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CENTENÁRIO MÚCIO DE CASTRO 2 Caderno Especial | SEXTA-FEIRA, 08 DE MAIO DE 2015

MC- Rede Passo Fundo de Jornalismo Ltda

Rua Silva Jardim, 325 A - Bairro AnnesCEP 99010-240 – Caixa postal 651

Fone: 54- 3045-8300 - Passo Fundo RS

www.onacional.com.br

Múcio de Castro 1915 1981

ContatosAssinaturas:

[email protected]:

[email protected]ção:

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FonesGeral: (54) 3045.8300

Redação: (54) 3045.8328Assinaturas: (54) 3045.8335

Classificados: (54) 3045.8334Circulação: (54) 3045.8333

Conselho EditorialMúcio de Castro Filho

Clarice Martins da Fonseca de CastroMilton Valdomiro RoosAntero Camisa JuniorDárcio Vieira Marques

Paulo Sérgio OsórioValentina de Los Angeles Baigorria

Múcio de Castro Filho

Zulmara Colussi

Gerson Lopes

Cássia Paula Colla

Diretor Presidente: Editora Chefe:

Texto:Projeto Gráfico e

diagramação:

Trajetória que marcou épocaS n Gerson Lopes/ON

ob o comando do gerente interino, Severi-no Ronchi, a equipe de redatores do jornal O Nacional preparava a edição de número 936 para ser distribuída no dia seguinte, 2 de junho de 1931, quando um menino de apenas 15 anos, apresenta-se para assumir uma das vagas no setor de expedição da empresa. Começava ali a trajetória do futu-ro jornalista, empresário, político, rotariano e chefe de família, Múcio de Castro, que na data de hoje completaria 100 anos de vida..Nascido em 8 de maio de 1915, na rua Mo-ron, nº 14, o segundo, dos seis filhos do casal Leão Nunes Cavaleiro de Castro e Magdalena Martins de Castro, Múcio foi em busca de seu primeiro emprego para ajudar no sustento da família. Natural de Taquarembó, no Uruguai, e naturalizado brasileiro ainda na juventude, Leão já es-tava em Passo Fundo quando perdeu a patente de coronel do Corpo Oficial du-rante a revolução e passou a exercer o cargo de oficial de Justiça.

Múcio aprende rapidamente o serviço no setor de distribuição do jornal e, em pouco tempo, assume a chefia da expe-dição. Transferido para outras funções,

passa a dominá-las com a mesma rapidez. Torna-se editor-chefe e diretor de redação.

Fundado em 1925, na avenida Brasil, qua-se esquina com a Sete de Setembro (em fren-te a atual Praça do Teixeirinha), O Nacional pertencia à família Annes, Araújo e Bastos e sua função predominante neste período era dar sustentação política nas históricas dispu-tas entre os Annes e seus opositores. Com o passar do tempo, os proprietários foram per-

dendo o interesse pelo jornal. No entanto, o adolescente que ingressa-

ra na empresa para pedir emprego descas-cando uma bergamota, já havia atravessa-do toda sua juventude respirando o cheiro do papel, ouvindo o ritmo das máquinas de datilografia, apurando informações e trans-formando-as em notícias. Múcio estava pronto para o novo desafio: em 1940, aos 24 anos, assume a direção geral de O Nacional.Exército em 1939

Múcio de Castro com a irmã Maria (Santa) de Castro.

n Centenário Múcio de Castro

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CENTENÁRIO MÚCIO DE CASTRO 3 SEXTA-FEIRA, 08 DE MAIO DE 2015 | Caderno Especial

Não era somente a vida profis-sional do jornalista que andava a passos largos naquele início de década. O namoro com uma jovem vinda de Guaporé, cujos primeiros olhares foram trocados durante um baile de carnaval no clube Caixeiral, termina no altar. Castro e Ada se casam no dia 10 de dezembro de 40, na igreja Nossa Senhora da Conceição.

“Ele estava encostado em uma parede, fazendo anotações, acho que para uma reportagem. Eu morava em Guaporé, vim com minha mãe no carnaval. Com o tempo começamos a namorar, ele ia até Guaporé me visitar” conta

Ada, 94 anos. Para amenizar a saudade, a troca

de cartas era uma alternativa dos namorados, até o dia em que uma delas foi parar em endereço er-rado. “Tinha um rapaz que morava em Passo Fundo e se chamava Múcio Mendes de Castro, já o so-brenome do meu namorado era Martins de Castro, só que o correio mandou a correspondência para a casa do outro. Deu uma con-fusão tremenda, o Múcio teve que ir lá explicar que a namorada era dele” recorda sorrindo. Para evitar novos problemas, a partir deste fato, o jornalista retira o Martins e decide assinar somente Múcio de

A década de 40, pautada pela 2ª Guerra Mun-dial, já estava se despedindo, quando Múcio e Ada, juntamente com o primeiro dos seis filhos, Tarso de Castro, nascido em 11 de setembro de 1941, resolvem se livrar dos riscos provocados pelas brasas do trem e mudam de endereço. O jornal permanece na avenida Brasil, mas agora quase na esquina com a rua Bento Gonçalves (perto da atual galeria Bento Brasil). O casal e o filho voltam a morar nos fundos da empresa. Posteriormente, residem na rua Coronel Chicuta e depois mudam-se para a rua General Neto, nº 345 (em frente ao fórum).

É naquele prédio, de número 322, que os princi-pais acontecimentos de Passo Fundo, Rio Grande do Sul, Brasil e do mundo serão registrados nas pá-ginas de ON pelos próximos 40 anos. O conteúdo ganha força pelas mãos do novo proprietário e influencia de maneira decisiva na opinião pública. Também é ali que serão tomadas decisões impor-tantes para os rumos da cidade, da política local e estadual.

Não é à toa que o jornal vira reduto de amigos, intelectuais e políticos da época. Bater o ponto por lá no final da tarde era quase que obrigação para quem tinha interesse em ficar bem informado. En-tre as nuvens de fumaça dos cigarros, o cheiro de café, e o tilintar do gelo no copo de uísque, a con-versa se arrastava e invadia a noite. Múcio trocava ideias com os amigos ao mesmo tempo em que cuidava da edição do dia seguinte.

“O jornal O Nacional era o veículo que abriga-va os políticos e as ideias renovadoras da época. A gente se reunia naturalmente lá. Eu era figura as-sídua naquela roda. Lembro que numa certa noite, já por volta da meia-noite, um do grupo contava uma passagem ocorrida sobre um deputado fed-eral folclórico. Em plena narrativa este deputado entra na sala cumprimentando a todos sem perceber que era a figura central da história. Foi uma risada só. Ele não entendeu nada” lembra o ex-deputado federal por três mandatos Augusto Trein, 84 anos.

Espartano no trabalho, Múcio varava as madru-gadas para colocar o jornal na rua. Aproveitava para descansar pela manhã e no início da tarde já estava novamente preocupado com a próxima ed-ição. Uma rotina cumprida à risca durante quatro décadas. “A vida dele era o jornal. Respirava aquilo” diz Ada.

ON em novo endereçoO jovem jornalista e empresário

Castro.Casado e diretor de ON,

Castro e a esposa mudam-se para uma casa nos fundos do jornal, ainda na avenida Brasil. A proximidade com a Sete de Setembro, por onde cruzava a linha férrea, literalmente ti-rava o sono do casal, não somente pelo barulho, mas principalmente pelo risco de incêndio.“Eu ficava acordada até de madrugada esperando passar o último trem, então, conferia se não havia caído al-guma brasa que pudesse pro-vocar uma tragédia. Uma vez chegou a queimar um cobertor deixado no pátio pela vizinha ao lado” conta Ada.

Múcio já vinha imprimindo uma nova característica no jornal na condição de dire-tor, até que em setembro de 1945, dá o passo em direção ao caminho que seguiria até os últimos dias de sua vida. Com a ajuda financeira do pai Leão Nunes, ele aceita as razoáveis prestações feitas por Hercula-no Annes e assume a proprie-dade de O Nacional. Além de jornalista, passa à condição de empresário.

A troca de proprietário reflete nas páginas de ON com um novo layout. Múcio muda a dia-gramação, insere mais imagens, mais manchetes na capa, com fontes maiores, utiliza símbo-los (círculos, estrelas), fontes vazadas em linhas e marcado-res. Outra novidade é o espaço para o leitor se manifestar.

Casamento de Múcio de Castro e Ada de Castro.

Redação O Nacional anos 40

Da esquerda para direita, ex-prefeito Mário Menegas, jornalista Múcio de Castro, comendador Thadeu Anonni Nedeff, Dr. Paulo Roberto Pires, gerente de O Nacional Valter Siliprandi em aniversário de O Nacional.

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CENTENÁRIO MÚCIO DE CASTRO 4 Caderno Especial | SEXTA-FEIRA, 08 DE MAIO DE 2015

Na configuração política do pós 45, con-forme a professora mestre em história Sandra Bevengnú, surgem vários parti-dos como a União Democrática Nacio-nal (UDN), Partido Democrático Nacional (PSD), e o Partido trabalhista Brasileiro, os dois últimos ligados à figura de Getúlio Var-gas.

O grupo de amigos do qual Múcio de Castro fazia parte, juntamente com Romeu Martinelli, Daniel Dipp, Arthur Canfield, Ney Menna Barreto, Mário Menegaz, e o próprio Trein, se filia ao PTB.

No ano de 1954, o então jornalista e em-presário decide entrar para a vida política. Castro é eleito deputado estadual pelo PTB com 6.664 votos. “Foi o único período em que ele se afastou do jornal” recorda Ada.

Cumprido o primeiro mandato, Múcio seria o candidato natural para a disputar reeleição, no entanto, o partido indica o nome de Ney Menna Barreto. “No dia se-guinte ao meu casamento, eu estava no ho-tel em Porto Alegre, quando o Múcio foi me procurar para tentar reverter esta situação” lembra Trein.

Conforme a historiadora Sandra, a de-cisão gera divergência interna e provoca um divisão entre a chamada ala executiva, representada por César Santos, e a ala re-belde, liderada por Daniel Dipp. “Este litígio sem êxito de conciliação transformou Pas-so Fundo numa ‘praça de guerra” define a pesquisadora.

Seis vereadores da chamada ‘ala rebelde’ são expulsos do partido por Leonel Brizola. Múcio de Castro não está nesta lista, mas se desvincula do PTB por iniciativa própria.

“Lembro que nesta época eu tinha 18 anos e trabalhava no cartório de meu pai, Astrogildo Azevedo. Cheguei a entregar as cartas de expulsão par alguns deles como o Martinelli e o Canfield” conta o advogado e professor universitário Luiz Juarez Noguei-ra de Azevedo.

A trajetória

Com a debandada involuntária, os rebel-des se reúnem novamente e passam a in-tegrar o Movimento Trabalhista Renovador (MTR), liderado por Fernando Ferrari, outro dissidente do PTB. “Quando Ferrari esteve em Passo Fundo para buscar uma integra-ção deste grupo, trouxe a sugestão de alterar o nome de Movimento Renovador Trabal-hista (MRT), para MTR, soava melhor. Foi uma mudança ocorrida dentro do ON” re-corda Trein.

Na eleição de 3 de outubro de 1962, Múcio volta a concorrer a uma vaga na Assembleia Legislativa, agora pelo novo partido. Ele faz 2.156 votos e fica na 7ª suplência. Em 1965, o presidente militar Castelo Branco decreta o Ato Institucional nº 2 (decreto militar) e ter-mina com o pluripartidarismo, desativando os partidos políticos. No ano seguinte, surge o bipartidarismo e divide a cena política no país pelos próximos anos. De um lado, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), par-tido da situação. Na oposição, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

Enquanto os companheiros de MTR op-tam pela Arena, Múcio, juntamente com Daniel Dipp, ingressa no MDB. Em 15 de no-vembro de 1966, ele concorreu pela terceira e última vez a deputado estadual, mas fica novamente na suplência com 3.945 votos. “Devido às circunstâncias não ficamos em posições iguais, no entanto, em momento algum nossa amizade sofreu qualquer mu-dança. A amizade para ele estava acima de posicionamento político” afirma Augusto Trein.

De acordo com Sandra Benvengnú o jor-nalista também atuou ativamente na in-tervenção da Sociedade Pró-Universidade de Passo Fundo (SPU), cujo objetivo era o afastamento de César Santos da direção,

acusado de irregularidades administrati-vas e financeira. “Foi formado uma aliança com o apoio do governador do estado Ildo Meneghetti. Aquela cisão do partido inicia-da em 1957 termina somente em 1967, após 10 anos de lutas internas” comenta a histo-riadora.

A situação da SPU, criada para a fundação da Universidade de Passo Fundo, passou a ser denunciada nos editoriais redigidos por Múcio nas páginas de ON, o que acabou ge-rando inúmeros processos contra o jornal.

“Acontece que os advogados mais expe-rientes e importantes da cidade, que tin-ham amigos de ambas as partes ficaram constrangidos em assumir a causa, então confiaram em mim, um jovem de 24 anos, no início de carreira. Já em maio de 65 ob-tivemos a primeira vitória na Justiça” revela Azevedo.

Múcio apostou em um novo advogado e ganhou mais um amigo para os encontros de final de tarde no ON. “Saía do banco e

POLÍTICA

O jornalista também atuou ativamente na intervenção da Sociedade Pró-Universidade

de Passo Fundo (SPU), cujo

objetivo era o afastamento de

César Santos da direção, acusado de

irregularidades administrativas

e financeira.

Lideranças de Passo Fundo. Da esquerda para direita, Fredolino Paim, João Andrade, A. Nedeff, jor-nalista Múcio de Castro, ex-prefeito Wolmar Salton, Dr. Mario Machado, Sr. Walter Shei-be, Dr. Verdi De Cesaro.

Múcio de Castro na Tribuna quando deputado.

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CENTENÁRIO MÚCIO DE CASTRO 5 SEXTA-FEIRA, 08 DE MAIO DE 2015 | Caderno Especial

batia o ponto no jornal. Foi lá que aprendi a tomar uísque do bom, acho que era Old Parr. Ficávamos horas a fio conversando sobre os mais variados assuntos. Como era jovem, eu mais ouvia do que falava” lembra.

Outro frequentador assíduo naquelas ro-das, o jurista e professor universitário, Dárcio Vieira Marques, define os encontros como o reduto mais ativo da política local. “Múcio era ligado com os mais diversos setores da sociedade, estava sempre atualizado, tinha um relacionamento muito bom com os políticos, empresários. No entanto, nunca tirou proveito econômico para ele ou para o jornal. Era um homem desapegado de bens materiais. O caixa dele era o bolso. Outro traço marcante de sua personalidade estava na lealdade com os amigos” comenta.

Localizados no mesmo quarteirão, a proximidade do jornal com a residência dos Castros, favorecia para que Múcio transferisse, com certa frequência, a roda de conversa da empresa para um jantar em sua casa. Figuras como Leonel Brizola, Alberto Pasqualini, Pedro Simon, entre tan-tos outros políticos de expressão nacional, passaram por lá. “Gostava de estar sempre próximo dos amigos” lembra Ada.

A esta altura, o primogênito Tarso de Castro, que mais tarde se tornaria um dos principais jornalistas do país, já tinha a com-panhia de outros cinco irmãos: Gilka, Paulo, Vera, Mara e Múcio Filho.

As facetas do chefe de família, do em-presário hábil para comercializar anúncios e do jornalista que não abria mão da linha editorial de seu jornal, se fundiam na figura de Múcio, que também conseguia tempo para participar ativamente da vida comu-nitária da cidade. Somente no Rotary Club foram 40 anos, passando por todos os cargos, incluindo o de governador do Ro-tary Internacional Distrito 467 e, posterior-mente, conselheiro internacional . Também foi um dos fundadores e primeiro patrão do CTG Lalau Miranda, em março de 52.

A preocupação em valorizar atividades culturais, divulgando e recepcionando ar-tistas que passavam por Passo Fundo, no entendimento dos familiares, motivou a ho-menagem póstuma recebida em 1990 com a inauguração do Teatro Municipal Múcio de Castro, localizado na Avenida Brasil, cen-tro. Tombado como patrimônio histórico, o prédio está em reformas e será inaugurado na próxima semana.

Múcio de Castro Filho, tinha apenas 12 anos, quando acompanhou o pai, juntamente com diretor do fórum de Passo Fundo, o juiz Eurípedes Fachini, e o então prefeito, Mário Menegaz, até a casa do comandante do 1/20º Regimento de Cavalaria, Grey Belles, no dia, 29 de março de 1965, após a edição de ON ter sido empas-telada e o funcionário João Baptista Mello de Freitas preso pelos militares. A cena acompanhada pelo me-nino resume a indignação e a posição do jornalista em relação à ditadura.

“No dia em que a edição foi empastelada, Grey esteve no jornal para tratar da publicação de uma nota e saiu levando um exemplar. Pouco tempo depois, retornou e apreendeu toda a edição. Assim que meu pai recebeu a informação por telefone, foi armado para o jornal, mas os militares já haviam saído. Então ele foi até a casa de Grey pedir para que o João fosse solto. Disse que estava ali com o prefeito e o diretor do fórum para que a lei fosse cumprida. Grey falou que a ‘lei estava abaixo do tacão da bota dele’. Meu pai então respondeu dizendo que se ele colocasse os pés no jornal novamente seria recebido à bala. A edição do dia seguinte, impedida de ser distribuída pelos militares trazia a manchete “Guer-rilheiros desbaratados”.

“Isto eu vi com meus próprios olhos, ninguém me contou. Meu pai combateu a ditadura e sofreu as con-sequências econômicas por ter assumido esta posição” afirma Múcio Filho, atual diretor de ON.

Até mesmo os amigos que militavam na Arena re-conheciam a coragem do jornalista em relação ao enfre-

Combate à ditadura

tamento do regime. “As posições dele eram muito claras e corajosas. Durante o regime militar tomou posições de discordância. Tinha coragem pessoal e cívica” define Trein.

O episódio dos militares entrando no ON para em-pastelar a edição também ficou gravado na memória da jovem Gilka de Castro, segunda filha do casal. “É a cena mais marcante de todo o período que vivi lá den-tro. Lembro deles chegando armados com as baione-tas. Foram tirando o jornal das mãos dos leitores que estavam até mesmo no lado de fora do prédio lendo. Já tinham levado o João Freitas. Foi um horror” afirma.

João permaneceu 35 dias detido em um prédio antigo. Múcio desencadeou uma pressão política, en-volvendo deputados, jornalistas e direcionando seus

Múcio de Castro no CTG Lalau Miranda

Múcio de Cas-tro com ex-de-putado Dr. Augusto Trein, Dr. Gaston Endres, Cirur-gião Plástico Danton Piana em um dos aniversários de O Nacional.

Sr. Nilo Salton, Azir Trucullo, ex-deputado Fernando Ferrari, jorna-lista Múcio de Castro, Erme-lindo Toneti. Membros do MTR - Moviem-nto Trabalhista Renovador.

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CENTENÁRIO MÚCIO DE CASTRO 6 Caderno Especial | SEXTA-FEIRA, 08 DE MAIO DE 2015

Contratado para o setor de revisão do jornal, em 1971, o jornalista Ivaldino Tasca atuou por pelo menos 10 anos junto com Múcio de Castro, do qual mais tarde se tornaria genro (casou-se com Mara) . “Ele foi meu profes-sor, amigo e sogro. Não tinha aquela relação patrão x em-pregado. Nos dava liberdade para trabalhar. Não interferia nas pautas. Lembro que aconteceu uma greve dos taxistas e faltou repórter. Eu assumi a pauta. Escrevi umas quatro laudas. Ele editou para apenas uma, em razão da relevância do fato. Foi minha faculdade. Era muito profis-sional, comandava tanto a parte comercial como editori-al do ON. Nos dava liberdade para escrever, mas nos fazia refletir sobre o fato.

Tasca estava presente e auxiliou o sogro no processo de mudança do sistema de impressão da famosa linotipo para o off-set, no ano de 76. Múcio adquire uma Harris Offset. Os moldes de chumbo dão lugar para a composição “a frio”. O layout do jornal novamente se mod-ifica. Atento às novidades e preocupado em aprimorar a qualidade das páginas de ON, ele contrata dois jornalistas de Porto Alegre, algo inédito para a época, segundo Tasca. “Não deu certo, eles não se adaptaram, mas Múcio apostou no novo. Era uma pessoa aberta para novas ideias. Também um entusia-sta. Quando percebia que algo seria benéfico para a comunidade era o primeiro a incentivar” conta. Ao lado do jornalista Argeu San-tarém, (falecido em 2010), Tasca através das páginas de ON, combateu o regime militar.

editorais ao capitão Grey Belles, até que seu funcionário fosse solto.

“...Pior de tudo, entretanto, acontece com certos indivíduos investidos de função eventual, de missão transitória, que, via de regra, têm a mesma duração dos meteoros. Ficam arrogantes, assumem atitudes de reformas isoladas e esdrúxulas, começam a criar consciências a seu talante, indicam normas forjadas na própria forma, apon-tam rudemente, mostram de dedo em riste, equacionam e, mais um milímetro, são ca-pazes de ir à agressão ou ao desforço pes-soal! São indivíduos confundindo-se a si mesmos, desencontrando-se de si próprios, estabelecendo o choque entre homens e instituições...” dizia em um de seus textos.

“O que me impressionava era a verticali-dade, a coerência, a postura, a tenacidade. Era uma daquelas árvores que se com-param aos grandes varões do Rio Grande, não vergam, preferem quebrar, romper, para não abandonar seus princípios. En-frentou dificuldades financeiras em razão disto. Mantinha o jornal como uma missão na defesa de certos valores” comenta Azevedo.

Com a postura contrária ao regime dos militares, Múcio conhece outra forma de censura, agora pela via econômica. Anúncios de publicidade do governo são cortados. A empresa não consegue financiamento para adquirir novas máquinas e modernizar o parque gráfico. Também é alijada nas con-corrências por emissoras de rádio.

Da linotipo para o sistema off-set

Com a postura contrária ao regime dos

militares, Múcio conhece outra

forma de censura, agora pela via

econômica. Anúncios de

publicidade do governo são

cortados.

Múcio de Castro, Gover-nador Amaral

de Souza

Hilário Rebechi, ex-deputado Romeu Martinelli, ex-prefeito de Poa, ex-deputado federal Dr. Loureiro da Silva, Múcio de Castro e ex-vereador Artur Canfil

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CENTENÁRIO MÚCIO DE CASTRO 7 SEXTA-FEIRA, 08 DE MAIO DE 2015 | Caderno Especial

Múcio faleceu aos 66 anos, no dia 30 de agosto de 1981, por complicações cardíacas. Era um domingo de inverno. No final da tar-de, queixou-se de dor de cabeça, tomou um remédio e deitou para aguardar os bolinhos de chuva que a esposa estava preparando. “Já era no início da noite. Terminei de fritar os bolinhos, que ele tanto gostava, e pedi para a neta Janaína, à época com sete anos, acordar o vô. Ela foi até o quarto e voltou dizendo que ele não estava acordando. Chamamos os médicos imediatamente, mas não havia mais o que fazer. Ele morreu dormindo, como sempre disse que gostaria de morrer” recorda Ada.

Na noite anterior, o casal havia partici-pado de uma festa na cidade de Getúlio Vargas. De volta a Passo Fundo, recebeu a visita de um sobrinho. “Eram umas duas da madrugada quando ele disse que estava cansado e iria deitar. Ao longo da vida, Ada travou, sem sucesso, inúmeras dis-cussões com o marido para que ele aban-donasse o cigarro. Pois naquela madru-gada, ele deixou sobre a mesa um maço com um único cigarro dentro e registrou a data 30/08/1981. “Tenho até hoje guardada esta carteira comigo” revela Ada.

A edição do dia seguinte de ON, nº 15.716 trazia a manchete “Faleceu Múcio de Cas-tro” surpreendendo os passo-fundenses. Por iniciativa do jornalista e vereador Argeu Santarém (PDT), na mesma semana Múcio recebeu uma homenagem póstuma da Câ-mara de Vereadores de Passo Fundo.

O último cigarro

Empresário Conrado Augusto Hexel com Múcio de Castro

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CENTENÁRIO MÚCIO DE CASTRO 8 Caderno Especial | SEXTA-FEIRA, 08 DE MAIO DE 2015

Luiz Juarez Nogueira de Azevedo

O Múcio de Castro que eu conheci foi um indivíduo de múltiplos talentos e aptidões. Conseguia, ao longo de sua atividade incansável, desdo-

brar-se como político, jornalista e empresário da comunicação, filantropo, líder comunitário e agitador social, entre tantas funções. Além disso, conseguia viver bem, desfrutar da vida e ser um exemplar chefe de família. Tudo isso a um só tempo.

Tornei-me próximo dele, por razões profis-sionais. Fui, para orgulho meu, seu advogado em histórico litígio havido entre o jornal e os antigos dirigentes da Sociedade Pró-Universi-dade (SPU), devido a matérias publicadas que os contrariavam. Isso aconteceu no ano remo-to de 1965, há cinquenta anos, portanto. Desde aquela época até a sua morte prematura, per-manecemos ligados por vínculo de amizade que até hoje não se consumiu.

Apesar dos meus verdes anos, fui admitido ao círculo de amigos que ele comandava todos os dias de semana, nos fins de tarde, em seu gabinete na sede da Avenida Brasil. Era curio-so que, ao mesmo tempo em que bebericava seu escocês predileto — o Park Lane, se bem recordo — redigia editoriais, revisava matérias, atendia os redatores e funcionários. Quando faltava o gelo para o uísque, era o Nicolau, faz--tudo do jornal, quem tinha que solicitá-lo a D. Ada na residência de Múcio, situada no mes-mo quarteirão, na General Neto. Mesmo cui-dando de seu trabalho, conseguia participar de todas as conversações sobre os assuntos que eram tratados naquela roda de amigos. Lembro-me que se misturavam em sua sala políticos, empresários e outros amigos de Múcio, como o Dr. Daniel Dipp, ex-prefeito e ex-deputado federal, Eleodoro Antunes, Tha-deu Nedeff, o advogado Ruy Rache, os então vereadores Augusto Trein e Romeu Martinelli, o Major Cordeiro, eterno presidente do sindi-cato dos jornalistas, o prefeito Mário Menegaz, alguns outros e eu, mais ouvindo que falando, intimidado pela segurança, alegria e verve dos demais convivas, todos mais velhos e muito mais vividos. Como é hábito em encontros entre frequentadores do mesmo círculo, fala-va-se de tudo e de todos: da questão da Uni-versidade, que a todos empolgava, de política e também de temas mais amenos e divertidos,

O MÚCIO DE CASTRO QUE EU CONHECI

não faltando histórias pícaras de toda ordem. Seu expediente no jornal começava pelas 4 ou 5 horas da tarde. Depois do banho e do almo-ço, Múcio, que dormia toda a manhã, passava pela barbearia, onde se entregava ao pincel e à navalha do “seu” Emílio, ficando assim pronto a enfrentar sua jornada de trabalho. Perma-necia no jornal até a madrugada e só saía para dormir depois de ter supervisionado todas as suas atividades, com a leitura do exemplar do dia seguinte, a expedição e a saída dos exem-plares para a distribuição aos assinantes e às bancas.

Estive a seu lado logo que ocorreu o grave incidente que resultou na apreensão do jornal e na prisão do jornalista João Freitas, recolhido ao quartel do Exército por ordem do coman-dante de então, até então amigo de Múcio e frequentador de sua casa e do jornal. Testemu-nhei a fúria e a revolta do Múcio, que se dispôs a enfrentar o major em qualquer campo, tanto no da imprensa e da tribuna como até no do desforço pessoal. Sem temor de represálias, Múcio desafiou o militar, advertindo-o de que, se pisasse novamente na redação do jornal, seria recebido à bala. Conhecendo Múcio, te-nho certeza de que, se não fosse contido, esse revide aconteceria. Mas o oficial, logo removi-do de Passo Fundo, cautamente, jamais voltou à redação do jornal. E eu, por solidariedade ao Múcio, como muita gente na cidade, evitei daí em diante qualquer contato com o dito major.

Múcio frequentemente me confiava seus segredos e sentimentos. Uma de suas maiores

mágoas, além do conflito com o major, foi a traição que alguns anos anters sofrera da dire-ção do seu partido — o velho e sempre hege-mônico PTB local — ao ter seu nome preterido para concorrer à reeleição a deputado estadual no pleito de 1958. Ele seria o candidato natural, porque era o deputado local do partido. Mas o diretório local preferiu prestigiar outro corre-ligionário, que terminou não se elegendo. E o partido, que até aquele momento dominava a política local, ganhando todas as eleições, pas-sou a esfacelar-se, quando saíram os ferra-ristas, os pasqualinistas e os dissidentes locais, que vieram a eleger o ex-trabalhista Mario Me-negaz para a prefeitura em 1963.

Em recente encontro, disse-me recentemen-te o professor Paulo Pasqualini, sobrinho do senador Alberto Pasqualini, o maior teórico do trabalhismo, que Múcio, por ser pasqualinis-ta, pagou o preço de não ser indicado por seu partido para a reeleição. Lembrou o apreço e admiração do falecido senador por Múcio e por sua atuação como parlamentar. Como ami-go de Múcio, envaideci-me sobremaneira pela lembrança, ao mesmo tempo justa e carinhosa, depois de tantos anos, por parte de uma pessoa estranha a Passo Fundo e suas histórias.

Nestes fragmentos de recordações, lembro--me da emoção que tive, já no fim da vida de Múcio, ao acompanhar outro grande amigo, o alfaiate Eblem Kalil, quando de surpresa lhe presenteou com aquilo com que gostava de obsequiar seus amigos: cinco ternos, de dife-rentes cores e tecidos, magnificamente con-feccionados. Ao entregar a Múcio, que gostava de vestir-se com aprumo e elegância, aqueles elegantes trajes, fez com que todos nós não nos contivéssemos e rompêssemos em pran-to. Nenhum de nós poderia prever, naquele momento, que, pouco tempo depois, não tería-mos mais entre nós nem Múcio nem Kalil.

Quero, por isso, ao externar estas recorda-ções, neste dia em que é celebrado o cen-tenário de seu nascimento, deixar registrado meu preito de eterna admiração e amizade ao personagem de legenda que foi Múcio de Cas-tro, um cavalheiro sem medo e sem mácula, grande líder e cidadão exemplar, pelo que foi e pelo que legou a seus descendentes, à cidade, a seus amigos e à posteridade.

Quero deixar registrado meu preito

de admiração e amizade fraterna e

sempiterna a Múcio de Castro, um

grande líder e um grande cidadão, que foi das mais autenticas

e melhores pessoas que

conheci.

Da esquerda para direita, Dr. Luiz Juarez de Azevedo, jornalista Múcio de Castro, Prefeito Guaracy Marinho

Da esquerda para direita, ex-depu-tado Romeu Mar-tinelli, jornalista Múcio de Castro, Dr. Luiz Juarez de Azevedo, jornalista Argeu Santarém.

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CENTENÁRIO MÚCIO DE CASTRO 9 SEXTA-FEIRA, 08 DE MAIO DE 2015 | Caderno Especial

“A vida de Múcio se confundiu com o jornal O Nacional. Era um homem vaidoso, gostava de andar sempre bem barbeado, não abria mão do terno e da gravata. Também era muito brincalhão. Uma de suas brincadeiras favoritas, durante os jantares e festas, era colocar colheres de chá no bolso do paletó dos amigos. Em toda a festa ele fazia esta brincadeira. Dedicou-se ao Rotary desde quando nos casa-mos até o fim de sua vida.Foi um bom marido, um bom pai, muito presente sempre. Uma curiosidade é que não gostava de dirigir. Eu era a motorista dele, inclusive nas viagens. Passamos por momento difíceis. Múcio teve pouquíssimos inimigos ao longo da vida, inimigos de respeito, algumas brigas tornaram-se até folclóricas”.

VÍDEOAssista ao

depoimento da viúva Ada de

Castro, da filha Gilka de Castro

e do genro Ivaldino Tasca

no site.

onacional.com.br

n Ada de Castro

‘Eu nasci dentro do jornal’. Fiquei lá desde a década de 60 até pouco tempo depois de o pai falecer. Lembro das festas que ele fazia no aniversário do jornal, era um kerb. A mãe ficava uma semana preparando os frios para serem servido com chope, tinha também a ‘gangue’ do uísque. Era um acontecimento na cidade. Festa aberta para todos no próprio jornal, era só chegar e participar.

Quanto ao trabalho era puxado. Entráva-mos ao meio dia na redação e não tínhamos horário para sair. Quando esfriava, a impresso-ra, apelidada por nós de ‘Preta Véia’ resolvia dar problema. Aí passávamos a noite toda no jornal. Meu pai era muito calmo, tranquilo. Era sofrido, difícil de fazer jornal naquela época, mas também muito divertido”.

“Meu pai foi um jornalista e uma liderança política de renome nacional. Era um caudilho no bom sentido. A figura dele se confunde com o ON. Ambos sempre estiveram ligados com todas as ações que ajudaram a transformar Passo Fundo na cidade que é hoje. Um trabalho iniciado lá trás. Por uma questão de justiça sempre referendamos as famílias Annes, Araújo e Bastos, como fundadoras do jornal, mas a transformação e importância que ele passou a ter ao longo dos anos, sem dúvida nenhuma, aconteceu a partir do momento em que o Múcio compra a empresa e passa a imprimir sua marca como jornalista, político e rotariano”.

Convivi durante 10 anos com o Múcio, de 1971 até 1981, quando ele faleceu.Comecei na revisão, fiquei uma temporada e fui embora para Porto Alegre. Estava com minha família toda na Capital, e com uma proposta de emprego em São Paulo, quando ele me convida para trabalhar na reda-ção, retornei e me tornei genro dele.

Múcio era muito profissional nas relações. Se tu fizesse tua parte bem feita estava ótimo. Quando ele entendia que minha posição como repórter não estava adequada, dizia, não tem ou-tra maneira de encarar isto. Um exemplo foi durante a cobertura do adubo papel, um escândalo gigantesco. Nesta época eu já trabalhava de correspondente para Caldas Júnior (Correio do Povo de Porto Alegre), publicava os mesmos textos nos dois jornais. Um dia chego no ON tinha um grupo de umas 10 pessoas envolvidas direta ou indiretamente no caso. Sentei e conversei com eles. Mais tarde soube que o Múcio disse para o grupo que não poderia interferir na minha cober-tura. Ele dava liberdade, mas fazia a gente refletir sobre o fato. Tinha noção clara de liberdade de imprensa e muito equilíbrio. Estávamos numa ditadura, era um período complicado.

Ele vivia, respirava o jornal. Sabia tudo de todos os setores. Ia para a oficina ajudava a fazer a correção, mudava a manchete quando entendia necessário. Tinha confiança no grupo, não ficava em volta, mas sabia interferir na hora certa.

Múcio era empresário, jornalista, político, tinha o senso da responsabilidade social, atuou por muitos anos no Rotary. Era uma pessoa que vivia intensamente a cidade. Registrava e influen-ciava o cotidiano da cidade. Tinha o senso de justiça muito grande, capacidade de entender a opinião do outro. O velho Múcio foi uma figura extraordinária”.

Esposa

n Gilka de CastroFilha

n Múcio de Castro Filho Filho

n Ivaldino TascaJornalista

Múcio e Ada de Castro

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CENTENÁRIO MÚCIO DE CASTRO 10 Caderno Especial | SEXTA-FEIRA, 08 DE MAIO DE 2015

“Na condição de jornalista, Múcio tinha, com frequência, que tomar posições de muita coragem, sem que lhe faltasse gesto de compreensão hu-mana. Quando uma pessoa, principal-mente algum jovem, praticava algum desvio, sem muita relevância, ele preferia conversar com o protagonista do que simplesmente noticiar o fato e prejudicar a vida dele. Mas quando tinha algo importante a ser noticiado não titubeava. Herdou a coragem do pai, Leão Castro. Seu exemplo de cidadão, jornalista e político ainda permanece. Foi muito marcante a pre-sença dele na região do Planalto. Tinha posições patrióticas. Sinto muita falta daquele ambiente do jornal”.

Conheci o Múcio 1965. Foram 15 anos de convivência fraterna, de lealdade recíproca e muita estima. Tenho orgulho de dizer que neste período tornei-me amigo e admirador incondicional de suas qualidades e virtudes. Tinha apenas 24 anos, era um jovem recém formado, sem experiência, quando tive a honra de advogar para ele e o então prefeito Mário Menegaz. Ambos foram processados inúmeras vezes em razão da disputa pela Sociedade Pró-Universidade (SPU). Múcio publicava editoriais e matérias favoráveis à interdição, à época o presidente era César Santos.

Passei a frequentar as rodas no ON. Falávamos sobre os mais variados assuntos, fofocas, muita política, sobre os adversários. Era uma roda muito interessante e inteligente. Por lá passavam figuras como Tadeu Nedeff, o major Cordei-ro, presidente do Sindicato dos Jornalistas, Conrado Hexsel, Paulo Pires, que era jornalista, entre tantos outros.

Múcio escrevia os editoriais, revisava, examinava as ma-térias, atendia funcionários, resolvia os problemas, orientava e conversava com os amigos, fazia tudo ao mesmo tempo, sem deixar de dar atenção a todos os assuntos. Conforme o horário avançava, o pessoal ia saindo, mas ele sempre queria companhia nos longos serões na madrugada”.

Meu convívio com Múcio iniciou quando o jornal ainda era na Brasil, quase esquina com a Bento Gon-çalves. Múcio criava um ambiente muito bom, no final da tarde, começo da noite. Tinha rodada de uísque, cafezinho. Reuniam-se políticos, empresários da ci-dade. Lembro do João Freitas, João Vieda, e o grande guardião dele, Jorge Cafruni.

Os assuntos giravam em torno de Múcio. Era uma figura extraordinária, de gravata, óculos, suspensório, escrevia numa Remington. Estava sempre atualizado dos assuntos. Tinha relacionamento muito bom com todos os políticos da época, um bom trânsito com a oposição. Isto tudo girava no jornal ON. Gostava de levar os amigos para jantar em sua casa, levava uma trupe, estava sempre acompanhado. Havia o lado jornalístico, político, social, era muito ativo, líder do tradicionalismo.

Teve atuação destacada no Rotary Club, onde foi governador, presidente, conselheiro. O Rotary era uma força social, comunitária muito forte, prestava relevantes serviços. Ajudou muito a cidade através do Rotary. Conseguia dar ressonância no jornal das reuniões, dos encontros e decisões.

Lembro que naqueles encontros no jornal surgi-ram ideias e decisões importantes para a cidade. A es-colha de candidatos a prefeito, como Mário Menegaz, candidatura gestada dentro do jornal. Múcio estimulou o empresário Tadeu Nedeff a construir o Turis Hotel, entre outras obras.

Gostaria de ressaltar dois aspectos da vida de Múcio. O primeiro deles é a lealdade aos amigos. O se-gundo aspecto é o fato de ele nunca ter tirado proveito próprio desta condição para fazer patrimônio pessoal. Seu maior legado sem dúvida foi manter o jornal vivo, enfrentando as mais diversas dificuldades”.

n Augusto Treinex-deputado federal

n Dárcio Vieira Marques advogado e profes-sor universitário

n Luiz Juarez Nogueira de Azevedo advogado e profes-sor universitário

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CENTENÁRIO MÚCIO DE CASTRO 11 SEXTA-FEIRA, 08 DE MAIO DE 2015 | Caderno Especial

Paulo Roberto Pires

Muito apropriada a presente edição de “O Nacional” para assinalar o centenário de nascimento de Múcio de Castro. O jornal , mais do que homenagear o seu grande timoneiro, sinaliza para a prática pouco usual que temos de resgatar a memória e enaltecer os feitos daqueles que efetivamente cons-truíram o patrimônio físico e o acervo intangível que compõem a imagem de uma cidade. Muito ainda se está a dever em matéria de reconhecimento a passo-fundenses que se notabilizaram, como Múcio de Castro, em doar-se em favor desta comunidade. No caso dele, esta edição é muito opor-tuna mas ainda insuficiente. Passo Fundo deve-lhe, e a alguns outros, uma verdadeira e alentada biografia. Não falo daqueles relatos ocasionais já feitos por amigos, por contemporâneos ou colegas de jornalismo. Refiro-me a projeto de envergadura confiado a profissionais de renome nacional e sustentado por pesquisas aprofundadas e de amplo espectro. Recursos haverão de aparecer como resultado de articulações e prospecções adequadas. As leis de incentivo à cultura estão ai esperando por projetos de verdadeiro interesse cultural enquanto os recursos vão sendo consumidos por um grande número de iniciativas de duvidosa utilidade cultural. E os pressupostos justificadores em favor de uma densa biografia de Múcio de Castro estariam desde logo justificadas e não apenas pelo seu desempenho à frente de “O Nacional”, mas por uma razão ainda mais relevante e associada à história de Passo Fundo, como sustento a seguir.

Ocorreu-me ser procurado, recentemente, por líder político de Taquara, dr.Alceu Martins, ex-Pre-feito, ex-Deputado e ex-Secretário do Trabalho e Ação Social, para auxiliá-lo na elaboração de docu-mento que historiasse os fatos relacionados com a criação das Faculdades Integradas de Taquara – Faccat , dos quais ele tinha participado diretamente na década de 70. Disso acabou resultando a edição de um livro, “Alceu Martins – Uma história de persistência”, recém lançado e que recupera os fatos relacionados com o nascimento daquela instituição e, surpreendentemente, guardam muita semelhança com as origens da então SPU – Sociedade Pró Universidade , embrião, como se sabe, da atual Universidade de Passo Fundo. Influiu decisivamente ter sido escolhido para organizar dito livro, por ter chegado ao biografado a informação de que eu atuara no “O Nacional” ao tempo das ações mais decisivas em prol da almejada universidade de Passo Fundo e por ter sabido que o jornal tinha sido um elemento decisivo para o êxito daquele empreitada.

Extrai do relato a imediata conclusão de que longe de Passo Fundo “O Nacional” projetara-se como um fator preponderante na luta pela nossa Universidade e, desde logo, questionei-me quanto haver esta mesma compreensão por aqui. E lamentei, como lamento, não termos ainda relatos de-finitivos sobre aqueles momentos, no que pese bons trabalhos já levados à publico. Daí parecer-me que é da mais adequada oportunidade ter o nome de Múcio de Castro como o fio condutor de um apanhado que dê o devido realce à sua participação no movimento que transformou Passo Fundo, social, econômica e culturalmente.

Necessário dizer que a participação dele naqueles eventos históricos não se resumem ás suas funções de Diretor de “O Nacional”. Falo da sua participação pessoal nas gestões mais decisivas e na formulação de estratégias do movimento pró Universidade. Analistas mais abalizados do que eu, constatam que aquele movimento nasceu e prosperou de fora para dentro dos cursos superio-res então existentes. Por mais importante que tenha sido o apoio de professores e alunos, o que efetivamente contou foram a gestões externas , muitas de ordem política, empresarial, associativas e popular. Por isso, a intervenção de Múcio de Castro se revelou essencial e relevante, assumindo encargos e missões que dependessem de sua capacidade de diálogo, de sua capacidade de per-suasão e, obviamente, das suas credenciais políticas. Sou testemunha de intermináveis reuniões que invadiam madrugadas nas salas do jornal entre as lideranças envolvidas com aquele processo, sobressaindo-se ora uns, ora outros, mas sempre tendo o Múcio como articulador. Dessa verdade resulta que a história da criação da UPF não passa apenas pelo “O Nacional” mas passa, também, pela pessoa física do Múcio de Castro.

Daí resulta, inevitavelmente, que a produção de levantamento histórico com perfil acadêmico e profissional da atuação de Múcio de Castro no movimento pró Universidade, passa pela própria UPF de hoje que forma historiadores, pesquisadores, jornalistas e intelectuais capacitados e de renome reconhecido, credenciados a promoverem uma articulação capaz de resultar num trabalho interdis-ciplinar que produza a biografia que estamos devendo à um dos vultos mais destacados da nossa história local.

Ao saudar a presente edição que assinala o centenário do nascimento de Múcio de Castro, meus votos são de que ela seja o preâmbulo do que ainda está por ser feito para completar o reconheci-mento que a ele devemos.

A BIOGRAFIA QUE ESTAMOS DEVENDO

Não falo daqueles relatos ocasionais já feitos por

amigos, por contemporâneos ou colegas de jornalismo.

Refiro-me a projeto de envergadura confiado a profissionais de renome

nacional e sustentado por pesquisas aprofundadas e de

amplo espectro.

Múcio de Castro em 1939

Múcio de Castro e o então radialista Paulo Pires

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Apoio Cultural:

Cartório de Registros de Imóveis de Passo Fundo