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INSTITUTO EDUCACIONAL ALFA GEOGRAFIA MUNDO CONTEMPORÂNEO: NOVA ORDEM MUNDIALMINAS GERAIS

MUNDO CONTEMPORÂNEO: NOVA ORDEM MUNDIALadmin.institutoalfa.com.br/_materialaluno/matdidatico41036.pdf · 5 Pacto andino Outro bloco econômico da América do Sul é formado por:

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INSTITUTO EDUCACIONAL ALFA

GEOGRAFIA

“MUNDO CONTEMPORÂNEO: NOVA ORDEM MUNDIAL”

MINAS GERAIS

2

SUMÁRIO

UNIDADE 1 - OS BLOCOS ECONÔMICOS E OS MERCADOS COMUNS ......................................... 3

UNIDADE 2 - CONFLITOS ECONÔMICOS: ETNIAS, RELIGIÕES, RECURSOS NATURAIS E

TECNOLÓGICOS NA DISPUTA DO PODER POLÍTICO E ECONÔMICO ...................................... 10

UNIDADE 3 - A GEOGRAFIA POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA .......................................................... 12

UNIDADE 4 - GEOGRAFIA, COLONIZAÇÃO E GEOPOLÍTICA DO CONTINENTE

AMERICANO ............................................................................................................................................... 26

UNIDADE 5 - AS GEOPOLÍTICAS CLÁSSICAS E A SUA CRISE! ..................................................... 39

UNIDADE 6 - TENSÕES E CONFLITOS NO CÁUCASO ...................................................................... 67

UNIDADE 7 - OS REGIMES MILITARES, AS LUTAS POR EMANCIPAÇÃO E A NOVA

INTEGRAÇÃO ECONÔMICA ................................................................................................................... 79

UNIDADE 8 - AS METRÓPOLIS MUNDIAIS ....................................................................................... 105

UNIDADE 9 - O FUTURO DAS CIDADES NA NOVA ORDEM GLOBAL ........................................ 168

UNIDADE 10 - REDES MUNDIAIS DE INFORMAÇÃO EMERGÊNCIA E ORGANIZAÇÃO ..... 175

REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................... 193

3

UNIDADE 1 - OS BLOCOS ECONÔMICOS E OS

MERCADOS COMUNS

Blocos Econômicos

Tipos de blocos econômicos, O que são blocos econômicos, União

Européia, APEC, Mercosul, Nafta, Pacto Andino, globalização

Comércio Exterior: transporte marítimo

Com a economia mundial globalizada, a tendência comercial é a formação

de blocos econômicos. Estes são criados com a finalidade de facilitar o comércio

entre os países membros. Adotam redução ou isenção de impostos ou de tarifas

alfandegárias e buscam soluções em comum para problemas comerciais. Em

tese, o comércio entre os países constituintes de um bloco econômico aumenta e

gera crescimento econômico para os países. Geralmente estes blocos são

formados por países vizinhos ou que possuam afinidades culturais ou comerciais.

Esta é a nova tendência mundial, pois cada vez mais o comércio entre blocos

econômicos cresce. Economistas afirmam que ficar de fora de um bloco

econômico é viver isolado do mundo comercial.

Veremos abaixo uma relação dos principais blocos econômicos da

atualidade e suas características.

União Européia

A União Européia (UE ) foi oficializada no ano de 1992, através do Tratado

de Maastricht. Este bloco é formado pelos seguintes países: Alemanha, França,

Reino Unido, Irlanda, Holanda (Países Baixos), Bélgica, Dinamarca, Itália,

4

Espanha, Portugal, Luxemburgo, Grécia, Áustria, Finlândia e Suécia. Este bloco

possui uma moeda única que é o EURO, um sistema financeiro e bancário

comum. Os cidadãos dos países membros são também cidadãos da União

Européia e, portanto, podem circular e estabelecer residência livremente pelos

países da União Européia.

A União Européia também possui políticas trabalhistas, de defesa, de

combate ao crime e de imigração em comum. A UE possui os seguintes órgãos:

Comissão Européia, Parlamento Europeu e Conselho de Ministros.

Nafta

Fazem parte do Nafta ( Acordo de Livre Comércio do Norte ) os seguintes

países : Estados Unidos, México e Canadá. Começou a funcionar no início de

1994 e oferece aos países membros vantagens no acesso aos mercados dos

países. Estabeleceu o fim das barreiras alfandegárias, regras comerciais em

comum, proteção comercial e padrões e leis financeiras. Não é uma zona livre de

comércio, porém reduziu tarifas de aproximadamente 20 mil produtos.

Mercosul

O Mercosul (Mercado Comum do Sul) foi oficialmente estabelecido em

março de 1991. É formado pelos seguintes países da América do Sul: Brasil,

Paraguai, Uruguai e Argentina. Futuramente, estudam-se a entrada de novos

membros, como o Chile e a Bolívia. O objetivo principal do Mercosul é eliminar as

barreiras comerciais entre os países, aumentando o comércio entre eles. Outro

objetivo é estabelecer tarifa zero entre os países e num futuro próximo, uma

moeda única.

5

Pacto andino

Outro bloco econômico da América do Sul é formado por: Bolívia,

Colômbia, Equador, Peru e Venezuela. Foi criado no ano de 1969 para integrar

economicamente os países membros. As relações comerciais entre os países

membros chegam a valores importantes, embora os Estados Unidos sejam o

principal parceiro econômico do bloco.

Apec

A APEC ( Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico ) foi criada em 1993

na Conferência de Seattle ( Estados Unidos ). Integram este bloco econômico os

seguintes países: EUA, Japão, China, Formosa (Taiwan), Coréia do Sul, Hong

Kong, Cingapura, Malásia, Tailândia, Indonésia, Brunei, Filipinas, Austrália, Nova

Zelândia, Papua Nova Guiné, Canadá, México e Chile. Somadas a produção

industrial de todos os países, chega-se a metade de toda produção mundial.

Quando estiver em pleno funcionamento, será o maior bloco econômico do

mundo.

Acordo de livre comércio da América do Norte - NAFTA

Constitue-se em um instrumento de integração das economias dos EUA,

do Canadá e do México.

O NAFTA (North America Free Trade Agreement) foi iniciado em 1988,

entre norte-americanos e canadenses, e por meio do Acordo de Liberalização

Econômica, assinado em 1991, formalizou-se o relacionamento comercial entre

os Estados Unidos e o Canadá. Em 13 de agosto de 1992, o bloco recebeu a

adesão dos mexicanos.

O NAFTA entrou em vigor em 1º de janeiro de 1994, com um prazo de 15

anos para a total eliminação das barreiras alfandegárias entre os três países,

estando aberto a todos os Estados da América Central e do Sul.

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O NAFTA consolidou o intenso comércio regional no hemisfério norte do

Continente Americano, beneficiando grandemente à economia mexicana, e

aparece como resposta à formação da Comunidade Européia, ajudando a

enfrentar a concorrência representada pela economia japonesa e por este bloco

econômico europeu.

O bloco econômico do NAFTA abriga uma população de 417,6 milhões de

habitantes, produzindo um PIB de US$ 11.405,2 trilhões, que gera US$ 1.510,1

trilhão de exportações e US$ 1.837,1 trilhão de importações.

São Países-Membros do NAFTA: Estados Unidos, Canadá e México.

Mercosul Economia do Mercosul, blocos econômicos, dificuldades do Mercosul,

comércio internacional, globalização, o Brasil e o Mercosul, países do

Mercosul, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai

Mapa do Mercosul

O Mercado Comum do Sul (Mercosul) foi criado em 26/03/1991 com a

assinatura do Tratado de Assunção no Paraguai. Fazem parte deste importante

bloco econômico do América do Sul os seguintes países: Argentina, Brasil,

Paraguai e Uruguai. Embora tenha sido criado apenas em 1991, os esboços

deste acordo datam da década de 1980, quando Brasil e Argentina assinaram

vários acordos comerciais com o objetivo de integração. Chile e Bolívia poderão

entrar neste bloco econômico, pois assinam tratados comerciais e já estão

organizando suas economias para tanto.

No ano de 1995, foi instalada a zona de livre comércio entre os países

membros. A partir deste ano, cerca de 90% das mercadorias produzidas nos

países membros podem ser comercializadas sem tarifas comerciais. Alguns

produtos não entraram neste acordo e possuem tarifação especial por serem

considerados estratégicos ou por aguardarem legislação comercial específica.

Em julho de 1999, um importante passo foi dado no sentido de integração

econômica entre os países membros. Estabelece-se um plano de uniformização

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de taxas de juros, índice de déficit e taxas de inflação. Futuramente, há planos

para a adoção de uma moeda única, a exemplo do fez o Mercado Comum

Europeu.

Atualmente, os países do Mercosul juntos concentram uma população

estimada em 220 milhões de habitantes e um PIB ( Produto Interno Bruto ) de

aproximadamente 1,3 trilhões de dólares.

Os conflitos comerciais entre Brasil e Argentina

As duas maiores economias do Mercosul enfrentam algumas dificuldades

nas relações comerciais. A Argentina está impondo algumas barreiras no setor

automobilístico e da linha branca ( geladeiras, micro-ondas, fogões ), pois a livre

entrada dos produtos brasileiros está dificultando o crescimento destes setores

na Argentina.

Na área agrícola também ocorrem dificuldades de integração, pois os

argentinos alegam que o governo brasileiro oferece subsídios aos produtores de

açúcar. Desta forma, o produto chegaria ao mercado argentino a um preço muito

competitivo, prejudicando o produtor e o comércio argentino.

Em 1999, o Brasil recorreu à OMC ( Organização Mundial do Comércio ),

pois a Argentina estabeleceu barreiras aos tecidos de algodão e lã produzidos no

Brasil. No mesmo ano, a Argentina começa a exigir selo de qualidade nos

calçados vindos do Brasil. Esta medida visava prejudicar a entrada de calçados

brasileiros no mercado argentino.

Estas dificuldades estão sendo discutidas e os governos estão

caminhando e negociando no sentido de superar barreiras e fazer com que o

bloco econômico funcione plenamente.

Espera-se que o Mercosul supere suas dificuldades e comece a funcionar

plenamente e possibilite a entrada de novos parceiros da América do Sul. Esta

integração econômica, bem sucedida, aumentaria o desenvolvimento econômico

nos países membros, além de facilitar as relações comerciais entre o Mercosul e

outros blocos econômicos, como o Nafta e a União Européia. Economistas

renomados afirmam que, muito em breve, dentro desta economia globalizada as

relações comerciais não mais acontecerão entre países, mas sim entre blocos

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econômicos. Participar de um bloco econômico forte será de extrema importância

para o Brasil.

ALCA

O que é a ALCA?

A Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) pretende ser o maior

bloco econômico do planeta, reunindo os 34 países do continente americano –

que somam um Produto Interno Bruto de quase US$ 11 trilhões e mais de 808

milhões de habitantes. Só para se ter uma idéia da dimensão deste acordo, a

União Européia, que demorou quase 30 anos para entrar em vigor, conta com

metade da população e cerca de US$ 2 trilhões a menos de PIB. Somente Cuba,

por rejeição dos EUA e também por sua corajosa defesa da integridade nacional,

está de fora das negociações deste tratado.

Embora a sigla trate apenas do fantasioso “livre comércio”, o alcance da

ALCA será bem maior. Na prática, ela visa avançar na total desregulamentação

das economias latino-americanas e na anulação completa do papel dos estados

nacionais. “Trata-se de um projeto estratégico dos Estados Unidos de

consolidação de sua dominação sobre a América Latina, por meio da criação de

um espaço privilegiado de ampliação de suas fronteiras econômicas”, explica o

deputado federal Aloizio Mercadante (PT/SP). “A ALCA faz parte da estratégica

neocolonialista do imperialismo norte-americano, é uma medida para a anexação

das economias latino-americanas”, afirma a resolução do Partido Comunista do

Brasil (PCdoB).

Através da ALCA, os EUA pretendem impor ao hemisfério todas as regras

em negociação na OMC (Organização Mundial do Comércio). Ela também seria

uma extensão, para pior, do Nafta – o tratado em vigor desde 1994 que inclui os

Estados Unidos, o Canadá e o México. Com base nestes dois projetos, nas

políticas de “ajuste estrutural” dos organismos internacionais (FMI e Banco

Mundial) e também nos relatórios confidenciais dos negociadores da ALCA que

já vazaram pela mídia, fica evidente que os povos latino-americanos nada têm a

ganhar com esta nova ofensiva do imperialismo.

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Para os defensores deste projeto, a ALCA criaria o paraíso do consumo,

com o fim de qualquer restrição à circulação de mercadorias, serviços e capitais.

Com esta falsa propaganda, procuram seduzir os incautos. Mas como adverte o

embaixador Samuel Pinheiro, “o livre comércio para o cidadão, como

consumidor, pode ser a possibilidade de comprarem importados mais baratos e,

por vezes, de melhor qualidade. Mas o consumidor, agora na condição de

trabalhador, poderá perder o seu emprego. Os produtos importados mais baratos

acarretam dificuldades para a fábrica ou empresa onde ele trabalha”. A abertura

comercial iniciada por Collor e acelerada por FHC é prova disto, com os recordes

de desemprego na última década.

Outra falsidade dos apologistas da ALCA é de que ela incentivaria o “livre

comércio” entre as nações. Mas conforme demonstram vários estudos, é

impossível existir comércio justo entre países com diferenças tão gritantes. Os

EUA sozinhos, como potência hegemônica mundial, controlam quase 80% do

PIB do continente. Brasil e Canadá detêm, cada um, cerca de 5%. México e

Argentina aparecem em seguida, num patamar em torno de 3%. A partir daí,

todos os demais países da região respondem individualmente por 1% ou menos

do PIB continental. Diante de tamanha assimetria, a tendência natural é de que

os EUA engulam de vez a economia latino-americana, causando falências de

empresas e demissões em massa.

Além disso, torna-se piada de mal gosto falar em “livre comércio” num

momento que os EUA reforçam a sua política protecionista. Na maior potência

imperialista do mundo, predomina até hoje o discurso do “faça o que eu mando,

não faça o que eu faço”. Ao mesmo tempo em que impõem aos governos

fantoches que abandonem qualquer proteção às suas economias, os EUA

utilizam verdadeira artilharia pesada para proteger o seu mercado. Só nas

últimas semanas, o presidente George Bush aprovou um subsídio de US$ 70

bilhões para a agricultura norte-americana e impôs novas barreiras à importação

do aço brasileiro.

Diante destes fatos, soam precisas as conclusões de Osvaldo Martínez,

diretor do Centro de Investigações da Economia Mundial e Prêmio Nacional de

Economia em Cuba: “A ALCA não é mais do que um projeto norte-americano

para criar um acordo de livre comércio entre a economia dos Estados Unidos, a

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mais rica e poderosa do planeta, e as economias latino-americanas e caribenhas,

subdesenvolvidas, endividadas, dispersas e cujo Produto Interno Bruto, somado,

é quase dez vezes inferior ao dos EUA. Podemos dizer, numa primeira

aproximação, que não é, nem mais nem menos, do que um projeto de integração

entre o tubarão e as sardinhas”.

Abaixo, relacionamos outros blocos econômicos que existem pelo mundo

e que não serão aqui abordados mais profundamente, devido ao nosso

espaço/tempo. Por isso, relacionamos também, os sites onde os mesmos

poderão ser encontrados e pesquisados e ou estudados se assim for desejado.

ALADI - Associação Latino-Americana de Integração

www.aladi.org

APEC - Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico

www.apecsec.org.sg

ASEAN - Associação das Nações do Sudeste Asiático

www.aseansec.org/1024x768.html

CARICOM - Comunidade do Caribe e Mercado Comum

www.caricom.org

CEI - Comunidade dos Estados Americanos

www.cis.minsk.by

COMUNIDADE ANDINA

www.comunidadandina.org

SADC - Comunidade da África Meridional para o Desenvolvimento

www.sadc.int

UE - União Européia - http://europa.eu.int

UNIDADE 2 - CONFLITOS ECONÔMICOS: ETNIAS,

RELIGIÕES, RECURSOS NATURAIS E TECNOLÓGICOS

NA DISPUTA DO PODER POLÍTICO E ECONÔMICO

Os novos rumos da disputa

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Até os atentados do dia 11 de setembro, o movimento nascente contra a

globalização capitalista havia eclipsado o discurso hegemônico. Uma onda

impressionante de mobilizações percorreu o mundo: Seattle, Melbourne,

Washington, Praga, Gotemburgo, Quebec, Gênova... Os formuladores e

principais interessados nas políticas neoliberais realizavam suas reuniões

escondidos em fortalezas cercadas por muros e guarnecidas por grandes contin-

gentes policiais -- ou em países distantes do centro do sistema, governados por

regimes despóticos.

A tragédia do dia 11 de setembro mudou radicalmente o cenário mundial.

Revelou atores até então considerados coadjuvantes. E, mais importante, foi

pretexto para que a grande potência militar e econômica iniciasse uma

impressionante articulação de forças em torno de si mesma, que traz enormes

riscos: censura à imprensa, violação dos direitos humanos (em especial dos

imigrantes), substituição da Justiça por comissões militares autorizadas a

decretar pena de morte e tentativa de radicalizar (na OMC e na ALCA) um

modelo que concentra riquezas e multiplica exclusões. Não faltaram os

comentaristas prontos a malabarismos retóricos, interessados em juntar num

mesmo saco, ativistas antiglobalização com os fundamentalistas islâmicos, já que

ambos lutam contra os Estados Unidos...

O mundo mudou e o século XXI começou de um modo que preferíamos já

ter sido enterrado pela História. Não sabemos ainda a extensão deste cataclisma

nem a face do mundo que surgirá a partir dele. Mas podemos e devemos

participar deste processo. Nossos alvos continuam os mesmos. Agimos movidos

por uma ética que valoriza os direitos ao invés do lucro; e a solidariedade em vez

do egoísmo. Estamos respaldados, além disso, pelo fato de que a globalização

atual facilitou o surgimento de monstros, cujos tentáculos invisíveis, se

propagaram no vazio deixado pelo Estado e nas brechas abertas pela

desregulamentação.

Na nova disputa de idéias que surgiram após a guerra, deixaremos claro -

como defende Isabel Loureiro - que tanto o fundamentalismo religioso como o

fanatismo dos mercados são duas faces da mesma moeda; e que uma efetiva

democratização do mundo passa pela mudança radical de prioridades

econômicas, sociais e políticas.

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UNIDADE 3 - A GEOGRAFIA POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA

É comum a utilização dos termos Geografia Política e Geopolítica como

se fossem sinônimos, mas, na verdade, eles não o são. Enquanto Geografia

Política preocupa-se com a “observação, o registro e a análise dos processos

políticos no espaço”, a Geopolítica “visa à manipulação real das questões

políticas e estratégicas”. Para melhor entendimento sobre essa questão,

podemos citar um dos conflitos mais divulgados pela imprensa nos últimos anos,

que foi a Guerra do Golfo, liderada pelos EUA contra o Iraque. Durante o conflito,

os geógrafos políticos passavam todas as informações geográficas, inclusive

13

várias delas coletadas por satélites aos comandantes das Forças Armadas que

se encontravam no local da guerra, assim, na função de geopolíticos.

Diante dessa pequena introdução sobre a Geografia Política, percebemos

claramente que ela é um dos ramos da Geografia que está presente no nosso

cotidiano, sobretudo por meio da mídia, quando ela nos fornece informações

sobre as principais questões políticas. Entre os vários temas analisados pela

Geografia Política, podemos citar a Nova Ordem Mundial e os Focos de Tensão.

Uma síntese dos focos de tensão do mundo atual

Uma boa análise de um foco de tensão deve ter como base alguns

parâmetros fundamentais.

Veja abaixo seis desses parâmetros.

O estudo da posição geográfica da área; neste caso, devem-se utilizar os

recursos da Cartografia.

A análise das características geográficas da área em estudo.

A relação do conflito com a teoria Centro-Periferia (os países “centrais” são

as grandes potências mundiais interessadas em manter sua hegemonia

sobre os demais países, chamados de “periféricos”).

A análise do foco de tensão em si.

As forças presentes.

O levantamento de hipóteses, em termos de perspectivas, sobre o

prosseguimento ou não do conflito.

“Fale a verdade, presidente”

O Jornal eletrônico português, “Outra Banda” publicou recentemente a

íntegra de uma carta aberta que Bernard Law, cardeal arcebispo de Boston,

enviou ao presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. Segundo o colunista

que traduziu o texto, é importante mencionar que essa carta constitui o

aproveitamento de um texto escrito pelo autor, em 1988, e publicado em The

National Catholic Reporter. Com os acontecimentos de 11 de setembro e a

14

posterior retaliação dos EUA, Bernard Law sentiu-se motivado a atualizar o texto,

a transformá-lo em epístola, que endereçou a George W. Bush.

No documento, Law pede ao mandatário norte-americano que fale a

verdade ao povo dos Estados Unidos e explique a eles que o terrorismo se volta

contra o país “porque na maior parte do mundo o nosso governo defendeu a

ditadura, a escravidão e a exploração humana. Somos alvo dos terroristas

porque somos odiados, E somos odiados porque o nosso governo fez coisas

odiosas”.

Confira abaixo a íntegra da carta:

"Senhor presidente:

Conte a verdade ao povo, senhor presidente, sobre terrorismo, Se as

ilusões acerca do terrorismo não forem desfeitas, então a ameaça continuará até

nos destruir completamente. A verdade é que nenhuma das nossas muitas armas

nucleares pode proteger-nos dessas ameaças, Nenhum sistema 'Guerra das

Estrelas' (não importa quão tecnicamente avançado seja, nem quantos trilhões

de dólares sejam despejados nele) poderá proteger-nos de urna arma nucleal'

trazida num barco, avião ou carro alugado.

Nenhuma arma sequer do nosso vasto arsenal, nem um centavo sequer

dos US$ 270 bilhões gastos por ano no chamado "sistema de defesa”, pode

evitar uma bomba terrorista Isto ó um fato militar.

Como tenente-coronel reformado e freqüente conferencista em assuntos

de segurança nacional, sempre tenho citado o salmo 33: "Um rei não é salvo pelo

seu poderoso exército, assim como um guerreiro não ó salvo por sua enorme

força".

A reação óbvia é: 'Então o que podemos fazer? Não existe nada que

possamos fazer para garantir a segurança do nosso povo?’ Existe. Mas para

entender isso, precisamos saber a verdade sobre a ameaça. Senhor presidente,

o senhor não contou ao povo americano a verdade sobre o porquê de sermos

alvo do terrorismo, quando explicou porque bombardearíamos o Afeganistão e o

Sudão. O senhor disse que somos alvo do terrorismo porque defendemos a de-

mocracia, a liberdade e os direitos humanos no mundo...

Que absurdo, senhor presidente!

Somos alvo dos terroristas porque, na maior parte do mundo, o nosso

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governo defendeu a ditadura, a escravidão e a exploração humana. Somos alvo

dos terroristas porque somos odiados. E somos odiados porque o nosso governo

fez coisas odiosas.

Em quantos países agentes do nosso governo depuseram líderes eleitos

pelos seus povos, substituindo-os por militares ditadores, marionetes desejosas

de vender o seu próprio povo a corporações americanas multinacionais?

Fizemos isso no lrão, quando os marines e a CIA depuseram Mossadegh,

porque ele tinha a intenção de nacionalizar a indústria de petróleo. Nós

substituímo-lo pelo Xá Reza Pahlevi e armamos, treinamos e pagamos a sua

odiada guarda nacional, Savak, que escravizou e brutalizou o povo iraniano para

proteger o interesse financeiro das nossas companhias de petróleo. Depois

disso, será difícil imaginar que existam pessoas no Irão que nos odeiem?

Fizemos isso no Chile. Fizemos isso no Vietname. Mais recentemente,

tentamos fazê-lo no lraque. E, é claro, quantas vezes fizemos isso na Nicarágua

e outras repúblicas na América Latina?

Uma vez atrás da outra, temos destituído líderes populares que populares

que desejavam que as riquezas da sua terra fossem repartidas pelo povo que as

gerou. Nós substituimo-Ios por tiranos assassinos que venderiam o seu próprio

povo para que, mediante o pagamento de vultosas quantias para engordar as

suas contas particulares, a riqueza da sua própria terra pudesse ser tomada por

similares à Domino Sugar, à United Fruit Company, à Folgers e por aí adiante.

De país em país, o nosso governo obstruiu a democracia, sufocou a

liberdade e pisou os direitos humanos. É por isso que somos odiados ao redor do

mundo. E é por isso que somos alvo dos terroristas.

O povo no Canadá desfruta da democracia, da liberdade e dos direitos

humanos, assim como o povo da Noruega e da Suécia. O senhor já ouviu falar

de embaixadas canadenses, norueguesas ou suecas serem bombardeadas? Nós

somos odiados porque o nosso governo nega essas coisas aos povos dos países

do terceiro mundo, cujos recursos são cobiçados pelas nossas corporações

multinacionais.

Esse ódio que semeamos virou-se contra nós para nos assombrar na

forma de terrorismo e, no futuro, terrorismo nuclear. Uma vez dita a verdade

sobre o porquê da ameaça existir e ter sido entendida, a solução torna-se óbvia.

16

Nós precisamos mudar as nossas práticas, Livrarmo-nos das nossas armas

nucleares (unilateralmente, se necessário) irá melhorar nossa segurança. Alterar

drasticamente a nossa política externa irá assegurá-la.

Em vez de enviar os nossos filhos e filhas ao redor do mundo para matar

árabes, para que possamos ter o petróleo que existe sob as suas areias,

deveríamos mandá-los para reconstruir as suas infra-estruturas, fornecer água

limpa e alimentar crianças famintas.

Em vez de continuar a matar milhares de crianças iraquianas todos os

dias, com as nossas sanções econômicas, deveríamos ajudar os iraquianos a

reconstruir suas estações elétricas, as suas estações de tratamento de água, os

seus hospitais e todas as outras coisas que destruímos e que os impedimos de

reconstruir com as nossas sanções econômicas.

Em vez de treinarem terroristas e esquadrões da morte, deveríamos fechar

a Escola das Américas. Em vez de sustentar a revolta, a desestabilização, o

assassínio e o terror em redor do mundo, deveríamos abolir a CIA e dar o

dinheiro gasto por ela a agências de assistência.

Resumindo, deveríamos ser bons em vez de maus. Quem iria tentar deter-

nos? Quem iria odiar-nos? Quem iria querer nos bombardear?

Essa é a verdade, senhora presidente.

“É isso que o povo americano precisa ouvir”.

Em nome do choque de civilizações

Em 1993, um assessor do governo norte-americano advertia que o

Ocidente (ou seja, os Estados Unidos) deveria preparar-se militarmente para

enfrentar civilizações como o Islã e o Confucionismo que, unidos, ameaçariam o

coração do mundo ocidental.

Da caixa de Pandora do império norte-americano, ainda escancarada,

escapam os monstros e os medos que se alastram em um mundo que ainda não

está completamente sob o controle dos Estados Unidos. Desde 11 de setembro

um deles pula de um estúdio de televisão para outro denunciando a ameaça

desses bárbaros para "a nossa civilização capitalista mundial".

Foi em 1993 que Samuel P. Huntigton, um ex-especialista em operações

17

de contra-insurreição do governo Lyndon Johnson no Vietnã, depois diretor do

Instituto de Estudos Estratégicos de Harvard, publicou o seu, hoje célebre, The

Clash of Civilization, concebido como um panfleto contra um rival teórico do

Departamento de Estado: Francis Fukuyama e sua tese do "fim da História". Para

Samuel P. Huntigton, a derrota da União Soviética punha um ponto final em

todas as disputas ideológicas, mas não na História. A Cultura, e não a Política,

ou a Economia, dominaria o mundo.

A matança das crianças iraquianas

Ele enumerava oito culturas: ocidental, confucionista, japonesa, islâmica,

hindu, eslavo-ortodoxa, latinoamericana e, talvez, africana (ele não tinha certeza

de que a África fosse, de fato, civilizada). Cada uma delas encarnava diferentes

sistemas de valores simbolizados, cada um, por uma religião que "talvez fosse a

força central que motiva e mobiliza os povos".

O principal divisor de águas passava entre "o Ocidente e o resto”, pois

somente o Ocidente valoriza “o individualismo, o liberalismo, a constituição, os

direitos humanos, a igualdade, a liberdade, as leis, a democracia, os mercados

livres". Por isso, o Ocidente (ou seja, os Estados Unidos) devem se preparar

militarmente para enfrentar essas civilizações rivais, especialmente as mais

perigosas: o Islã e o Confucionismo - isto é, o petróleo e as exportações chinesas

que, unidas, ameaçariam o coração da civilização. E o autor concluía com uma

observação sinistra: 'O mundo não é uno. As civilizações unem e dividem a

humanidade... Os povos identificam-se com o sangue e a fé, pelos quais

combatem e morrem’. Osama bin Laden poderia assinar sem qualquer problema

essa declaração.

Simplista, porém "politicamente correta", esta análise forneceu subsídios

aos estrategistas políticos e ideólogos de Washington e de outros países. O Islã

foi considerado a principal ameaça, pois o Irã, o Iraque e a Arábia Saudita

produzem a maior parte do petróleo do mundo. Nessa época, a República

Islâmica do Irã existia há quatorze anos e combatia o "Grande Satã"; a guerra do

Golfo e suas conseqüências haviam golpeado o poder do Iraque; a Arábia

Saudita, contudo, permanecia um porto seguro, com sua monarquia defendida

18

por tropas norte-americanas.

A "civilização ocidental", apoiada, na ocasião, por duas outras - a

confucionista e a eslavaortodoxa - organizava a morte lenta de dezenas de

milhares de crianças iraquianas, privadas de alimentos e medicamentos, devido

às sanções impostas pelas Nações Unidas.

O apoio às forças reacionárias

Essas teses exigem duas respostas fundamentais. A primeira é que o Islã,

há mais de mil anos, nunca foi monolítico. As diferenças entre muçulmanos

senegaleses, chineses, indonésios, árabes e asiáticos do sul são bem maiores

do que as que os distinguem de não-muçulmanos da mesma nacionalidade. Nos

últimos cem anos, o mundo muçulmano conheceu guerras e revoluções, como

todas as outras sociedades. O conflito de setenta anos entre os Estados Unidos

e a União Soviética afetou todas as "civilizações". Os partidos comunistas

cresceram e ganharam apoio das massas, não só na Alemanha luterana, mas na

China confucionista e na Indonésia muçulmana. Ao longo das décadas de 20 e

30 o apelo cosmopolita do Marxismo e o desafio populista de Mussolini e Hitler

dividiram intelectuais árabes e europeus. O liberalismo, tido como ideologia do

império britânico, era menos popular. Atualmente, os fundamentalistas podem ser

considerados uma versão muçulmana da Frente Nacional francesa ou dos neo-

fascistas do governo italiano. Um dos ideólogos ocidentais mais apreciados por

alguns pensadores que alimentam o Islã radical é Alexis Carrel, racista e

pétainista caro aos seguidores de Le Peno.

O segundo ponto: depois da Segunda Guerra Mundial os Estados Unidos

apoiaram os elementos mais reacionários, usando-os como obstáculo ao

comunismo e ao nacionalismo progressista. Muitas vezes recrutaram seus

aliados entre radicais fundamentalistas: os Irmãos Muçulmanos, contra Nasser,

no Egito; o Sarekat-i-islam, contra Sukarno, na Indonésia; o jamaat-I-Islam,

contra Bhutto, no Paquistão: e mais tarde, no Afeganistão, Osama bin Laden e

outros contra o laico, comunista Najibullah, escorraçado de seu refúgio pelo

Taleban antes de ser morto e seu cadáver pendurado em Cabul, com o pênis e

os testículos enfiados na boca. Nenhum líder ocidental manifestou qualquer

19

discordância.

A difusão do fundamentalismo islâmico

As únicas exceções foram Bagdá e Teerã. Não havia condições na década

de 60, para a criação de um grupo político confessional no Iraque. O Partido

Comunista era a forca mais popular, mas sua vitória era inaceitável. Os Estados

Unidos apoiaram então, a ala mafiosa do partido Baath, incitando-a a dizimar os

comunistas e, depois, os sindicatos de operários ligados ao petróleo.

Saddam Hussein encarregou-se do trabalho e obteve como recompensa,

armas e acordos comerciais - até seu fatal erro de avaliação, em agosto de 1991,

no Kuweit. No Irã, o Ocidente apoiava o Xá de segunda geração, que se com-

portava como um déspota: desrespeitava os direitos de seu povo e aniquilou, por

meio da tortura e do exílio, o partido Tudeh (comunista). Os religiosos ocuparam

o vazio político e dirigiram a revolta popular que derrubou a monarquia.

No Oriente Médio, o Ocidente apoiou sua estratégia sobre dois pilares. O

primeiro foi a Arábia Saudita, criada na década de 30 pelo gigante norte-

americano de petróleo Aramco, que precisava de um Estado local para defender

seus interesses. Na época, a tribo dos Al-Saud acabava de sair vitoriosa de uma

sangrenta guerra civil entre as tribos que habitavam Hedjaz. Triunfava, dessa for-

ma, uma tendência especialmente virulenta e ultra-puritana no Islã: o

wahhabismo, que deriva do nome de Ibn Abdul Wahhab, um fanático religioso

que pregava as vantagens de uma linad (guerra santa) permanente contra os

modernizadores islâmicos e os infiéis, e que se impôs graças a uma aliança, em

1744, com Mohamed Ibn Saud, que desejava explorar a fé fervorosa para facilitar

as conquistas militares. O wahhabismo, atual religião do Estado Saudita domina

toda a estrutura social e difunde-se, graças aos petrodólares financiando o

fundamentalismo em todo o mundo muçulmano, inclusive nas escolas religiosas

do Paquistão, de onde nasceu o Taleban.

A raiz da crise atual

20

O segundo pilar: Israel, o intermediário mais confiável dos Estados Unidos

na região. As relações entre muçulmanos e judeus foram, em outros tempos,

relativamente harmoniosas. Na Espanha muçulmana, os judeus eram protegidos

pelos governantes muçulmanos. Saladino agiu da mesma forma no Oriente

Médio, quando retomou Jerusalém, em posse dos Cruzados, e trouxe

muçulmanos e judeus de volta à cidade. Depois da vitória da Reconquista

católica na Espanha, os judeus receberam asilo e refúgio no Império Otomano.

Foi a nakba (catástrofe) de 1948 que demarcou a verdadeira ruptura entre judeus

e árabes. Os dirigentes sionistas, com um sentimento latente de culpa em

relação aos palestinos expulsos, tornaram-se mais agressivos, mais arrogantes e

mais fanáticos e desempenharam alegremente seu papel em 1956 (guerra do

Suez), em 1967 (Guerra dos Seis Dias), em 1982 (guerra do Líbano) e no

presente momento.

O medo de desestabilizar seu principal braço militar na região tornou o

Ocidente totalmente incapaz de garantir a criação de um Estado Palestino viável

e independente. Este fracasso levou ao descontentamento do mundo árabe-

muçulmano, especialmente no Egito e na Arábia Saudita, de onde se diz serem

originários alguns dos terroristas responsáveis pela tragédia de 11 de setembro.

Ou seja, a raiz da crise atual está na estratégia e na política econômica do

Ocidente - a dos "dois pesos e duas medidas" - que as inspiram. Uma nova

guerra só poderia provocar um trasbordamento das águas do ressentimento.

Um lugar para dois povos

Os povos, judeu e palestino, têm direito a existência, convivendo na

mesma região. Essa foi a base para os acordos de Oslo que, a partir de 1993,

constituíram a mais séria perspectiva de se alcançar uma solução pacifica para o

conflito no Oriente Médio, que se arrasta desde 1948.

A negação desse princípio dos acordos de Oslo esta na raiz do atual

estado de guerra quase aberta entre palestinos e israelenses. Recordando: o

fracasso do plano de paz do ex-primeiro-ministro trabalhista de Israel, Ehud

Barak conduziu à eleição do falcão direitista Ariel Sharon, antes mesmo de ser

eleito, Sharon deixou claro qual seria sua política e, num ato de provocação,

21

percorreu a esplanada das mesquitas, local sagrado para os muçulmanos, em

Jerusalém, cercado, é claro, por um batalhão de soldados.

Sharon beneficiou-se do cansaço do eleitorado israelense diante da

ausência de um acordo de paz definitivo e simplesmente, retomou a velha lógica

da ocupação dos territórios palestinos, como se o relógio da História voltasse à

guerra dos seis dias, em 1967.

Ao invadir cidades autônomas palestinas, Sharon jogou pôr terra os

acordos de Oslo, abandonando o único principio que pode alicerçar a paz: o do

direito do povo vizinho de organizar-se em um Estado.

A lógica da ocupação reforçou a pregação das facções de explosões

suicidas, muitas vezes contra o direito de existência de Israel, antípodas, o

governo de Israel e os homens e mulheres-bombas cumprem a mesma função,

entretanto o conceito básico de tolerância entre os dois povos e, com ele, o

processo de paz iniciado por Yasser Arafat, há quase uma década, enquanto os

dois lados choram seus mortos, começam sinais positivos e renasce o

movimento pacifista israelense, cuja ação foi decisiva, pos exemplo, para que

Israel pudesse fim na ocupação do Líbano, iniciada e 1982.

A proposta dos pacifistas israelenses é simples: abandonar

imediatamente, de forma unilateral, a Cisjordânia e Faixa de Gaza, passando a

discutir o estatuto de Jerusalém. Entre os palestinos, a violência da neo-

ocupação e o impacto das ações suicidas vêm travando o surgimento de

lideranças comprometidas com a convivência pacífica. Resta saber se o retorno a

Oslo terá de esperar pelo nascimento, nos dois lados, de uma nova geração de

líderes à custa, é claro, de uma infinidade de mortes.

O atentado de 11 de setembro produziu uma onda de medo no mundo. Se

um grupo qualquer é capaz de atingir dois dos mais importantes símbolos do

capitalismo - as torres do wqrld trade center e as instalações do pentágono -,

então nada mais parece estar a prova do terror.

Aproveitando a situação, o presidente George w. bush conseguiu que o

congresso americano aprovasse uma série de leis que, em nome da segurança

dos cidadãos, restringiram radicalmente as liberdades democráticas no país.

Hoje, qualquer pessoa pode ser submetida a “grampo” telefônico pelo FBI (polícia

federal), sem necessidade de autorização judicial; pode ser vigiada, detida e

22

submetida a interrogatório. Nunca houve tanta restrição às liberdades nos

Estados Unidos, nem mesmo durante o período macartista, nos anos 50.

Essas medidas produziram grande impacto em todo o mundo, ampliando

os poderes da polícia, dos serviços secretos, das redes de informação e

inteligência dos governos nacionais e também acenderam um debate tão antigo

quando o Estado Moderno: é ou não legítimo restringir as liberdades, em nome

da segurança?

Uma resposta aparentemente simples poderia ser: Bush representa a

extrema-direita americana; um presidente de vocação autoritária, que assumiu o

poder graças à fraude, e usa a "guerra ao terror" como pretexto para impor uma

mordaça à oposição, tudo bem. Só que essa resposta, conjuntural, apenas

"finge" resolver a complexa equação que tem em um de seus extremos a

liberdade, e no outro a segurança.

Thomas Hobbes, grande precursor do corpo de doutrinas sobre o Estado

Moderno, dizia que o governo só se justifica se for capaz: de garantir o bem-estar

e a segurança de seus cidadãos. O homem, segundo Hobbes, é o lobo do

homem: quando entregue ao "estado de natureza", promove a guerra contra os

seus semelhantes. Para assegurar a paz, o governante deve ter poderes

absolutos, incontrastáveis e inquestionáveis, capaz de disciplinar as paixões.

No extremo oposto, Jean-Jacques Rousseau, esse, apóstolo do

Iluminismo, dizia que o homem é um ser bom por natureza. Se a ele for

assegurada a oportunidade de decidir em liberdade sobre os rumos de sua vlda,

assim como a natureza e a forma das instituições políticas, estarão dadas as

condições para a sedimentação de um "contrato social" capaz de assegurar uma

democracia estável, livre e plena. A restrição à liberdade – e não a própria

liberdade – provoca a frustração e a fúria.

Nos três últimos séculos, foi produzida uma quantidade imensa de teorias

filosóficas e políticas que oscilam entre os dois extremos, para não falar de ro-

mances e obras de ficção. Obviamente, não é e nem poderia ser nosso objetivo,

aqui, resolver a questão, mas sim apontar a maneira extremamente aguda com

que ela se coloca no mundo contemporâneo.

É provável que nunca se encontre "a" grande solução, por ser esta, talvez,

a questão que constituiu e delimita o horizonte da aventura do homem como

23

animal político. Ainda assim, é dever de cada um dar uma resposta à equação

proposta pela esfinge-histórica e, como Édipo, pagar o preço que a vlda cobra.

Cartografia do esquecimento

Em 18 de julho de 1949, um grupo de nove conhecidos cartógrafos,

arqueólogos, geógrafos e historiadores reuniram-se no gabinete do primeiro-

ministro do recém-criado Estado de Israel. Eles receberam de David Ben-Gurion

a missão de dar nomes hebreus as montanhas, aos vales, riachos, estradas e

localidades situadas nas regiões do Negev e Arav. Essas regiões tinham sido

militarmente ocupadas pelos israelenses quatro meses antes, na guerra que

originou o Estado judeu.

O grupo entendeu a importância de sua missão: não se tratava de um

trabalho “técnico”, mas de criar legitimidade histórica e cultural para o aro de

anexação de um território ainda habitado por outro povo. Tarefa nada fácil entre

1872 e1878, uma pesquisa feita pelo Fundo de Exploração da Palestina, sob

controle do império britânico, indicou que de 9 mil nomes de localidades

coletados na região, só 10% eram judeus. Não havia como sustentar o mito

sionista de que a Palestina era uma “terra sem povo” destinada a um “povo sem

terra”. Um "novo mundo" deveria ser criado, à imagem e semelhança do mito.

Assim foi construída uma Geografia israelense da Palestina. O mapa, no

caso, precedeu à paisagem e deu legitimidade ao processo de destruição

sistemática dos registros históricos, culturais e sociais de toda uma civilização

que deveria ser erradicada. Como que por "encanto”, desapareceram os nomes

árabes e brotaram, no seu lugar, os hebreus, abrindo caminho para a destruição

física dos vilarejos, das casas, das plantações, da cultura árabe palestina.

Poucas vezes na História da Humanidade, a Cartografia terá revelado tão plena-

mente a sua natureza bélica.

Os novos habitantes da terra adoraram um “padrão ocidental”:

construíram-se avenidas e ruas asfaltadas, prédios modernos foram erguidos

sobre os escombros das antigas casas árabes. Algumas poucas foram

preservadas, para se tornarem locais “exóticos”, como “colônias de artistas”:

mesquitas em ruínas foram transformadas em bares e restaurantes. Construções

24

que extraídas de seus contextos originais, funcionam como exemplares de um

museu de antiguidades, sem qualquer eficácia cultural.

Benvenisti nota, com tristeza, a destruição das antigas formas de

agricultura, em especial dos olivais - plantas que representam o coração da

cultura árabe e que dão flores e frutas ao longo de centenas de anos: sua mera

existência, por isso mesmo, atesta a antiguidade das famílias que habitavam a

região quando os israelenses ali chegaram. Assim a destruição dos olivais em

ramo de Belém, pelo exército israelense, sob o pretexto de que serviam de abrigo

para guerrilheiros árabes, correspondia na verdade, à urgência de apagar o traço

da existência árabe na região: Crônico em relação à proverbial capacidade dos

agricultores israelenses de "fazer o deserto florescer”, Benvenisti nota que, na

realidade, os novos ocupantes apenas substituíram culturas.

O livro de Benvenisti deixa a sensação de que, na Palestina histórica, está

sendo cometido um crime contra toda a Humanidade. Não se trata apenas de

agressões contra o povo árabe palestino, mas contra o acervo dessa

enciclopédia universal que se chama Historia. Uma parte da cultura está sendo

suprimida. Todos pagam o preço.

Fórum Social Mundial

0 2º Fórum Social Mundial (FSM), que se realizou em fevereiro de 2005,

em Porto Alegre, é um sintoma de que "alguma coisa está fora da nova ordem

mundial" – como o “Mundo” assinalou na sua edição de março, daquele ano.

Noutra edição, voltou-se ao tema. Aqui, dois integrantes da equipe de Mundo

manifestam suas opiniões sobre o FSM. A idéia é estimular o debate, oferecendo

argumentos contraditórios sobre o significado político do evento.

Fragmentos de ideologias

O 2º Fórum Social Mundial tinha, em lugar de destaque da sua agenda, a

“luta pela paz no mundo”. Sob esse temário, os participantes abordaram diversos

conflitos internacionais. A campanha liderada pelos Estados Unidos no

25

Afeganistão, que então se encontrava na fase de pesados bombardeios aéreos

contra cidades e povoados, ficou fora da agenda do Fórum.

“Um outro mundo é possível”, o tema do 2º Fórum Social Mundial parece

ter incomodado muita gente. A grande imprensa, cada vez mais ocupada na

promoção dos reality-shows, tratou o encontro como uma festa de desocupados

inconseqüentes. Vários políticos acusaram o fórum de ser, no fundo, “um evento

político”. Articulistas bem e mal intencionados cobram dos participantes “teses

conclusivas” e “propostas viáveis”. Burocratas e tecnocratas desdenharam a

“falta de bom senso econômico” das mais de 4,9 mil Organizações Não-

Governamentais (ONGs) representadas em Porto Alegre, enquanto acadêmicos

ingênuos se esforçam em descobrir os “reais interesses” por trás do encontro,

denunciando a ingenuidade dos quase 80 mil participantes que teriam servido

como “massa de manobra” na mão de partidos nacionais e estrangeiros.

“Raio-X” do fim do fórum

Os quatro eixos de debate:

1. Produção de riquezas e reprodução social: comércio mundial,

corporações transnacionais, controle de capitais financeiros, dívida

externa, economia solidária.

2. O acesso às riquezas e a sustentabilidade: propriedade intelectual,

medicamentos, meio-ambiente, água, povos indígenas, populações

urbanas, segurança alimentar.

3. A afirmação da sociedade civil e dos espaços públicos: combate à

intolerância, democratização da mídia, produção indígena cultural –

identidade, violência doméstica, migrações, educação.

4. Poder político e ética: organismos internacionais e arquitetura do poder

mundial, democracia participativa, soberania, luta pela paz, direitos

humanos.

A abordagem deste tema logo após os debates anteriormente relatados,

26

dá conta de que, no mundo atual, algo novo está acontecendo. O mundo não

está de olhos fechados nem de braços cruzados, para os atos desumanos e

irresponsáveis, de países e líderes mundiais que se acham donos da verdade e

“do mundo”, por tabela.

UNIDADE 4 - GEOGRAFIA, COLONIZAÇÃO E

GEOPOLÍTICA DO CONTINENTE AMERICANO

O que é geopolítica

A expressão "geopolítica" há vários anos em desuso, depois de haver sido

muito empregada pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial, para

justificar a sua política expansionista baseada em princípios como o da

superioridade racial e do espaço vital, hoje se encontra muito em voga.

Na realidade, embora a expressão lenha sido usada pela primeira vez em

1916 por kjilen, na Suécia, o conhecimento geopolítico já vinha sendo

desenvolvido desde a Antigüidade por soberanos como Dario I, da Pérsia e por

Alexandre Magno, da Macedônia, ao estruturarem seus grandes impérios. O

saber político compreende uma tentativa de análise cientifica da importância dos

Estados em face da sua extensão, da sua população e da sua posição

geográfica, integradas em ideologias que procuraram estimular e provocar a

realização de objetivos de expansão territorial e de dominação de Estados

vizinhos que impedem ou dificultam a realização de aspirações da classe

dirigente. Assim, do ponto de vista da política externa, o saber geopolítico serve

aos interesses expansionistas dos Estados.

Do ponto de vista interno, justifica uma política de contenção das

aspirações populares e de reforço à da classe dominante, baseada em uma

27

ideologia ufanista e nacionalista de direita.

Embora os ensinamentos geopolíticos sejam encontrados em autores dos

vários períodos históricos, suas bases modernas se firmam no pensamento do

geógrafo alemão Friedrich Ratzel, que dava grande importância à integração do

Império Alemão e procurava justificar a sua expansão como uma necessidade e

uma fatalidade histórica. Para isso, utilizava como categorias de estudos, entre

outras, a extensão territorial, a população, tanto do ponto de vista qualitativo

como quantitativo, e a posição geográfica, classificando os Estados, de acordo

com esta, em centrais e marítimos. Admitia que os Estados centrais, mais

dinâmicos, tendiam a se expandir em direção ao mar, dominando ou anexando

vizinhos mais fracos, ao passo que os Estados marítimos tendiam a desenvolver

as suas esquadras e a criar colônias.

A Rússia e a Prússia - que dariam origem à Alemanha - seriam Estados

centrais típicos, em virtude da pequena extensão das suas costas, ao passo que

a Inglaterra, uma ilha, seria o exemplo típico do Estado marítimo. Daí a grande

preocupação dos seus seguidores com a caracterização de maritmidade e

continentalidade.

Kjilen, professor sueco da Universidade de Upsala e seu continuador,

procurou entrosar o conhecimento geográfico com a ciência política e com as

relações internacionais e o direito internacional, ao passo que, Mackinder,

pensador e militar inglês, formulou a teoria dos pontos nodak onde se situavam

os países com tendências à expansão. Na sua preocupação com a posição

geográfica, contrapôs a Rússia Imperial à Grã-Bretanha. O primeiro país que se

expandiu pelo continente asiático durante séculos, procurou obter portos em

mares abertos - livres do bloqueio dos gelos durante o inverno e da passagem de

estreitos controlados por outros países - e o segundo, possuindo a Marinha mais

forte na época, estabeleceu colônias em todos os continentes e controlou os

países da América Latina, que só obtiveram uma independência formal no início

do século XIX .

Na Alemanha hitlerista, o general e geógrafo Haushofen tornou-se famoso

por haver defendido, baseado no pensamento geopolítico, a superioridade dos

alemães e o "direito" de conquista dos territórios vizinhos, ocupados por eslavos

e latinos.

28

Contrapondo-se a essa doutrinação geopolítica formou-se, nos últimos

tempos, uma corrente de pensamento que defendia a libertação dos povos

oprimidos e empobrecidos pela colonização e pela exploração estrangeira e, no

plano interno, levantava o problema da dominação das "elites" sobre as classes

menos favorecidas. Até certo ponto essa corrente remonta aos trabalhos de

Elisée Reclus (1986), nos quais analisou os problemas provocados pela

expansão colonial. No Brasil, o grande reabilitador da geopolítica de vanguarda

foi Josué de Castro, em livro muito expressivo sobre a fome (1945). Vários

geógrafos, ligados a uma ideologia popular e libertária vem desenvolvendo

estudos geopolíticos que se contrapõem à orientação clássica, merecendo

referência especial a revista francesa Herodote.

Geopolítica e geografia política

Muitos autores vêm fazendo confusão entre geopolítica e geografia

política, o que é lamentável. A geopolítica é um saber engajado, comprometido

com um pensamento e com objetivos políticos; embora analisando o Estado

corno produtor de um espaço, ela não tem um rigoroso critério cientifico. A

geografia política, ao contrário, é um dos enfoques da ciência geográfica no qual

se estudam a distribuição dos Estados pela superfície da terra, o problema do

estabelecimento de fronteiras e os tipos de organização do território a que eles

dão origem. Ela não está marcada fortemente pelos preconceitos do

determinismo geográfico, que tenta explicar a expansão ou a necessidade de

expansão dos Estados, com base em condições naturais.

Há até quem admita que a geopolítica seja o saber dos políticos e dos

militares, ao passo que a geografia política é o saber dos acadêmicos, dos

cientistas. Não concordamos com. essas afirmações, uma vez que o acadêmico,

o cientista, antes de ser acadêmico ou cientista é cidadão e, como cidadão, tem

compromissos políticos e sociais com a sociedade e com o Estado onde vive e

trabalha.

Com o desenvolvimento do capitalismo monopolista vem sendo

caracterizados vários tipos de áreas de influência dos Estados, não havendo

coincidência entre a área político-administrativa, delimitada por fronteiras, e a

29

área de atuação das empresas ligadas a um Estado que se expande além de

fronteiras políticas. Daí admitir-se que, ao lado da geopolítica, desenvolve-se um

ramo do conhecimento que estudaria a projeção espacial das empresas e a

repercussão dessa expansão sobre os Estados de que são originárias e em que

atuam. Daí o surgimento do saber geoeconômico, ou, para ser mais preciso, da

disciplina Geoeconomia.

Os estudiosos dos problemas militares, da estratégia, procuram adaptar o

conhecimento geopolítico a uma política de guerra, ofensiva ou defensiva, dando

origem a um ramo do conhecimento que vem sendo denominado de

geoestratégia.

À proporção que a economia e a sociedade se tornam mais complexas, é

natural que se desenvolvam setores de conhecimento paralelos ou transversais

aos tradicionais ramos do conhecimento social, sem que se perca, sobretudo

para as pessoas com formação científica dialética, uma visão global, uma visão

da totalidade.

Estratégia, geoestratégia e geopolítica

Cabe aqui uma distinção, mesmo que relativa, entre estratégia,

geoestratégia e geopolítica. A estratégia, que surgiu no final do século XXVIII

como uma redefinição da antiga “Arte da Guerra”, preocupa-se essencialmente

com a gestão (administração) da guerra e com a segurança pública.

É lógico que a estratégia tem uma dimensão não espacial (quem e como

vai comandar uma tropa, por exemplo, ou como se dará a renovação tecnológica

dos armamentos) e uma parte ou dimensão espacial (aonde vai estacionada tal

ou qual tropa, para onde ela vai se deslocar, etc.). Essa dimensão espacial da

estratégia é a geoestratégia.

Já a geopolítica, surgida no inicio do século XX, tem como preocupação

fundamental a questão da correlação de forças – antes vista como militar, mas

hoje como econômico-tecnológica, cultural, social – no âmbito territorial, com

ênfase no espaço mundial.

Na prática, contudo, sempre foi extremamente difícil separar a

geoestratégia da geopolítica. E também existem outros complicadores, que

30

tomam toda essas noções difíceis de serem delimitadas. Um deles é a

popularização, nas ultimas décadas – provavelmente após e devido à Segunda

Guerra Mundial -, da palavra estratégia, que passou a significar qualquer tipo de

plano, técnica ou estratagema: fala-se, por exemplo, na “estratégia” do time de

futebol (ou de basquete), na “estratégia” do boxeador (ou do judoca), na

“estratégia” da empresa para ampliar o seu mercado etc. É evidente que esse

significado lato sensu quase nada tem a ver com o significado original, strito

sensu, da estratégia como disciplina, arte ou forma de conhecimento ligada aos

meios militares. Também com a geopolítica essa inflação terminológica vem

ocorrendo, embora mais recentemente.

A partir do final da década de 1980, devido às mudanças radicais no

mapa-múndi (vista pela mídia, com razão, como redefinições geopolíticas), a

palavra geopolítica tornou-se moda. Hoje ela é usada, em alguns meios, para se

referir a praticamente todas as discussões políticas e econômicas internacionais

– os encontros relativos ao meio ambiente global, as reuniões da OMC ou do FMI

e os protestos contra eles, a Alça ou a União Européia etc. –, algo que

evidentemente torna essa palavra desprovida de qualquer significado preciso.

A título de curiosidade, poderíamos lembrar que algumas escolas de

ensino médio no Brasil chegaram a incluir nos seus currículos a disciplina

“Geopolítica” e o seu conteúdo nada mais é que “atualidades”, com os

professores (graduados em História, Geografia ou Sociologia) discutindo com os

alunos tudo que sai na mídia e que eles consideram importante.

Um renomado economista confessou recentemente ter se inspirado na

geopolítica ao utilizar a palavra “globobagens” (globaloney) para se referir ao

amontoado de non-sense ou impropérios que freqüentemente são ditos,

principalmente nos meios jornalísticos (mas também em alguns artigos

acadêmicos e em congressos ou encontros científicos, que em certos casos

transformam-se em verdadeiros circos), quando o assunto em pauta refere-se à

globalização ou ao novo cenário geopolítico mundial. Mas isso não significa,

como ele próprio assinala, que esses temas sejam pouco importantes ou que

tudo o que é dito sobre eles seja pouco fundamentado ou vazio de conteúdo. Por

isso mesmo acreditamos que é possível falar em novas geopolíticas, mantendo

um significado relativamente preciso e delimitado para a palavra – isto é, como

31

um campo de estudos interdisciplinar que se refere à correlação de forças a

plano espacial, com ênfase na escala mundial –, discutindo suas idéias e suas

diferenças ante as geopolíticas clássicas.

Ao contrário do que proclamou Yves Lacoste, para quem “a geopolítica é a

verdadeira geografia, a geografia fundamental”, a recente revalorização dos

estudos políticos vê esse(s) objetivo(s) como uma problemática interdisciplinar.

Tal como a questão ambiental, estuda sob diversos prismas e na maior parte das

vezes de forma interdisciplinar, a problemática geopolítica não mais se identifica

com uma única disciplina (seja Ciência ou Arte; seja a Geografia, a Ciência

Política ou a Estratégia Militar) e sim como um campo de estudos.

As geopolíticas clássicas foram elaboradas primeiramente por militares

(Mahan, Haushofer e vários outros) e, em segundo lugar, por juristas (Kjellén) ou

geógrafos (Mackinder). Era difícil distinguir entre geopolítica e geoestratégia, pois

no cerne de suas teorias havia sempre o problema da guerra e da força militar.

As novas geopolíticas, em especial após o final da guerra fria e da ameaça de

um holocausto nuclear, relativizam (mas não omitem) a questão da guerra militar

e enfatizam outras "guerras" ou conflitos: econômicos, sociais, culturais e até

simbólicos (na mídia e na indústria cultural, por exemplo). Quase não existem

mais militares entre os seus principais teóricos. Eles são historiadores (Kissinger,

Kennedy), sociólogos (Huntington, Fukuyama) geógrafos (Taylor, Parker, Agnew)

cientistas políticos (Brzezinski, Luttwak), economistas (Thurow, Ohmae) e outros.

O objetivo deste texto é comentar as novas geopolíticas que surgiram a

partir do final da década de 1980 e que procuram explicar como se dará á disputa

pela hegemonia mundial no século XXI. Iniciamos, com um resumo do que foi a

geopolítica clássica e, principalmente, como e por que ela ingressou numa

profunda crise. Logo à frente, elaboramos uma apresentação critica das novas

idéias geopolíticas que surgiram no mundo pós-guerra fria. Como se poderá

deduzir embora o nome “geopolítica” continue a ser utilizado (com a ressalva de

que muitos autores mencionados não fazem a menor questão desse rotulo), o

approach – isto é, o enfoque, a abordagem – atualmente é outro. Além da

relativização da guerra militar, também o Estado deixou de ser o sujeito

epistemológico oculto: as geopolíticas clássicas não apenas estavam centradas

no Estado como o único ator ou agente, mas eram igualmente feitas por ele e

32

para ele. Eram antes de qualquer coisa propostas de ação no sentido de

fortalecer o “seu” Estado; daí elas terem sido construídas como “geopolíticas

nacionais”. As novas geopolíticas, não por coincidência, surgidas na “era da

globalização” e enfraquecimento (relativo) dos Estados Nacionais, normalmente

não são feitas “para o Estado” e tampouco o vêem como o único ator na política

mundial. Novos atores ou sujeitos são levados em consideração, desde as

civilizações ou grandes culturas até as ONG´s, passando pelas empresas multi

ou transnacionais, pelas organizações internacionais (ONU, OMC, FMI etc.) e

pelos “blocos” ou mercados regionais (União Européia, Nafta, Mercosul etc.). E

novos campos de luta são agora vistos como importantes para a compreensão

das relações de poder no espaço mundial, desde a questão ambiental (embates

sobre o uso dos oceanos ou do espaço cósmico ao redor do planeta, a emissão

de gases do efeito estufa, os desmatamentos e a perda de biodiversidade, o que

é desenvolvimento sustentável etc.) até as lutas pelos direitos das mulheres, de

minorias étinico-nacionais, de grupos com diferentes orientações sexuais, de

povos sem território reconhecido, de populações excluídas na sociedade global

ou em sociedades nacionais etc.

Nossa preocupação básica neste texto é encetar um diálogo crítico com as

principais representações geopolíticas do mundo pós-guerra fria. Almejamos com

isso apresentar ao Ieitor/estudante/pesquisador, uma discussão sobre como

serão os principais conflitos mundiais no século XXI - ou melhor, como eles estão

se dando e quais as suas perspectivas, pois o século XXI já se iniciou desde pelo

menos 1991. Entendemos que o século XX foi aquele da Segunda Revolução

Industrial (indústrias automobilística, petroquímica e mecânica, o petróleo como

fonte de energia essencial, os Estados Unidos como potência hegemônica no

plano econômico etc.), e de duas ordens mundiais sucessivas: uma

multipolaridade conflituosa, com ênfase no poderio militar, na sua primeira

metade (até 1945), e uma bipolaridade também conflituosa - expressa como

guerra fria e corrida armamentista, cujo sentido levava até a um exterminismo -

na sua segunda metade (até por volta de 1991, ocasião em que a União

Soviética se esfacelou e o conflito capitalismo versus socialismo deixou de existir

como parte fundamental do equilíbrio de poder em escala mundial). Já o século

XXI, pode ser visto, pelo menos provisoriamente, como aquele da Terceira

33

Revolução Industrial (informática, robótica, biotecnologia, sociedade em rede

etc.), da globalização capitalista e de uma multipolaridade complexa, na qual se

entrecruzam várias disputas ou tensões (econômicas, culturais, político-

territoriais, étnicas, ambientais etc.).

Assim, este texto é uma introdução ao estudo (geopolítico) do século XXI.

Um estudo feito pelo confronto de idéias e teorias (de Huntington, Thutow,

Kennedy, Brzezinski e tantos outros), a partir das quais - ou, em alguns casos,

contra as quais – nosso próprio pensamento é construído. Se no final o

leitor/estudante/pesquisador concordar que cada teoria vê a sua maneira algo

que efetivamente ocorre na realidade, que existem verdades (no plural) e não um

único pensamento correto, e que as idéias não apenas explicam o mundo, mas

também ajudam a redefinir-lo, então teremos atingido o principal objetivo deste

módulo.

O Brasil é um país que se formou a partir de uma colonização externa - a

portuguesa -, e a sua História, durante os três séculos de dominação colonial,

está profundamente vinculada à história de Portugal. Nasceu com dimensões

territoriais modestas – aproximadamente 2.8OO.OOO km² , segundo o Meridiano

de Tordesilhas - e teve esse território consideravelmente ampliado, graças à

anexação de porções que se encontravam sob domínio espanhol. Lendo-se os

textos de pensadores, de políticos e de militares, observa-se uma forte idéia de

expansão territorial ou de simples expansão de área de influência pela América

do Sul e África, o que leva a concluir que a geopolítica foi cultivada por suas

elites desde o período colonial.

Nesse período pode ser destacada, entre outras, a figura de Alexandre de

Gusmão que, como diplomata, defendeu a aplicação do princípio do Uri

possidetis na delimitação das fronteiras entre as colônias portuguesas e

espanholas, conseguindo que o território da então América portuguesa se

expandisse extraordinariamente para o oeste, em áreas pertencentes à América

Espanhola.

Por ocasião da independência, o cientista e político José Bonifácio de

Andrada e Silva dirigiu a política do novo Estado a fim de manter as estruturas

coloniais conservadoras como a forma monárquica de governo; para manter a

credibilidade do seu projeto, programou a transferência da capital do Império

34

para o Planalto Central e defendeu uma política de libertação gradativa da

escravidão.

Compreendia ele que, no século XIX, os Estados não podiam se

consolidar apenas em torno dos interesses dinásticos, mas que deveriam se

formar em torno das nações.

No período imperial, os estadistas mais proeminentes procuraram manter

fechada à navegação estrangeira a bacia Amazônica, na mesma ocasião em que

defendiam a abertura da navegação no rio da Prata. Essa política levou o Brasil a

intervir no Prata, muitas vezes, como durante a incorporação do Uruguai - 1816-

1828 -, período da tentativa de Rosas de realizar a unificação da Argentina em

tomo dos limites do antigo Vice-Rei nado do Rio da Prata (1851- 1 852) e,

finalmente, de 1864 a 1870, quando, aliado à Argentina e ao Uruguai, destruiu o

Estado autárquico que se formava no Paraguai, mediante a ditadura de Lopez.

A República herdaria uma série de questões fronteiriças com a França, a

Inglaterra, a Bolívia e com a Argentina, tendo provocado estudos de profundidade

e de grande interesse, tanto geográfico como geopolítico, de homens públicos,

como o barão do Rio Branco e Joaquim Nabuco.

Na primeira metade do século XX, numerosos pensadores partidários ele

um governo centralizado e de Executivo forte, assim como de uma política

expansionista no Prata e na Amazônia, formularam estudos geopolíticos

baseados nos ensinamentos de Ratzel e de seus discípulos. Dentre outros,

destacam-se Everardo Rackhauser (1952). Teixeira de Freitas (1941) e Lysias

Rodrigues (1947), que defendiam uma melhor ocupação dos territórios ocidentais

do Brasil, uma redivisão territorial, anulando a existência dos estados, e a

transferência da capital federal para o Oeste. Esses pensadores se baseavam

também em ensaístas brasileiros, como Alberto Torres e Oliveira Viana, que

preconizavam um sistema autoritário de governo para o Brasil.

Foi grande a influência desses pensadores no período que se seguiu à

Revolução de 1930, quando o governo federal desenvolveu a política em favor da

Marcha para o Oeste e da criação de territórios federais, desmembrados de

estados de grande extensão territorial e fraco povoamento. Com o Estado Novo,

o governo Vargas retirou a autonomia dos estados, transformando-os em

verdadeiras províncias, no modelo do Império, e organizou o Instituto Brasileiro

35

de Geografia e Estatística IBGE -, que deveria formular uma política de

racionalização da utilização do território nacional.

No mesmo período haveria uma reação de pensadores com preocupações

de conservação do espírito regional, achando, naturalmente, que o particular

deveria ser preservado dentro do geral - o regional e até o estadual, no federal -,

como Gilberto Freyre, com o seu Manifesto Regionalista de 1926, como Caio

Prado Júnior, com a sua interpretação marxista, mas não ortodoxa, da realidade

e da evolução política do Brasil, e muitos outros escritores e ensaístas. Houve

até quem defendesse maior descentralização política, com a evolução da

federação para uma confederação, como Alfredo Ellis Júnior e M. Osório de

Almeida, ou que exagerasse a ponto de defender como caminho natural o

separatismo, o fracionamento do território nacional, como Wanderlei em 1935.

O Brasil, porém, vem caminhando, nos últimos anos, para uma maior

centralização - a federação consagrada na Constituição é mais formal que real -

e para uma política de alinhamento com os Estados Unidos. Ele engajou-se

inteiramente, durante guerra fria, no bloco ocidental, liderado pelos norte-

americanos, e até participou de forças internacionais de repressão a movimentos

populares. Formou-se, então, a Ideologia da segurança nacional (cf. Comblin

1978), estruturando um sistema autoritário de governo, no âmbito interno, e uma

política externa visando classificar o país como uma potência emergente. Política

que levou o país, naturalmente, para uma posição de satelitização, de subpo-

tência imperialista, para execução dos interesses das grandes potências

internacionais, em sua área de influência. Nessa fase, destacam-se como

pensadores geopolíticos, entre outros, os geniais Golbery do Couto e Silva e

Meira Matos.

A geopolítica e o espaço brasileiro

Analisando-se a História do Brasil, pode-se admitir que em uma primeira

fase, baseada nos interesses imperiais de Portugal, fez-se a delimitação de um

espaço - Tratado de Tordesilhas - e a ampliação deste – Tratado de Madri -,

deixando-se no espaço delimitado grandes porções de território ainda ocupadas

por indígenas ou mesmo desabitadas.

36

Em uma segunda fase, que se estendeu de meados do século X VIII até

início do século XX, o Brasil procurou precisar melhor as suas fronteiras,

resolvendo, por arbitragem internacional ou por tratados diretos, questões de

limites com os países vizinhos. Tivemos assim período de tensões em nossas

fronteiras.

Na primeira metade do século XX, sobretudo como desenvolvimento da

expansão ferroviária na Argentina, houve um período de grande rivalidade entre

os dois maiores países sul-americanos e uma disputa por áreas de influência no

Uruguai, no Paraguai e na Bolívia. Essa tensão se materializava como salienta

Mário Travassos (1947), na expansão e modernização das vias de transporte.

Após a Segunda Guerra Mundial, o Brasil apresentou maior dinamismo

econômico e um desenvolvimento industrial mais rápido que a Argentina, e

tomou a ofensiva na expansão de sua influência nos países platinos; ao mesmo

tempo desenvolveu urna política de expansão interna no Centro-Oeste e na

Amazônia, procurando ter uma presença mais constante nos países da bacia

Amazônica e das Guianas. Vislumbrava-se, até, uma preocupação com a

presença brasileira no Caribe, materializada com a participação de forças

brasileiras na intervenção na República Dominicana, em 1965, e uma

preocupação mais ativa com a ação do grupo de Contadora, na Nicarágua. Mais

recentemente, após a Nova República, vem sendo feita uma reaproximação com

Cuba, após vinte anos de relações diplomáticas interrompidas. É sensível

também uma preocupação africana na política internacional brasileira, que levou

o país a condenar o racismo na África do Sul e a ser o primeiro país americano a

reconhecer o governo de simpatias socialistas de Angola, ao ser proclamada a

independência dessa antiga colônia portuguesa.

A projeção geopolítica do Brasil

Sendo o Brasil um país de grande extensão territorial, de alto índice

populacional e com o oitavo PIB do mundo, em 1996, não é de estranhar que ele

tenha uma tendência a expandir a sua influência sobre os países vizinhos e/ou

próximos. Como se pode observar em vários estudos e teses a respeito do tema,

ele tem uma tendência natural de expansão geopolítica para o Prata, para o sul,

37

estendendo-se até a Antártida - onde mantém urna base permanente de

pesquisas -, e ainda uma tendência expansionista em direção à Amazônia, aos

Andes, passando pelos países amazônicos vizinhos, e uma outra em direção ao

Caribe, voltada para a Venezuela, as Guianas e as Antilhas, restando ainda uma

quarta tendência expansionista voltada para o Atlântico, sobretudo em sua

porção sul.

A tendência ao expansionismo meridional originou-se com a política

expansionista no Prata, quando Portugal e em seguida o Brasil impediram a

manutenção desse Vice-Rei- nado, apoiando seu desmembramento e

conquistando terras que foram colonizadas pelos espanhóis. As intervenções na

Argentina e no Uruguai e o esmagamento do Paraguai, no século XIX, foram

concretizados com os tratados de limites realizados no início do século XX. Hoje,

com a região pacificada, a ação brasileira se concretiza com a consolidação do

Mercado Comum e com a garantia de estabilidade para a sua base de pesquisas

na Antártida.

Na segunda frente de expansão geopolítica, temos a pressão exercida

pelo Brasil sobre a Bolívia o Peru e a Colômbia; com a Bolívia o Brasil fortalece a

sua presença, na porção meridional, com a ferrovia que liga São Paulo a Santa

Cruz de Ia Sierra, e na bacia do rio Madeira, com a influência que exerce sobre o

departamento de Pando, onde grande percentual da população é de origem

brasileira. Repete-se aí o que ocorreu no período áureo da borracha, quando os

brasileiros subiram os rios da bacia amazônica e se estabeleceram como

seringueiros em terras bolivianas e peruanas. Depois, após lutas locais, o Brasil,

com o Tratado de Petrópolis, incorporou grande parte do território boliviano. Hoje,

os habitantes do Acre, os chamados “homens da floresta”, vêm sendo

beneficiados de subsídios governamentais, fazendo com que atravessem as

fronteiras bolivianas e que lá se estabeleçam.

Quanto ao Peru, o Brasil não só tem influência através da navegação no

Solimões, onde a cidade de Tabatinga é um importante centro comercial, como

também, mais ao sul, projeta construir a estrada de rodagem que ligará Cruzeiro

do Sul e, indiretamente, Santos, ao porto de Callao, no Pacífico, dinamizando o

nosso comércio com o mercado asiático. A política americana procura dificultar a

construção dessa estrada, a fim de impedir a concorrência brasileira nos

38

mercados japonês e chinês,

Com a Colômbia há problemas mais sérios, uma vez que na fronteira

colombiana existem áreas controladas pelos produtores de cocaína, que utilizam

a Amazônia como rota para o narcotráfico, e de guerrilheiros de tendências

políticas de esquerda que, naturalmente, tem a simpatia do atual governo

brasileiro, porém são conflitantes em si. Esse fato vem levando o Exército

brasileiro a implantar um projeto, o Calha Norte, de povoamento das fronteiras na

Amazônia e que, entre outras metas, visa à criação de dois territórios federais, o

do Alto Rio Negro, com capital em São Gabriel da Cachoeira, e o de Solimões,

com capital em Tabatinga.

Para o norte, o Brasil tem interesse em exercer a sua influência até as

Antilhas, e em resguardar as suas fronteiras com a Venezuela, fornecedora de

energia a Roraima, e com as Guianas, por considerar os dois países aí situados

como pouco estáveis - a Guiana, que tem metade do seu território reivindicado

pela Venezuela, e o Suriname - e um terceiro, a Guiana Francesa, onde houve,

no passado, grandes disputas fronteiriças, é uma área de atração para

trabalhadores brasileiros em razão da diferença entre o salário mínimo francês e

o nacional.

No Atlântico Sul, o Brasil apresenta grandes lições em razão do fato de aí

se situarem países que, como ele, foram colonizados pelos portugueses. Um

deles, de forte expressão territorial e populacional e muito rico em petróleo e em

diamantes, Angola, se encontra em uma situação política muito instável desde a

independência (1975); a luta armada, que inicialmente se apresentava como de

motivações ideológicas, hoje apresenta fortes conotações tribais, ou nacionais

(Andrade 2000). Alias relações entre os dois países foram muito grandes no

período colonial, não só por causa do tráfico negreiro como do comércio de

produtos, como a cachaça, a farinha de mandioca etc., e também administrativos,

uma vez que diversos governadores de Angola foram políticos do Brasil, nos

séculos XVII e XVIII; por ocasião da independência de Angola o Brasil foi o país

que, mesmo contrariando a tendência norte-americana, primeiro reconheceu o

novo governo.

Ainda são fortes às ligações com Portugal, que o colonizou, de 1500 a

1822, e com o qual hoje mantém grandes ligações por meio da Comunidade dos

39

Países de Língua Portuguesa, que congrega a antiga metrópole e países da

África - Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Moçambique -, da

América - Brasil -, do Oriente – Timor Leste. Essa comunidade visa estreitar

laços econômicos e sociais entre os vários países que a compõem e desenvolver

ao máximo as atividades culturais. A maior integração entre os países da

comunidade tem grande importância para o Brasil, já que ele, dentre os

associados, é o mais populoso e o mais rico. Tal integração, naturalmente, será

mais forte conforme as distâncias e os acordos que se realizarem, sendo

provável que as relações políticas e econômicas se acentuem mais estreitamente

com Angola, quando pacificada, e com Cabo Verde, urna vez que a Guiné-Bissau

é ainda muito pouco povoada e São Tomé e Príncipe é pouco extensa e pouco

povoada. Moçambique, voltado para o índico, tem ligações com a África do Sul, e

o Timor, só agora (1999), ao se libertar da tutela da Indonésia, começa a se

integrar ao mundo de fala lusitana.

O grande problema de um país como o Brasil é conseguir se desvencilhar

da dominação dos grandes grupos econômicos e políticos internacionais,

consolidar a sua identidade e conduzir uma política de fraternidade com os seus

vizinhos e sócios. Ser-lhe-ia necessário fugir de uma globalização neoliberal,

imposta do exterior, para se adaptar a uma globalização atenuada e que consulte

aos seus interesses como nação e como Estado.

UNIDADE 5 - AS GEOPOLÍTICAS CLÁSSICAS E A SUA

CRISE!

40

O advento da geopolítica

A geopolítica nasceu - pelo menos oficialmente, como rótulo – com o

jurista sueco Rudolf Kjellén, que pela primeira vez empregou esse termo num

ensaio intitulado "As grandes potências", publicado em 1905 numa revista do seu

país. Onze anos mais tarde "Kjellén reafirma as bases dessa “nova disciplina” no

seu livro O Estado como forma de vida, editado em 1916 na Suécia. Formado em

Direito e tendo sido parlamentar, Kjellén lecionava Ciência Política e História nas

universidades de Uppsala e de Göteborg. Sua preocupação fundamental nessas

obras era com o poderio mundial e ele definiu a geopolítica como “a ciência que

estuda o Estado como organismo geográfico”. Como se tratava de um objeto

semelhante ao da geografia política, sistematizada/redefinida em 1897 por F.

Ratzel (do qual Kjellén foi um leitor atento), ele procurou estabelecer diferenças

entre essas duas formas de conhecimento. Essas diferenças estariam

principalmente na abordagem, que seria geográfica no caso da geografia política

(ou seja, uma ênfase nas "relações homem/natureza") e política no caso da

geopolítica (isto é, "a perspectiva do Estado perante a dimensão espacial da sua

atuação”). Ele também procurou enfatizar o lugar da geopolítica como

intersecção entre a ciência política, a geografia política, a estratégia militar e a

teoria jurídica do Estado. O conceito de interdisciplina não era familiar nem a

Kjellén nem à sua época, razão pela qual ele encarava a geopolítica como "uma

ciência".

Essa distinção operada por Kjellén entre geopolítica e geografia política foi

bastante questionada; muitos geógrafos no passado e no presente (Thorndike Jr.

Lacoste, Claval e vários outros) viram na geopolítica tão-somente a geografia

política "aplicada". Entretanto, os “grandes nomes” da geopolítica, com a notável

exceção de Mackinder, não foram de geógrafos e sim de estrategistas militares.

E a preocupação básica da geopolítica clássica nunca foi a de um conhecimento

(geográfico e/ou científico) sobre um aspecto da realidade (a dimensão espacial

da política) e sim a de estabelecer bases para que o "seu" Estado se fortalecesse

no cenário internacional.

A geopolítica logo se expandiu, tendo encontrado no cenário mundial da

primeira metade do século XX um solo fértil para crescer. A ordem mundial

41

multipolar que vigorou desde o final do século XIX até a Segunda Guerra Mundial

propiciava um clima de pré-guerra entre as grandes potências do período, com

acirradas disputas por territórios, mercados e recursos na África, na Ásia e até na

Europa. Com o declínio relativo da Inglaterra, grande potência mundial na ordem

monopolar da segunda metade do século XVIII e de quase todo o XIX, os

embates pela hegemonia militar se multiplicavam. Nesse contexto, inúmeros

pensadores se engajaram na tarefa, apelidada de geopolítica por Kjellén, de

compreender o equilíbrio de forças no espaço mundial e as condições pelas

quais um determinado Estado pode se tornar uma grande potência. Na visão

desses pensadores, de forma inclusive coerente com a sua época o fundamental

era a quantidade de recursos/mercados, povos (mão-de-obra, soldados), solos

agriculturáveis, minérios, espaço geográfico enfim. Daí as geopolíticas clássicas

terem sido em geral explicações a respeito da importância estratégica de

determinados territórios, da necessidade de expansão territorial - ou controle de

espaços (rotas marítimas ou áreas geoestratégicas) - como forma de

fortalecimento do Estado e de adquirir hegemonia.

Mahan e o poderio naval

Apesar de ser considerado um dos "clássicos da geopolítica" juntamente

com Kjellén. Mackinder e Haushofer -, o almirante norte-americano Alfred T.

Mahan na realidade nunca fez uso desse rótulo em seus escritos, que em grande

parte foram publicados antes mesmo de Kjellén ter proposto essa nova forma de

conhecimento, Sua obra mais conhecida, A influência do poder marinho sobre a

história, foi publicada em 1890. Ele foi sem dúvida o nome mais conhecido da

estratégia naval, tendo lecionado no recém-criado Naval War College e discutido

amplamente o que ele denominou "poder marítimo" (Sea Power). Assim como os

demais geopolíticos clássicos, Mahan acreditava no "fardo do homem branco" (a

visão segundo a qual o Ocidente deveria comandar ou "civilizar" o mundo, sendo

que o colonialismo ou o neocolonialismo seria algo Positivo para os demais

povos) e entendia que as guerras eram inevitáveis na História.

A chave para a hegemonia mundial, segundo Mahan, estaria no controle

das rotas marítimas, essas "veias por onde circulam os fluxos do comércio

42

internacional". A posse de grande poder marinho, dessa forma, seria

indispensável para um Estado que almejasse tomar-se importante potência

mundial. Obviamente que Mahan pensava essencialmente no fortalecimento dos

Estados Unidos, que na época estavam vivenciando mudanças na sua política

externa e se consolidando com uma das grandes potências mundiais da ordem

multipolar conflituosa que nasceu a partir do enfraquecimento relativo da

Inglaterra. Pela própria posição geográfica (e traços históricos) dos Estados

Unidos - algo que Mahan enfatizou -, pela ausência de inimigos potenciais

significativos por terra, e pela importância do comércio marítimo nas trocas

econômicas internacionais, ampliar o controle dos mares seria o grande objetivo

da estratégia norte-americana.

Toda geopolítica, e a de Mahan não foge à regra, implica uma filosofia da

História. A leitura mahaniana da História, de forma distorcida, via o poder

marítimo como o centro das mudanças, algo que provavelmente decorreu da sua

própria atividade corno professor na Escola Naval e na incumbência a que se

propôs, de pensar as condições para o fortalecimento do seu Estado no cenário

mundial. Se como teórico Mahan não foi muito profundo, como "conselheiro do

príncipe' ele parece ter sido muito! ouvido. Não apenas os Estados Unidos

tornaram-se, desde os primórdios do século XX, a grande potência marítima do

planeta – a "baleia", nos dizeres de Raymond Aron –, como uma importante idéia

de Mahan tornou-se realidade: a construção ou canal do Panamá, unindo os

oceanos Atlântico e Pacífico, concluída coincidentemente no ano de sua morte,

1914.

A visão geoestratégica de Mackinder

Halford J. Mackinder, apesar de também não ter feito uso do rótulo,

geopolítica, é considerado o grande teórico da geopolítica clássica. Kjellén foi o

criador do nome, mas um pensador limitado, que não deixou importantes idéias

ou teorias. E aquele que se tornou no nome mais famoso da geopolítica, o

general Haushofer, é normalmente visto apenas como um aplicador e adaptador,

para o Estado alemão, de idéias mahanianas e, principalmente, mackinderianas.

Alicerçado na idéia de que a geografia é o pivot (base, sustentáculo) da

43

história, Mackinder construiu toda uma teoria que tem na geoestratégia a chave

para a hegemonia mundial. Tido como "o propugnador do poder terrestre" - em

oposição a Mahan, visto como "o evangelista do poder marítimo" –, Mackinder

criou conceitos que foram reproduzidos por, praticamente todos os demais

geopolíticos e se tornaram clássicos: world island, anel insular, anel interior ou

marginal e, principalmente, heartland. Suas obras principais foram a conferência

O pivot geográfico da História e Democracia, ideais e realidade, livro editado em

1919.

Como os oceanos e mares cobrem cerca de três quartos da superfície

terrestre e, nas terras emersas (onde logicamente vivem os povos e existem os

Estados) destaca-se um conjunto ou "continente", o Velho Mundo (África c

Eurásia), que abrange cerca de 58% do total, (64% se excluirmos a Antártida),

Mackinder hierarquizou esses espaços como se eles tivessem um valor

intrínseco e permanente para o poderio mundial. Ele chamou de “ilha mundial”

(world island) esse grande bloco de terras (o Velho Mundo), no qual, de acordo

com o seus estudos (algo que provavelmente seja verdadeiro na medida em que

aí vive a maior parte da população mundial), teria ocorrido a imensa maioria das

guerras da história da humanidade. E dentro dessa “ilha mundial” haveria uma

área central básica, a pivot area, que seria uma imensa região central localizada

em parte na Europa e em parte na Ásia. No coração dessa pivot area existiria a

região geoestratégica do planeta, a heartland (“terra-coração”) – que corresponde

aproximadamente ao que chamamos hoje de Europa Ocidental –, cuja posse

seria a condição básica para a hegemonia mundial. A importância dessa região

estaria na combinação de três características: a presença de uma porção

importante da maior planície do mundo, os Países Baixos e o norte da França, e

que seria coberta de guerreiros; a presença de alguns dos maiores rios do

mundo (sic); e a sua natureza mais ou menos fechada em relação às incursões

marinhas. Nas célebres palavras do autor, “Quem controla a heartland (“terra-

coração”) domina a pivot area e quem domina a pivot area controla a “ilha

mundial”, e quem controla a “ilha mundial” domina o mundo.

Esse raciocínio fundamenta-se no que Aron chamou de "esquematização

geográfica", que consiste em tentar compreender a história, notadamente as

guerras e os conflitos entre os povos, a partir de características territoriais. Essas

44

idéias, que afinal de contas foram levadas a sério até pelo menos a Segunda

Guerra Mundial, talvez tenham tido uma boa base de sustentação (o que não

significa que sejam ou tenham sido totalmente verdadeiras) na época em que

Mackinder viveu, aquela do Estado territorial militarizado (o Estado pós-

napoleônico), com a guerra sendo ainda desenvolvida, na terra ou no mar (mas

não ainda no ar e muito menos com apoio no espaço cósmico) com base não na

tecnologia de precisão, como nos dias de hoje, e sim no número de soldados,

navios e armamentos.

Haushofer e a expansão da Geopolitik

Pode-se dizer, sem nenhum exagero, que foram Karl Haushofer e a

Zeitschrift für Geopolilik [Revista de Geopolítica], publicada na Alemanha de 1924

até 1944 e por ele chefiada, que tornaram a geopolítica famosa e, inclusive,

definiram os seus "clássicos". Sem esses personagens, que logicamente foram

impulsionados por determinados aspectos do clima intelectual da República de

Weimar e da Alemanha nazista (Berlim como a “nova Paris” nos anos 20 e 30,

ressentimento alemão contra os tratados de pós-Primeira Guerra Mundial,

misticismo, radicalização nacionalista, ênfase na raça e na busca do seu "espaço

justo" etc.), a geopolítica provavelmente teria conhecido um destino diferente,

seria tão-somente mais uma das inúmeras propostas malogradas para "uma

nova ciência" (tais como a "ciência do Estado", a "ciência ambiental", a

polemologia, a espaciologia, a dromologia e tantas outras).

Mas essa revista - que, além de Haushofer, contou com a colaboração de

vários intelectuais: militares, geógrafos, cientistas políticos, historiadores e

economistas, sendo que alguns eram renomados professores universitários -

alcançou um enorme sucesso: passou de uma tiragem inicial de mil exemplares

por mês, em 1924, para mais de cinco mil nos anos 30, sendo que por volta de

um quarto dos feitores era constituído por assinantes do exterior. Cabe Iembrar

que até aqui na América do Sul certos pensadores, notadamente militares,

reproduziam ou adaptavam inúmeras idéias divulgadas por essa revista. Fazendo

eco à ideologia nacional/socialista - em especial a partir de 1931, quando essa

linha editorial foi explicitamente afirmada e alguns dos colaboradores originais,

45

mais preocupados com a imagem acadêmica ou científica, se recusaram a

continuar participando -, a Revista de Geopolítica abordava ternas corno o

"espaço vital" para a Alemanha (isto é, a "necessidade de novos territórios" para

a nação alemã, especialmente na "Europa central" - conceito importante na

Geopolitik – e também na África), a nova ordem européia ou mundial ideais, a

superioridade da raça ariana e o seu destino etc.

Haushofer fez largo uso das idéias de Mackinder, adaptando-as para um

prisma alemão. Se o geógrafo inglês pensava na perspectiva do poderio

britânico, o militar alemão, que classificou o texto de Mackinder de 1904 como

"uma obra-prima geopolítica", fez uma leitura às avessas e teorizou sobre as

condições para se fortalecer o Estado germânico. Mackinder era defensor do

império britânico e até mesmo antigermânico anti-russo: a seu ver o maior perigo

para a Inglaterra seria uma eventual aliança Alemanha/Rússia, as duas potências

européias que juntas poderiam facilmente controlar a heartland. Haushofer,

citando a frase "É preciso aprender com o inimigo", minimizava as diferenças

ideológicas entre o nazismo alemão e o comunismo russo e enfatizava a

necessidade dessa "aliança natural" entre os dois Estados para se contrapor ao

então poderoso império britânico.

Haushofer esboçou uma "ordem mundial ideal", resultado de uma

desejável aliança entre Alemanha, Rússia e Japão (evidentemente contra a

Inglaterra, a França c a China; e sem mexer com os Estados Unidos e a sua pax

americana no novo continente), que consistiria na divisão do mundo em quatro

"blocos" ou zonas continentais: a zona de influência alemã, que abarcaria a

Europa (menos Rússia), a África e o Oriente Médio; a zona de influência dos

Estados Unidos (o continente americano); a zona de influência da Rússia (a

imensa Rússia mais o sul da Ásia, ou seja, uma saída para o oceano Índico); e a

zona de influência do Japão (Extremo Oriente, Sudeste asiático e Oceania).

Discutiu-se muito a respeito das ligações - reais ou imaginárias - das

idéias de Haushofer com a política expansionista da Alemanha nazista. O próprio

geopolítico, que se suicidou em 1946 após ter sofrido um duro julgamento no

pós-guerra e estar arruinado, deixou uma espécie de carta-testamento intitulada

"Uma apologia da geopolítica", na qual isenta a Geopolitik de qualquer

responsabilidade nesse expansionismo e afirma que estava somente "fazendo

46

ciência", como um "método americano" (sic) e que até teve um atrito com Hitler.

E de fato Haushofer era casado com uma judia e amigo íntimo de Rudolf Hess,

que por sinal o apresentou a Hitler em 1922 (só que Hess fugiu da Alemanha em

1941, a partir do que alguns de seus amigos inclusive Haushofer – ficaram

malvistos pelo regime). Haushofer teve um filho assassinado pela gestapo em I

944, sob a acusação de ter participado, junto com alguns militares e intelectuais,

de urna tentativa de assassinar Hitler e acabar com a guerra, que praticamente já

estava perdida. Mas isso tudo não apaga o teor expansionista da Geopolitik, que

na realidade era muito mais do que apenas um ideal de grande potência mundial

para a Alemanha. Era uma divulgação de idéias que basicamente afirmavam o

seguinte: existiam inúmeros territórios que eram "naturalmente" germânicos,

embora não ainda oficialmente – aqueles perdidos na guerra de 1914 -1918 e

também outros, onde havia a presença de povos de origem alemã; alguns mapas

da Revista de Geopolítica mostravam mais de metade da Europa nessa situação

e até mesmo áreas ultra-continentais, como Santa Catarina e partes do Rio

Grande do Sul, no Brasil, nas quais nem sequer os limites políticos entre os

estados eram representados; e que a ordem mundial era injusta devido à pouca

presença da Alemanha, um candidato "natural" (pela engenhosidade da raça,

que seria intelectualmente superior e destinada a comandar) a ser uma grande

potência mundial. Essas idéias e a "cartografia geopolítica" com os seus mapas

elaborados ad hoc (eles normalmente usavam projeções cartográficas que

ampliavam o território dos países vizinhos, além de símbolos de aviões e tropas

ao redor da Alemanha, o que dava a impressão do país cercado por inimigos

prestes a invadir o solo pátria) eram na década de 1930 constantemente

reproduzidas até nas escolas fundamentais e médias, pois a Revista de

Geopolítica costumava ser lida por professores – e alguns autores de manuais

didáticos foram colaboradores dela -, que muitas vezes utilizavam esse material

nas suas aulas. Se Haushofer não influenciou a política expansionista do III

Reich, mesmo porque ele discordou da invasão da Rússia e da abertura de uma

nova frente na guerra, por outro lado ele e a sua revista repercutiram com

veemência a, ideologia da "raça superior" e, mais do que isso, acrescentaram a

"necessidade de espaço vital" para o futuro da Alemanha. Um intelectual, demão

da década de 1930, dissidente do nacional-socialismo de Hitler, afirmou que "Sua

47

escola de geopolítica [de Haushofer] ajudou amplamente a fixaras intenções do

regime em política estrangeira e pode até dizer-se que lhe permitiu tomar

plenamente consciência de si mesmo nesse terreno”.

A crise da Geopolítica Clássica

A partir do final da Segunda Guerra Mundial, a geopolítica ingressou numa

crise, ou seja, numa fase de questionamentos e inclusive de esgotamento de

seus pressupostos fundamentais. Primeiramente, até meados da década de

1970, ela viveu numa espécie de ostracismo, pois os vencedores a identificavam

com os vencidos (o fascismo italiano, a política expansionista do Japão de antes

da guerra e especialmente o nazismo alemão) e praticá-la ou mesmo escrever

sobre ela (a não ser que fosse para criticar veementemente) passou a ser algo

não recomendável ou mesmo banido do mundo acadêmico e científico. É lógico

que determinadas "escolas geopolíticas", como no Brasil, no Chile ou na

Argentina, continuaram a produzir a todo o vapor - e muitas vezes até suas idéias

serviam de base para políticas territoriais de seus Estados. Mas elas eram

periféricas, existiam à margem das universidades e foram praticamente

ignoradas no centro do mundo capitalista e mesmo na antiga superpotência

socialista. Nos Estados centrais os pensadores que teorizavam sobre o equilíbrio

mundial ou regional de forças, algo importante naquele período de guerra fria e

corrida armamentista, eram considerados (e consideravam-se) como

estrategistas militares, principalmente, ou às vezes cientistas políticos, geógrafos

ou sociólogos, mas nunca geopolíticos; eles muito raramente mencionavam a

geopolítica clássica, a não ser para mostrar a sua falácia ou obsolência.

A partir de meados da década de 1970, todavia, a geopolítica volta à

ordem do dia, só que agora renovada: não mais idéias pragmáticas sobre o

poder marítimo versus o poder terrestre, ou sobre a heartland, ou mesmo sobre

as condições para um determinado Estado tornar-se potência mundial (algo que

parecia já "resolvido" naquele período das duas superpotências), e sim teorias a

respeito do embate entre capitalismo e socialismo, da guerra fria e a sua lógica,

das perspectivas de urna terceira guerra mundial.

Provavelmente o pontapé inicial nessa “retomada da geopolítica foi dado

48

por Yves Lacoste e seu grupo, reunido em torno da revista Hérodote, cujo

primeiro número foi editado em 1976, mesmo ano do mencionado livro A

geografia – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra”. O subtítulo da

Hérodote passou a ser “Revista de geografia e de geopolítica” e logo ela se

transformou no mais importante periódico geográfico acadêmico da França (pela

tiragem de trinta mil exemplares a cada número). Também nos Estados Unidos

essa proposta de fazer uma “geopolítica crítica” foi adotada em alguns meios

acadêmicos e originou várias pesquisas, ensaios e livros.

A bem da verdade foi, sobretudo a conjuntura internacional dos anos 70 e

80 - e não apenas a iniciativa isolada de tal ou qual pessoa ou grupo - que

impulsionou essa retomada dos estudos geopolíticos. Era uma época em que se

pensava seriamente no holocausto nuclear, na terceira guerra mundial. A corrida

armamentista atingia cifras astronômicas no período - os gastos mundiais com

armamentos alcançavam por volta de oitocentos bilhões até um trilhão de dólares

por ano nessas décadas. Logo, pensar a guerra (ou opor-se) tomou-se uma

necessidade imperiosa para os movimentos sociais, as instituições de pesquisas

e os intelectuais em geral. Naquele período não era possível refletir sobre o

futuro da humanidade - ou mesmo sobre os ideais socialistas, por exemplo - sem

se defrontar com a questão da guerra. Além disso, passadas três décadas do

final da Segunda Guerra Mundial, as feridas já estavam em grande parte

cicatrizadas – ou seja, aquela geração que vivenciou a guerra e que tinha, com

motivos pertinentes, sérios ressentimentos contra a geopolitik alemã, já não se

encontrava mais em posições de mando na vida política ou no mundo acadêmico

–, o que significa que, em meados dos anos 70, retomar a geopolítica não era

mais algo considerado impróprio ou até perigoso, tal como tinha sido nos anos

50. E logo a seguir, com as mudanças radicais ocorridas entre 1989 a 199 I – a

crise do "mundo socialista", o final da União Soviética e as redefinições no mapa-

múndi –, indagar a respeito da nova ordem mundial – e, conseqüentemente, a

respeito de quem vai dominar o século XXI, qual é ou quais são ou serão as

novas grandes potências, como ocorre o exercido do poder no planeta etc. -

impôs-se como um novo e importante objeto de pesquisas e reflexões.

Mas se o rótulo, geopolítica foi retomado, pelo menos por alguns, os

métodos e os pressupostos fundamentais dos geopolíticos considerados

49

clássicos foram deixados de lado. Isso porque a realidade mudou e não é mais

possível explicá-la, se é que alguma vez foi, pelo approach clássico. Na época da

globalização e progressivo enfraquecimento dos Estados nacionais, de revolução

técnico-científica e seus efeitos sobre o poderio (inclusive militar) de cada

Estado, aqueles pressupostos fundamentais caducaram. Veja-se, por exemplo, a

questão do que seria hoje uma "grande potência mundial", juntamente o tema

privilegiado do pensamento geopolítico. De acordo com os autores clássicos e

seus seguidores, inclusive a “escola geopolítica brasileira”, que teve grande

importância no país durante décadas, uma grande potência seria um Estado com

uma população e principalmente um território enormes e uma ótima capacidade

militar (o que incluiria soldados, armamentos e estratégia). Mas os países que

seguiram essa via nas ultimas décadas apenas despediram inutilmente recursos,

e isso por vários motivos.

Em primeiro lugar, a corrida armamentista do pós-guerra até a década de

1980 – que, no limite, implicava a posse de armamentos nucleares – chegou um

beco sem saída na medida em que o excesso de gastos militares

comprovadamente atrapalha o desenvolvimento da economia civil e, além disso,

as armas mais caras e pesadas, as bombas nucleares e termonucleares,

constituem quase que um elefante branco: calcula-se que o uso de apenas 10%

delas (levando em conta a quantidade que existia em 1980) ocasionaria uma tal

modificação na biosfera que tornaria inviável a vida humana no planeta. Além

disso, a enorme destruição física e demográfica que esses armamentos

ocasionam geraria uma espécie de “vitória de Pirro”, pois o objetivo da guerra é

fortalecer-se usufruindo dos recursos conquistados e não exterminar o inimigo e

contaminar a biosfera. Foi basicamente por esse motivo que os Estados Unidos

retiraram suas tropas do Vietnã em 1974, preferindo admitir a derrota a fazer uso

desse tipo de armamentos; e o mesmo ocorreu com os soviéticos em 1989, que

abandonaram o Afeganistão sem tentar essa “ultima cartada”, ou seja, o uso de

bombas nucleares. E é exatamente por isso que atualmente as economias

desenvolvidas, a partir do exemplo pioneiro dos Estados Unidos, preocupam-se

mais com a tecnologia de ponta a armamentos de precisão em vez de se

preocupar com aqueles de destruição em massa.

Em segundo lugar, a recente Terceira Revolução Industrial, ou revolução

50

técnico-científica, vem diminuindo gradativamente a importância dos recursos

naturais (minérios, solos, espaço físico enfim) ao utilizar técnicas de

biotecnologia para produzir mais alimentos com bem menos espaço, inclusive em

locais antes considerados impróprios para a criação ou o cultivo, ao economizar

fontes de energia ou matérias-primas (por meio da reciclagem e do uso de

tecnologias que produzem menores desperdícios) e ao substituir certos materiais

escassos por outros mais abundantes. Ela também, com os avanços da

informática e da robótica, vem desvalorizando a mão-de-obra barata e mesmo os

soldados pouco qualificados (ou seja, uma população tão-somente numerosa,

sem boa escolaridade ou elevado poder aquisitivo).

Com isso, desde pelo menos a década de 1980 - e mais ainda nos anos

1990, após o final do "mundo socialista" e da guerra fria – ficou claro que uma

grande potência mundial é antes de tudo um Estado (ou uma confederação,

como no caso da União Européia) que possui tecnologia moderna, com uma

força de trabalho qualificada (o que pressupõe um elevado nível de

escolaridade), e não aquele que possui basicamente um grande território, nume-

rosa população, boa estratégia militar e armamentos pesados. O Japão foi o país

que melhor simbolizou essa mudança de enfoque. Podemos contrapor esse

exemplo ao de outros países, como a Índia ou principalmente o Paquistão, que

seguiram caminhos opostos ao nipônico.

De país arrasado pela guerra de 1939-45, considerado até

subdesenvolvido nos anos 1950, o Japão deixou de lado o militarismo e a

expansão territorial e enfatizou a pesquisa tecnológica, a educação pública de

boa qualidade para todos e o esforço no sentido de uma industrialização com

progressivo controle de qualidade dos produtos, chegando a ser considerado, já

nos anos 80, uma grande potência em ascensão, em condições de participar da

disputa pela hegemonia mundial no século XX. Já a Índia e o Paquistão, com

territórios e populações bem maiores que os do Japão, deixaram de lado (algo

que parece estar mudando na Índia atual) todos aqueles setores priorizados pelo

Japão e adotaram estratégias mais coerentes com a geopolítica clássica,

chegando inclusive a fabricar bombas atômicas. Mas nem a Índia e tampouco o

Paquistão foram ou são considerados grande potências mundiais nem são tidos

como sérios candidatos a esse status.

51

A Geopolítica Americana no Pós Guerra-Fria

O presente texto pretende demonstrar e debater as contradições que têm

marcado a política externa dos Estados Unidos da América após o término da

Guerra-Fria. Tal fato tem apontado para mudanças de paradigmas no controle

político e nas relações internacionais, agora marcados por um mundo

crescentemente partido e unificado a um só tempo. A potência imperial

americana, tradicionalmente ligada aos temas clássicos da estratégia e das

relações de poder, é vista, aqui, do ponto de vista da influência que os aspectos

econômicos (hoje mais importantes), políticos e culturais têm na sua estabilidade

hegemônica.

Ao se fazer uma análise da geopolítica dos Estados Unidos parece pos-

sível identificar, a grosso modo, três períodos marcados alternadamente pela

predominância das dimensões militar, política ou econômica na estratégia das

relações internacionais desse país. As três dimensões sempre se fizeram sentir,

mesmo com a predominância de uma sobre as demais, na estratégia

intervencionista (com maior ou menor ênfase) da potência americana, desde as

suas origens, como Estado-nação.

Até a Segunda Guerra Mundial, predominou a dimensão militar ao

sustentar o expansionismo econômico e político, mesmo que houvesse alguns

curtos períodos de maior visibilidade da dimensão política. Durante a Guerra-Fria

foi a dimensão política marcada pela concepção realista, alavancada pela militar

e econômica, que ganhou ênfase. Atualmente, no período pós Guerra-Fria, é a

dimensão econômica, enfatizada pela concepção globalista, que domina as

dimensões política e militar, na estratégia das relações internacionais dos

Estados Unidos.

O objetivo central deste estudo é examinar as ações geopolíticas do

estado norte-americano no período posterior ao término da Guerra-Fria, em fins

do século XX, fortemente marca das pelas concepções (neo)-realista e globalista,

alternadamente ou, até mesmo, combinadas. A fusão da concepção realista (ou

neo-realista) com a internacionalista-globalista tem sido dominante a partir dos

anos oitenta, tornando-se mais importante durante o governo Clinton, quando o

52

discurso globalista foi tingido com doses de realismo (a política do

intervencionismo seletivo). Ao que parece, o atual governo de George W Bush

amplia a importância dessa concepção realista (retomada da política bélica) sem

abandonar o globalismo (base da ação econômica) ao manter o intervencionismo

seletivo (ação externa somente quando os interesses norte-americanos forem

atingidos) e ao praticar um unilateralismo no não cumprimento de diversos

acordos internacionais, sem levar em consideração a posição de parceiros e

aliados.

Algumas indagações balizarão esta reflexão e acabarão por definir as

distintas partes do estudo apresentado, que se voltará apenas para a dimensão

externa da problemática internacional da geopolítica americana sem, aqui, levar

em consideração os rebatimentos da relação sociedade-Estado em sua

expressão interna. Como se mantém a expansão planetária dos Estados Unidos

e que prioridades têm sido estabelecidas? Como se apresentam os dilemas,

contradições, dubiedades e incertezas da política externa norte-americana neste

início de milênio?

Temos plena ciência de como fica incompleta esta análise por ficarem

pouco destacadas importantes contribuições, de diversos autores, como as de

Wallerstein com suas influências braudelianas, Paul Kennedy (e seu declinismo

dos impérios), Huntington e seu paradigma civilizacional, que Chiappin (1994, p.

39) qualifica de "neo-realista", além de outros que contribuíram para a

compreensão de tão complexa problemática, como a das relações internacionais

e da geopolítica, na última década. Importante discussão a respeito das "Novas

Geopolíticas" foi desenvolvida por Vesentini (2000) quando analisa as idéias dos

principais autores que influenciam, atualmente, esse campo do conhecimento. O

caráter resumido deste artigo nos obriga a referências esporádicas. Entretanto,

mesmo sem aprofundar o pensamento desses autores, tentaremos dialogar com

suas idéias ao longo do trabalho.

Kennedy (1989 e 1923) além de prevenir para o declínio dos Estados

Unidos como potência planetária, adverte para os crescentes conflitos, fruto das

disparidades, entre Norte e Sul ao analisar os desafios que se apresentam para o

século XXI, destacando os problemas decorrentes das migrações em massa para

os países centrais e do "excessivo crescimento demográfico nos países

53

periféricos" (Rua, 1998, p. 57). Em síntese, critica os países ricos pela forma

como exercem a hegemonia mundial e alerta para os riscos que correm ao

menosprezar as relações Norte-sul.

Huntington (1994) ao advertir para o inevitável declínio do Ocidente em

relação ao resto do mundo, chama atenção para a importância dos laços

civilizacionais, superando, inclusive, os econômicos e políticos, nas relações

internacionais. Defende posições realistas ao propor atuação seletiva

(diferenciada) dos Estados Unidos em cada situação e para cada país, nos

conflitos internacionais que deixariam de ser de ordem político-militar ou

econômica e passariam a ser de ordem civilizacional. Demonstra sua preocu-

pação com as idéias de multiculturalismo que poderiam conduzir a um Choque

de Civilizações dentro dos Estados Unidos, caso ocorra uma

"desamericanização" provocada pela crescente importância dos imigrantes na

sociedade americana.

A impossibilidade de trabalhar com muitos autores, por mais significativos

que sejam (Thurow, Naisbitt, Fukuyama, Lacoste dentre outros), explicita os

limites deste trabalho. Entretanto, mesmo de maneira incompleta, procurou-se

abranger as principais concepções que têm balizado a atuação dos Estados

Unidos como potência planetária. Como não faremos estudos comparativos, fica

pouco contemplada a abordagem relacionada às relações de poder que examina

o caráter hierárquico dos estados dentro de ordem mundial e a capacidade deles

influírem na mudança de comportamento de outros estados, tão importante para

se entender um mundo simultaneamente uni e multi-polar como o atual. Da

mesma maneira, o paradigma civilizacional de Huntington, que pretende substi-

tuir o paradigma realista e a estratégia da contenção nas relações internacionais,

e que, para Chiappin (1994), apenas troca o “inimigo” substituindo os soviéticos

pelas civilizações não-ocidentais, fica pouco enfatizado (e criticado).

Faltaria incluir, ainda, num estudo mais completo, a visão originária da

economia política (como a análise da organização política da economia-mundo

de Wallerstrin), segundo a qual não se pode compreender a geopolítica sem

considerar a dinâmica da economia global. Na abordagem wallersteniana,

considera-se as ligações entre os processos de acumulação de capital, com-

petição por recursos e política externa como parte de um singular e

54

interdependente sistema global no qual o capitalismo determina o caráter e a

configuração dos estados.

Vesentini (2000, p. 40) critica Wallerstein ao afirmar:

Mas o grande problema dessa construção teórica é pretender deduzir as partes do todo - a lógica do sistema-mundo precede as ações dos atores (Estados, empresas, associações internacionais) - e, com isso, perde-se a contingência das ações humanas, perde-se enfim a política entendida como o entrecruzamento conflituoso de ações/projetos de grupos com vistas ao exercício do poder.

Concordando com Vesentini quanto ao caráter quase-determinista da

relação todo/partes que, num estudo dos Estados Unidos nesta perspectiva,

seríamos induzidos a considerar esse país como equivalente ao sistema/mundo,

mesmo assim, esta abordagem será uma das bases da análise que faremos

sem, entretanto, enfatizar exageradamente os aspectos econômicos, como é

comum entre os autores que utilizam esta linha de interpretação das relações

internacionais.

Wallerstein (1998), ao analisar o papel dos Estados Unidos, por vezes

aproxima-se de Kennedy e seu declinismo e de Huntington e o choque das

civilizações, como se percebe em Wallerstein (1998, p. 19) quando escreve que:

Parece senso comum que, dado o declínio relativo da força econômica dos

Estados Unidos, o sistema mundial tornou-se uma tríade, o que significa que há

agora três loci ou núcleos centrais, em torno dos quais, a economia está

organizada, e que estes três são suficientemente competitivos uns com os outros

para que nenhum dos três, agora ou no futuro imediato, possa com facilidade se

distanciar dos demais.

Alega em seguida que esta distribuição em tríade foi, inicialmente, percebida

apenas como fenômeno econômico, mas que não pode deixar de ter implicações

geopolíticas. Na mesma página, adiante, afirma que:

Os Estados Unidos permanecem sendo, nos anos noventa, de

longe, o maior poder militar do mundo, o que é ainda mais verdadeiro se

considerado o colapso da URSS. Mas esse é um poder que tende a se esvaecer,

em decorrência do declínio de sua base de sustentação e de sua legitimidade

55

internas (Wallerteuin, 1998, p.19).

A seguir, apresenta uma interessante contribuição à geopolítica, ao se

preocupar com o domínio do espaço mundial, quando faz uma análise das

relações entre os três núcleos da tríade mundial e a possibilidade de se tornarem

uma díade. Escreve Wallerstein (1998, p. 21) que os três núcleos da tríade vêm

reunindo forças ao construírem "redutos protecionistas" ("networks" regionais),

para futuras expansões, e que neste quadro, o resultado da batalha para reduzir

a tríade a uma díade será mais provavelmente a aliança do Japão e dos Estados

Unidos do que a associação de qualquer um deles com a Europa. Os motivos

não são principalmente econômicos, por que economicamente qualquer uma das

três combinações poderia ter bons resultados. As razões são políticas e culturais

(Wallerstein, 1998, p.22).

Para ele, o cenário provável é uma díade formada, de um lado, pela Europa

e a Rússia e, do outro, pela aliança tripartite: Estados Unidos, Japão e China.

Como veremos no final deste texto/estudo, há muitas controvérsias com

relação ao papel dos Estados Unidos no mundo atual. O mais provável é que os

principais autores, cada um com sua própria abordagem, tenham parcelas de

razão. O mundo tornou-se tão complexo que, simultaneamente, pode se

perceber declínios, expansões, choques culturais, ameaças e defensismos nas

relações Norte-Sul, uni, multi e a-polaridades. As duas últimas décadas têm

desmentido as previsões e demonstrado como há espaço para a contingência e

para novos atores no cenário global. Se for inconteste, até o momento atual, a

supremacia norte-americana e se o papel deste país é dominante na tríade, tam-

bém é preciso observar que novos fatos surgem a todo o momento (basta

lembrar a devastadora ação terrorista de 11 de setembro de 2001 contra os EUA

para se perceber como se torna quimérico o projeto isolacionista do governo

George W. Bush) e influem no desenrolar dos acontecimentos. Como se verá ao

longo do trabalho, iremos valorizar os Estados Unidos, nosso objeto de estudo,

como potência dominante nos campos político, econômico e cultural. Entretanto,

afastamos qualquer idéia de determinismos ou teleologias e, temos ciência, que

se hoje esse país é dominante, existem, no momento, movimentos em marcha

que podem criar fatos novos e alterar o quadro geral. Referimo-nos a iniciativas

de organização da sociedade civil em nível supranacional e à ação das ONGs,

56

numa outra leitura da concepção globalista/internacionalista. Torna-se difícil

escolher uma única abordagem (concepção) e nela permanecer, sob pena de se

perder a riqueza que a pluralidade de análises pode oferecer na análise da

complexidade do mundo atual.

Uma década após o fim da Guerra-Fria, os EUA pareciam estar à procura

de uma nova doutrina (que substitua o Destino Manifesto - crença do cidadão

comum, pouco informado) e de uma nova leitura que lhe permita redefinir suas

relações com o resto do mundo. Quais são os termos de referências e de

comparações históricas mais apropriados para compreender os desafios com os

quais os EUA se confrontam nos dias atuais?

É necessário comparar a fase isolacionista dos anos 1920-1941 com aquela

de intervencionismo total dos anos 1941-1991 para concluir que os EUA parecem

inventar um terceiro modo (a que alguns chamam de globalista ou globalista/

internacionalista, como já visto) de engajamento, que ultrapassa os dois

primeiros. Será que está definido que haverá somente as duas formas de

intervencionismo encarnadas pelos presidentes americanos Woodrow Wilson e

Theodore Roosevelt, retomadas recentemente (anos 70-80) no debate entre os

realistas Henry Kissinger e Brezínski sobre a missão dos EUA perante o mundo?

Este debate está em aberto e muda sempre de acordo com os acontecimentos

mundiais e as perspectivas e resultados das eleições americanas, naturalmente.

Baseados em Jacquet e Moisi (1996, p. 262), lembramos que os Estados

Unidos desejaram engajar-se nas relações internacionais para transformá-Ias,

impor a vitória da moral sobre o mal e celebrar o "triunfo universal do bem" para

usar expressões de Wilson. Um tal mundo seria governado pelo direito

internacional e tais princípios só poderiam ser aplicados, em seu universalismo, à

humanidade inteira.

Visão moral ou visão estratégica? Para os internacionalistas realistas,

segundo a visão de Roosevelt, as idéias de Wilson são generosas e belas, mas

impraticáveis e foram rejeitadas pela maioria dos americanos quando este

presidente não conseguiu apoio para a "Liga das Nações", no pós-Primeira

Guerra. Para complicar mais ainda esse quadro e não ficar tão marcada a dife-

rença entre o bem e o mal, encarnada na figura dos dois presidentes referidos

acima, é preciso lembrar que se Roosevelt foi claramente intervencionista, com a

57

sua política do “Big Stick”, Wilson, apesar de seu discurso idealista, foi

responsável por algumas intervenções na América Latina. O México que diga...

O comportamento dos Estados Unidos frente ao mundo guarda, ainda,

traços de suas origens como estado-nação. Ao se proclamar independentes, a

América, em nome da liberdade religiosa e da filosofia do Iluminismo, se ergueu

como uma anti-Europa. Face à Europa da intolerância e da guerra, a nascente

nação opunha a vontade de criar um mundo radicalmente novo. Ocupados em

expandir seu território de leste para oeste e para sul e em forjar uma identidade

nacional graças à Guerra Civil (1860 – 66), os EUA muito lentamente (e com

reticências) tomaram (tomam) consciência de sua nova potência.

Será Theodore Roosevelt quem fará os Estados Unidos entrarem como ator

protagonista na cena internacional. Quando chegou ao poder em 1901, a

América já era, economicamente, um dos grandes. Sua produção industrial já

representava entre 20% e 25% da produção mundial e já atuava em numerosos

conflitos internacionais como mediador. Para Roosevelt, que, antes de se tornar

presidente, fazia parte do mesmo grupo de Mahan, as relações internacionais

eram relações de força. Era necessário “speak softly and carry a big stick”.

Acreditava que a missão internacional da América era, a partir de sua posição

geográfica de equilíbrio de forças que a Grã-Bretanha havia desempenhado ao

longo do século XIX. A potência industrial, que se apresentava ao mundo, exigia

a fusão da economia com a política e a estratégia, que Mahan tão bem

explicitava.

Foi muito gradativamente e a contragosto que a América tornou-se uma

potência imperial.

Isso foi resultante de três fatores:

1. A Segunda Guerra Mundial e a Guerra-Fria colocam a América no centro

do sistema internacional, impondo-lhe responsabilidades que só ela

poderia assumir face à ameaça soviética, depois da derrocada da Europa;

2. A percepção da vulnerabilidade dos Estados Unidos (depois de

3. Pearl Harbor e da nuclearização do mundo) demonstrou que o pais não

podia se desinteressar do resto do mundo, pois o mundo poderia se"

interessar" pela América.

58

4. A guerra do Vietnã que fez com que a América descobrisse a “tragédia’

(fartamente explorada pela mídia) e a complexidade do mundo “exterior”“.

Num Mundo marcado por tal complexidade, a América não se sente à

vontade para traçar políticas e prioridades e encontrar um novo modo de

funcionamento com seus aliados já que tem alternado posições de parceria com

atitudes unilaterais de líder inconteste, principalmente em termos militares.

Ainda, com os mesmos autores (1996, p. 265), em termos econômicos,

entretanto, é com seus aliados que surgem os maiores problemas nas rodadas

internacionais.

Por quê ser "Xerife" do mundo

ou os dilemas continuam

A América gostaria de continuar a ser a potência número um, mas ao

menor custo possível e com o menor risco para seus soldados. O que pode ser

entendido como intervenções rápidas e retiradas o mais rápidas possível, antes

que a opinião pública se mobilize contra tais intervenções.

Vista no contexto internacional, a política externa americana parece

definida apenas, com relação aos contatos comerciais, num mundo

desigualmente globalizado, onde a agressividade é absoluta. A prioridade

geoeconômica ultrapassa aquela puramente geo-estratégica e se traduziu nos

anos Clinton, por uma agressividade quase guerreira no comércio exterior. Para

ganhar mercados e reforçar sua competitividade internacional, a América tem

utilizado todos os meios, inclusive pressões políticas sobre os compradores e

vendedores. Utiliza-se, cada vez mais, das atividades de espionagem industrial

desenvolvidas pela ClA, para as quais são dirigidas as maiores energias

liberadas com o fim da Guerra-Fria. Isto ficou bastante evidente na recente crise

(junho de 2000) em que a União Européia denunciou a espionagem industrial

americana (com a cumplicidade da Grã-Bretanha), no setor aeronáutico, nas

duas últimas décadas.

A mesma América "generosa" com seus aliados nos anos 50-70 (no

contexto da Guerra-Fria) torna-se "brutal" na defesa das firmas americanas e do

livre-mercado, o que vem desagradando a europeus e japoneses e cria novas

59

tensões entre "aliados”. O que se pode observar é que, em início do século XXI,

a América não tem os meios (nem vontade) de dominar o mundo, mas também

não tem a possibilidade de se retirar do papel de protagonista nas relações

internacionais.

Assim, o que se percebe, é que as crises que abalaram a economia

mundial, desde os anos 70, foram ultrapassadas pelos Estados Unidos com base

em dois movimentos de reafirmação da hegemonia americana: no plano

geoeconômico, a chamada diplomacia do dólar, ao transformar a moeda

americana em dólar financeiro (e não apenas dólar monetário, como é então)

capaz de acelerar o processo de globalização financeira, que tem sustentado a

supremacia econômica dos Estados Unidos; no plano geopolítico, a chamada

diplomacia de armas (Tavares e Melin, 1998, p.55) que marcaram,

profundamente, o funcionamento e a hierarquia das relações internacionais a

partir do começo dos anos 80 e cujos efeitos ainda se fazem sentir ao

inaugurarem uma nova divisão internacional do trabalho.

Dizem os mesmos autores (p.56) que:

Do ponto de vista geopolítico, a partir da derrota da ex-URSS e do desmonte da velha “ordem bipolar”, criou-se uma situação de instabilidade estrutural em que a tendência a uma hierarquização do poder político internacional centralizada na potência hegemônica - apesar de não haver consolidado um domínio (“imperium”) que garantisse a supressão dos conflitos inter-nacionais pelo exercício de uma "gendarmerie" global permanente -limita, decisivamente, a eficácia dos Estados Nacionais como agentes de poder soberano, comprometendo, inclusive, sua capacidade de regulação econômica e proteção social.

Essa ênfase no geopolítico marcado, fortemente, pelo geoeconômico

demonstra como a concepção globalista/internacionalista vai ultrapassando a

concepção realista/neo-realista. Entretanto, os Estados Unidos não são o único

ator na cena contemporânea e mesmo sendo pressionado internamente para

abandonar a política intervencionista, diversas situações internacionais impedem

que tal intento seja levado a cabo, até mesmo por que o poderoso "lobby" da

indústria armamentista não cessa de agir...

Moisi (1998, p. 61) nos relata que em um discurso pronunciado em 5 de

junho de 1997, na Universidade de Harvard, para celebrar o 50° aniversário de

60

lançamento, nesse mesmo local, do Plano Marshall, Madeleine Albright (então

Secretária de Estado do governo Clinton) apresentou a nova filosofia

internacional dos Estados Unidos: a celebração de que os Estados Unidos eram

o líder mundial e que a América não desejava ser o único responsável pelo

mundo.

Aí foram definidas algumas prioridades da política externa americana,

mostrando uma nova geografia estratégica marcada por interesses políticos e

econômicos, e apresentadas algumas ações que a implementariam.

1. Estabelecer uma nova arquitetura de segurança para o continente europeu

estável, unificado e democrático, ao mesmo tempo em que se assina um

novo pacto de segurança com a Rússia;

2. As relações com a China, que, recentemente, tomou o primeiro lugar nas

atenções dos americanos ao encontrar no nacionalismo uma ideologia de

substituição do comunismo. A possibilidade de um realinhamento do Japão

com os Estados Unidos, com a China sendo pressionada para dele

participar, parece dar razão às formulações de Wallerstein, antes referidas.

3. Favorecer o fortalecimento de um sistema econômico internacional ainda

mais aberto, incentivando a participação de todos os países (inclusive da

China) nos organismos reguladores.

4. Controlar as problemáticas "novas", não relacionadas, diretamente, às

relações entre estados: a luta contra o tráfico de drogas; o terrorismo; os

riscos de proliferação de armas nucleares; a proliferação internacional do

crime.

Diversos acordos têm sido assinados com os países do Caribe e alguns da

América do Sul sobre o combate ao tráfico de drogas. Desde que a ameaça

subversiva diminuiu, o combate ao tráfico de drogas aparece como uma

legitimação presença dos EUA no Caribe e na América Latina, mesmo da

presença militar. É claro que não se pode minimizar o interesse americano no

Caribe, seu tradicional "quintal" de atuação. Basta lembrar a importância que o

canal do Panamá ainda desempenha nas ligações leste-oeste dos EUA e no

fluxo de importação de petróleo bruto.

61

Uma estratégia particular para integrar as Américas, de tal forma que se

neutralizem as investidas econômicas das outras potências.

A respeito desta prioridade dos Estados Unidos, tentaremos lançar um

olhar mais aprofundado.

Um relançamento das relações interamericanas, iniciado pelo presidente

Bush em sua "iniciativa para as Américas", desembocou, em 1994, na primeira

"Cúpula das Américas" que aprovou a criação da ALCA que irá integrar todo o

continente americano, tendo como horizonte o ano de 2005.

Os EUA tentam, com esse projeto, contrabalançar a importância dos

europeus e japoneses no comércio com os países da América. A título de

exemplo, pode-se ver que o comércio do Mercosul com os Estados Unidos é

equivalente àquele que se realiza com a Europa e com o Japão, reunidos. Por

outro lado, há alguns acordos de parceria entre o Mercosul e a Europa que

demonstram, pelo menos na intenção, um não atrelamento exclusivo às relações

comerciais com os Estados Unidos.

Para se entender as perspectivas de sucesso dessa integração das

Américas, é preciso levar em consideração as políticas desenvolvidas por alguns

países latino-americanos que, por mais contraditório que pareça, sugerem que há

resistência a uma integração passiva à ALCA. O governo George W. Bush

retoma as discussões e "dociliza" as divergências, como ficou patente na "Cúpula

das Américas", realizada no Canadá em 2001.

Uma análise precisa é apresentada por Costa (1999, p. 28) quando chama

atenção para algumas questões relacionadas à integração sul-americana no

Mercosul e as previsíveis dificuldades antepostas pelos Estados Unidos a essa

integração, na busca do fortalecimento do projeto ALCA.

Afirma o autor que enquanto bloco comercial (os países do Mercosul) tem

enfrentado a competição nos mercados mundiais em posição mais vantajosa que

se isolados, como no passado. Isto inclui certa agressividade seletiva (questões

de tarifas externas e demandas junto à OMC) em face de determinados

concorrentes, combinada a políticas (também seletivas) de parcerias

estratégicas, caso de alguns acordos multilaterais, de comércio, como o firmado

62

recentemente com a União Européia.

Demonstra, mais adiante, as pressões norte-americanas sobre os atuais e

potenciais integrantes do Mercosul com vistas à aceleração da constituição da

ALCA e quão acertada é a posição brasileira de "dar um tempo" para período de

estudos sobre o assunto, enquanto ressalta o autor, que seja inevitável a

discussão futura dessa temática, para a qual é preciso acumular forças.

Costa (1999, p. 29) aponta para as intenções claras de integração da infra-

estrutura de todo o continente sul-americano, em termos de rodovias, ferrovias e

hidrovias, além da acalentada integração econômica Mercosul e Pacto Andino.

Apresenta o referido autor, uma rearticulação territorial em nosso

continente, com base na interação de diversos vetores, e que pode conduzir para

novos arranjos territoriais, que são: articulações meridionais, formadas pelos

países do Mercosul; articulações orientais, centradas em São Paulo e que

constituem um subsistema das articulações meridionais; articulações ocidentais,

formadas, grosso-modo, pelo Centro-Oeste brasileiro, pela Amazônia Ocidental,

pela Bolívia e pelo Peru; articulações setentrionais, formadas pela Amazônia do

Norte-Oriental e Colômbia, Venezuela e as Guianas, onde se desenvolvem

diversas iniciativas brasileiras de integração regional.

Este movimento integrador demonstra a intenção de fortalecer o

continente nas futuras negociações com a ALCA.

Há obstáculos situados em países como a Colômbia, tão pressionada pelo

governo norte-americano, e que deseja uma integração imediata com a NAFTA

(o que será um passo a mais na direção da ALCA), além de rejeitar a proposta de

acordos bilaterais de livre-comércio, apresentadas pelo Brasil (Leo, 2000, p. A5).

Entretanto, a extroversão planejada/induzida das economias da região

prossegue juntamente com as suas estratégias de enlaces preferenciais nas

escalas regional e global, como volta a nos mostrar Costa (1999, p. 28-29).

Tudo isto ocorre simultaneamente à crise Argentina, de 2000-2001, que

põe em risco a integração econômica do Mercosul e amplia a possibilidade de

intervenção dos Estados Unidos nesse bloco.

Concluindo... com muita dificuldade...

63

Ao se estudar um país como os Estados Unidos, percebe-se quão

complexo se torna compreender as múltiplas realidades que se apresentam. De

um lado, os grandes dilemas que, desde a fundação da nação, marcam a

sociedade americana: federalismo ou localismo; agrarismo ou industrialismo;

utopismo humanitário ou pragmatismo; liberalismo ou intervenção do Estado;

homogeneização cultural ou multiculturalismo; isolacionismo ou

internacionalismo/intervencionismo relacionados aos diversos tipos de

realismo/globalismo etc. Na verdade, esses e outros dilemas, que não são

exclusivos da sociedade americana, têm tido uma leitura própria que tem

provocado seguidos paradoxos e intensas polaridades diante dos quais a

"gangorra política" tem se apresentado quase sempre oscilante, como bem o tem

ilustrado a atuação dos Estados Unidos como potência planetária.

Ramonet (1996, p. 7), ao analisar o "século americano", enfatiza a

recuperação política e econômica dos EUA, nas últimas décadas (acordos do

GATT/OMC, NAFTA), no plano mundial, ao mesmo tempo em que aponta para o

novo modelo americano baseado no Estado reduzido, na precariedade social e

na expansão das comunicações em todas as suas formas.

Diz o referido autor que a partir da intervenção americana na Primeira

Guerra Mundial começa a se falar, na Europa, de "modelo americano", que seduz

a partir das imagens mostradas por seus filmes; modelo de vida "à americana"

que vai marcar, culturalmente, gerações de jovens no mundo inteiro. A América,

definitivamente, para o melhor e o pior, passa a ser sinônimo de modernidade.

Os anos 60 (com os assassinatos dos Kennedys, de Malcolm X, Luther King,

com a explosão dos guetos urbanos, dentre outros fatos importantes) marcam o

despertar do sonho e o despertar é brutal. A crise de Cuba, as intervenções

militares (sempre antidemocráticas) na América Latina, as ações no Oriente

Médio, sempre ao lado de Israel, e, sobretudo, a guerra do Vietnã e suas

atrocidades, que duraram até 1975, tornam-se pesadelos para o cidadão comum.

A queda de Saigon marca o fim de um tempo - o fim de uma América

branca, segura dela mesma e dominadora. Os problemas internos explodem com

a questão das minorias negras (sobretudo) e a febre libertária dos anos 60. A vio-

lência e as drogas devastam as grandes cidades onde o equilíbrio demográfico

se modifica. Os brancos partem para os subúrbios distantes, confortáveis e

64

seguros, enquanto os negros e os hispânicos ocupam as áreas centrais

abandonadas.

Nos anos 70 e 80, embora dominando militarmente e economicamente, a

América deixa de ser, para muitos, o modelo desejado de sociedade. O Japão e

a Alemanha aparecem como rivais no bloco ocidental. Quanto à URSS...

A queda do muro de Berlim muda completamente o quadro. A implosão da

URSS, em 1991, vem quase junto com a vitória americana na Guerra do Golfo.

Pela primeira vez sem rival, os EUA dominam enfim o mundo. E, no entanto, sua

sociedade está mais doente do que nunca. Bush ganhou a Guerra do Golfo, mas

perdeu a guerra (e as eleições) interna para o desemprego, a discriminação, em

suas diversas faces, as cidades deterioradas, a insegurança e as marcantes

desigualdades que se acentuam.

Ao escolher Clinton, os americanos sinalizaram as prioridades: o retorno

aos problemas internos e ao progresso social que acabaram por conseguir, sem,

entretanto sanar muitos daqueles problemas. A diplomacia americana domina na

política internacional, onde fIxa prioridades (negociações de paz – Oriente Médio,

Bósnia – e intervenções militares), principalmente no campo das negociações

comerciais do GATT/OMC, que consagra o triunfo do livre-comércio, criação do

NAFTA, dominada pelos EUA. O resto fica em segundo plano. A desconfiança

nas organizações internacionais, como a ONU, da qual é o principal devedor, a

diminuição das contribuições financeiras (a ajuda à África foi reduzida em 35%)

têm marcado a política americana que, embora sem discurso armamentista,

continua a ser o maior produtor e comerciante de armamentos do mundo.

Ao se mudar os rumos deste trabalho, quando se tratou de uma nova

geopolítica, muito mais próxima da geografia política, tentou-se, além de

enriquecer a análise, demonstrar como, na fase atual das relações internacionais,

os marcos são outros. Não são as posições físico-geográficas que interessam e

sim as posições político-econômico-cultural-geográficas, numa enorme

complexidade, em uma espécie de fusão entre as idéias de Wallerstein,

Huntington, Aron e outros, mas sem esquecer Mackinder e Spykman

(redescobertos neste final de século), para só falar de alguns.

Os anos 90 demonstraram que, ao mesmo tempo em que se apresentam

novos alinhamentos, em grandes blocos econômicos (onde o território e o estado

65

nacional parecem estar enfraquecidos), pode perceber-se o aprofundamento dos

"localismos" em níveis, além do econômico, nos espaços existentes, quando se

volta a valorizar o território em suas diferentes escalas. O nascimento de novos

estados e a reivindicação por fronteiras definidas registra a afirmação de

identidades coletivas, como se voltássemos ao final do século XIX, com a

acelerada balcanização e com as lutas de cunho regional-nacionalista.

Esse movimento contraditório de "valorização" e "desvalorização" do

território é visto por Badie (1229, p.7) quando diz que “os territórios parecem ser

mais do que nunca objetos de paixão" e que cada minoria procura traduzir numa

reivindicação territorial a vontade de se afirmar e se distinguir, num processo de

arrumação e rearrumação dos frágeis mapas do mundo.

Entretanto, é o próprio autor supracitado, que demonstra que "embora se

reafirme, em determinados sítios, a solenidade do princípio territorial, contribui-

se, noutros, para estender as lógicas das redes de relações que retêm uma

parcela crescente, essencial, da atualidade da cena mundial" (1999, p. 7).

Chama atenção, ainda, para a banalização das relações internacionais

com a conseqüente desvalorização do papel político, econômico e social dos

territórios, provocada, principalmente, pelos circuitos financeiros, pelas trocas

comerciais, pela difusão de ondas e de imagens, pelas migrações ou pelas

solidariedades religiosas, culturais e lingüísticas.

Nos últimos anos (final da década de 1990 e início do século XXI), tem

havido um ressurgimento do interesse em estudos sobre o poder e sobre as

relações de poder. Isto trouxe as novas espacialidades do poder para o centro da

discussão, como bem nos mostram Massey et al (1999, p. 171). Para esses

autores, trata-se de se interrogar sobre as maneiras pelas quais o espaço afeta a

operação e a realização do poder; de como o espaço das nações e das fronteiras

pode atuar como diferenciador ou interromper as operações e a influência de

algumas instituições. Assim, o espaço, como território, está presente e atua como

"pano de fundo" nas relações internacionais, continuando a ser importante fator

para a geopolítica.

Esse intrincado jogo de influências dá à geopolítica atual (agora “libertada”

da concepção naturalista de território, que tanto tem marcado a análise realista)

uma carga de referenciais teóricos indispensáveis que, juntando a Geografia, a

66

História e a Ciência Política, permitem uma melhor reflexão sobre este

conturbado mundo, balizado por "ordens e desordens", globalização e

fragmentação onde as relações internacionais estão, ainda, à busca de

regulações e, nelas, de um novo papel para os Estados Unidos que consiga

definir, para esse país, uma nova política planetária, menos marcada pela "razão

cínica" (um discurso não sustentado por ações) que, acoplada ao realismo, tem

predomina o até aqui, mesmo subsumido a outras concepções geopolíticas,

como a globalista, por exemplo.

Sem o confronto que marcou a Guerra-Fria e sem antagonistas de igual

porte, a política externa dos Estados Unidos deixa a retórica de salvador da

humanidade e se baseia em princípios que tornem o mundo mais seguro para os

interesses americanos, extensivos às empresas norte-americanas. Estas não se

desligam de seu país de origem, constituindo para os Estados Unidos uma

questão de política internacional ao lhe fornecer garantias para as atividades que

desenvolvem. A opção pela concepção globalista/internacionalista nas relações

internacionais (com a ênfase nas questões geoeconômicas) se inscreve nesses

princípios gerais que vêm se estruturando na última década do século XX e

parecem prosseguir neste início de século.

A renovada discussão sobre a defesa da auto-suficiência energética

(abertura de reservas naturais no Alaska a empresas petrolíferas e consolidação

da posição americana no Oriente Médio, são exemplos disso) e da supremacia

militar americana (ao ressuscitar a Guerra nas Estrelas, agora com base no

programa de proteção antimísseis) é evidência de preocupação que tempera com

marcas realistas a concepção globalista/internacionalista.

É preciso estar ciente que não existe uma concepção, seja ela de qualquer

matriz teórica, que, sozinha, consiga explicar, coerentemente e de maneira

universal, este complexo jogo planetário que compõe as relações internacionais e

que caracteriza as geopolíticas (ou as geografias políticas?) contemporâneas

que, até agora, têm sido marcadas pela atuação dos Estados Unidos como

potência planetária. O que as novas contingências políticas e econômicas podem

apresentar, fica como desafio para outros estudos.

67

UNIDADE 6 - TENSÕES E CONFLITOS NO CÁUCASO

O Cáucaso é uma das áreas montanhosas do mundo que apresenta

grande complexidade étnica, religiosa e lingüística. De forma bastante ampla, o

Cáucaso designa uma vasta área que envolve conjuntos montanhosos, planaltos,

bacias e vales fluviais, que se estendem desde o Mar Negro até o Cáspio. A

cadeia do Cáucaso propriamente dita corresponde à parte mais importante e

acidentada desse amplo conjunto, estendendo-se por mais de 1.200 quilômetros

no sentido leste-oeste a cerca de 200 quilômetros de largura. Por conta de sua

formação geológica recente, em alguns setores são encontradas altitudes

superiores a 5 mil metros, como é o caso do Monte Elbrus (5,642 metros), ponto

culminante de todo o conjunto.

Em relação aos Estados localizados nessa região, temos o seguinte

quadro: a parte sul, que os russos chamam de Transcaucasia, compreende a

Geórgia, a Armênia e o Azerbaijão, conhecidas como republicas do Cáucaso.

Todas as três fizeram parte da ex-URSS até 1991 e, com a desintegração,

tornaram-se independentes e hoje são filiadas à Comunidade de Estados

Independentes (CEI); na porção setentrional do Cáucaso, região denominada

Ciscaucásia, encontram-se oito repúblicas e regiões autônomas que fazem parte

da Federação Russa.

Os quase 25 milhões de pessoas que vivem na região situam-se numa

zona de contato e confronto de duas civilizações: de um lado a ortodoxa, cujos

maiores representantes são os elementos de origem russa, e de outro a islâmica,

que corresponde a mais de 20 povos. Com destaque para os azeris ou

azerbaijanos, os chechenhos, os ingusbes etc. Na verdade, o Cáucaso

corresponde a uma área de transição entre o “mundo russo” de um lado e o turo-

iraniano de outro.

Do ponto de vista lingüístico, a região é uma verdadeira Babel. Lá soa

encontradas línguas oriundas da própria região, chamadas caucásias, que por

sua vez se subdividem em pelo menos quatro grupos. O grupo mais numeroso

das línguas caucásias é o georgiano. Além disso, existem as línguas de origem

68

indo-européia, como a usada na Armênia, e outras classificadas como do ramo

turco, cujo melhor exemplo é aquela falada no Azerbaijão. No mosaico lingüístico

do Cáucaso são encontradas mais de 40 línguas diferentes, sem contar o russo,

o idioma do grupo civilizacional que se impôs na região nos últimos dois séculos.

A presença Russa

A conquista russa sobre o Cáucaso verificou-se em várias etapas. A

primeira delas aconteceu no reinado de Catarina II (1765 – 1796), quando foram

estabelecidas linhas de defesa russas nos contrafortes da porção setentrional da

região. A parir daí, a conquista seguiu dois itinerários: na parte central,

atravessando os desfiladeiros que permitem cruzar a grande cadeia montanhosa

no sentido norte-sul, e a leste, margeando o litoral do Mar Cáspio.

A segunda fase incluiu-se em 1801, quando da anexação russa da

Geórgia, no ponto a partir do qual se processou a conquista de toda a

Transcaucásia. Por fim, a terceira fase a conquista das regiões ocupadas pelos

aguerridos povos montanheses e que só terminou por volta de 1870. Contudo,

apesar de derrotados, esses povos nunca deixaram de opor resistência ao

domínio russo, como foi demonstrado recentemente no caso do secessionismo

checheno. O desaparecimento do Império Russo e o advento da União Soviética

não mudaram no essencial a situação preexistente.

A tradicional animosidade entre russos e povos do Cáucaso levou alguns

grupos a se aliarem aos nazistas durante a Segunda Guerra, quando os alemães

conseguiram ocupar expressivas arcas da região. A retirada alemã, após a

derrota em Stalingrado (atual Volgogrado) em 1943. fez com que o governo

soviético ordenasse a deportação em massa dos povos que haviam se aliado aos

germânicos em sua curta ocupação.

Assim, entre o final de 1943 e os primeiros meses de 1944, centenas de

milhares de pessoas foram deportadas e colocadas em "lonas de povoamento

especiais· em áreas da Ásia Central, isoladas do contato com outros grupos

humanos, proibidas de usar sua língua materna e vivendo em condições muito

precárias”.

69

E interessante notar que o governo de Stalin não puniu apenas os que se

aliaram aos nazistas, [nas todos os indivíduos componentes do grupo nacional

Passaram por essa situação os karatchais, os baLkars, os chechenos, os

ingushes, entre outros.

Mais tarde, em 1956, três anos após a morte de Stalin, seu sucessor Nikita

Kruchov, reabilitou todos os povos punidos e decretou O retomo aos seus locais

de origem, que em alguns casos já estavam ocupados por outros grupos,

gerando novos problemas que se arrastam até hoje A última tentativa (por

enquanto) de desafio à hegemonia russa no norte do Cáucaso aconteceu na

República da Chechênia, a partir de 1991.

Antes da desintegração da União Soviética, no interior da República Russa

(uma das 15 que formavam a União Soviética) havia uma república autônoma a

da Chechênia-Ingúshia, que reunia os dois povos que lhes davam o nome.

Em setembro de 1991, nos momentos conturbados que antecederam o fim

da União Soviética um militar de origem chechena, o general Djokar Dudaiev,

chegou ao poder. Alguns meses mais tarde. Quando a URSS não mais existia,

Dudaiev se recusou a assinar o tratado de adesão à Federação Russa e

imediatamente, proclamou a independência da Chechênia. Ao mesmo tempo, os

ingushes formaram sua própria república, mas aderiram à Rússia O governo de

Moscou não reconheceu a independência da Chechênia, mas só em dezembro

de 1994 ordenou uma intervenção militar. A desorganização das forças russas e

a encarniçada resistência dos chechenos fizeram o conflito se prolongar por

quase três anos, com um saldo trágico que, segundo algumas fontes,

aproximaram-se de 100 mil vítimas. O ponto central do acordo entre o governo

russo e os rebeldes previa a gradativa retirada das tropas de Moscou da

Chechênia e jogava a discussão do futuro status da república par depois do ano

2000.

Água e petróleo

A configuração do relevo desempenha um importante papel na separação

dás áreas que compõem o conjunto montanhoso do Cáucaso. Assim, tanto nas

áreas mais elevadas como nos planaltos, os vales definem pequenas unidades

70

morfológicas, onde, ao longo da história diferentes grupos se estabeleceram

buscando refúgio. Esse espaço extremamente fragmentado física e politicamente

é local de enfrentamentos entre comunidades diferentes, algumas delas

possuindo rivalidades muito antigas.

A compartimentação do relevo induziu a disposição da rede hidrográfica,

impôs passagens ou contornos as vias de comunicação, separaram diferentes

povos e chegou a influir até no formato dos territórios nacionais. Assim, no flanco

norte da cadeia, o formato dos países é, de forma geral, alongado no sentido

norte-sul, seguindo grosso modo as linhas de penetração que cortam os blocos

montanhosos. Já na Transcaucásia, o formato dos países tende a ser um pouco

mais alongado no sentido leste-oeste, seguindo parcialmente os dois principais

eixos fluviais (rios Koura e Araxe), que cortam a Geórgia, a Alemanha e o

Azerbaijão.

No Cáucaso, além dos conflitos, superpõem-se inquietações permanentes

a respeito do controle dos vales, das águas, das vias de comunicação e também

de oleodutos que atravessam a área a ligações históricas, de sua importância

estratégica e econômica é que a Rússia sempre se interessou por tudo o que

acontece nessa acidentada e conturbada região do planeta.

Voltemos ao Oriente Médio

O colapso das negociações de paz

A violência e a tensão presentes hoje nas relações entre israelenses e

palestinos vêm sendo caracterizadas pela imprensa e literatura especializadas

como o colapso das negociações iniciadas em 1993 em Oslo (Noruega). O

conflito que sustenta o uso de violência a que assistimos diariamente há mais de

um ano é complexo e não pode sequer ser descrito em poucas páginas, o que

dirá ser explicado.

Vamos, então, examinar o diálogo iniciado na década passada, que se

depara agora com seu próprio silêncio. Para Isso, serão considerados três

aspectos que rim contribuindo para o atual insucesso: a estrutura do processo de

negociação, a relação entre política e identidade na região e o papel das

instituições internacionais.

71

Os esforços de negociação

As condições para que israelenses e palestinos considerassem a

necessidade de um acordo negociado foram criadas no começo dos anos 90,

com o fim da ajuda militar e financeira soviética a um conjunto de Estados Árabes

(ao final da chamada Guerra Fria), a inauguração de uma nova rede de alianças

no Oriente Médio durante a Guelra do Golfo e o fracasso das políticas

israelenses diante dos conflitos de baixa intensidade na região (terrorismo,

insurgência e guerrilha).

O processo começou quando diplomatas noruegueses - em particular o

ministro das Relações Exteriores, Johan J. Holst – inauguraram uma versão

original da prática de mediação internacional, promovendo em 1993 encontros

informais, nãooficiais, nos arredores de Oslo. A proposta era dar caráter e alento

novos às negociações, que tinham como referência a Conferência de Madri

(1991) e haviam atingido um ponto crítico. Os encontros de Oslo levaram a dois

acordos: a Declaração de Princípios, de setembro de 1993, e o Acordo Interl· no

sobre a Cisjordânia e Gaza, de setembro de 1995 (também conhecidos como

Oslo lI).

Naquele ambiente mais relaxado, chegou-se a uma a uma concordância a

respeito de três pontos centrais: o reconhecimento, por Israel, da Organização

para a Libertação da Palestina (OLP) como representante do povo Palestino; o

reconhecimento, pela OLP, do direito de existência do Estado de Israel,

acompanhado da denúncia do uso da violência; e a aceitação de ambas as

partes, de um plano de cinco anos, que culminaria com a criação em 1998, de

uma entidade autônoma palestina nas áreas da Cisjordânia e de Gaza.

O assassinato do primeiro-ministro israelense, Itzhak Rabin, em outubro

de 1995, e a subseqüente eleição de um governo que não compartilhava do

princípio da troca de terra por paz congelaram as negociações.

O processo de paz só seria reativado após a assinatura de novos acordos

promovidos pelo presidente dos Estados Unidos. Bill Clinton, em outubro de 1998

(os Acordos de Wye River).

A lógica do processo de mediação e negociação de Oslo calcou-se no

72

pressuposto, largamente discutido durante os anos 90 na bibliografia sobre,

resolução de conflitos, de que é preciso construir confiança entre as partes e de

que isso deve ocorrer de modo gradual, permitindo a lenta adaptação de

percepções e expectativa dos atores principais. Por isso. a idéia de

implementação gradual de acordos parciais foi acrescentada ao processo em

questão. Acertou-se, assim, um descolamento entre a conclusão de um acordo

final e a de acordos interinos, permitindo a quebra da paralisia diplomática.

Ao longo dos últimos oito anos, confirmando Declaração de Princípios,

acordos de caráter interno foram assinados e implementados. Assim, a

autoridade sobre a gestão dos territórios palestinos foi gradualmente transferida

para a OLP (em maio de 1994 isso foi feito com partes de Gaza e Jerico, e em

setembro de 1995 o acordo de Oslo Il estabeleceu a transferência de mais seis

cidades palestinas) e foram criadas as instituições de um futuro Estado palestino,

incluindo determinados aspectos do monopólio legalizado da violência que

caracteriza OS Estados soberanos.

À medida que as negociações para um acordo definitivo não avançam, a

legitimidade de processo de negociação em si perdeu sustentação, tanto a para a

população palestina quanto para a israelense. Quando as negociações de status

final começaram, em 1999 (ainda tendo como referência os acordos de Oslo),

seis anos haviam se passado e as transformações no cenário político, social e

estratégico na região eram imensas. Essas mudanças resultavam da nova

configuração de forças na região do golfo Pérsico, do acordo de 1994 entre Israel

e Jordânia e de mudanças geracionais na liderança dos paises árabes, entre

outros fatores. O próprio contexto internacional havia mudado, com a transição

do período da Guerra Fria para um sistema unipolar dominado pelos Estados

Unidos.

É particularmente relevante verificarmos o quanto as relações ente

israelenses e palestinos se alteram de forma significativa, em função do próprio

processo de negociação. Um quase-Estado palestino havia se formado em Gaza

e na Cisjordânia e a população palestina já não percebia a autonomia limitada

obtida como uma historia relevante, desejando uma transformação mais rápida

da realidade da ocupação. Por outro lado, a continua execução da política

israelense da colonização em Gaza e na Cisjordânia, contrariando a legislação

73

internacional e os acordos específicos assinados entre palestinos e israelenses,

minava o argumento da troca de terra por paz.

Além disso, as relações econômicas entre as duas sociedades não

mudaram, refletindo o acordo (o Protocolo Econômico de 1994) que as definia.

Esse Protocolo não alterou as bases dessas relações, preservando as estruturas

de integração, que perpetuavam a dependência e a subordinação dos palestinos

às políticas israelenses nesse campo. As possibilidades de desenvolvimento

econômico e de melhoria das condições sociais da população palestina mantêm-

se extremamente restritas, por conta da autonomia limitada quanto ao

planejamento da economia e quanto ao acesso ao mercado israelense e aos

recursos hídricos.

O princípio do reconhecimento mútuo esgotou-se como uma realização a

ser apresentada às populações de ambos os lados, assim como a perspectiva de

garantir a segurança de Estados, identidades e indivíduos, em um contexto de

soberanias sobrepostas, também se provou falsa. Enfrentar as questões de um

acordo definitivo (o status final de Jerusalém. A demarcação das fronteiras de um

Estado palestino, o direito de retorno de refugiados palestinos, o futuro das

colônias judaicas nos territórios ocupados) tornou-se mais difícil nesse contexto,

com as posições de ambas as partes entrincheiradas.

As próprias referências conceituais do processo inicial tornaram-se uma

barreira para o sucesso das negociações, apesar das inegáveis conquistas

alcançadas. A implementação parcial de acordos, em vez de construir confiança,

como se esperava, gerou novas expectativas e revelou as perspectivas distintas

sobre o próprio processo de Oslo. A interpretação diferenciada da natureza dos

acordos veio à luz. Para os palestinos, tratava-se do primeiro passo para uma

transformação radical das relações entre as duas nações; para os israelenses,

era um contrato legal. Para os palestinos, as resoluções da Organização das

Nações Unidas (ONU) sobre o direito à existência de um Estado palestino eram o

ponto de partida e serviam como referência para a avaliação do processo de

Oslo; para os Israelenses; essas resoluções constituíam um empecilho para a

resolução do conflito. Para os palestinos, tomar como base para as negociações

os territórios ocupados em 1967 era em si uma concessão; para os israelenses,

cogitar da existência de um Estado soberano palestino era uma mudança de

74

paradigma.

Além disso, a reconciliação - em termos de uma visão mais próxima da

história e das relações atuais da correção de injustiças e da transformação de

estereótipos negativos - torna-se mais penosa em um contexto de convivência

intensa, no qual não está claramente definido um quadro normativo aceitável

para ambas as partes. O processo de Oslo a despeito dos mecanismos de

cooperação criados não enfrentou esse problema, agravado pela presença das

colônias judaicas nas terras ocupadas. Nesse contexto, a população israelense

questionava crescentemente se os palestinos de fato apoiavam a idéia de dois

Estados convivendo de maneira pacífica e estes questionavam cada vez mais os

limites impostos à soberania do futuro Estado palestino (tamanho do novo país,

controle de fronteiras e barreiras a uma política externa independente e à

formação de um exército palestino).

As mudanças e pressões em cada campo também tornaram as

negociações extremamente difíceis. Fatores como as pressões de movimentos

como o Hamas e o Jihad islâmico e de palestinos fora da Cisjordânia e de Gaza,

a precária institucionalidade do quase-Estado palestino, as mudanças eleitorais

(em particular a eleição de BenJamim Netanyahu em 1996) e a própria natureza

do regime democrático parlamentar de Israel (o número de partidos e a natureza

das coalizões formadas) conferiam baixa chance de continuidade ao processo de

negociação. Os atores desse processo também, muitas vezes, movimentaram-se

de forma inconsistente.

Durante o encontro de Camp David. nos Estados Unidos, em julho de

2000, as diferentes concepções sobre a paz possível e sobre a própria natureza

do processo de negociação chegaram a um momento critico. Ehud Barak

buscava ali um acordo final e estava disposto a fazer concessões extremamente

ousadas para um líder israelense, particularmente sobre o território do futuro

Estado palestino e sobre Jerusalém. Yasser Arafat, por sua vez, ainda dentro da

lógica de Oslo, buscava acertar as etapas da construção do Estado e expressava

a frustração palestina quanto ao desrespeito, por parte de Israel, dos acordos

firmados até então, Barak, enquanto se dispunha a fazer amplas concessões,

paradoxalmente recusava-se a mostrar uma atitude conciliatória (mantendo as

construções em território disputado e recusando-se a transferir mais três vilas ao

75

controle palestino).

Em um contexto de enormes disparidades de poder, os negociadores

palestinos precisavam apoiar-se na realização de acordos interinos e mudanças

graduais reais para ganhar confiança e avançar rumo a um acordo global. Já

Barak buscava um acordo que pudesse ser vendido ao público israelense de

forma consolidada. As negociações continuaram nos meses seguintes, tendo

culminado no encontro de Taba (Egito), quando o quadro de um acordo sem

precedentes se delineou, incluindo um esquema que respeitava o direito de

retorno de refugiados palestinos, mantendo ao mesmo tempo o caráter judaico

do Estado de Israel e a divisão da soberania sobre Jerusalém. Mas já era tarde:

Ehud Barak e Bill Clinton estavam a caminho de casa. O colapso das

negociações em Camp David tornou-se, então, um dos motores das

manifestações palestinas e da violência que marcou os últimos 12 meses.

A questão das identidades

Para compreender melhor o conflito palestino-israelense e a crise por que

passam hoje, é necessário discutir a relação entre política e identidade coletiva.

A proposta de que a análise de identidades coletivas é fundamental para a

compreensão da política internacional tem sido difundida com sucesso nas

últimas décadas.

No Oriente Médio, em particular, as ameaças à identidade coletiva

constituem uma dificuldade a mais dentro do processo de negociação. A

presença de uma vasta população árabe em Israel é percebida como uma

ameaça pela sociedade israelense, já que essa nação foi construída sobre o

fundamento de uma identidade étnica e, até certo ponto, religiosa. Nesse

contexto, o direito de retomo dos refugiados palestinos é traduzido como a

diluição da identidade coletiva, impedindo um avanço em termos do

reconhecimento, por Israel, de sua responsabilidade histórica na desestruturação

da sociedade palestina em 1948 e 1967. A diferença entre a taxa de natalidade

das duas populações (a dos palestinos é muito superior) faz, por si só, com que

se acirrem as preocupações israelenses nesse sentido.

Após a expansão territorial de 1967, emergiu uma nova vertente de

76

nacionalismo étnico, que retoma uma identidade 'bíblica', fundindo a noção de

um moderno Estado de Israel e a idéia de uma 'terra de Israel' no sentido bíblico.

A constituição de colônias judaicas na Cisjordânia e em Gaza expressa essa

tendência. Esse novo ingrediente, além de gerar uma situação política e

geoestratégica insustentável, reforça uma concepção de cidadania excludente.

Aumenta, portanto, o custo do enfrentamento do problema dos refugiados e da

inserção de árabes/israelenses.

Embora a idéia de ameaça ao Estado tenha sido revista após o conflito de

1967, a presença no Oriente Médio de uma sociedade não-árabe e não-islâmica,

em conflito constante com vizinhos hostis, gerou nessa sociedade um sentimento

de isolamento e a valorização extrema da lógica da auto-ajuda. A insegurança

individual vivenciada pela população israelense e a nova ameaça contida na

proliferação de mísseis balísticas (possivelmente com capacidade química e/ou

biológica) nos anos 80 e 90 reforçam esse aspecto da identidade coletiva.

A sociedade palestina, por sua vez, convive com a necessidade de

estabelecer um Estado que dê expressão política à identidade nacional,

construída ao longo da desestruturação dos impérios coloniais, O território

adquiriu assim o valor simbólico característico da constituição das nações

modernas, embora haja uma incongruência entre a Palestina histórica e a

proposta de um Estado em Gaza e na Cisjordânia. O problema dos refugiados

também tem uma ligação direta com a questão do território. A relação dos

palestinos com o mundo árabe/islâmico outro aspecto importante da identidade

coletiva ganha expressão, no caso das negociações com Israel, no debate sobre

o futuro status de Jerusalém, cidade sagrada para as duas populações.

A omissão dos organismos internacionais

Todos os que se preocupam com a universalidade das normas

internacionais perceberam, nos últimos anos, a contradição entre as intervenções

internacionais na ex-Iugoslávia ou no golfo Pérsico e a omissão da ONU e de

outras instituições internacionais em crise como a da Chechênia ou a israelense-

palestina. Esperava-se que as violações do direito internacional e de direitos

humanos, no Oriente Médio, levassem a um posicionamento claro dessas

instituições.

77

A repercussão internacional desse conflito, em uma região estratégica e

economicamente sensível, justificaria uma atenção maior de instâncias multi-

laterais. Evidentemente, essa opção é obstruída pela aliança especial entre Israel

e os Estados Unidos e, de forma geral, pela relação entre Israel e as potências

ocidentais, ou com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), em

particular através dos acordos que envolvem a Turquia. E verdade, porém, que

desde as negociações de Madri, em 1991, o processo de paz entre árabes e

israelenses tem sido composto por discussões bilaterais entre Israel e seus

vizinhos e por discussões multilaterais, envolvendo os Estados Unidos e os

países europeus.

A ONU também exerceu papel relevante em relação ao conflito. A

resolução 181 da Assembléia Geral, de 29 de novembro de 1947, referente à

partilha da Palestina e ao estabelecimento de dois Estados, e as resoluções 242

(1967) e 338 (1973) do Conselho de Segurança, que determinam a retirada de

Israel dos territórios ocupados em 1967, tornaram-se referências para as

negociações e o argumento legal mais poderoso dos palestinos. As relações

tensas entre essa organização e Israel, em função do grande numero de

resoluções criticando as políticas israelenses, em várias instâncias, dificultam

sobremaneira a participação da ONU no processo de paz.

Em um conflito no qual é imensa a assimetria entre as partes, quanto a

acesso e controle de recursos de natureza material e política, é crucial o papel de

instituições internacionais. Esse já era um pressuposto dos arranjos multilaterais

no século XIX, quando o então concerto europeu visava garantir a sobrevivência

dos pequenos Estados do continente, Hoje – sabendo-se que, desde os anos 90,

a ONU aumentou o número e os alvos de suas operações de paz - são notáveis

sua ausência no cenário israelense-palestino. No entanto, é verdade que a,

violência do conflito nos últimos meses, que já tem a dimensão de uma crise

humanitária nos territórios ocupados, fez o Conselho de Segurança da ONU

retomar a discussão dessa questão. Até agora, porém, no campo das

negociações a contribuição internacional tem sido significativa sempre tendo

diferentes paises como mediadores.

78

O renascimento da violência

Assim, o colapso do processo de negociação expresso no caráter violento

das ações mais recentes de ambos os lados, pode ser compreendido em termos

das deficiências do quadro de referência produzido em 1993, da ausência de um

processo de construção da paz que envolvesse instituições Internacionais como

a ONU e das dificuldades geradas pelas tensões decorrentes da definição de

identidades coletivas.

A eleição de Ariel Sharon, a despeito da inclusão de Shimon Perez no

governo, representou desenvolvimento do processo de negociação e o

acirramento do conflito. A política de seu governo cumpre o papel de destruir os

atores com os quais é possível negociar a coexistência pacífica na região,

deixando aos palestinos a opção por diferentes estratégias de resistência.

Testemunhamos hoje uma crescente escalada do conflito, em que os parâmetros

de Oslo parecem totalmente abandonados. Os mecanismos para administração

do conflito criados no último ano não foram eficazes e o governo norte-americano

optou por um processo de desinvestimento significativo.

Entretanto, uma nota otimista faz-se necessária, como não se cansam de

reafirmar os adeptos do processo de negociação: as duas nações estão

destinadas a conviver e resolver conjuntamente uma série de problemas. As

negociações - que completam 10 anos - lapidaram novas relações entre as duas

sociedades e uma nova dinâmica política na região, baseadas no

reconhecimento da inevitabilidade da existência de dois Estados e em alguns

avanços em termos de humanização mútua.

A partir de agora, as perspectivas de um processo de negociação

alternativo dependerão da disputa entre interesses e idéias no âmbito de cada

uma das sociedades envolvidas e das condições criadas pelos principais atores

internacionais. Enfrentar as disputas centrais entre as duas sociedades é

essencial diante da violência vivenciada pelas duas populações das condições

inaceitáveis em que se encontram as comunidades palestinas e da possibilidade

cada vez mais real de estalada do conflito na região.

79

UNIDADE 7 - OS REGIMES MILITARES, AS LUTAS POR

EMANCIPAÇÃO E A NOVA INTEGRAÇÃO ECONÔMICA

Focos de tensão: um mundo em conflito

África: A colonização – Séculos XV a XIX

Durante o século XV a ocupação dos europeus neste continente era mais

de caráter mercantilista.

80

No século XIX, os europeus exercem um caráter imperialista, que consistia

na ocupação plena e efetiva do continente africano.

A partilha da África foi oficializada na Conferência de Berlim (1884-1885)

onde prevaleceu o interesse do colonizador na exploração de recursos naturais,

agrícolas e humanos.

A descolonização

Com o enfraquecimento econômico e político das potências européias no

pós-guerra, seu poder sobre as colônias também se tomou frágil.

As rebeliões pela independência multiplicaram-se por todo o continente

africano, e a maioria das colônias atingiu emancipação política nas décadas de

50, 60, 70.

O processo de independência, longe de trazer a paz à África, transformou-

a num barril de pólvora.

Os novos paises foram criados em espaços físicos decididos e delimitados

segundo critério dos colonizadores, portanto já nasciam desprovidos de

identidade nacional e étnica.

Esta ausência de identidade nacional foi responsável pela eclosão de

inúmeros e sangrentos conflitos, em geral envolvendo diferentes grupos étnicos

em disputa pelo poder no país.

Esse quadro de instabilidade agravou-se em razão da Guerra Fria, que

levava EUA e União Soviética a interferirem no processo.

Cada um fornecia armas e dinheiro a seus aliados, o que acabou

transformando o continente num estranho e confuso campo de batalha.

Em troca do apoio que recebiam, as partes em conflito deveriam ao tomar

o poder alinhar-se a uma das superpotências, da qual recebiam ajuda de toda

ordem.

Ásia: Oriente Médio ou Ásia Ocidental

Urna das mais conflituosas regiões do planeta encontra-se estra-

tegicamente situada na zona de contato entre a Ásia, a África e Europa.

81

Nesta região vivem cerca de 210 milhões de habitantes, a maioria de

religião muçulmana.

Em 1918, com a ruína do império Otomano, a região tomou-se de domínio

britânico e francês.

A pós a II Guerra Mundial a região passa por uma série de trans-

formações, como por exemplo:

A partilha da Palestina

Em 1917 a ONU aprovou um plano de partilha da Palestina, que previa a

criação de um Estado Judeu e de um Estado Árabe.

No ano seguinte (1918), quando se completou a retirada das tropas

britânicas da região, eclodiu a guerra entre Israel e os Palestinos. Os judeus

rechaçaram as forças árabes e fixaram novas fronteiras para a Palestina. Israel

aumentou seu território.

Neste episódio, Israel lançou um ataque relâmpago contra o Egito, a

Jordânia e a Síria. Em 6 (seis) dias o exército de Israel conquistou a Faixa de

Gaza, a Península do Sinai, a Cisjordânia e as Colinas de Gola.

A ocupação de Jerusalém por Israel provocou grande reação do mundo

árabe, pois a cidade é sagrada para os Judeus, Mulçumanos, e cristãos e foi

proclamada por Israel sua capital (isto é mexer em vespeiro). Até hoje, a situação

de Jerusalém é um dos pontos mais polêmicos de tentativas de estabelecer a

paz entre judeus e árabes.

Em 1973, na tentativa de recuperar os territórios tomados por Israel na

Guerra dos Seis Dias, os árabes de forma conjunta atacaram as forças

israelenses na batalha denominada Yom Kippur.

Os árabes derrotados, a partir deste momento, passam a utilizar o petróleo

(sua maior riqueza) como arma estratégica, elevando o preço do barril e

diminuindo as cotas.

Isso provoca pânico no mundo desenvolvido e industrializado,

principalmente EUA e Japão (dependentes do petróleo importado) cujos alicerces

econômicos ficam abalados - Crise Mundial Energética.

O exato instante dá para sentir que do outro lado do muro a União

82

Soviética não era atingida por esta crise e isso era satisfatório para manter

alicerçado o Império Comunista.

Para aliviar as tensões estrategicamente Israel em 1979 devolve ao Egito

a Península do Sinai, através do Acordo Camp David, assinado entre Egito e

Israel patrocinado pelos EUA.

A luta dos palestinos para construir um Estado autônomo estendeu-se por

todo o período da Guerra Fria e chega até os dias atuais.

A questão do Líbano

Líbano, antiga colônia francesa no Oriente Médio, viveu um clima de

tensão permanente durante toda Guerra Fria.

Esse clima, entre outros fatores, foi provocado pela divisão do país em

dois grupos distintos: a minoria cristã e a maioria muçulmana, que representava a

camada mais pobre da população.

Com a saída dos franceses em 1946, os dois grupos passaram a disputar

o poder, como se fossem duas nacionalidades vivendo num mesmo território

Essa situação se agravou a partir de 1970.

Até o início dos anos 70 o Líbano viveu uma relativa calma política e um

expressivo crescimento econômico, a ponto de ficar conhecido como a Suíça do

Oriente Médio.

Para se ter uma idéia, as principais agências bancárias internacionais do

Oriente Médio estavam sediadas em Beirute, que funcionava corno uma espécie

de capital financeira da região.

No entanto, esta relativa calma e prosperidade seriam abaladas por uma

série de eventos locais, regionais, e internacionais. Dentre eles podem ser

citados:

A tomada de consciência pela população mulçumana de sua dominância

numérica.

A entrada no país de um grande contingente de Palestinos que haviam

sido expulsos da Jordânia em 1970.

83

Os desdobramentos dos conflitos entre árabes e israelenses, que

aumentaram as tensões regionais e tiveram repercussões no âmbito do

jogo das alianças internas no Líbano.

O interesse de Israel e Síria em tirar proveito das contradições internas do

Líbano a seu favor.

A situação foi se tomando insustentável. A gota d'água aconteceu em abril

de 75, quando um ônibus transportando mulçumanos Libaneses e Palestinos

sofreu um atentado, atribuído à Falange Cristã Maronita. A partir desse momento

teve início a guerra civil, que provocou a quase total desintegração da vida

política e econômica do país.

Os conflitos internos no Líbano tiveram uma complicação adicional devido

à interferência direta e indireta da Síria e Israel.

Em 80, Israel intensificou ataque ao sul do Líbano, justificando suas ações

através de seu governo que o bombardeio tinha a intenção de conter os

movimentos terroristas palestinos ali sediados. (Hezbollah ou guerreiros de

Deus). “Por quase vinte anos Israel manteve uma “área de segurança” no sul do

Líbano, até desocupá-la em maio de 2000”.

A Guerra Irã x Iraque

O apoio norte-americano ao Irã estendeu-se desde o término da II Guerra

Mundial até 1979.

A partir dos anos 60, o Xá Reza Pahlevi tentou transformar o Irã numa

potência regional. Para isso ele tinha, além de muito dinheiro adivindo da venda

do petróleo, também o apoio político e militar dos EUA.

No entanto esse processo de modernização da sociedade esbarrava nos

valores profundamente arraigados, especialmente no aspecto moral.

A burguesia iraniana, basicamente sunita, aceitava com mais facilidade os

modelos vigentes no mundo ocidental.

Contudo, a maioria da população representada pelos Xiitas achava que a

rápida ocidentalização dos costumes estava pondo em risco os seus mais

importantes valores.

84

A política posta em prática pelo Xá passou então a sofrer ferrenha

oposição do clero Xiita.

A partir da segunda metade da década de 70, as insatisfações populares

geravam movimentos de repúdio ao governo do Xá, que não resistindo às

pressões foi ficando cada vez mais isolado.

No final de 1978 e início de 79, o Xá percebendo-se cada vez mais acuado

tentou acordos com a parcela mais moderada da oposição, a fim de aplacar a ira

popular. Mas era tarde demais, e em 16 de janeiro de 1979, ele, sua família e

seus principais colaboradores tiveram que fugir do país.

No mesmo ano, quase um mês depois de fuga do Xá, assume o poder no

Irã o Aiatolá Khomeini (líder da revolução que provocou a queda do Xá e da

monarquia mesmo vivendo em Paris).

Vale ainda frisar que a revolução islâmica havia posto no poder um

governo que desde o início se mostrou hostil aos Estados Unidos.

Aparentemente esta postura do governo iraniano seria vantajosa para a União

Soviética. Contudo, Khomeini, mostrando sua desconfiança em relação a

superpotências, declarou que o Irã, governado por Alá, era contra os satânicos

Estados Unidos da América e a demoníaca União Soviética.

Enquanto o novo governo iraniano arrumava a casa, o Iraque seu vizinho,

através de Saddan Hussein, declarava guerra ao Irã.

A causa foi uma disputa de fronteiras, mais especificamente o controle do

chatt-el-arab, estuário do Tigre e Eufrates no Golfo Pérsico, situado entre os dois

países e que representava a única saída marítima do Iraque.

A guerra terminou em 1988 com um acordo de cessar fogo, deixando os

dois países exauridos e com dívidas.

Durante o período da Guerra Fria, o Oriente Médio foi uma das áreas de

maiores conflitos. Os Estados Unidos e União Soviética estiveram indiretamente

presentes nesses conflitos. As duas potências foram fornecedoras de materiais

bélicos para seus respectivos aliados.

Com isso o Oriente Médio foi transformado no maior mercado mundial de

material bélico trocado por petróleo.

85

O Afeganistão – Sempre no meio do caminho

Situado no coração da Ásia, e sem litoral, este país sempre teve uma

posição estratégica significativa, pois faz fronteira com cinco importantes países

do continente: Ex-União Soviética, Paquistão, Irã, Índia, e China.

País de grande complexidade étnica e lingüística, a partir do século XlX,

foi alvo do choque de interesses de dois imperialismos: o russo e o britânico,

ambos empenhados em ampliar suas influencias sobre o país; mas foram os

britânicos que exerceram maior influência, pelo menos até o término da II Guerra

Mundial, quando a influencia britânica sobre este pais diminuía e aumentava a

influencia dos Estados Unidos.

A preocupação dos Estados Unidos com a estratégia regional levou o país

a diversas tentativas de envolver o Afeganistão em pactos de caráter nitidamente

anticomunistas, Contudo o Afeganistão possui uma extensa fronteira com a

União Soviética e isso talvez tenha influenciado sua decisão de não se alinhar

diretamente com os Estados Unidos e manter uma convivência amigável com a

União Soviética.

Na década de 70, o Afeganistão passou por modificações políticas

importantes:

Queda da monarquia em 1973.

Golpe militar que levou os comunistas ao poder em 1978.

Influência da revolução iraniana que incitava os Xiitas afegãos contra o

poder recentemente instalado.

Foi neste clima que os soviéticos, no final de 79, invadiram o Afeganistão

sob a alegação de que o governo Afegão havia solicitado ajuda.

A reação do Governo americano à ação dos soviéticos foi tímida; isto

porque o governo Carter estava no final de sua gestão, e a imagem do mesmo

desgastada com os problemas enfrentados no relacionamento com o governo

Iraniano, Com isso, a intervenção soviética converteu-se em fato consumado.

Mas, em 80, com a vitória de Reagan para a presidência dos Estados

Unidos da América, o cenário no Afeganistão mudou, pois Reagan deu todo

86

apoio à guerrilha, e os guerrilheiros afegãos passaram a receber importante

ajuda material americana, que Ihes chegava através do Paquistão.

Em abril de 88, em Genebra (Suíça); os Estados Unidos e União Soviética,

Afeganistão e Paquistão assinaram um acordo que previa a lenta retirada das

tropas soviéticas do território afegão.

A Iugoslávia

A República Popular da Iugoslávia foi criada em 1945, abrangendo as

seguintes repúblicas: Sérvia, Croácia. Eslovênia, Bósnia Hezergovina, Macedô-

nia e Montenegro. Além dessas repúblicas integravam o território iugoslavo duas

províncias autônomas: Kosovo e Voivodina – encravadas em território sérvio.

A união dessas unidades em um só país deveu-se principalmente à

liderança exerci da em toda a região pelo croata Josip Braz Tito, que comandou a

resistência aos nazistas durante a II Guerra Mundial.

Sob o governo de Tito a Iugoslávia manteve-se como um país unificado

por 35 anos.

Durante esse tempo projetou-se internacionalmente e alcançou grande

prosperidade industrial, bem como uma certa autonomia em relação à União

Soviética.

Alguém poderia estar questionando: como foi possível ao Marechal Tito

manter a Iugoslávia unida por 35 anos, já que o país apresentava grande

diversidade étnica e religiosa?

A unidade da Iugoslávia foi, em grande parte, obra da engenharia política

de Tito. Ele se apoiou no sistema de presidência colegiada e rotativa, que

escondia o crescimento dos nacionalismos.

Após a morte de Tito (1980) e a desagregação dos regimes comunistas do

leste europeu (1989) a crise que já estava instalada ateou fogo no separatismo.

Em 1991 o conflito começou na Eslovênia, após a declaração de

Independência. Logo em seguida foi a vez da Croácia e da Bósnia (1992).

Na Croácia, a presença de minorias sérias deu base para a instalação de

uma guerra prolongada.

Na Bósnia, república criada por Tito como espaço tampão entre a Sérvia e

87

a Croácia, a presença de uma maioria relativa de muçulmanos e de numerosa

minoria de croatas e sérvios conferiu ao conflito o caráter de guerra popular ge-

neralizada. Nas áreas conquistadas pelas tropas sérvias, iniciaram-se processos

de genocídio e transferência massiva da população visando a "faxina étnica". Os

três grupos em luta recorreram ao uso dos campos de concentração e ao terror

contra civis desarmados.

Em 1995 a ONU passou a intervir na Bósnia com uma "força de paz" que

se mostrou incapaz de conter as agressões dos sérvios.

A OTAN também enviou tropas, mas sem alua efetiva limitou-se à

realização de alguns bombardeios na Bósnia.

O fator decisivo para pôr fim ao conflito foi o embargo comercial imposto

pela Assembléia Geral da ONU à Iugoslávia desde 1992. O agravamento da crise

econômica fez com que o presidente lugoslavo Slobodan Milosevic

interrompesse o fornecimento aos sérvios da Bósnia. Estes, sentindo-se

enfraquecidos, aceitaram negociações intermediadas pelo presidente norte-

americano, Bill Clinton.

Finalmente em dezembro de 1995, um acordo de paz assinado em

Dayton, nos Estados Unidos, transformou a Bósnia-Herzegovina em um Estado

dividido; 51 % do território formam uma federação Muçulmano-Croata e os 49%

restantes constituem a República Sérvia da Bósnia,

Por que a Séria e tão-somente a Sérvia discordava dos movimentos de

emancipação das Repúblicas da Eslovênia, Croácia, e Bósnia embora não

interferisse na emancipação da Macedônia?

Em primeiro lugar não podemos esquecer do Projeto da "Grande Sérvia"

que era sonho desde o século XVIII quando o Império Otomano entrou em

decadência e a região ficou sob influência dos Impérios da Rússia e da Áustria e

Hungria.

O reino da Sérvia, cujo governo e povo se apegavam profundamente a seu

passado histórico de antiga potência regional, adotou um projeto expansionista:

formar a grande Sérvia-Estado que englobaria todos os Bálcãs Ocidentais,

anexando os territórios austro-húngaros da Bósnia, Croácia e Eslovênia, bem

como Montenegro, Kosovo e a Macedônia, (as duas últimas eram possessões

otomanas, que os Sérvios tomaram em 1912/13). As pretensões da Sérvia

88

contavam com o respaldo do Império Russo, desejoso de ampliar sua influência

no sudeste da Europa.

Atualmente, o Estado de Monte-negro separou-se da Sérvia, tornando-se

a mais nova república da ex-Iugoslávia.

A maioria dos bósnios sendo muçulmana encarava com desconfiança sua

possível anexação pelos Sérvios ortodoxos, de quem haviam se separado no

passado.

Durante a I Guerra Mundial a Sérvia combateu ao lado dos aliados contra

os Impérios Centrais. E, graças à derrota e desintegração do Império austro-

húngaro, pôde incorporar os territórios que cobiçava, com o consentimento das

potências vencedoras (Estados Unidos, Grã-Bretanha e França), Surgiu assim o

Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos que em 1929 passaria a se chamar

Iugoslávia (País dos Eslavos do Sul, em língua Sérvia).

Em segundo lugar, quanto á não intervenção na independência da

Macedônia, é que esta república é a mais pobre de todas, e em meio ao turbilhão

de crises pela qual passava a Sérvia, esta situação não mereceu tanta atenção,

talvez porque se a Sérvia conseguisse trazer de volta a Eslovênia. Croácia e

Bósnia a Macedônia voltaria automaticamente.

Angola e Moçambique

As guerras de independência de Angola e Moçambique tiveram início nos

anos 60 e só terminaram em 75 com a saída dos portugueses.

No entanto, a emancipação política não trouxe para estes países a paz tão

esperada. A luta contra os portugueses foi substituída pela Guerra Civil entre as

várias facções que haviam combatido as tropas coloniais e, agora disputavam o

poder.

Em Angola, lutavam o MPLA (Movimento Popular de Libertação de

Angola) que ocupava o governo e era apoiado pela então União Soviética e por

Cuba, e a UNITA (União Nacional pela Independência Total de Angola) apoiada

pelos EUA e África do Sul.

Em 1994 as lideranças da UNITA e do MPLA assinaram um acordo de paz

cujo cumprimento foi supervisionado por tropas da ONU.

89

Em 1997, a UNITA passou a integrar um governo de reconciliação

nacional cujo maior desafio é a miséria.

Em Moçambique, a Guerra Civil envolvia a FRELIMO (Frente de

Libertação de Moçambique) que governava o país e recebia ajuda da União

Soviética, e a RENA MO (Resistência Nacional Moçambicana) ajudada pela

África do Sul.

No início dos anos 90, já no contexto da passagem para a nova ordem

mundial, a FRELIMO abandonou sua proposta de instalação do Socialismo e

promoveu a abertura econômica e política do país. Reconheceu os partidos de

oposição e abriu negociações com a RENAMO, tentando alcançar a paz.

Esse processo, no entanto, tem avançado de forma relativamente lenta,

principalmente em razão da extrema miséria, que funciona como fator de

desestabilização crônica dos acordos entre as forças rivais.

Em resumo, o fim da Guerra Fria foi mais um fator de instabilidade para os

dois países, principalmente pelo corte de ajuda financeira enviada pelas

superpotências.

Ruanda e Burundi

Ruanda e Burundi tomaram-se independentes da Bélgica em 1962. Desde

então têm vivido conflitos internos de enormes proporções, envolvendo os Hutus

e os Tutsi, grupos étnicos secularmente rivais.

Estima-se que em Ruanda desde a saída dos belgas a guerra entre a

maioria hutu e a minoria tutsi tenha provocado a morte de mais de um milhão de

pessoas.

Em 1994 centenas de milhares de hutus fugiram desesperadamente de

Ruanda para o Zaire, hoje República do Congo.

A ajuda humanitária de países como a França e USA não pôde evitar a

morte de milhares de pessoas.

Reflexões sobre a fome na África

90

Pense bem! Enquanto durou a Guerra Fria os investimentos das

superpotências não paravam de chegar ao Continente africano, envolvendo uma

disputa ideológica que ateava fogo entre os grupos antagônicos cuja

conseqüência era milhares de mortes.

Mas em compensação, a facção vitoriosa aliava-se a uma das super-

potências e com isso tinha respaldo financeiro e militar.

Essas lutas eram puro divertimento para as grandes potências que tinham

chance de avaliar o poder destrutivo de suas novas armas, sem se preocupar é

lógico com o destino daquelas nações.

Após o término da Guerra Fria a ajuda financeira foi cortada e estas

nações ficaram órfãs; isso provocou um aprofundamento ainda maior na crise

política e econômica destes países, trazendo para o mundo observar o tipo de

morte mais terrível. A morte pelo espectro da fome, rastro deixado pelas

superpotências no continente africano após a Guerra Fria.

Imagine só que cerca de 200 milhões de pessoas na África vão dormir

todas as noites sem ter consumido os alimentos de que necessitam para manter

a saúde de seu organismo. Outros milhões de crianças com menos de cinco

anos morrem anualmente de fome ou de doenças dela decorrentes.

Apesar do extraordinário avanço cientifico e tecnológico, as condições de

vida da maioria da população dos países subdesenvolvidos se deterioraram nos

últimos anos.

A produção internacional de grãos já bastaria para assegurar à população

mundial as 3000 calorias e os 65 gramas de proteínas necessárias diariamente.

Mas, pelo menos 40% da produção mundial de cereais destinam-se à

alimentação animal, principalmente do gado nos países desenvolvidos.

Empresas transnacionais que operam nos países subdesenvolvidos

canalizam recursos para a produção de ração para gatos e cães, principalmente

dos países ricos. Apenas nos EUA, o volume dos negócios com ração animal

supera os dois bilhões de dólares anuais. Susan George, em seu livro O Mercado

da Fome assinala que "qualquer vira-lata rico ou gato mimado é melhor cliente

para a agroindústria do que um ser humano pobre".

91

A Ásia após a Guerra Fria: Oriente Médio

Acordo de paz entre israelenses e palestinos - 13 de setembro de 1993.

Nesse dia, o mais importante do ano para a política internacional, todos os

jornais, revistas e televisões do mundo estampavam o fato do aperto de mãos

entre o primeiro ministro de Israel (Rabin) e o líder da OLP (Arafat). Nos jardins

da Casa Branca, em Washington, sob o olhar sorridente do presidente dos EUA,

Bill Clinton, duas mãos que pareciam destinadas ao ódio eterno tocavam-se para

a surpresa de muitos.

Este resultado inusitado é fruto de encontros entre os dois lideres em Oslo,

patrocinado pelos EUA e ONU, bem antes do acordo ser assinado.

No acordo, Israel aceitou devolver ao controle palestino a Faixa de Gaza e

a cidade de Jericó situada na Cisjordânia.

Ninguém acreditava que esse seria um encontro fácil.

Os discursos entre os lideres não eram um discurso de amor recíproco,

mas de quem reconhece as diferenças e achava necessário conviver com elas.

O próprio Arafat havia lembrado antes do encontro que a "paz não se faz

com amigos, mas com inimigos". Já o discurso de R3bin lembrou como era difícil

explicar às famílias das vítimas do terror o acordo que estava sendo firmado.

No final, apenas por uma delicada pressão do presidente dos USA é que

os dois líderes trocaram um aperto de mãos.

As negociações sofreram a partir de então sérios entraves, incluindo ações

terroristas praticadas por radicais de ambas as partes; uma delas foi o assassino

de Rabin por um extremista judeu.

Em 1996, em Israel, foi eleito Benjamim Netanyahu com o apoio das mais

conservadoras do país. Com isso o processo de paz sofreu um grave recuo.

As negociações, contudo, continuaram a se realizar sob pressão dos EUA.

Em 1997, Netanyahu e Arafat chegam a um consenso sobre a retirada de

Hebron, mas as tropas israelenses ficam em 20% da cidade. Em 1998 Arafat

ameaça abandonar as negociações e fundar unilateralmente o Estado Palestino

em maio de 99, data que expira o prazo do acordo de Oslo.

Em julho de 99, Barak vitorioso nas eleições de Israel retoma o processo

de paz com os palestinos, Neste mesmo ano, israelenses e palestinos iniciações

92

as negociações para estabelecimento das fronteiras definitivas. As últimas

negociações ocorreram em Camp David (USA) em julho/2000, apesar do

fracasso, a tendência é rela criação de um Estado Palestino na faixa de Gaza e

parte da Cisjordânia e, portanto politicamente frágil por ser descontinuo e

fragmentado.

A Guerra do Golfo

Como vimos anteriormente, o Iraque iniciou uma guerra contra o Irã.

Porém, ao invés de retomar o crescimento, o Iraque afundou em problemas no

pós-guerra. Além da dívida e da inflação, a massa de soldados desmobilizada

engrossa\a o grupo de desempregados e descontentes com o regime. Era

necessária uma nova atitude.

Em 1990, foram freqüentes as acusações contra um novo personagem

que entrava em cena: o Kuwait.

País minúsculo (17.818 km²) quase inteiramente desértico repousa toda a

sua vida sobre o petróleo.

A abundância de petróleo deu ao Kuwait posição privilegiada entre os

países do Golfo Pérsico; o dinheiro abundante do pequeno país exercia um certo

fascínio no mundo muçulmano.

Neste mesmo ano, começavam vários ataques da imprensa de Bagdá ao

Kuwait, parecia mais uma das intermináveis tensões do Oriente Médio.

Saddam Hussein exigia mudanças na fronteira entre os dois países e

ainda acusava o Kuwait de vender petróleo a preços mais baixos que os

determinados pela OPEP. Havia ainda o fato de o Kuwait ter se negado a

perdoar urna dívida de aproximadamente 10 bilhões de dólares, contraída pelo

Iraque durante a Guerra contra o Irã.

Diante dessa situação o Iraque invadiu o Kuwait em 2 de agosto de 1991,

sem resistência do exército kuwaitiano e com a fuga da maioria das pessoas.

O Kuwait foi incorporado pelo Iraque como a 19º província do país. A

primeira reação concreta veio da ONU, que promoveu um embargo econômico

contra o Iraque. Entretanto nem a própria ONU acreditava que o embargo seria

suficiente para tirar as tropas iraquianas do Kuwait. Foi estabelecido então um

93

prazo, até 15 de janeiro, para a retirada das tropas. Caso isso não se

confirmasse o Iraque seria bombardeado. Por trás dos bastidores, os EUA já

preparavam um contra-ataque.

A 16 de janeiro, um dia após o prazo estabelecido iniciava-se o

bombardeio ao lraque. Através de reportagem da CNN, rede de televisão norte-

americana, pela primeira vez na história, o resto do globo podia acompanhar

quase ao mesmo tempo o início de um conflito bélico. A televisão foi um fator

original da Guerra do Golfo. Os ataques eram filmados, as vítimas eram

entrevistadas e o próprio Saddan dava depoimentos aos repórteres. A guerra

invadia Bagdá e os lares do mundo inteiro.

Fica notório neste episódio o efeito da globalização encurtando distâncias

e trazendo a notícia no mesmo instante do acontecimento.

Outro fenômeno interessante foi o alto nível tecnológico do conflito. Os

primeiros ataques chamados de "cirúrgicos" dada a sua precisão.

Pouco mais de um mês após o início da guerra, o Iraque, submetido a

pesados bombardeios e a um avanço rápido das tropas terrestres da aliança,

anunciavam a devolução do Kuwait pela rádio de Bagdá.

Nesta guerra, Saddan Houssein cometeu dois erros básicos: ele não

esperava tal reação do ocidente diante da invasão e contava com um maciço

apoio árabe na guerra. Em segundo lugar, Saddan não levou em conta que o

mundo vivia uma situação pós-guerra fria.

Em outras palavras os USA estavam livres para agir na área sem pressão

soviética. Os ganhadores foram muitos, mas o principal vencedor foi os EUA que

passou a assumir seu papel de única potência mundial e "Polícia do Mundo".

O Iraque até hoje sofre com embargos e fiscalização imposta por uma

comissão da ONU em seu arsenal bélico, o que levou à realização de relatórios

de origem e veracidade duvidosas que provocaram, a pouco tempo, uma das

guerras mais sangrentas e terríveis que a Humanidade já presenciou via satélite,

on line, ao vivo e a cores. Essa guerra, até hoje, tem ceifado a vida de milhares

de iraquianos e americanos, além de outras nacionalidades, envolvidos direta ou

indiretamente no confronto que, literalmente e oficialmente já acabou, mas que

na prática mostra ter vida longa.

94

Os Curdos

Um dos povos mais antigos do Oriente Médio (muçulmanos há séculos) foi

vitimas das divisões territoriais do século XX. O território Curdo foi dividido entre

a Turquia, Irã, Iraque e Síria.

Perseguidos em quase todos estes paises, foram reconhecidos apenas

pelo fraque que, entretanto, acabou sendo um dos governos mais repressores

contra eles.

À medida que a ditadura iraquiana ia endurecendo, houve também endure-

cimento contra os Curdos. Durante a guerra contra o Irã, eles prejudicaram de

várias formas os iraquianos. A represália iraquiana foi terrível: usaram as

proibidas armas químicas coura a região Curda do norte iraquiano.

Em 1991, mais uma vez os curdos foram contrariados ao esforço de

guerra do Iraque diante das tropas da ONU e dos EUA. Na fronteira da Turquia

forneciam auxilio tático aos bombardeios sobre o lraque.

Terminada a Guerra do Golfo, Sadan Hussein jogou contra este povo toda

a força de sua vingança.

O primeiro semestre de 1991 assistia a um grande êxodo dos Curdos para

Turquia, Irã e Síria.

A situação dos curdos hoje é trágica. Indesejados nas áreas que habitam,

vêem com poucas perspectivas a formação do Curdistão com governo próprio.

Infelizmente, a causa não entusiasma as grandes potências e nada é feito

para constituir um Curdistão soberano.

As mudanças na China

As mudanças da República Popular da China ocorreram bem antes do fim

da Guerra Fria e não podemos dizer que foram influenciadas pela Glasnost e

Perestroika como ocorreu em outros países de regime socialista pois foi anterior

a estes planos.

As mudanças na China têm início após a morte de Mao-Tsé-Tung (1976) e

com a liderança de Deng Xiaoping que iniciou um processo de profundas

reformas:

95

O país adota a política das quatro grandes modernizações (da indústria, da

agricultura, da ciência e tecnologia e das forças armadas).

São criadas as Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), aberta a

investimentos estrangeiros, e é incentivada a propriedade privada no

campo.

As reformas chamadas de economia socialista de mercado, por introduzir a

abertura sem abandonar o regime de partido único, propiciaram à China

uma vigorosa recuperação econômica, com crescimento médio superior a

10% ao ano a partir de 1978 até hoje.

Massacre da Praça da Paz Celestial: - A abertura na economia estimula

rei, indicações por mais democracia.

Uma onda de manifestações estudantis em 1986 é reprimida pelo regime.

Em abril de 1989 ocorrem novos protestos estudantis; em maio, centenas

de milhares de estudantes fazem quase que diariamente manifestos contra

a corrupção no alto escalão do regime e exigem a abertura política,

inspirados no modelo soviético.

O movimento tem como centro a Praça da Paz Celestial, onde estão

instalados os principais órgãos do poder em Pequim.

A cúpula do Partido Comunista exige o fim dos protestos e decreta Lei

Marcial. Em junho, o exército abre fogo contra os estudantes.

O massacre da Praça da Paz é seguido de uma onda de repressão.

Milhares de pessoas são presas em todo o país.

O endurecimento político não afeta a abertura econômica, que prossegue

em ritmo vertiginoso. O crescimento rápido e desordenado, porém, logo

provoca efeitos desestabilizadores com o aparecimento de grandes

desigualdades sociais e o agravamento das disparidades regionais.

Em fevereiro de 1997 morre, aos 92 anos, Deng Xiaoping, o idealizador da

economia-socialista de mercado. Jiang Zemim passa a ser o novo homem

forte do regime.

Jiang tinha que dar continuidade ao processo de abertura econômica

imposta pelo seu antecessor. E tinha pela frente uma China desestruturada

sob o ponto de vista das disparidades regionais e ainda conforme ficou

96

decidido no 15º Congresso do Partido Comunista Chinês era necessário

tirar dos ombros do Estado as empresas oficiais.

Em outras palavras, Zemim precisava iniciar o processo de privatizações.

O congresso anuncia um gigantesco programa de privatização, que incluirá a

maioria das 370 mil estatais chinesas. Elas empregavam mais de 70 milhões de

pessoas e estão completamente endividadas.

Em outubro de 1997, Jiang visita os EUA e negocia com Clinton a

ampliação da abertura econômica de seu país em troca do apoio norte-

americano à entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Em 2006, a China continua sua ascensão rumo ao topo da economia

mundial, com um crescimento do seu PIB, em torno de 10% ao ano, sendo a

economia que mais cresce no mundo e, a partir de estudos e análises, vem

provando que esse crescimento ainda tem muito fôlego.

A questão Irlandesa

A Irlanda, a Oeste da Grã-Bretanha, é uma ilha relativamente extensa para

os padrões europeus (84.200 Km2).

Seus antigos habitantes eram de etnia celta, cristianizados a partir do

século V, os irlandeses jamais conseguiram alcançar a unidade política.

Em 1534 o rei Henrique VIII deu início à Reforma Anglicana, que

estabeleceu na Inglaterra e em Gales uma religião protestante oficial. Os

irlandeses não aderiram à reforma e permaneceram inteiramente católicos até

mesmo como forma de preservar sua identidade nacional perante os

dominadores ingleses.

Em 1642 começou na Inglaterra a Revolução Puritana que produziu em

1649 a queda da monarquia e a proclamação de uma República dirigida por

Oliver Cromwell – um calvinista fanático e implacável, muito mais anti-católico do

que os anteriores reis anglicanos. As medidas por ele adotadas contra os

irlandeses suscitam em rebelião, que Cromwell esmagou pessoalmente à frente

de suas tropas. Milhares de irlandeses foram massacrados durante a repressão e

vastas extensões de terras, confiscadas dos católicos, passaram para as mãos

97

de proprietários protestantes recém-chegados.

Após a morte de Cromwell, a monarquia foi restaurada na Inglaterra, com

a volta da dinastia Stuart, que fora deposta em 1649. Mas em 1688, o rei Jaime II

Stuart, católico e com tendências absolutistas foi deposto pela Revolução

Gloriosa, apoiado por Luis XIV da França, Jaime II desembarcou na Irlanda em

1690 e liderou uma revolta dos irlandeses, contra a dominação inglesa. No ano

seguinte, porém, suas forças foram inapelavelmente batidas pelo novo rei inglês,

Guilherme III de Orange. Ainda hoje para comemorar a data daquela vitória, os

protestantes da Irlanda do Norte provocam os católicos desfilando diante deles

com bandeiras e insígnias de cor alaranjada.

Em 1905, os nacionalistas irlandeses fundaram o Sinn Fein (“Nós

sozinhos”), partido político que lutaria legalmente pela independência do país.

Os protestantes reagiram organizando a Força de Voluntários do Ulster

formação paramilitar destinada a apoiar as tropas britânicas na Irlanda.

Nas eleições de 1918, o Sinn Fein elegeu a maioria dos deputados

irlandeses ao Parlamento inglês e, no ano seguinte, proclamou unilateralmente a

independência da Irlanda. As tropas britânicas e os voluntários do Ulster

reagiram com violência, e o país conheceu dois anos de selvagens ações

territoriais e de guerrilha. A essa altura o Ulster já era uma região industrializada

onde os protestantes haviam se tornado maioria, graças à forte imigração de

operários ingleses, escoceses etc.

Mas o Ulster (oficialmente denominado Irlanda do Norte) permaneceu

vinculado ao Reino Unido da Grã-Bretanha. O Estado da Irlanda foi integrado na

Commonwealth (Comunidade Britânica das Nações), com o mesmo status do

Canadá, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia.

Mas, ao contrário desses outros países os sentimentos dos irlandeses

para com a Inglaterra sempre foram amargos. Por isso, durante a II Guerra

Mundial, enquanto canadenses e sul-africanos, australianos e neozelandeses

participaram ativamente do conflito, como, aliás, da Grã-Bretanha, a Irlanda

permaneceu neutra. E, em 1949 desligou-se da Commonwealth e proclamou sua

independência total, com o nome de República da Irlanda ou Eire (seu nome

céltico original).

Mas o Eire é um país agrário, com possibilidades econômicas limitadas e

98

uma taxa de crescimento demográfico elevada para os padrões europeus.

Por essa razão, muitos católicos do sul acabaram migrando para a Irlanda

do Norte, em busca de trabalhos e atualmente constituem aproximadamente 40%

da população local, mas sofrem forte discriminação por parte da maioria

protestante.

Em 1956, surgiu na Irlanda do Norte o I.R.A. (Exército Republicano

Irlandês) organização terrorista irlandesa cujo objetivo é promover a anexação da

Irlanda do Norte ao Eire.

Oficialmente, o governo do Eire repudia a ação do I.R.A... Mas este conta

com grande simpatia entre a população do sul e tem o apoio de praticamente

toda comunidade católica do Norte.

Além disso, o I.R.A. utiliza o partido Sinn Fein como seu porta-voz e repre-

sentante político.

Em 1997 o primeiro ministro trabalhista Tony Blair "costurou" um acordo

multilateral, no qual participaram, ele próprio, o primeiro ministro do Eire, repre-

sentantes do Sinn Fein e dos Unionistas (protestantes da Irlanda do Norte),

houve até a intervenção do presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton.

O acordo prevê eleições livres para um Parlamento a ser instalado na

Irlanda do Norte, o qual indicara um primeiro ministro para governar a região.

Esta permanecerá ligada ao Reino Unido, no entanto, recupera a autonomia

perdida em 1972 depois do episódio conhecido como "Domingo Sangrento"

quando soldados ingleses mataram 14 civis católicos em Belfast; nesta ocasião

autoridades de Londres assumiram diretamente o governo local.

A diferença agora é que os católicos terão direito de voto, que antes Ihes

era negado. Mas os extremistas dos dois lados ainda apostam em ações

violentas, cujo impacto pode ameaçar o processo de paz.

Em dezembro de 99, reúne-se pela primeira vez o gabinete do governo

autônomo da Irlanda do Norte, pondo fim a 27 anos de total controle britânico. A

presidência do novo governo é ocupada pelo protestante David Trimble e a vice-

presidência pelo católico Seamus Mellon. A autonomia estava prevista no acordo

de sexta-feira santa de 1998.

Em 2006, o I.R.A depõe suas armas e promete não mais agir de forma

violenta, sendo apenas um partido político e portanto, concorrendo às eleições

99

democráticas naquele país. Resta esperar pra ver se realmente a promessa se

cumprirá.

Fundamentalismo religioso

O fortalecimento dos grupos fundamentalistas, que buscam no fundamento

da religião a base para a organização da vida social e política é visto como

resposta à incapacidade dos governos de solucionar o problema do aumento da

miséria e do desemprego e da concentração de renda.

Em regiões de forte tradição religiosa, facções fundamentalistas assumem

a vanguarda do combate ao modelo econômico vigente. É o caso do mundo

árabe, onde o fundamentalismo se torna o maior desafio aos dirigentes alinhados

ao Ocidente. Exemplos:

Argélia

País situado ao norte da África, antiga colônia francesa, que conquistou

sua independência em 1962. Seu principal produto de exportação é o petróleo e

o gás. Em 1987 - a queda nos preços internacionais do petróleo leva o governo

argelino a cortar drasticamente os gastos públicos, sobretudo nas áreas sociais.

Esta medida reforça a Frente Islâmica de Salvação (FIS) cuja proposta de

criação de um Estado Islâmico ganha popularidade.

Uma reforma constitucional em 1989 põe fim ao regime de partido único, e

nas eleições locais de 1990 a FIS sai vitoriosa.

A partir daí a FIS lança campanha contra a influência ocidental e aprova

uma lei que torna o árabe a língua oficial a partir de 1997.

Nas eleições gerais de dezembro de 1991, a FIS conquista a maioria

Parlamento. Esta vitória deflagra um golpe de estado liderado pelo Exército, e o

poder passa para as Forças Armadas. O golpe tem apoio velado do Ocidente, em

especial da França, que teme um Estado Fundamentalista às margens do

Mediterrâneo. A decretação da ilegalidade do FIS e a prisão de militantes

desencadeiam onda de atentados.

100

Entre 1992 e 1995 a Argélia vive o clima de guerra civil. Em 94 surge o

Exército Islâmico de Salvação (EIS), vinculado à F1S que também mantém

relações com o Grupo Islâmico Armado (GIA).

Em janeiro de 1998 mais de mil pessoas são mortas durante o Ramadã

(mês sagrado para os muçulmanos). Os EUA e a UE enviam uma delegação

para investigar os massacres e negociar a paz entre os grupos.

Em 1999 - o novo governo inicia no país um processo de reconciliação

com a finalidade de atenuar o plano de austeridade lançado no mesmo ano; não

podemos esquecer que um plano econômico semelhante a este lançado em

1987 foi decisivo para o crescimento da FIS entre as camadas mais pobres da

população.

Afeganistão

Já vimos que este país em 1979 sofre intervenção soviética que só

terminou com a retirada das tropas russas em 1988 e 1989.

Após a salda das tropas soviéticas, intensificaram-se os combates entre a

oposição e o governo simpático a Moscou.

No inicio de 1995, entra em cena a milícia islâmica Taliban (estudante, em

persa), grupo fundamentalista da etnia patane financiado pelo Paquistão.

Muçulmanos da linha sunita, os integrantes do Taliban passam a conquistar os

territórios. Em setembro, no entanto, o Taliban conquista Cabul, adquirindo o

controle de 70% do território.

O Taliban impõe o comprimento estrito da Sharia, o código legal

muçulmano que prevê, entre outras medidas, a amputação dos pés e mãos em

casos de roubo e a exclusão total das mulheres da sociedade. Apesar do rígido

código moral, o governo dos EUA acusa o Taliban de sustentar-se com um

imposto de guerra cobrado dos traficantes de drogas. Dados da ONU indicam

que o país duplicou a produção de ópio sob o comando do Taliban.

Em agosto de 1998 o Taliban amplia seu domínio para 90% do país. No

mesmo mês os EUA dispararam mísseis sobre supostos campos de treinamento

de terrorista no país.

Em represália o Taliban provoca o assassinato de nove diplomatas,

101

massacra uma minoria Xiita da região de Mazar-e-Sharif, e mata um jornalista

iraniano. Essa situação leva o Afeganistão e o Irã à beira da guerra.

Atualmente o Afeganistão vive um isolamento internacional, que só não é

total devido ao respaldo dado pelo Paquistão. A Índia acusa o Taliban de enviar

combatentes para apoiar os rebeldes muçulmanos em Caxemira.

Em março de 1999 o governo afegão anuncia a formação de um gabinete

de coalizão com os grupos oposicionistas. Mas o acordo de paz não é

implementado e. em setembro, as forças do Taliban retomam os ataques.

Em setembro de 99 a Federação Russa acusa o governo do Afeganistão

de financiar o separatismo Islâmico na Chechênia e no Daguestão.

Após o 11 de setembro, os USA promovem ataques ao Afeganistão,

dizendo-se a procura de Bin Ladem, tido como idealizador e comandante desses

ataques. O país é destruído, porém o mesmo não é encontrado, permanecendo

em local incerto e não sabido.

Confronto nuclear Indo-Paquistanês

Com a aproximação da data da independência, as minorias hindus e

muçulmanas instaladas em territórios adversos, procuraram alcançar a

segurança dos futuros da Índia e do Paquistão.

Os príncipes indianos, pressionados a optar pela incorporação a um ou

outro estado, fizeram-no de acordo com sua orientação religiosa. Dois

principados muçulmanos situados dentro da Índia tentaram preservar sua

autonomia, mas foram invadidos pelo recém-criado Exército Indiano.

O governo da Índia independente de tendência fortemente centralista não

toleraria enclaves que pudessem estimular o separatismo das minorias.

E aí começou o problema da Caxemira. Essa vasta região montanhosa,

situada no extremo norte da índia britânica, tem uma importantíssima posição

estratégica entre o Afeganistão o Tibet (que a China conquistou em 1951), além

disso, ficava muito perto da fronteira com a União Soviética. Durante o domínio

inglês o estado de Jammu e Caxemira era governado por um marajá hindu, mas

80% de seus habitantes eram muçulmanos.

Ao chegar a independência, o marajá optou por unir seu estado à Índia,

102

embora a maioria da população desejasse ser incorporada ao Paquistão.

Estourou uma insurreição entre a comunidade islâmica, com apoio

paquistanês. As forças indianas reagiram e uma guerra não declarada entre os

dois países arrastou-se até julho de 1949, quando um acordo provisório foi

assinado sob a égide da ONU. Seguindo a linha do cessar fogo, as porções norte

e oeste da Caxemira couberam ao Paquistão.

Decidiu-se que futuramente haveria um plebiscito para definir o destino de

toda a região, mas a Índia jamais aceitou cumprir esta cláusula.

Em fevereiro de 1994, o Parlamento Indiano declarou solenemente que a

Caxemira (incluindo o território em poder do Paquistão) é parte inseparável da

União Indiana.

Atualmente, a questão entre a Índia e Paquistão ganhou importância

internacional, pois envolve dois países que possuem bomba atômica. O fato é

mais preocupante, segundo a visão ocidental do problema, diante da nova ordem

mundial, na qual as decisões sobre o que deve e o que pode ser feito no mundo

já não dependem exclusivamente de Moscou e Washington.

Mais uma vez a Chechênia

Você se lembra que em 1996 foi assinado um acordo de paz entre a

Rússia e a Chechênia e que a decisão sobre o Status político da república havia

sido adiada para 2001?

Pois muito bem! Em agosto de 1999 guerrilheiros muçulmanos vindos da

Chechênia invadem aldeias no Daguestão e anunciaram a criação de um estado

islâmico independente.

Em setembro as forças russas expulsam os rebeldes de volta para a

Chechênia. Nesse mês, uma série de explosões em edifícios residenciais, em

Moscou c outras cidades russas, mata mais de 300 pessoas e o governo federal

responsabiliza a Chechênia. Logo em seguida começam os bombardeios em

território checheno e no final de setembro tropas russas seguem para a região. O

exército russo conquista o norte da república, levando cerca de 200 mil

chechenos a refugiarem-se na vizinha Ingushetia e completa o cerco a Grozny

em dezembro. Apesar da pressão para cessar fogo, Moscou não aceita

103

mediação internacional.

Em meio a esta tormenta, e a perda de prestigio de leltsin, a Rússia via

crescer a energia de Vladimir Putin, indicado por leltsin para o cargo de 1º

Ministro.

Segundo o povo e os políticos Putin havia agido com inteligência e energia

no episódio da Chechênia e por isso sua popularidade estava em alta.

Percebendo essa situação, Boris leltsin acertou com Putin a segurança

para si e seus familiares através de acordo prometendo renunciar e passar o

governo a Putin, fato este ocorrido no dia 31 de dezembro de 1999.

Putin ao assumir prometia dar continuidade ao processo de

democratização da Rússia. Sem dúvida a chegada de Putin ao governo foi mais

uma estratégia do Velho Urso (leltsin), pois deixou os comunistas ansiosos do

poder sem forças para disputar o cargo, pois o prestígio de Putin junto ao povo é

incontestável.

Timor Leste

Ex-colônia portuguesa de maioria católica conquistou sua independência

em 1975. Antes mesmo que os timorenses tivessem tempo para desfrutar sua

independência foram anexados pela Indonésia.

A partir da invasão, o governo e exército indonésios instauraram um

tirânico e sangrento controle sobre a ex-colônia lusa. Com o apoio da maioria da

população local, foi organizado um movimento guerrilheiro separatista que,

apesar da dura repressão Indonésia, manteve acesa a chama da Liberdade.

Calcula-se que cerca de 200 mil Timorenses foram assassinados pelos

ocupantes. Desde 1992, o ensino da língua portuguesa foi proibido nas escolas

do Timor Leste.

Portugal, interessado em preservar a Iusofonia nas áreas pertencentes a

seu antigo império colonial, sempre defendeu a independência Timorense junto

aos organismos internacionais. Graças a esse esforço a Onu não reconheceu a

anexação realizada pela Indonésia e, em 1994, a Comissão do Prêmio Nobel da

Paz concedeu o galardão a dois lideres da resistência Timorense; o bispo

católico Carlos Ximenes Belo, e o jornalista José Ramos Horta. Outro país que

104

passou a apoiar a causa de Timor Leste foi a Austrália, potência democrática

regional que recebeu milhares de refugiados Timorenses.

Em 1997 a Indonésia é atingida pela crise econômica asiática e o caos

econômico provoca o fim da ditadura imposta por Suharto.

Em março de 1999 quando o novo presidente Habibie toma posse, assina

um acordo com Portugal, que prevê a realização de um plebiscito dentro da

Federação da Indonésia.

O resultado do plebiscito sai em agosto de 99 no qual a Independência

recebe 78,5% dos votos. Oficialmente o governo aceita o resultado, mas suas

tropas armam paramilitares do comando de luta pró-integração, que destroem a

capital Dilli e massacram centenas de pessoas.

A ONU envia uma força de paz para a região, a INTERFET, sob direção

australiana. A maior parte das tropas indonésias sai do Timor e o líder da

FREHLIN, Xanana Gusmão, preso desde 1992 é libertado. O presidente da

Indonésia admite a independência da região e o secretário geral da ONU indica o

brasileiro Sérgio Vieira de Melo como chefe da Administração Provisória do

Timor.

Obs.: A Austrália forneceu o maior contingente de força de paz enviada

pela ONU (2 mil homens). O Brasil embora seja o maior país lusófono do mundo

limitou-se a enviar uma representação simbólica de 51 elementos da Policia do

Exército. Mais tarde este número foi consideravelmente acrescido.

Por que a Indonésia reprimiu a independência?

Porque o país (mais de 206 milhões de habitantes – 89% deles islâmicos)

teme a erupção do separatismo baseado na diferença de etnias (há cerca de 300

etnias na Indonésia) e de religiões.

105

UNIDADE 8 - AS METRÓPOLIS MUNDIAIS

A Definição de Cidades

Uma das questões complexas e também fascinantes da Geografia é a

análise do processo de formação e crescimento das cidades, pois, trata-se de um

dos fatos mais dinâmicos e que mais influenciaram as transformações ocorridas

no espaço geográfico mundial.

Segundo o geógrafo Milton Santos, “é muito grande o problema de definir

corretamente o que seja uma cidade”. Embora essa questão também seja

analisada por sociólogos e economistas, o ponto de vista que nos valerá é o do

geógrafo, uma vez que a “cidade constituiu uma forma particular de organização

do espaço, uma paisagem e, por outro lado, preside as relações de um espaço

maior, em seu derredor, que é a sua zona de influência”.

“O que é a cidade? – Um lugar de trocas. Trocas materiais antes de tudo:

o lugar mais favorável à distribuição dos produtos da Terra, à produção e

distribuição dos produtos manufaturados e industriais e, enfim, ao consumo dos

mais diversos bens e serviços. A essas trocas materiais ligam-se de maneira

inseparável, as trocas do espírito: a cidade é por excelência o lugar do poder

administrativo, ele mesmo representativo do sistema econômico, social e político,

e é, igualmente, o espaço privilegiado da função educadora e de um grande

número de lazeres: espetáculos e representações que implicam a presença de

um público bastante denso”.

Em outras palavras, a cidade é uma concentração de pessoas e de

atividades econômicas secundárias (indústria) e terciárias (comércio e serviços).

E, afinal das contas, por que as cidades atraem tanta gente? Na visão de

alguns especialistas, a motivação para o deslocamento é basicamente

econômica. As pessoas vão morar nas cidades porque nelas acreditam que

terão uma vida melhor. E a maioria realmente acaba tendo. Para os pobres, um

centro urbano continua a oferecer mais chances de empregos e de melhor

remuneração que o campo. A cidade dá oportunidade de ascensão social e

106

também de acesso às modernidades tecnológicas, como a luz elétrica, a rede de

transporte etc.

A Origem das Cidades

As cidades podem ter suas origens ligadas a diversos fatores, como: uma

fortificação, núcleos de colonização, área de atividades extrativas, culturais,

econômicas ou tecnológicas.

Independentemente do que levou ao seu aparecimento, elas têm apenas

duas classificações quanto à origem: espontâneas ou planejadas.

As espontâneas são aquelas que sugiram naturalmente, de um modo

geral em locais estratégicos, como entroncamentos de estradas, margens de

estradas, litoral etc.

As planejadas são construídas com uma finalidade especifica: serem

capitais de estados ou países, sedes de indústrias, complexos de mineração etc.,

por exemplo.

Embora as cidades planejadas passem uma idéia de terem menos número

de problemas urbanos, isso não acontece na prática. Com o passar do tempo as

mesmas contradições de outros centros urbanos de um país ou de uma região

também estarão reproduzidas nelas.

Brasília é um caso típico. No final dos anos de 1950, época em que

Brasília foi planejada pelos arquitetos Lucio Costa e Oscar Niemayer, previa-se

que no ano 2000 ela com 250 mil habitantes. Em 2001, a população de Brasília

estava próxima de 2 milhões de pessoas. Por causa disso, a reconhecida

qualidade de vida do Plano Piloto da capital brasileira encontra-se ameaçada: o

elevado crescimento populacional das cidades satélites tem provocado sérios

transtornos no abastecimento de água, na sobrecarga do transporte coletivo, no

saneamento básico e demais sistemas de infra-estrutura urbana.

Falando nisso...

Para melhor entender o processo de urbanização é preciso conhecer sua

termologia especifica.

107

Conceitos básicos de urbanização

Metrópole: a palavra metrópole vem do grego metrópoles e quer dizer

“cidade mãe”. Refere-se, assim, à grande cidade, de população numerosa.

Sítio urbano: “É o assento da cidade, é a localização exata do espaço

construído, em suas relações com a topografia local”. (Max Derruau).

“Defini-se o sítio pelo quadro topográfico no qual se enraizou a cidade, pelo

menos em suas origens”. (Pierre George).

Funções urbanas: serviços que a cidade proporciona, destinados não

somente a seus habitantes, como também aos das cidades vizinhas e suas

cercanias. Sabe-se que as cidades, principalmente as metrópoles,

possuem diversas atividades e serviços. Entretanto, cada uma tem uma

atividade básica, a qual se denomina “função da cidade”.

A seguir alguns exemplos de funções da cidade:

Industrial: Volta Redonda (RJ), Detroit (EUA).

Administrativa: Brasília, Palmas (TO), Washington (EUA).

Turística: Ouro Preto (MG), Porto Seguro (BA), Miami (EUA).

Religiosa: Aparecida do Norte (SP), Vaticano, Jerusalém (Israel).

A Expansão Urbana

Em 1800, cerca de 8% da população mundial vivia nas cidades, em 1900,

essa percentagem passou pra 15%; em meados do século XX atingiu 29% e, em

1993, ultrapassou os 45%. Na primeira década do terceiro milênio, estima-se que

55% dessa população viverá em cidades.

A urbanização apresenta-se como um fenômeno global. No entanto, a

forma pela qual se processou, nos diversos países apresenta notáveis

diferenças. Nos países desenvolvidos, aqueles que representam os maiores

índices de urbanização, ela ocorreu de forma integrada: a indústria empregou a

108

mão-de-obra do campo e forneceu, simultaneamente, máquinas para suprir a

liberação da mão-de-obra rural. O período de maior intensidade da urbanização

verificou-se do século XIX até meados do século XX.

No início do século XXI, a metropolização está cada vez mais identificada

com os países de Terceiro Mundo, pois a população urbana dos países

desenvolvidos cresce, em média, 0,8% ao ano. Em compensação, nas nações

pobres, esse índice é de 3,5% ao ano. Prevê-se que, até em 2015, o crescimento

populacional das cidades dos países pobres seja de 52% e de apenas 7% nas

nações desenvolvidas.

As projeções da ONU revelam que, em 2015, nove entre as dez maiores

cidades do mundo estarão nos países subdesenvolvidos. A explicação para esse

fenômeno está no próprio crescimento vegetativo das cidades e na forte corrente

migratória campo/cidade registrada nessas nações. Nessa data, acredita-se que

teremos 527 cidades com mais de um milhão de habitantes e três quartos delas

situadas em países pobres.

Noticias

Seis horas da tarde, vista de cima, a cidade parece uma árvore de natal.

Para quem está no chão é um inferno. Segundo o departamento de trânsito, há

pelo menos 100 quilômetros de congestionamentos. A velocidade média dos

carros é de 20 quilômetros por hora. O ar é irrespirável e o barulho,

ensurdecedor. O trânsito dos pedestres é atrapalhado por centenas de camelôs

que atravancam as calçadas. Nos pontos de ônibus e nas estações de metrô, as

pessoas se acotovelam por uma posição melhor a fim de conseguir condução

para casa. Entre o ponto de ônibus e o prato com jantar, pode levar duas, três

horas. Quem atravessa a rua tem de prestar muita atenção. Além dos carros e

caminhões parados no tráfego congestionado, há motocicletas que passam entre

as faixas e atropela quem estiver no caminho. Há também os carroceiros e os

ciclistas que andam na contramão. Onde? O leitor pode escolher: Cidade do

México, Bangcoc, Xangai, São Paulo. Os problemas que atormentam as pessoas

que vivem nas grandes cidades de todo o mundo são muito semelhantes:

trânsito, poluição, sujeira, violência (...).

109

(...).

Hoje, há quase 3 bilhões de pessoas vivendo em cidades. Dentro de 25

anos serão 5 bilhões – mais da metade da humanidade. A população urbana

está crescendo muito e criando problemas de difícil administração.

Pior: está crescendo mais, e mais rapidamente, em países pobres, sem

dinheiro para investir em melhoramentos essenciais. Se as coisas continuarem

como estão, este século terá uma História de gente infeliz, pobre e doente.

Geógrafos, arquitetos e economistas andam se debruçando sobre as cidades

para descobrir como reverter o estado de falência generalizada em que elas

mergulharam. Segundo projeções da Organização das Nações Unidas, ONU, em

2015 haverá no planeta 27 megalópoles com mais de 10 milhões de habitantes.

Elas são, na maioria, cidades que não tem tratamento de esgoto, coleta de lixo,

hospitais, escolas e transporte público suficiente para atender a sua população

atual. Jacarta, na lndonésia, já conta com 14 miIhões de habitantes - e o esgoto

corre a céu aberto na cidade. As projeções do Banco Mundial indicam que dentro

de 15 anos Bombaim, na Índia, terá 27 milhões de habitantes, a maior parte

deles miserável, e deverá sofrer epidemias de tifo e esquistossomose.

A questão é que as grandes cidades se tornaram caras e insalubres e para

concertá-las é preciso um investimento enorme, que a maior parte delas não vai

receber. Uma das principais indagações dos economistas, sociólogos e

arquitetos neste final de século o que lazer com esses favelões. Trata-se de um

problema demográfico que ninguém previu. A ONU, o Banco Mundial e outras

instituições internacionais estão investigando a questão. Em universidades de

todo o mundo há gente dedicada a estudar o assunto. (...) As cidades já estão

atingindo tamanho sem precedentes. Tóquio tem 27 milhões de habitantes, a

grande São Paulo passou de 17 milhões e Bombaim, na Índia, chega a quase 18

milhões. Tanta gente aglomerada produz um quadro de cores medievais.

Segundo pesquisas feitas pela ONU, pelo menos 220 milhões de pessoas que

vivem em cidades não têm acesso à água potável, mais de 420 milhões não

dispõem de uma simples latrina, dois terços do lixo sólidos gerados nos centros

urbanos não são coletados e mais de um biIhão de pessoas respira ar de má

qualidade. Adequação das cidades à nova realidade econômica tornou-se uma

necessidade urgente. (...)

110

As Aglomerações Urbanas

A expansão urbana pode resultar em várias formas de aglomeração

humana, pois “o poder de atração que uma cidade exerce em torno da área que

a cerca, conseqüente das transações comerciais que realiza com as áreas rurais,

provoca a formação de áreas de influencia e, em conseqüência, regiões

polarizadas”.

As aglomerações urbanas podem ser classificadas como: conturbações,

megalópoles, regiões metropolitanas, áreas metropolitanas, macrocefalias

urbanas e biocefalias urbanas.

Conturbação

Conjunto formado por duas ou mais cidades próximas, em que ocorre

interação física e fundamental entre elas, como São Paulo e Osasco.

Megalópole

Conjunto de metrópoles interligadas, abrangendo extensas áreas, como

BOSWASH (Boston, Nova Iorque, Filadélfia, Baltimore e Washington), CHIPITS

(Chicago, Cleveland e Pittsburgh), SANSAN (San Francisco, Los Angeles e San

Diego), Tóquio-Osaka etc.

Região metropolitana

São grandes espaços urbanizados integrados funcionalmente a uma

metrópole. No Brasil, em 2001 existiam, oficialmente, nove regiões

metropolitanas: Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Belo

111

Horizonte, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre.

Áreas metropolitanas

Correspondem a grandes espaços urbanizados, integrados funcionalmente

e, em alguns casos, existem áreas conturbadas a uma megalópole e onde a

administração e o planejamento exigem uma ação conjunta, em termos de

abastecimento, circulação, educação, localização industrial etc.

Macrocefalia urbana

Corresponde a uma cidade, normalmente a capital de um país, com uma

elevada concentração humana em relação ao número total de habitantes,

superando duas ou mais vezes a população das duas cidades colocadas

imediatamente abaixo dela. Como exemplo cita-se Buenos Aires (Argentina) e

Lagos (Nigéria).

Bicefalia urbana

Corresponde aos países onde duas cidades comandam sua rede urbana.

Como exemplos citam-se o Brasil (São Paulo e Rio de Janeiro), a Alemanha

(Berlim e Bonn) a Rússia (Moscou e São Petersburgo) etc.

Os Contrastes da Urbanização no Terceiro Mundo

Nos países de Terceiro Mundo a urbanização agrava os problemas

socioeconômicos, devido à pressão demográfica sobre os centros urbanos, pois

o crescimento econômico não acompanha a expansão urbana, causando assim,

o inchaço urbano. Dessa forma, há um desequilíbrio entre a população e sua

absorção pelo mercado de trabalho, refletido no aumento da marginalização, do

desemprego e do subemprego e na pior das condições de vida, principalmente,

para os mais pobres.

Estudos apontam que a qualidade de vida para grande parte das

112

populações urbanas dos países pobres deve sofrer grande deterioração nos

próximos anos. Um dos aspectos mais graves é o aumento do número de

favelados nos países subdesenvolvidos, que deverá ser próximo a 1 bilhão de

pessoas.

Nos grandes centros urbanos dos países não desenvolvidos é mais

perceptível a exigência de duas paisagens antagônicas: a “legal”, aquela

construída segundo as normas urbanísticas vigentes, e a “ilegal”, que resulta da

ocupação de terrenos públicos e privados, pelos moradores pobres, ou resultado

dos loteamentos clandestinos realizados por empresários inescrupulosos.

A dinâmica urbana dessas cidades é muito mais acelerada que a dos

países ricos. Os bairros mudam de função, as indústrias se deslocam para a

periferia, bairros nobres centrais são ocupados pelas populações mais pobres

que transformam as casas em cortiços.

A cidade cresce tanto verticalmente quanto na superfície. O mesmo

fenômeno de deterioração da área central encontrado nos países de Primeiro

Mundo pode ser observado nas grandes metrópoles brasileiras, como é o caso

de São Paulo e do Rio de Janeiro, onde o antigo centro envelheceu e formaram-

se novas áreas que abrigam um setor terciário moderno (comércio e serviços).

Os contrastes sociais também são notáveis e se refletem na paisagem

urbana. Uma pequena parcela da população vive em imóveis protegidos,

modernos e confortáveis, enquanto a maior parte da população mora em bairros

que possuem casas precárias, sem serviços e instalações elementares: não

possuem rede de esgoto, água encanada, iluminação pública e equipamentos

públicos, como hospitais, escolas etc.

A indústria e o setor terciário não são suficientes desenvolvidos para

oferecer empregos aos novos migrantes e àqueles que nascem na própria

cidade. Dessa maneira, grande parte da população economicamente ativa se

volta para a economia informal, que proporciona baixos rendimentos,

amenizando muito pouco o significativo desemprego urbano.

Você sabia:

O termo economia informal corresponde a um aparte dos circuitos

113

econômicos que existem internamente nas cidades. A economia informal aloja-se

dentro do circuito inferior ou “invisível” da economia. O ingresso nas atividades

informais nas atividades informais é fácil e não depende de ida, sexo ou grau de

instrução das pessoas. Normalmente, a produção é realizada com tecnologias

adaptadas e em pequena escala, com a utilização intensiva do trabalho.

Esse setor agrega todas as atividades que possuem uma existência legal e que

não recolhem impostos. A economia informal movimenta bilhões todos os anos,

em especial, nos países pobres.

Falando nisso...

No Brasil existem diferenças significativas entre o nível de urbanização

das cidades. Ao longo dos problemas urbanos das grandes metrópoles

brasileiras, existem algumas cidades que apresentam boa qualidade de vida.

Elas são, normalmente, cidades médias, localizadas quase todas no

centro-sul do país e com uma população oscilante entre os 100 mil e os 500 mil

habitantes. Fazem parte dos acentuados contrastes de um país que tem um pé

na prosperidade (como uma Bélgica e uma Holanda) e o corpo imenso e carente

de uma Índia.

Essas cidades médias cresceram de dentro para fora, isto é, tornaram-se

pólos das zonas agrícolas dinâmicas e passaram a industrializar os produtos

da lavoura e/ou da pecuária da região que as circunda. Com o passar do tempo

receberam fábricas diversificadas e expandiram seus serviços, que, em algumas

delas, são bastante sofisticadas. Elas já se livraram das carências visíveis de

pequenas cidades, mas não apresentam a mesma intensidade dos problemas

das grandes metrópoles e estão sendo menos afetadas pelas crises econômicas

e sociais do país: o número de mendigos é baixo; a oferta de emprego, alta; o

número de favelados, pequeno; o transporte urbano, rápido e confortável. Os

sistemas de serviços públicos são eficientes e os níveis de segurança da

população, elevados. A oferta de ensino é, muitas vezes, surpreendentemente

boa e de bom nível. Caxias do Sul/RS, Blumenau/SC, Maringá/PR, Ribeirão

Preto/SP, Uberlândia/MG, Nova Friburgo/RJ, Campo Grande/MS, são, apesar de

suas diferenças, ótimos exemplos de cidades médias com boa qualidade de vida.

114

A Rede Urbana

A rede urbana é um complexo sistema circulatório entre cidades de

funções diferentes. Cidades pequenas e médias não apenas passam às

metrópoles o excedente da parte agrícola que captam como também Ihes

vendem serviços. Assim, entende-se como rede urbana a distribuição espacial

entre as cidades e as relações mantidas entre elas: as pequenas cidades são

atraídas pelos serviços prestados pelas cidades de médio porte, que, por sua

vez, sofrem a polarização das metrópoles.

Uma rede urbana é um espaço que surge do crescimento do número de ci-

dades e da população que nelas vive e que, com o tempo, vai se hierarquizando

a partir da influência econômica, política e cultural que as cidades maiores e mais

bem equipadas de serviços exercem sobre as outras e sobre o meio rural. Existe

uma regra geral para a hierarquizando das cidades: para milhares de pequenas

delas existem centenas de cidades médias e algumas poucas metrópoles,

A existência de uma rede urbana, completa, parte do princípio de que é

necessária uma intensa urbanização acompanhada por uma industrialização.

Os países pouco urbanizados e industrializados apresentam normalmente

redes urbanas fracas e incompletas, nos diversos níveis hierárquicos que se

formam, sendo, portanto, a rede urbana completa uma característica mais do

Primeiro que do Terceiro Mundo. Entretanto nos países emergentes, nota-se a

presença de redes urbanas mais hierarquizadas, pois apresentam maiores

índices de urbanização, como o Brasil, a Coréia do Sul, a Argentina, o México.

Assim, pode-se dizer que a rede não se restringe à distribuição espacial

das cidades; existem também relações estabelecidas entre elas. Há redes mais

ou menos organizadas, que dependem do estagio de evolução em que se

encontram as cidades.

As Cidades Globais

A partir dos anos 1990, começaram os estudos de cidades que têm

influência nacional e também internacionais, conhecidas como cidades globais

115

ou mundiais.

A classificação das cidades globais não apresenta uma relação direta com

o tamanho de sua população, critério tradicionalmente utilizado para medir o nível

hierárquico das cidades. Ela tem um conceito de caráter mais econômico do que

demográfico e, apesar de a maioria das cidades globais apresentar uma

população superior a milhões de habitantes, esse não é um fator preponderante.

Elas correspondem aos principais centros financeiros, de serviços modernos e

especializados (assessorias e pesquisas) e controle administrativo das grandes

empresas multinacionais ou das organizações econômicas internacionais.

Essas cidades constituem uma rede urbana por onde circula a maior parte

do capital financeiro mundial, estimado em 1,4 trilhão de dólares por ano.

Segundo a professora Saskia Sassen, da Universidade de Chicago, “é por meio

da rede de cidades globais que a economia global é administrada, coordenada,

planejada e servida”. (...) Algumas dessas cidades preenchem o que seria mais

bem descrito como funções de portal: elas administram o fluxo (de dinheiro,

serviços e pessoas) de entrada e saída do país.

O número de cidades globais varia em extensão e conteúdo dependendo

do critério adotado pelos pesquisadores. Um dos pioneiros nesse tema foi o

norte-americano John Friedman, que listou 31 dessas cidades. No final da

década de 1990, de acordo com um trabalho do Grupo de Pesquisa em

Globalização e Cidades Mundiais, da Universidade de Loughborouh (Inglaterra),

existem 55 cidades globais no mundo. Esse mesmo trabalho elaborou uma

classificação desses centros urbanos por categorias, em uma escala que varia de

1 a 12, sendo que Nova Iorque ficou no nível 1 (com doze pontos) e São Paulo

no nível 2 (com oito pontos). Logicamente, nota-se que no topo dessa hierarquia

urbana, encontram-se as principais cidades dos países desenvolvidos, como

Nova Iorque, Londres, Paris e Tóquio. Na lista de John Friedman, 25 das 31, ou

seja, 80% localizam-se nos países desenvolvidos.

As Megacidades

As cidades que mais crescem no mundo e que no futuro estarão entre as

maiores aglomerações não correspondem necessariamente às cidades globais.

116

São as denominadas megacidades, que, de acordo com a ONU, correspondem

aos centros urbanos cuja população é superior a 10 milhões de habitantes. Um

número expressivo dessas megacidades encontra-se nos países do Terceiro

Mundo, e, ao contrário da maior parte das cidades mundiais que concentram a

riqueza, elas concentram os mais diversos tipos de problemas, sobretudo de

infra-estrutura, pobreza e violência.

A Rurbanização

A rurbanização é um processo relativamente recente e correspondente à

crescente integração dos espaços urbanos e rurais.

Existe uma interpretação entre o meio urbano e o rural, embora haja, cada

vez mais, o nítido predomínio do urbano sobre o rural. Por isso o campo torna-se

mais dependente da cidade: produz para a cidade e é nela que vende sua

produção. Além disso, é nas cidades que se realizam os movimentos financeiros,

a compra de insumos agrícolas, sementes, máquinas etc.

Urbanização

Nas duas últimas décadas, o processo de urbanização no Brasil manteve-

se acelerado e apresentou situações de grande diversidade e heterogeneidade

no território nacional, destacando-se a interiorização do fenômeno urbano; a

acelerada urbanização das áreas de fronteira econômica; o crescimento das

cidades médias; a periferizaçao dos centros urbanos; e a formação e

consolidação de aglomerações urbanas metropolitanas e não-metropolitanas.

Esses fenômenos são resultantes do processo de reestruturação econômica em

curso no país.

A elaboração de um quadro de referência baseada na compreensão da

rede urbana brasileira, aqui entediada como “armadura” da estrutura

sócio/espacial contemporânea, constituiu importante subsídio à formulação de

políticas territoriais de âmbito nacional, regional e municipal.

Ciente da necessidade de se forma uma base analítica para a formação de

políticas urbanas, a Coordenação-geral de Política Urbana do Ipea propôs a

117

realização e coordenou o estudo Caracterização e Tendências da Rede Urbana

do Brasil, desenvolvido em rede nacional de instituições de pesquisa, em

parceria com o Departamento de Geografia (Degeo) do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE) e o Núcleo de Economia Social Urbana e Regional

(Nesur) do Instituto de Economia (IE) da Universidade de Campinas (Unicamp), e

com o apoio de diversas instituições.

O trabalho apresenta valiosa contribuição para o conhecimento da atual

rede urbana do país, uma vez que o último estudo abrangente sobre esse tema

data de 1984, tendo sido realizado, naquela ocasião, pelo Conselho Nacional de

Desenvolvimento Urbano (CNDU).

No estudo Caracterização e Tendências da Rede Urbana do Brasil,

buscou-se analisar a atual configuração e as tendências de evolução da rede

urbana do país, enfocando as transformações ocorridas no processo de

crescimento demográfico, funcional e espacial das cidades brasileiras, a fim de

contribuir para a definição de estratégias de apoio à formulação e à execução da

política urbana nacional, bem como substituir as políticas setoriais e territoriais.

A urbanização e o sistema urbano são considerados, no estudo, “síntese”

de um longo processo de mudança territorial do país, no qual a dinâmica e as

alternativas de localização das atividades econômicas têm importante papel

indutor, entendendo-se a urbanização como parte integrante dessas

determinações.

A hipótese central do estudo é a de que as tendências da urbanização

brasileira e o sistema urbano do país incorporam as transformações espaciais da

economia. Para tanto, procedeu-se à análise das transformações na dimensão

espacial do desenvolvimento brasileiro, explorando suas relações com a

urbanização e a dinâmica demográfica do período recente, qualificando, dessa

forma, os determinantes do processo de urbanização e do sistema urbano

brasileiro.

A caracterização da economia regional evidencia o impacto da trajetória

econômica regional sobre a estruturação da rede urbana e abrange a análise

econômica, explicitando os desdobramentos espaciais decorrentes, bem como as

razões desses desdobramentos, distinguindo áreas dinâmicas, áreas estagnadas

e mudanças na base produtiva das regiões. A caracterização da rede urbana

118

regional identifica as mudanças ocorridas na conformação do sistema urbano

regional no período recente (décadas de 80 e 90), articulando essas alterações

com as principais tendências do desenvolvimento econômico do arranjo.

Tratou-se, também, das características do arranjo espacial da industria e

da agropecuária, nas décadas de 80 e 90, uma vez que são essas as atividades

que, em grande parte, determinam as distintas trajetórias econômicas e urbanas

regionais recentes, bem como as alterações nas formas de articulação comercial

das regiões entre si e com o exterior. O argumento central desenvolvido é o do

que, na década de 80, no contexto da crise econômica, o maior grau de abertura

da economia brasileira estimulou uma forma distinta de articulação das

economias regionais, com rebatimentos importantes sobre a urbanização e o

sistema de cidades.

Além disso, as analises identificam as mudanças ocorridas na rede urbana

do país, em especial nas redes urbanas regionais, nas décadas de 80 e 90. Tais

análises incorporam os seguintes estudos do IBGE: Regiões de influência das

cidades (Regic); Tipologia dos municípios brasileiros; e Aglomerações urbanas

para fins estatísticos. As análises também se valeram do estudo A dinâmica

espacial dos sistemas urbano-regionais no Brasil, do consultor Cláudio Egler.

O estudo abrangeu três vertentes de análise. A primeira considera os

processos econômicos gerais que estão na base da estruturação e do

desenvolvimento da rede urbana do Brasil. A segunda leva em conta os

processos econômicos regionais e seus desdobramentos na configuração e nas

tendências da rede de cidades de cada uma das grandes regiões geográficas do

país. A terceira refere-se à manifestação de processos característicos da

tipologia da rede urbana – o tamanho, a função e a forma urbana –, enfocando

essas manifestações seja para o país como um todo, seja para cada uma das

grandes regiões geográficas.

Essas três vertentes de análise resultaram em quatro produtos referenciais

básicos, que configuram a rede urbana do Brasil:

As redes urbanas das grandes regiões;

A hierarquia da rede urbana;

Os sistemas urbano-regionais; e

119

O quadro de composição das aglomerações urbanas.

Realizando no período de dois anos e meio, o estudo foi desenvolvido em

cinco etapas: referencial conceitual e metodológico; estudos preliminares de ca-

racterização da rede urbana; estudos de caracterização da rede urbana; análise

das transformações e tendências na configuração atual e tendências da rede

urbana.

O Nesur encarregou-se do conjunto de estudos sobre as transformações

da rede urbana do Brasil, procedendo a uma análise atualizada das principais

mudanças espaciais ocorridas na economia do país e das mudanças decorrentes

na dinâmica das economias regionais, estudos esses que procuraram apreender

os impactos dessas transformações sobre a configuração e as tendências da

rede urbana brasileira.

O IBGE/Degeo desenvolveu o conjunto de estudos que inclui a atualização

do trabalho sobre hierarquia urbana, rede de influências das cidades,

aglomerações urbanas para fins estatísticos e tipologia dos municípios

brasileiros.

Tais estudos compõem os seguintes relatórios parciais da pesquisa:

Relatório I: Metodologias e enfoques do estudo da rede urbana;

Relatório III: Hierarquização dos sistemas urbanos e de categorização de

cidades;

Relatório V: Tipologia dos municípios brasileiros;

Relatório VII: Identificação dos sistemas urbano-regionais.

O consultor Cláudio Egler realizou os estudos referentes à configuração e

à dinâmica atual da rede urbana, os quais integram os seguintes relatórios:

Relatório I: Mudanças recentes e perspectivas da urbanização em nível

mundial e no Brasil;

Relatório II: Principais características de urbanização brasileira;

Relatório III: dinâmica espacial dos sistemas urbano regionais do Brasil.

120

O consultor Hamilton Tolosa, da Universidade Cândido Mendes, prestou

inestimável apoio técnico ao Ipea durante todo o desenvolvimento dos trabalhos

e elaborou, juntamente com Maria de Fátima Araújo, da Fundação Sistema

Estadual de Análise de Dados Estatísticos (Seade), os trabalhos sobre as

metrópoles globais.

Os estudos desenvolvidos pelo Nesur apoiaram-se a organização de seis

equipes de pesquisa, encarregadas da análise das economias regionais e da

configuração e dinâmica das redes das grandes regiões geográficas brasileiras.

Essas equipes mobilizaram especialistas em desenvolvimento urbano e regional,

e também contaram com a colaboração de órgãos governamentais,

universidades e instituições regionais de pesquisa. O conjunto de estudos

elaborados pelo Nesur compõe os seguintes relatórios:

Relatório II: Referencial conceitual e metodológico, e principais tendências

do desenvolvimento regional brasileiro e suas implicações no sistema

urbano do país;

Relatório IV: Evolução da rede urbana segundo metodologias e critérios

econômicos de agregação dos espaços regionais;

Relatório VI: Caracterização da rede urbana (estudos regionais);

Relatório VIII: Síntese sobre a caracterização das redes urbanas regionais.

Cabe mencionar, ainda, a valiosa colaboração de instituições como a

Seade, o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social

(Ipardes), a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), a

Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), dentre outras, na

realização deste trabalho.

Os resultados da pesquisa estão reunidos em seis volumes que integram a

série “Caracterização e Tendências da Rede Urbana do Brasil”.

O volume 1 – Configuração Atual e Tendências da Rede Urbana do Brasil

– apresenta os resultados finais dos estudos sobre a rede urbana brasileira. São

discutidas as transformações recentes na rede urbana nas décadas de 80 e 90,

enfocando, como ponto de partida, as principais transformações espaciais da

economia e seus impactos no processo de urbanização e na própria rede urbana.

121

São apresentados os resultados do trabalho, que consistem na classificação da

rede urbana do Brasil, na identificação das aglomerações urbanas brasileiras e

na configuração da dinâmica espacial dos sistemas urbano-regionais e, por fim,

uma discussão sumária sabre São Paulo e Rio de Janeiro como metrópoles

globais. É também apresentada uma síntese das tendências de desenvolvimento

regional e as implicações para a formulação de políticas públicas.

O volume 2 – Estudos Básicos para a Caracterização da Rede Urbana –

reúne os trabalhos desenvolvidos pelo IBGE sobre as regiões de influência das

cidades, as aglomerações urbanas e a tipologia dos municípios brasileiros, bem

como os estudos elaborados pelo consultor Cláudio Egler sobre a configuração e

a dinâmica atual da rede urbana brasileira, incluindo as mudanças recentes, as

perspectivas e as características da urbanização, e os sistemas urbano-

regionais.

O volume 3 – Desenvolvimento Regional e Estruturação da Rede Urbana –

, traz o referencial conceitual e metodológico do projeto. Nele são explicitadas as

hipóteses sobre as principais tendências do desenvolvimento regional brasileiro e

suas implicações para a estruturação do sistema urbano do país, com ênfase nas

transformações ocorridas nos anos 80 e início da década de 90. São

apresentados os termos de referências estabelecidos para o estudo das redes

urbanas regionais, abrangendo as cinco regiões geográficas brasileiras. Esses

estudos estiveram a cargo do Nesur/IF/Unicamp.

O volume 4 – Redes Urbanas: Norte, Nordeste e Centro oeste (estudos

parciais para a classificação da rede da rede urbana) – refere-se aos relatórios

que precederam e fundamentaram a classificação final da rede urbana do Brasil.

O volume é introduzido pelas bases teóricas dos estudos regionais e contempla a

seguinte orientação metodológica:

Caracterização da economia regional – análise das mudanças nas bases

produtivas regionais e dos impactos de suas trajetórias econômicas e de

suas mudanças espaciais sobre a estruturação da rede urbana, explicitado,

ainda, os desdobramentos decorrentes e apresentando as áreas

dinâmicas, as áreas estrangeiras e as tendências de evolução econômica e

espacial, com base nas intenções de investimento futuro;

122

Caracterização da rede urbana regional – identificação das mudanças

ocorridas na conformação urbana no período recente (décadas de 80 e

90), articulando essas transformações às primeiras tendências do

desenvolvimento econômico regional, e procedendo à classificação da rede

urbana regional, segundo categorias definidas com base na descrição do

perfil da rede, na caracterização das funções desempenhadas por seus

principais centros urbanos e na indicação, prioritariamente para os níveis

superiores, da qualificação da urbanização;

Mudanças econômicas e impactas sobre a rede urbana – identificação e

análise das principais tendências da dinâmica regional e dos

desdobramentos espaciais decorrentes do desempenho econômico

recente, com ênfase nas novas espacialidades/territorialidades do

processo de urbanização, considerando as tendências locacionais da

atividade produtiva; dos processos de desconcentração e aglomeração

induzidos pelas transformações espaciais da infra-estrutura e do balanço

dos novos investimentos privados; e dos traços contemporâneos da

urbanização.

O volume 4 - trata, ainda, das questões relativas às transformações das

redes urbanas regionais e aponta as principais implicações para as políticas de

desenvolvimento urbano.

O volume 5 – Redes Urbanas Regionais: Sudeste (estudos parciais para a

classificação da rede urbana) – refere-se, como o volume anterior, aos relatórios

da pesquisa, os quais precedem e fundamentam a classificação final da rede

urbana do Brasil, e contemplam as mesmas orientações metodológicas adotadas

para a rede urbana das regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste.

O volume 6 – Redes Urbanas Regionais: Sul (estudos parciais para a

classificação da rede urbana) – refere-se ao relatório da pesquisa, que precedeu

e fundamentou a classificação da rede urbana do Brasil, obedecendo as mesmas

orientações metodológicas adotadas para a rede urbana das demais regiões

pesquisadas.

Vale ressaltar ainda que a classificação da rede urbana das grandes

regiões (volumes 4,5 e 6) diz respeito aos estudos que subsidiaram a

123

classificação da rede urbana do país. Na seqüência dos trabalhos, ao tomar as

redes urbanas de cada uma das grandes regiões, em seu conjunto, foram feitos

os ajustes pertinentes nessa classificação, alterando-se a denominação das

categorias urbanas. No entanto, os estudos sobre as redes urbanas das grandes

regiões e para os estudos, uma vez que mostram a configuração e as tendências

das redes urbanas regionais.

Acrescente-se que o estudo como um todo foi realizado no período 1997-

99 e que as informações estão atualizadas, sempre que possível, em nota de

rodapé, até a data desta publicação.

Este volume, elaborado em conjunto pelo Ipes, Degeo/IBGE e

Nesur/Unicamp, apresenta os resultados finais dos estudos realizados no

ambiente da pesquisa sobre a rede urbana brasileira e está organizando em

quatro capítulos e um Apêndice. Nesta primeira parte, o livro contém a

configuração da rede urbana do país com os referenciais básicos, que

compreendem a classificação da rede urbana, os sistemas urbano-regionais e as

aglomerações urbanas. No capítulo I são discutidas as transformações recentes

na rede urbana do Brasil, nas décadas de 80 e 90, enfocando as principais

transformações espaciais da economia e seus impactos no processo de

urbanização e na rede urbana. No capítulo II são apresentadas as orientações

metodológicas do estudo, detalhando se suas diretrizes e os critérios que

orientam a classificação da rede urbana do Brasil. O capítulo III reúne os

resultados do trabalho, que consistem na classificação da rede urbana do Brasil,

na identificação das aglomerações urbanas brasileiras e dos sistemas urbano-

regionais. Nessa parte se inclui, ainda, o estudo específico sobre a dinâmica

espacial dos sistemas urbano-regionais no Brasil e, por fim, uma discussão

sumária sobre o papel desempenhado por São Paulo e pelo Rio de Janeiro como

metrópoles globais. No capítulo IV é apresentada uma síntese das tendências de

desenvolvimento regional, que discute, a partir das principais conclusões do

estudo, algumas implicações para a formulação de políticas públicas.

No Apêndice são apresentados indicadores, tratamentos estatísticos e

estudos que funcionam os trabalhos da rede urbana brasileira. Quais sejam:

Critérios e indicadores de classificação da rede urbana;

124

Quadros e cartogramas das aglomerações urbanas;

Tratamentos estatísticos e tabulações especiais (incluindo a análise

discriminante utilizada para testar a classificação da rede urbana, a

tipologia ocupacional utilizada como proxy para a definição das funções

dos centros urbanos, e a análise de agrupamento de municípios segundo o

porte populacional, para o Brasil e para as grandes regiões geográficas);

Uma síntese da metodologia dos estudos elaborados pelo IBGE:

Aglomerações Urbanas para Fins Estatísticos, Regiões de Influência das

Cidades, e Topologia dos Municípios Brasileiros;

A síntese dos estudos sobre as redes urbanas regionais, ou seja, das

grandes regiões geográficas brasileiras – Norte, Nordeste, Centro-oeste,

Sudeste e Sul.

É preciso destacar ainda que os resultados do estudo sobre a rede urbana

do Brasil já vêm fundamentando a formulação e a implementação de políticas e

programas urbanos e regionais no país e têm fornecido valiosa contribuição a

trabalhos da agenda governamental e dos demais setores da sociedade. Este

estudo deverá continuar sendo útil para o setor público, na definição de políticas;

para as instituições de ensino, na ampliação do conhecimento sobre o processo

de urbanização do país; e para muitos outros setores da sociedade, na tomada

de decisões.

Transformações Recentes da Rede Urbana do Brasil

O estudo das transformações da rede urbana do Brasil, nas décadas de 80

e 90, objeto central desta pesquisa, abrangeu três vertentes principais. A primeira

delas leva em conta os processos econômicos gerais que estão na base da

estruturação e do desenvolvimento da rede urbana do Brasil. A segunda enfoca

os processos econômicos regionais e seus desdobramentos na configuração e

nas tendências de transformações da rede de cidades de cada uma das grandes

regiões geográficas do país. E, finalmente, a terceira refere-se à manifestação de

processos característicos da hierarquia da rede urbana, ligando-se às distintas

categorias que a compõem e enfocando essas manifestações para o país como

125

um todo, sejam para cada uma de suas distintas regiões.

Ressalta-se, de início, que um dos principais desafios metodológicos

enfrentados no desenvolvimento do trabalho dizia respeito à apreensão da

articulação entre os fenômenos do desenvolvimento econômico e da

urbanização, sem incorrer em determinismos que levassem à dedução das

tendências de transformação do sistema urbano diferente dos padrões de

distribuição da atividade econômica no espaço. Ou seja, tratava-se de superar os

limites do economicismo, realizando um esforço de apreensão da natureza das

determinações que a dinâmica econômica coloca para expansão e diferenciação

da rede urbana do Brasil.

Assim, a investigação realizada concebe a urbanização e o sistema

urbano como síntese de um longo processo de mudança territorial do país, no

qual a dinâmica e as alternativas de localização da atividade econômica têm

importante papel indutor, entendendo-se a urbanização, contudo, não como

resultado, mas, antes, como parte constitutiva dessas determinações.

Portanto, a análise do desenvolvimento econômico centra-se nos

desdobramentos espaciais do desenvolvimento recente, abrangendo

especialmente:

A identificação de áreas urbanas dinâmicas ou estagnadas, exigentes em

cada uma das grandes regiões geográficas brasileiras; e

As alterações significativas na estrutura econômica dessas áreas e

mudanças relevantes na base produtiva, com impactos relativos às

transformações na rede urbana.

Nos estudos desenvolvidos sobre as tendências recentes das economias

regionais, que compõem a pesquisa, o objetivo era compreender as

características da urbanização e da conformação dos sistemas regionais de

cidades. E, apesar das limitações dos dados disponíveis, enfocaram-se

especialmente aspectos relacionados às tendências locacionais da atividade

produtiva, aos fenômenos da concentração e desconcentração da atividade

econômica, à diversificação do setor de serviços e a mudanças ocupacionais

relacionadas a essa diversificação (em especial para as aglomerações urbanas e

126

para os principais centros urbanos integrantes da rede urbana brasileira), às

transformações nas estruturas ocupacionais, segundo a hierarquia da rede

urbana e o tamanho dos centros urbanos e, finalmente, a aspectos ligados à

expansão da infra-estrutura urbana, quando a mesma conformou-se como um

vetor de expansão e/ou de remodelação do sistema de cidades, ou em fator de

indução da ocupação de novas áreas, ou mesmo enquanto elemento de

reestruturação nos tipos de relações interurbanas de regiões determinadas.

Trabalhou-se com esses fatores como mediação para o entendimento da

articulação entre as tendências recentes de desenvolvimento das economias

regionais, as características da urbanização e a configuração do sistema urbano,

procurando-se verificar em que medidas as transformações ocorridas resultaram

na conformação de espacialidades novas e na emergência de impactos

territoriais de natureza distinta daquelas que tradicionalmente se faziam

presentes no passado.

Os estudos pautaram-se pela hipótese de que o desempenho econômico

regional do período recente caracterizou-se por um aumento da heterogeneidade

econômica e social inter e intra-regional, com o surgimento de áreas e pólos

dinâmicos, as chamadas ilhas de produtividade, independentes do desempenho

agregado da economia regional e do grau de articulação das áreas dinâmicas

com a economia do resto do país.

Essa hipótese central desdobrou-se em quatro questões específicas,

consideradas pelo estudo:

A emergência de novos padrões de localização da atividade produtiva,

decorrentes, em parte, de elementos de desempenho econômico derivados

do comércio exterior (exportação e, nos anos 90, principalmente

importação), ou resultado de novos condicionantes da atividade produtiva;

A necessidade de adoção de novos critérios e de modos distintos de

apreensão dos fenômenos de homogeneidade, hierarquia e polarização.

Na realidade, os processos econômicos recentes fizeram com que se

estruturassem, nas distintas regiões brasileiras, novos espaços que, por

sua vez, contribuíram para redesenhar a configuração territorial do país.

Houve um aumento de heterogeneidade econômica e social intra-regional,

127

e o sistema de cidades modificou-se com o surgimento e/ou a consolidação

de aglomerações urbanas nas várias regiões do país. Assim, o exame da

rede urbana brasileira foi feito a partir da incorporação de critérios que

pudessem dar conta dessa complexidade;

O surgimento de novas espacialidades da economia brasileira, as quais

exigem a adoção de categorias analíticas distintas das tradicionalmente

conferidas às análises do território brasileiro, incluindo conceitos como:

aglomerações de fronteira territorial; fronteiras econômicas internacionais;

pólos dinâmicos; áreas estagnadas; novos espaços rurais; novas

centralidades; cidades globais etc;

A radical alteração nos padrões de mobilidade espacial da população, ou

no padrão migratório do país, com o aparecimento de fenômenos tais

como: maior migração intra-regional e de curta distancia; redução dos

fluxos em direção às fronteiras econômicas e às áreas metropolitanas do

Sudeste; maior seletividade nos fluxos migratórios, baseada em requisitos

de escolaridade, renda, idade etc; maior circularidade dos movimentos

migratórios, com migração de retorno e vários estágios migratórios; baixo

dinamismo dos mercados urbanos de trabalho, com o surgimento de novas

formas de marginalidade urbana.

Além disso, as análises feitas aqui buscam identificar as mudanças

ocorridas na rede do país, sobretudo nas redes urbanas regionais, nas décadas

de 80 e 90, incorporando dados e informações que derivam dos estudos de

hierarquia urbana – atualizados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE) pela pesquisa Regiões de influencia das cidades – bem como

elementos relativos aos estudos de Tipologia dos municípios brasileiros e de

composição das Aglomerações urbanas para pesquisas estatísticas. As análises

valeram-se, também, do estudo A Dinâmica espacial dos sistemas urbano-

regionais no Brasil, elaborado especialmente para a pesquisa. Foram utilizados

seus resultados em termos de forma, hierarquia e composição.

Por fim, convém ressaltar mais dois aspectos: o primeiro diz respeito à

periodização do projeto de pesquisa; e o segundo, às questões relativas à

hierarquia do sistema de cidades.

128

Neste estudo, o objetivo central era como já mencionado, analisar

processos estruturais de mudança da rede urbana brasileira nas décadas de 80 e

90. Contudo, havia uma grande dificuldade: como avaliar tendências estruturais

num quadro de instabilidade crônica da economia nesse período. Na realidade, a

despeito das orientações gerais adotadas como ponto de partida da pesquisa, os

estudos lidaram com realidades extremamente cambiantes e, por isso mesmo,

tiveram que incorporar essas transformações em seus quadros de análise.

Para tanto, adotou-se uma periodização que levou em conta as

características do conjunto do período 1980-90, mas que também procurou

incorporar as diversas conjunturas macroeconômicas, considerando recortes

temporais que distinguem os períodos econômicos que caracterizam os anos 80

e 90 (recuperação em virtude das exportações e do Plano Cruzado; inflação

crônica e tentativas de estabilização da economia; recessão e Plano Collor;

Plano Real).

Ademais, nesses estudos, também foram incorporados recortes temporais

que, a partir dessa periodização geral, contemplam especificidades das

dinâmicas econômicas e urbanas regionais. No que diz respeito à hierarquia do

sistema urbano, os estudos tratam das transformações da rede urbana do Brasil

e das regiões de cidades com base na análise do tamanho e das funções dos

centros urbanos.

Transformações Espaciais da Economia

Com base nessas orientações metodológicas, pressupôs-se que as

tendências da urbanização brasileira e o próprio desenho do sistema urbano do

país incorporam as transformações espaciais da economia. Para elucidar

algumas das articulações entre esses processos, nesta seção faz-se uma síntese

das transformações ocorridas na dimensão espacial do desenvolvimento

brasileiro, explorando suas relações com a urbanização e a dinâmica

demográfica do período recente, qualificado, dessa forma, os determinantes do

processo de urbanização e do sistema urbano brasileiro.

Pontuam-se, assim, algumas características do arranjo espacial da

indústria e da agropecuária, nas décadas de 80 e 90, já que são as atividades

129

que, em grande parte, determinam as distintas trajetórias econômicas e urbanas

regionais recentes, bem como as alterações nas formas de articulação comercial

das regiões entre si e com o exterior. Finaliza-se a seção com um balanço dos

impactos e conseqüências dessas alterações para a urbanização e a rede urbana

do país.

O argumento central desenvolvido é o de que, na década de 80, no

contexto da crise econômica e da paralisia do investimento industrial, o maior

grau de abertura da economia brasileira estimulou uma forma distinta de

articulação das economias regionais, com rebatimentos importantes sobre a

urbanização e o sistema de cidades.

Longe de um crescimento econômico articulado, centrado na integração do

mercado nacional, e comandado a partir de São Paulo, onde se concentra a

maior parte da indústria e também o maior mercado intra-industrial, tal como

ocorrera nos anos 70, houve nos anos 80 um relativo deslocamento das

economias regionais, com o surgimento de ilhas de produtividade, muitas

voltadas para o comercio exterior, o que estimulou maior heterogeneidade interna

da estrutura produtiva nacional, aprofundando as desigualdades inter e intra-

regionais do país.

O desempenho do comercio exterior ajuda a entender melhor o movimento

das economias regionais. O esforço exportador da década de 80 possibilitou

alternativas localizadas de dinamismo econômico, as quais, apesar de incapazes

de ancorar um novo padrão de crescimento para o conjunto da economia, foram

extremamente importantes para algumas regiões do país, a exemplo dos

investimentos em papel e celulose, extrativa mineral ou siderurgia, em que os

maiores beneficiários foram os estados do Espírito Santo, Pará e Maranhão.

O aumento das exportações no país no pós-80 foi um fenômeno

generalizado para as distintas atividades econômicas. Quase todas as regiões do

país apresentaram crescimento absoluto, com pequena queda relativa da

participação de São Paulo, sobretudo pelo aumento das exportações originárias

do Centro-oeste (produtos básicos), do Maranhão (semimanufaturados), da

Bahia (petroquímica), da região Norte (básicos e semimanufaturados) e de Minas

Gerais (produtos básicos, semimanufaturados e manufaturados).

A partir de 1985, os coeficientes de exportação de diversas regiões

130

brasileiras foram bastante distintos e, em geral, declinantes. Os estados da

região Sul, Minas Gerais, Espírito Santo, Pará e Maranhão, ao contrário,

apresentam crescimento das exportações acima da média brasileira. O esforço

exportador, de setores muitas vezes situados próximos às fontes de recursos

naturais, conviveu com o aprofundamento da tendência de novas atividades

industriais localizarem-se fora das áreas metropolitanas, fugindo das

deseconomias de aglomeração, dentre outros fatores. Com efeito, abriram-se

alternativas localizadas de dinamismo, mesmo no contexto da crise. Muitos

desses empreendimentos situam-se no próprio interior de São Paulo e outros

foram direcionados a regiões de fronteiras.

Os impactos da trajetória econômica da década de 80 foram, como se

sabe, extremamente negativos, sobretudo nas metrópoles mais industrializadas

do país, como São Paulo, onde foi abaixo o crescimento dos níveis de emprego

formal na indústria de transformação. Contudo, esses efeitos não foram menos

dramáticos nas áreas metropolitanas que já apresentavam problemas

econômicos crônicos, como Recife ou Rio de Janeiro.

Porém, o melhor desempenho da agricultura e dos grandes complexos

minerais – ou de produtos como papel e celulose – resultou no crescimento das

áreas de fronteira, ainda que incorporando menos terras que na década de 70,

das regiões voltadas para o processamento de recursos naturais para exportação

e daquelas áreas, como o interior de São Paulo, que ampliaram as exportações

de manufaturados. Diante dessas transformações, o quadro regional do início da

década de 90 é muito distinto daquele herdado doa anos 70, uma vez que o

crescimento da agroindústria, a urbanização na fronteira, a agricultura e os

empreendimentos voltados para a exploração de recursos naturais criaram

alternativas de dinamismo à crise das metrópoles industrializadas. Muitas

cidades de pequeno ou médio porte apresentaram melhor desempenho nesse

período.

Esses fatos parecem ter implicado intensificação da migração de curta

distância, ou de caráter intra-regional, e redução da migração em direção às

metrópoles do Sudeste, sobretudo São Paulo.

O próprio desempenho das atividades agrícolas no período 1980-90 pode

ter contribuído para maior retenção da população nas pequenas cidades. Isso é

131

especialmente válido para o Sudeste, onde, ao lado do menor crescimento das

aglomerações urbanas metropolitanas, e em particular de suas cidades centrais,

ocorreu um crescimento da população dos pequenos municípios bem superior ao

esperado. E ainda que essa tendência não possa ser generalizada para o país,

em virtude do ritmo elevado do incremento populacional das aglomerações

urbanas metropolitanas e das capitais estaduais do Nordeste, à exceção de

Recife, assim mesmo é válido concluir que se reforçou, ainda mais, a natureza

relativamente desconcentrada do sistema urbano brasileiro.

De acordo com a pesquisa, estruturou-se no país, em razão de suas

origens históricas, uma rede dispersa de cidades, em comparação com outras

experiências latino-americanas. Esse processo parece ter sido crescente

influenciado pelas tendências de desconcentração da atividade econômica do

país.

Ainda que os determinantes não possam ser imputados apenas à

desconcentração econômica recente, os novos rumos da Região Metropolitana

de São Paulo sintetizam com clareza essa questão. A metrópole, como se

demonstrou, perde importância em termos industriais e, paulatinamente,

desacelera-se seu crescimento demográfico. Trajetória semelhante verifica-se

também nas Regiões Metropolitanas de Porto Alegre e de Belo Horizonte,

embora nesta em menor grau, além do baixo crescimento do Rio de Janeiro, do

Recife e da Baixada Santista. Mesmo na Região Metropolitana de Salvador

parece ocorrer rápida inflexão do crescimento demográfico no período 1991-96.

Com efeito, a redução da migração rumo às metrópoles do Sudeste

conferiu mnaior importância ao conjunto da rede urbana brasileira, considerando

o próprio interior do estado de São Paulo, as capitais regionais, em especial as

do Norte, Nordeste e Centro-oeste, as cidades médias e as aglomerações

urbanas não-metropolitanas.

Em algumas regiões, localizadas em áreas de fronteira agrícola, ou no

próprio estado de São Paulo, também não foi desprezível o crescimento dos

pequenos municípios.

No que diz respeito especificamente ao desempenho regional da indústria,

vale chamar a atenção para aspectos espaciais que auxiliam na compreensão de

novas dimensões da urbanização das grandes regiões geográficas, bem como

132

para os que ajudam no entendimento da conformação atual dos seus sistemas

de cidades, aspecto que será enfocado mais adiante.

O desempenho regional da indústria de transformação mostra que a

desconcentração industrial a partir do Sudeste teve dois sentidos principais: de

um lado, as regiões Norte e Centro-oeste, e os estados da Bahia, Paraná e

Minas Gerais, de outro lado, o interior do estado de São Paulo. A contrapartida

da maior participação dessas regiões no total da indústria nacional foi a queda

ocorrida na participação da Região Metropolitana de São Paulo e no estado do

Rio de Janeiro.

Registra-se, também, que os investimentos do final da década de 70, com

significativo componente de desconcentração, repercutiram sobre as bases

regionais na indústria brasileira a partir do início dos anos 80. Esse fato é

especialmente válido para a indústria de bens intermediários, herdada do II PND,

incluindo-se uma série de segmentos voltados para a base de recursos naturais,

que atualmente respondem por grande parte das exportações de várias regiões

do país. Esse é o caso do ramo de papel e celulose, que avançou muito no

Espírito Santo e, também, no Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia;

da indústria de plásticos, com crescimento expressivo da participação do Sul do

país, Nordeste e Minas Gerais; do ramo de couros, em que se destacam o Rio

Grande do Sul e o Nordeste; da transformação mineral, que cresceu em

praticamente todas as regiões brasileiras, inclusive no Centro-oeste e no

Nordeste; da química, em que o estado da Bahia lidera, no conjunto da produção

brasileira, sendo seguido pelo Paraná e por Minas Gerais; e da metalurgia, em

que o programa siderúrgico fez ampliar a participação dos estados de Minas

Gerais, Espírito Santo e Bahia.

Ressalta, ainda, que a tendência de novas atividades industriais

localizarem-se fora das áreas metropolitanas guarda forte sintonia com o perfil

setorial do investimento ocorrido na década de 80: investimentos de pequena

monta e alocado, na maioria das vezes, em setores intensivos em recursos

naturais. Por outro lado, é preciso notar que a tendência à desconcentração

evidencia-se tanto em certas especialidades regionais, como as acima

discriminadas, quanto numa dispersão acentuada da indústria de bens de

consumo leve.

133

De todo modo, continuam concentrados em São Paulo os segmentos mais

dinâmicos da indústria, que se encadeiam com toda estrutura industrial do estado

e com a maior parte das indústrias regionais. Além disso, há também outra

manifestação do fenômeno de desconcentração, de dimensão igual ou até

mesmo mais importante do que a descrita acima, configurada pelo rearranjo

espacial da indústria interno ao estado de São Paulo. De fato, simultaneamente à

redução do peso da indústria do Rio de Janeiro e de São Paulo em favor da

indústria do restante do país, no espaço paulista ocorreu acentuado processo de

desconcentração da indústria metropolitana, com a queda da participação da

Grande São Paulo no VTI estadual. O resultado foi o aumento da participação do

interior no VTI nacional, entre 1970 e 1985, transformando esse espaço

econômico no segundo maior aglomerado industrial do país, atrás apenas da

Grande São Paulo. Esse processo, conhecido como interiorização da indústria

paulista, São José dos Campos, Ribeirão Preto, Sorocaba e Santos, com

desdobramentos importantes no processo de urbanização e de conformação da

rede de cidades.

Registra-se, também, a importância de outro componente do processo de

desconcentração recente: o impacto diferenciado da crise sobre as estruturas

econômicas regionais, acentuando aspectos problemáticos exatamente nas

áreas de maior densidade industrial. De fato, nas regiões mais industrializadas, a

produção corrente tendeu a cair, em termos relativos, mais rapidamente, em

razão da dependência da demanda intra-industrial. As chamadas periferias, por

sua vez, sobretudo aquelas assentadas sobre a agroindústria e a indústria de

bens intermediários, situaram-se em melhor posição relativa ou porque a

produção primária detinha expressivo peso no produto total, ou por que a

indústria de bens intermediários, cuja implantação se deu no final da década de

70, conseguiu, por isso mesmo, ampliar as exportações regionais.

Esse efeito diferenciado da crise nas áreas mais industrializadas foi

reforçado pelo maior impacto da abertura comercial, já nos anos 90 nessas

regiões, notadamente São Paulo, levando a uma redução relativa da participação

do estado no produto industrial do país.

Assim, pode se concluir que o ajuste que vem ocorrendo na Grande São

Paulo traz, em termos de localização espacial da atividade econômica, inúmeras

134

conseqüências relevantes, em especial no caso da empresa que também contam

com unidades fabris fora da metrópole. De maneira geral, a tendência é manter

na Região Metropolitana de São Paulo exclusivamente as linhas de maior

conteúdo tecnológico, ou que, por diversas razões, demandem mão-de-obra de

maior qualificação. Além disso, a tentativa de reduzir custos e redefinir

atividades, componentes que integram os processos de reestruturação da grande

empresa, vem igualmente induzindo a relocação dos próprios centros

administrativos ou das atividades de pesquisa e controle de qualidade, as quais

tendem a ser deslocadas do município de São Paulo para o entorno

metropolitano.

À medida que os programas de investimento patrocinados pelo Estado

maturam e não são substituídos por políticas ativas e a privatização e a crise

fiscal reduzem o grau de intervenção pública, a desconcentração industrial perde

o fôlego e abrangência. Isso é particularmente visível no caso da economia

nordestina, que passa a ser cada vez menos beneficiada pela desconcentração

econômica seletiva, que tem efeitos maiores no Sul, no próprio Sudeste (Minas

Gerais e Espírito Santo) e no Centro-oeste.

Nos anos 90, há um impacto locacional nada desprezível, que tem origem

na maneira como as empresas empreendem seus programas de ajuste no plano

microeconômico, cujos efeitos nem sempre são captados pelas estatísticas da

produção corrente. Em especial, é preciso salientar o exemplo da automobilística,

com tendência a reforçar a relação entre fornecedores e montadoras, bem como

o rearranjo do mix de produto e linhas de produção nos seguimentos

multidisciplinares.

Por fim, é necessário ter em vista que os novos padrões locais tendem a

ser setorialmente distintos e não uniformes para o conjunto da indústria. Não se

identifica uma tendência geral de reaglomeração, nem de desconcentração. Por

outro lado, não se deve deixar de levar em conta certa tendência para a

localização no Nordeste brasileiro, de parte da indústria intensiva em mão-de-

obra, especialmente calçados, têxtil e vestuário. Os seguimentos mais complexos

da metalomecânica tendem a desconcentrar-se a partir de São Paulo,

provavelmente, sem extrapolar, contudo, o Sul e o Sudeste.

A evolução da agricultura também contribuiu para o quadro de

135

desconcentração da economia, quer por apresentar taxas de crescimento

superiores à medida da indústria, quer pelo seu menor crescimento em São

Paulo. De fato, em que a retração do crédito subsidiado, no contexto da crise

fiscal da década, a agricultura cresceu a taxas mais elevadas que a média do

PIB, atenuando os efeitos da crise industrial. Esse comportamento decorreu do

programa do álcool, mas foi resultado, sobretudo, da ampliação das lavouras de

exportação, fornecidas pelo aumento da participação dos produtos nacionais em

vários mercados internacionais.

O aumento da área cultivada das principais lavouras concentrou-se no

Centro-oeste, nos cerrados nordestinos da Bahia especialmente, do Maranhão e

do Piauí e na região Norte, sobretudo Rondônia. A expansão da área cultivada

em São Paulo foi devida quase exclusivamente ao Proálcool e ao cultivo da

laranja.

De acordo com o levantamento censitário de 1985, alterou-se a tendência

de evolução da situação agrária do país. Os censos agropecuários da década

anterior haviam evidenciado uma dinâmica de modernização do campo, com

concentração fundiária, incorporação de progresso técnico, maior intensidade do

trabalho, elevada migração rural-urbana e avanço da fronteira agrícola. Os dados

de 1985, por sua vez, apontam para uma aparente desconcentração da

propriedade, com uma incorporação reduzida de novas áreas, sobretudo de

lavouras, Sem dúvida, entre o primeiro qüinqüênio da década de 80 e os

períodos anteriores, ocorreram mudanças significativas. De início, cabe ressaltar

a redução do dinamismo agrícola, retratada, por exemplo, na menor variação das

áreas de lavouras, menor ritmo de mecanização, menor aumento dos rebanhos.

A evolução da área de lavouras reforça a tese de menor dinamismo da

agricultura. De 1970 a 1980, a área cultivada foi acrescida de 15 milhões de

hectares, enquanto no primeiro qüinqüênio da década de 80 o aumento foi de

apenas 3,2 milhões de hectares, sendo 1,5 milhão de hectares no Sudeste e 1,3

milhão no Centro-oeste. Dentre os estados nordestinos, destaca-se apenas a

Bahia, onde as áreas de lavoura aumentam no período em cerca de 800 mil

hectares.

Os indicadores de mecanização são coerentes com o desempenho menos

dinâmico da agricultura. O número de tratores incorporados caiu pela metade

136

entre o último qüinqüênio da década de 70 e o primeiro da década de 80. Em

termos regionais, a incorporação de novos tratores concentrou-se no Sul,

Sudeste e Centro-oeste, com reduções absolutas no número de tratores no Norte

e Nordeste, exceto no estado da Bahia.

Quanto à pecuária, o Censo revela que, embora tenha continuado a

substituição de pastagens naturais por plantadas, o aumento do rebanho de

bovinos foi sensivelmente menor. Em termos regionais, o efetivo ele bovinos

esteve concentrado no Centro-oeste e, secundariamente, na região Norte. O

mesmo ocorre na evolução das áreas de pastagens: os acréscimos significativos

de área ficam por conta do Centro-oeste e da região Norte. Na região Nordeste,

as alterações mais significativas decorrem do aumento de pastagens plantadas

na Bahia e no Maranhão.

A evolução da área global dos estabelecimentos serve para indicar,

regionalmente, o avanço da fronteira agrícola. Nos cinco anos iniciais da década

de 80, foram ocupados 11,4 milhões de hectares, localizados, fundamentalmente,

no Pará (3,1 milhões), Bahia (3,5 milhões), Mato Grosso (3,4 milhões) e,

secundariamente, em Rondônia (870 mil) e Paraná (1,1 milhão). Toma-se

evidente que a expansão da fronteira está circunscrita principalmente a um

trecho da região Norte e ao Mato Grosso, ao que se soma o cerrado baiano.

Uma leitura apressada do Censo Agropecuário de 1985 poderia indicar

uma ruptura no processo e tendências anteriores. No entanto, num exame mais

detalhado dos resultados do primeiro qüinqüênio da década de 80, verifica-se a

existência de um processo de minifundição, resultante de parcelamento dos

pequenos estabelecimentos, sem diminuição da desigualdade, e marcado pelo

agravamento das condições de pobreza. O que está em curso nesses anos é, na

verdade, um processo de deterioração da situação dos pequenos

estabelecimentos, mais do que uma aparente desconcentração da propriedade

rural. Embora presente em outras regiões, esse fenômeno centra-se no

Nordeste.

A aparente desaceleração do crescimento da agropecuária no primeiro

qüinqüênio dos anos 80 não corresponde a uma efetiva ruptura do padrão de

modernização do setor. A principal mudança estrutural ocorrida nesse período foi

a passagem de um padrão extensivo de crescimento para um padrão mais

137

intensivo, com relevantes ganhos de produtividade.

O desempenho regional da agropecuária após 1985 mostra uma

recuperação da produção, com início já em 1983, que iria expressar-se nas

super-safras dos anos seguintes, no contexto de uma política setorial distinta da

que havia prevalecido até então, e que foi substituída pela política cambial e por

ações setoriais compensatórias. À medida que a restrição do crédito ficava mais

severa, desenvolvia-se um padrão de autofinanciamento da atividade

agropecuária, tornando a produção cada vez mais sensível às decisões dos

grandes e médios produtores.

Contribuiu muito para esse melhor desempenho o boom agrícola na

segunda metade da década de 80, na vigência do Plano Cruzado, o que permitiu

aos produtores refazer seu capital fixo (máquinas e instalações) e, assim, crescer

no restante do período. A política de preços mínimos teve papel central, ao

substituir o crédito como principal instrumento de incentivo à agricultura. Com

isso, cresceram os cultivos para exportação, e o desempenho para o mercado

interno foi cada vez mais dinâmico.

Ainda que não se tenha verificado um retorno ao padrão de modernização

da década anterior, os indicadores disponíveis permitem inferir que o período de

maior estagnação da agricultura brasileira restringiu-se aos anos de 1981-1983.

O próprio produto agrícola retrata esse fato, invertendo a tendência dos anos 70

e crescendo acima do produto industrial.

Em termos gerais, de acordo com dados da produção agropecuária da

década de 80, houve aumentos significativos de produtividade, sem aumento

correspondente em áreas. Contudo, diferentemente do final da década de 70,

esse aumento, em termos médios, resultou mais do incremento da produção por

área do que de uma evolução da relação entre área e pessoal ocupado.

Problemática é, sobretudo, a forma desigual com que se distribui esse aumento

da produtividade e da ocupação: as regiões que seguem incorporando progresso

técnico tendem a fazê-lo sem ganhos em termos de emprego; o aumento da

ocupação, ao contrário, parece reproduzir relações de trabalho precárias, em

condições de baixa produtividade. De resto, é de grande relevância para a

presente pesquisa, há que se levar em conta que novas ocupações do campo

brasileiro, muito especialmente no estado de São Paulo, já não têm mais relação

138

com a atividade agropecuária, mas são ocupações tipicamente urbanas.

No que se refere às transformações regionais da agricultura, chama a

atenção, no período em análise, o crescimento da participação das culturas mais

dinâmicas no Centro-oeste e no conjunto dos cerrados (Bahia e Minas Gerais,

inclusive), com sua crescente integração ao, modo moderno de produção

agrícola, embora fique evidente a concentração do valor da produção em culturas

dinâmicas também na região Sudeste. No caso da soja, por exemplo, a

participação do Centro-oeste no total da produção nacional é muito expressiva,

uma vez que a região concentra, atualmente, quase 40% do total. Entre 1974 e

1976, essa participação atingia menos de 4% do total.

As condições de produção de soja nas áreas de cerrado, com a maior

produtividade física e menor umidade, condicionaram o próprio deslocamento

não apenas da lavoura rumo à região, mas também a alocação da agroindústria

processadora, sobretudo dos grandes grupos nacionais. A década de 80 foi,

assim, singularmente importante para a região, que teve, nesse período, a

oportunidade de afirmar sua vocação agroindustrial. O deslocamento de 40% da

capacidade de produção de soja do país para as terras agriculturáveis de Goiás,

Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, foi acompanhado, com defasagem de alguns

anos, por grandes grupos voltados para a atuação no mercado de commodities,

os quais investiram na implantação de uma base de armazenamento, logo

seguida por inversões em atividades de esmagamento (Castro e Fonseca, 1995,

p. 84).

No início de 1992, a capacidade de esmagamento de soja para produção

de óleo bruto do país girava em torno de 100 mil toneladas/dia, com mais de 100

plantas industriais, a maioria em São Paulo (18), Paraná (32) e Rio Grande do

Sul (26). Já naquele ano, como resultado de investimentos feitos no final dos

anos 80 e início dos 90, a capacidade de esmagamento do Centro-oeste,

incluindo a parte dos cerrados de Minas Gerais e Bahia, alcançava cerca de 19,5

mil toneladas/dia, quase 20% do total nacional.

De fato, o complexo soja foi o único que passou por significativa

reestruturação produtiva, envolvendo exatamente esse deslocamento

progressivo da produção de matéria-prima e de plantas esmagadoras do Centro-

sul para a região Centro-oeste. O deslocamento em direção ao Centro-oeste tem

139

outras implicações, derivadas da própria inserção do “complexo soja" brasileiro

em termos internacionais. Como o desempenho exportador do complexo tem

sido menos dinâmico, exatamente nos segmentos de farelo e óleo em relação a

grãos, as grandes empresas nacionais do setor têm avançado nas estratégias de

integração da cadeia de soja e de carnes, enquanto as empresas multinacionais

têm concentrado suas atividades na cadeia grãos-óleos-derivados. Com isso,

tende também a avançar a integração com o segmento de carnes no próprio

Centro-oeste, sendo este mais um vetor de crescimento de sua agroindústria.

Ainda assim, é conveniente ter em vista que o complexo avícola está

basicamente concentrado no Sul, responsável por mais de 70% da produção

nacional e pela quase totalidade das exportações. A concentração da produção

nos estados do Sul, combinada com novos investimentos nos cerrados, deverá,

provavelmente, gerar uma divisão regional da produção nacional: os frigoríficos

do Sul especializando-se nas exportações e no abastecimento dos principais

centros consumidores do Centro-sul e a região dos cerrados orientando-se para

o mercado local e, eventualmente, para ns regiões Nordeste e Norte.

Para finalizar esse quadro da evolução regional recente da agropecuária e

da agroindústria associada, é importante avaliar o impacto do crescimento da

atividade sucro-alcooeira e da indústria de sucos concentrados de laranja em

São Paulo, uma vez que estas foram duas das atividades mais dinâmicas da

década de 80, tendo dado grande contribuição para a sustentação da renda

agrícola do estado.

O Proálcool teve grande parte de seu impacto centrado em São Paulo, não

só por ser o estado o principal mercado consumidor de combustíveis, mas

também pela competitividade de sua produção. Embora a fabricação de açúcar

não tenha tido o mesmo dinamismo, dado que as exportações passam a crescer

apenas nos anos 90, em virtude da forte elevação dos preços internacionais, o

estado preservou sua liderança em termos nacionais, respondendo por cerca de

45% da produção brasileira no início dos anos 90. Mesmo assim, esse processo

convive com relativa desconcentração produtiva tanto da produção de açúcar,

como de álcool, comparativamente aos anos iniciais da implantação do Proálcool.

Outro segmento com excelente desempenho na agricultura paulista foi o

cultivo de cítricos, estimulado, pela produção de suco concentrado de laranja,

140

que apresentou volumes crescentes de exportação durante a década de 80. A

produção brasileira está basicamente localizada em São Paulo, que detém 90%

da capacidade de esmagamento. Mas, até pela quase exclusividade paulista, a

tendência recente é de desconcentração, com a implantação de novos projetos,

sobretudo no Paraná.

Apesar do bom desempenho da agricultura paulista na década de 80 e

mesmo nos anos 90, o movimento agregado do conjunto da atividade tendeu a

reforçar a desconcentração espacial que já se verificava nas décadas anteriores,

mantendo-se, como já ocorria, elevada participação da renda agrícola do estado

no total nacional.

Cabe, ainda, uma última observação sobre o desempenho da

agropecuária brasileira e o sentido de sua crescente inserção internacional.

Ainda que os impactos maiores desse processo tenham-se concentrado no Sul,

Sudeste e Centro-oeste, ele, gradativamente, disseminou-se pelo país, levando,

inclusive, à modernização de parte da agricultura do Nordeste. Neste caso, deve-

se registrar a existência dos grandes projetos de irrigação na região, implantados

a partir dos anos 70, os quais vêm apresentando elevados índices de

crescimento, Os exemplos principais são o pólo de fruticultura do Vale do Açu

(RN), assentado na produção de frutas para exportação, e o complexo

agroindustrial de Petrolina/Juazeiro (PE/BA), apoiado em culturas de irrigação e

apresentando plantas industriais diversificadas, como, por exemplo,

processamento de alimentos, bens de capital, embalagens, fertilizantes,

equipamentos para irrigação e material de construção.

Em ambos os casos, a principal fonte de dinamismo é a agricultura, que

vem tornando-se cada vez mais capitalizada e tecnologicamente atualizada. Esse

dinamismo deve-se a dois fatores fundamentais: o papel desempenhado pelo

setor público, que vem garantindo de forma subsidiada não apenas os

investimentos em infra-estrutura básica, mas também a infra-estrutura de

irrigação; e o clima favorável da região, que permite maior número de safras por

ano.

As principais transformações espaciais da economia decorrentes dos

novos padrões de localização da atividade produtiva analisada (desconcentração

industrial, agro-industrialização, modernização da agricultura, expansão as

141

fronteira agrícola) geraram áreas de dinamismo econômico, com novas

espacialidades, que configuram as modificações mais elevadas verificadas no

processo de urbanização.

A desconcentração industrial acabou fortalecendo as cidades médias,

sobretudo na região Sudeste, em especial no estado de São Paulo, e contribuiu

para consolidar as aglomerações urbanas, cujas articulações e espacialidades

concretizam-se segundo especificidades locais.

Com efeito, a localização da indústria no interior de São Paulo tendeu a

favorecer municípios de porte médio, dotados de infra-estrutura, próximos à

malha viária, e mais distantes dos problemas crônicos das grandes cidades. Na

verdade, muitos desses municípios de São Paulo já vinham crescendo em ritmo

superior ao da área metropolitana. Esse fenômeno intensificou-se na década, em

razão do saldo migratório negativo da Capital, tendência que também se

manifestou em outras regiões do país.

O impacto do desempenho da agropecuária e da agroindústria associada,

principalmente da atividade sucro-alcooeira e da indústria de sucos

concentrados, contribuiu para o fortalecimento das cidades médias do interior do

estado de São Paulo, como Ribeirão Preto, Araraquara, São Carlos, dentre

outras.

Por outro lado, o desenvolvimento da agroindústria, ao aumentar a

participação de culturas mais dinâmicas no Centro-oeste e nos estados da Bahia,

Maranhão, Piauí e de Minas Gerais, engendrou, quase sempre, um reforço da

espacialização que já existia, com fortalecimento do papel polarizador e aumento

da abrangência da área de influência dos principais centros urbanos

preexistentes. Cidades como Barreiras (BA), Balsas (MA) e Floriano (PI),

insignificantes até então, sofreram importantes transformações.

Em Minas Gerais, na mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Parnaíba, vê

se o aumento da importância do papel de Uberlândia enquanto principal centro

urbano regional, estendendo-se sua área de influência a municípios do estado de

Goiás e do Mato Grosso. Na região Centro-oeste, é também o caso das

aglomerações de Brasília e de Goiânia, que em 1996 compreendiam mais da

metade da população urbana da região, exercendo funções de maior

centrabilidade na rede urbana. A polarização desses centros extrapola os limites

142

regionais, abarcando o noroeste mineiro, incorporado pela expansão da fronteira

agrícola, e mesmo o sudoeste baiano, onde a estrada Belém-Brasília contribuiu

para aumentar o fluxo nessa direção.

Como já mencionado, a expansão mais clara da modernização da

agricultura no Nordeste está na agricultura irrigada, principalmente a fruticultura,

destinada ao mercado nacional e internacional, cujo dinamismo contribuiu para

consolidar a aglomeração urbana de Petrolina e Juazeiro, e para fortalecer o

papel de centros urbanos como Mossoró, no Vale do Açu.

Os impactos da expansão da fronteira agrícola foram sentidos, sobretudo

na região Norte, cuja estrutura da rede urbana modifica-se com o surgimento de

novos municípios, ocorrendo redução do papel de Belém e Manaus em benefício

de uma redistribuição da função de centro regional entre outras cidades,

principalmente as capitais estaduais.

A essas transformações espaciais da economia, como já salientado, estão

articuladas transformações no processo de urbanização e na rede urbana do

Brasil, nas décadas de 80 e 90, as quais se tornam parte constitutiva das

determinações do processo de mudança econômica, realimentando-o.

Processo de Urbanização noutra visão

A trajetória de desconcentração econômica acima explicitada aumenta a

heterogeneidade econômica e social no desenvolvimento das regiões e cidades

brasileiras, com as seguintes características:

Crescimento populacional mais elevado das antigas periferias econômicas

nacionais, provocando a intensificação do fenômeno da transformação de

aglomerações urbanas;

Padrões relativamente baixos de crescimento das regiões metropolitanas,

sobretudo de suas sedes; e

Peso crescente do conjunto das cidades de porte médio.

Com exceção do Nordeste, onde o crescimento de algumas áreas

metropolitanas ainda e elevado e as capitais estaduais estão entre as cidades

143

com maior crescimento, pode-se dizer que as cidades de porte médio brasileiras

apresentam taxas médias de crescimento mais elevadas que as metropolitanas.

A maior gravidade da crise nas áreas metropolitanas condicionou de

maneira significativa o fenômeno migratório na década. Talvez o colapso do

estilo de crescimento rápido, que caracterizou a economia brasileira por várias

décadas, seja a marca mais importante desses anos. Como se sabe, a

permanente revolução da estrutura ocupacional, movida por esse crescimento,

sustentou uma mobilidade social vertiginosa. A reprodução desse processo, pela

geração reiterada de volumes elevados de novas ocupações urbanas, absorvia

contingentes expressivos de novos trabalhadores, muitos dos quais migrantes, e

amparava um processo de mobilidade estrutural que fazia d alógica da

incorporação o traço fundamental do funcionamento do mercado de trabalho

brasileiro.

Essa Iógica rompe-se na década de 80, quando se estabelece um período

de mobilidade travada. Em termos dos mercados de trabalho metropolitanos,

esse processo refletiu-se numa intensa terceirização da estrutura ocupacional,

que foi acompanhada pela deterioração dos indicadores disponíveis: queda dos

rendimentos reais; redução relativa do assalariamento da abertura dos vínculos

jurídico-institucionais de trabalho; e tendência à deterioração das relações de

trabalho. Os exemplos mais emblemáticos desses processos são as

aglomerações de São Paulo, onde o movimento da década significou a regressão

da base industrial, e do Rio de Janeiro, que apresenta situação ainda mais grave.

O bloqueio à mobilidade, decorrente da redução do crescimento

econômico, pode ter incentivado menor migração rumo às principais metrópoles

e, também, ter favorecido a migração de retorno. Muito provavelmente, a mi-

gração de curta distância ganhou peso maior, dentro de Padrões de mobilidade

mais intra-regionais do que inter-regionais.

Nesse sentido, o conjunto da rede urbana brasileiro passou a ter papel

mais significativo do que as grandes metrópoles, servindo de amortecedor

desses movimentos, fato que reforçou a característica relativamente desconcen-

trada do sistema urbano brasileiro, como já se enfatizou aqui.

Esse processo parece crescentemente influenciado pelas tendências de

desconcentração da atividade econômica. Os novos rumos da aglomeração

144

urbana de São Paulo sintetizam com clareza essa questão. A metrópole perde

importância em termos industriais e, paulatinamente, reduz o ritmo de seu

crescimento demográfico. Trajetória semelhante ocorre nas aglomerações de

Porto Alegre e Belo Horizonte (em menor grau), além do baixo crescimento do

Rio de Janeiro, de Recife e da Baixada Santista, cujos determinantes não se

restringem à desconcentração recente.

Em síntese, são estes os impactos mais significativos dos processos de

alteração na dimensão espacial do desenvolvimento em termos da urbanização e

da conformação da conformação urbana do Brasil:

Resguardadas as especificidades da região Norte, onde Belém perde

primazia, nas demais regiões do país estão ocorrendo mudanças no

formato das redes urbanas regionais, com peso crescente das

aglomerações urbanas metropolitanas e dos centros urbanos médios, e

com espraiamento do fenômeno de consolidação de aglomerações

urbanas não-metropolitanas;

No conjunto do país, as aglomerações urbanas metropolitanas continuam

concentrando população e apresentando peso crescente, distinguindo-se a

especificidade da região Sudeste, onde as antigas metrópoles - São Paulo,

Rio de Janeiro e Belo Horizonte –,em que pese o fato de continuarem

concentrando volumes expressivos de população, perdem peso para

algumas aglomerações urbanas, como Campinas e Vitória, e também para

os centros urbanos com mais de 100 mil habitantes

As doze aglomerações urbanas metropolitanas identificadas na pesquisa

reúnem 201 municípios e o Distrito Federal e exibem percentuais

crescentes do conjunto da população brasileira (32,3% do total da

população brasileira em 1980; 33,0% em 1991 e 33,6% em 1996),

atingindo 52,7 milhões de habitantes em 1996;

As 37 aglomerações urbanas não-metropolitanas, que reúnem 178

municípios, vêm aumentando de forma expressiva sua participação no total

da população do país (11,1% em 1980; 12,7%, em 1991; e 13,1% em

1996), abarcando, em 1996, um total de 20,6 milhões de habitantes;

145

Em conjunto, as aglomerações urbanas concentram, de acordo com os

dados da Contagem Populacional de 1996, 47% do total da população do

país, atingindo a cifra de 74,3 milhões de habitantes em 19%;

No período 1991-96, os 62 centros urbanos de mais de 100 mil habitantes,

localizados fora das aglomerações urbanas, aumentaram sua participação

no total da população nacional de 7,2% em 1980 para 8,5% em 1996,

abrigando um total de 13,3 milhões de habitantes;

No período 1991-96, as aglomerações urbanas, bem como os centros

urbanos de mais de 100 mil habitantes que não constituem aglomeração

urbana, apresentaram taxas de crescimento da população total acima da

média nacional;

Dentre essas categorias que apresentam taxas de crescimento acima da

média nacional (1,36%), destacam-se: as aglomerações de Brasília (3,7%),

Curitiba (3,4%), (Goiânia (3,3%) e, num outro patamar, Belém (2,4%),

Fortaleza e Campinas (2,3%); as aglomerações de Cabo Frio (4,6%),

Petrolina/Juazeiro (4,3%) e, num segundo patamar, Joinville (2,9%), São

Luís e So José do Rio Preto (2,8%), e Aracaju (2,7%); e os centros urbanos

de Macapá (5,8%), Rio Branco (4,3%), Barreiras (4,2%). Foz de Iguaçu

(4,0%), com taxas de crescimento três a quatro vezes maiores que a

nacional;

Em praticamente todas as regiões brasileiras, as pequenas cidades

apresentam saldos migratórios negativos, retratados pelo crescimento

abaixo da medi nacional, e muito próximo do crescimento vegetativo do

país.

Caracterização da Rede Urbana

Impactos Espaciais da Transformação na Estrutura Produtiva

O estudo da rede urbana do Brasil partiu da identificação dos processos

econômicos ocorridos no país nas duas últimas décadas, procurando-se

entender o impacto desses processos sobre a estruturação e a dinâmica das

redes urbanas e regionais e sobre as funções desempenhadas pelos seus

146

centros urbanos mais importantes. Pressupões-se que a complexidade da

estrutura produtiva brasileira privilegiou algumas regiões e/ou centros urbanos, a

partir dos quais foi comandado o processo de criação, apropriação e circulação

do valor excedente, com desdobramentos importantes sobre sua dinâmica

urbana.

No que diz respeito a dicotomia histórica entre cidade e campo, ou entre

atividades rurais e atividades urbanas, considerou-se que a partir dos anos 70, a

divisão territorial do trabalho vem passando por fortes alterações nas diversas

regiões brasileiras. Essas alterações, contudo, são ainda restritas a algumas

frações da economia e da sociedade, ocorrendo, sobretudo, nas áreas

economicamente mais dinâmicas do país e atingindo, principalmente, as grandes

aglomerações urbanas e os centros urbanos mais importantes.

O processo de desconcentração da economia, iniciado na década de 70,

reforçou a integração da rede urbana nacional e engendrou uma nova articulação

entre as estruturas espaciais que a compõem. Os novos processos de integração

produtiva e de articulação funcional entre regiões e/ou centros urbanos

conformaram a existência de dois movimentos distintos, porém complementares.

Por um lado, ampliaram-se e diversificaram-se as funções

desempenhadas pelos centros urbanos, tornando mais complexas suas

atividades. Por outro lado, ampliaram-se os requerimentos de articulação e

integração entre eles. Esses movimentos configuram-se, simultaneamente, como

reflexo da e como suporte à desconcentração das atividades econômicas e da

interiorização do desenvolvimento, como um padrão de urbanização restrito até

então aos maiores centros urbanos nacionais. Assim, não só ocorre um

crescimento populacional mais elevado nas antigas periferias econômicas

nacionais e nos centros urbanos médios, ocasionando o espraiamento da

urbanização, especialmente em direção ao oeste, fenômeno esse contraposto à

tendência anterior de localização da urbanização na faixa litorânea do território

nacional, mas também surgiram e ampliaram seu papel na rede de cidades do

país diversas aglomerações urbanas, tornando mais complexa a configuração da

rede urbana nacional.

A crise econômica dos anos 80 não se abateu homogeneamente sobre

todas as regiões brasileiras, além do que a desconcentração produtiva criou

147

espaços dinâmicos em pontos localizados do território nacional, reforçando as

tendências à heterogeneidade inter-regional, num contexto de convergência da

renda per capita. Esse processo vem intensificando-se pela forma como o país

se insere no mundo globalizado, uma vez que essa inserção vem ocorrendo pela

integração de alguns setores de atividade e de localidades específicas, o que tem

contribuído para reforçar as desigualdades regionais e romper os nexos eco-

nômicos de complementaridade - que foram fundamentais no padrão de

crescimento das últimas décadas -, colocando riscos de maior fragmentação da

estrutura produtiva, com forte impacto sobre o desenvolvimento regional. Essa

inserção subordinada no mercado global, num contexto de crise do Estado

nacional, e de inexistência de políticas industriais e regionais estrutrurantes, pode

levar a um novo ciclo de reconcentração das atividades econômicas, ou de

especialização de espaços determinados, segundo fatores e vantagens já

construídos, ali presentes, conforme proposto por Pacheco (1996),

Por outro lado, as áreas rurais também têm mudado de feição, com o

surgimento; ou a ampliação, em regiões mais dinâmicas, especialmente no caso

de São Paulo e alguns estados do Sul e do Sudeste, de um conjunto de

atividades e ocupações não agrícolas, como pesqueiros, hotéis-fazenda, parques

aquáticos e temáticos, sítios de recreio etc. Isso coloca os espaços rurais em

outro patamar de articulação com os centros urbanos, em que o rural não mais

pode ser visto simplesmente como fornecedor de produtos primários para os

centros urbanos (Silva, 1999; Santos, 1996).

Encontra-se, assim, mesmo em pequenos núcleos urbanos, bem como no

meio rural, uma parcela da população residente totalmente integrada, através dos

circuitos de produção, de comunicações e transportes, ao mais avançado padrão

de consumo oferecido pelos grandes centros, ao mesmo tempo em que nos

grandes e médios centros, existem significativos contingentes populacionais

marginalizados do processo de modernização e geração de renda. Verifica-se,

dessa forma, uma expressão nova do atual ciclo da acumulação, que produz uma

face moderna e de alta renda e complexidade, e outra de características opostas.

Vale ainda mencionar a formação de espacialidades novas em todas as

regiões brasileiras, especialmente na região Nordeste, associadas ao

crescimento do setor de turismo, com localização principal no litoral. As novas

148

atividades proporcionadas pela expansão do turismo naquela região têm

substituído, ou proporcionando alternativas, antigas especializações econômicas,

o que se verifica, sobretudo no litoral sul da Bahia. Em vista dos requisitos de

urbanização exigidos pelas novas atividades, as cidades envolvidas com o

turismo tendem a apresentar altas taxas de crescimento, contribuindo para o

adensamento da rede urbana regional.

Além disso, a integração econômica ao Mercado Comum do Sul

(Mercosul), com a conseqüente intensificação das relações comerciais do Brasil

com países vizinhos, tem ampliado o papel de algumas cidades da fronteira, as

quais têm passado por forte crescimento urbano. Hoje, algumas delas já se

encontram conturbadas com cidades de países vizinhos, gerando aglomerações

urbanas de caráter internacional.

Embora bem distantes da configuração verificada na estrutura da rede

urbana do Sudeste e do Sul, pode-se afirmar que, em todas as regiões do país,

existem evidências de que as transformações econômicas recentes levaram a

rede urbana brasileira a perder lentamente sua forma essencial concentrada no

litoral.

No caso do Centro-oeste, a atual ocupação ainda mantém a estrutura

desigual da antiga ocupação, apesar da desconcentração econômica ocorrida,

com vastas extensões territoriais ainda não integradas ao processo de

desenvolvimento econômico, ao mesmo tempo que expressivos contingentes

populacionais continuam mantidos à margem do novo padrão de urbanização.

Refletem-se, portanto, na atual estrutura da rede urbana brasileira as

especificidades e diferenças de renda e produtividade características das regiões

e dos processos de desenvolvimento que caracteriza historicamente a sociedade

brasileira. Verifica-se uma rede urbana ainda desarticulada, tanto inter como

intra-regionalmente, encabeçada por um número significativo de aglomerações e

centros urbanos, dotados de equipamentos, infra-estruturas e serviços modernos

e complexos, porém com periferias extremamente pobres. Isso sem falar nas

áreas de concentração de pobreza, que vêm marcando o perfil de crescimento

especialmente das metrópoles nacionais, ao mesmo tempo em que nelas se

concentram agentes e atividades e atividades de alta qualificação, realçando,

assim, o grave desequilíbrio do processo de urbanização da sociedade brasileira.

149

A Rede Urbana do Brasil

A classificação da rede urbana do Brasil apresentada aqui foi desenvolvida

com base num conjunto de critérios e procedimentos articulados

fundamentalmente aos seguintes aspectos:

Tipologia de tamanho dos centros urbanos;

Tipologia ocupacional e dependência funcional dos centros urbanos;

Tipologia da forma urbana assumida pelos centros urbanos que constituem

aglomerações urbanas.

A utilização dos critérios definidos e dos indicadores selecionados para a

abordagem desses aspectos foi realizada em quatro etapas. Na primeira, os

critérios e indicadores foram utilizados para o desenvolvimento dos

procedimentos de classificação dos centros urbanos adotados no âmbito dos

Estudos regionais.

O passo seguinte foi a composição do Quadro de Classificação da Rede

do Brasil. Essa composição tomou por base a classificação dos centros urbanos

nas grandes regiões geográficas, bem como os resultados derivados do

aprofundamento dos estudos analíticos elaborados para o conjunto da rede

urbana do país. Além disso, foram incorporados novos critérios de discriminação

da posição hierárquica ocupada pelos centros urbanos na rede urbana nacional.

Na terceira etapa do trabalho, desenvolveu-se estudo que envolveu a

caracterização e a análise da dinâmica espacial da rede urbana nacional,

produzindo-se elementos sobre a conformação de estruturas urbanas que, com

base no fluxo de pessoas, mercadorias e informações, se articulam em sistemas

urbano-regionais, encabeçados pelas metrópoles e centros regionais

componentes da rede urbana do Brasil.

Os critérios e indicadores utilizados na classificação da rede urbana do

Brasil, nas diversas etapas do trabalho, estão apresentados a seguir:

Posição dos centros urbanos no Regie;

150

Porcentagem da PEA urbana;

Total da população em 1980, 1991 e 1996;

Taxa de crescimento da população no período 1991-96;

Porcentagem de acréscimo da população nos períodos 1980-91 e 1991-96;

Densidade demográfica dos centros urbanos em 1996; e

Analise de agrupamento dos centros urbanos das regiões brasileiras.

Fase II: Quadro de classificação da rede urbana do Brasil, incluindo os

seguintes critérios:

Posição dos centros das sedes das 500 maiores empresas do Brasil;

Localização de passageiros domésticos e internacionais, e volume de

carga dos aeroportos domésticos e internacionais de rede infraero;

Localização das agências bancárias e valor total dos depósitos bancários;

Taxa de urbanização de 1996;

Taxa de crescimento populacional do período 1991-96;

Densidade populacional do período 1991-96;

PEA urbana; e

Estrutura ocupacional.

Fase III: Estrutura urbana e sistema urbano-regional, incluindo:

Identificação dos espaços territoriais submetidos à influência dos centros

urbanos, segundo a classificação do IBGE;

Identificação dos sistemas urbano-regionais definidos com base em

critérios de contigüidade espacial e dependência funcional; e

Diferenciação das estruturas urbanas, segundo as seguintes

características espaciais: ritmo da urbanização; nível de adensamento da

rede de cidades; grau de complementaridade entre núcleos urbanos

componentes.

Fase IV: Tipologia da forma urbana, incluindo os seguintes critérios:

Identificação da presença de processo de conturbação entre centros

urbanos;

Identificação de espaços urbanos descontínuos com presença de centro

urbanos com articulação econômica e urbana;

Porte populacional dos centros urbanos em 1991 e 1996;

Densidade populacional de 1991;

151

Taxa de crescimento do núcleo nos períodos 1980-91 e 1991-96;

Taxa de crescimento da periferia nos períodos 1980-91 e 1991-96; e

Indicadores de peculiaridades regionais indicativas de articulação entre

centros urbanos.

A aplicação desses critérios permitiu a montagem dos quadros de

composição das aglomerações urbanas, que estão integrados nos Anexos ao

final deste trabalho. Esses quadros estão acompanhados de cartogramas

ilustrativos de tal composição.

Classificação da Rede Urbana

A seguir, apresentam-se os resultados da aplicação desse conjunto de

critérios e indicadores utilizados nos estudos, nas suas diversas fases.

A rede urbana do Brasil é composta de seis categorias espaciais, a saber:

Metrópoles globais, nacionais e regionais. Estes três estratos superiores da

rede são constituídos por treze centros urbanos, que, à exceção de

Manaus, estão localizados em aglomerações urbanas. A maioria deles se

desenvolveu a partir de um núcleo, uma capital de estado (exceto

Campinas).

Para esses estratos da rede urbana, identificaram-se, ainda, a ocorrência

de complementaridade funcional entre os centros e as periferias,

exercendo tais centros fortes funções polarizadoras. Além disso, as

aglomerações articulam-se espacialmente, sempre com algum grau de

contigüidade, muitas vezes ao longo de eixos viários.

Centros regionais. Este estrato intermediário da rede urbana abrange 16

centros urbanos, dos quais 13 são centros de aglomerações urbanas não-

metropolitanas e três não constituem aglomerações urbanas. Algumas

aglomerações urbanas são constituídas por centros que, em alguns casos,

dividem as funções polarizadoras com subcentros da própria aglomeração.

A maioria das aglomerações urbanas nucleadas por centros regionais

152

possui contigüidade espacial, formando um conjunto de cidades

articuladas.

Centros sub-regionais 1 e 2. Estes dois estratos da rede somam 82 centros

urbanos; os centros sub-regionais 1 representam 31 centros e os centros

sub-regionais 2, 51 centros. Estes centros sub-regionais polarizam apenas

os municípios de seu entorno, desempenhando o papel de centros locais.

Em especial nas regiões mais dinâmicas economicamente e com maior

número de centros urbanos, as relações socioeconômicas de subordinação, ou

de complementaridade, podem ocorrer segundo vários vetores, fazendo com que

as articulações funcionais não se resumam ás relações núcleo principal/periferia,

mas também ocorram entre centros de aglomerações distintas. O exemplo mais

evidente dessa situação é a relação da metrópole de São Paulo com as demais

metrópoles nacionais, bem como com centros urbanos situados num raio de 150

km de distância.

Com efeito, cada centro urbano participa de diferentes processos de

articulação ou redes, nacionais e mesmo internacionais, segundo os múltiplos

papeis que possuem. Esse fato faz com que a leitura e a análise dos processos

espaciais urbanos, presentes em cada região, devam ser realizadas de forma

cautelosa, considerando os fatores socioeconômicos que os estruturam.

Por outro lado, é importante ressaltar que a classificação da rede urbana

do Brasil, definida neste trabalho, não inclui os centros urbanos com menos de

100 mil habitantes, os quais, de todo modo, foram considerados nas análises dos

Estudos regionais.

Na classificação da rede urbana do Brasil, o conjunto das aglomerações

urbanas metropolitanas e não-metropolitanas (e os principais centros urbanos

brasileiros que não constituem aglomerações urbanas) compreende 111 centros

urbanos e 440 municípios e o Distrito Federal, e reúne mais da metade da

população brasileira (56%, de acordo com os dados da Contagem de 1996).

As duas metrópoles globais, Rio de Janeiro e São Paulo, abrangem

17,3% da população total do país, distribuída por sessenta municípios. Nas sete

metrópoles nacionais, residem 13% do total da população brasileira, em 113

municípios e o Distrito Federal. As quatro metrópoles regionais abrigam 4,7% da

153

população total do país em 28 municípios. Os dezesseis centros regionais

abarcam 7,7% da população total em 72 municípios. Nos 31 centros sub-

regionais 1, residem 7,2% da população brasileira em 85 municípios e,

finalmente, 5,7% do total da população reside nos 51 centros sub-regionais 2, em

82 municípios.

A distribuição espacial dos 111 principais centros urbanos brasileiros

mostra que existe uma concentração em duas das cinco grandes regiões

brasileiras (Sudeste, 39,6%; e Nordeste 23,4%). No Sul, estão concentrados

18,9% dos centros urbanos brasileiros; no Nordeste, 10,8%; e no Centro-oeste,

7,2%.

Boa parte das aglomerações urbanas situa-se no entorno da metrópole

paulista e ao longo de dois eixos viários principais, a partir da capital: o eixo

formado pelas rodovias Carvalho Pinto/Presidente Dutra, que liga São Paulo ao

vale do Paraíba e ao Rio de Janeiro, e o eixo Anhangüera/Bandeirantes, em

direção à Campinas, indo até Ribeirão Preto. A distribuição dos centros urbanos

segundo as macrorregiões é a seguinte: na macrorregião Sudeste, encontram-se

as metrópoles globais São Paulo e Rio de Janeiro. As sete metrópoles nacionais

estão assim distribuídas: duas na região Sul (Curitiba e Porto Alegre), uma na

região Sudeste (Belo Horizonte), três na região Nordeste (Fortaleza, Recife e

Salvador) e uma na região Centro-oeste (Brasília). As quatro metrópoles

regionais têm a seguinte distribuição: uma na região Sudeste (Campinas), uma

na região Cetro-oeste (Goiânia) e duas na região Norte (Manaus e Belém).

Os dezesseis centros regionais distribuem-se da seguinte forma: dois no

Norte (Rio Branco e Porto Velho), dois no Sul (Londrina e Florianópolis), dois no

Centro-oeste (Campo Grande e Cuiabá), quatro no Sudeste (Vitória, Ribeirão

Preto, São José dos Campos e Santos) e, finalmente, seis no Nordeste (Aracaju,

João Pessoa, Teresina, Maceió, Natal e São Luís).

Os demais centros sub-regionais (82) têm a seguinte distribuição: oito no

Norte, 17 no Nordeste, 36 no Sudeste, 17 no Sul e 4 no Centro-oeste.

Para substituir a classificação da rede urbana do Brasil, foram procedidas

análises estatísticas de correlação e discriminação de um conjunto de 17

indicadores. Para as aglomerações urbanas, trabalharam-se os dados agregados

do conjunto dos municípios considerados pela pesquisa como pertencentes a

154

essa espacialidade.

Para tanto, selecionou-se uma primeira cesta com 13 indicadores básicos

para os 111 centros urbanos, incluindo: população total de 1996; porcentagem da

PEA em atividades urbanas de 1991; renda média financeira; taxa de

crescimento populacional do período de 1991-96; porcentagem da população em

idade ativa ocupada na indústria de transformação, da construção civil, em

serviços de utilidade pública, bancos, serviços técnicos profissionais, serviços

públicos federais, estaduais e municipais, e em estabelecimentos de saúde e

ensino; índice de infra-estrutura urbana; e índice de consumo de bens. Na

seqüência, foi selecionada uma segunda cesta com quatro indicadores, somente

para 23 dos principais centros que compõem a rede urbana do Brasil,

abrangendo: número de empresas e valor do patrimônio das 500 maiores

empresas do país e movimentação de passageiros e cargas dos aeroportos.

No processo de classificação dos centros urbanos nas seis categorias que

compõem a rede urbana do Brasil, além dos indicadores quantitativos, também

foram consideradas as análises quantitativas realizadas regionalmente. Ao se

considerar quantitativos na análise discriminante, surgiram situações de centros

urbanos que deveriam estar classificados em categorias distintas daquela

proposta pelo estudo. Contudo, a inclusão (ou exclusão) de um centro urbano em

uma dada categoria da rede urbana passou também pelo crivo qualitativo, o qual

contribuiu para definir a classificação da rede urbana do Brasil apresentada neste

trabalho.

Aglomerações Urbanas

Nesta pesquisa foram identificadas 49 aglomerações urbanas, distribuídas

em doze aglomerações em nível metropolitano, doze centros regionais, quinze

centros sub-regionais de nível 1 e os demais centros sub-regionais de nível 2.

Essas 49 aglomerações urbanas abrigaram um total de 73.380.310

habitantes, concentrado 60,39% da população urbana e 47,32% da população

total do país. As aglomerações em nível metropolitano concentram 53.891.546

habitantes, correspondendo a 43,78% da população urbana e a 34,31% da

população total do país. No caso das metrópoles globais, São Paulo e Rio de

155

Janeiro, essa concentração é de 22,10% e 17,32% para a população urbana e

total do país, respectivamente. Esses índices traduzem o peso do processo de

metropolização que as aglomerações urbanas adquiriram no cenário nacional.

A análise da dimensão do núcleo e da periferia da aglomeração permite

identificar de quatro tipos:

Aglomerações urbanas cuja população do núcleo é superior à da periferia.

É o caso das aglomerações (31);

Aglomerações cuja população do núcleo é aproximadamente a da periferia

(oito);

Aglomerações cuja população da periferia é superior à do núcleo (seis);

Aglomerações constituídas por dois ou mais núcleos, porém sem periferia

(quatro);

A distribuição territorial desse conjunto de aglomerações está intimamente

relacionada ao processo de ocupação territorial do país, adensando-se no

Centro-sul e no Nordeste. Tal distribuição, de maneira geral, acompanha a faixa

litorânea, apresenta maior interiorização no Centro-sul e torna-se menos

compacta à medida que se avança para o Oeste do país, deixando de existir a

partir do mediterrâneo que corta a aglomeração de Cuiabá.

A análise do quadro evolutivo de aglomerações urbanas no país está

limitada à existência de estudos para a sua identificação. Esses estudos foram

iniciados na década de 60, contemplando apenas o nível metropolitano. Dessa

forma, constata-se, para essa categoria, que o grande salto no processo de

evolução metropolitana deu-se no período 1960-80, pois na década seguinte o

número de aglomerações nessa categoria passou de treze para doze, o que deve

ser atribuído não a uma perda de status metropolitano, por parte de uma das

metrópoles consideradas nos estudos realizados em meados da década de 70,

mas a diferentes processos classificatórios utilizados na identificação dessa

categoria nas décadas de 70 e 90.

O estudo sobre a evolução da formação de aglomerações urbanas em

nível não-metropolitano baseia-se em trabalhos realizados nas décadas de 70 e

90. Para este período, houve maior intensidade do processo nas regiões Sul e

156

Sudeste. Na região Nordeste, esse processo dá-se de forma menos acentuada; e

na região Centro-oeste, registra-se apenas a formação da aglomeração de

Cuiabá (identificada em estudos parciais realizados em fins da década 70), como

parte do processo de densificação da ocupação territorial rumo a oeste do país.

O ainda incipiente processo de urbanização da região Norte não ensejou a

formação de aglomeração de aglomerações desse nível.

A intensificação no processo de formação de aglomerações urbanas,

mesmo nas áreas de ocupação mais antiga no país, está estreitamente ligada ao

dinamismo econômico. Assim, São Paulo, como a metrópole mais dinâmica do

país, ensejou o aparecimento de um grande número de aglomerações na área do

seu entorno, ao longo de dois eixos rodoviários principais, constituídos pelas

rodoviárias, Carvalho Pinto/Presidente Dutra, rumo ao Vale do Paraíba e ao Rio

de Janeiro, e pelas rodovias Anhangüera/Bandeirantes, em direção a Campinas

e Ribeirão Preto. Em menor escala, o mesmo processo ocorreu no Rio de

Janeiro, nos eixos rodoviários rumo à região dos Lagos, em direção a São Paulo

e, também, a Santos.

Dinâmica Espacial dos Sistemas Urbano-regionais do Brasil

O processo de urbanização no Brasil

As cidades no Brasil desempenharam historicamente funções importantes

no processo de ocupação do território, servindo como sítios de suporte ao

povoamento, centros de controle político e de armazenamento da produção

agroextrativa, núcleos de conexão com os circuitos mercantis, pólos de

crescimento industrial e nós das redes financeira e informacional. Desde o século

XVI até os dias atuais, podem-se distinguir diversas formações territoriais, que

expressam as distintas relações entre cidade e campo e das cidades entre si no

processo de desenvolvimento brasileiro. Tais transformações podem ser

esquematicamente divididas em:

Formação territorial escravista atlântica. Estendia-se, groso modo, no

Continente americano do sul dos Estados Unidos até os limites da então

157

capitania de São Paulo e compreendia também as áreas de captura e

comercialização de escravos no Continente africano.

A lógica de funcionamento do comércio triangular atlântico já foi

longamente descrita em vários textos clássicos, cabendo explicitar um

pouco mais o papel desempenhado pelas relações entre cidade e campo

em uma economia submetida ao monopólio mercantil e ao controle

metropolitano, durante a fase colonial, ou de estruturas de poder

oligárquico e latifundiárias, durante o período de formação dos Estados

nacionais.

No caso do Brasil, essas duas fases são evidentes, correspondendo ao

período Colonial (de 1500-31 até 1808-22) e ao do Império nacional (1808-

22 até 1870-89). Na primeira fase, cidade e campo eram verso e reverso

do estabelecimento mercantil e, na verdade, não havia separação explícita

de funções entre duas áreas, as quais desempenhavam atividades que

operacionalizavam o funcionamento da exploração agrária ou mineradora

colonial. Na fase de formação e consolidação dos Estados nacionais, que

no caso brasileiro corresponde ao Império escravista-mercantil, as cidades

começaram a adquirir funções urbanas, dentre as quais se destaca a

capacidade de acumulação do capital mercantil, o que lhes confere

capacidade financeira, até certo ponto endógena, para alimentar o

processo de expansão da produção no campo. O exemplo das casas

comissárias no Rio de Janeiro é bem ilustrativo desse aspecto.

Entretanto, a base escravista do processo produtivo limitava, por dentro, as

possibilidades de expansão e acumulação ampliada na economia nacional,

limitando sua organização espacial à bacias urbanas comandadas pelos

princípios portos litorâneos, conformando o célebre arquipélago mercantil,

já descrito e analisado por vários autores.

Formação territorial agromercantil nacional. Compreende o período entre

1870-89 e 1930-45, em que as condições de controle do processo de

acumulação consolidam-se no território nacional, com o campo

constituindo-se na principal fonte de riqueza e a cidade seu lócus de

comercialização, seja para o mercado mundial, seja para o mercado

doméstico, que começa a expandir-se. O trabalho assalariado era

158

dominante nas áreas produtoras de complexo cafeeiro paulista, enquanto

no Nordeste predominavam relações de parceria e, no Sul, o trabalho

familiar, nas pequenas propriedades. Os interesses urbanos estavam,

predominantemente, representados pelos comerciantes e funcionários do

Estado.

Formação territorial urbano industrial nacional. Consolida-se a partir da

década de 30 e caracteriza-se pelo processo de industrialização que passa

a determinar a lógica da acumulação endógena. Na consolidação dessa

formação, podem-se distinguir três frases:

a) Fase da industrialização restringida (1930-45 a 1956-60), quando a lógica

da acumulação ainda dependia visceralmente da capacidade de exportar

bens agrícolas, em conseqüência da importação de bens de produção

mundial;

b) Fase da industrialização pesada (1956-60 a 1975-79). O Plano de Metas e

a industrialização pesada, comandada pelo Estado, que se estende até II

Plano de Desenvolvimento, foram responsáveis por expressiva aceleração

no ritmo de crescimento do mercado doméstico, que se expressa em novas

relações cidade/campo, iniciando o processo de constituição da rede

urbana integrada em nível nacional. Essa rede era a expressão do

dinamismo do mercado doméstico, que deu sustentação ao processo de

industrialização;

c) Fase de internacionalização financeira (1975-79 a 1991-96), caracterizada

por crise e esgotamento fiscal e financeiro do Estado nacional, cuja

capacidade de comandar o processo de industrialização foi seriamente

comprometida pelo endividamento interno e externo. A lógica do

investimento passou a ser diretamente comandada por empresas

transnacionais e pela presença do capital privado a elas associado. O

período caracteriza-se pela redução do ritmo de crescimento das grandes

metrópoles (São Paulo e Rio de Janeiro) e pela emergência de novos

centros dinâmicos fora do eixo consolidado (Fortaleza, Manaus, Brasília-

Goiânia, dentre outras). A partir de 1991-96, a orientação do processo de

industrialização passa a responder à dinâmica de uma estrutura de

159

mercado que não está mais restrita às dimensões do território nacional,

mas orienta-se para a consolidação de cadeias produtivas transfronteiras,

principalmente no Cone Sul da América, destinadas a ocupar o mercado

sul-americano e a competir e escala mundial. Nesse sentido, embora

prematuramente, seria possível definir a emergência de uma nova

formação territorial, cuja delimitação sugere dimensões transfronteiras e

cujo ritmo de acumulação está determinado pela capacidade de conquistar

fundos privados, seja no mercado doméstico, seja no mundial, viabilizada,

em grande parte, pelas políticas cambiais e monetárias do Estado-nação,

que passa a cooperar e/ou a competir com outros Estados nações pela

captura desses fundos privados. A titulo provisório, pode-se denominá-la

de “formação territorial urbano financeira supranacional”.

No estudo da História colonial brasileira e o processo de urbanização em

suas diversas fases, mostra que, no período colonial e durante o Império

escravista, as cidades, distribuíam-se na franja costeira, com adensamentos em

áreas selecionadas como o Saliente Nordeste e os Recôncavos das Baias de

Todos os Santos e da Guanabara, e em estuários e baixadas costeiras, como é o

exemplo da Santista. A mineração de metais e pedras preciosas foi responsável

pela interiorização do fato urbano nas Minas Gerais e Goiás, e a extração das

drogas do sertão pelo esporádico assentamento urbano na Bacia Amazônica e

no Golfo Maranhense. O Vale do Paraíba fluminense respondeu pela principal

atividade econômica do Império – a plantation escravista de café – e a

geopolítica foi responsável pelos avanços na fronteira meridional e na Bacia do

Prata, levando o assentamento urbano ao interior do estado de Mato Grosso, ao

longo da bacia do rio Paraguai.

É possível visualizar a avanço do complexo cafeeiro paulista como o

principal motor do processo de interiorização do crescimento urbano, que avança

pelo Planalto Paulista ao longo do traçado das ferrovias que abriram terras e

escoavam o café para o Porto de Santos. A conformação do leque de cidades a

partir da cidade da São Paulo guarda fortes semelhanças com o desenho da

bacia urbana que se conformou no Pampa Úmido, a partir de Buenos Aires, e

demonstra o dinamismo que possuem essas formações territoriais durante o

160

período agrário-mercantil com trabalho assalariado alimentado pela imigração.

Nesse mesmo estudo da História do Brasil, podem-se ver os impactos da

industrialização nacional sobre a configuração da rede urbana brasileira. Verifica-

se que o grande adensamento urbano deu-se entre as décadas de 30 e 60,

período que pode ser descrito como de avanço das frentes pioneiras e da

“Marcha para Oeste”, que formou grande arco entre o norte do Paraná e a porção

central de Goiás. Os centros urbanos implantados no período 1960-80 estão

bastante marcados pelo viés político e refletem, em grande parte, os

desmembramentos com vistas a aumentar as costas no Fundo de Participação

dos Municípios (FMP), o que é particularmente significativo no Sertão nordestino,

embora já sejam visíveis os novos assentamentos ao longo dos grandes eixos

que avançavam na Amazônia, em que pese a conformação de um padrão de

ocupação completamente diferente do que prevaleceu no final do século passado

em São Paulo, pois a densidade demográfica da Amazônia é muito menor devido

à alta “tecnificação” da agropecuária.

Por final, no período de 1980-93, consolidam-se novas áreas de

semeadura urbana nos estado de Rondônia, Mato Grosso e Tocantins, em um

arco de grandes dimensões e muito espaçado entre os principais adensamentos

urbanos, conformando um padrão de ocupação completamente distinto das

frentes pioneiras dos anos 30, quando o processo de criação de cidades dava-se

de modo muito mais adensado devido a importância que assumia o povoamento

rural.

Cumpre ressaltar, ainda, a importância do arco urbano que acompanha a

fronteira meridional, desde o Rio Grande do Sul até o Mato Grosso do Sul. Este

expressivo adensamento urbano ao longo da fronteira reflete antigas

preocupações geopolíticas e novas tendências geoeconômicas em virtude da

integração econômica no Cone Sul da Amazônia.

Os Sistemas Urbano-regionais

Os cartogramas e análises apresentados pela História, possibilitam uma

primeira aproximação aos sistemas urbano-regionais presentes na rede urbana

161

brasileira, vistos como circuitos dessa rede que possuem características

estruturais e dinâmicas próprias e diferenciadas entre si.

A caracterização e a análise da dinâmica espacial da rede urbana nacional

são os objetivos principais deste texto, uma vez que há mais de quinze anos não

se realizaram trabalhos dessa natureza. Nesse período, o processo de

urbanização no Brasil não apenas manteve-se acelerado, mas, principalmente,

passou a apresentar diversidade e heterogeneidade de situações que é singular

nos países em desenvolvimento. Tal diversidade obriga a realizar novos

procedimentos metodológicos que compreendem o mosaico de tempos e

espaços presentes neste final de século no território nacional. Para tratar dessa

situação complexa, foram utilizadas as seguintes categorias analíticas

fundamentais:

Regiões de influencia de cidades: porções do espaço submetidas à

influência de centros urbanos, cujos fluxos de pessoas, mercadorias e

informações permitem a conformação de estruturas territoriais

relativamente estáveis no decorrer do tempo. Segundo a classificação

adotada pelo IBGE, podem ser identificadas segundo as grandes regiões

adotadas pelo Instituto, a saber:

a) Região Norte (2): Manaus e Belém;

b) Região Nordeste (9): São Luís, Teresina, Fortaleza, João Pessoa,

Campina Grande, Recife, Caruaru, Salvador e Feira de Santana;

c) Região Sudeste (12): Belo Horizonte, Juiz de Fora, Uberlândia,

Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas, Bauru, Ribeirão Preto,

Mariana, São José do Rio Preto e Presidente Prudente;

d) Região Sul (8): Curitiba, Londrina, Maringá, Florianópolis, Porto

Alegre, Santa Maria, Pelotas e Passo Fundo;

e) Região Centro-oeste (2): Brasília e Goiânia.

Sistemas urbanos regionais: definidos com base na agregação das

regiões de influência das cidades, que foram grupadas segundo os critérios

de contigüidade espacial e de dependência funcional. Compreendem

162

sistemas territoriais organizados a partir de metrópoles (globais, nacionais

ou regionais) e centros regionais, que possuem encadeamento funcional

entre os diversos níveis de influência, seja recíproco, isto é, entre cidades

do mesmo nível, seja hierárquico, dos níveis superiores de polarização

para os inferiores. Foram identificados doze sistemas urbano-regionais no

Brasil, nomeados a partir das cidades que o encabeçam ou, quando esta

ainda não está claramente definida, a partir do território polarizado pelo

sistema. As regiões de influência das cidades que compõem tais sistemas

urbanos são as seguintes:

a) Cuiabá (1): área de influência de Cuiabá;

b) Norte (2): Belém e Manaus;

c) Meio Norte (2): São Luís e Teresina;

d) Fortaleza (1): Fortaleza;

e) Recife (4): Recife, João Pessoa, Campina Grande e

Caruaru;

f) Salvador (2): Salvador e Feira de Santana;

g) Belo Horizonte (1): Belo Horizonte;

h) Rio de Janeiro (3) Rio de Janeiro, Juiz de Fora e

Vitória;

i) São Paulo (8): São Paulo, Campinas, Bauru, Ribeirão

Preto. Marília, São José do Rio Preto, Presidente

Prudente e Uberlândia;

j) Curitiba (4): Curitiba, Londrina, Maringá e

Florianópolis;

k) Porto Alegre (4): Porto Alegre, Santa Maria, Pelotas e

Passo Fundo;

l) Brasília-Goiânia (2): Brasília e Goiânia.

São necessários, antes, alguns esclarecimentos sobre a nomenclatura

utilizada para os sistemas urbano-regionais. Como padrão, adotou-se o nome da

metrópole que encabeça o sistema. As exceções ocorreram em áreas onde a

hierarquia não esta definida claramente como no Norte (Belém e Manaus) e Meio

163

Norte (São Luís e Teresina), ou onde dois núcleos urbanos importantes,

relativamente próximos, excedem funções complementares e não devem ser

tratados separadamente, como é o caso de Brasília e Goiânia, onde existe uma

relação peculiar entre a massa populacional (Brasília e seu entorno) e a potência

de polarização (Goiânia). Essa particular forma espacial foi denominada de

Complexo Territorial de Brasília-Goiânia.

Estruturas urbanas: foram a armadura da rede urbana brasileira e refletem

os distintos tempos presentes no processo de urbanização nacional, isto é,

suas dinâmicas diferenciadas. A estrutura urbana não constitui uma região,

ou qualquer outra dimensão territorial em si, mas procura expressar a

coexistência de tempos diferenciados em um mesmo espaço territorial

integrado. As estruturas urbanas diferenciam se segundo três

características espaciais básicas:

O ritmo da urbanização;

O nível de adensamento da rede de cidades;

O grau de complementaridade entre centros urbanos que a compõem.

Outro aspecto fundamental que ajuda a diferenciar essas estruturas

urbanas são os níveis de desenvolvimento humano atingido pelos

habitantes das cidades que integram expressos nos indicadores de renda,

alfabetização e aceso aos serviços urbanos básicos.

Nesse sentido, foram definidas três grandes estruturas urbanas articuladas

e diferenciadas: o Centro-sul; o Nordeste e o Centro-norte; compostas pelos

seguintes sistemas urbanos:

a) Centro-sul (5): Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Rio de

Janeiro e Belo Horizonte;

b) Nordeste (4): Salvador, Recife, Fortaleza e Meio Norte;

c) Centro-norte (3): Norte, Cuiabá e Brasília-Goiânia.

Rede urbana nacional. Compreende o conjunto das cidades que polarizam

o território nacional e os fluxos de bens, pessoas e serviços que se

164

estabelecem entre elas e com as respectivas áreas rurais. Em uma visão

simplificada, é formada por centros urbanos de dimensões variadas, que

estabelecem relações dinâmicas entre si, como campos de forças de

diferentes magnitudes que interagem no decorrer do tempo. São essas

interações que respondem não apenas pela atual conformação espacial da

rede, mas também por sua evolução futura, cuja compreensão é

fundamental para o estabelecimento de metas de políticas públicas de

desenvolvimento.

A rede urbana nacional e suas estruturas urbanas

Em uma breve descrição, podemos analisar a configuração atual e as

perspectivas dinâmicas da rede de cidades no Brasil a partir das três estruturas

urbanas que a constituem.

O Centro-sul compreende os sistemas urbano-regionais de São Paulo, Rio

de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre, os quais se caracterizam pela

concentração de sua população em cidades, com elevados índices de urbani-

zação e de metropolização. A densa rede de cidades que recobre seu território é

responsável pela projeção de sua influência em nível nacional e supranacional,

avançando no processo de integração sul-americana.

O Centro-sul corresponde ao cinturão urbano-industrial do território

nacional e seus prolongamentos. É onde se situam as duas metrópoles globais

(São Paulo e Rio de Janeiro) e toda uma constelação de metrópoles con-

solidadas, como Porto Alegre, Curitiba e Belo Horizonte, e de metrópoles

emergentes, como Florianópolis, Maringá, Londrina, Baixada Santista, Campinas

e Vitória, que funcionam como centros de conexão do mercado doméstico aos

circuitos internacionais da economia mundial. Seu potencial de desenvolvimento

é elevado, devido a dois processos básicos: continuidade do processo de

metropolização nas metrópoles emergentes e crescimento urbano das cidades

de porte médio.

Embora estruturados a partir de metrópoles globais, os sistemas urbanos

de São Paulo e Rio de Janeiro possuem diferenças marcantes, no que se refere

tanto à sua configuração, como aos seus aspectos dinâmicos. A rede urbana

165

paulista é núcleo denso desse sistema, cujas ramificações estendem-se além

das fronteiras estaduais, incorporando o subsistema urbano-regional de Campo

Grande (MS) e projetando sua influência sobre o Triângulo Mineiro e sul de

Minas Gerais, onde disputa territ6rio com a área polarizada por Belo Horizonte.

São Paulo apresenta uma rede de cidades com alta densidade, topologia

diferencÍi1da e uma estrutura hierárquica consolidada.

O sistema urbano do Rio de Janeiro é, por sua vez, marcadamente litorâneo

e manifesta uma projeção espacial que reflete o dinamismo do passado e não

tendências expansivas atuais. Projetando sua influência, grosso modo, sobre a

sua antiga região mercantil, isto é, a Zona da Mata Mineira e o sul do estado do

Espírito Santo, o Rio de Janeiro não conseguiu consolidar uma rede

hierarquizada em sua área de influência, apresentando elevada macrocefalia

urbana que restringe a propagação das inovações sobre o território por ele

polarizado.

A segunda estrutura urbana diferenciada na rede brasileira é a do Nordeste,

formada pelos sistemas urbano-regionais de Salvador, Recife, Fortaleza e Meio

Norte, cujo processo de transição para uma economia urbano/industrial ainda

está completando-se, com verdadeiras bacias urbanas ainda em processo de

consolidação, a partir de suas relações com outros sistemas urbanos e com o

exterior.

Esse processo manifesta-se no expressivo contingente de população ainda

residindo em núcleos rurais de pequenas dimensões, elevadas taxas de

incremento da população urbana e, particularmente no caso de Fortaleza,

significativo indicador de primazia urbana.

Os quatro sistemas urbano-regionais que compõem essa estrutura

possuem características que os diferenciam. Nota-se que Recife possui a

configuração mais densa e consolidada do Nordeste, contando com as regiões

de influência de Recife, Caruaru, Campina Grande e João Pessoa, bem como

com os centros regionais de Natal e Maceió. Assim, a metrópole pernambucana

organiza o território 'de todo o Saliente nordestino.

Por outro lado, Salvador apresenta uma rede menos densa e

marcadamente orientada para o litoral. Além do centro regional de Aracaju,

destacam-se, por sua importância na estruturação do sistema urbano, os centros

166

sub-regionais de Feira de Santana e Vitória da Conquista; e, por seu papel no

Além São Francisco, Barreiras.

Fortaleza apresenta as mais altas taxas de crescimento urbano do

Nordeste, bem como mais elevada primazia urbana, evidenciando o caráter ainda

incompleto da urbanização desse sistema urbano do Nordeste Setentrional. Com

tendências semelhantes, no que diz respeito ao ritmo de crescimento urbano, o

sistema urbano do Meio Norte, formado pelos centros regionais de São Luís e

Teresina, ainda se encontra pouco diferenciado e muito instável, sujeito às

bruscas mudanças em virtude de suas relações com os demais sistemas

urbanos, tanto do Nordeste, como do Centro-norte.

Em resumo, o Nordeste apresenta crescimento dos pequenos núcleos

rurais, forte migração campo-cidade, elevada primazia e uma topologia pouco

estruturada. Essa situação é característica importante dessa estrutura urbana,

onde as marcas do passado ainda constituem lastros que dificultam o avanço de

relações de produção modernas. Tal situação é flagrante quando se consideram

os indicadores sociais de renda, alfabetizada e acesso aos serviços urbanos, que

se consideram os indicadores sociais de renda, alfabetização e acesso aos

serviços urbanos, que se apresentam como os mais críticos de toda a rede

urbana nacional.

A terceira estrutura urbana a ser destacada, denominada de Centro-norte,

que compreende os sistemas urbano-regionais de Brasília-Goiânia, de Cuiabá e

do Norte, onde o processo de urbanização está acelerando-se nas últimas

décadas e a cidade desempenha papel fundamental na abertura de novas áreas

à exploração econômica. Destaca-se pelo seu dinamismo e pela emergência de

novos centros em distintos níveis da hierarquia urbana.

Do ponto de vista da configuração espacial, integram os sistemas urbanos

do Centro-norte aquelas regiões de influência de cidades cujo nível mais elevado

da hierarquia é ocupado por São Paulo, como é o caso das regiões de influencia

das cidades de Manaus e Belém, que podem ser classificadas, bem como redes

emergentes e não consolidadas, bem como das regiões de influencia das

cidades distintas, onde está presente uma cidade do nível mais lato de

polarização, como é o caso de Goiânia, relativamente próxima a uma região

metropolitana, cujo nível de polarização pode ser considerada meio, como é o

167

caso de Brasília e seu entorno.

Dessa maneira, o Complexo Territorial Brasília-Goiânia constitui uma forma

espacial inovadora, que apresenta um deslocamento do centro de gradatividade

populacional do sistema (Brasília e seu entorno) em relação ao seu principal

núcleo de polarização (Goiânia). Aparentemente, essa forma espacial

potencializa o dinamismo espacial do sistema, embora apresente problemas

bastante complexos de gestão urbana.

168

UNIDADE 9 - O FUTURO DAS CIDADES NA NOVA ORDEM

GLOBAL

Tarso Genro

As cidades e as megalópoles constituem o centro de articulação política

e cultural da modernidade. O papel que elas ocuparão a partir do caos mutante,

gerado pela globalização neoliberal, ainda está por ser resolvido. "As cidades,

como os sonhos, são construídas por desejos e medos" - diz Ítalo Calvino, no

seu livro "Cidades Invisíveis". Os muros que as cercavam, na antiguidade, e os

condomínios fechados da cidade "pós-moderna" são reflexos do medo. O inimigo

está do outro lado do muro: sempre reinventado, para garantir os que podem

transformar o medo em necessidade e o desejo em separação.

As grandes cidades hoje se constituem como territórios que contém os

elos de uma relação comutativa com o mundo. Por elas transita uma socialização

novo tipo, baseada no tempo virtual e numa nova concepção de espaço, onde as

partes desintegradas são sempre novas e cada vez menos surpreendentes. Elas

são o lugar físico onde as partes do espaço fragmentado compõem mega-

espaços locais e globais ao mesmo tempo. Neste não-lugar fluem as formas

fantásticas do capital.

A construção da cidade reflete a construção ordenada da exclusão, tendo

como base a aceitação da exclusão e sua colocação dentro de uma "ordem"

urbana. Mike Davis relata, de forma emblemática, o seguinte retrato de Los

Angeles a partir de um episódio circunstancial: "Assim como o diretor da

comissão de planejamento da cidade explicou a linha oficial para repórteres

incrédulos, não é contra a lei dormir na rua per se, 'só quando se ergue alguma

espécie de abrigo'. (...) esta repressão cínica transformou a maioria dos sem-teto

em beduínos urbanos. Eles são visíveis em todos os lugares do Centro,

empurrando seus poucos e patéticos pertences em carrinhos de supermercado

roubados, sempre fugitivos em movimento, espremidos entre a política oficial de

contenção e o sadismo progressivo das ruas do Centro".

Para que a cidade possa ser objeto de uma nova subversão

169

democratizante, que tenha o mesmo potencial constitutivo da Ilustração, é

preciso enquadrá-la numa perspectiva de projeto político de sociedade, ou

melhor, de um novo projeto civilizatório, numa nova proposta de ordem. O rei da

Espanha, nas suas instruções de 1513, para a conquista da "Terra Firme", que

abre o violento processo colonial, fixa o sistema que desenhará o futuro das

cidades com base na sua visão de "ardem", que mescla medo e deseja: "vistas

as coisas que para as assentamentos dos lugares são necessárias, e escolhido o

lugar mais proveitoso e em que abundem as coisas que para o Povo são

necessárias, tereis de repartir as solares do lugar para fazer as casas, e deverão

ser repartidas conforme as qualidades das pessoas e serão inicialmente dadas

par ordem: de maneira que feitas as solares, o Povo pareça ordenado, tanta no

lugar que se deixe na praça, cama o lugar que tenha a igreja, cama na ardem

que tiveram as ruas; parque as lugares que, de novo se fazem, dando a ordem

no começo sem nenhum trabalho nem custo ficam ordenados e as outros jamais

se ordenam".

Para discutir o destino da cidade globalizada - portanto - é necessário,

antes, responder o que faremos do nosso destino social coletivo. Qual a "ardem"

que disporá, no tabuleiro da sociedade, a aceitação ou não da exclusão e as

hierarquias do medo? Nesta ordem vai vingar um desejo pela solidariedade que

subordina o medo, ou ele - medo - espontaneamente será "contenção" e

"sadismo".

A compreensão do destino desejado e humanizado abrirá o espaço

político necessário para um novo tipo de harmonia: ou a cidade é subjetivada

pela comunidade, que deseja assim "re-finalizar" o seu modo de vida, dar outra

finalidade para a sua existência (diversa dos processos semi-bárbaros da pós-

modemidade), ou a cidade será a ordem da desordem: uma cidade

hierarquizada pela força à beira de um caos sempre iminente.

O processo social urbano - a composição política do mundo urbano

- está hoje tragicamente retratada por cidades como Los Angeles, modelo

extremo da barbárie refrigerada. Lá o caos mutante, a cidade sempre outra, joga

os cidadãos vítimas da exclusão e do "fascismo societal" para "espaços que não

podem ser vistos”, para que uma outra parte da cidade possa fruir a paz: "Trata-

se da segregação social dos excluídos através de uma cartografia urbana

170

dividida em zonas selvagens e zonas civilizadas. As zonas selvagens são as

zonas do contrato social e vivem sob a constante ameaça das zonas selvagens.

Para se defenderem, transformam-se em castelos neofeudais, os enclaves

fortificados que caracterizam as novas formas de segregação urbana (cidades

privadas, condomínios fechadas, gated comunities). A divisão entre zonas

selvagens e zonas civilizadas está transformando-se num critério geral de

sociabilidade, um novo espaço-tempo hegemônico que atravessa todas as

relações sociais, econômicas, políticas e culturais e que por isso é comum à ação

estatal e à ação não estatal”.

Hoje as cidades deixaram de ser os espaços físicos de uma burguesia

estável, enraizada no passado, com o seu peso político e cultural moldado nas

revoluções industriais clássicas. Embora seja possível, ainda, encontrar os

vestígios da cidade burguesa sólida e confortável e assim registrá-los como

memória, no caldeirão desordenado, caótico ou frígido do mundo pós-moderno,

as mesmas classes dominantes já são outras. Elas escondem-se num "aquário

de formas flutuantes, evanescentes - os projetistas e gerentes, auditores e

zeladores, administradores e especuladores do capital contemporâneo: funções

de um universo monetário que não conhece rigidez social ou identidades fixas”.

Esta evanescência, que vem da nova fluidez mercantil e da provisoriedade

permanente do modo de vida sem raízes e cada vez mais apenas centrado no

presente (com as suas súbitas interrupções da estabilidade cotidiana), - esta

evanescência - cria uma articulação social que é tencionada, de forma

exacerbada, "de fora" do controle subjetivo da comunidade nacional. É

impossível - em conseqüência -, neste contexto, pensar o futuro das cidades sem

pensar naquilo que Altvater denominou de "autoridade política do mercado

mundial" e, também, na crise ecológica como elemento que implica em interferir

na "forma e substância da democracia”.

Tudo vem "de fora" porque mundialização do capital organiza-se e se faz a

partir dos "mega-espaços urbanos", diferenciados por sua localização física e sua

história. "Espaços que irradiam sua preponderância civilizatória, impelidos pela

ação, no seu interior, de grupos dinamizadores com tradições culturais

diversificadas e forte identidade. Esses espaços-cidades concentram e agregam

funções - financeiras, industriais, científicas, tecnológicas, culturais e políticas -

171

que se articulam e se inter-relacionam 'por sistemas de formação que fornecem

os quadros e os dirigentes das empresas e dos Estados'. Os espaços são

articulados, essencialmente, em torno das grandes megalópoles do eixo Norte-

Norte, os quais, por sua vez, se vinculam. de forma seletiva. com centros de

poder na megalópoles no eixo Sul-Sul".

Do ponto de vista ecológico, as exigências de depredação natural,

imprimidas pelas novas tecnologias, impossibilitam o exercício da cidadania

como cidadania puramente nacional, pois os efeitos desta depredação não

respeitam fronteiras. Do ponto de vista das novas relações mercantis,

instauradas pela "globalização", os próprios sistemas autoritários perderam a sua

capacidade de ordenamento porque a força normativa do Estado vem

diretamente do movimento do capital financeiro, tornando irrelevante a autoridade

interna.

Os "procedimentos democráticos que foram instaurados e "referendados"

pela nova ordem (também) são vistos como questionáveis, pois as extensões de

tempo (períodos múltiplos de 10 mil anos de meia-vida para o material nuclear) e

espaço (cruzando todo o planeta) tornaram-se muito grandes para a "dimensão

humana" que acompanha "a tomada de decisões racionais”.

A reação predatória é cada vez mais forte. O "Apelo de Heideberg",

assinado por 264 cientistas (vários Prêmios Nóbeis entre eles) que designa o

movimento ecológico como um novo tipo de irracionalismo (por confrontar com o

progresso científico e da indústria), condensa magnificamente a irrelevância que

o neoliberalismo outorga à depredação do estoque natural e deixa clara a sua

visão política de supremacia absoluta do mercado, como elemento fundante de

uma nova ordem mundial do capitalismo “globalitário”.

A aceleração da urbanização global, nos Últimos 30 anos, dá-se de forma

concomitante a um processo de concentração de renda e poder. Principalmente -

para usar a classificação de Arrighi - nos países da "periferia" (como Serra Leoa

e Panamá) e da "semiperiferia" (como o Brasil e a África do Sul).

A concentração de poder está determinada principalmente por dois

fatores:

172

a) a nova força "normativa" do capital financeiro, que controla a

economia global, sujeita os Estados nacionais, política e juridicamente, para

harmonizar o desenvolvimento econômico interno com o novo processo de

acumulação; para isso exige uma alta coesão das elites locais em tomo do

"caminho único" globalitário;

b) a incapacidade, da representação política do Estado Moderno, de

criar uma coesão social baseada em valores universais, que apontem a

solidariedade e a condição de menos desigualdade, como elementos

permanentes de uma ordem democrática; por isso a ordem atual está permeada

pela ideologia neoliberal, cujos agentes defendem a eficiência como valor que

subsume a solidariedade.

A redução da força decisória da política sobre o espaço nacional, assim

impelida pela força constitutiva do capital financeiro global, vem impulsionando

um retorno ao "localismo". Este, ora é apanhado como "ponto de partida"

contestatório do neoliberalismo, ora é apanhado (através de uma linguagem

supostamente de "esquerda") como política de adaptação. Neste caso o

localismo passa a ser um palco privilegiado dos sujeitos políticos

tradicionais e de uma crítica niilista do Estado, a partir de uma nebulosa

noção de "sociedade civil".

A sociedade civil - na hipótese - não é compreendida como um lugar para

a articulação de decisões políticas de controle sobre o Estado, para reforçar a

autoridade do Estado e processar a democratização das políticas públicas.

Ela é vista, apenas, como um "locus" de auto-organização da sobrevivência, de

"costas" para o Estado.

Por esta concepção, a cidade passa a ser o refúgio da "boa política" e do

"bom governo", sem que o país seja assumido como unidade macropolítica. A

cidade, como unidade política mínima, então abdica de ser um novo sujeito,

capaz de integrar uma disputa global e, conseqüentemente, de ser sujeito ativo

na construção de um projeto nacional, que confronte com os interesses

subjacentes à ordem globalitária.

A sociedade civil, deferida como espaço de pura "autonomia" sem Estado,

e a cidade, como "locus" particular, como se ela fosse uma nova unidade voltada

só para si mesma (capaz de humanizar-se sem vínculos com o mundo e o país),

173

são duas possibilidades de uma ideologia que compõe a fragmentação pós-

moderna: "Esta volta ao local é uma reação teórica contra as teorias centralistas

e um refúgio das identidades quando estas deixam de ter como referência o

Estado. Na época fordista o Estado se associava à Nação e tinha, portanto, um

importante papel, não só na produção, na prestação de serviços ou na

distribuição de recursos, mas também na produção de identidade, criava um

sentimento de pertencimento".

A mudança estrutural dos padrões de acumulação, via 3ª revolução, da

informática, microeletrônica, biogenética – revolução na informática,

comunicação e produção – aprofunda as diferenças entre os países capitalistas

desenvolvidos e os países sub ou não desenvolvidos. Ela também agrava as

diferenças internas nos próprios países centrais, concentra renda em escala

mundial e gera a possibilidade de desemprego estrutural de largo fôlego. As

modificações na geografia humana das cidades refletem tudo isso.

A instabilidade da oferta de trabalho gera populações migrantes,

destruindo laços históricos, tradições e culturas. Exporta culturas e conflitos, para

o espaço das grandes cidades, onde os fragmentos tornam-se unidades que

ordinalmente conflitam entre si.

Do ponto de vista da esquerda, o fim do período revolucionário aberto

com a revolução russa - o seu descambar para uma vertente anti-humanista

totalitária – faz emergir uma crise radical de paradigmas. A "melancolia"

detonada pelo presumido "fim das utopias" proporciona a busca de experiências

puramente individualistas (para solucionar o conflito com o mundo vivido) ou gera

práticas que buscam alternativas micro-revolucionárias.

Nas cidades este fenômeno ordinariamente apresenta-se como política

marginal e auto-referente. Nestes horizontes, agora, não se põem mais o

humanismo libertário, mas uma simples solução do conflito do indivíduo ou do

grupo, com o mundo vivido no presente. A afirmação das subculturas de tribos,

"gangs", grupos alternativos, são respostas pós-modernas à não efetividade da

razão. Aliás, "a completa e, agora, patente subordinação da política aos ditames

mais imediatos do determinismo econômico da produção do capital é um aspecto

vital dessa problemática. Esta é a razão porque o caminho para o

estabelecimento de novas instituições de controle social deve passar através de

174

uma radical emancipação da política do poder do capital”.

Trata-se de uma perda de autonomia que implica em submissão de toda a

ação política do Estado e das políticas urbanas dos grandes centros às

fatalidades do ajuste. Tais conseqüências ensinam à população "que o Estado

isolado não é mais suficientemente capaz, com suas próprias forças, de defender

seus cidadãos contra efeitos externos de decisões de outros atores ou contra os

efeitos em cadeia de tais processos, que têm origem fora de suas fronteiras.”

Futuro das cidades, portanto, e futuro do Estado nacional, são futuros que

ainda estão determinados um pelo outro, embora o Estado características e

papeis diversos, e a cidade, com outra potencialidade política nacional e

internacional.

Nas grandes concentrações urbanas já funcionam visivelmente duas

ordens. Uma ordem jurídico-formal que emana da Constituição e outra ordem

que vem da Constituição, mas é mediada pela força normativa dos poderes reais,

nas zonas pobres ou marginalizadas. Nelas a força do Estado - pela política -

atua segundo um código não escrito, no qual a sanção precede o conhecimento

do conflito e até mesmo o constrói.

A estabilidade é a instabilidade tensa, controlada pelo aparato estatal que

é freqüentemente licenciado informalmente do cumprimento da lei.

Esta instabilidade está, hoje, integrada na nova psicologia das massas

urbanas, onde a explosão de violência sucede os períodos de passividade tensa:

"as nossas sociedades atravessam um período de bifurcação, ou seja, uma

situação de instabilidade sistêmica em que uma mudança mínima pode

produzir, de modo imprevisível e caótico, transformações qualitativas. A

turbulência das escalas destrói seqüências e termos de comparação e, ao fazê-

lo, reduz alternativas e cria impotência ou promove passividade".

O programa para uma cidade democrática é opor-se a esta aparente

espontaneidade em curso, de maneira que a cidade transcenda-se além do local:

reposicionamento social, pela instauração de novos procedimentos democráticos

que combinem a democracia representativa, estável e previsível, com a

democracia direta de participação voluntária; controle público das frações do

Estado presentes na cidade - lugar onde a cotidianidade se realiza e a

globalização se localiza - impulsionamento à expressão das novas e antigas

175

identidades na cena pública, de maneira a valorizá-la e contratualizá-Ias: eis os

movimentos centrais de uma nova política local que não seja "Iocalista", pois

cada uma destas questões tem vínculos com a universalidade do Estado e com

as relações do próprio país (em que a cidade se situa) com o mundo globalizado.

Premissas para um novo Contrato Social da modernidade, estes

movimentos - como movimento da sociedade civil na esfera política e como

políticas públicas na esfera do Estado podem combater a fragmentação e

radicalizar a democracia tornando-se, inclusive, experimentos utópico-realistas

para um novo projeto de sociedade.

A construção da barbárie ou da utopia, de uma civilização de selvageria ou

de, pelo menos, uma vida mais sensata, dependerá muito do que fizermos nas

cidades e, decisivamente, do que faremos das cidades. John Cassavetes dizia

que o ideal de um casal deveria ser o mesmo de um bom filme: um processo

caótico, no qual não se mascara nenhuma crise, mas que acaba tirando

vantagem da sua instabilidade fundamental, para chegar à emoção verdadeira.

As cidades simbolizam, hoje, a instabilidade fundamental, por isso só nelas

podem ser provadas as emoções verdadeiras. É sobre estas que a humanidade

constrói as suas alternativas, o que implica em compreender, que tanto a

revolução como as reformas iniciarão e terminarão nas cidades: forma definitiva

de organização da civilização, pelo menos por um largo período, sobre cujo

desfecho não é possível dizer mais nada.

UNIDADE 10 - REDES MUNDIAIS DE INFORMAÇÃO

EMERGÊNCIA E ORGANIZAÇÃO

Leila Christina Dias

Toda a história das redes técnicas é a história de inovações que, umas

após as outras, surgiram em respostas a uma demanda social antes localizada

176

do que uniformemente distribuída Com a ferrovia, a rodovia, a telegrafia, a

telefonia e finalmente a teleinformática, a redução do lapso de tempo permitiu

instalar uma ponte entre lugares distantes: doravante eles serão virtualmente

aproximados.

Uma leitura da História das técnicas nos mostra o quanto às inovações

nos transportes e nas comunicações redesenharam o mapa do mundo no século

19. Tratava-se de um período caracterizado pela consolidação e sistematização

de inovações realizadas anteriormente. As trilhas e os caminhos foram

progressivamente substituídos pelas estradas de ferro no transporte de bens e

mercadorias; com o advento do telégrafo e em seguida do telefone, a circulação

das ordens e das novidades já dispensava a figura do mensageiro. Todas estas

inovações, fundamentais na história do capitalismo mundial, se inscreveram e

modificaram os espaços nacionais, doravante sulcados por linhas e redes técni-

cas que permitiram maior velocidade na circulação de bens, de pessoas e de

informações.

A habilidade das classes burguesas no século 19 em influenciar a

organização do espaço via investimentos em infra-estruturas era, na verdade,

mundial. No Brasil, a participação dos plantadores de café nas sociedades de

estradas de ferro demonstra o poder social conquistado pela burguesia paulista

que, decidindo sobre a configuração espacial da rede ferroviária e assim sobre a

circulação, comandava de lima forma quase completa o processo produtivo. O

título 'Regiões ou Redes' que P. MONBEIG (1952) deu ao último capítulo de sua

tese sobre os pioneiros e plantadores de São Paulo é revelador do papel que as

redes férreas cumpriram sobre a organização espacial.

Nossa época conhece uma aceleração do ritmo da inovação em vários

campos:

1) avanços na engenharia de sistemas elétricos já permitem a transmissão

de grandes blocos de energia a longas distâncias;

2) graças à associação das técnicas de telecomunicações às de

tratamento de dados, as redes de telecomunicações adquirem uma potência

muito maior - as distâncias se contraem e se anulam pelo fato da instantaneidade

das transmissões, e as informações produzidas a cada segundo são tratadas e

177

encaminhadas num tempo cada vez mais reduzido - tal é o sentido dos bits,

kilobits e megabits.

Desde a década de setenta, as inovações técnicas deram lugar a uma

vasta literatura sobre o papel das redes na organização territorial. É importante

ressaltar que esta temática está inscrita num debate mais amplo, sobre a técnica

e sua capacidade virtual de criar condições sociais inéditas, de modificar a ordem

econômica mundial e de transformar os territórios. Na tentativa de responder a

estas interrogações em toda a sua complexidade, muitos trabalhos resultaram

em discursos freqüentemente prospectivos, em especulações, sobre os

pretensos efeitos da inovação - segundo o pressuposto de uma causalidade

linear entre o desenvolvimento técnico e as transformações espaciais, sociais ou

econômicas. É neste contexto que se difundiu, em larga escala, a retórica do

"impacto", do "efeito" das redes técnicas na organização do território.

A pesquisa que vimos realizando, nos últimos anos, sobre as implicações

das redes de telecomunicações sobre a organização territorial brasileira, nos

permite, hoje, participar deste debate. Para tanto, partiremos do conceito de rede.

Pensamos que “o conteúdo do conceito é a sua história" (PINTO, 1979:91). Na

mesma direção, pensamos que a apreensão do conteúdo do conceito exige o

conhecimento de seu desenrolar no movimento mais recente do pensamento, e,

portanto da realidade. Por isso, a segunda parte do trabalho constitui uma análise

de relação entre os fluxos de informação e a dinâmica territorial brasileira. Na

última parte, passaremos à discussão de algumas teses, de erros mesmo de

interpretação no estudo das redes de telecomunicações e suas implicações

territoriais.

O conceito de rede

O termo rede não é recente, tampouco a preocupação em compreender

seus efeitos sobre a organização do território. Contudo, apresentar aqui as

primeiras contribuições sob a ótica do presente, a ótica de final do século XX e

início do século XXI, corresponderia ao uso de lentes profundamente

deformadoras. A pergunta central é: que relação ou quais as relações que

podemos encontrar entre as concepções dos diferentes autores daqueles

178

primeiros trabalhos consagrados a este tema na primeira metade do século 19?

Uma revisão da literatura mostra que o termo rede aparece como um

conceito-chave e privilegiado do pensamento de Saint-Simon. Na linha de um

socialismo planificador e tecnocrático, o filósofo e economista francês defendeu a

criação de um Estado organizado racionalmente por cientistas e industriais. Na

obra póstuma "Le nouveau Christianisme", ele formulou a moral desta nova

sociedade desenvolvendo temas que davam sustentação à escola socialista

fundada por seus discípulos (economistas, engenheiros, industriais e

banqueiros). Num artigo publicado em 1832, o economista e engenheiro Michel

CHEVALIER, adepto ativo do sansimonismo, utilizou o termo rede para evocar a

relação entre as comunicações e o crédito. Segundo ele:

"A indústria se compõe de centros de produção unidos entre eles por um

laço relativamente material, ou seja, pelas vias de transporte, e por um laço

relativamente espiritual, ou seja, pelos bancos... Existem relações tão estreitas

entre a rede de bancos e a rede de linhas de transportes, que um dos dois

estando traçado, com a figura mais conveniente à melhor exploração do globo, o

outro se encontra paralelamente determinado nos seus elementos essenciais”

(CHEVALIER apud RIIBEILL, 1988:52).

No mesmo ano, quatro engenheiros publicaram o trabalho "Vues politiques

et pratiques sur les travaux publics en France", indo de encontro às teses liberais

da época, que refutavam toda iniciativa estatal na concepção e execução de um

sistema de comunicações. Apontavam que:

"Os trabalhos públicos estão, na França, cada vez mais abandonados pelo

interesse privado, pelos capitais, pelo talento; nossos rios são pouco navegáveis,

nossos canais permanecem inacabados, as estradas de ferro são projetadas e

não são construídas" (LAMÉ et al. apud RIBEILL, 1988:53).

É assim que, progressivamente, toma forma um sistema geral de

comunicações, combinando estradas de ferro e canais, hierarquizado em dois

níveis de tráfego:

Redes de primeira ordem e

Redes secundárias.

179

Introduzindo a propriedade da conexidade à noção de rede, o projeto

compartilhado pela escola de Saint-Simon objetivava o estabelecimento de um

sistema geral de comunicações. Quando falamos em projeto comum não

estamos absolutamente falando em consenso. O projeto dava a unidade, mas as

formas de atingi-lo refletiam propostas, vias bastante diversas - se, por exemplo,

todos se referiam à importância das estradas de ferro, alguns insistiam sobre a

necessidade de articulá-la aos canais fluviais. Em 1863, um engenheiro

desenvolveu um esforço de teorização buscando encontrar as leis que presidiam

à configuração das redes de estradas de ferro. Leon Lallane apresentou na

Academia de Ciências um trabalho que, segundo os historiadores, constituiu o

primeiro ensaio teórico consagrado às redes (RIBEILL, 19S8).

Em suma, o projeto comum era um projeto de integração territorial,

integração de mercados regionais, pela quebra de barreiras físicas, obstáculos à

circulação de mercadorias, de matérias-primas, mas também de capitais. Os

capitais vão reaparecer, mais tarde, no século 20, anos cinqüenta, na tese

clássica do geógrafo Jean LABASSE (1955), intitulada "Os capitais e a região".

No seu trabalho, LABASSE mostra que pouco depois da febre ferroviária,

instalou-se na França uma febre bancária, mostra como ambas foram conduzidas

pelos mesmos meios sociais e constituíram os dois principais fatores de

unificação do mundo material daquele período.

Na mesma época, Pierre MONBEIG, na sua tese sobre os Pioneiros e

Plantadores de São Paulo, publicada em 1952, intitula seu último capítulo de

"Regiões ou Redes", revelando o papel das redes ferroviárias sobre a

organização espacial. Mostrava a participação dos capitais dos plantadores de

café na formação das Companhias de Estrada de Ferro e como a toponimia das

zonas de produção retomava os nomes das Companhias de Estrada de Ferro:

Alta Araraquara, Soro cabana.

Após os trabalhos de Monbeig e de Labasse, assistimos a um relativo

silêncio sobre o crescimento, sobre a multiplicação das redes, que vinham

aprisionando o mundo em tramas cada vez mais fechadas, exceção feita aos

inúmeros trabalhos sobre rede urbana. O que explica o silêncio de trinta anos e

ao mesmo tempo a retomada tão voraz, que faz com que para onde olhemos

hoje nos defrontemos com o termo rede, seja enquanto conceito teórico, utilizado

180

em diversos campos disciplinares, seja enquanto noção empregada pelos atores

sociais: redes estratégicas, redes de solidariedade, redes de ONGs, redes de

Universidades, redes de energia, redes de informação - BITNET, INTERNET -,

uma concepção de organização sob forma de redes.

G. DUPUY (1988: 12) sugere que a resposta estaria ligada aos

procedimentos de planejamento territorial em vigor nos últimos trinta anos e a

evolução da pesquisa neste campo. Aponta duas características fundamentais

deste período: "Um planejamento urbano principalmente fundiário e um

planejamento dos equipamentos coletivos essencialmente setorial, implicando

assim quadro pouco propício a uma reflexão transversal sobre as redes e sua

territorialidade".

Os estudos em andamento nos permitem avançar mais uma hipótese: as

qualidades de instantaneidade e de simultaneidade das redes de informação

emergiram mediante a produção de novas complexidades no processo histórico.

Muitas são as complexidades produzidas ao longo do século 20 que

redesenharam o mapa do mundo, dos países e das regiões. Processos de

múltiplas ordens: de integração produtiva, de integração de mercados, de

integração financeira, de integração da informação. Mas processos igualmente

de desintegração, de exclusão de vastas superfícies do globo - pensamos que o

exemplo mais perverso seja o do continente africano. Todos estes processos

para serem viabilizados implicaram estratégias, principalmente estratégias de

circulação e de comunicação, duas faces da mobilidade que pressupõem a

existência de redes, uma forma singular de organização. A densificação das

redes – internas a uma organização ou com: partilhadas entre diferentes

parceiros - regionais, nacionais ou internacionais, surge como condição que se

impõe à circulação crescente de tecnologia, de capitais e de matérias-primas. Em

outras palavras, a rede aparece como o instrumento que viabiliza exatamente

essas duas estratégias: circular e comunicar, C. RAFFESTNI mostra como as

redes se adaptam às variações do espaço e às mudanças que advêm no tempo,

como elas são móveis e inacabadas, num movimento que está longe de ser

concluído.

"A rede faz e desfaz as prisões do espaço tomado território: tanto libera

como aprisiona. É porque ele é „instrumento‟, por excelência, do poder"

181

(1980:185).

Esta noção é muito importante e podemos encontrá-la em outros autores:

1) H. LEFÉBVRE, por exemplo, aponta o mecanismo de passagem do

espaço ao território:

"A produção de um espaço, o território nacional, espaço físico, batizado,

modificado, transformado pelas sedes, circuitos e fluxos que aí se instalam:

rodovias, canais estradas de feno, circuitos comerciais e bancários, auto-

estradas e rotas aéreas, ele" (LEFÉBVRE apud RAFFESTIN, 1980:129);

2). P. CLAVAL ilustra o papel da rede como instrumento do poder:

"Os poderes centrais se dedicam, agora, mais à mobilidade das idéias e das

ordens do que àquela das pessoas. Quando Jaruselski pretendeu paralisar

Solidariedade, na Polônia, em 13 de dezembro de 1981, ele desconectou as

centrais telefônicas em todo o país...” (1989:14).

Os fluxos, de todo tipo - das mercadorias às informações pressupõem a

existência das redes. A primeira propriedade das redes é a conexidade -

qualidade de conexo -, que tem ou em que há conexão, ligação. Os nós das

redes são assim lugares de conexões lugares de poder e de referência, como

sugere RAFESSTIN.

É antes de tudo pela conexidade que a rede solidariza os elementos. Mas

ao mesmo tempo em que tem o potencial de solidarizar, de conectar, também

tem de excluir:

"Os organismos de gestão da rede, quer se trate de gestão técnica,

econômica ou jurídica não são neutros, eles colocam em jogo relações sociais

entre os elementos solidarizados e aqueles que permanecem marginalizados"

(DUPUY, 1984:241).

Em outras palavras, nunca lidamos com lima rede máxima, definida pela

totalidade de relações mais diretas, mas com a rede resultante da manifestação

das coações técnicas, econômicas, políticas e sociais.

O quadro teórico privilegiado por grande parte dos autores interessados no

estudo das redes integra a noção de sistema. Assim, “a teoria dos sistemas

182

permite especificar as interações entre subsistemas e postularia que a rede de

relações é também rede de organização" (DUPUY, 1984:233).

Rede de ligação e rede de organização constituiria uma espécie de 'par

perfeito' nestes estudos. O estudo dos sistemas vem, nas últimas duas décadas,

passando por importantes mudanças. A principal contribuição das novas

propostas para o estudo dos sistemas foi o rompimento com a noção tradicional

de considerar os sistemas dinâmicos corno um encadeamento determinista de

causa e efeito, rompimento possível pela introdução da idéia de bifurcação -

ponto de decisão onde surgiriam novas estruturas que se comportariam, durante

um tempo não previsível, novamente de maneira determinista (PRIGOGINE e

STENGERS, 1979). Em algumas fases, sugerem estes autores, os elementos do

sistema comportam-se de uma maneira determinista e em outras fases - próximo

das bifurcações -, de um modo não-determinista.

Um outro físico-matemático, D. RUELLE, sugere que os exemplos de caos

em Física ensinam-nos que "certas situações dinâmicas, em vez de levar a um

equilíbrio, provocam uma evolução temporal caótica e imprevisível". Decisões,

que supostamente produziriam um melhor equilíbrio, podem produzir "de fato

oscilações violentas e imprevisíveis, com efeitos talvez desastrosos" (1993:118).

Este percurso histórico constitui um bom exemplo de como uma questão

de uma disciplina passa para outra num novo contexto teórico. Esta idéia não é

nova, podemos encontrá-la nos estudos do físico-químico Ilyo PRIGOGINE e da

pesquisadora na área de filosofia e epistemologia Isabelle STENGERS. O que

parece importante é a perspectiva que ela integra, a perspectiva da comunicação

interdisciplinar e o reconhecimento de que nas interações entre as disciplinas, na

convergência entre vias de abordagem distintas reaparecem, sob uma forma

renovada, antigas questões; o reconhecimento, portanto, de que as descobertas

ou as novas questões não constituem revelações surgidas de repente de um

único campo disciplinar. Os múltiplos exemplos no campo da história das idéias,

das ciências, revelam na verdade lima história de tensões; de conflitos de ordem

social, política e cultural.

A questão das redes reapareceu de outra forma, renovada pelas grandes

mudanças deste final de século, renovada pelas descobertas e avanços em

outros campos disciplinares e na própria Geografia. Neste novo contexto teórico,

183

a análise das redes implica abordagem que, no lugar de tratá-la isoladamente,

procure suas relações com a urbanização, com a divisão territorial do trabalho e

com a diferenciação crescente que esta introduziu entre as cidades. Trata-se,

assim, de instrumento valioso para a compreensão da dinâmica territorial

brasileira.

Fluxos de informação e dinâmica territorial

A história da constituição da rede urbana brasileira é marcada pela

associação entre processo de urbanização e processo de integração do mercado

nacional. A eliminação de barreiras de todas as ordens constituía a condição

primordial para integrar o 'mercado interno, pois esta integração pressupunha a

elevação do grau de complementaridade econômica entre as diferentes regiões

brasileiras. À presença inicial das ferrovias e das rodovias, que irrigavam o país

em matérias-primas e mão-de-obra, se superpõem, na atualidade, os fluxos de

informação - eixos invisíveis e imateriais certo -, mas que se tornaram uma

condição necessária a todo movimento de elementos materiais entre as cidades

que eles solidarizam.

As qualidades de instantaneidade e de simultaneidade das quais são

dotadas as redes de telecomunicações deram livre curso a todo um jogo de

novas interações. Os bancos são doravante um elemento-chave de integração do

território e de articulação deste mesmo território à economia internacional. As

organizações não financeiras ganham em mobilidade enquanto introduzem novos

métodos de gestão, quer se trate de departamentos técnicos, financeiros ou de

pessoal. Ao contrário de uma posição muito divulgada, o espaço não se tornou

uma noção em desuso ou desprovida de sentido, tampouco qualquer coisa de

indiferenciado ou homogêneo. A comunicação entre parceiros econômicos - à

montante e à jusante -, graças às novas redes é acompanhada de seletividade

espacial. A importância estratégica da localização geográfica foi, de fato,

ampliada.

A pesquisa que vimos realizando revela que os fluxos de informação

comandados pela Região Metropolitana de São Paulo não tem equivalência no

Brasil: entre 1983 e 1088 a participação da metrópole na principal rede de

184

transmissão de dados do país cresceu de 30 para 45%. A RMSP vem se

impondo como o principal nó da rede, seguida pela Região Metropolitana do Rio

de Janeiro, cuja capacidade de produzir, coletar, armazenar e distribuir as

informações representa apenas um terço da metrópole paulista. A identificação

dos principais parceiros de São Paulo é também rica de significados: ela mostra

a complexidade de transformações na rede urbana. Assim, a grandeza do vetar

que liga São Paulo e Salvador revela urna diferenciação crescente, ao longo dos

últimos anos, entre esta última e Recife. As ligações com Campinas e São José

dos Campos - lugares eleitos pela indústria de alta tecnologia - testemunha o

surgimento de um novo poder fundado sobre o binômio ciência e tecnologia.

Os estudos em andamento apontam também para urna tendência que vai

de encontro a uma concepção de equilíbrio do território. De fato, a imagem

piramidal e hierárquica tradicionalmente associada ao território, na qual os efeitos

de proximidade têm supremacia sobre os efeitos de interdependência a longa

distância, é cada vez menos verdadeira.

Os processos em curso, próprios a uma economia globalizada, engendram

uma outra representação, na qual a posição da cidade/nó numa rede de relações

à grande escala, interage às economias locais e aos efeitos de proximidade

(VELTZ, 1994). No quadro de lima economia global, a utilização que os

diferentes setores econômicos fazem das redes não tem a mesma amplitude - o

setor financeiro é, de longe, o maior usuário.

Neste processo de valorização diferencial das cidades, o capital financeiro

vem tirando proveito de sua flexibilidade e de sua rapidez. De fato, o banco - de

atividade a princípio regional, a seguir nacional, e hoje mundial - opera no

mercado internacional de moedas, de crédito e de capitais. R. FOSSAERT (1991)

mostra que são cada vez mais raros os países que impõem limites número de

bancos admitidos, categorias de operações autorizadas ou regras de segurança -

à presença de bancos estrangeiros.

De fato, na década de noventa, o governo brasileiro vem tomando

medidas econômicas e jurídicas para atrair o capital estrangeiro:

Abandono de proteções alfandegárias,

Estabelecimento de um vasto programa de privatizações e

185

Eliminação de barreiras ao investimento estrangeiro sobre os mercados de

capitais.

Não há dúvida de que este período correspondeu à chegada de grandes

bancos estrangeiros:

Goldman Sachs,

Bear Stearns,

Morgan Stanley e

Nomura.

Tampouco há dúvida de que a localização destes bancos fortaleceu ainda

mais a concentração financeira em São Paulo - de um total de 187 bancos

estrangeiros que operavam no Brasil em 1994, 70% estavam localizados em São

Paulo, contra 52% em 1988. Da mesma forma, a participação da metrópole na

principal rede internacional de transmissão de dados representava, em 1994,

62% do volume total de ligações com o exterior.

Estes dados revelam o fortalecimento do papel nacional e internacional de

uma metrópole que conta, atualmente, mais de quinze milhões de habitantes.

Contudo, o fortalecimento do papel de São Paulo teve como paralelo, mudanças

igualmente importantes no conjunto da rede urbana brasileira.

O exemplo da Amazônia é, neste sentido, bastante impressionante. A

ligação direta e instantânea de certas localidades da Amazônia com os principais

centros econômicos do país tornou, em parte, desnecessária a mediação

anteriormente realizada pelos degraus inferiores da hierarquia urbana. Novas

redes em relação com novas formas organizacionais de produção margina-

lizaram centros urbanos que tiravam sua força dos laços de proximidade

geográfica.

Ao mesmo tempo, a implantação de grandes projetos de exploração

mineral, fortemente dotados de redes de transporte, de energia e de

telecomunicações, introduziu uma nova ordem econômico-social que, alterando a

ordem pré-existente, representou o crescimento e a extensão da desordem. A

pesquisa apontou ainda para um outro lado, que sugerimos como hipótese: as

186

redes de telecomunicações veiculam também a ordem da ilegalidade. Sem

dúvida, a Amazônia ocidental é bem conhecida como cenário de múltiplas

atividades ilegais: contrabando de materiais eletrônicos e de ouro, refinamento e

tráfico de drogas.

A análise da repartição dos fluxos de informação confirma a existência de

alguns centros urbanos – que servem como nós na rede – (por exemplo, Tefé e

Tabatinga), fortemente articulados por vias aérea e fluvial à Colômbia e ao Peru.

Contudo, essas cidades não comportam atividades econômicas legais que

justifiquem o aluguel de circuitos de transmissão de dados (que operam 24 horas

por dia). Estes elementos nos conduziram, assim, à hipótese da presença de

fluxos de informação, fruto de transações ilegais.

A metrópole passa também por grandes mudanças e designa, hoje em dia,

um campo mais vasto do que os setores organizados do capital e do trabalho.

Segundo L. MACHADO:

“A sociedade urbana... está constituída por uma população crescente não

produtora de mais-valia, ou seja, marginalizada dos circuitos de acumulação,

cada vez maior consumidora dos serviços sociais, e obrigada ao sobre/trabalho

para poder sobreviver” (1993:87).

Apesar da ausência de consenso sobre as estatísticas, as pesquisas vêm

assinalando que cerca de 40% das famílias metropolitanas apresentam rendas

inferiores a um salário mínimo. Não é excessivo afirmar que exclusão social e

modernização econômica com seus novos arranjos espaciais vêm caminhando

juntas; constituem as duas faces do modelo seguido pelo Brasil. Assim, os

investimentos maciços no setor de telecomunicações vieram satisfazer, antes de

tudo, às exigências das mais poderosas organizações nacionais e internacionais.

Mais do que nunca o Estado deve enfrentar múltiplos conflitos ampliados

pelo processo de desigualdade sócio-espacial. A tendência se afirma no sentido

de uma divisão territorial do trabalho acentuada e de uma diferenciação da

localização. Ambas são fundadas sobre a mobilidade crescente dos capitais, que

leva à reorganização do sistema urbano e favorece a concentração

espacialmente seletiva dos potenciais de crescimento. A transformação da

metrópole num centro financeiro competitivo no plano internacional, sede de

numerosas organizações econômicas, centro cultural e espaço de consumo para

187

as classes dominantes da sociedade capitalista moderna engendram uma

polarização do mercado de trabalho, um crescimento paralelo do número de

empregos qualificados ligados às atividades de direção, concepção e gestão e do

número de empregos mal remunerados e sua própria heterogeneização graças

aos processos de segregação.

Concluímos esta parte do trabalho com uma hipótese: a intensificação da

circulação interagindo com as novas formas de organização da produção imprime

simultaneamente ordem e desordem numa perspectiva essencialmente

geográfica. À escala planetária ou nacional, as redes são portadoras de ordem -

através delas as grandes corporações se articulam, reduzindo o tempo de

circulação em todas as escalas nas quais elas operan1; o ponto crucial é a busca

de um ritmo, mundial ou nacional, beneficiando-se de escalas gerais de

produtividade, de circulação e de trocas.

“Na escala local, estas mesmas redes são muitas vezes portadoras de

desordem - numa velocidade sem precedentes engendram processos de

exclusão social, marginalizam centros urbanos que tirava sua força dos laços de

proximidade geográfica e alteram mercados de trabalho." Numa espécie de visão

caleidoscópica modelos espaciais se sucedem de forma rápida e móvel.

Os limites das teses

É consenso o fato de que estamos, hoje, frente a um fenômeno de

espetacular redução das barreiras espaciais, denominado por D. HARVEY (1989)

de uma rodada na compressão tempo-espaço. Nova, sugere o autor, porque

outras rodadas já tiveram lugar em outros momentos da História. As novas redes

de telecomunicações - como no passado o telégrafo e o telefone - constituiriam,

assim, a resposta contemporânea à necessidade de acelerar a velocidade de

circulação dos dados e do saber.

A história recente do desenvolvimento das técnicas de informação e de

comunicação no interior das organizações econômicas ilustra o ritmo acelerado

das mudanças e pode ser dividida em três fases. A primeira fase começa nos

anos sessenta e se estende ao longo da década de setenta. Neste estágio, como

ressalta o relatório NORA-MINC (1978:19):

188

“... a informática tinha um estatuto particular no interior das grandes

organizações: isolada porque ela se apoiava em máquinas reunidas num mesmo

lugar; centralizada, pois ela trazia de volta todas as informações dos usuários;

traumatizante, enfim, pois ela fornecia um produto acabado após uma operação

que tinha todas as aparências da alquimia”.

A segunda fase tem início nos anos setenta e adquire sua especificidade

pela introdução elos microcomputadores e pela utilização das redes em tempo

real:

"A unidade central e os arquivos se situam no interior de um complexo

sistema cujos pontos de acesso se multiplicam e onde os terminais cada vez

mais numerosos dialogam entre si e com os computadores centrais" (idem: 19).

Como cada estágio tecnológico abre novas possibilidades para o acesso à

informação, bem como o seu controle, nossa pesquisa vem acompanhando o

surgimento de uma terceira fase, inaugurada nos anos oitenta e definida pelo

aumento na capacidade de análise instantânea dos dados. Isso significa que

cada vez mais dados são transformados em informações, tornando-se essenciais

à gestão de grandes organizações econômicas. É verdade que um fator

econômico deu origem a esta evolução, a saber a fortíssima redução dos custos

no setor da eletrônica em curso nos últimos anos. Ao mesmo tempo, os critérios

capitalistas de organização da produção, a busca da diminuição no tempo da

circulação está na origem de um duplo processo de seletividade: econômica e

espacial, que as novas técnicas de informação e de comunicação só farão

aumentar.

O encontro entre informática e telecomunicações encontra-se no centro de

debates pluri-disciplinares que deram lugar a difusão de algumas teses que giram

em tomo de sua capacidade virtual de anular o espaço e de transformar o

território (VIRILO, 1977; BRESSAND e DISTLER, 1985). Na contramão desta

tendência, outros autores mostram como um certo 'delírio analítico' impregnou a

reflexão sobre as incidências das redes sobre o espaço (CURIEN e

GENSOLLEN, 1985; HARVEY, 1989; BEGAG, CLAISSE e MOREAU, 1990;

DIAS, 1991).

Em primeiro lugar, consideramos importante contestar a tese de que "a

contração das distâncias se tornou uma realidade estratégica de conseqüências

189

econômicas incalculáveis, pois ela corresponde à negação do espaço... a

localização geográfica parece ter definitivamente perdido seu valor estratégico...”

(VIRILLO, 1977: 13 1 e 133).

É claro que a aceleração dos ritmos econômicos pela eliminação do

'tempo morto', graças às novas técnicas de informação, diminui as barreiras

espaciais. Contudo, associar contração das distâncias à negação do espaço

revela uma perspectiva analítica reducionista - uma redução do espaço à noção

de distância. A análise do caso brasileiro vai de encontro a esta visão de um

espaço indiferenciado, reduzido à única noção de distância. Observamos um

espaço que se ordena em função de uma nova diferenciação que poderíamos

caracterizar como a diferença entre o virtual e o real - a integração de todos os

pontos do território pelas novas redes de telecomunicações, sem consideração

de distância, só se materializa em função de decisões e de estratégias.

Ao contrário a visão 'Viriliana', a localização geográfica toma-se portadora

de um valor estratégico ainda mais seletivo. As vantagens locacionais são

fortalecidas e os lugares a ser cada vez mais diferenciados pelo seu conteúdo -

recursos naturais, mão-de-obra, redes de transporte, energia ou

telecomunicação. Neste sentido, concordamos com a tese defendida por D.

HARVEY (1989:293-294): "Quanto menos importante às barreiras espaciais,

tanto maior a sensibilidade do capital às variações do lugar dentro do espaço e

tanto maior o incentivo para que os lugares se diferenciem de maneiras atrativas

para o capital”.

Uma segunda redução analítica, presente nos debates, é relativa ao

tempo. "Desde o momento em que se reduz o tempo à noção de tempo real, os

efeitos das novas tecnologias sobre o espaço serão instantâneos, e essas

tecnologias se desenvolverão num espaço cuja história (o tempo passado) e a

organização atual (o tempo presente) serão escotomizados” (BEGAG, CLAISSE

e MORREAU, 1990: 190). Neste sentido, as redes não vêm arrancar territórios

"virgens" de sua letargia, mas se instalam sobre uma realidade complexa que

elas vão certamente transformar, mas onde elas vão igualmente receber a

marca.

A introdução da teleinformática põe em movimento todo um jogo de

interações a partir do qual não é fácil prever as conseqüências. A comunicação

190

através das novas redes de parceiros econômicos - à montante e à jusante - se

acompanha de uma seletividade espacial. Integrando os agentes mais

importantes, as redes integram desigualmente os territórios, seguindo o peso das

atividades econômicas preexistentes. No lugar de abrir os ferrolhos, ela pode

favorecer a rigidez e o peso de antigas solidariedades.

Roubaram a Amazônia

Alguém descobriu que em mapas de livros escolares americanos havia

sido retirado um pedaço enorme do Brasil, na verdade toda a Amazônia.

Os orgulhos verde-amarelos foram eriçados e os gigabytes da internet

mobilizados para a denúncia de um grave fato: alguns já consideram

internacionalizada a nossa Amazônia. O ministro-conselheiro Paulo Roberto de

Almeida deu-se ao trabalho de escarafunchar por trás da noticia e desenterrou

um entulho considerável (www.pralmeida.org). O livro não está listado entre os

100 milhões do acervo da Biblioteca do Congresso (americano). Não está à

venda nos livreiros conhecidos (Incluindo www.amazon.com).

Nenhuma busca revelou algo sobre o autor. Com seu nome, só um

cientista especializado em paleontologia e dinossauros. Não consta a editora do

livro na citação. Mas o golpe de misericórdia na farsa vem de um exame do

suposto texto, reproduzido na internet, pois contém erros grosseiros de inglês.

Mais ainda, inclui palavras e expressões que são meras traduções literais do

português. O trabalho de detetive conduz a um website brasileiro de extrema

direita, responsável no passado por outras travessuras do mesmo naipe.

Obviamente, tudo não passa de uma mentira deslavada. Nada ficamos

sabendo do tema da internacionalização da Amazônia. Se quisermos uma

Amazônia solidamente nacional, temos de Valorizar seu uso inteligente e as boas

instituições de pesquisa que ajudam na busca de soluções locais. Temos de

promover a troca de idéias com brasileiros e estrangeiros interessados - mas

trocar impropérios em nada avança no conhecimento.

O incidente lembra um boato de que a rainha Vitória mandou tirar a Bolívia

do mapa, pois um embaixador britânico foi expulso daquele país por não

cumprimentar a amante do presidente. Nem a Bolívia desapareceu nem a

191

Amazônia foi internacionalizada.

Mas há outras lições a tirar do incidente, ilustrando um tema central na

aquisição do conhecimento que confiança temos na informação recebida? A

formação científica nos ensina a duvidar de tudo e de todos, pois só é

provisoriamente aceito como verdadeiro aquilo que ninguém conseguiu

demonstrar como sendo falso. Onde estão as fontes? Que credibilidade

merecem? Como foi coletada a informação? A que procedimentos foi submetida?

O mais triste é que a disseminação da boataria na internet recebeu a ativa

colaboração de acadêmicos de boas universidades, totalmente despreocupados

com a evidente violação desses princípios, Esse incidente mostra uma banda

frágil de nosso mundo acadêmico. Confrontado com um e-mail do diplomata, um

professor afirma que só responderá à mensagem depois de saber qual a opinião

do autor acerca da lnternacionalização. Ou seja, o que importaria não é a

autenticidade do dado, mas as opiniões do interlocutor. O método científico

denuncia os argumentos ao homem. Isto é, descolados do mérito do assunto e

condicionados às pessoas envolvidas. Que exemplos de busca serena do

conhecimento estará dando esse professor a seus alunos?

Fora dos meios acadêmicos, a situação é pior, pois a grande Imprensa

ainda está mais longe dos critérios de rigor da ciência. Ainda assim, há uma certa

tradição de serenidade e os nomes dos redatores responsáveis estão impressos

nos jornais. Na televisão, é mais comum o dito pelo não dito. Mas a internet é

catastrófica desse ponto de vista. Não há responsáveis, não há autores, não há

reputações construídas por décadas de trabalho sério. É a informação

Instantânea impunidade eterna. Ou os freqüentadores da Internet aprendem a

questionar o que lêem ou aumentará cada vez mais a volatilidade das

informações e desinformações.

Vivemos em sociedades abarrotadas de informação e capengas em

controle de qualidade das notícias que circulam. Portanto, a boa cidadania inclui

a aquisição de hábitos como checar fontes e questionar o que nos é dito. Já vem

de Descartes o principio da dúvida sistemática de tudo que nos chega às mãos e

da necessidade de distinguir entre o verdadeiro e o falso usando a razão e o bom

senso.

As teses aqui discutidas apontam para um conjunto de interrogações que

192

formam, na atualidade, um campo pluri-disciplinar de pesquisa, no qual

pesquisadores de horizontes disciplinares diversos buscam desenvolver um

quadro conceitual capaz de melhor apreender a significação e o papel histórico

das redes.

Gostaríamos de insistir no fato de que o conceito de rede vem se

constituindo, nos anos recentes, numa agenda de pesquisa que reúne propostas,

significados e abordagens disciplinares diversas. Entre as várias contribuições, I.

SCHERER-WARREN trabalha a idéia de rede de interações entre diferentes

atores sociais e propõe que "a análise em termos de rede de movimentos implica

buscar as formas de articulação entre o local e o global, entre o particular e o

universal, entre o uno e o diverso, nas interconexões das identidades dos atores

com o pluralismo. Enfim, trata-se de buscar os significados dos movimentos

sociais num mundo que se apresenta cada vez mais como interdependente,

intercomunicativo, no qual surge um número cada vez maior de movimentos de

caráter transnacional, como os de direitos humanos, pela paz, ecologistas,

feministas; étnicos e outros" (1993: 10).

A relação entre as mudanças qualitativas na realidade sócio-econômica

mundial e as novas redes estratégicas entre as empresas vem sendo estudada

por R. RANDOLPH. Novas, afirma o autor, porque "rompem com sistemas

tradicionais; transcendem estruturas até então consolidadas e arrasam com a

convencional separação entre hierarquia (intraempresa) e mercado (entre

agentes sociais)" (1993:172). A temática da apropriação social das redes de

telecomunicações no Brasil é enfocada por T. BENAKOUCHE, para quem, “... se

houve um grande interesse e um investimento sustentado na expansão e na

modernização das redes, isto não se refletiu - pelo menos até agora - num

desenvolvimento equivalente de novos serviços e menos ainda na sua

apropriação pela sociedade brasileira" (1995:231).

O conjunto de contribuições apresentado ao longo deste trabalho aponta,

de fato, em direção a um programa de pesquisa interdisciplinar - o estudo das

redes passa obrigatoriamente por um trabalho que se desenvolve na fronteira

com as outras disciplinas, seja com a Engenharia, a Sociologia, a Física, a

Economia ou a História.

Trata-se de buscar o significado das redes; não numa perspectiva de

193

linearidade entre o desenvolvimento técnico e as transformações espaciais,

sociais ou econômicas, mas sim numa realidade pluridimensional, na qual

emergem as estratégias antagônicas de uma multiplicidade de atores. Neste

sentido, a história das redes técnicas é, sem dúvida, um processo complexo, no

qual coexistem eventos determinados por interações locais e projetos definidos

por concepções globais sobre o papel das técnicas de informação e de

comunicação.

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QUESTÃO 01

Com a economia mundial globalizada, a tendência comercial é a formação de blocos

econômicos. Estes são criados com a finalidade de facilitar o comércio entre os países

membros. Adotam redução ou isenção de impostos ou de tarifas alfandegárias e buscam

soluções em comum para problemas comerciais. Em tese, o comércio entre os países

constituintes de um bloco econômico aumenta e gera crescimento econômico para os

países.

São exemplos de blocos econômicos, EXCETO:

A) MERCOSUL

B) NAFTA

C) UE

D) OTAN

QUESTÃO 02

Geralmente estes blocos são formados por países vizinhos ou que possuam afinidades

culturais ou comerciais. Esta é a nova tendência mundial, pois cada vez mais o comércio

entre blocos econômicos cresce.

Ficar de fora de um bloco econômico é:

a) Viver isolado do mundo comercial;

b) Ser independente;

c) Ser o líder em sua região;

d) Demonstrar poderio e superioridade.

QUESTÃO 03

197

Foi oficializado como bloco econômico no ano de 1992, através do Tratado de Maastricht,

possui uma moeda única e um sistema financeiro e bancário comum. Os cidadãos dos

países membros podem circular e estabelecer residência livremente entre si. Também

possui políticas trabalhistas, de defesa, de combate ao crime e de imigração em comum.

O texto acima refere-se:

a) AO NAFTA

b) À UNIÃO EUROPÉIA

c) AO MERCOSUL

d) PACTO ANDINO

QUESTÃO 04

Começou a funcionar no início de 1994 e oferece aos países membros vantagens no acesso

aos mercados dos países. Estabeleceu o fim das barreiras alfandegárias, regras comerciais

em comum, proteção comercial e padrões e leis financeiras. Não é uma zona livre de

comércio, porém reduziu tarifas de aproximadamente 20 mil produtos.

O enunciado acima define o seguinte bloco econômico e seus respectivos países membros:

a) NAFTA (Estados Unidos, México e Canadá).

b) ALCA (Estados Unidos, México e Canadá).

c) MERCOSUL (Brasil, Argentina, Paraguai).

d) PACTO ANDINO (Bolívia, Equador e Chile).

QUESTÃO 05

O Mercosul (Mercado Comum do Sul) foi oficialmente estabelecido em março de 1991. É

formado pelos seguintes países da América do Sul: Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina.

Futuramente, estudam-se a entrada de novos membros, como o Chile e a Bolívia. O objetivo

principal do Mercosul é:

a) Eliminar as barreiras físicas entre os países membros;

b) Eliminar as barreiras comerciais entre os países, aumentando o comércio entre eles.

c) Estabelecer tarifa zero entre os países e uma moeda única;

d) Estabelecer uma moeda única.

QUESTÃO 06

198

O Pacto andino é outro bloco econômico da América do Sul. Foi criado no ano de 1969 para

integrar economicamente os países membros. As relações comerciais entre os países

membros chegam a valores importantes, embora os Estados Unidos sejam o principal

parceiro econômico do bloco.

São países membros do Bloco:

a) Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela;

b) Bolívia, Brasil, Equador e Peru;

c) Chile, Colômbia, Bolívia, Peru e Guatemala;

d) Chile, Guatemala, Venezuela e Equador.

QUESTÃO 07

Criado em 1993 na Conferência de Seattle (Estados Unidos ). Integram este bloco

econômico os seguintes países: EUA, Japão, China, Formosa (Taiwan), Coréia do Sul, Hong

Kong, Cingapura, Malásia, Tailândia, Indonésia, Brunei, Filipinas, Austrália, Nova Zelândia,

Papua Nova Guiné, Canadá, México e Chile. Somadas a produção industrial de todos os

países, chega-se a metade de toda produção mundial. Quando estiver em pleno

funcionamento, será o maior bloco econômico do mundo.

a) A APEC

b) O NAFTA

c) A CEAP

d) A UEPA

QUESTÃO 08

Acordo de livre comércio da América do Norte - NAFTA

Constitue-se em um instrumento de integração das economias dos EUA, do Canadá e do

México. O NAFTA (North America Free Trade Agreement) foi iniciado em 1988, entre norte-

americanos e canadenses, e por meio do Acordo de Liberalização Econômica, assinado em

1991, formalizou-se o relacionamento comercial entre os Estados Unidos e o Canadá. Em 13

de agosto de 1992, o bloco recebeu a adesão dos mexicanos. O NAFTA entrou em vigor em

1º de janeiro de 1994, com um prazo de 15 anos para a total eliminação das barreiras

alfandegárias entre os três países, estando aberto a todos os Estados da América Central e

do Sul. O NAFTA consolidou o intenso comércio regional no hemisfério norte do Continente

Americano, beneficiando grandemente à economia mexicana, e aparece como resposta:

a) À Formação do MERCOSUL e auxiliando no enfrentamento da concorrência chinesa;

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b) À formação da Comunidade Européia, ajudando a enfrentar a concorrência representada

pela economia japonesa e por este bloco econômico europeu.

c) À entrada da China no mercado capitalista;

d) Ao avanço dos Tigres Asiáticos.

QUESTÃO 09

O Mercado Comum do Sul (Mercosul) foi criado em 26/03/1991 com a assinatura do Tratado

de Assunção no Paraguai. Fazem parte deste importante bloco econômico do América do

Sul os seguintes países: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Embora tenha sido criado

apenas em 1991, os esboços deste acordo datam da década de 1980, quando Brasil e

Argentina assinaram vários acordos comerciais com o objetivo de integração. Chile e

Bolívia poderão entrar neste bloco econômico, pois assinam tratados comerciais e já estão

organizando suas economias para tanto.

No ano de 1995, foi instalada a zona de livre comércio entre os países membros que define:

a) A comercialização de quaisquer produtos e serviços entre os países membros, sem

tarifação;

b) As mercadorias produzidas nos países membros podem ser comercializadas sem tarifas

comerciais. Porém, alguns produtos não entraram neste acordo e possuem tarifação especial por

serem considerados estratégicos ou por aguardarem legislação comercial específica;

c) A comercialização de produtos com tarifas mínimas entre os países membros;

d) A possibilidade de instalação de fábricas e lojas de quaisquer países membros nos seus

parceiros de bloco, sem a necessidade de autorização local.

QUESTÃO 10

As duas maiores economias do Mercosul enfrentam algumas dificuldades nas relações

comerciais. A Argentina está impondo algumas barreiras no setor automobilístico e da linha

branca (geladeiras, micro-ondas, fogões), pois a livre entrada dos produtos brasileiros está

dificultando o crescimento destes setores na Argentina. Na área agrícola também ocorrem

dificuldades de integração, pois os argentinos alegam que o governo brasileiro oferece

subsídios aos produtores de açúcar. Desta forma:

a) O produto chegaria ao mercado argentino a um preço muito competitivo, prejudicando o

produtor e o comércio argentino.

b) O Brasil teria vantagens econômicas na América;

c) A Argentina em retaliação, não compra o açúcar brasileiro;

d) A Argentina faz o mesmo com o açúcar produzido por ela, para ter competitividade.

200

QUESTÃO 11

A Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) pretende ser o maior bloco econômico do

planeta, reunindo os 34 países do continente americano – que somam um Produto Interno

Bruto de quase US$ 11 trilhões e mais de 808 milhões de habitantes. Só para se ter uma

idéia da dimensão deste acordo, a União Européia, que demorou quase 30 anos para entrar

em vigor, conta com metade da população e cerca de US$ 2 trilhões a menos de PIB.

Somente Cuba, por rejeição dos EUA e também por sua corajosa defesa da integridade

nacional, está de fora das negociações deste tratado.

Embora a sigla trate apenas do fantasioso “livre comércio”, o alcance da ALCA será bem

maior. Na prática, ela visa:

a) Tornar a América no futuro, um Mercado Comum como o europeu.

b) Avançar na total desregulamentação das economias latino-americanas e na anulação

completa do papel dos estados nacionais. Trata-se de um projeto estratégico dos Estados Unidos

de consolidação de sua dominação sobre a América Latina, por meio da criação de um espaço

privilegiado de ampliação de suas fronteiras econômicas.

c) Fazer parte de uma estratégica neocolonialista do imperialismo norte-americano, e uma

medida para a anexação das economias latino-americanas e posterior anexação territorial.

d) Fortalecer todos os países americanos membros, adotando uma moeda única.

QUESTÃO 12

Até os atentados do dia 11 de setembro, o movimento nascente contra a globalização

capitalista havia eclipsado o discurso hegemônico. Uma onda impressionante de

mobilizações percorreu o mundo: Seattle, Melbourne, Washington, Praga, Gotemburgo,

Quebec, Gênova... Os formuladores e principais interessados nas políticas neoliberais

realizavam suas reuniões escondidos em fortalezas cercadas por muros e guarnecidas por

grandes contingentes policiais -- ou em países distantes do centro do sistema, governados

por regimes despóticos.

A tragédia do dia 11 de setembro mudou radicalmente o cenário mundial, no sentido de

que:

a) Revelou atores até então considerados coadjuvantes e foi pretexto para que a grande potência

militar e econômica iniciasse uma impressionante articulação de forças em torno de si mesma;

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b) Trouxe enormes riscos ao mundo: censura à imprensa, violação dos direitos humanos (em

especial dos imigrantes), substituição da Justiça por comissões militares autorizadas a decretar

pena de morte e tentativa de radicalizar (na OMC e na ALCA) um modelo que concentra riquezas

e multiplica exclusões.

c) Não faltaram os comentaristas prontos a malabarismos retóricos, interessados em juntar num

mesmo saco, ativistas antiglobalização com os fundamentalistas islâmicos, já que ambos lutam

contra os Estados Unidos...

d) Todas as alternativas anteriores.

QUESTÃO 13

É comum a utilização dos termos Geografia Política e Geopolítica como se fossem

sinônimos, mas, na verdade, eles não o são. Enquanto Geografia Política preocupa-se com

a “observação, o registro e a análise dos processos políticos no espaço”, a Geopolítica

visa:

a) Á Manipulação irreal das questões sociais;

b) Á manipulação real das questões políticas e estratégicas;

c) A observação, o registro e a análise dos processos políticos no tempo passado/histórico;

d) À observação geográfica da política em seu estado natural e uma análise geocientífica dos

mesmos.

QUESTÃO 14

Na Geopolítica, uma boa análise de um foco de tensão deve ter como base alguns

parâmetros fundamentais, exceto:

a) O estudo da posição geográfica da área; neste caso, devem-se utilizar os recursos da

Cartografia;

b) A análise das características geográficas da área em estudo;

c) A análise histórica e social dos acontecimentos;

d) A relação do conflito com a teoria Centro-Periferia (os países “centrais” são as grandes

potências mundiais interessadas em manter sua hegemonia sobre os demais países, chamados

de “periféricos”);

QUESTÃO 15

As relações entre muçulmanos e judeus foram, em outros tempos, relativamente

harmoniosas. Na Espanha muçulmana, os judeus eram protegidos pelos governantes

muçulmanos. Saladino agiu da mesma forma no Oriente Médio, quando retomou Jerusalém,

em posse dos Cruzados, e trouxe muçulmanos e judeus de volta à cidade. Depois da vitória

da Reconquista católica na Espanha, os judeus receberam asilo e refúgio no Império

Otomano. Foi a nakba (catástrofe) de 1948 que demarcou a verdadeira ruptura entre judeus

e árabes. Os dirigentes sionistas, com um sentimento latente de culpa em relação aos

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palestinos expulsos, tornaram-se mais agressivos, mais arrogantes e mais fanáticos e

desempenharam seu papel em, exceto:

a) 1945 (Holocausto);

b) 1956 (guerra do Suez);

c) 1967 (Guerra dos Seis Dias);

d) 1982 (guerra do Líbano).