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X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação SEPesq 20 a 24 de outubro de 2014 MULHERES PRIVADAS DE LIBERDADE NA PENITENCIÁRIA FEMININA MADRE PELLETIER E O TRÁFICO DE DROGAS: A FRAGILIDADE NAS DECISÕES JUDICIAIS VINCULADAS AO SEU PROCESSO PENAL Simone Schroeder (Orientadora) Mestre em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Centro Universitário Ritter dos Reis [email protected] Uma Breve contextualização da prisão feminina: Madre Pelletier O presente ensaio circunscreve-se no estudo da relevância da função da motivação judicial no âmbito da segregação cautelar, ou seja, na prisão preventiva, bem como na individualização da pena, proferida nas sentenças das mulheres privadas de liberdade, recolhidas na Penitenciária Feminina Madre Pelletier. A partir das decisões judiciais procura-se identificar a motivação das decisões em relação à segregação cautelar (prisão preventiva), bem como os fundamentos das sentenças criminais na aplicação da pena nos delitos de tráfico de drogas. O delito para evidenciar a motivação das decisões foi escolhido em razão da maior incidência do cometimento de tráfico de drogas que envolve mulheres privadas de liberdade, na penitenciária feminina Madre Pelletier. O aporte interno, que sustenta tal afirmação, vincula-se ao projeto de extensão realizado naquela penitenciária, e por ter conseguido durante mais de sete anos, transitar, construir e efetivar alguns direitos, no âmbito da execução da pena naquele espaço prisional. 1 Na ocasião, com o projeto de extensão, percebeu-se, por 1 A metodologia utilizada, inicialmente, no projeto de extensão coordenado por Simone Schroeder, através do Núcleo de Execução Penal, envolveu um levantamento bibliográfico de leituras e de discussões de textos sobre acesso à justiça para identificar o perfil das mulheres encarceradas na Penitenciária Feminina Madre Pelettier. Todavia, para o levantamento dos

MULHERES PRIVADAS DE LIBERDADE NA ... Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação – SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação

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X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação SEPesq – 20 a 24 de outubro de 2014

MULHERES PRIVADAS DE LIBERDADE NA PENITENCIÁRIA FEMININA MADRE PELLETIER E O TRÁFICO DE DROGAS: A FRAGILIDADE NAS DECISÕES JUDICIAIS VINCULADAS AO

SEU PROCESSO PENAL

Simone Schroeder (Orientadora) Mestre em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Centro Universitário Ritter dos Reis [email protected]

Uma Breve contextualização da prisão feminina: Madre Pelletier

O presente ensaio circunscreve-se no estudo da relevância da função da motivação judicial no âmbito da segregação cautelar, ou seja, na prisão preventiva, bem como na individualização da pena, proferida nas sentenças das mulheres privadas de liberdade, recolhidas na Penitenciária Feminina Madre Pelletier.

A partir das decisões judiciais procura-se identificar a motivação das decisões em relação à segregação cautelar (prisão preventiva), bem como os fundamentos das sentenças criminais na aplicação da pena nos delitos de tráfico de drogas.

O delito para evidenciar a motivação das decisões foi escolhido em razão da maior incidência do cometimento de tráfico de drogas que envolve mulheres privadas de liberdade, na penitenciária feminina Madre Pelletier. O aporte interno, que sustenta tal afirmação, vincula-se ao projeto de extensão realizado naquela penitenciária, e por ter conseguido durante mais de sete anos, transitar, construir e efetivar alguns direitos, no âmbito da execução da pena naquele espaço prisional.1 Na ocasião, com o projeto de extensão, percebeu-se, por

1 A metodologia utilizada, inicialmente, no projeto de extensão coordenado por Simone

Schroeder, através do Núcleo de Execução Penal, envolveu um levantamento bibliográfico de leituras e de discussões de textos sobre acesso à justiça para identificar o perfil das mulheres encarceradas na Penitenciária Feminina Madre Pelettier. Todavia, para o levantamento dos

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meio de pesquisa, com relação aos delitos cometidos, a grande maioria das mulheres ali encarceradas (60%) refere-se ao tráfico de drogas, seguido de roubo (13,5%) e furto (10%). Os homicídios representam 5,8% e o latrocínio 3,2%.2

Um dos primeiros pontos verificados neste trabalho, foi buscar informações sobre direitos e deveres segundo a Lei de Execução Penal, direitos fundamentais e acesso à justiça. Além disso, foi realizada uma pesquisa com 154 mulheres presas, no total de 360 mulheres privadas de liberdade, na época, para identificar o perfil das mulheres encarceradas na Penitenciária Feminina Madre Pelletier, localizada em Porto Alegre/RS.

Assim, buscar uma análise das fragilidades no julgamento e/ou nas decisões judiciais que envolvem a pena privativa de liberdade nos delitos de tráfico de drogas, envolvendo mulheres, são relevantes para verificar se a fundamentação dos juízes na aplicação das sanções que privam mulheres da sua liberdade no curso do processo, bem como na aplicação da pena estão consubstanciados em motivações que resguardam a ampla defesa e que sejam passíveis de refutação.

Como órgão vinculado ao Estado Democrático de Direito, o poder judiciário tem o dever de contribuir para o aperfeiçoamento da justiça criminal, ao oferecer a garantia da motivação das decisões judiciais que encontra amparo no artigo 93, IX, da Constituição Federal, e deve ser observado em todos os pronunciamentos de cunho decisórios em matéria criminal.

A exigência constitucional do dever do juiz de motivar suas decisões enquanto responsável pela correta aplicação da norma ou direito, configura uma importante garantia em favor do indivíduo, em face do sistema de livre convencimento, contra eventuais excessos do Estado-juiz, limitando, dessa forma, os poderes auferidos aos magistrados e tribunais.

Logo, somente através da declaração expressa dos motivos da decisão se mostra possível reconstituir o caminho percorrido pelo magistrado, aferindo-

dados sobre o perfil das detentas utilizou-se um questionário semi-estruturado, contendo questões referentes aos dados da autora do crime, do delito cometido, ao processo, à família e à rotina na casa prisional, bem como as questões de saúde, das sanções aplicadas no âmbito da execução da pena e os efeitos dali decorrentes.

2 Fator relevante que vem sendo debatido por Manuela Ivone Cunha em Entre o Bairro e a Prisão

ao começar a analisar o modo como concepções do sistema penitenciário, filiadas a um ‘modelo doméstico-autoritário”, transitaram progressivamente para um “modelo de gestão burocrático-legal”. Esta mudança de paradigma da política prisional surge acompanhada de uma alteração das finalidades da própria cadeia.

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se, assim, o atendimento às prescrições legais e o efetivo exame das questões suscitadas pelas partes no curso do processo.

O Princípio do Devido Processo Penal e a necessidade da fundamentação das decisões

A garantia do devido processo legal tem como precedente mais distante o artigo 39 da Carta Magna outorgada por João Sem Terra a seus barões na Inglaterra no ano de 1215.3 Este princípio está consagrado explicitamente no artigo 5.º, inciso LIV da carta magna, o qual determina: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Além disso, a Constituição Federal, dispôs ainda em seu artigo 5.º inciso LV, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Aliás, acerca desse princípio, Márcia Dometila Lima de Carvalho4 refere que o princípio, expresso no texto constitucional com força retórica, já existia, implicitamente, em algumas normas referentes aos direitos e garantias individuais, construído por força de pesquisa e consagração doutrinária, amparadas pelo direito comparado. Vários doutrinadores aceitavam-no como uma decorrência daquele outro princípio constitucional, atualmente expresso no inciso XXXV do artigo 5.º: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça Direito”.

(...)

Este princípio, desdobrado em princípios processuais outros como o do juiz natural (inciso LIII do art. 5.º da C.F.), o da publicidade das audiências (inciso LX, artigo 5.º da C.F.), o da presunção de inocência (inciso LVII do artigo 5.º da C.F.), do qual decorrem outros princípios processuais como o do in dúbio pro reo, o do contraditório e o da ampla defesa, transformam o processo penal em verdadeira garantia de liberdade, vinculando a relação e assegurando, às partes, os respectivos processo e jurisdição.5

3 FERNANDES, Alícia. “O lugar da queixa no processo de ensino-aprendizagem.” In:

FOUCAULT,Michel. Vigiar e Punir. Rio de Janeiro: Vozes, 1987.

4 CARVALHO, Márcia Dometila Lima de.1992,p.78. 5 Ibdem.

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Aury Lopes Junior afirma que: “dada a sua complexidade, como conjunto de atos concatenados, o processo é formado por toda uma cadeia de circunstâncias que se interrelacionam e influem no resultado final.”6

Assim, dotado de um caráter de procedimento, o princípio do devido processo legal impõe certos comportamentos e certas atitudes ao magistrado, conforme se depreende do artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, de modo a proteger a liberdade e os bens particulares de cada um. Isto é, uma série ordenada de atos é posta e deve ser seguida, a fim de tornar o processo um instrumento efetivo.

Salo de Carvalho traz uma conclusão lógica e definitiva acerca do princípio do devido processo legal, também na execução penal: “imprescindível, se se quer realmente democratizar o processo (de execução), reavaliar a posição do juiz, tornando-o garante de um processo penal democrático, regido pelos princípios do devido processo penal”. 7

Outrossim, nos termos de José Paulo Baltazar Junior:

Na própria ideia de processo como garantia, tal como previsto no inciso LIV, do art. 5º, da Constituição, a motivação é fundamental. Se não há como contrastar o pensamento do julgador, permitindo que ambas as partes tragam seus argumentos, a garantia fica esvaziada. 8

A obrigatoriedade de fundamentação nas decisões se mostra baseada no princípio do devido processo legal em virtude da exigência que este produz de seguimento de atos, de ordem lógica e cronológica dos caminhos a serem seguidos no processo. Neste caminho a ser seguido, alguns passos devem ser tomados pelo magistrado e determinados institutos devem ser considerados, como a ampla defesa e o contraditório.

Assim, o devido processo legal implica num conjunto de garantias processuais, com fulcro nos princípios constitucionalmente estabelecidos com o fim de assegurar sua efetiva tutela. Aliás, no ordenamento jurídico pátrio as decisões judiciais são tomadas com base no sistema do livre convencimento motivado, ou seja, quando o juiz decide, analisa todo o conjunto probatório dos autos, de forma racional e com total liberdade na valoração dos elementos que

6 JUNIOR, Aury Lopes. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da

Instrumentalidade Garantista). Rio de Janeiro, 2005. Editor Lumen Juris. P. 166. 7 CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias: uma leitura do garantismo de Luigi Ferrajoli no Brasil.

Rio de Janeiro, 2001. Editora Lumen Juris. P. 190. 8 JUNIOR, José Paulo Baltazar. Sentença Penal. Porto Alegre, 2004. Editor Verbo Jurídico. P.

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ali se encontram, devendo todavia, externar quais os motivos que o levaram a decidir desta ou daquela maneira.

A garantia da motivação das decisões judiciais encontra amparo no artigo 93, IX, da Constituição Federal, e deve ser observado em todos os pronunciamentos de cunho decisórios em matéria criminal. Este princípio é de suma importância dentro do ordenamento jurídico atual, tanto que a Constituição Federal no artigo acima referido assim afirmou: “todos os julgamentos serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”. (Constituição Federal, Art. 93, IX).

Portanto, toda e qualquer decisão judicial, mesmo de cunho interlocutório deve ser devidamente fundamentado sob pena de nulidade, por força do mandamento constitucional. A exigência constitucional do dever do juiz de motivar suas decisões enquanto responsável pela correta aplicação da norma ou direito, configurou uma importante garantia, em favor do indivíduo em face do sistema de livre convencimento, contra eventuais excessos do Estado-juiz, limitando dessa forma os poderes auferidos aos magistrados e tribunais.

Sobre esta perspectiva, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho ensinam:

A motivação surge como instrumento através do qual as partes e o meio social tomam conhecimento da atividade jurisdicional; as partes para, se for o caso, impugnarem os fundamentos da sentença, buscando seja reformada; a sociedade a fim de que possa formar opinião positiva ou negativa a respeito da qualidade dos serviços prestados pela Justiça. 9

Somente através da declaração expressa dos motivos da decisão será possível reconstituir o caminho percorrido pelo magistrado, aferindo-se, assim, o atendimento às prescrições legais e o efetivo exame das questões suscitadas pelas partes no curso do processo. Ao adentrarmos acerca da motivação das decisões judiciais, mister se faz num primeiro momento uma breve distinção entre motivação e fundamentação.

Sobre o tema, Nereu José Giacomolli esclarece:

Considerando que o nosso ordenamento jurídico utiliza, indistintamente, os termos fundamentação e motivação, se

9 GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, 2001, p. 212

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faz necessário estabelecer sua diferenciação, possibilitando uma melhor compreensão do objeto da presente investigação. Por motivo se entende a causa ou a condição de uma escolha, a qual direciona a atividade para um fim específico, orientando a conduta humana, sem, no entanto, fornecer uma explicação ou justificativa.O fundamento é a explicação ou justificação racional da coisa da qual é causa; a razão de ser. O fundamento permite compreender porque determinada decisão foi ditada num sentido e não em outro; porque é assim e não de outra forma. Em suma, possibilita o entendimento ou a justificação racional da coisa, da qual é causa. O fundamento ou razão suficiente explica por que a coisa pode ser ou comportar-se de determinada maneira.10

Assim, segundo o autor, uma decisão está bem fundamentada quando

arrazoada de forma motivada, ou melhor, quando o conteúdo da fundamentação, vincula-se, também, ao modelo de Estado.

Segundo Taruffo, a Declaração de direitos humanos do Homem e do cidadão, de 1789, na perspectiva política e ideológica e não doutrinária, passou a exigir a normatização da fundamentação das decisões judiciais.

Assim, é relevante trazer à baila as palavras de Giacomolli11 ao inferir que: “por motivo há de ser entendida a causa ou condição de uma escolha, a qual direciona a atividade para um fim específico, orientando a conduta humana, sem no entanto, fornecer uma explicação ou uma justificação (motivos de fato e de direito)”. Já, o fundamento, prossegue o autor12, é a explicação ou a justificação racional da coisa da qual é causa; a razão de ser. Sendo assim, nas palavras do autor a fundamentação é explicar a motivação fática e jurídica do convencimento, de modo que possa ser compreendida.

Assim, a motivação que direciona a ação de decidir num sentido ou no outro, ou seja, sem uma fundamentação, que permite a compreensão, não satisfaz o conteúdo do art. 93 inc. IX da CF/88.

Neste sentido, uma decisão processual penal está fundamentada quando dela se pode inferir uma justificativa racional, inclusive acerca do direcionamento de seus efeitos (condenação, recolhimento ao cárcere, duração e espécies de sanções).13

10 GIACOMOLLI, Nereu José. O Devido Processo Penal, São Paulo: Atlas, 2014. 11 GIACOMOLLI, Nereu José. O Devido Processo Penal, São Paulo: Atlas, 2014, p.212. 12 Ibidem, p.212. 13 Ibidem, p.213.

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Dessa forma, reproduzir os termos da lei, copiar e colar parecer do MP, relatório da autoridade policial ou as razões defensivas, não é motivar, segundo Giacomolli14, na medida em que nessas situações não ocorre uma justificação própria, mas mero impulso.

Aliás, é a fundamentação que permite à acusação e à defesa saber o

porquê da conclusão num sentido ou em outro (razão de ser); permite desvendar o aspecto positivo e o negativo (o porquê) da conclusão diferente. Assim, somente a fundamentação das decisões permite o pleno exercício do direito ao acesso aos recursos e às impugnações através dos demais remédios jurídicos15.

Por este aspecto, que a pesquisa tem como foco trabalhar os fundamentos para a segregação das mulheres privadas de liberdade no regime fechado, na comunidade Pelletier, bem como verificar com argumentos que fundamentam as decisões, tanto para a segregação cautelar, bem como para a condenação, ao aplicar a pena.

O Tráfico de Drogas e Mulheres Encarceradas: Um outro olhar A pesquisa sobre prisões no Brasil carece de uma análise mais detalhada

sobre as questões mais emblemáticas envolvendo a aplicação da pena e a sua relação com a sua execução, na perspectiva do cárcere feminino e o delito de tráfico de drogas. Segundo o IBCCRIM, na última semana de junho de 2011 foi realizado em Brasília o Encontro Nacional do Encarceramento Feminino, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Com base em dados extraídos dos chamados mutirões carcerários que inspecionam unidades prisionais de todos país desde 2008 até 2011, foi possível traçar um perfil das mulheres encarceradas: a maioria é não branca, tem entre 18 e 30 anos e apresentam baixa escolaridade. Outra informação preocupante exposta na ocasião diz respeito à quantidade de mulheres presas: este percentual tem crescido em uma velocidade superior ao que ocorre com o gênero masculino. Constatou-se que, nos últimos cinco anos, mais de 15 mil mulheres foram presas. Em 65% dos casos, a acusação foi de tráfico de drogas16. Aliás, Julita Lemgruber participou do encontro e demonstrou que essas mulheres atuam como pequenos traficantes – geralmente elas são flagradas ao

14 Ibidem, p.213. 15 GIACOMOLLI, Nereu José. O Devido Processo Penal, São Paulo: Atlas, 2014, p.215. 16 http://www.ibccrim.org.br/noticia/13838-N%C3%BAmero-de-mulheres-encarceradas-cresceu-nos-%C3%BAltimos-5-anos disponível em Set,2014.

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tentar entrar nas penitenciárias para levar drogas para os companheiros presos. Assim, reconheceu que elas não oferecem maiores perigos à sociedade e defendeu a adoção de penas alternativas à prisão para que possam retomar a vida e, principalmente, criar seus filhos17.

Aliado a isso, além dos problemas envolvendo prisão, outro fator

preocupante, refere-se a motivação judicial que mantém as mulheres privadas de liberdade, como anteriormente referido, bem como as fragilidades que envolvem o contexto prisional, aliado ao alto índice de segregação naquela comunidade prisional são preocupantes, em relação ao delito de tráfico de drogas.

Assim, a metodologia utilizada, inicialmente, envolveu um levantamento bibliográfico de leituras e de discussões de textos sobre a motivação das decisões judiciais para relacionar os fundamentos da manutenção da privação de liberdade, bem como da segregação cautelar com o foco de identificar o perfil das mulheres encarceradas na Penitenciária Feminina Madre Pelettier nos delitos de tráfico de drogas.

Todavia, para o levantamento dos dados, utilizou-se, inicialmente, de marcação de reuniões com a juíza responsável pela Vara de execução criminal, responsável por processos envolvendo o encarceramento feminino. Assim, além do levantamento bibliográfico para a reprodução de três peças processuais: quais sejam a denúncia, o despacho que fundamenta a prisão preventiva e a sentença condenatória para poder balizar os fundamentos da privação de liberdade dessas mulheres.

Nesse processo, o pesquisador precisa observar quais as limitações e ou repercussões da decisão judicial da pena privativa de liberdade no intuito de verificar a necessidade ou não da segregação provisória, bem como os limites da intervenção estatal na aplicação da pena. Por esses aspecto, considerando que o nosso ordenamento jurídico utiliza, indistintamente, os termos fundamentação e motivação, se faz necessário estabelecer sua diferenciação, possibilitando uma melhor compreensão do objeto da presente investigação.

Com o intuito impedir a morosidade, observar os direitos e verificar os meios de cumprimento da pena privativa de liberdade, se faz necessária à observância do princípio constitucional da motivação das decisões judiciais, no âmbito provisório, bem como no definitivo, além da observância da matriz principiológica; a individualização da pena.

17 http://www.ibccrim.org.br/noticia/13838-N%C3%BAmero-de-mulheres-encarceradas-cresceu-nos-%C3%BAltimos-5-anos disponível em Set,2014.

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Assim, a articulação entre a comunidade, a instituição e os aplicadores da lei, precisa integrar-se pelos próprios resultados decorrentes do sistema prisional, buscando vincular a pesquisa à efetividade social e propor mudanças.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao tratarmos do espaço prisional, veiculamos o tempo e o espaço onde as estruturas acontecem.

Segundo Goffman1819 na prisão, o tempo é muitas vezes representado como uma imensa entidade, todos ali parecem ter alguma forma de reflexão sobre essa noção. Todavia, quem está ali, e sabe que sairá desse espaço, tem outra percepção de tempo, socialmente experimentado, porém existe uma distância que causa enorme estranhamento.

De outra parte, Maria Palma Wolf afirma “que a prisão efetiva, diversas formas, de controle, servindo, com seus mecanismos e técnica, para recriar, manter e estabilizar todo o sistema de normas, que não se limitam àquelas de ordem jurídica”.

Neste sentido, a importância do princípio da motivação, desafia-se a indagação de poder, sendo considerado como ponto de referência obrigatório para o estudo das ingerências do Estado nos direitos fundamentais. Todavia, ao fazer referência ao Estado Democrático de Direito, não podemos deixar de observar os reflexos no Processo Penal brasileiro

Além disso, Goffman 20 (1987) afirma que há dois mundos que são separados pelos muros e que é a partir desta separação que começa a se dar a mortificação do sujeito.

18 GOFFMAN, E. Manicômios, Prisões e Conventos. São Paulo: Perspectiva, 1987. 19 WOLF, Maria Palma. Antologia de vidas e histórias na prisão: emergência e injunção de controle social. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. 20 GOFFMAN, E. Manicômios, Prisões e Conventos. São Paulo: Perspectiva, 1987.

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O grupo de mulheres pode ser considerado uma estratégia de ação política, já que possibilitou a ação e a reflexão. Todavia, cabe a cada um de nós, na constante construção de novos espaços e novas ações de trabalho, para a construção da cidadania. Temos que exigir do intérprete outras formas de ser, na motivação das decisões.

Logo, somente através da declaração expressa dos fundamentos da decisão se mostra possível reconstituir o caminho percorrido pelo magistrado, aferindo-se, assim, o atendimento às prescrições legais e o efetivo exame das questões suscitadas pelas partes no curso do processo. Deste modo, a fundamentação das decisões judiciais e o seu grau de profundidade qualitativa que impulsiona a construção do direito em um Estado Democrático, fornecendo mecanismos para limitar o poder com o escopo de evitar o arbítrio.

No entanto, enquanto o futuro se mantiver no futuro, é preciso pensar no que é possível criar e produzir neste lugar hoje.

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X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação – SEPesq

Centro Universitário Ritter dos Reis

X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação SEPesq – 20 a 24 de outubro de 2014

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