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CURSO DE APROFUNDAMENTO PEDAGÓGICO 1ª Secção Corpo Nacional de Escutas Secretaria Nacional dos Adultos 01 A especificidade do projecto educativo do escutismo centra-se principalmente na sua metodologia que, através de actividades variadas e no contexto do jogo, procura inculcar nos jovens escuteiros um conjunto de atitudes formadoras do carácter. Olhando os jovens do seu tempo, Baden-Powell tirou partido da sua experiência de militar e explorador a que acrescentou a consulta das obras dos mais reconhecidos educadores do seu tempo em ordem a uma resposta e um caminho para esses mesmos jovens. Foi dessa experiência e reflexão que saiu um conjunto de histórias, de exemplos, de reflexões, de conselhos práticos que dariam origem ao livro Escutismo para Rapazes, uma experiência e obra que reflectiam uma clara intenção educativa: “propor um sentido, uma motivação, um caminho e razão de ser para as vidas dos rapazes do seu tempo que consumiam a vida na ociosidade e no vício”. O principal objectivo de Baden-Powell era o de “fazer com que a próxima geração seja dotada de bom-senso num mundo insensato e desenvolva a mais elevada concretização do Serviço que é o serviço activo do Amor e do Dever para com Deus e para com o próximo”. O papel principal de um Chefe escuta e particularmente de um Chefe de Unidade é, por isso, o de organizar os jovens em grupos onde cada um desempenhe o seu papel e, por meio do “jogo”, criar um conjunto de situações que os levem a agir e interagir com os seus colegas e a descobrir formas de actuar que lhes vão criando e modelando o carácter e construindo uma personalidade equilibrada. No caso concreto da I Secção, mais importante se torna ainda essa tarefa do Chefe, na medida em que os mais novos são particularmente permeáveis à motivação do jogo, à vivência num mundo de fantasia e a uma identificação mais fácil com situações lúdicas que, para eles, configuram a própria realidade envolvente. Introdução ÁREA D - MÓDULO D.1 - SUB-MÓDULO D.1.2 MÍSTICA E SIMBOLOGIA i CAP CAP I I CAP I I CAP Curso de Aprofundamento Pedagógico 1ª. Secção CAP I I CAP I

MÍSTICA E SIMBOLOGIA · PDF fileCorpo Nacional de Escutas Secretaria Nacional dos Adultos 03 Quando se fala de mística, de espírito, de simbologia escutista, tudo parece andar à

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CURSO DE APROFUNDAMENTO PEDAGÓGICO

1ª Secção

Corpo Nacional de Escutas Secretaria Nacional dos Adultos 01

A especificidade do projecto educativo do escutismo centra-seprincipalmente na sua metodologia que, através de actividades variadase no contexto do jogo, procura inculcar nos jovens escuteiros umconjunto de atitudes formadoras do carácter. Olhando os jovens do seutempo, Baden-Powell tirou partido da sua experiência de militar eexplorador a que acrescentou a consulta das obras dos maisreconhecidos educadores do seu tempo em ordem a uma resposta e umcaminho para esses mesmos jovens. Foi dessa experiência e reflexãoque saiu um conjunto de histórias, de exemplos, de reflexões, deconselhos práticos que dariam origem ao livro Escutismo para Rapazes,uma experiência e obra que reflectiam uma clara intenção educativa:“propor um sentido, uma motivação, um caminho e razão de ser para asvidas dos rapazes do seu tempo que consumiam a vida na ociosidade eno vício”. O principal objectivo de Baden-Powell era o de “fazer com quea próxima geração seja dotada de bom-senso num mundo insensato edesenvolva a mais elevada concretização do Serviço que é o serviçoactivo do Amor e do Dever para com Deus e para com o próximo”. Opapel principal de um Chefe escuta e particularmente de um Chefe deUnidade é, por isso, o de organizar os jovens em grupos onde cada umdesempenhe o seu papel e, por meio do “jogo”, criar um conjunto desituações que os levem a agir e interagir com os seus colegas e adescobrir formas de actuar que lhes vão criando e modelando o caráctere construindo uma personalidade equilibrada. No caso concreto da ISecção, mais importante se torna ainda essa tarefa do Chefe, namedida em que os mais novos são particularmente permeáveis àmotivação do jogo, à vivência num mundo de fantasia e a umaidentificação mais fácil com situações lúdicas que, para eles,configuram a própria realidade envolvente.

Introdução

ÁREA D - MÓDULO D.1 - SUB-MÓDULO D.1.2

MÍSTICA E SIMBOLOGIA

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Antes de entrarmos propriamente na apresentação dos diversoselementos que dizem respeito à metodologia escutista no campo da“Mística e Simbologia” cumpre-nos dizer algo que, por simples quepareça se torna importante referir num Curso para Chefes de Unidade.Se este teve oportunidade de usufruir de uma formação escutista,importa agora que tome consciência de que foi através dos imaginários,do jogo, das actividades, dos símbolos, que ele construiu a suaformação em ordem à vivência do espírito escutista. Compete-lhe agorapassar para o outro lado e ver as coisas numa perspectiva diferente. Emprimeiro lugar precisará de tomar consciência dos objectivos que sepropõe com cada actividade que vai orientar criar o espírito escutistadepois, precisará de reunir condições para a criação de um conjunto deatitudes nos rapazes uma mística e, de seguida, deverá interpretar osdiversos elementos e símbolos capazes de transmitir, em ambiente dejogo, as suas intenções simbologia ajudando agora os Lobitos aexplorar o ambiente próprio onde tal linguagem pode ser entendida deuma forma coerente e eficaz criar um imaginário.

Quer isto dizer que a planificação de uma actividade deve sempre partirde um objectivo primeiro que é a da formação dos mais pequenos para,a partir daí, se criarem as condições para a realização de qualqueractividade; caso contrário, o que em grande parte das vezes acontece,cai-se no risco de fazer actividades que até podem parecerinteressantes, correrem mais ou menos bem porque o Dirigente fezcomo o manual indica ou como aprendeu a fazer a mesma actividadequando passou pela referida secção, mas não passa daí. Ou seja,resumindo, os diversos elementos da metodologia escutista organizam-se pela mesma ordem, mas em sentidos diferentes segundo aperspectiva do Dirigente e a dos rapazes: do Espírito escutista para a oImaginário, na perspectiva do Dirigente e do Imaginário para o Espíritoescutista, na perspectiva dos jovens:

Entendido este processo, poderá o Dirigente escutista empreender aorientação e o enriquecimento das actividades e dos jogos com acerteza de que o resultado será o que pretende, consciente porém deque só a muito longo prazo poderá sentir o resultado do trabalhorealizado.

1. A pedagogia escutista

na perspectiva

do Dirigente

SIMBOLOGIA IMAGINÁRIO

ESCUTA

ESPÍRITO

DIRIGENTE

MÍSTICA

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Quando se fala de mística, de espírito, de simbologia escutista, tudoparece andar à volta de algo muito teórico e rondando mesmo oteológico ou filosófico. Ainda que não estejamos longe da verdade, oimportante é que não o vejamos como tal. Trata-se simplesmente decompreender um pouco melhor, e de uma forma adulta, o sentido ealcance do nosso papel de educadores no escutismo. O objectivo doescutismo é a formação da personalidade dos jovens, citando aspalavras do Fundador, personalidade essa que se concretiza nochamado “espírito escutista” algo que é muito mais que a linguagem, asatitudes, os símbolos e a imagem exterior que caracterizam omovimento; é muito mais que o simples desenvolvimento de actividadedos bandos e patrulhas. É verdade que, no que diz respeito aos Lobitos,esta questão só se coloca a longo prazo, mas é importante que nuncadeixe de estar presente na mente do Chefe de Unidade, mais do que emqualquer outro Dirigente. Acriança pode não sair do ambiente fantasistado , pode ficar-se na identificação com algunspersonagens mais ou menos simpáticos, mas importa que, no fundo doseu coração se vá construindo um conjunto de vivências que o ajudem,um dia, a perceber melhor porque é que o envolveram no ambiente daselva quando era mais pequeno e o fizeram brincar como Máugli ouescutar os conselhos de Balú.

É o espírito escutista que verdadeiramente faz o escuteiro desde Lobito;algo que vai para além dos limites da Rocha do Conselho, do seu Bandoou daAlcateia; algo que ultrapassa as actividades de sede ou de campo,algo que é significado pelas insígnias, pelo totem ou por outroselementos, algo que é significado pelas Máximas e vivido nasimplicidade de uma Lei de apenas dois artigos, algo que se concretiza,mas ultrapassa a prática da boa-acção diária…

O espírito escutista concretiza-se e manifesta-se numa Mística: amística dá ao espírito escutista “um rosto para se mostrar, palavras parase dizer, símbolos para se significar, tradições para se cumprir, heróispara se imitar, pistas para se percorrer, metas para se atingir, caminhospara se percorrer...”. Daí a importância particular da criação de umamística na actividade e no ambiente que envolve os Lobitos. Em virtudedas características próprias de idade infantil, não poderemos esperardos Lobitos a racionalização dos elementos educativos que fazem partedo projecto educativo do escutismo. Por isso mesmo, tornam-separticularmente importantes os cantos de patrulha, os gritos, ascanções, o uso das bandeirolas, os distintivos e insígnias. O sentido degrupo concretizado no Bando é fundamental para a criação de umaMística ao mesmo tempo que o ambiente e as leis da Alcateia serão omundo em que se desenvolve e ganha sentido toda a actividade doLobito. Daqui um desafio particular colocado ao Chefe de Unidade, poisterá que fazer um esforço particular para se adaptar ao ambiente infantil,a ponto de a criança o ver como “um dos seus”; não deve ter medo deassumir uma certa “infantilização” de gestos e atitudes que podem nãosignificar muito para ele, mas têm um significado muito particular para ascrianças. A sua actuação rondará muitas vezes uma certa“excentricidade” e parecerá particularmente exposto ao ridículo, mas éesse o mundo das crianças: a fantasia, a imaginação, e sobretudo aalegria de se identificar com os seus heróis. Para se compreender umpouco mais aprofundadamente a importância e o significado da místicaescutista, apresentamos algumas ideias:

Livro da Selva

2. O Espírito

ou Alma escutista

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3. A importância

da Mística

no projecto educativo

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A palavra “mística”, em sentido estrito, envolve sempre uma certa cargade mistério e de relação com o sagrado; tradicionalmente designa oestado de alma próprio daqueles que se vão purificando do pecado e sevão libertando das condições do mundo e das suas imperfeições, paraviver em clima de diálogo com Deus. Os místicos de que são particularexemplo alguns santos católicos como Teresa de Ávila ou João da Cruz,mas que existem noutras religiões como o budismo são pessoas queatingem um tal estado de perfeição que conseguem estabelecer comDeus um clima de diálogo pessoal equivalente ao relacionamento comqualquer se humano; por isso se fala normalmente de um estado dealma envolta num ambiente sobrenatural e divino, ao mesmo tempo quenuma simplicidade que se torna tão natural para os próprios místicoscomo incompreensível para os outros.

De uma forma um pouco mais lata, a mística representa o ambientecriado em volta de uma determinada ideia ou projecto, que leva aspessoas a criar um tipo concreto de relacionamento, seja através delaços particulares ou da onda de entusiasmo que envolve o projecto,seja através de uma linguagem e de uma simbologia próprios que os vãoidentificar no contexto e no confronto com outros grupos. Esses grupospodem ser de vária ordem, mesmo de profissionais que criam um“jargão” só compreensível para os iniciados e muitas vezes mesmoenganosa para os outros. Esta mística não deixa de representartambém um certo “corte” com o mundo ou com o comum das pessoas,uma “fuga” da realidade que atinge por vezes um certo nível dearrebatamento como se pode ver particularmente em certos concertos“rock” e nos estádios de futebol.Aqui encontrará explicação o fenómenode multidões que envolve o chamado “desporto-rei” ou do “rock”quantas vezes na preocupação de, ao menos por uns momentos,esquecer as tristezas do dia a dia. Neste ponto, o arrebatamento ou fugado mundo podem representar um elevado e perigoso nível de alienação,mas não deixam de ser fenómenos importantes...

Assim, podemos ter a mística de um partido político expressa no seuemblema partidário, numa cor determinada (vermelho, laranja, rosa), noseu hino ou numa canção que se torna simbólica, na bandeira, numasaudação própria (punho erguido, dedos em “v”, etc.) na linguagem etratamento utilizado (camaradas, companheiros), nos seus heróis,fundadores, figuras emblemáticas, personagens que fizeram história;podemos ter a mística de um clube de futebol expressa no emblema doclube, na utilização de um cachecol ou da camisola dos atertas erespectivas cores fundamentais (os azuis, os verdes, os encarnados),no hino do clube ou noutra canção que se assuma como tal, na gíria dasclaques e na linguagem utilizada para classificar os adversários(lagartos, lampiões...), no animal simbólico (águia, leão, dragão), nosídolos ou “craques” do clube, etc.; temos a mística do ambienteuniversitário com as capas pretas carregadas de distintivos, as cores docurso, as praxes académicas, a linguagem (desde o caloiro aoveterano), Mik Jagger, Fred Mercury), determinados sinais e formas desaudação ou mesmo “slogans”.as “queimas das fitas” e respectivo ritual,as festas e diversões, a simbologia da sebenta, as repúblicas, etc.; amística dos “clubes de fans” de um determinado cançonetista, com ocantar de todas as suas canções, possuir a colecção dos seus discos esaber a cronologia dos mesmos, usar a roupa parecida (as gangas, as t-shirts, os cortes de cabelo, os óculos excêntricos, os “piercings”)determinadas formas de cantar, de dançar ou de estar em palco (ElvisPresley, Michael Jackson,

3.1 O conceito

de “mística”

3.2 A mística

como expressão

de determinados grupos

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A isto e muito mais poderíamos ajuntar a linguagem de determinadasprofissões como os pedreiros, os médicos e mesmo o clero ou dedeterminadas organizações como a maçonaria ou algumas seitas... Etemos também a mística escutista e particularmente aquela queapresentaremos na perspectiva do Lobito: a Mística da I Secção.

Fundamentais para a expressão da mística escutista são os “símbolos”do escutismo. Sabemos que há símbolos em muitas dimensões daactividade humana da ciência química à matemática, da cartografia àprópria informática; há símbolos na linguagem, na literatura, na música;há símbolos de orientação, sonoros, luminosos; símbolos retirados daprópria natureza ou criados pelo engenho humano. Os símbolos sãomeios de tornar “palpável” a realidade sobrenatural, são meios pelosquais podemos “sentir” de certo modo essa mesma realidade e, por issomesmo, os símbolos referem-se aos diferentes sentidos e encontram naprópria Sagrada Escritura e na liturgia cristã um lugar inquestionável. Otacto: a possibilidade de tocar, de beijar, de abraçar imagens, relíquias,etc.; a vista: a luz, as cores, as flores; o ouvido: os sons, as palavras, amúsica, o próprio silêncio; o olfacto: o incenso, o perfume e bálsamo dosóleos, o cheiro das flores; o gosto: o sal, o açúcar, o pão e o vinho.

A palavra símbolo implica pela sua etimologia ( ) a junção deduas realidades, um sinal de reconhecimento baseado na reunião dasduas metades de um objecto anteriormente separadas. A simbologia ouo simbolismo é sempre a reunião entre duas realidades o sinal e o seusignificado a reunião de uma realidade compreensível aos sentidoscom outra realidade não atingível por eles. “A etimologia desímbolo e também uma certa tradição aludem a este efeito comunionalexpresso por palavras como 'conjuntar', 'conjugar', 'combinar','coincidir', 'convergir' de dois mundos, dois âmbitos de uma realidade,duas metades de uma medalha que alguma vez estiveram unidas e umdia voltarão a unir-se quando os seus portadores se voltarem aencontrar, depois de uma longa separação, reconhecendo-se dessemodo e reconciliando-se”. Na maior parte dos casos, a relação entre osignificante e a realidade simbolicamente significada é resultante deuma pura convenção humana, como por exemplo os sinais de trânsitoque têm esta forma como poderiam ter outra ou de uma cruz com umaserpente que é sinal de uma farmácia, etc.; há depois sinais evocadoresde realidades sobrenaturais ou do transcendente, do abstracto ou domistério, mas exigindo para tal uma certa iniciação e deixando os nãoiniciados na ignorância como o caso do “peixe” desenhado no chão queera para os primeiros cristãos o sinal de Jesus Cristo, o que nos fazlembrar a palavra do profeta Isaías depois retomada por Jesus: “paraque vendo não vejam e ouvindo não entendam” (Is 6, 9-10 e Mt 13, 13-16). De qualquer forma, o sinal em si mesmo não significa nada paraalém da realidade visível se não houver a possibilidade da suacompreensão; é o sinal compreendido que se transforma em símboloportador de uma mensagem para aquele que conhece o seu significado:imagine-se um conjunto de sinais “morse” ou o código homógrafo.

syn+bolon

syn+balein

4. A simbologia

do Escutismo

4.1 O conceito

de sinal e de símbolo:

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Asimbologia escutista só se entende no contexto do método escutista; épor ela que o Dirigente, e particularmente o Chefe de Unidade, seadaptam ao modo de ser dos mais novos, não como uma brincadeira demiúdos, mas como um jogo sério. Há na simbologia escutistadeterminados sinais que são comuns a todos os escuteiros como a flor-de-lis, a saudação, a divisa “sempre alerta”, o uniforme nos seuselementos essenciais; há símbolos que são comuns ao CNE enquantoescutismo católico português como a padroeira Nossa Senhora e oPadroeiro Beato Nuno de Santa Maria; há finalmente elementos que sãopróprios de cada Secção e que configuram também os contornos deuma mística própria: lobitos, exploradores, pioneiros e caminheiros. Éimportante para os Dirigentes compreenderem o verdadeiro significadoda simbologia própria da Secção que dirigem para serem capazes deajudar a criar a própria mística.

A Mística e Simbologia encontram o seu ambiente próprio no contextode um “Imaginário”. Este é constituído pela criação ou recriação de umambiente onde a história, a lenda, os heróis se tornam nos portadores deuma mensagem que se recria e se torna vida, não através dainteriorização de conceitos, mas através da incarnação da própriarealidade imaginada. Os símbolos, os rituais, as tradições são outrostantos meios de expressão de uma realidade que ali se torna comum atodos através de um “jogo” que leva todos a constituir uma comunidadeirmanada pela mesma imaginação e fantasia. Por isso mesmo, oimaginário não é apenas um cenário ou ambiente, mas, particularmenteno caso dos mais pequenos, a própria realidade de um jogotransformado em vida e de uma vida transformada em jogo. É por estejogo e vivendo este imaginário que se vai ao encontro das expectativasdas crianças e jovens, na medida em que por eles o mesmo jovem seabre, jogando, para a verdadeira realidade da vida.

4.2 A simbologia

escutista:

5. O Imaginário

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De facto, se a relação entre a fantasia e a realidade, entre o mito e ahistória ou entre o divino e o humano povoam, de uma forma por vezesimprecisa e equívoca, a mente dos adultos, é no mundo das criançasque estas realidades encontram um espaço privilegiado, dando tema econteúdo aos tradicionais contos ou histórias infantis. Esse mundo defantasia faz parte da literatura, da música, da cinematografia infantil,inspirando todo um conjunto considerável de obras a que não estáalheia a pedagogia escutista. E se "a tarefa mais importante e ao mesmotempo a mais difícil na educação de uma criança é a de a ajudar aencontrar um sentido para a vida" e para tanto se torne fundamental quea criança "seja capaz de transcender os estreitos limites da suaexistência centrada em si mesma", já compreenderemos não só aimportância dos contos, das histórias, das canções, de modo a criar ummundo que a ajude, de certa forma, a sair dos limites de um mundo que éapenas seu.Esta importância do “maravilhoso” na formação das crianças aproxima-nos um pouco da linguagem e do ambiente mítico já que “o fascinante naconcepção mítica é precisamente esta dupla vertente, aquela fronteiraentre a fantasia e a realidade... o fictício consiste em que o que érelatado no mito não existe de facto, mas, pelo contrário, a mesmanarração encontra uma correspondente em muitos dos aspectosconcretos da realidade". Neste ambiente, abstraímos do tempo, daduração das coisas, entramos em outros mundos, somos nós a fazer amedida do tempo, o que nos leva a uma sensação de eternidade.

Muito mais que o adulto, a criança vive o momento presente e, mesmoque sinta alguma ansiedade a respeito do futuro, só tem uma vaganoção do que este lhe pode exigir ou vir a ser para ela". Esta dimensão"presente" do tempo leva a uma outra dimensão da sua personalidadeque é a simultaneidade de situações que para o adulto podem serdispersas, consecutivas ou mesmo alternativas como bem e mal,mentira e verdade. É assim que, nos contos infantis, a presença do beme do mal assume a dimensão de personagens diferentes - bruxas emonstros ou anjos e fadas - o que ajuda a criança a conviver comrealidades que farão parte do seu quotidiano nas relações com os outrosou consigo mesma. Outro aspecto ainda relacionado com o tempo éuma certa dimensão de eternidade ou "eterno presente" que envolve ashistórias. Estas começam sempre por "Era uma vez..." ou "Em temposque já lá vão...", e os heróis dos contos "vivem felizes para sempre" aponto de a criança se poder identificar com os mesmos na sua fantasistavisão da realidade. A criança tem, por isso, necessidade de "magia":mais do que as explicações que um adulto lhe possa dar, a criançaaceita e aprende com as histórias dos seus heróis, histórias e vidas comque facilmente se identifica, e que a ensinam a descobrir as dificuldadesda vida ou a procurar por si mesma soluções para os seus problemas. Épor isso mesmo que toda a formação do Lobito gravita em torno do Livroda Selva. Já que as explicações racionais ou realistas são muitas vezesincompreensíveis para a criança, pois ela carece do pensamentoabstracto necessário para captar o seu sentido, é importante dar-lhe apossibilidade de uma vivência particular, onde ela possa identificar-secom situações que lhe permitam captar, de uma forma lúdica, as liçõesque a experiência da selva lhe podem trazer.

5.1 Importância

do Imaginário

no contexto

do maravilhoso infantil

5.2 - Os contos

e as categorias

do pensamento infantil

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A mística da I Secção baseia-se na trilogia representada pelas figurasde S. Francisco de Assis, do Menino Jesus e Máugli o herói do

. S. Francisco de Assis é o modelo para o contacto com ascriaturas, as plantas e os animais, e para a capacidade expressar aalegria de viver. O Menino Jesus é o ideal e o modelo de toda e qualquercriança enquanto o ajuda a construir o ideal decomunidade e fraternidade expressos na vida daAlcateia. É esta vida naAlcateia que constitui o ambiente próprio onde se desenrola a formaçãodo Lobito. Esta mística é transposta expressamente do Livro da Selvade Rudyard Kipling, cujas personagens integram o espaço e aactividade daAlcateia.

Trata-se de um obra cujo argumento se pode resumir no seguinte: umacriança Máugli é trazida para o ambiente da selva, onde é acolhida etratada por uma família de lobos, onde cresce e se desenvolvejuntamente com os filhotes do casal; aí começa a compreender asformas de vida na selva, a conhecer as suas leis e a criar uma amizade econvivência com os lobos que não só o ensinam a sobreviver, mastambém a defender-se de outros animais que, sendo inimigos dos lobos,são também seus inimigos. Por isso mesmo, o Lobito é levado aidentificar-se facilmente com Máugli, o menino da selva, que acaba porse adaptar de tal forma ao ambiente que terá dificuldade em assumir asua condição de homem.

Ao mesmo tempo que descobre e se relaciona com as diferentespersonagens do Livro da Selva, representadas por diferentes Dirigentesda I Secção, o Lobito vai identificando e preparando-se para asdiferentes situações da vida e da sociedade que será chamada aenfrentar: os amigos, os perigos, os inimigos, etc. Os jogos e dançasrealizados na vida da Acateia no seu espaço, o Covil são outras tantasformas de o Lobito interiorizar as situações da vida, imitando as dançase atitudes características dos animais com qume convive: Balú,Baguera, Xer Cane, etc. Como Máugli, o Lobito é esperto e corajoso,sábio e feliz, mas também capaz se sofrer e sentir as derrotas e ainfelicidade; porém, sempre se sentirá rodeado pelos seus amigos. Aselva - a vida ao ar livre - é o lugar onde o Lobito encontra um espaço demistério, um desafio à aventura, um apelo à descoberta de tesourosdesconhecidos, uma evocação do estilo de vida mais primitivo, ummundo onde não há distinções de raça, cor, nacionalidade ou religião.AAlcateia é um modelo em miniatura da sociedade humana, onde cadaum tem um papel a desempenhar, uma tarefa a realizar por maisinsignificante que pareça. A vida em Alcateia resume-se em algunsaspectos essenciais: o respeito por Àkêlá, o grande Lobo, a quem toda aselva obedece, excepto os inimigos o invejoso tigre Xer Cane ou aperigosa e astuta cobra Cá para além daqueles que nunca seadaptarão ao ambiente de uma certa organização como são osmacacos, os Banderlougues. Akelà simboliza o pai, a autoridadeconstituída, a sabedoria aplicada, o amor e a protecçãopermanentemente oferecidas. No ambiente da Alcateia, o Lobitoaprende a pôr de lado as suas vontades e birras próprias da infância,para fazer o que lhe é proposto para bem do grupo, “da melhor vontade”,a sua divisa, habituando-se a pensar primeiro nos outros, a estarsempre de olhos abertos. Ele está sempre de ouvido atento, limpo easseado por fora e por dentro e por isso nunca mente.

Livro daSelva

Livro da Selva

6. A mística

da I Secção: Lobitos

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6.1 O Livro da Selva

e afirmação do Lobito:

a Alcateia

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A mística do Lobito resume-se, assim, em três ideias fundamentais: aalegria, a boa acção, a obediência. Se Máugli é o símbolo a imitar, osmacacos Banderlougues são os símbolos da desorganização quedeveremos evitar; são os sem-lei, os fala-barato, os mexeriqueiros, osfrenéticos, os calaceiros, que só fazem os que lhes apetece. Para alémdeAkelà e dos seus irmãos Lobitos, Máugli conta ainda com a protecçãoe amizade de Balú, o sábio urso que lhe dá bons conselhos e o ajuda adefender-se dos perigos da selva e Baguera, a esperta pantera sempredisponível para ajudar a todos, mesmo que por vezes um poucodesajeitada.

A metodologia própria da I Secção apresenta todo um conjunto deelementos que permitem ao Chefe de Unidade concretizar a mística daAlcateia através das actividades. Neste contexto se entende osignificado do Covil como o espaço onde se organiza a vida da Alcateia,e no qual o Lobito tem oportunidade que conviver com os outros Lobitose escutar a voz da Akelà. Ali se cria um ambiente de unidade queassenta no Grande Uivo que deve ser praticado como expressão daunidade de todos os Lobitos em saudação ao seu Chefe, ao mesmotempo que a participação no Círculo de Conselho lhe permite ouvir osconselhos e histórias de Akelà, colocada ao centro, na Rocha doConselho, evocação do rochedo elevado onde, na selva, se encontra oGrande Lobo. No Círculo de Parada, a execução de danças e jogos vaiproporcionando o sentido de grupo, a interiorização das regras daconvivência no contexto da selva e no relacionamento com os outrosLobitos em ordem a uma progressiva socialização e autonomia, a fim depoder, um dia, regressar ao mundo dos homens. Pelas canções edanças da selva se fortalece o espírito de grupo, vivido dentro do quelhes é transmitido, particularmente pelo exemplo de S. Francisco deAssis e o espírito franciscano que anima a vida da Alcateia. Este espíritopodemos resumi-lo na célebre Oração de S. Francisco, “Senhor, fazeide mim um instrumento da vossa paz”.

Neste contexto da integração e convivência com o seu Bando, ganhamsentido também os símbolos do lobitismo com relevo para a Bandeirolade Bando, onde as cores branco, cinzento, preto, castanho e ruivoidentificam a diversidade e a unidade do grupo; o Mastro de HonraTotem, como expressão do progresso e actividade dos Lobitos; orespectivo uniforme, as insígnias do lobitismo e principalmente asaudação do Lobito, com dois dedos erguidos, imitando as orelhas dolobo, sempre erguidas porque o Lobito tem que estar sempre alerta aoque se passa à sua volta, e recordando os dois artigos da Lei do Lobito;ao mesmo tempo, a sobreposição do polegar sobre os outros dedossignifica que “o mais forte protege o mais fraco”.

6.2 A concretização

da mística da Alcateia

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Porém, Máugli é não apenas uma criança, mas é “a criança” quepermanece em cada homem crescido, representa as suas fantasias, ossonhos irrealizados, a capacidade de se encontrar consigo próprio quecada homem precisa de exercitar permanentemente; ele é também acriança em que o Filho de Deus encarna em cada Natal e que nosrecorda a necessidade de viver a inocência e recuperar a verdade sobrecada um de nós. Por isso, o Menino Jesus é também um dos heróis doLobito. É com Jesus-Menino que o Lobito se identifica porque neleencontra o seu próprio processo de crescimento, a relação privilegiadacom os pais e particularmente uma relação com o Pai do Céu. Mesmoque não seja muito o que o Evangelho nos diz sobre Jesus-Menino, éesta a imagem que nos deixa de alguém que “se ocupa das coisas doPai” (Lc 2, 50), mas que também “volta com seus pais terrenos paraNazaré e lhes é submisso” (Lc 2, 51-52). O Lobito aprende a falar com oMenino Jesus, encontrando nele uma forma directa e acessível de falarcom Deus; Ele é um “Deus connosco” particularmente para o Lobito queo sente parecido com ele, que lhe pode confidenciar as suaspreocupações, a quem pode apresentar os seus desejos mais íntimos,pois que, na sua inocência, melhor o compreenderá.

O silêncio dos Evangelhos canónicos sobre os termos da infância e docrescimento de Jesus é colmatado por algumas “estorias” edificantespresentes nos textos apócrifos que poderão eventualmente ajudar atraçar uma imagem de um Jesus que cresce envolto na prática debrincadeiras e mesmo algumas traquinices como qualquer criança.Por isso mesmo, esta relação privilegiada com o Menino Jesus e,através dele, com Maria, será o melhor caminho para uma vivência da féao nível dos Lobitos, como veremos ao tratar expressamente essaquestão.

Um elemento essencial no desenvolvimento da mística escutista eparticularmente do lobitismo é a figura do padroeiro. Para além doMenino Jesus e de Máugli, o Lobito é convidado a uma identificação comalguns dos valores que caracterizam a relação do “pobrezinho de Assis”com a Natureza e particularmente com os animais. É este santo que vaiajudar o Lobito a perceber o lado de bondade que existe, apesar de tudo,na própria Natureza que foi criada por Deus como uma coisa boa paraele, um gesto de amor de Deus que o santo compreendeu de uma formaúnica e cujas histórias poderão ajudar o Lobito a compreender melhor.De entre os elementos da vida de S. Francisco que interessamparticularmente ao Lobito encontra-se a conhecida Lenda do Lobo deGúbio, a nós transmitida pelas , um conjuntode histórias edificantes cuja graça se adapta não só à simplicidade dopovo, mas particularmente à sensibilidade das crianças. Para que oChefe de Unidade conheça um pouco melhor a vida, a história, os feitose a importância do santo Padroeiro dos Lobitos para a sua actividade deeducador, apresentamos alguns elementos que se podem afigurarpertinentes.

Fioretti de San Francesco

6.3 O Menino Jesus

como referência

para o Lobito

7. A figura do padroeiro:

S. Francisco de Assis

xiv

xv

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Foi por volta de 1181 ou 1182 que, numa pequenina cidade situada naregião de Úmbria (ao centro da Itália actual), chamada Assis, dotada deuma beleza rústica sem igual, que ainda hoje se pode apreciar, nasceuum menino, filho de um rico comerciante de fazendas, a quem deram onome de João com o apelido Bernardone de seu pai. Sempre alegre ebem disposto, dotado de uma grande inteligência, desde cedo sehabituou a acompanhar seu pai nas actividades comerciais, ajudando-onos contactos com os comerciantes franceses servindo de intérprete. Adesenvoltura logo demonstrada na sua expressão em língua francesaprovinda certamente das origens da sua mãe, depressa lhe valeu oapelido com que haveria de ser definitivamente conhecido: “francesco”,palavra que em italiano corresponderia a um apelido como“afrancesado” ou “francês”, mas se tornaria num nome própriocorrespondente, em português, ao nome Francisco.

Os projectos de seu pai eram, naturalmente, torná-lo num homem denegócios, rico, e Francisco seria um rapaz com capacidades suficientespara singrar no mundo dos negócios, mas, ao que parece, tinha maisjeito para gastar dinheiro do que para economizar. Não havia festa ondeele não participasse, sobretudo pela alegria que transmitia aoscompanheiros e certamente pelas suas possibilidades económicas,pelo que só a doença e as guerras internas em que a defesa da suaAssis o envolveram o haveriam de impedir de ir mais longe na vidaleviana que iniciara. Foi mesmo aliciado para a vida militar e, levado pelasede de glória, alistou-se nas fileiras do exército atabalhoadamenteorganizado para defenderAssis, mas foram derrotados e ele acabou porser feito prisioneiro. O tempo de prisão, a debilidade física e as novascircunstâncias da vida, ao ser libertado, levaram-no a reconhecer que,afinal, as coisas do mundo são passageiras e as suas vaidades umatremenda loucura. Teve um sonho quando estava em Spoleto e resolveuentão regressar a Assis com um novo projecto de vida. Não tardaram osseus companheiros de boémia de outros tempos a organizar as festasdo antigamente e a convidar Francisco, mas ele estava diferente: muitopensativo, frio, distante, desinteressado daquilo tudo.

Julgaram então os seus amigos que ele estaria a pensar em casar aoque ele respondeu que era verdade. Todos se perguntavam quem seriaa jovem, certamente feliz e rica, que havia conquistado o coração deFrancisco e ele revelou sem demora o grande mistério: iria casar comuma bela jovem chamada ... Esse casamento inesperado coma pobreza logo começa a dar os seus frutos: oferece os seus trajes a umantigo fidalgo, então caído na miséria, passa por um leproso e dá-lhetodo o dinheiro que trazia e ainda por cima dá-lhe um beijo nasrepugnantes feridas. Mas estava mesmo destinado a novas e maisimportantes empresas. Um dia encontrava-se a rezar na pequeninaermida de São Damião, quando escutou uma voz que lhe dizia: -“Francisco, vai restaurar a minha Igreja!”

É claro que Francisco logo pensou que se tratava de restaurar essaigrejinha com fendas por todos os lados e ameaçando ruína, por falta derecursos económicos da paróquia e entregue a um pároco jádesanimado e impotente para fazer face ao seu restauro; assim,Francisco ofereceu ao pároco o resultado da venda do seu cavalo ealgumas peças que “retirara” das lojas do pai. O pároco, porém, não quisaceitar tão inesperada e generosa oferta e o pai de Francisco não achougraça nenhuma à ideia; exigiu a restituição do seu “ouro” entretantocolocado no parapeito de uma janela da residência paroquial, e o nossojovem teve que fugir e esconder-se por vários dias numa toca.

Pobreza

7.1 Francisco,

o filho dum comerciante

de panos

xvi

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Quando apareceu perto de casa, magro, andrajoso e com a barba porfazer, todos lhe chamavam doido; perante o espectáculo e a vergonhaque o fazia passar, o furibundo pai deu-lhe uma tareia e meteu-o noquarto escuro... Porém, na ausência do pai em viagem de negócios, amãe não resistiu a libertá-lo para mais uma fúria do pai quandoregressou. Exigiu-lhe o regresso e até o procurou acompanhado dapolícia; como nada conseguia, pediu às autoridades que o expulsassemda cidade e, por fim, ao próprio Bispo que o tentou convencer a mudar devida e, sobretudo, a restituir ao pai o que tinha retirado sem a suaautorização.

É então que Francisco pede para se retirar um pouco e, logo depois,aparece com as próprias roupas nos braços e exclamando: - Até agorachamei pai a Pedro Bernardone; daqui em diante não servirei a maisninguém senão a Deus. Por isso entrego ao pai da terra tudo o que delerecebi e, de ora em diante, nunca mais chamarei pai a ninguém, masapenas direi “Pai Nosso que estais nos céus”. Pedro Bernardoneretirava-se envergonhado com as roupas do filho e o Bispo cobria com asua própria capa a nudez do novo Francisco deAssis.

Vai então apresentar-se a uma comunidade de monges seguidores daordem de S. Bento beneditinos que habitava ali junto de uma capelinhadedicada a Santa Maria dos Anjos e, com o trabalho das sua própriasmãos, começou a reconstrução da Igreja de S. Damião, ao mesmotempo que iniciava um contacto com a natureza que haveria de o marcarpara toda a sua vida. Vivia numa cabana construída numa pequeninaparcela de terreno - a - e tratava familiarmente todos osanimais e plantas: pássaros e peixes, flores e as fontes de água; chegoupor várias vezes a fazer sermões aos pássaros e consta mesmo queconseguia amansar feras com a sua palavra, como aconteceu com acélebre história do lobo de Gúbbio. Este lobo era uma terrível fera quedizimava os animais da aldeia que ninguém conseguia combater. Umdia Francisco pôs-se a falar com ele como com uma pessoa e disse-lhe:Senhor Lobo, se o seu problema é fome, amanse-se lá que a gente seencarrega de lhe dar de comer daqui para a frente... E quando, poucodepois, as pessoas foram ao encontro de Francisco encontraram-nofeliz e com o lobo junto dele como se fosse o mais fiel dos cães...

Quando Francisco se encontrava na sua cabana e com a vida simplesque escolhera, alguns dos jovens de famílias ricas da regiãocertamente alguns dos seus antigos companheiros de boémiaresolveram aproximar-se e juntar-se para viverem como ele, adoptandocomo vestuário a veste simples dos camponeses de Úmbria e vivendo,numa espécie de acampamento, numas pequeninas cabanas como ade Francisco e adoptando o nome de “frades menores” por causa da suasimplicidade. O grande respeito pela Igreja e seus representantes levouFrancisco e os companheiros a apresentarem-se ao Papa Inocêncio IIIque aprovou a nova Ordem, mesmo perante o escândalo que o modo devida daqueles fradinhos representava para muitos dos dignitários daIgreja de então, dominada pela riqueza e por uma ligação muito estreitacom o poder político e económico. Valeu-lhes, mesmo assim o apoio doCardeal Bispo de Óstia que se tornou num dos seus maiores aliados ea grandeza de alma do Papa que compreendeu que ali estava umaforma de “reconstruir” a Igreja de Cristo e de restaurar um sentido depobreza mais consentâneo com a palavra do Evangelho. Estávamosentão em 1209. Pouco depois, tinha início a versão feminina da mesmaordem sob a orientação de uma admiradora de Francisco chamadaClara, para quem ele arranjou um espaço em S. Damião. Nascia aordem das “Senhoras Pobres” mais tarde chamadas Clarissas.

Porciúncula

7.2 O início

da vida religiosa

de Francisco

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xviii

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Após a fundação de vários conventos e de uma enorme adesão depessoas à vida franciscana, levados pelo ideal evangelizador dosprimeiros cristãos, também os frades menores seguidores de Franciscose dedicaram a espalhar o Evangelho por toda a região da Úmbria evizinhanças, estendendo-se depois a França, Inglaterra e Alemanha,chegando mesmo a tentar o Norte de África e o Oriente no intuito umpouco ingénuo de evangelizar os sarracenos ou muçulmanos. Não oconseguiram, em virtude de terem sofrido diversos desastres numtempo em que era muito difícil viajar. Apenas chegaram à Terra Santaentão dominada pelos muçulmanos; os primeiros frades que, apósterem passado por Coimbra, foram pregar para Marrocos acabaram porser martirizados pouco depois. Francisco consegue entretantodeslocar-se ao Oriente, mas, na sua ausência, os frades menoresresolvem modificar alguns aspectos da Ordem de modo a favorecer osestudos, dar importância aos mais jovens e rever a disciplina,nomeadamente por influência dos grupos de Bolonha e mais tarde deInglaterra onde os frades menores tiveram uma grande influência naregeneração do ambiente universitário.

Francisco ficou muito triste com isso e recorreu ao Papa que acabou poraceitar as duas dimensões da Ordem. Francisco retirou-se para viver oseu ideal de pobreza e simplicidade enquanto a ordem se estruturavapara corresponder às exigências do tempo. O responsável pela aldeiade Assis, levado já pela fama de Francisco e pelo incremento da Ordemfranciscana, resolveu construir-lhe uma casa para que ele abandonassea cabana em que sempre quisera viver; construíram a casa contra avontade do nosso fradinho e meteram-no lá dentro. Mas ele entretanto,de noite, ia deitando a casa abaixo, pedra a pedra, e conseguiu destruira maior parte da casa... Isto aconteceu por diversas vezes e emdiversos sítios porque Francisco levava muito a sério o compromisso deos frades menores não poderem ter nada de seu. Então usavam osubterfúgio de alugar ou dar a posse das suas casas a outras pessoas,gozando apenas da sua utilização.

É nesta altura estávamos em 1223 que celebra o Natal em Greccio;numa gruta, juntara um boi e um burro e assistiu a uma celebração daMissa, porque ele não era sacerdote; ao fim da missa chegou-se àimagem de um Menino Jesus e beijou-a; ganhou assim um novo fôlego,espalhando-se e popularizando-se a tradição de fazer os presépios e debeijar o Menino Jesus no Natal. Pouco depois, no MonteAlverne, a 14 deSetembro dia da Exaltação de Santa Cruz teve uma visão da Cruz emsonhos e, quando acordou, notou que tinha nas mãos e nos pés asmarcas os estigmas da crucifixão de Jesus como chagas que lhelembravam os sofrimentos do Salvador e lhe inundavam o coração deamor a Deus e o corpo de dores horríveis. É por isso que, num momentode depressão e angústia, se retira para o convento das Clarissas, ondelhe é cedido um quarto escuro com ratazanas. Ali consegue repousar ecantar os louvores de Deus, compondo o poema que haveria de ficarconhecido como o Cântico das Criaturas ou Cântico ao , umbelo poema onde se resume todo o ideal franciscano de relação com ascriaturas e faz de Francisco de Assis o grande defensor da Natureza e opai da ecologia. Para ele, todas as criaturas e mesmo a própria mortesão aí tratadas por irmãs. O seu modo de viver e as suas pregaçõesatraíam cada vez mais as multidões.

Irmão Sol

7. 3 O projecto

de evangelização

do Mundo

7. 4 A invenção

do Presépio...

os estigmas...

E o Cântico das Criaturas

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xiv

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Sentindo chegar o fim de seus dias resolveu regressar a Assis e habitarde novo numa gruta junto de Santa Maria dos Anjos. Deitado no chão,quase cego e muito magro, pediu que o cobrissem com o hábito, peloque lhe emprestaram uma túnica, um capuz e umas sandálias. Depoisde abençoar os seus irmãos franciscanos e mandar uma bênção paraClara, sentindo a morte muito próxima, pediu que o cobrissem de cinzase lhe lessem o texto da Paixão segundo S. João. Expirou no dia 4 deOutubro de 1224 ao pronunciar as palavras do Salmo 141: “Senhor,vinde depressa, escutai a minha voz quando vos invocar”.

Se S. Francisco de Assis é, ainda hoje, um exemplo para qualquerpessoa humana, muito mais o é para o é crente, e mais ainda para oLobito. A sua simplicidade, a sua alegria e a grande capacidade de fazeramigos são a imagem do que deve ser o escuteiro e particularmente oLobito. O seu amor pelas criaturas é um exemplo, e o respeito pelaspessoas é de levar em conta em qualquer idade. O amor pelo MeninoJesus e a tradição do Presépio impulsionada por Francisco é outro dosaspectos marcantes para a vida das crianças. Respeitador dos outros,mesmo quando o contrariavam, e amigo da verdade, mesmo quando elalhe parecia difícil de aceitar e de apresentar aos outros, S. Francisco eraum modelo de coerência de vida; certamente que fez as suas asneiritasquando era pequeno e mesmo enquanto jovem, mas foi sempre de umacorrecção impressionante; por isso mesmo, ao mudar de vida,conseguiu atrair os seus companheiros e fundar a ordem franciscana.Desenvolveu uma grande sensibilidade e ternura para com os pobres eos doentes ao ponto de os estimar como seus irmãos. Ao mesmo tempoque cuidava das plantas e dos animais, S. Francisco aprendeu não só aconhecer e amar a natureza, sempre entendida por ele como “criação” ena sua referência ao Criador, mas também aprendeu a conhecer melhore a compreender os homens e a amá-los mais ainda, apesar deexperimentar a sua rudeza muitas vezes comparável à ferocidade deum lobo. O que melhor poderia resumir a vida de S. Francisco era aalegria em fazer sempre a vontade de Deus que ele reconhecia naspessoas e nas coisas com que tratava em cada dia.

São, evidentemente, as histórias que povoam o imaginário franciscanopresente nas Florinhas de S. Francisco, que nos fazem compreender arelação do nosso santo com os Lobitos: o santo que apazigua o lobo emGúbio, o santo que prega aos passarinhos, o santo amigo dos pobres, osanto do Presépio e do Menino Jesus é o santo cuja vida se adapta àscaracterísticas das crianças de todos os tempos como aos jovens eadultos que nele encontram um exemplo de vida e também uma peçafundamental para o diálogo de culturas e de religiões.

7.5 O fim

7.6 O Padroeiro

como modelo

para o Lobito

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Sentindo chegar o fim de seus dias resolveu regressar a Assis e habitarde novo numa gruta junto de Santa Maria dos Anjos. Deitado no chão,quase cego e muito magro, pediu que o cobrissem com o hábito, peloque lhe emprestaram uma túnica, um capuz e umas sandálias. Depoisde abençoar os seus irmãos franciscanos e mandar uma bênção paraClara, sentindo a morte muito próxima, pediu que o cobrissem de cinzase lhe lessem o texto da Paixão segundo S. João. Expirou no dia 4 deOutubro de 1224 ao pronunciar as palavras do Salmo 141: “Senhor,vinde depressa, escutai a minha voz quando vos invocar”.

Se S. Francisco de Assis é, ainda hoje, um exemplo para qualquerpessoa humana, muito mais o é para o é crente, e mais ainda para oLobito. A sua simplicidade, a sua alegria e a grande capacidade de fazeramigos são a imagem do que deve ser o escuteiro e particularmente oLobito. O seu amor pelas criaturas é um exemplo, e o respeito pelaspessoas é de levar em conta em qualquer idade. O amor pelo MeninoJesus e a tradição do Presépio impulsionada por Francisco é outro dosaspectos marcantes para a vida das crianças. Respeitador dos outros,mesmo quando o contrariavam, e amigo da verdade, mesmo quando elalhe parecia difícil de aceitar e de apresentar aos outros, S. Francisco eraum modelo de coerência de vida; certamente que fez as suas asneiritasquando era pequeno e mesmo enquanto jovem, mas foi sempre de umacorrecção impressionante; por isso mesmo, ao mudar de vida,conseguiu atrair os seus companheiros e fundar a ordem franciscana.Desenvolveu uma grande sensibilidade e ternura para com os pobres eos doentes ao ponto de os estimar como seus irmãos. Ao mesmo tempoque cuidava das plantas e dos animais, S. Francisco aprendeu não só aconhecer e amar a natureza, sempre entendida por ele como “criação” ena sua referência ao Criador, mas também aprendeu a conhecer melhore a compreender os homens e a amá-los mais ainda, apesar deexperimentar a sua rudeza muitas vezes comparável à ferocidade deum lobo. O que melhor poderia resumir a vida de S. Francisco era aalegria em fazer sempre a vontade de Deus que ele reconhecia naspessoas e nas coisas com que tratava em cada dia.

São, evidentemente, as histórias que povoam o imaginário franciscanopresente nas Florinhas de S. Francisco, que nos fazem compreender arelação do nosso santo com os Lobitos: o santo que apazigua o lobo emGúbio, o santo que prega aos passarinhos, o santo amigo dos pobres, osanto do Presépio e do Menino Jesus é o santo cuja vida se adapta àscaracterísticas das crianças de todos os tempos como aos jovens eadultos que nele encontram um exemplo de vida e também uma peçafundamental para o diálogo de culturas e de religiões.

7.5 O fim

7.6 O Padroeiro

como modelo

para o Lobito

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Mais do que contar histórias edificantes aos Lobitos é importante queeles, dentro das possibilidades da sua idade, possam compreender osignificado das mesmas histórias; para tal é fundamental procurar umainterpretação adequada e, sobretudo, vê-las no contexto das verdadesevangélicas e da doutrina de Jesus. Não será descabido tambémaproveitar as mesmas histórias para inculcar o respeito e veneração dosanto pelos Lobitos, procurando fazer uma leitura das mesmas à luz dasMáximas do Lobito. Para esse efeito, damos uma ajuda com a selecçãoque apresentamos de seguida:

No tempo em que São Francisco morava na cidade de Gúbio, apareceupor lá um lobo muito grande, terrível e feroz, que não somente devoravaos animais, mas também os homens; tanto que todos os cidadãosviviam um grande medo, pois diversas vezes ele se aproximara dacidade. Todos andavam armados quando saíam da cidade, como sefossem combater. E mesmo assim não podiam defender-se do lobocaso se encontrassem sozinhos com ele. E por medo desse lobo,chegaram a uma situação em que ninguém ousava sair fora da terra. Poresse motivo, tendo São Francisco compaixão das pessoas da terra, quissair para encontrar o lobo, ainda que os cidadãos em conjunto não oaconselhassem. Fazendo o sinal da santíssima cruz, saiu fora da terra,ele com os seus companheiros, pondo toda a confiança em Deus. Ecomo os outros ficassem na dúvida se deviam ir mais adiante, SãoFrancisco tomou o caminho para o lugar onde o lobo ficava.

E eis que, diante de muitos cidadãos que tinham vindo para ver, o ditolobo foi ao encontro de São Francisco, de boca aberta. Aproximando-sedele, São Francisco fez o sinal da santíssima cruz sobre ele, chamou-opara junto de si e disse assim: “Vem aqui, irmão lobo, eu te mando daparte de Cristo que não faças mal nem a mim nem a ninguém”. Coisaadmirável de dizer!Logo que São Francisco fez a cruz, o lobo terrível fechou a boca e paroude correr; e, dada a ordem, veio mansamente como um cordeiro,lançando-se aos pés do Santo, ficando aí deitado. E São Franciscoassim lhe falou: “Irmão lobo, tu fazes muito danos por aqui, e fizestegrandes malefícios, estragando e matando as criaturas de Deus sem aSua licença. E não só mataste e devorastes animais, mas tiveste aousadia de matar pessoas, feitas à imagem de Deus. Por isso tumereces a forca, como um ladrão e homicida. Todo mundo grita emurmura contra ti, e toda esta terra ficou tua inimiga. Mas eu quero,irmão lobo, fazer a paz entre tu e eles, de modo que tu não os ofendasmais e eles te perdoem todas as ofensas passadas, e nem os homensnem os cães continuem a te perseguir”. Ditas essas palavras, o lobo,com gestos do corpo, da cauda e das orelhas, e inclinando a cabeça,mostrava que aceitava o que São Francisco dissera e queria observá-lo.Então São Francisco disse: “Irmão lobo, porque te agrada fazer emanter esta paz, eu te prometo que te farei com que as pessoas destaterra te dêem continuamente a comida enquanto viveres, de modo quenão sofrerás fome. Pois eu sei que foi pela fome que fizeste todo o mal.Mas como eu te concedo esta graça eu quero, irmão lobo, que tu meprometas que não prejudicarás jamais a nenhuma pessoa humana nema algum animal: Prometes-me isso?”E o lobo, inclinando a cabeça, faziaum sinal evidente de que estava prometendo. E São Francisco disse:Irmão lobo, quero que me dês prova dessa promessa, para eu poderbem confiar”. E como São Francisco estendeu a mão para receber seujuramento, o lobo levantou a pata direita e a colocou mansamente sobrea mão de São Francisco, dando-lhe o sinal que podia.

1. O LOBITO PENSANO SEU SEMELHANTE (Ahistória do Lobo de Gúbio )

7.7 S. Francisco

e as Máximas do Lobito

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Então São Francisco disse: “Irmão lobo, eu te mando em nome de JesusCristo que tu venhas agora comigo, sem duvidar nem um pouco. Vamosconfirmar esta paz, em nome de Deus”. E o lobo, obediente, foi com elecomo se fosse um carneirinho manso. Vendo isso, os cidadãos ficarammuito admirados. E a novidade ficou logo conhecida por toda a cidade.Por isso todas as pessoas, homens e mulheres, grandes e pequenos,jovens e velhos, foram para a praça ver o lobo com São Francisco. Eestando o povo aí, em reunido, São Francisco levantou-se e pregou-lhes dizendo, entre outras coisas, como pelos pecados Deus permitecoisas desse tipo e pestes e doenças… mas mais perigoso é o fogo doinferno, que vai durar eternamente para os condenados, do que a raivado lobo, que não pode matar senão o corpo: “Então, como não devemostemer a boca do inferno, quando tamanha multidão tem medo e tremordiante da boca de um pequeno animal? Por isso, voltai para Deus,caríssimos, e fazei uma penitência digna de vossos pecados, e Deusvos libertará do lobo no presente e, no futuro, do fogo infernal”.

Feita a pregação, São Francisco disse: “Ouvi, meus irmãos: o irmãolobo, que está aqui na frente de vós, prometeu-me e jurou, que vai fazeras pazes convosco e que não vos vai ofender mais em coisa alguma, evós prometeis dar-lhe cada dia as coisas necessárias, e eu entro comofiador dele, de que vai observar firmemente o pacto”. Então todo o povo,a uma só voz, prometeu alimentá-lo continuamente. E São Francisco,diante de todos, disse ao lobo: “E tu, irmão lobo, prometes a estaspessoas observar o pacto da paz, de modo que não ofendas nem oshomens, nem os animais, nem criatura alguma?”. E o lobo, ajoelhou-se,inclinou a cabeça, e com gestos mansos de corpo, de cauda e dasorelhas, mostrava, quanto possível que queria observar todo pacto.

Depois o lobo viveu dois anos em Gúbio, e entrava domesticamentepelas casas, de porta em porta, sem fazer mal a ninguém, e sem que ofizessem para ele. E foi alimentado cortesmente pelo povo. E mesmoandando assim pela terra e pelas casas, nunca um cão ladrava atrásdele. Finalmente, depois de dois anos, o lobo morreu de velho,causando muita dor aos cidadãos porque, vendo-o andar tão mansopela cidade, recordavam melhor a virtude e a santidade de SãoFrancisco.

S. Francisco e seus companheiros, depois de grande caminhadachegaram junto de um castelo que se chamava Savurniano. Logo SãoFrancisco se pôs a pregar, e mandou primeiro que as andorinhasficassem em silêncio enquanto ele estivesse a pregar. E as andorinhaslhe obedeceram. Pregou então com tanto fervor, que todos os homens emulheres daquele castelo, por devoção, quiseram ir atrás dele,abandonando o castelo. Mas São Francisco não deixou, dizendo-lhes:“Não tenhais pressa em vos irdes embora. Eu vos ordenarei o quedeveis fazer pela salvação de vossas almas”. E então pensou em fazer aOrdem Terceira para a universal salvação de todos. Deixando-os assimmuito contentes e bem dispostos para a penitência, partiu daí e foi paraum lugar entre Cannara e Bevagna.

Passando adiante com aquele fervor, levantou os olhos e viu algumasárvores ao lado da estrada, sobre as quais havia quase uma multidãoinfinita de pássaros. São Francisco ficou maravilhado com isso e disseaos companheiros: “Esperai-me aqui na estrada, e eu vou pregar ameus irmãos pássaros”.

2. O LOBITO SABE VER E OUVIR (Ahistória da Pregação aos Pássaros )

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Entrou no campo e começou a pregar aos pássaros que estavam nochão; e subitamente os que estavam em cima das árvores vieram todosjuntos e ficaram parados, enquanto São Francisco completou apregação; e depois também não foram embora até que ele lhes deu asua bênção. E caminhando São Francisco no meio deles, tocando-oscom a capa, nenhum se mexia.

O que S. Francisco lhes disse foi isto: “Meus irmãos pássaros, vós soismuito queridos por Deus vosso criador e sempre e em todos os lugaresdeveis louva-lo, pois ele vos deu a liberdade de voar para qualquer lugar,e também vos deu roupa duplicada e triplicada; também porquereservou vossa semente na arca de Noé, para que vossa espécie nãoviesse a faltar no mundo. E ainda tendes obrigação para com Ele peloelemento do ar, que ele entregou a vós. Além disso, vós não semeais enão colheis, e Deus vos alimenta e vos dá os rios e as fontes parabeberdes, vos dá os montes e os vales para o vosso refúgio, e asárvores altas para fazerdes os vossos ninhos. E como é coisa boa quevós não saibais fiar nem costurar, Deus vos veste, a vós e a vossosfilhotes. Por isso o vosso Criador vos ama muito, pois ele vos dá tantosbenefícios.

Dizendo-lhes São Francisco essas palavras, todos aqueles pássaroscomeçaram a abrir os bicos e a estender os pescoços, abrindo as asas einclinando as cabeças até o chão, e a demonstrar com actos e cantosque o pai santo lhes dava grandíssima alegria. E São Francisco, juntodeles, alegrava-se e se divertia, maravilhando-se muito com tamanhamultidão de pássaros, com sua belíssima variedade e com sua atençãoe familiaridade. Por isso, ele louvava devotamente neles o Criador.Finalmente, acabada aquela pregação, São Francisco fez-lhes o sinalda cruz e deu-lhes licença de se irem embora. Então todos aquelespássaros se elevaram no ar com maravilhosos cânticos e depois, deacordo com a cruz que São Francisco tinha feito para eles, dividiram-seem quatro partes; uma parte voou para o oriente, outra parte para oocidente, outra para o sul e outra para o norte. Cada fileira ia cantandocantos maravilhosos significando com isso que, assim como SãoFrancisco, porta-bandeira da cruz de Cristo, tinha pregado para eles efeito o sinal da cruz sobre eles, de acordo com o qual eles se dividirampelas quatro partes do mundo; assim a pregação da cruz de Cristo,renovada por São Francisco, devia ser levada por ele e por seus fradespara todo o mundo.

Um jovem nobre e delicado veio para a Ordem de São Francisco. Depoisde alguns dias, por instigação do demónio, começou a ter nojo do hábitoque usava, o qual lhe parecia usar um saco muito ridículo. Tinha horrordas mangas e detestava o capuz; o comprimento e a aspereza do tecidopareciam-lhe uma carga insuportável. Como depois cresceu odesprazer pela religião, finalmente resolveu deixar o hábito e voltar parao mundo. Ele já se tinha acostumado, de acordo com o que lhe haviaensinado seu mestre, que em qualquer hora que passava diante do altardo convento, onde se conservava o corpo de Cristo, devia ajoelhar-secom grande reverência, tirar o capuz e inclinar-se com os braços emcruz.

3. O LOBITO ÉASSEADO

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Ora aconteceu que, na noite em que devia partir e sair da Ordem,passou diante do altar do convento e, ao passar, segundo o costumeajoelhou-se e fez a reverência. De repente foi arrebatado em espírito eteve uma maravilhosa visão. Viu diante de si uma multidão quase infinitade santos, andando dois a dois como numa procissão, vestidos debelíssimas e preciosas vestes de tecido, e seu rosto e mãosresplandeciam como o sol. Caminhavam todos com cânticos e sons dosanjos. Entre aqueles santos, havia dois mais nobremente vestidos eadornados do que todos os outros, e estavam cercados por tantaclaridade que constituíam um enorme assombro para quem os via.Quase no fim da fila, viu um adornado de tanta glória que parecia umcavaleiro novo, mais honrado do que os outros. Vendo o jovem a referidavisão, ficou maravilhado e não sabia o que queria dizer aquela visão,nem tinha coragem de perguntar, pois estava estupefacto por aquelasensação agradável.

Em todo caso, quando passou toda a procissão, ele também arranjoucoragem e correu atrás dos últimos, perguntando-lhes com grandetemor: “Ó caríssimos, eu vos peço que me digais quem são aqueleshomens tão maravilhosos que estão nesta procissão tão venerável. Elesresponderam: “Nós todos somos frades menores, que chegamos agorada glória do paraíso”. E ele retorquiu: “Quem são aqueles dois queresplandecem mais que os outros?”. Eles responderam: “Aqueles sãoSão Francisco e Santo António, e aquele último que viste tão honrado éum santo frade que morreu recentemente, o qual, como combateuvalentemente contra as tentações e perseverou até o fim, nós o estamoslevando em triunfo para a glória do paraíso. E estas vestes de tecidostão bonitos que usamos, foram dadas por Deus em troca das ásperastúnicas nós usávamos pacientemente na religião. E a gloriosa claridadeque vês em nós foi-nos dada por Deus pela humildade e paciência e pelasanta pobreza e obediência e castidade, que nós guardamos até o fim.Por isso, filho, não te seja duro usar o saco da religião, tão frutuoso,porque se com o saco de São Francisco, por amor de Cristo, tudesprezares o mundo e mortificares a carne, e combateresvalentemente, terás junto a nós uma roupa semelhante e a claridade daglória”.

Ditas essas palavras, o jovem voltou a si e, confortado pela visão,afastou toda tentação. Reconheceu a sua culpa diante do guardião edos frades e daí em diante desejou a aspereza da penitência e dasroupas, e acabou sua vida na Ordem em grande santidade.

Vindo uma vez São Francisco da região de Perugia para Santa Mariados Anjos com o seu amigo Frei Leão, num dia gelado de Inverno,chamou Frei Leão, que ia indo na frente, e disse assim: “Frei Leão, seacontecer, por graça de Deus, que os frades menores dêem em todas asterras grande exemplo de santidade e de boa edificação, nem por issoestá aí a perfeita alegria”. E andando mais adiante, São Franciscochamou-o uma segunda vez: “Ó Frei Leão, ainda que o frade menorilumine os cegos, estenda os encolhidos, expulse os demónios, faça ossurdos ouvirem e coxos andarem, e os mudos falarem e, o que é coisamaior, ressuscite os mortos de quatro dias, escreve que nem por issoestá aí a perfeita alegria”. E, andando um pouco, São Francisco gritouforte: “Ó Frei Leão, se o frade menor soubesse todas as línguas, todasas ciências e todas as escrituras, de modo que soubesse profetizar erevelar não somente as coisas futuras mas até os segredos dasconsciências e das pessoas, escreve que também não está nisso a

4. O LOBITO ÉALEGRE:

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perfeita alegria”.Andando um pouco mais adiante, São Francisco aindachamava forte: “Ó Frei Leão, ovelhinha de Deus, ainda que o frademenor fale com a língua dosAnjos e saiba os caminhos das estrelas e asvirtudes das ervas, e lhe sejam revelados todos os tesouros da terra, econheça as virtudes dos pássaros e dos peixes e de todos os animais, edas pedras e das águas, escreve que não está nisso a perfeita alegria”.E andando ainda mais um pedaço, São Francisco chamou com força: “ÓFrei Leão, ainda que o frade menor saiba pregar tão bem que convertatodos os infiéis para a fé de Cristo; escreve que aí não há perfeitaalegria”.

Ao fim de duas milhas que durou este diálogo, Frei Leão, com grandeadmiração, perguntou: “Pai, eu te peço da parte de Deus que tu medigas então onde há perfeita alegria”. E São Francisco lhe respondeu:“Quando nós chegarmos a Santa Maria dos Anjos, todos molhados pelachuva, enregelados pelo frio, enlameados de barro, aflitos de fome, ebatermos à porta do lugar, e o porteiro zangado disser: “Quem sois vós?”E nós dissermos: “Nós somos dois dos vossos frades”. E ele disser: “Vósnão dizeis a verdade, pois sois dois marotos que andais enganando omundo e roubando as esmolas dos pobres; ide embora”, e não nos abrir,e nos fizer ficar fora na neve e à chuva, com o frio e com a fome até denoite… Então, se nós suportarmos tanta injúria e tanta crueldade etantos despedimentos, sem nos perturbarmos, e sem murmurar dele, epensarmos humildemente que aquele porteiro nos conhece de verdade,que Deus o faz falar contra nós, ó Frei Leão, escreve que aqui há perfeitaalegria. E se, apesar disso, continuássemos batendo, e ele saísse parafora perturbado, e nos expulsasse como velhacos importunos, comvilanias e bofetões, dizendo: Ide embora daqui seus gandulos, ide aohospital, porque aqui não comereis, nem vos abrigareis”. Se nóssuportarmos isso pacientemente, com alegria e com bom amor; ó FreiLeão, escreve que aqui há alegria perfeita.

E se nós, mesmo constrangidos pela fome, pelo frio e pela noite, aindabatermos mais, chamarmos e pedirmos por amor de Deus com muitopranto que nos abra e nos deixe entrar mesmo assim, e eleescandalizado disser: “Estes são patifes importunos, eu os pagareibem, como merecem; e sair para fora com um bastão cheio de nós, enos agarrar pelo capuz e jogar por terra, e nos revirar na neve e nosbater nó por nó com aquele bastão: se nós suportarmos todas essascoisas pacientemente e com alegria, pensando nas penas de Cristobendito, que temos que aguentar por seu amor; ó Frei Leão, escreve queaqui e nisto há perfeita alegria”Por isso, ouve a conclusão, Frei Leão. Acima de todas as graças e donsdo Espírito Santo, que Cristo concede aos seus amigos, está a devencer-se a si mesmo e de boa vontade, por amor de Cristo, suportarpenas, injúrias, opróbrios e mal-estar. Porque de todos os outros donsde Deus nós não nos podemos gloriar, pois não são nossos, mas deDeus, como diz o Apóstolo: Que é que tu tens que não recebeste deDeus? E se recebeste dele, por que te glorias, como se o tivesses por ti?Mas na cruz da tribulação e da aflição nós podemos nos gloriar, pois dizo Apóstolo: Não quero me gloriar a não ser na cruz de nosso SenhorJesus Cristo”.

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5. O LOBITO DIZ SEMPREAVERDADE

Estando São Francisco uma vez, no começo da Ordem, com Frei Leãonum lugar onde não tinham o livro para rezar o Ofício Divino, quandochegou a madrugada, São Francisco disse a Frei Leão: “Caríssimo, nósnão temos Breviário com o qual possamos rezar mas, para que usemoso tempo para louvar a Deus, eu direi e tu me responderás como eu vou teensinar. Tem cuidado para não mudares as palavras de maneiradiferente do que eu vou te ensinar. Eu direi assim: Ó Frei Francisco, tufizeste tantos males e tantos pecados no mundo que és digno do inferno;e tu, Frei Leão, responderás: É verdade que tu mereces ir para o maisfundo dos infernos”. E Frei Leão, com a simplicidade de uma pomba,respondeu: “De boa vontade, pai; começa em nome de Deus”.

Então São Francisco começou a dizer: “Ó Frei Francisco, tu fizestetantos males e tantos pecados no mundo, que tu és digno do inferno”. EFrei leão respondeu: “Deus fará por ti tantos bens, que tu irás para oParaíso”. São Francisco disse: “Não digas assim, Frei Leão, masquando eu disser: “Frei Francisco, tu fizeste tantas coisas más contraDeus que és digno de ser amaldiçoado por Deus; e tu responderás:“Verdadeiramente tu és digno de ser colocado entre os condenados aoinferno”. E Frei Leão respondeu: “De boa vontade, pai!”. Então SãoFrancisco, com muitas lágrimas, suspiros, e pancadas no peito, disseem alta voz: “Ó Senhor do céu e da terra, eu cometi contra ti tantasiniquidades e tantos pecados, que por tudo sou digno de seramaldiçoado por ti”. E Frei Leão respondeu: “Ó Frei Francisco, Deus vaite fazer tal que, entre os benditos, vais ser especialmente bendito”.

Então, São Francisco, admirando-se de que Frei Leão lhe respondessesempre o contrário do que lhe havia imposto, repreendeu-o dizendo:“Porque não respondes como eu te ensino? Eu te mando por santaobediência que tu respondas como eu te ensinar. Eu direi assim: “Ó FreiFrancisco, mauzinho, pensas que Deus vai ter misericórdia de ti? Pois tucometeste tantos pecados contra o Pai da misericórdia e Deus de todaconsolação, que tu não és digno de encontrar misericórdia”. E tu, FreiLeão, ovelhinha, responderás: “De modo algum és digno de encontrarmisericórdia”. Mas quando São Francisco disse: “Ó Frei Francisco,mauzinho”etc.; Frei Leão respondeu: “Deus Pai, cuja misericórdia éinfinita mais do que o teu pecado, terá grande misericórdia para contigoe sobre ela te acrescentará muitas graças”. Com essa resposta, SãoFrancisco, docemente irado e pacientemente perturbado, disse a FreiLeão: “Porque é que tiveste a presunção de agir contra a obediência, erespondeste tantas vezes o contrário do que eu te impus?”. Frei Leãorespondeu muito humilde e reverentemente: “Deus sabe, meu pai, quetodas as vezes eu decidi no coração que ia responder como memandaste, mas Deus me faz falar como agrada a Ele e não como agradaa mim”.

São Francisco ficou ainda mais admirado e disse a Frei Leão: “Eu tepeço encarecidamente que tu me respondas desta vez como eu tedisse”. Frei Leão respondeu: “Diz, em nome de Deus, que desta vez euvou responder como tu queres”. E São Francisco disse entre lágrimas:“Ó Frei Francisco mauzinho, pensas que Deus vai ter misericórdia deti?”. Frei Leão respondeu: “Pelo contrário, vais receber uma graçagrande de Deus, que ele te vai engrandecer e glorificar para sempre,pois quem se humilha será exaltado. E eu não posso dizer outra coisa,pois Deus fala pela minha boca”. E pouco depois, tendo eles passadotanto tempo neste diálogo, estiveram acordados até chegar o dia...

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Os textos aqui apresentados são apenas uma selecção que poderáajudar e inspirar uma história mais elaborada até porque a linguagem éum pouco marcada pelo estilo medieval em que as Florinhas foramredigidas. Por isso não será de aconselhar a pura e simples leitura dosmesmos; antes, pelo contrário, um estudo e preparação precedentespoderiam permitir contar a história de uma forma um pouco maisadequada. Note-se, por exemplo a divisa dos Lobitos no diálogo de FreiLeão com S. Francisco: “Da melhor vontade!”Ao mesmo tempo, será deaplicar à situação concreta da vida emAlcateia cada uma das situações,procurando que os Lobitos sejam capazes de descobrir por elespróprios a mensagem que a história transmite. Assim, não sóaprenderão as Máximas, mas também a própria Lei do Lobito de umaforma agradável, como certamente crescerão no conhecimento e naamizade pelo seu padroeiro, S. Francisco deAssis: a primeira, terceira equinta histórias ajudam também a compreender o significado de “OLobito não se escuta a si próprio”, enquanto que a primeira e segundadão uma ideia da importância do artigo “O Lobito escuta aAkelá”.

Para crescer e se adaptar aos desafios da selva e depois ao ambientefora dela, Máugli teve que conviver com os animais, e foram estes quelhe deram a conhecer a verdadeira realidade da sociedade humana queé preciso enfrentar. Mas, ao regressar à vida em sociedade, ele levaconsigo os animais transformados em experiência de vida,transformados em capacidade de compreender as intenções dosoutros, transformados em outros tantos modos de a sociedade se lherevelar nas suas qualidades e nos seus defeitos. A Lei da Selva não é jápara ele uma “lei da selva” onde vale tudo, mas a imagem de todo umcódigo de conduta que o vai ajudar a crescer a descobrir o mundo que orodeia. Mas isso será já tarefa de um Explorador...

No entanto, o Chefe de Unidade não pode deixar de estar sensível auma dimensão mais profunda da Mística e Simbologia escutista, mesmono que respeita aos Lobitos: a capacidade de nos relacionarmos com otranscendente, com aquilo que ultrapassa as meras categorias terrenasda vida. Assim como a vivência do ambiente da selva pode ajudar oLobito a perceber os meandros da vida em sociedade, também estaexperiência o poderá ajudar a ir mais além na sua vivência de umarelação com o sobrenatural e com Deus. Falámos já da relação com oMenino Jesus no contexto da mística do Lobito; porém, os símbolos, osentido de grupo, a apreensão dos valores as partir da sua experiênciasão uma porta aberta para valores mais altos que o Chefe de Unidadeterá presentes na sua actuação de educador, no contexto de ummovimento católico como é o Corpo Nacional de Escutas.

A importância da simbologia está na base de toda a formação e teologiasacramental pois nos sinais sacramentais há uma ligação efectiva entreo sinal (significante) e a realidade significada porque os sinaissacramentais “realizam mesmo o que significam”; por exemplo o sinaldo baptismo é a água, água que serve para lavar, mas que no baptismoconsegue lavar mais profundamente o próprio mal e o pecado. Era tal aimportância que a simbologia assumiu na vida dos cristãos que setornou o meio mais eficaz de catequização«, nomeadamente emclasses profundamente iletradas ou analfabetas, o que originou umfecundo desenvolvimento da arte cristã (pórticos, vitrais, azulejos,esculturas) interpretada depois através de sermões numa linguagemmuito própria que entretanto foi caindo em desuso. Por isso mesmo,uma correcta exploração da simbologia escutista, e particularmente noque respeita ao imaginário dos Lobitos poderá constituir uma óptimaintrodução numa linguagem que, mais tarde, poderá conduzir a criançaà compreensão e ao relacionamento com as realidades dotranscendente.

8. Conclusão:

Mística e Simbologia

rumo ao transcendente

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BADEN POWELL, “Discurso aos Chefes” em 1939.

Cfr. JOSE NUNO, “Mística e Simbologia no Escutismo” in Mística e Simbologia do CNE, Ed.Do Corpo Nacional de Escutas, Lisboa, 2001, p. 15.

Experimentem ler Santa Teresa de Ávila quando fala das “moradas” ou mesmo já o próprioS. Paulo que diz ter sido “arrebatado até ao sétimo céu” e vivido uma experiência que de modo nenhumconsegue relatar. Mas o efeito dessa experiência é bem visível na sua obra apostólica. Os budistasfalam de diversos caminhos para atingir esse estado místico de perfeição, o “nirvana”; para tal utilizamtécnicas de concentração e de alheamento do mundo como o “yoga”, técnicas que se encontramactualmente muito em moda na prática espiritual ocidental, incluindo a católica.

Quer tenhas sido ou não universitário, experimenta ler o livro de TRINDADE COELHO In illotempore que dá uma curiosa e mesmo cómica ideia do que era e, em certo sentido, continua a ser amística estudantil coimbrã e não só.

LUIS MALDONADO, Liturgia,Arte, Beleza, Ed. Paulinas, Madrid, 2002, p. 54. Por vezes vê-se isso em histórias de filmes onde as duas partes de uma mesma medalha são dadas a dois filhos queentretanto se perdem, se separam, e mais tarde se voltam a reencontrar através da reunião das duaspartes da medalha...

O criptograma do peixe tem um sentido particular: a palavra peixe é em grego “ixthus” o quese entende como as iniciais em acróstico de “Iesus Christos Theou, Uios, Soter” ou seja, “Jesus Cristo,Filho de Deus, Salvador.Assim outros símbolos que fazem parte da arte e da expressão páleo-cristã.

BRUNO BETTELHEIM, Psicanálise de los Cuentos de Hadas, Mondadori, Barcelona,1977, p. 9.

Idem p. 33.

Idem. p. 10.

Baden-Powell conheceu Rudyard Kipling na África do Sul, em 1906. Dois anos mais tarde,quando escreveu a sua obra Escutismo para Rapazes dedicou um bom espaço à personagem principalde um outro livro de Kipling conhecido como "Kim", de que falaremos a propósito da mística da IISecção. Kimbal O'Hara era um jovem órfão que vivia na Índia, filho de um maçon inglês, segundo revelaa própria obra de Kipling no primeiro capítulo. Em 1914, quando B-P tentava criar uma unidade para osmais pequeninos dos escuteiros, decidiu utilizar o livro de Kipling Jungle Book (O livro da selva) paramodelar uma nova mística inspirada em Máugli. Pediu autorização ao autor pois, segundo B-P este "eraum bom amigo do escutismo desdes seus primórdios, autor duma canção oficial dos escoteiros e pai deum escuteiro” O nome escolhido para designar os escuteiros mais novinos Lobitos está muito próximotambém do nome que os maçons dão às crianças adoptadas por ela: lobos ou chacais, o que, entreoutros argumentos serve para se falar de uma proximidade entre o escutismo e os ideais maçónicos,mesmo que não haja a certeza de que Baden-Powell os tenha alguma vez abraçado.

Para além da leitura do Livro da Selva que será fundamental para a formação de um Chefeda I Secção, este encontra hoje em dia à disposição um conjunto de materiais que podem ser de grandeutilidade como a versão cinematográfica da mesma obra já disponível em várias versões DVD.

Cada um destes animais é representado por um dos Dirigentes da I Secção com relevo parao Chefe de Unidade que é, por isso, habitualmente chamado deAkelà. Os outros deverão, conforme asfunções e o seu lugar na Alcataia, ser o Balú, Baguera, Xer Kane, etc. de modo a que o Lobito encontrerepresentada na sua Unidade aAlcateia.

Atribuída a S. Francisco, esta oração não foi composta pelo “pobrezinho deAssis”, mas nosinícios do séc. XX, por alguém imbuído certamente do espírito franciscano. Permaneceu anónima estaoração, mas profundamente significativa e célebre. (ver GÉRARD GUITTON, Descobrir S. Francisco,Ed. Franciscana, Braga, 2006, p. 95-105).

É particularmente rico nestes dados o Evangelho do Pseudo Mateus, cap. XXVI-XXVIIIonde se apresenta um menino Jesus que castiga um seu colega com a morte por lhe ter estragado asbrincadeiras, mas depois o ressuscita perante o olhar desesperado dos pais ou que faz passarinhos debarro ao sábado e, perante a repreensão dos fariseus por trabalhar ao sábado, ele sopra sobre osbonequitos e eles começam a voar…

Ver UF Vivência da fé na Unidade.

A respeito da lenda do “beijo no leproso” e seu significado simbólico, ver GÉRARDGUITTON, Descobrir S. Francisco, Ed. Franciscana, Braga, 2006, p. 61.

Esta é uma das cenas mais comoventes da vida de S. Francisco que o pintor Giotto retratana Igreja deAssis no conjunto de frescos sobre a vida do Santo.

Ainda hoje se pode apreciar a pequenina capela - chamada da Porciúncula - conservada nointerior da grande Basílica de Santa Maria dosAnjos emAssis.

Esta famosa história da pregação aos pássaros está presente em várias manifestaçõesartísticas desde as pinturas de Giotto à música. Nesta destacamos “Sermão aos Pássaros” para Piano,de Franz Liszt, transcrita para Órgão por Camille Saint-Saens e ainda a Ópera S. François deAssise, deOlivier Messiaen, compositor e obra onde a linguagem dos pássaros tem uma importância e umapresença sem igual. Ver particularmente II Acto, Cena 6. A relação do santo com os pássaros preenchequase toda a sua vida. Tinha uma predilecção especial pela cotovia. Como ele dizia, “a irmã cotovia temum capuz como os religiosos. É um pássaro humilde que de boa vontade faz qualquer percurso paraencontrar uma semente. Quando voa, canta com suavidade louvores ao Senhor, tal como os bons

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religiosos que, desligados da terra, têm pensamentos sempre dirigidos para o céu e fervor no louvor aDeus. A sua plumagem parece-se com a terra: serve de exemplo aos religiosos para que não usemvestimentas finas, mas hábitos de preço ínfimo, e da cor da terra que é o mais vil dos elementos”. (citadoem IVAN GOBRY, S. Francisco de Assis, Ed. Europa-América, Mem Martins, 2004, p. 280-281).

Todas estas histórias, marcadas pela fantasia e pela lenda, e que fazem parte do imaginárioconstruído à volta de S. Francisco de Assis, constam de uma obra escrita pelos seus admiradoreschamada Florinhas de S. Francisco, eventualmente de um autor anónimo do séc. XIV. Sobre a suainterpretação e contextualização pode ver-se a obra anteriormente citada de GÉRARD GUITTON,Descobrir S. Francisco.

Parece que a história do Lobo de Gúbio se refere não a um animal, mas a um fidalgomalvado que explorava as pessoas pobres ao ponto de ser considerado como uma verdadeira ferapelos habitantes da região. Francisco foi capaz de o levar à razão e reconciliá-lo com os habitantes daterra. Esta história tem reflexos de outras histórias e lendas como a lenda de Orfeu, que com a sua liraamansava as feras e convertia os homens, com a tradição bíblica que, na voz do profeta Isaías diz que“o lobo viverá com o cordeiro” ou mesmo com o aforisma que falando da malvadez humana para com osseus semelhantes refere que “homo homini lupus” ou seja, que “o homem é um lobo para o outrohomem”.

Trata-se do Cardeal Hugolino que foi um interlocutor de enorme importância para S.Francisco nas suas relações com a Cúria Romana e particularmente com os Papas Inocêncio III eHonório III que sempre o acarinharam também, mas tiveram de agir com alguma prudência. O mesmocardeal Hugolino seria depois o Papa Gregório IX uma grande figura da Igreja e importanteparticularmente na história do Direito Canónico pois a ele se deve a primeira compilação legislativa daIgreja:As Decretais de Gregório IX Foi este Papa que canonizou SantoAntónio de Lisboa.

Estes frades estiveram em Coimbra no convento dos frades de Santa Cruz onde, entreoutros, encontraram Fernando de Bulhões. Quando mais tarde as relíquias dos frades martirizadosvoltaram a Coimbra, o monge Fernando de Bulhões entusiasmou-se e resolveu fazer-se tambémfranciscano e deslocar-se para Marrocos. Não o conseguiu porque uma tempestade arrastou o barcopara norte, indo aportar nas costas da Sicília. Nascia assim um dos mais famosos franciscanos detodos os tempos: SantoAntónio de Lisboa.

Trata-se de grupos de religiosos que defendem uma maior preparação teológica dosFrades Menores. S. Francisco era da opinião de que os seus discípulos não precisavam de serteólogos, mas deveriam pregar com simplicidade, deixando a teologia para os seus amigosDominicanos. Mais tarde teve que se render à evidência da necessidade de preparação teológica dosseus frades e resolveu ele mesmo reactivar o convento de estudos de Bolonha. Para director do mesmoiria chamar uma das figuras que mais se tinham evidenciado na Ordem pela sua erudição, emboradedicado ao tempo a trabalhos simples: Santo António de Lisboa, nada menos. Pela sua fama eerudição, este franciscano seria depois chamado a ensinar em Montpelier e Limoges e a pregar portoda aAquitânia por causa das heresias emergentes.

O que resta da mesma casa destruída por Francisco foi descoberto recentemente e podever-se ainda hoje na Cripta da Basílica de Santa Maria dosAnjos.

Foi o Papa João Paulo II que proclamou S. Francisco deAssis padroeiro dos ecologistas em29 de Novembro de 1979: o texto do Cântico das Criaturas ou também chamado Cântico do Irmão Solpode encontrar-se em muitos livros, nomeadamente na Liturgia das Horas, Ofício de Leituras dasQuintas-Feiras, no Tempo Comum, pelo que não o transcrevemos aqui.

O chamado “espírito de Assis” iniciado por João Paulo II com o encontro de líderesreligiosos, precisamente em Assis, é uma das mais importantes e mediáticas iniciativas deste Pontíficeno caminho para o diálogo inter-religioso considerado fundamental para a convivência sadia entre oshomens de hoje, inspirado precisamente em S. Francisco. Esse espírito de Assis não é mais que aconsagração do ideal de fraternidade universal que os escuteiros também procuram concretizar noespírito escutista. Quem sabe se, na vivência do amor ao seu padroeiro, não encontrarão os Lobitos umponto de partida para uma atitude mais aberta e dialogante a concretizar nas suas vidas? Também aquié de pequenino que se começa.

Essa mesma interpretação em linguagem acessível, encontra-se no livro já citado deGÉRARD GUITTON, Descobrir S. Francisco, Ed. Franciscana, Braga, 2006.

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