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Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e
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MUDANÇAS PARADIGMÁTICAS DAS PRÁTICAS DE LEITURA
NO SÉCULO XXI: AS CONTRIBUIÇÕES DA LITERATURA
INFANTIL COMO FERRAMENTA IMPRESSA E DIGITAL
Daniella Carvalho Pereira dos Santos (UFMA)
1
RESUMO: Enfoque paradigmático das práticas de leitura na sociedade contemporânea sob a ótica da
literatura infantil nas versões impressa e digital. Apresenta o poder transformador da literatura infantil
para a formação de leitores críticos, enfatizando as suas contribuições para alavancar as dimensões
educativas em meio às transformações tecnológicas ocorridas no século XXI. Evoca-se o meio digital
como aliado no processo de formação de leitores, ressaltando as transformações ocorridas ao longo dos
séculos.
PALAVRAS-CHAVE: Práticas de leitura. Literatura infantil. Transformações tecnológicas.
ABSTRACT: Paradigmatic approach of reading practices in contemporary society from the perspective
of children's literature in print and digital versions. Displays the transformative power of children's
literature for the formation of critical readers, emphasizing their contributions to leverage the educational
dimensions among the technological changes that occurred in the XXI century. Conjures up digital media
as an ally in the process of formation of readers, highlighting the changes that have occurred over the
centuries.
KEYWORDS: Practice reading. Children's literature. Technological transformations.
1 INTRODUÇÃO
Ensinar a prática da leitura vai além do ato de transferir o conhecimento de
signos, pois exige respeito às curiosidades e à identidade sociocultural do educando,
bem como respeito à sua autonomia enquanto leitor em formação.
Neste momento, trazem-se à tona as reflexões de Paulo Freire, que trabalha
concisamente na obra Pedagogia da Autonomia os saberes necessários à prática
educativa; por isso, parafraseando o autor, enfatiza-se que ensinar significa criar
1 Bibliotecária da Universidade Federal do Maranhão e Pós-graduanda em Formação de leitores
E-mail: [email protected]
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condições e possibilidades para que o educando produza e construa seu próprio
conhecimento acerca daquilo que vivencia (FREIRE, 2010).
Ao tratar-se da formação de leitores, urge destacar os instrumentos que
propiciam a efetivação do processo. Dentre eles, dá-se ênfase à literatura, especialmente
à literatura infantil, pois incentivar a leitura nos anos iniciais da criança, através da
escola, do apoio familiar e das atividades desenvolvidas por uma biblioteca, contribui
para dar suporte seguro ao leitor em sua fase inicial, vislumbrando a transformação
deste em leitor crítico.
Concernente a isto, Teodoro (1995, p.23 apud PERUZZO, 2011, p.95)
destaca: “O cidadão é como uma planta que, desde a forma de semente, precisa ser
cuidada para que cresça forte e bonita. Assim é a leitura. Para se fazer leitores é
necessário cultivar os atos de ler e entender”.
A prática da leitura não está, necessariamente, condicionada ao poder
aquisitivo do cidadão, mas à forma como ela é tratada e como é oferecida.
Desse modo, vislumbra-se a literatura infantil como ponto de partida para
conquistar sujeitos que se apaixonem por viagens ao mundo das descobertas e,
imperceptivelmente, sejam fascinados e atraídos pela leitura de maneira tal que sintam
necessidade de variar suas temáticas e alcançar níveis mais elevados de cultura,
selecionando criticamente aquilo que lhes convêm absorver, permitindo o desvelamento
do ser leitor até chegar ao nível de construir textos de outro texto, questionando os
acontecimentos e procurando soluções para o, até então, insolucionável.
Nestes parâmetros, o fator preponderante para se alcançar conhecimento é a
curiosidade, e é este o foco da literatura infantil: entreter a criança despertando sua
curiosidade, injetando na prática da leitura as informações necessárias e específicas a
cada faixa etária para que a criança avance criticamente seu nível intelectual.
Neste contexto, Betelhim (1980, p.13 apud PERUZZO,2011, p. 97) ressalta
que :
Para que uma estória realmente prenda a atenção da criança, deve entretê-la e
despertar sua curiosidade. Mas para enriquecer sua vida, deve estimular-lhe a
imaginação: ajudá-la a desenvolver seu intelecto e a tornar claras as emoções;
estar harmonizada com suas ansiedades e aspirações; reconhecer plenamente
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suas dificuldades e, ao mesmo tempo, sugerir soluções para os problemas que
a perturbam.
Assim, o melhor momento para se incutir os benefícios da prática leitora no
indivíduo, indubitavelmente é a infância, uma vez que a mesma favorece a
contextualização de significados e inicia sequencialmente o processo de formação de
leitores.
Enfim, iniciar a prática da leitura na infância viabiliza à criança o
entusiasmo da sua possibilidade de construir o que a sua imaginação lhe permitir e,
neste viés, o adulto, qualquer que seja o mediador, exerce a função de facilitador e deve,
inicialmente, ler para ela.
Nesse momento, percebe-se que o escutar também se constitui em uma
etapa do processo de leiturização. Ao narrar estórias, o adulto provoca, aguça os
sentimentos e as imaginações do pequeno leitor/ouvinte, possibilitando-o criar, produzir
significados a partir da sua compreensão da narrativa; é então que se percebe o adulto
como verdadeiro mediador e canal de acesso do leitor em formação à sua capacidade de
tornar-se leitor crítico, reflexivo e autônomo.
Para tanto, a prática da leitura precisa constituir-se em um ato prazeroso e
significativo, tanto para a criança quanto para o adulto, por isso, é imprescindível que os
mediadores dinamizem e explorem a literatura infantil em sua essência, lançando mão
de todos os artifícios e recursos possíveis para torná-la agradável aos que a recebem.
2 LITERATURA INFANTIL: FERRAMENTA DE TRANSFORMAÇÃO NA
FORMAÇÃO DE LEITORES
Formar leitores a partir da literatura é tarefa que exige dedicação, pois todo
o sentimento de prazer ou desprazer emitido pelo mediador no ato de ler é transmitido à
criança, e qualquer deslize na prática da leitura poderá interferir no sucesso ou insucesso
para alcance dos objetivos esperados.
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Assim, dentro desse processo, entende-se que é preciso motivar para que a
leitura esteja vinculada a uma prática ao invés de representar um hábito costumeiro por
conveniência; aquela, por sua vez, remete a um valor de satisfação e de continuidade
prazerosa do ato de ler.
É evidente que os interesses pelos tipos de leitura irão se modificar à
proporção que o leitor for alcançando níveis intelectuais mais altos e novas
experiências, tanto de leitura quanto de vivência cotidiana, contudo a literatura se
apresenta, conotativamente, como linha inicial na construção da concisão textual da
prática da leitura. Soma-se a isto o fato de que a literatura infantil da atualidade oferece
uma multiplicidade de leituras, questionamentos e reflexões, agregando valores e
instigando no leitor o interesse em ultrapassar barreiras que limitem seu encontro com o
conhecimento.
É sabido que a escola busca desenvolver na criança competências de leitura
e escrita, no entanto, é mister ir além a fim de proporcionar um desenvolvimento social,
emocional e cognitivo que permita à criança tornar-se um cidadão ativo, participativo e
capaz de construir sua própria história de vida, com cenários de contos de fadas, porém
com base real e sólida.
Nessa perspectiva, Bakhtin (1992 apud CASTRO, 2008, p. 1) define a
literatura infantil como “[...] um instrumento motivador e desafiador, ela é capaz de
transformar o indivíduo em sujeito ativo, responsável pela sua aprendizagem, que sabe
compreender o contexto em que vive e modificá-lo de acordo com sua necessidade”.
A literatura infantil precisa ser vislumbrada sob um a ótica transformadora,
uma vez que tem o poder de influenciar positivamente na formação do leitor, não
simplesmente no ambiente escolar, porém, para a vida, atingindo dimensões educativas
plenas que fogem ao simples atendimento de uma grade curricular.
Os momentos de hora do conto permitem relacionar os sentimentos e
fantasias com o mundo real, enfocando problemas existenciais da infância que tendem a
gerar futuras crises de identidade se deixarem de ser trabalhados. Segundo Abramovich
(1997 apud CASTRO, 2008, p.2),
É através de uma história que se pode descobrir outros lugares, outros
tempos, outros jeitos de agir e de ser, outras regras, outra ética, outra ótica...
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É ficar sabendo história, filosofia, direito, política, sociologia, antropologia,
etc. sem precisar saber o nome disso tudo e muito menos achar que tem cara
de aula.
Nessa tessitura, entende-se que a leitura tem o poder revolucionário de
libertar os encarcerados pela ignorância e fazer valer o conhecimento e o domínio de
tudo aquilo que se precisa para ir além, rompendo barreiras e alcançando horizontes
antes inexplorados.
Posto isto, há que se refletir sobre os problemas estruturais que afetam o
processo de formação de leitores no Brasil. Afinal, o enrijecedor das engrenagens de
desenvolvimento do leitor é o mediador ou são os parcos recursos e ferramentas
utilizadas por ele neste processo?
Faz-se tal indagação tendo em vista que as pesquisas no campo da leitura
detectam a inexistência de políticas públicas contínuas que fomentem a inserção da
leitura na sociedade e, concomitantemente, o exercício da cidadania através do
aprimoramento cultural. A convivência com a leitura, e especialmente com a literatura é
feita às margens; a trajetória do livro e da leitura através dos séculos enfrentou desafios
inconcebíveis e, ainda hoje, se depara com obstáculos incomensuráveis que limitam a
sua repercussão de forma mais abrangente e impedem que se dissipem divergências
entre classes sociais e culturais.
As ações políticas no âmbito das práticas leitoras iniciaram focando o livro,
mas, a partir dos anos 80, o foco voltou-se diretamente à leitura, ainda que
letargicamente.
Segundo Silva (2009, p.87),
Da década de 80 para cá houve intensificação sobre a leitura e sua
importância para o programa educacional do país. Muitas foram as ações (ou
tentativas delas), porém permaneceram isolados ou quando vinham por meio
do estado dificilmente havia continuidade. A cada mudança de
administração, também os encaminhamentos dados à leitura eram mudados.
Reiterando as palavras do autor, surge na década de 90 o Programa Nacional
Biblioteca da Escola (PNBE) com o propósito de oferecer a “democratização cultural”
por meio de coleções de literatura brasileira entre outras.
Sob um olhar crítico, mais uma vez questiona-se onde está a falha do
processo de formação de leitores, uma vez que as ações políticas individualizam os
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aspectos que permeiam a práxis da leitura. Há de se conceber este processo como um
todo e perceber que há um contexto que o envolve, ou seja, livro, leitura e biblioteca
necessitam de atenção equiparada em mesmo nível de relevância; não é viável priorizar
um eixo em detrimento de outros, pois formam um tripé que se complementa.
Contudo, o foco da discussão é a descoberta do obstáculo que impede que o
processo de formação do leitor flua naturalmente e sem interrupções, portanto, no que
tange ao mediador (independente do tipo de profissional, se pedagogo, bibliotecário,
auxiliar de bibliotecas, monitores de hora do conto, enfim), é preciso concebê-lo, antes
de tudo, como um leitor proficiente, dotado de práticas e competências leitoras sólidas;
ao passo que, no tocante às ferramentas utilizadas por ele, urge diversificar sua
categoria, sair da rotina rigidamente vinculada à grade curricular e fugir de receitas
prontas e materiais intrinsecamente didáticos que ameacem o potencial crítico e
autônomo do leitor em formação; torna-se necessário inovar, pois a natureza formadora
da literatura difere da proposta pedagógica incutida nos livros didáticos, concedendo
flexibilidade na práxis e ressaltando seu cunho transformador.
Vislumbrando especialmente os pequenos leitores, é evidente que para o
bom contato destes sujeitos com a leitura, é essencial que eles sejam estimulados pelo
caráter estético e lúdico dos livros a fim de que vivenciem as emoções e a sua
capacidade de imaginação, elementos estes que servirão de suporte para uma visão
crítica do mundo e o desenvolvimento de sua individualidade e exercício da cidadania.
Neste viés, Araújo (2012, p.1) endossa que
[...] o lugar ocupado pela literatura infanto-juvenil na arte literária reflete, de
algum modo, o lugar ocupado pela criança na sociedade, já que ela, inserida
na concepção de mundo regida pelo adulto, ocupa um lugar de ‘inferioridade
social’ [...]. Nesse sentido, e contrariamente a todas essas limitações, pensar a
literatura infantil é, antes de tudo, pensar a literatura. Não podemos, de forma
alguma, desvincular a literatura de literatura infanto-juvenil. Elas não se
opõem, muito pelo contrário [...] o importante, ao pensar a literatura infantil é
o substantivo literatura e não o adjetivo infantil. Dessa forma, não se trata
simplesmente de livros para crianças, mas antes trata-se de literatura, de
textos, que rejeitando o estereótipo, apostam na invenção, na criatividade e
no valor estético.
Logo, têm-se na literatura infantil os componentes necessários para alicerçar
um leitor crítico e autônomo, aniquilando o estereótipo de que as obras de literatura
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infanto-juvenis são instrumentos de caráter educativo marginal e repercutem com valor
de infantilidade; contrariamente, concebe-se a literatura infantil como ponto de partida
para se alcançar outros horizontes literários e informacionais, bem como o
desenvolvimento da cultura da leitura.
3 REMODELAGEM DAS PRÁTICAS DE LEITURA NO SÉCULO XXI
Com o passar dos séculos, as práticas de leitura e escrita têm sido
remodeladas para acompanhar a evolução histórica e tecnológica, trazendo novos
paradigmas, novas ferramentas e outras oportunidades no século XXI.
Com efeito, Donato (2010, p.1) endossa:
[...] a leitura possibilita ao homem uma melhor compreensão de sua
realidade, ao mesmo tempo em que delineia o modo como seu universo
cultural e social flui [...]. Nesse caminhar, observamos no final do século XX,
o remodelar do objeto texto e a possibilidade, através da escritura
cibercultural, de uma mudança de paradigmas por parte do leitor.
Convém mencionar, para fins de desmitificação da prática de leitura, que a
capacidade leitora – que envolve a habilidade de conhecimento do código e a
identificação dos signos verbais – não representa sinonímia à práxis leitora, uma vez
que esta é mais abrangente, embora aquela demonstre ser mais criteriosa.
Assim sendo, em meio aos avanços sociais, tecnológicos e educacionais, e
partindo da multiplicidade de recursos que o século XXI apresenta, a práxis leitora
exige do leitor capacidade de leitura em vários níveis, bem como a utilização de
ferramentas em diferentes suportes e formatos.
É notório que, paulatinamente, a história da leitura foi trazendo conquistas e
evoluindo dentro dos padrões de cada época, como afirma Rodrigues (2012, p. 195):
[...] o relacionamento com a leitura prosseguia de modo crescente. Para os
padrões da época, o livro impresso espalhou-se como fogo em palha seca,
incendiando a imaginação de toda Europa, fossem comunidade protestantes
ou católicas. Na metade do século XVI, um leitor poderia escolher entre mais
de oito milhões de livros impressos [...].
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A prática da leitura oral e em voz alta foi cedendo lugar à leitura silenciosa,
que se tornou mais usual, principalmente pelos leitores alfabetizados e familiarizados
com a cultura escrita; os gêneros literários foram sendo substituídos, modificando a
forma de pensar e viver a realidade.
No cenário contemporâneo, esta prática vem resgatar a importância de um
gênero literário em especial: a literatura infantil. Parte-se do princípio de que, para
acontecer a leitura, basta que os signos apresentados sejam decodificados e que o leitor
tenha conhecimento suficiente para apreender a mensagem, uma vez que o ato de ler
acontece a todo momento, em todo o lugar e por meios diversificados.
Então, por que não começar a trabalhar a leitura de forma prazerosa e
natural em leitores mirins através de uma leitura direcionada e específica a este público,
cujo futuro será promissor em termos intelectuais se seu cognitivo for bem lapidado e
preparado para expandir-se e aperfeiçoar-se, progredindo para a criticidade e para a
postura reflexiva diante dos fatos?
Considerando que o século XXI configura-se como um século de
transformações e de contribuições significativas ao processo de formação de leitores
pelos avanços tecnológicos que se apresentam, pode-se agregar à ferramenta literatura
infantil, atrativos associados ao meio digital, ou seja, se a literatura infantil por si só já
incute ludicidade e prazer, será um diferencial a mais aliá-la aos recursos digitais que as
tecnologias da informação propõem. A ideia é somar e não subtrair, uma vez que os
jogos eletrônicos perceptivelmente têm conquistado o público infantil, a estratégia para
conquistar os leitores infantis é colocar a tecnologia a serviço da leitura e fazer disto um
motivador a mais para que o despertar do leitor tenha um impacto maior do que o
esperado a partir deste gênero literário. Quanto a esta valorização da literatura infantil,
Peruzzo (2011, p.96) ressalta que:
A literatura infantil desemboca o exercício de compreensão, sendo um ponto
de partida para outros textos, pois com o passar do tempo, as crianças sentem
necessidade de variar os temas de leitura uma vez que, a leitura é a forma
mais sistematizada de elaboração da fantasia, passando a ter um nível mais
elevado de cultura, estimulando a escolha e a crítica de certos textos. Para
chegar à situação de um constante desenvolvimento de uma cultura da leitura,
é necessária uma conscientização da sua importância para a vida e para a
formação de um povo, porque não há nação desenvolvida que não seja uma
nação de leitores, como diz Monteiro Lobato.
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Urge considerar que é necessário utilizar as novas ferramentas tecnológicas
a favor do processo de formação de leitores e expor o proveito que o ciberespaço e sua
multiplicidade de sons, imagens e textos podem trazer para que as práticas leitoras, e
sobretudo a sua utilização junto à literatura infantil como ferramenta fomentadora da
práxis, tornem-se atrativas e entusiasmantes, conduzindo o leitor a adquirir o perfil que
a sociedade atual e competitiva exige.
Roger Chatier, renomado historiador da atualidade e especialista em leitura
com ênfase nas práticas culturais da humanidade, posicionou-se significativamente a
respeito da leitura e das tecnologias digitais, destacando que “É preciso tirar proveito
das novas possibilidades do mundo eletrônico e ao mesmo tempo entender a lógica de
outro tipo de produção escrita que traz ao leitor instrumentos para pensar e viver
melhor” (ZAHAR, 2013).
Desse modo, aqueles que se propõem a mediar o processo de formação de
leitores, sobretudo de leitores críticos, precisam vislumbrar que a adoção de novas
práticas de leitura traz consigo grandes desafios, uma vez que se trata de um processo
interativo e que exige o uso de estratégias adequadas para tal finalidade.
A práxis em questão foi sendo remodelada pelos avanços tecnológicos e, em
pleno século XXI, há de se considerar a relação destes com os textos escritos e a
repercussão de dois elementos relevantes que integram o processo de formação de
leitores: os textos e as variadas formas de ler.
Tal remodelagem remete a uma série de transformações que perpassam
historicamente pela passagem da leitura oral para a silenciosa, pela crescente produção
editorial de livros e publicações periódicas e pela difusão eletrônica de textos, sendo
esta última considerada a mais significativa e radical das transformações ocorridas e
refletidas no século atual.
Ratifica-se isto ao refletir sobre as modificações causadas paulatinamente
nas práticas de leitura, pela diversidade e múltiplas possibilidades de acesso aos textos;
o mundo digital e sua proposta de novos formatos trouxe inovação à práxis leitora, hoje
muito mais rápida, porém, também fragmentada, trazendo o desafio de desenvolver no
leitor em formação habilidades e capacidade de compreensão em sua totalidade, pois,
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como endossa Chartier (2013 apud ZAHAR, 2013), a tecnologia proporciona acesso ao
texto literário, mas também dificulta a apreensão de sua totalidade, de seu sentido
completo.
Em contrapartida, entende-se que as práticas atuais de leitura têm relação
com as práticas de outrora, havendo apenas uma evolução desta, pois consta em estudos
históricos que a leitura se popularizou no século XIX e antes se restringia às peças
teatrais. Nos séculos XIX e XX, o público infanto-juvenil tinha seu contato com a
literatura por meio da escola, lendo trechos de obras de autores antigos; ao passo que,
atualmente, novas práticas são implantadas e novos desafios são propostos, de maneira
especial quando se trata de trabalhar a literatura infantil – antes apresentada sob a forma
de livros impressos de contos de fadas e fábulas ou narrados sob o suporte de discos de
vinil; e, hoje, disponibilizada em e-books, utilizando dispositivos tecnológicos
altamente avançados e aplicativos universais repletos de praticidade.
Posto isto, é pertinente evocar as palavras de Roger Chartier (2013 apud
ZAHAR, 2013, p.1), enfatizando que “[...] esta mudança na forma e no suporte
influencia o próprio hábito de ler”.
Diante de tal constatação, é conveniente preparar os profissionais
mediadores de leitura (bibliotecários, pedagogos) e a própria família para lidarem com
este desafio a fim de que o avanço tecnológico influencie positivamente na prática da
leitura, permitindo apreender e ensinar novos universos, respeitando a faixa etária do
leitor e propondo temas adequados aos seus interesses. Neste processo, é coerente
conceber a família como extensão da escola, ou até mesmo o contrário: a escola como
extensão da família, haja vista que os primeiros contatos da criança com a leitura
surgem no seio familiar e o primeiro despertar para esta prática é responsabilidade de
seus progenitores ou daqueles que exercem este papel.
Assim, se a família e a escola assumirem juntas o compromisso de
acompanhar o processo de formação destes leitores, os obstáculos serão vencidos e o
objetivo será alcançado, ou seja, na perspectiva do século XXI, a ideia é traçar um novo
perfil de leitor que, ao lado do livro e de outros impressos, inclua outros suportes de
leitura e adquira uma perspectiva hipertextual no ato de ler, através de uma postura
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crítica e autônoma de exercer a sua cidadania, ou seja, almeja-se que este novo leitor
possua não somente o hábito de ler, mas desenvolva uma cultura da leitura que possa
ser expandida e contagie outros sujeitos leitores em formação (LUFT, 2011).
A remodelagem das práticas de leitura no século XXI vem ao encontro da
necessidade de conectar as tradicionais ferramentas de leitura à cultura digital
apresentada pela sociedade contemporânea. Aliado a isto cresce a expectativa de que as
inovações tecnológicas do mercado editorial consigam modificar o comportamento
estático e passivo daqueles que utilizam os recursos tecnológicos apenas para fins de
entretenimento e comunicação, agregando a estes fatores a cultura essencialmente
intelectual e alavancando a prática da leitura para fins de conhecimento e formação
crítica, pois, como afirma Costa (2008, p.9):
[...] uma epidemia de sem-fio nos aguarda na esquina, pronta para espalhar
inteligência entre os aparelhos que nos cercam. Tais mudanças nos hábitos
dos indivíduos não apenas afetam suas vidas num contexto estritamente
tecnológico, mas também alcançam as zonas mais amplas de uma autêntica
cultura digital.
Sob este prisma, é conveniente salientar que a literatura é uma representação
da arte através da linguagem, assim como as telas e pinturas são uma representação da
arte através da imagem. A leitura e decodificação da mensagem ocorrem
inevitavelmente, independente do formato ou suporte em que se apresentam.
Analisando o contexto em questão é possível sugerir que as práticas leitoras
se submetam à nova roupagem oferecida pelo meio digital sob a segurança de que não
serão ameaçadas ao declínio, uma vez que a trajetória histórica desta práxis já deu
provas de que o avanço tecnológico não se propõe a trazer consigo ameaças, porém
oportunidades. A tecnologia oportuniza diversificar ferramentas quanto ao
suporte/formato, uma vez que o livro em meio físico já não representa a única
possibilidade de externar a arte literária, esclarecendo que “Num movimento contínuo,
de trocas e transformações, a cultura perpetua-se” (DONATO, 2010, p. 3).
Para tanto, evoca-se novamente as competências dos mediadores de leitura
no processo de formação de leitores, pois aqueles necessitam ter domínio sobre o
ambiente digital e seus recursos, uma vez que irão conduzir os leitores na tarefa de
explorar o ciberespaço, devendo atuar como guias e facilitadores do processo,
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conduzindo os sujeitos leitores na apreensão de como se posicionar diante de um livro
sob o suporte físico e diante de um texto digital. Faz-se tal colocação por considerar o
hibridismo das mensagens disponibilizadas na rede virtual, o que difere da ferramenta
tradicional utilizada no processo de formação de leitores. A diversidade de signos
verbais encontrada no ciberespaço por meio de sons, imagens e palavras acaba
conduzindo o leitor em formação a perder o foco, pois este hibridismo de apresentações
acaba envolvendo-o sedutoramente quando não se dispõe da presença de mediadores
com as competências já ressaltadas.
Dessa forma, a remodelagem das práticas de leitura no século XXI exige,
não somente uma reflexão sobre a práxis, mas também sobre a postura do leitor e do
mediador enquanto condutor do processo de formação de leitores.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensar as práticas de leituras em meio às transformações sociais, culturais e
tecnológicas do século XXI exige a reflexão acerca de novas posturas frente ao processo
de formação de leitores críticos. Imaginar uma sociedade estática em face da pluralidade
de opções que a história da leitura resgata ao longo dos séculos torna-se inconcebível na
medida em que se criam novos espaços, novos tempos, novos personagens a fim de
transformar o leitor passivo de outrora em leitor reflexivo e autônomo.
A literatura infantil, antes tão marginalizada como gênero literário, cuja
natureza carrega fantasia e ludicidade, supera a posição marginal estabelecida por
estereótipos históricos e ousa criar, produzir e transformar. Posto isto, é possível
conceber que a literatura infanto-juvenil traz consigo potencial para instigar a
criticidade de leitores em formação, uma vez que possibilita agregar cenários fantásticos
a realidades fatídicas; através dela, torna-se viável incutir ideias e princípios, valores e
virtudes capazes de gerar identidades até então não reveladas.
Por si só, este gênero literário se define como motivador das práticas leitoras
e, em meio aos recursos tecnológicos disponíveis na atualidade, ecoa seu cunho
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transformador e propõe a utilização de novas versões como aliadas no processo de
formação de leitores, remodelando a práxis. A proposta se fundamenta em agregar
estímulo, incentivando a continuidade das práticas de leitura, independente do suporte
ou formato, pois o cerne destas questões é extirpar os receios que o ambiente digital
evoca em face às ferramentas tradicionais utilizadas no processo de formação de
leitores, a fim de que os recursos tecnológicos sejam concebidos como personagens
coadjuvantes deste processo e a leitura continue a sobressair-se como protagonista neste
contexto, atuando em um cenário híbrido, cheio de sons, imagens e hipertextos, capazes
de ampliar o universo lúdico e, simultaneamente, crítico à proporção que permite ao
leitor linkar outras informações que lhe agreguem conhecimento e embasamento
intelectual.
Diante do exposto, urge reiterar que as possibilidades tecnológicas da
contemporaneidade abrem um leque vasto de opções para que as práticas leitoras sejam
remodeladas com eficácia, utilizando a ferramenta literatura infantil como objeto
mediador deste processo de inserção ao mundo da leitura e também ao ciberespaço de
maneira positiva e com dimensões educativas satisfatórias, haja vista que o mundo
digital tem o poder de agregar, mas também, paradoxalmente, de segregar, caso o
processo de formação de leitores não seja bem conduzido. Portanto, é momento de se
refletir sobre a influência que o mundo digital exerce sobre o público leitor em sua
práxis e fazer desta reflexão ponto de partida para a mobilidade de ações que possam
sanar os anseios em prol da formação de um leitor crítico, reflexivo e, sobretudo,
autônomo.
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Recebido Para Publicação em 22 de outubro de 2013.
Aprovado Para Publicação em 23 de novembro de 2013.