Mutacoes No Territorio Da Zona Leste - Zl Vortice-nelson Brissac

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Transformacoes ZL Vórtice

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    Urbanismo infraestrutural

    Mutaes na Zona Leste de So Paulo

    Nelson Brissac Peixoto

    Nos extremos da cidade, os processos urbanos envolvem grandes obras

    de infraestrutura metropolitana, moradia precria e necessidade de proteo ao

    meio ambiente. Na periferia da Zona Leste de So Paulo, a expanso urbana

    se deu ao longo dos eixos de transporte: os ramais ferrovirios da CPTM, o

    metr, a av. Radial Leste e, depois, a Jac-Pssego. Mais tarde a ocupao se

    deu tambm na vrzea do Tiet, entre a linha do trem e o rio, em reas muito

    suscetveis enchentes, demandando a implantao de grandes dispositivos

    de drenagem e conteno das guas. Trata-se de um urbanismo

    infraestrutural, em que grandes obras ferro/rodovirias e de escoamento fluvial

    sustentam operaes de reestruturao de extensas reas de ocupao

    desordenada e informal.

    A implantao (de 1995 a 2012) da av. Jac-Pssego, eixo metropolitano

    ligando o aeroporto de Guarulhos ao rodoanel e ao porto de Santos,

    reconfigurou toda a regio. Trata-se de perimetral norte-sul que cruza

    perpendicularmente os vetores dominantes de transporte, responsveis pela

    rpida expanso da ocupao urbana da Zona Leste.

    O sistema metro-rodovirio da zona leste foi estabelecido, historicamente,

    como um dispositivo de escoamento bairros-centro. A av. Radial Leste e as

    linhas de metr e trens (CPTM), alm das autoestradas que prolongam a av.

    Marginal do Tiet, so basicamente traadas de modo a convergir para a rea

    central da cidade, dificultando o acesso local e a ligao de bairros vizinhos

    entre si. Romper a barreira que essas linhas configuram no territrio,

    fragmentando o espao urbano, e criar maior conexo e porosidade entre os

    diferentes bairros, portanto essencial para gerar uma urbanidade mais

    estruturada e sustentvel.

    A prpria dinmica da implantao da infraestrutura, colada no

    desenvolvimento da cidade, j responde a essa demanda: as programadas

    expanso da linha 2 do metr, que vai cortar a av. Radial Leste na altura da

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    Penha, e a nova linha de VLT que deve ligar o ABC Guarulhos, paralela av.

    Jac-Pssego, so tambm ortogonais aos eixos dominantes e devem

    contribuir para articular as centralidades locais. Alm da nova linha 15 do metr

    (monotrilho), que vai ligar So Mateus, cortando as avenidas Aricanduva e

    Jac-Pssego, Cidade Tiradentes.

    Trata-se de aproveitar a implantao desses novos dispositivos

    infraestruturais para assegurar que eles proporcionem transposies das vias

    existentes e facilitem os fluxos locais. Particularmente as estaes planejadas

    junto a reas de ocupaes (como Tiquatira e Vila Jacu) podem tambm ser

    implantadas de modo a se configurarem como espaos pblicos dinamizadores

    daquelas reas.

    A primeira questo que se coloca : que tipo de urbanidade local a av.

    Jac-Pssego, um dispositivo logstico metropolitano, ser capaz de

    engendrar? Trata-se de uma infraestrutura urbana de grande escala, a maior

    obra viria realizada na cidade em dcadas (considerando-se o rodoanel um

    sistema regional). Esse grande eixo corta ou ladeia bairros formados por

    ocupaes na vrzea do Tiet, atravessa a rea densamente ocupada de

    Itaquera e depois contorna a zona rarefeita do distrito industrial e a rea de

    proteo ambiental do Carmo, antes de seguir em direo ao rodoanel. Como

    essas diferentes situaes urbanas esto se reconfigurando ao serem

    articuladas pela nova grande artria?

    preciso observar se a infraestrutura viria est sendo capaz de induzir

    um processo de dinamizao da rea urbana consolidada (caracterizada por

    ocupao adensada, pequenos lotes e ruas estreitas) e do distrito industrial

    (que tambm apresenta limitaes de acesso local). Alm de contribuir para a

    manuteno das reas ambientais. Ou seja: a av. Jac-Pssego pode servir

    para melhor articular os bairros vizinhos, hoje desprovidos de ligao local?

    Poder com isso induzir a uma maior permeabilidade do tecido urbano

    adensado, provocando mais fluxos locais? Que urbanismo pode surgir a?

    Especificamente o novo polo de Itaquera, com seu sistema virio e grandes

    equipamentos administrativos, educacionais e de lazer, ser capaz de compor

    com o antigo bairro uma rea urbana integrada?

    Na regio do distrito industrial _ chamado Entre-Rios, prximo ao

    Parque do Carmo _ a questo outra: o dispositivo logstico, a princpio

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    favorecendo o escoamento de mercadorias, vai incrementar a instalao na

    rea de mais empresas fabrs ou, ao contrrio, vai provocar uma ocupao

    urbana mais diversificada, favorecendo o desenvolvimento de atividades de

    servios? Que tipo de economia uma infraestrutura viria em escala

    metropolitana induz no territrio?

    Por fim, a av. Jac-Pssego pode contribuir para consolidao das

    reas de preservao ambiental ou, ao contrrio, ao favorecer o acesso,

    provocar um aumento das favelas e ocupaes informais, que j proliferam na

    rea de mananciais?

    Na vrzea do Tiet, sucessivas ocupaes constituram bairros,

    comprimidos entre a linha frrea (CPTM) e o rio. Aqui a ferrovia funciona como

    um obstculo, isolando a rea do restante da cidade. A construo de viadutos

    (como em Unio de Vila Nova) e de novas estaes de trem tm criado

    transposies que facilitam o acesso local. A implantao de uma linha de VLT,

    direcionada ao aeroporto de Guarulhos, cruzando a linha frrea existente,

    contribuir para romper essa configurao estriada, permitindo fluxos em todas

    as direes.

    A questo nos bairros da vrzea no , primordialmente, a ferrovia, mas

    o rio. No a barreira da linha de trem, mas o outro lado, a margem do rio.

    Nessa rea, a principal infraestrutura, ainda em processo de implantao, de

    drenagem e conteno das guas. O dispositivo de escoamento fluvial.

    Trata-se de como o urbano se relaciona com o rio, que neste trecho no

    canalizado, conservando em parte o desenho em meandros de rio de

    plancie. Da as enchentes constantes, nos perodos de cheia, que atingem

    essas ocupaes. Nessa frente a cidade tem de lidar com as dinmicas fluviais.

    Aqui a questo como a infraestrutura de manejo das guas se relaciona com

    o comportamento do rio e com o urbano.

    Trata-se da articulao entre infraestrutura, urbanismo e meio ambiente.

    Os bairros formados pelas ocupaes da vrzea do Tiet configuram um

    urbanismo infraestrutural, em que grandes obras de drenagem e conteno

    ocorrem simultneamente a processos de reestruturao dos assentamentos.

    Ou seja: a implantao de infraestrutura de guas, necessria para evitar o

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    alagamento das ocupaes existentes, o ponto de partida para a

    reurbanizao de toda a rea.

    O processo de reurbanizao de Unio de Vila Nova, conduzido pela

    CDHU, paradigmtico. A maior das ocupaes na vrzea, sujeita

    inundaes peridicas, foi reestruturada e saneada sem que os moradores

    tenham sido removidos da rea. Primeiro foram realizadas obras de aterro dos

    terrenos inundveis (realocando os habitantes) e de drenagem e canalizao

    dos crregos. O centro da rea, uma parte mais baixa, era inesgotvel, um

    verdadeiro ralo de escoamento das guas. Ali se construiu canais de

    drenagem, sobre os quais se desenhou o parque.

    O polder e dique recentemente construdos no Jardim Romano buscam

    controlar o escoamento do rio, represando o excesso no reservatrio e

    impedindo a infiltrao no bairro com a barreira de conteno. um dique,

    elevado cerca de 1,5 m em relao ao nvel das ruas, que circunscreve a rea

    de ocupao na margem do rio. Uma enorme construo, implantada em meio

    s moradias precrias, tendo ao lado um equipamento educacional pblico.

    Essa infraestrutura pode ser vista como um dispositivo fechado, uma

    barreira que bloqueia o acesso margem, fazendo com que a cidade fique de

    costas para o rio. Como se poderia melhor integrar a infraestrutura ao urbano?

    Modelar o territrio, com reas de transio entre o rio e a cidade. Criar

    espaos reversveis: parques (quando no chove) que se convertam em

    reservatrios. A cidade de frente para o rio.

    A anunciada implantao, pelo DAEE, de dois outros polderes, em

    bairros vizinhos (Jardim Helena e Vila Itaim), deve consolidar um grande

    sistema infraestrutural de guas, determinando o desenho de todo o territrio

    urbano da vrzea. O conjunto constituir uma das mais importantes

    intervenes urbanas realizadas na Zona Leste.

    A vrzea do Tiet, bem como as bacias dos crregos afluentes, um

    paradigma para compreender as paisagens emergentes no espao

    metropolitano contemporneo. Aqui as infraestruturas de drenagem devem ser

    concebidas de acordo com o rio de meandros, um sistema dinmico capaz de

    autoorganizao. Os sistemas complexos resultantes da integrao de

    ecologias naturais e culturais demandam infraestruturas e arquiteturas

    adaptveis, que reconheam e interajam com a dinmica fluvial. Uma complexa

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    paisagem urbana que seja capaz de resistir s mudanas de nivel do rio e, ao

    mesmo tempo, se adequar s variaes da natureza e da cidade.

    Trata-se de abordar a implantao de infraestrutura e urbanismo junto

    ao rio, evidenciando os parmetros cientficos e tcnicos adotados. Uma

    colaborao entre agncias pblicas e universidade para apresentar os

    instrumentos mais contemporneos de visualizar e projetar situaes

    complexas em grande escala. Trabalhar a relao entre infraestrutura,

    urbanismo e a cultura das comunidades. Aes locais visando a compreenso

    dos dispositivos de preveno de enchentes, de sistemas de drenagem e

    arruamento, integrando-os ao tecido urbano e paisagem.

    A Zona Leste apresenta ocupaes informais em reas de risco, sujeitas

    inundaes. Em toda a regio existem assentamentos precrios em beiras de

    rios, acarretando a obstruo do sistema de esgotamento e poluio das

    bacias fluviais. Essas situaes crticas demandam uma convergncia de

    pesquisadores, criadores e foras sociais, inclusive as comunidades afetadas,

    para buscar novos procedimentos e tcnicas de escoamento e reurbanizao

    nas margens de rios e em reas de preservao ambiental.

    preciso redimensionar as relaes entre infraestrutura, meio ambiente,

    moradia e trabalho. Redesenhar a integrao da arquitetura com o sistema

    virio e de drenagem, as reas de produo e os espaos pblicos. Aes para

    qualificar os equipamentos infraestruturais relacionados preveno de

    inundaes, remoo de resduos, preservao ambiental e convivncia social

    em reas crticas. Buscar novas maneiras de lidar com a gesto de resduos e

    reciclagem. A urbanizao de ocupaes informais assentada em redes sociais

    de processamento e reuso de materiais.

    Promover aes que objetivam a capacitao de gestores municipais e

    locais para processos de urbanizao em reas crticas, instrumentalizar o

    acompanhamento pela coletividade da implantao de infraestruturas urbanas;

    preparar as comunidades para detectar e lidar com situaes de risco e

    desenvolver novas tcnicas de saneamento e preservao ambiental

    integradas aos processos urbanos e culturais.

    A infraestrutura fundamental para as polticas pblicas, determinando o

    planejamento da urbanizao e o projeto de equipamentos urbanos. Os

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    assentamentos na periferia so especialmente condicionados pela

    infraestrutura, mas a enorme dimenso desses elementos torna difcil para as

    populaes locais entend-los e interagir com sua implantao e

    funcionamento.

    Trata-se de aproveitar a realizao, na regio, de importantes obras de

    infraestrutura (eixos virios, linhas de trem e metr, drenagem, canalizao de

    crregos, reservatrios e diques) e a instalao de espaos pblicos para

    promover a participao da sociedade em processos de urbanizao. No

    momento em que se intensificam a interveno da administrao pblica e a

    ocupao informal de reas crticas, abre-se uma oportunidade nica para

    arquitetos, artistas e cientistas, alm das prprias comunidades locais, atuarem

    em sintonia com a complexidade e as grandes escalas dos processos urbanos.

    fundamental a participao de criadores e moradores na mudana do

    paradigma cultural pelo qual essas reas urbanas so apreendidas pela

    sociedade. Enfatizar manifestaes que particularizem essas regies no

    cenrio cultural da cidade, valorizando suas paisagens e ambientes urbanos.

    Desenvolver ferramentas que permitam s populaes locais ter maior

    participao na definio de polticas pblicas e ambientais, de modo a

    perceberem o potencial econmico e cultural de seu meio ambiente e situao

    urbana.

    A infraestrutura pode ser um laboratrio de polticas urbanas. Um

    dispositivo informacional, articulando em rede gestores pblicos e

    comunidades, pode ser acoplado infraestrutura de conteno e escoamento.

    Implanta-se um novo tipo de infraestrutura: as redes digitais. Sensores,

    combinados com aparelhos portteis, so usados para monitorar o meio

    ambiente e otimizar o transporte. A experincia da cidade passa a ser

    relacionada coleta e transmisso de informao digital.

    urgente a instalao de rede wifi e dispositivos para aumentar a

    capacidade local de conexo. Experimentar formatos de conectividade. Criar

    redes de sensores em escala urbana, por conexes sem fio, para permitir

    acesso em tempo real aos dados pela internet. Desenvolver aes para

    qualificar os equipamentos infraestruturais relacionados preveno de

    enchentes, remoo de resduos, preservao ambiental e convivncia social

    em reas crticas.

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    No mbito da arquitetura, trata-se de desenvolver propostas de

    equipamentos pblicos e estruturas emergenciais. As grandes cidades podem

    resgatar seus espaos pblicos? A construo de infraestrutura e

    equipamentos urbanos pode ser um campo para a experimentao de novos

    materiais, tipologias e sistemas construtivos para espaos pblicos,

    procedimentos para preservar o meio ambiente, novos modos de projetar,

    fabricar e edificar em reas urbanas crticas.

    Investigar materiais de construo complexos, heterogneos, que

    respondam ao ambiente, permitindo novos sistemas arquitetnicos que variam

    na forma e funes. Novos materiais, orgnicos e sintticos, adaptveis a

    mudanas climticas, e sistemas construtivos capazes de variao estrutural.

    Projetos que se desenvolvam na interseco entre a infraestrutura, o urbano e

    a paisagem. Combinar inovao e participao social.

    o que permitir atualizar programas de urbanizao e as demandas

    das comunidades por espaos pblicos, a difuso de modos de desenhar e

    manter espaos de uso coletivo, o incentivo pesquisa e a inovao

    tecnolgica. aqui que se joga o futuro de So Paulo.