa área,

porque sem Assistência Social como o governo vai saber ou outros órgãos, tem lá na UEL, na

universidade, como que eles vão saber que existe este trabalho? Eu acho que vai melhorar a

raiz lá também. Cuidar a cabeça daquelas pessoas, tratar o corpo, tratar a mente. Porque assim

que eu fui levantando de pouquinho, primeiro catei meus ossos, tava tudo estourado, depois

eu fui fazer um tratamento que eu estava decaída, lá no chão mesmo, depois eu fui, como é,

estruturando a minha vida. Agora, a partir de tudo depois vai fazendo uma limpeza, jogando o

que não presta, ficando com o que é bom.

P- Deixa eu perguntar uma coisa bem pessoal: a senhora tem companheiro?

R- Não, não, eu separei.

P- Mora só a senhora com os filhos?

R- É, eu e os dois filhos meu. E para mim veio tudo nessa época agora, veio tudo a calhar.

P – Se tivesse mais uma pessoa, um companheiro, será que deixaria a senhora

participar?

R- Quando eu estava com ele também ele não deixava, minha vida foi muito difícil. Vivi com

ele só que ele não deixou. Nesses cursos mesmo que apareceu em 2000 para cá, 2002, para

mim fazer foi uma guerra; separei dele já vai fazer um ano. Para mim fazer esses cursos foi

uma guerra. Ele falava muita coisa, não deixava, também tem tudo isso, por isso que eu falo:

‘tratar o problema não é fácil’; porque o meu era e não era, era o próprio marido mesmo. Falta

de informação, tentei passar isso para ele, mas não deu certo; eu falei: “vou jogar tudo pro

alto”. Hoje ele não me ajuda, não. Se eu falar para você que ele não me dá um tostão para

mim pagá uma conta. Não, eu pago minhas contas com esse dinheirinho que entra aqui, estou

colocando as coisas dentro de casa, compro uma coisinha aqui. Ele só dá para minha filha

leite; ele disse que não está podendo dar pensão, não está podendo dar nada. Então ele compra

uma caixa de leite e deixa lá. De vez em quando ele vai come lá com ela, que às vezes eu não

estou. Ele compra uma misturinha, deixa lá para os dois comer e sempre que ele vai ele fala

assim, tipo assim, ele chega sexta feira e falou: “isso aqui, Jaqueline, é para você, o leite é seu

e a mistura também”. Tipo assim, como se eu e o meu filho não existisse, nunca existiu na

vida dele. Mas agora eu estou com a cabeça que eu nem ligo. Porque sabe, é coisa mínima, eu

estou comendo, estou vivendo, estou sobrevivendo; uma coisa que eu não tinha - e que é

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importante as pessoas saber, principalmente da Universidade, vocês que estão se formando,

vocês que formam outras pessoas - que eu não tinha um ânimo de saber onde por os pés; eu

tava doente, tava doente de tudo, eu não tinha força, mas eu consegui sobreviver. Então, se eu

consegui, muita gente pobre como eu vai conseguir, é só questão de ser tratado como gente.

Eu aprendi muita coisa que você tratado como gente, você consegue valorizar a vida e através

do que? De formação, de formação e ser tratado como gente mesmo, porque eu não conseguia

mais nada; eu falo para você, eu só pensava em dormir e aquela ‘remediera’ toda que eu

tomava, só deitava e dormia, dormia e não queria mais nada, então de repente estou aqui de

novo.

P – Pois é, vai chegar bem mais longe, se Deus quiser.

R- Então, eu acredito muito e tenho possibilidade sim. Eu acredito, eu espero que todos

consigam porque não é fácil, é um bicho de sete cabeça, só que forma as pessoas que possam

buscar, tentar a vida, as pessoas estão buscando mesmo. Pobre tem talento, tem gente lá no

buraco querendo uma cesta básica mas não é a cesta básica que queria, queria conversar, falar

o que podia fazer, tem um monte de talento por essa pobreza. Não sei se você viu o monte de

coisas que as meninas [assistentes sociais] descobriu lá no buracão, jogado; elas têm

experiência de vida, que eles tiveram, que passaram para nós e hoje a gente está tentando dar;

quem quer, fia, corre, não fica mendigando, nunca mesmo. Todo mundo fala assim: “eu não

tenho mais capacidade para nada”. Eu falava isso, “eu não tenho capacidade para nada, vou

esperar aqui a morte” e olha, deu uma virada na minha vida e através do que? de formação

mesmo, de Assistentes Sociais, de muitas pessoas que veio nos valorizar. Eu agradeço todo

mundo que participa comigo, que passa comigo, fala pra mim as coisas, tocar para frente.

P – Mas agora a senhora já está numa outra situação. A senhora que tem que falar

agora pra gente o que aprendeu e contar o que a gente fala para os outros também; está

vendo, são duas mãos.

R- Tem duas histórias, de um lado e do outro.

P- E todas elas são verdadeiras, todas elas existem.

R- Existem sim, a gente está vivendo, está vivendo essas duas histórias, duas histórias muito

bonitas de dois lados diferentes.

P- Mas tem que ir juntando elas.

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R- Tem.

P- Senão, não tem sentido, um pessoal fica falando lá na universidade, o outro aqui

pensando; enfim, não tem que ter medo desse entrosamento.

R- Durante algum tempo eu achei assim, porque se forma, estuda, ninguém ajuda ninguém; há

uns tempos eu pensava assim também. Mas chegou aquela época, eu fiquei em depressão e

não queria conversar mais com ninguém e o pessoal só vem conversá; conversa, faz um

monte de pesquisa e engaveta, só que daí agora eu estou mais informada que não é assim.

Primeiro a gente conversa, depois vai, é um processo muito lento porque não tem como

investir logo naquele objetivo. Não tem porque não oferece condição. Mas eu acho que se

investir nessa área, não dá para acabar com a pobreza, mas dá para tirar do atoleiro igual eu:

pinga um real, dois real, mas é meu, feito com minhas mãos. Estou comendo com minha mão,

não passo mais falta de nada, estou comendo bastante porque eu não vivia, eu sobrevivia com

muito mais que essa quantia [com o salário do ex-marido]. Esse foi igual ele falou para mim:

“não dou uma semana para você voltar para mim se arrastando que nem cobra”. Eu falei:

“espera, que eu vou mesmo por causa do seu salário sim, vai esperando”; saiu, fechou a porta,

fechou o portão, e falei: “tchau”. Então, agora ele vai lá em casa, ele vê eu comprando as

coisas, isso é, ele pergunta. Mas é tudo dinheirinho, tiro dois real, vou juntando dois real, real

com real, quatro real, cinco ali, dois ali, três lá; vou levando e quando vejo dá para pagar uma

continha, comprar uma coisa e outra pra estar levando [para casa]. Nossa, estou muito melhor

através do Geração de Renda e de muitas pessoas no qual eu agradeço; nossa, não sei nem de

onde que vem, mas apareceram na minha vida... Dei graças a Deus que nesse ano de 2000

para cá, deu uma melhorada na vida de cada uma das pessoas, está melhorando e eu espero

que melhore mais ainda.

P – Eu também.

R - Um dia eu espero que ninguém precise de cesta básica, todos tenham Economia Solidária

e, como se diz, um meio de estar tendo a sua própria renda sem precisar buscar e só deixar

mesmo para quem mesmo precise disso. Eu espero um dia chegar e dizer assim: “pegue

minha Bolsa Escola e passe para outro que esteja precisando”; um dia vai chegar, mas tem

que ter esperança. Eu vou estar [me] mantendo com meu próprio ganho da Geração de Renda,

da Economia Solidária que é da favela, sendo solidária com os irmãos e com união; se não

tiver isso também não tem como. Tem que aprender - como se chama? - respeitar cada um do

seu jeito que ele é, mas para isso eu tenho que fazer alguma coisa nessa área também,

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respeitando o direito de cada um, conversar, entender, assim como os outros entendem

também que eu tenho meus defeitos. E fazer essa aliança de união...

P – D. Regina, olha, nem sei como agradecer...

R - Eu falo muito.

P- Graças a Deus, foi muito bom...

PESQUISA DEMOCRATIZAÇÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL EM

LONDRINA.

Márcia Pastor, 2004.

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ANEXO 5

ENTREVISTA COM REPRESENTANTE DO CMAS - 2

Data: 13/05/04

Entrevistado: .V. B.

Função: Vice Presidente do Conselho Municipal de Assistência Social (gestão 1999-

2001 e 2001-2003.

P: Eu queria que o senhor falasse sobre qual a entidade que o senhor representava

no Conselho Municipal de Assistência Social e em que área que ela se enquadra.

Eu representei o segmento criança e adolescente na ocasião nas duas gestões [1999-

2003] e estava inserido atuando na EPESMEL - Escola Profissional e Social do Menor de

Londrina - que atua aqui na cidade com criança e adolescente em situação de risco.

P: Então, com base nesta vivência do senhor - tanto na entidade, como no Conselho -

queria que o senhor falasse um pouquinho como é que o senhor vê a questão da

participação ou da democratização da Política de Assistência Social aqui em Londrina.

Quando a gente fala de Política de Assistência, nós temos acho que olhar

para um caminhar histórico para se chegar onde está hoje. Em primeiro lugar, nestes dois anos

de Conselho, olhando o andamento da Política de Assistência Social aqui no município, se

percebe um avanço significativo - eu acho que em todas as esferas sociais.

Vamos analisar, por exemplo, a esfera do campo político. Quais foram os avanços

desta Política de Assistência no campo político? Primeiro, uma clarificação muito grande do

gestor público em relação a esta política, isto é, se é uma Política de Assistência ela ser vivida

não somente junto a um setor público, mas, também com todas as entidades que compõem a

rede de serviço que estão todas, digamos assim, convergidas para o Conselho Municipal de

Assistência. Então eu acho que a primeira forma de democratização que foi um grande

avanço, foi o grande respeito do poder público para com o Conselho Municipal de

Assistência. Respeito em que sentido? Nas deliberações, nas orientações, nas determinações,

nas orientações às entidades, na administração do Fundo, na fiscalização.

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Houve me parece aí um avanço muito grande, porque quando nós

começamos a participar do primeiro Conselho [1999-2001], este papel do Conselho não era

tão claro. Havia muita - eu não sei se era interesse ou não conhecimento de causa - mas havia

muita coisa não clara na orientação. Por exemplo, havia um embate muito mais significativo

entre poder público e sociedade civil e isso se dava fundamentalmente na luta pelo recurso,

basicamente se lutava muito mais pelo recurso. Na gestão posterior [2001-2003] não se lutava

somente por recurso, mas também se lutava mais por projetos, na questão do planejamento,

em que áreas se priorizaria, quais eram as necessidades.

Então se começou a pensar a política a nível de setor do momento presente,

o agora, mas também se começou a pensar numa política projetiva, quer dizer, daqui há três,

quatro anos, quais são os projetos que nós queremos que se implante, quais são as áreas

prioritárias da assistência? Então, nesta questão da democratização junto ao gestor, ficou

muito mais claro.

Na questão, por exemplo, com a Câmara Municipal: quais foram os avanços que nós

tivemos aí? Em primeiro, o grande e significativo avanço foi o embate que teve do Conselho

com os vereadores - foi muito violento, no sentido que cada vereador queria ter, digamos

assim, o seu pleito assistencial garantido, mas, não garantido enquanto direito, garantido

enquanto promoção pessoal, e o Conselho não legislava e não orientava a assistência

enquanto gratificação pessoal, mas enquanto uma política própria de assistência.

Então, eu me lembro que no primeiro ano de gestão foram mais de setenta

emendas de vereadores que foram apresentadas ao Conselho; destas setenta ementas o

Conselho barrou todas, ou praticamente todas, não foi aprovada nenhuma no Conselho. Isto

foi um embate muito, muito grande e já na segunda gestão houveram poucas ementas,

pouquíssimas ementas.

P: Se não me engano foram treze.

Treze, eu acho que foi por aí. Então, olhando para o lado do Legislativo em relação

ao Conselho, foi uma relação conflituosa, foi uma relação política, mas este conflito foi muito

importante.

Agora, olhando do lado, por exemplo, das entidades, qual foi o grande passo

da democracia? Primeiro que as entidades entenderam a necessidade de participação nas

instâncias do Conselho, dos fóruns, na rede. E as entidades começaram a perceber que não

basta, por exemplo, você lutar pela entidade; você tem que lutar por uma política.

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Eu acho que esta é a grande mudança que quem participa de um poder

também tem que ter, você não tem que ir lá para defender um segmento, você tem que ir para

atender uma Política de Assistência. E isto significa o quê? Significa fundamentalmente você

olhar a cidade como um todo; eu não vou olhar o meu quintal, eu vou ter que olhar o todo da

coisa.

Eu lembro que numa fala numa posse do Conselho foi falado assim: ‘todo

conselheiro tem que transcender a sua vontade pessoal, ele tem que ir além do seu próprio

desejo para atender o desejo de todos’. Então é uma renúncia, tem que ter uma maturidade

para chegar a isso.

Então acho que as entidades começaram a perceber, por exemplo, que

verbas que vêm de outras esferas estaduais e federais não tem que ter verbas casáveis, não tem

que ter verbas totalmente ..., mas tem que verbas geridas dentro de um contexto de

prioridades: o que é prioritário para Londrina? Esta é a visão que se deve ter.

Então, participando da rede, a gente percebe que a entidade cresce em

termos de democratização porque ela vai ver que ela não é o umbigo do mundo, ela não é o

umbigo da cidade, ela não é a única que está passando por necessidades. Acho que esta

abertura é fundamental para que a rede, de fato, consolide uma política democrática, porque

se é democrática tem que ser para todos.

Eu me esqueci, outro grande avanço que nós tivemos na democratização foi

junto aos deputados federal e estadual, que antes tinham aquela prática de enviar verbas para

uma entidade e no final do Conselho nós conseguimos que os deputados enviassem verbas

para o Fundo.

Então acho que tudo isso foram frutos de batalhas e lutas políticas, mas

agora a gente vê, por exemplo, o grande avanço que nós tivemos.

P: Além destes grandes avanços que o senhor citou no aspecto da democratização da Política

de Assistência, o Sr lembra de alguns outros espaços, de algumas outras iniciativas ou de

projetos que representam esta tentativa de democratização?

Enquanto o recurso é público, eu acho que todo poder público e também

toda entidade e a sociedade civil tem que entender se é público ela tem que estar voltada para

aqueles que devem ser atendidos. Isto significa o quê? Que quando uma entidade da sociedade

civil recebe um recurso do Conselho, do Fundo Municipal, ela deve estar sujeita também ao

controle e a fiscalização.

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Isto na prática significa que se estabelece uma Política de Assistência para a

cidade, e a entidade também deve se adequar a esta política.

Então, olhando a partir do índice do controle, da fiscalização, que também é

uma forma de democratização, o que nós percebemos? Nós percebemos que nestes dois anos

o Conselho teve uma atuação significativa neste cenário; mas, atuação significativa também

pode ser entendida como uma ação às vezes até que odiada por alguns dirigentes... (corte na

fita).

P: Quer dizer então, que se comprou briga [com algumas entidades], mas com consciência?

Com consciência. Acho que quando a gente tem claro qual é a (?) da

política, quando a gente tem o objetivo claro, e eu acho que o Conselho tinha isso muito claro.

A diretriz que permeava todas as reuniões do Conselho eram muito claras, tanto para o

público - no caso, por exemplo, da Secretaria de Assistência - quanto para quem está

participando do Conselho.

Então as nossas reuniões eram boas porque a gente já partia desses

princípios, muito claros para todo mundo, de como é que era o objetivo da política. E aí com

algumas entidades nós tivemos algumas discussões muito grandes, mas acho que o objetivo

final - que era a democratização da Política de Assistência - foi tranqüilamente alcançado.

P: Há mais algum outro exemplo que o Sr. lembra?

Acho que outro avanço na área foi, por exemplo, na implantação de projetos da

assistência no setor público. Todos os projetos do órgão gestor, no caso da Secretaria, todos

os projetos foram pensados dentro do Conselho, e isto é um avanço significativo. Quer dizer,

quando a Secretaria de Assistência queria implantar um projeto de Assistência Social, passava

pela aprovação do Conselho.

Outro dado significativo foi que todo o recurso da Secretaria da Ação Social

estava alocado no Fundo; quer dizer, o único recurso da Secretaria que não estava alocado no

Fundo era o recurso da administração direta, que era a despesa com pessoal. Mas, todos os

recursos destinados a projetos de atendimento ao público, todos passavam pelo Fundo; mas

não só passavam - acho que isso tem que frisar - tinham que ser aprovados, quer dizer, o

Conselho tinha o poder também de aprovar projetos do poder público. E se o Conselho

dissesse que não, o que acontecia? Não ia ser aprovado.

Eu acho que isso é o grande respeito que o poder público teve para com o Conselho,

muito significativo neste caso. E o Prefeito, nesta última gestão, sempre que o Conselho

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decidiu, teve respeito; mas, não é só respeito, isso significa o quê? Que o Conselho tem

credibilidade, que o Conselho tem poder, que o Conselho democratizou a política.

P: A partir disso, destes avanços e também das dificuldades que a gente ainda tem que

enfrentar, como que o Sr vê o papel do gestor, do Conselho e das entidades?

Um dos papéis das entidades que eu acho que é fundamental é aquele de

democratizar cada vez mais dentro do próprio espaço que ela possui; favorecer, democratizar,

fazer com que o usuário tenha uma ação mais participativa dentro da política, quer dizer, que

o usuário comece a participar. Nós vimos um avanço nisso e vimos na última Conferência,

por exemplo, o que tinha de usuário participando foi uma exorbidade, uma Câmara cheia, teve

um avanço muito grande.

Mas, acho que ainda dentro das entidades isso ainda é um grande desafio. Por que?

Porque olhando para entidades, o usuário que tem o atendimento ele é [visto como] um

‘privilegiado’; ele está ali diante de uma falta, de uma carência, mas parece que a entidade

ainda está fazendo um favor para ele. Ele ainda não se sente como uma pessoa de direito - ‘eu

vou para esta entidade porque eu tenho direito a ela’. Acho que isso já cresceu muito, mas

acho que isso tem muito a crescer. Eu já vi entidades, por exemplo, que preparam

Conferências dentro da própria entidade, fazendo mini-Conferências internas.

P: A sua foi uma?

A EPESMEL foi; a EPESMEL já fez isto, a Guarda Mirim fez, quer dizer,

entidades que preparavam a Conferência e levavam estas propostas para a Conferência, então

isto é importante. Mas acho que o desafio, no caso também da EPESMEL, é fazer com que

isso seja um processo contínuo. Acho que este processo de democratização para as entidades é

um desafio muito grande.

Para o poder público, o desafio que vejo na área é conseguir, por exemplo,

que a gente tenha entidades que dêem suporte em determinado setor. Nós crescemos muito

nesses anos na política de atendimento ao adolescente, mas, nós temos uma defasagem muito

grande em Londrina na questão dos dependentes químicos.

Agora, no Sinal Verde, a gente percebe como é difícil e quanto é necessário

ter entidade aqui em Londrina que atenda seriamente os dependentes químicos. Isso porque

esse segmento era atendido muito mais em uma visão essencialmente religiosa e não técnica

da coisa; então, nós temos que ter entidades que partam aqui em Londrina para uma visão

séria. Não que as entidades não façam isso, não estou dizendo isto, mas, que às vezes o foco

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do atendimento era muito mais subjetivo do que objetivo; entidades que não tinham pessoal

técnico adequado para determinado trabalho. Então, Londrina é carente nesta questão e o

gestor tem que investir nesta área.

Trabalhando no Sinal Verde eu percebo que nós temos uma defasagem

muito grande também no atendimento ao deficiente; por exemplo, o deficiente de rua que hoje

nós encontramos na rua, onde nós encaminhamos? Qual a entidade que pode atender? É uma

dificuldade muito grande nesse sentido.

Acho um desafio que vai estar sempre aí e vai ser sempre desafio é o mundo

político, porque a concepção política da assistência... a assistência sempre foi um campo

eleitoreiro, infelizmente, de promessas políticas para a eleição, e democratizar este campo,

colocar a Política de Assistência para que os políticos entendam esta política como um direito,

acho que é um grande desafio no campo da política.

No campo das entidades também o grande desafio é o fortalecimento de

uma rede de atendimento. Acho que isso vai ser além da preocupação constante que a gente

tem com a manutenção, acho outro ponto fundamental é o fortalecimento da rede através de

fóruns.

P: O Sr poderia falar um pouco sobre como o Sr. entende a rede?

Todo usuário tem que estar, digamos assim, atendido dentro de uma rede de

Política de Assistência. A rede de Política de Assistência não inclui, por exemplo, o

atendimento unilateral; mas ele é multifacetário, ele se desenvolve nas multifaces. Quer dizer,

todo usuário tem que ter atendimento dentro de uma Política de Assistência, dentro de uma

Política de Educação, dentro de uma Política de Saúde; essas políticas todas, para mim, elas

tem que estar devidamente amalgamadas.

Então se fosse planejar, ou se fosse, digamos assim, imaginar a rede de

política de atendimento imaginaria em duas grandes dimensões. A primeira dimensão seria a

dimensão das grandes redes de atendimento, aquelas redes que atendem a pessoa no seu todo.

Qual seria ela? A rede da Política de Assistência, a Saúde, a Educação, a Cultura, o Esporte e

o Lazer. Então que o usuário tenha acesso a esta rede total.

A segunda rede, que também está intimamente ligada a esta, seria a rede das

entidades: toda entidade não pode fazer um atendimento individualizado, mas toda entidade

tem que estar ligada a estas grandes redes para que o usuário seja atendido na integralidade.

É como se fosse assim, Márcia, se fosse fazer um desenho, imagino o seguinte: aqui

está a grande rede da Política de Educação, Assistência, Esporte, Saúde; englobando o espaço

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interno, estão as instituições de atendimento governamentais e não governamentais. E elas

têm que estar ligadas e interligadas entre elas, OK? Mas, ao mesmo tempo em que estão

interligadas elas, tem que estar ligadas ao grande. E aqui no centro, como que gerindo isto

tudo, estão os Conselhos. Por exemplo, o Sinal Verde é um projeto que está ligado a toda rede

de serviço, a todas as entidades e a todos os Conselhos; não pode ser um projeto sozinho, que

se ele for isolado ele morre hoje. (Interrupção)

P: Sr estava falando do Sinal Verde, que ele precisa então de toda esta retaguarda?

Toda esta retaguarda. Mas por exemplo, pega a EPESMEL. A EPESMEL

não pode trabalhar sozinha: para que o trabalho dela seja eficiente, ela tem que estar ligada a

todas as instituições; para que seja eficaz, tem que estar ligada a toda rede de atendimento.

Posso desenvolver um trabalho eficiente, é verdade; eu posso atender bem

meu adolescente na EPESMEL, no Projeto Murialdo; eu posso encaminhar para algumas

entidades, por exemplo, da sociedade civil ou do poder público, algumas instituições e posso

estar ligado ao Conselho, aí vou ser eficiente. Agora, eu vou ser eficaz se colocar esse meu

usuário dentro desta grande rede maior, aí vou desenvolver meu trabalho eficaz, vou

conseguir tudo, vou fazer aquilo que a Política de Assistência supõe que é a socialização da

pessoa ou a integração dela dentro de todo um tecido social com direitos garantidos, com

condições de vida digna, com a vivência em família, lá no bairro; acho que isso é o grande,

digamos, o grande nó.

P: Aqui ainda ficou faltando o papel do Conselho.

Para mim, tem alguns papéis. O primeiro o papel é o de pensar, de gerir, de

atuar as deliberações das Conferências, o papel do Conselho é este, ele tem um papel executor

neste sentido, este é o papel.

Segundo, para que democratize o Conselho tem que, acho que é um trabalho

que tem ser contínuo, eu vou usar a palavra que não é fiscalização, é a fiscalização e a

orientação constante às entidades. Então o papel do Conselho não é só de fiscalizar, não; ele

tem que estar junto à entidade, é aquele que anda de mãos dadas com a entidade, tem que

orientar, é como se fosse um pai caminhando com um filho, vai orientando; então para

democratizar tem que estar muito junto.

Outro papel importante do Conselho é de estar junto e também estar

presente nos projetos do poder público: fiscalizar o poder público, orientar também os

projetos desenvolvidos pelo poder público.

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E outro é aquele dos recursos, a justa distribuição dos recursos; que os

conselheiros tenham uma visão ampla da assistência e não uma visão parcial, ou uma visão

até segmentada. E o Conselho tem que conhecer profundamente as necessidades e a demanda

que o município tem; o conselheiro, se não conhece o município, não é um bom conselheiro;

tem que conhecer as necessidades, tem que andar pelas ruas, tem que conhecer os bairros, tem

que ir para as entidades. Não é fácil ser conselheiro.

P: E pensando no usuário, o que seria preciso fazer para alcançar a participação ainda maior

do usuário da assistência?

Isto tudo é fruto da caminhada. Há dez anos atrás a Política de Assistência

não existia, ou existia muito pontualmente. Aqui em Londrina hoje nós caminhamos muito,

mas caminhamos também na consciência do usuário. Quando eu vejo uma Conferência onde

tem lá 90% de usuários participando e 10 % de pessoal técnico, começo a entender que o

usuário, primeiro, tem sede de participação, ele quer participar, e as entidades e o Conselho

têm que ser provocativos neste sentido. Outro: hoje, o usuário saber o que ele quer. Se você

pergunta qual é a necessidade da Política de Assistência Social hoje para um usuário ele vai te

responder; aqueles que já estão mais politicamente - e quando eu digo política não é política

partidária, é a política normal - esclarecidos.

Há algum tempo atrás o usuário achava que a política era mais um favor;

hoje muitos usuários, entendem a política como um direito, então está se caminhando.

Há algum tempo atrás, qualquer vereador que dava uma cesta básica se

reelegia, hoje não se reelege; quer dizer, está crescendo muito esta consciência política do

usuário. Acho que ele tem que ser provocado a participar, se ele for provocado a participar ele

vai.

Vejo lá em casa os adolescentes, por exemplo. Quando foi proposto que os

adolescentes participassem lá na EPESMEL de uma mini Conferência, ninguém falou ‘eu não

quero participar’; todos participaram; as propostas apresentadas foram muito discutidas. Por

exemplo, me lembro que uma proposta que foi apresentada para o público adolescente era

estender os cursos de ensino profissionalizante para as periferias, para a Tamarana, para os

distritos [rurais], para que os adolescentes não tenham que acordar quatro e meia da manhã

para vir para o centro; então eles têm muita clareza do que querem.

Neste sentido é papel fundamental das entidades fomentar isso, se as

entidades fomentarem o usuário participa; tem muitos que não vão participar, é lógico que

tem, mas, porém, muitos vão participar e cresceu muito aqui em Londrina, esta consciência do

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usuário. Aqui no Sinal Verde a gente vê: o pessoal chega e muitos já estão muito esclarecidos

neste sentido, outros não estão, é verdade, mas já caminhou muito.

Eu acho que Londrina está em um estágio que retroceder daqui não pode

mais; ela caminhou muito e acho que é só daqui para frente mesmo, tem um corpo político

muito bom que pensa e acho que é isso.

P: O Sr gostaria de comentar sobre mais alguma coisa?

O que mais me chamou a atenção nestes dois mandatos de conselheiro, o

que mais me chamou a atenção é que a Política de Assistência é uma política onde a gente

tem que ter muita clareza e objetivo para atuar; eu não sei se existe motivação pura, não

existe, toda a nossa motivação às vezes é por algum interesse pessoal. O ser humano é ser

humano, mas acho que toda política tem que ter um direcionamento muito claro e todo

conselheiro e todo aquele que participa de um Conselho tem que ter isto muito claro. Por

exemplo, tem conselheiro que entra e participa de um Conselho parece que com a intenção de

depois se eleger para algum cargo - isto para mim não funciona, não vai ser um bom

conselheiro.

Eu estou aí para defender uma política, estou aí em nome de pessoas que me

elegeram para defender uma política, não para defender os meus interesses. É isso.

P: Muito obrigada pela sua grande contribuição...