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Mark Seal Na África selvagem Uma emocionante história real Tradução:Roberto Franco Valente Para Laura Blocker, minha mulher, melhor amiga e exigente editora, cujo amor, força e paciência tornaram possível este livro. Para Wayne Watson, editor-executivo de literatura da Vanity Fair, que me orienta com simpatia, generosidade e gênio editorial desde que nos conhecemos, em 1986, em Dallas, Texas. E, como sempre, a Jan Miller Rich, que me abriu as portas de sua agência literária em 1989, transportando-me para um novo mundo cheio de possibilidades.

Na África Selvagem

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Mark Seal

Na África selvagem

Uma emocionante história real Tradução:Roberto Franco Valente

Para Laura Blocker, minha mulher, melhoramiga e exigente editora, cujo amor, força epaciência tornaram possível este livro. Para Wayne Watson, editor-executivo deliteratura da Vanity Fair, que me orienta comsimpatia, generosidade e gênio editorialdesde que nos conhecemos, em 1986, emDallas, Texas. E, como sempre, a Jan Miller Rich, que meabriu as portas de sua agência literária em1989, transportando-me para um novomundo cheio de possibilidades.

Nota do autor Li sobre o assassinato de uma mulher noQuênia, a mais de um oceano de distância.Jamais ouvira seu nome, mas, graças àtecnologia, enviei um e-mail a seu ex-maridoe, uma semana depois, ele me convidou paraassistir a uma cerimônia em sua memória eescrever sobre sua vida. “Estou certo de queconseguirá muito material com toda acomunidade queniana no evento”, justificou.Alan Root não só me apresentou às pessoasque poderiam falar sobre sua ex-mulher –minhas entrevistas com elas estruturamgrande parte deste livro – como também medeu as cartas e diários dela, que me ajudarama recriar cenas, recompor diálogos eencontrar a verdade. Alan também abriu ocoração para mim, contando-me tudo – o quecertamente lhe foi bastante difícil,

angustiante e muitas vezes doloroso. Por suainesgotável abertura e constante franqueza,sinto profunda admiração por Alan Root esou-lhe infinitamente grato. Sem ele, estelivro não poderia ter sido escrito. Prólogo Ela sempre soube que ele voltaria. Subiria em seu helicóptero, às primeiras luzesda manhã em Nairóbi, alçando-se acima daestridente confusão urbana, inclinaria-se parao oeste, sobre a maior favelada ÁfricaOriental, e voaria em direção à grandemaravilha: Great Rift Valley, o berço dahumanidade, uma cicatriz de 5.000km que seestende da Síria até Moçambique e cujotrecho mais espetacular encontra-se ali, noQuênia. Quando o chão do mundo se abrissepara revelar o céu infinito e uma vista de tirar

o fôlego, ele seguiria por aquele corredordiretamente para ela. Havia tanta coisa que ansiava por dizer-lhe,palavras que só ele compreenderia… Elaextravasaria tudo o que a modéstia e atimidez haviam-na impedido de falar, comonas cartas que lhe escrevera e jamais enviara: Uma vida inteira se passou desde que nosseparamos, e mesmo assim algumaslembranças do que fizemos juntos parecemser de algo acontecido ainda ontem. Temtanta coisa que gostaria de dizer ecompartilhar com você, agora que sei quenão sou inferior. Ela o esperava na casa azul junto ao lago que,das alturas, parecia perfeito e plácido. Era,porém, apenas mais um dos extremos de umpaís em que a deslumbrante beleza coexistecom inimaginável brutalidade, em que o

limite entre vida e morte é a mais tênue daslinhas, e em que nada é necessariamente oque aparenta. Agora que tenho contato com outras pessoas,me dou conta de toda a experiência queadquiri com o mundo natural. … Hoje, todosme respeitam. O único amor da minha vida,entretanto, é uma das raras pessoas comquem não posso me comunicar, nem mesmocomo amigo. Todo esse sofrimento ficaria para trás assimque ele retornasse à sua vida. Sobrevoando asmontanhas e os vulcões adormecidos quecompõem um anfiteatro natural ao redor dolago, ele se deteria sobre as águas cor deesmeralda, absorvendo aquela verdejanteamplitude repleta de vida selvagem. Sobrevoando a casa azul, provavelmentevocê se sentiria feliz de não estar mais aqui,

mas na verdade sou tão diferente agora quemal me reconheço. Escrevi inúmeras cartaspara você em minha cabeça, mas quandotentava passá-las para o papel, eu me sentiacomo se despedaçasse. Ela o imaginou percorrendo a casa,brincalhão como sempre; viu-o aterrissandosobre a grama do campo de pouso,desembarcando como se retornasse de umbreve safári, em vez de metade de uma vida.Depois, finalmente, ela o impressionaria comsua independência e suas realizações,mostrando a inabalável resistência de seuamor. Ele realmente acabou voltando para ela, namadrugada de 13 de janeiro de 2006. Não foi,porém, como durante tanto tempo elasonhara. Ele não foi se juntar novamente àmulher que fora sua esposa, parceira e

melhor amiga, a mulher que eledeixarasozinha na África por 16 anos. Ele foi recolher seus restos mortais. Introdução A NOTÍCIA ERA FRIA E RESUMIDA: Ecologista assassinada Joan Root, 69 anos, ambientalista e protetorados animais que colaborou com o marido,Alan, em documentários sobre a vidaselvagem nos anos 70, foi morta no dia 13 dejaneiro em Naivasha, Quênia. Segundo apolícia, Joan Root foi baleada por assaltantesque invadiram sua casa. De acordo com asautoridades, dois homens foram presos. Umdos filmes do casal, Mysterious Castles ofClay, narrado por Orson Welles, mostra todaa atividade interna de um cupinzeiro, e foiindicado ao Oscar em 1978.

Como colaborador da revista Vanity Fair,estou sempre à procura de grandes histórias,e essa parecia conter todos os ingredientesnecessários: uma ecologista, produtora dedocumentários sobre a vida selvagem,indicada ao Oscar por um filmenarrado pelolendário Orson Welles, assassinada na Áfricapor razões desconhecidas. Assim que comecei a pesquisar a história,percebi que Joan Root não era simplesmentemais uma produtora de documentários sobreo mundo animal. Ela e o marido, Alan Root,foram os maiores cineastas da vida selvagementre os anos 70 e 80, figuras míticas paraamantes da natureza de todas as idades.Ninguém simplesmente sentava e assistia aJoan e Alan na televisão ou em telasimprovisadas em sala de aula: o públicoviajava com eles, quer estivessem

desbravando exóticos lagos com ferozescrocodilos e hipopótamos, voando sobre omonte Quênia num balão de ar quente ousendo perseguidos, espancados, mordidos,feridos e picados por todo tipo de criatura,enquanto dirigiam, voavam, corriam ounadavam pelaÁfrica, decididos a captar empelícula o continente e suas maravilhas antesque aquele mundo selvagem se perdesse parasempre. Pioneiros, filmaram ocomportamento animal sem a interferênciahumana décadas antes de produções comoMigração alada e A marcha dos pinguins.Muitos de seus filmes são narrados porgrandes astros do cinema, como DavidNiven, James Mason e Ian Holm, e, em 1967,um deles teve uma première real emLondres, ocasião em que o casal foiapresentado à rainha.

Eles apresentaram os gorilas à zoólogaamericana Dian Fossey, que depois morreutentando salvá-los, levaram JacquelineKennedy em seu balão e percorreramgrandeparte da África num monomotor Cessna enum carro anfíbio. Então, sem que o público soubesse por que, eles sumiram dastelas, tão misteriosamente quanto as espéciesameaçadas que documentavam. Haviam seseparado e depois se divorciado. Alan, maisextrovertido, seguiu em frente e tornou-seuma estrela dos documentários sobre anatureza, recebendo prêmios, homenagens eelogios. A loura, linda e bronzeada Joan,terrivelmente tímida e sempre em segundoplano, tanto como competente assistente domarido quanto como sua discreta produtora,abandonou completamente o cinema,recolhendo-se à sua propriedade de 88 acres

à beira do ameaçado lago Naivasha, noQuênia, dedicada a salvá-lo. Foi ali, em seuquarto, à uma e meia da madrugada do dia13 de janeiro de 2006, que Joan foibrutalmente assassinada por assaltantes comfuzis AK-47 gritando em suaíli que lhe fariamtantos buracos que ela ficaria “parecendouma peneira”. Eles encheram de balas osvidros e as grades das janelas do quarto, atéque ela, que aos 69 anos se tornara uma dasmais indomáveis ambientalistas do mundo,caísse morta numa poça de seu própriosangue. Uma semana depois de ler aquele parágrafono Times Digest, consegui da Vanity Fairautorização para escrever um artigo sobreJoan Root. Enviei e-mails a quem supus terqualquer ligação com ela, ainda que remota,tendo como prioridade encontrar Alan Root.

Alguns dias depois, recebi dele umbrevíssimo e-mail: “Soube que o senhor estáà minha procura.” Depois de expressar meu pesar pela perda desua ex-mulher, disse-lhe que gostaria muitode contar com sua ajuda quando fosse aoQuênia. Dois dias mais tarde, ele respondeu: Caro Mark: Desculpe-me, mas, no iníciodesta semana, não me sentia capaz de falarsobre esse assunto. Havia enterrado as cinzasde Joan na terça pela manhã, e plantei umafigueira no local (ela ficará para semprecercada por “roots”, raízes). Também passeimuito tempo com a polícia, o que me deixoubastante abalado. Bom você ter entrado em contato com Adrian[Luckhurst, o administrador comercial deJoan], que me transmitiu sua mensagem. Porfavor, não interprete meu silêncio como falta

de interesse. Quero que você escreva essahistória e farei o que puder para ajudar. Senão atrapalhar, acharia maravilhoso que vocêviesse para a cerimônia em homenagem aJoan que vamos realizar em Naivasha, em 4de março. Você será muito bem-vindo e estoucerto de que conseguirá muito material comtoda a comunidade queniana presente … Atenciosamente, Alan Em alguns dias, eu estava num voo paraNairóbi. Nunca estivera na cidade, nem nopaís, e não fazia a menor ideia de quecomeçava uma viagem que me manteria noQuênia, intermitentemente, por mais de trêsanos. Depois de desembarcar, segui de automóvelpor mais de 80km para oeste, até a casa deJoan Root, para assistir à celebração em suamemória. Centenas dos mais importantes

naturalistas do mundo, especialistas na vidaselvagem e cineastas acomodaram-se nomagnífico gramado para homenagear aquelamulher extraordinária. A cerimônia foi realizada na propriedade deJoan junto ao lago Naivasha, um verdadeiropaís das maravilhas da vida selvagem queparecia saído de um filme de Walt Disney.Um dos amigos de Joan comentou que era“como Doutor Doolittle, só que mil vezesmais”. Ali, 1.200 hipopótamos nadamdurante o dia e à noite pastam na relva, emmeio à melodia das 350 espécies de pássarosda região. Durante toda a celebração,extremamente emocionante, todos os seusamigos e colegas perguntavam-se em voz altao porquê daquela morte sem sentido. Quemassassinaria aquela suave e delicada mulher,cuja voz raramente era mais alta do que um

sussurro, e que passara décadas ajudandoapaixonadamente os desesperados enecessitados do Quênia? Algumas pessoas, apolícia entre elas, estavam convencidas deque fora simplesmente uma tentativa deassalto. Então por que nada fora roubado dacasa?, argumentavam outras. E por que aprofusão de tiros, quando uma simplesameaça seria suficiente para persuadirqualquer um naquela região assolada pelocrime – a vizinha Nairóbi era conhecida como“Nairobbery”, ou “Nairoubo” – a entregardinheiro e bens? A explicação mais provável, segundo muitosamigos, era a de que Joan fora alvo de umassassinato encomendado – o que seconsegue facilmente no Quênia a 100 dólarespor cabeça – devido à sua atuaçãopreservacionista no lago. A delicada

protetora de animais tornara-se um dos rarosdissidentes numa situação tão peculiarque sópoderia mesmo acontecer na África, e quetransformara seu amado Naivasha em campode batalha para um irônico conflito a respeitode… rosas! Nas duas décadas precedentes, opacífico e bucólico lago fora invadido porbatalhões de plantadores de flores que aliestabeleceram algumas das maioresfloriculturas do mundo, cobrindo as margenscom imensas estufas de plástico, inibindo amigração natural da vida selvagem eatraindo uma horda de centenas de milharesde desesperados trabalhadores indigentes, oque resultou em favelas, miséria, crime e –insistiam alguns – um apocalipse ecológico.O roubo tornou-se rotineiro na região, osassassinatos, contumazes; a pesca e a caçailegais viraram uma verdadeira epidemia. O

lago, cujas águas regavam as rosas erecebiam despejos de pesticidas, ficou tãocontaminado que sua extinção foi prevista noprazo de cinco anos, caso não se tomassemimediatamente medidas de prevenção. Enquanto muitos se limitavam a comentar asituação, Joan transformou as palavras emação, de forma destemida e, segundo alguns,extremamente perigosa. A enérgicacampanha para preservar sua propriedade eo lago acabou despertando a hostilidade dasautoridades que ela confrontava e mesmodos desesperados trabalhadores africanos,cuja subsistência tentava salvar. Tudo issopodia tê-la marcado para morrer. Emboraquatro suspeitos tivessem sido presos, elesacabaram sendo libertados. Era uma históriaestranha e brutal, encerrada com maisperguntas do que respostas.

“TODOS AQUI SABEM O QUE QUERODIZER quando afirmo que a morte de Joan éapenas uma parte do mar de lama quelentamente engolfa este país”, declarou umamigo de Joan, Ian Parker, em seu discurso.“O fracasso na aplicação da lei é o aspectomais tenebroso da corrupção e da falta deprincípios políticos. Quando quem aplica alei não pode proteger os cidadãos e levar oscriminosos à justiça, e quando se negam aosindivíduos os meios para se defenderem – amaior parte dos quenianos não tempermissão para portar armas –, a lei acabasendo feita com as próprias mãos. Não setrata de uma ameaça de um velho mzungumaluco”, prosseguiu ele, empregando otermo suaíli para designar homens brancos.“É uma lição que a história vem nosensinando, repetidamente. Quando

perseguem e matam uma benfeitora indefesa,como Joan, é a história falando novamente.Prestem atenção! Esta sociedade está numasituação muito perigosa. A morte de Joanexige que seja este o momento de falar,protestar e agir.” Ele observou que trêsamigos seus haviam sido assassinados no anoanterior, 2005 – “uma melhora de 50% emrelação a 2004”, quando cinco amigos foramassassinados e “dois outros gravementeferidos em atentados”. Os louvores foram apaixonados e ardentes.Observando Parker sobre a plataforma, viaquele homem de idade tornar-se jovem denovo ao brandir os punhos em direção aocéu, agitado pela raiva diante da brutalidadeque abatera sua amiga de tanto tempo.Parker, um consumado aventureiro,ambientalista, piloto e fotógrafo da natureza,

era então um homem de 70 anos, estruturafrágil e cabelos brancos. Parecia-se com o atorFrank Morgan no papel do mágico calvo,tagarela e persuasivo do clássico O mágico deOz. Parker e eu nos encontramos sob a tendaarmada para a cerimônia. Ele me contou,saudoso, como conhecera Joan numa festa,quando eram adolescentes. Aos 19 anos, abeleza dela era lendária em Nairóbi. Quandocinco soldados do Regimento do Quêniadecidiram convidar para sair cinco das maisbelas moças de Nairóbi, conhecidas suas ounão, Ian Parker escolheu Joan. Audacioso, foisem se anunciar até a fazenda de café do paida moça. Tocou a campainha, informou Joanpor que viera e pediu-lhe que aceitasse oconvite. “Ora, fico muito agradecida”, ela

respondeu, educada, “mas não, obrigada.” Edesapareceu sem mais palavra. Ian Parker tentara, mas seria Alan Root oúnico a roubar o coração de Joan – embora,como admitisse, tivesse falhado com ela nofinal. No dia seguinte à cerimônia, Alan quisfalar-me sobre a vida da ex-mulher, ecombinamos uma entrevista. Ele ainda sabiacomo impressionar alguém. Orientara-me aesperá-lo no pátio dos fundos do escritório deseu administrador, no subúrbio de Karen, emNairóbi. Enquanto eu esperava que eleentrasse pela porta de trás, a tranquilidadefoi subitamente quebrada por um helicópterose aproximando, vindo do Parque Nacionalde Nairóbi. Quando o aparelho começou aaterrissar, agitando a vegetação e a poeira dojardim, pude vê-lo através da cabine devidro, no comando, exatamente como o

arrojado aventureiro de seus filmes, a não serpor seus 68 anos. De óculos grossos e barbagrisalha, ainda era uma figura imponente.Vestia jeans e camisa esporte. “Já tive dois acidentes com estes”, comentou,depois que me acomodei a seu lado.Decolamos e ele inclinou o helicóptero emdireção às azuladas montanhas Ngong, aolonge, voando em alta velocidade sobre asplanícies apinhadas de animais selvagens. Euobservava as zebras, búfalos africanos egazelas no Parque Nacional, abaixo,enquantoAlan acelerava e disparávamos como umabala pelos céus claros da África. Pudeperceber nitidamente a extraordinária forçavital que o movia e o tornava tão carismático,tanto na vida quanto em seus filmes. Alan Root vivera perigosa, temerária eintensamente: tinha sido mordido por feras,

sofrera acidentes de avião e batidas de carro,mergulhara em rios caudalosos, embriagara-se em grandes farras, enredara-se em casosamorosos… Entretanto, de todas as mulheresque conheceu, foi Joan, a tranquila e lindaJoan, quem teve sobre ele o maior impacto,principalmente na juventude, e ele queria meajudar a contar sua vida. Naquele dia, ohelicóptero me levou para outro mundo,onde se revelaria a melhor história que jáencontrei como jornalista. Até ali, eu haviasido acima de tudo um coletor de fatos frios eimpiedosos. Então Alan Root levantou voocomigopela África e teve início a viagem deminha vida. O artigo que escrevi, publicado na VanityFair em agosto de 2006, foi apenas mais umrelato sobre o mistério cada vez maisinsondável de uma mulher fascinante.

Entretanto, assim como o frio parágrafo queme instigara a princípio, ele pareceuestabelecer com os leitores um vínculovisceral. As pessoas me paravam na rua paradiscutir sobre a indomável Joan. Cineastasqueriam os direitos para filmar a história.Vários editores insistiram para que eu atransformasse em livro. A tendência de quase todas as matérias derevistas é o desaparecimento; essa,entretanto, não morreu nem depois que onúmero seguinte chegou às bancas. Pareciater vida própria. A Working Title Filmsadquiriu os direitos de filmagem para umaprodução com a companhia Red Om, de JuliaRoberts, que faria o papel de Joan Root – oque foi anunciado no Festival de Cannes de2007, rendendo manchetes internacionais.Mesmo assim, eu achava que aquela

reportagem havia terminado, pelo menospara mim. Joan Root estava morta e, já queraramente expressava – e menos aindaverbalizava – seus sentimentos, mesmo paraos amigos mais próximos, a maior parte desua história pessoal fora presumivelmenteenterrada com ela. Foi então que algo incrível aconteceu. JoanRoot começou a falar. “VOCÊ DEVE ESTAR PENSANDO QUEELA NÃO FALAVA MUITO .” O inesperadoe-mail de Alan Root prosseguia, explicando:“E está certo quanto a falar, mas tenhomilhões de palavras que ela escreveu para amãe, diários etc.” Fiquei imediatamenteempolgado com a possibilidade de sabermais sobre aquela mulher extraordinária. Outro golpe de sorte aconteceu quandoconsegui localizar Anthony Smith, o autor de

best-sellers londrino, explorador,apresentador da BBC, aventureiro e melhoramigo de Alan e Joan Root. Por duas vezesele atravessara a África de motocicleta e foi oprimeiro britânico a obter licença para viajarde balão depois da Segunda Guerra Mundial,quando atravessou os Alpes. Já com 80 anos,Anthony morava num pequeno e entulhadoapartamento em Londres, e convidou-mepara um de seus “famosos espaguetes”. Leveiuma garrafa de chardonnay californiano.“Brilhante ideia trazer vinho”, ele exclamouao receber-me. Era altíssimo, engraçado,irrequieto, com um incisivo sotaquebritânico, repleto de interjeições pontuandointermináveis histórias de seu convívio comAlan e Joan, tanto antes quanto depois dodivórcio.

Gostei dele imediatamente. Anthony nãotinha papas na língua. Contou-me tudo sobreos Root, honesta e completamente, e aindadeu-me uma pasta grossa com toda acorrespondência trocada com Alan e Joan.“Você tem sorte”, disse. Acabara deencontrar aquelas cartas, exatamente navéspera de minha visita, enquanto semudava de casa, em meio a um divórcio. “Sevocê tivesse chegado uma semana mais tarde,eu já as teria jogado fora.” O que outras pessoas falavam sobre Joan erainstigante, porém mais impressionantesforam suas próprias revelações, nos milharesde páginas de cartas para a mãe, o marido, osamigos, como também nas décadas dometiculoso diário, cuja última páginaescrevera pouco antes de morrer. Lendo esseprecioso material, percebi que a história

daquela encantadora mulher precisava sercontada integralmente e que ela mesmaproporcionaria às futuras gerações boa partedo relato. Em cada linha escrita por Joan, desde suajuventude aventureira até os perigososdiasque antecederam sua morte, era visível apaixão pela África e por sua natureza, bemcomo pelo único homem que amou na vida,Alan – tão selvagem e livre quanto todas assuas outras paixões. Capítulo 1 É DIFÍCIL IMAGINAR como se sentiram oscolonizadores britânicos ao viajarem pelaprimeira vez da fria e comportada Inglaterrapara o quente e exótico Quênia. Pioneirosimprovisados, seu objetivo era domar aquelevasto e misterioso país tomado pela Coroaem 1895. Foram para lá em nome da

civilização, construíram estradas de ferro,fundaram Nairóbi, erigiram outras cidades eexpulsaram os massais de suas ancestraispastagens. Mas o que acabou tornando-osfamosos, em livros e filmes, foi seuhedonismo: um punhado de ricos earistocráticos ingleses, refestelando-se numestilo de vida que ficou conhecido comoHappy Valley – versão queniana dos loucosanos 20 –, com aqueles extravagantesimigrantes de roupas cáqui trocando tiros eesposas e escandalizando o mundo com suasexcentricidades. O Happy Valley pode não ter passado de umpunhado de hedonistas, mas eles fizeram umtremendo estardalhaço. Na verdade, a maiorparte dos colonos era de cidadãostrabalhadores e diligentes, como registradopor Karen Blixen, a autora dinamarquesa

que, sob o pseudônimo de Isak Dinesen,escreveu A fazenda africana e outros livrosem que descreve seu cotidiano comoadministradora de uma plantação de caféperto de Nairóbi, junto com o primo – obarão Bror von Blixen-Finecke –, com quemse casou em 1914. “Os britânicos trouxerampara o Quênia um pedaço da Grã-Bretanha”,recordou um dos amigos de Joan Root.“Hasteavam a bandeira inglesa, baixavam-naao pôr do sol, trajavam-se formalmente parao jantar e bebiam gim na varanda até omordomo aparecer, rigorosamenteuniformizado, com um gongo nas mãos,anunciando: ‘O jantar está servido.’ Todosentão erguiam suas taças e exclamavam: ‘Àrainha!’” Esse período teve um final violento nos anos50, quando a era colonial terminou com um

banho de sangue. Em 1952, a maisimportante tribo queniana, a dos quicuios(1,5 milhão dos 5 milhões de habitantes dopaís), aliada a várias outras, sublevou-seviolentamente contra a presença britânica,num episódio que ficou conhecido como aRebelião Mau Mau. “Um quicuio se tornavamau mau ao prestar um juramento sacrílego,que o afastava da vida normal e otransformava em verdadeiro míssilkamikaze, apontado para seu patrão – ofazendeiro europeu imigrante”, conta PatrickHemingway na introdução a True at FirstLight, as memórias que seu pai, ErnestHemingway, escreveu sobre suas temporadasno Quênia. “O instrumento agrícola maiscomum do país chamava-se panga, em suaíli:pesada e afiadíssima lâmina de fio simples,prensada a partir de folhas de aço inglês,

capaz de, em mãos hábeis, cortar arbustos,cavar buracos e matar pessoas. Quase todotrabalhador agrícola possuía uma.” Osquicuios mataram 2 mil dissidentes africanose atacaram a polícia e o Exército britânicos. “Reagindo como se aquilo fosse outra Batalhada Inglaterra, a comunidade europeiadespachou vários destacamentos deinfantaria da Grã-Bretanha, e toda apopulação civil branca se armou”, escreveJohn Heminway no livro No Man’s Land .“Durante quatro anos, ninguém no Quênia sesentava para jantar sem ter um revólver aolado do prato.” Declarando estado de emergência, o governobritânico prendeu o líder quicuio JomoKenyatta, homem culto e viajado, queretornara ao Quênia para desencadear ainsurreição mau mau em sua tribo. Em sua

correta opinião, os latifundiários europeushaviam roubado seu mais precioso recurso: aterra. A perseguição a Kenyatta, entretanto,exigia conhecimento do terreno. Joan Rootcontaria mais tarde a um amigo que um doschefes daquela caçada humana foi EdmundThorpe, que vinha a ser seu aventureiro –ainda que tranquilo e excepcionalmente bem-educado – pai. Depois de capturaremKenyatta, os batalhões ingleses matarammais de 11 mil rebeldes, enforcaram mil emandaram outros 150 mil para os campos deprisioneiros, em contraste com os 30europeus mortos durante o “estado deemergência”, antes que a revolta fossesufocada em 1960. Embora tivessem empregado a força brutapara reprimir o levante, os britânicosperceberam que não poderiam sustentar um

governo branco no Quênia, e em 1960permitiram a realização de eleições livres.Kenyatta foi libertado em 1961 e um anodepois negociou os termos que levaram àindependência do país em 1963, tornando-seo chefe da nova nação. Mais tarde, o pai de Joan Root, EdmundThorpe, escreveria uma carta referindo-se àinutilidade daquele banho de sangue: Quando os britânicos chegaram, os quicuioseram uma pequena tribo escondida nasflorestas de Aberdare e do monte Quênia,sendo dizimada pelos massais, que vinhamdo sul, e pelos somalis, do norte. Para conteros ataques, a Grã-Bretanha interpôs umafileira de fazendas nas fronteiras. Os quicuiosnão eram absolutamente grandes guerreiros eteriam sido aniquilados se as incursõestivessem continuado. Eles eram desprezados

por todos os demais nativos quando chegueiao Quênia em 1928. Naturalmente isso não émais verdade, pois eles se reproduziram atése transformar na maior etnia e, além disso,são muito inteligentes. Kenyatta revelou-se um líder pragmático:incluiu em sua administração membros deoutras tribos e até brancos, transformando oQuênia num oásis de estabilidade política epoder econômico. Permanecia, entretanto, fiela suas raízes mau mau. “Quando osmissionários chegaram, os africanos tinham aterra, e os missionários, a Bíblia”, declaroucerta vez. “Eles nos ensinaram a rezar deolhos fechados e, quando os abrimos, elestinham a terra, e nós, a Bíblia.” Muitos quenianos negros acreditam que seupaís jamais retornou de fato às mãosafricanas, e se sentem escravizados ao

sistema colonial e ao governo britânico, quedeixou uma chaga infeccionada ainda nãocurada. Assim era o sentimento do país naépoca da morte de Joan. Na verdade, muitospensavam que isso teria contribuído para seuassassinato. O mundo em que ela nasceu, em1936, quase 20 anos antes da rebelião, era,porém, muito diferente. *** JOAN WELLS-THORPE NASCEU EMNAIRÓBI no dia 18 de janeiro, no casebre depau a pique em que seus pais viviamenquanto construíam uma casa em suafazenda de café. O pai, Edmund, de umafamília britânica de iatistas, abandonara em1928 a cinzenta e fria Devon, na Inglaterra,cansado do monótono trabalho no NationalWestminster Bank. Um gene aventureiroassolava toda a família Thorpe, e quando

Edmund e seu irmão, Richard, completaram20 anos, realizaram seu velho sonho departirpara as colônias. Richard fora para a Índia,cultivar chá; Edmund escolhera o Quênia. Imponente, sempre usando óculos, gentilezae fala mansa, Edmund Thorpe protagonizouuma vida turbulenta, que findou em 1o demarço de 1997. Como tantos outros pioneirosbritânicos, enfatizava o fato de que fora parao Quênia para trabalhar, e não para brincar.“Sobrevivi à Depressão garimpando ouro”,registrou num texto autobiográfico sem data.Em 1929, um ano após sua chegada, alistou-se na Força de Defesa do Quênia. Na época,gangues de caçadores ilegais costumavamatacar as florestas, matando tudo o queencontravam e espantando a caça. Compoucos guardas e alguns batedores nativos,Edmund conseguiu controlar as incursões.

Devido às incontáveis vezes em que escapouda morte violenta, costumava comentar queum anjo da guarda o protegia. No texto autobiográfico, Edmund relataalgumas de suas aventuras – percorrer osoceanos procurando minas, trabalhar emmeio expediente como policial num paísselvagem em que bandidos matavamcrianças; passar como playboy num iate,quando na verdade servia como espião daMarinha – e, finalmente, como se estabeleceupara começar uma família. Em 1933, casou-secom Lillian Walker, jovem branca da Áfricado Sul, o perfeito complemento paraEdmund, mantendo-o organizado,administrando seus projetos,proporcionando-lhe um lar ao qual elepoderia sempre retornar após suasintermináveis aventuras.

Por fim, Edmund resolveu entrar no negóciodo café. Ele e um sócio compraram umapropriedade abandonada de 240 acres, nosférteis campos de café perto de Nairóbi. Aterra foi subdividida em lotes de cerca de 20acres. Edmund ficou com três para si, no totalde 65 acres, e com um moinho junto a um rio.Na fazenda a que deu o nome de Lyntano,plantou 39 mil pés de café, declarando maistarde que a cada safra havia mais de umquilômetro de grãos a secar nos tabuleiros euma centena de trabalhadores colhendo-ossob o sol. Para Edmund, o Quênia era o paraíso. “Eunadava no oceano Índico, pescava numriacho de tempos imemoriais ou acampavaimediatamente abaixo das neves eternas”,revelou certa vez a um entrevistador.Hipopótamos e crocodilos frequentavam seu

jardim, como também papa-açúcares, grous etodos os tipos de macacos. A paisagem eratão emblemática que os filmes de Tarzanforam gravados perto do rio que cruzava apropriedade. Num deles, aliás, Tarzanprecisou de galochas e de ajuda paraconseguir pendurar-se num cabo coberto desamambaias para parecer um cipó. EdmundThorpe, pelo contrário, era de fatoaventureiro. Em certa tarde idílica, quando faziam umpiquenique na ilha de Crescent, umaverdejante península no lago Naivasha, auma hora e meia de Nairóbi, Edmund eLillian conceberam sua única filha. Assimteve início, naquele lago, a história de JoanRoot. Desde que nasceu, sua vida em nada separeceu com a das outras meninas. Maistarde Edmund contaria a um repórter:

Um amigo deixou comigo Mabel, umagrande macaca-vermelha, de longos braços,que costumava roubar gatinhos,cachorrinhos, tudo que fosse filhote. Umavez, alguém, passando pelo quarto de Joan,deu uma espiada e lá estava Mabelempoleirada na janela, com Joan nos braços.Tivemos de trocar nosso bebê por umabanana. Eles, na verdade, jamais a tiveram de volta;daquele dia em diante, Joan Thorpepermaneceria para sempre nos braços danatureza selvagem. NUMA TERRA EM QUE PRATICAMENTEINEXISTIA orientação sobre criação de filhos,Edmund e Lillian seguiram os conselhos deum bem-conceituado livro que enfatizava aautoconfiança e pregava que não se deviaacalentar um bebê chorando, qualquer que

fosse a intensidade do choro. A pequena Joanpassava horas intermináveis acordada,chorando em seu berço, mas ninguém tinhapermissão para interceder. Ela cresceureclamando uma atenção que jamais obteve,até que, por fim, parou de chorar parasempre. Na adolescência e depois najuventude, Joan se mostraria cada vez maisavessa a demonstrar fraqueza ou pedir ajuda. Joan cresceu na selva, desde muito cedoacompanhando o pai nos safáris – nessaépoca, Edmund se tornara caçadorprofissional, guiando turistas pela floresta.Suas expedições estendiam-se do Quênia atéUganda e Tanganica (agora dividida emTanzânia, Ruanda e Burundi). Certo dia, como barulho dos rifles ressoando nos ouvidos,ele teve uma grande ideia: por que não trocaras armas por câmeras? E foiassim que

surgiram os primeiros safáris fotográficos daÁfrica. A propaganda criada por Edmundanunciava: “Quênia Através das Lentes”. Os safáris fotográficos eram audaciosos, noporte e na abrangência: 20 dias de duração,21 clientes por excursão, 2 mil dólares porpessoa, incluindo a passagem de avião desdeNova York. Tiveram tal sucesso que Edmundfoi incapaz de administrar o negócio sozinho,precisando contratar sua mulher, que passoua organizar as excursões e a supervisionar osdetalhes. Em pouco tempo, o tamanho e aabrangência das expedições cresceram aindamais, até que afinal os clientes se mostravamtão exauridos diante das maravilhas – todosos dias vendo de perto elefantes,hipopótamos, leões, crocodilos, girafas erinocerontes, nos ásperos picos vulcânicos daÁfrica e nos vales das imensas e estéreis

planícies –, que praticamente tinham de sercarregados até o avião e mandados de voltapara casa. À medida que o safári fotográfico sedesenvolvia, Edmund e Lillian seaproximavam do ponto de exaustão. E nadesesperada busca por mais ajuda,finalmente eles se voltaram para a pessoamais confiável, detalhista e estoica queconheciam: sua filha. Joan, então com 19anos, era alta, bonita, inteligente, fluente emfrancês, devido aos anos que passara numinternato na Suíça, e, apesar disso, totalmenteíntima da floresta africana. Por outro lado, ainfância severa e nada mimada a tornaradolorosamente tímida, e ela não se sentia àvontade perto das pessoas, preferindo acompanhia dos animais.

Depois de completar sua educação na Suíça,ela retornou ao Quênia e começou atrabalhar. Naquela época, poucas pessoas dacomunidade branca davam prosseguimento àeducação formal, pois eram muitos osempregos disponíveis. Durante quatro anosela trabalhou como secretária na companhiapetrolífera Shell, em Nairóbi, até seu pai lhefazer uma proposta: ajudar com os safárisfotográficos, para aprender o negócio e umdia ficar com a empresa. Joan foi entãotrabalhar com os pais, na função que viria adefini-la: a de chefe executiva. Ela fazia tudosem esforço: elaborava os itinerários,coordenava as chegadas e partidas dosturistas, administrava a equipe, compravacomida e suprimentos, supervisionava aorganização e a preparação das expedições,comandava a caravana de Land Rovers (o

jipe que ela dirigia tinha o teto coberto depalha, cheio de gaiolas com galinhascacarejando: carne fresca e ovos para osclientes), ajudava a montar as tendas, atiçavao fogo, cozinhava, carregava as câmeras e atélocalizava os animais. Resumindo, fazia detudo, exceto bater as fotos para os clientes. Dirigindo para o leste, atravessando oSerengeti, com frequentes paradas parafotografar os animais, subiremos até asacomodações de um bem-equipado abrigopara safáris, na crista elevada da imensacratera de Ngorongoro, outra das principaisfortalezas da vida selvagem africana. Um diainteiro será passado no solo dessa cratera,alcançado depois de uma espetacular descidaem ziguezague por suas paredes. Além dasesperadas fotos de animais nos aguardandoem Ngorongoro, poderemos também

encontrar as primeiras manyattas [moradiascoletivas] dos nômades da tribo dos massais. folheto “Quênia Através das Lentes” O texto do folheto era um verdadeiroeufemismo. A cratera deNgorongoro,localizada nas terras altas donorte da Tanzânia, é conhecida como o Édenafricano. Acredita-se que ali se encontre amais espetacular concentração de vidaselvagem de todo o continente: leopardos,leões, guepardos, antílopes, rinocerontes-negros, chacais dourados, gazelas deThomson, abutres-reais – tudo dentro doslimites de um imenso vulcão extinto, umenclave murado com tamanho quase igual aode Paris. No limite norte está a garganta deOlduvai, com 80m de profundidade e quase50km de comprimento, que segue até oSerengeti, a região de infindáveis planícies

amareladas, famosa pelas tempestuosasmigrações de animais – incluindo a de quase1 milhão de gnus anualmente. “Esses americanos são bastante agradáveis eestão adorando a viagem”, escreveu Joan em1960, quando guiava um safári fotográficopor Uganda. “A armação sobre o teto doLand Rover é um sucesso. Que alívio trocaraquele trailer! Não fico cansada de dirigir. Naverdade, estou gostando mais do que quandoia sentada, sem fazer nada.” Ela sempre estava ao volante, guiando acaravana, chefiando tudo, até que, numdiachuvoso daquele Éden africano, conheceuAlan Root. Mais tarde, Alan diria que jánotara Joan diversas vezes circulando emNairóbi, mas não sabia como atrair suaatenção. Finalmente, teve sua chance.

ALAN ROOT NASCERA DE NOVO AOSDEZ ANOS DE IDADE , ao pôr os pés noQuênia. Daquele momento em diante, nemele nem a selva africana seriam os mesmos.Alan era uma rara combinação deinteligência e ironia, um comediante nato,sempre dominando a plateia. Aventureirocompleto, sem temer homens ou feras,gostava de provocar e testar ambos. No livroNo Man’s Land , John Heminway registrou aseu respeito: Ele é a grande história de sucesso da floresta.Para o prazer e a angústia de seus amigos,continua sendo o excêntrico radical, opalhaço, o aventureiro temerário, o mímico, omisantropo, a alegria da festa, o irreprimívelidealista da natureza … Dá a vida por umatomada para um filme, uma brincadeira, umapartida de tênis. Em resumo, Alan é tão

apaixonado pela vida que precisa provardiariamente que conseguiu driblar a morte. Ao contrário de Joan, que ainda não estavacerta do rumo que pretendia seguir, Alandecidira o próprio destino não muito depoisde desembarcar no Quênia. Filho de umempacotador de carne londrino que emigrarapara Nairóbi a fim de dirigir uma empresa deabate e empacotamento, desde muito cedodeterminara que sua existência seriadedicada a animais vivos. Seu longorelacionamento com os animais selvagenscomeçou então com criaturas pequenas:insetos, répteis, pássaros. Os Root viviam na planície de Athi, à beirado Parque Nacional de Nairóbi, de onde,como escreveu o pai de Alan, num dia claroera possível ver neve pelas janelas – de umlado, no monte Quênia; do outro, no

Kilimanjaro. Alan passava todo o tempo livredos fins de semana na floresta, com oscaçadores da tribo camba, homens emulheres que trabalhavam como jardineirose cozinheiras na casa de seus pais. Em poucotempo o garoto inglês se sentia tão à vontadena selva quanto eles. O inteligente Alantornou-se forte e belo, com o cabelo louroclareado pelo sol e o futuro moldado pelaexperiência com a natureza; experiência,diga-se, não só de observar os animais, comotambém de colecioná-los. “Os Répteis deRoot” foi o título de uma de suas exposiçõesna Escola Príncipe de Gales, em Nairóbi,onde costumava assistir às aulas com algumacobra no bolso e uma peça em mente parapregar em alguém. Doidivanas, engraçado,selvagem, provocador, assim era Alan Root.

O hábito de colecionar animais evoluiu parao de filmá-los com uma Bolex de 8mm, com aqual focalizava especialmente cobras erinocerontes. Chamava suas fitas deproduções caseiras. Certa noite, exibiu-aspara um pequeno público, no Museu deNairóbi. Depois disso, foi apresentado a umpiloto da East African Airways, tambémfotógrafo amador da vida selvagem, que lheperguntou se não gostaria de participar deum filme que desejava fazer, mas para o qualnão tinha tempo. Claro que sim! Com uma câmera emprestada, Alan fez seuprimeiro filme de verdade, sobre um pássarochamado jaçanã, que passa a vida em cima deenormes ninfeias púrpuras no lago Naivasha.De viva plumagem marrom, branca eamarela, essas aves têm pés e dedosextremamente longos, que distribuem seu

peso por uma ampla superfície e lhespermitem caminhar sobre as folhas. Alanficou semanas acampado numa barraca juntodo Naivasha, gravando dia a dia asatividades dos jaçanãs. Ao captá-los de modonão invasivo, em seu habitat natural e seminterferência humana, Alan criou o que viriaa se tornar sua marca registrada. Logo a movimentação dos jaçanãs atraiu aatenção de outro casal de patronos empotencial: Armand Denis e sua mulher, alinda e loura Michaela. Eram o rei e a rainhada filmagem do mundo animal nos anos 50 einício dos 60. Entretanto, seus programas demeia hora para a BBC, On Safari, eram maissobre eles próprios do que sobre os animais.Michaela chegou a declarar que nuncaentrava num rio infestado de crocodilos semantes passar o lápis de olho. Para a produção

de filmes sobre os animais, portanto, elesprecisavam de um cameraman. Eles contrataram Alan, mas não para filmar esim para cuidar dos animais domesticadosque transportavam nas viagens. Logo depois,porém, Armand Denis comentou quedesejava filmar uma cobra dasipéltis. Ora,não só Alan possuía efetivamente umespécime em sua coleção de répteis como já afilmara devorando um ovo. Ao assistir àprodução caseira do rapaz, Armand Denisexclamou: “Por que diabos você estácuidando dos animais? Por que não estáfilmando?” Assim, Alan foi promovido a assistente deDes Bartlett, o cinegrafista dos Denis noSerengeti. Ali ele logo entrou em contato comum protetor ainda mais poderoso:

o dr. Bernhard Grzimek, cuja produção NoPlace for Wildlife, de 1956, era um manifestocontra as caçadas no então Congo Belga,considerado possivelmente o primeiro filmeconservacionista. Grzimek estava visitando oSerengeti com o filho Michael, e procuravamum operador de câmera com conhecimentodo assunto, para um longa-metragem. Depoisque Alan foi recomendado pelo guardaflorestal da região, os Grzimek pediramàquele jovem que filmasse as trilhas demigrações no interior do Serengeti. Oresultado foi Serengeti darf nicht sterben (OSerengeti não pode morrer), que recebeu oOscar de melhor documentário em 1959. Aos22 anos, Alan Root aparecia nos créditoscomo cinegrafista. Foi então que Joan Thorpe entrou em suavida.

NAQUELE DIA ESPECÍFICO, Alan estavafilmando enfiado até os joelhos na lama deNgorongoro. Subitamente, o comboio doQuênia Através das Lentes passou por ali emdireção ao topo da cratera de Ngorongoro,onde dormiria aquela noite. Quando eleergueu os olhos, algo inacreditávelrelampejou pelo visor da câmera: uma louraalta, de 21 anos, que dirigia o Land Rover.Alan viu Joan saltar do veículo usando shortcáqui e camisa de manga curta, mais linda doque tudo o que já vira. Quando ela assinou olivro de visitas pelo grupo, Alan tomou ainiciativa: “Olá, sou Alan Root.” Nesseinstante, os pais dela surgiram ruidosamentee convidaram o jovem a juntar-se a eles. Joan devia saber quem Alan era, mas jamaisfalara com ele. Observou-o apresentar-se àsdemais pessoas, explicando-lhes quem era e

onde já tinha estado. Inevitavelmente, sendoele Alan, contou uma ou duas piadas. Todosriram; Joan, porém, permaneceu impassível.Ela era tímida demais para conversas fúteis,sobretudo com estranhos. Durante osaperitivos e o jantar, Alan mostrou-seabsolutamente encantador. Parecia conhecertudo sobre a cratera e cada animal que ahabitava. Ao redor da fogueira doacampamento, todos o escutavam,fascinados, enquanto narrava suas aventurasna selva – que sequer um mísero sorrisoconseguiam de Joan. Um “oh” de vez emquando, se tanto, foi sua única reação.Felizmente, quando por fim se sentaram parajantar, Alan conseguiu uma cadeira ao ladodela. A certa altura da noite, Edmund liberou Joande suas tarefas como motorista na manhã

seguinte, já que a maioria das pessoaspermaneceria no acampamento. Sugeriu queela tirasse uma folga. Alan entrouimediatamente em ação: por que não tirauma folga comigo, propôs. E acrescentou quea apanharia cedo para irem de carro até acratera. ALAN ESTAVA TÃO NERVOSO que seesqueceu de tirar do porta-luvas o pacote demanteiga que lá guardara. Na manhãseguinte, enquanto desciam pelas curvassinuosas em direção à cratera deNgorongoro, a temperatura subiu, amanteiga derreteu e começou a pingar naslongas e belas pernas de Joan. Acostumadaao inesperado dos safáris, ela calmamente fezo que pôde para limpar a sujeira. Alan nãoconseguia evitar olhar para aquelas pernasbrilhantes, enquanto se desculpava pelo

esquecimento e tentava concentrar a atençãonos leões, búfalos e manadas de gnuspastando. Simultaneamente, ia fazendoaquilo que melhor sabia: falar. Contou a Joan como viera para o Quênia coma família, mudando-se depois para a Rodésia,atual Zimbábue, onde o pai dirigira outroabatedouro. Seus pais, porém, já não seentendiam bem, então ele, a irmã e a mãevoltaram para Nairóbi em 1951. De vez emquando, Joan fazia um sinal de assentimentoe sorria, mas nada dizia. Alan também contou sobre o serviço noRegimento do Quênia, quando aconteceu aRebelião Mau Mau e ele fora enviado paracaçar fugitivos na floresta montanhosa deAberdare. Não capturou nenhum mau mau,mas sim um bongo, que viria a ser o únicoespécime criado em cativeiro até então.

Joan aquiescia com o olhar perdido. Comotodo mundo em Nairóbi, ela sabia que Alanhavia criado um bongo, o animal mais ariscoda floresta oriental africana. O grandeantílope do Quênia – de cor castanha, comfaixas brancas brilhantes e chifres em formade lira – raramente era visto, e muito poucostinham sido capturados vivos, até que umamigo de Alan encontrou um filhote órfãonuma armadilha e o levou para ele. Foi umadescoberta tão preciosa que Alan manteve obongo em seu quarto até levá-lo para ozoológico de Cleveland, que por ele pagou agenerosa quantia de 1.100 libras,transformando-o em celebridade local. Alan ainda morava com a mãe e a irmã,numa casa bem rústica. As paredes de seuquarto eram de pau a pique, o teto, de palha,e o chão, de terra batida – por isso a mãe nem

se incomodou que ele levasse o bongo paradentro; já se habituara a animais em seu lar.Alan também tivera um babuíno, até que omacaco se tornou agressivo demais ecomeçou a cortejar sua mãe. (Ele deu outra espiadela em Joan, que aindanão pronunciara nenhuma palavra.) Agora ele pegava todo tipo de animal, paravender aos zoológicos e filmá-los, e isso setornara sua profissão. Contou a Joan sobresua amizade com Michael Grzimek, quemorrera havia pouco num acidente de avião.A partir daquele momento, ele revelou, suamissão seria capturar em película toda aessência daÁfrica. Nada daquelas típicasversões adocicadas. Ele queria captar osesplêndidos animais do continente em suaplena expressão, sem nenhuma falsificaçãotécnica. Se Joan se impressionou com tudo

aquilo, nada demonstrou; apenas manteve oolhar perdido adiante. Logo depois ela revelou a Alan que estavanoiva de um jovem de Nairóbi, Ted Goss. Eles permaneceram em silêncio pelo restantedo percurso. Alan conhecia bem “Ganso-Goss”, o apelido de Ted na escola, segundoIan Parker. Como, diabos, ele tinhaconseguido Joan Thorpe? Anos depois TedGoss seria um conceituado guardaflorestal,fundamental na salvação do Parque NacionalTsavo (o maior da África oriental), invadidopor caçadores clandestinos, bem como nocombate a gangues que dizimavam bandosde elefantes com todo tipo de arma, desdefuzis AK-47 até lançafoguetes. Naquele iníciodos anos 60, porém, Goss era apenas mais umdaqueles grandes e corpulentos quenianosbrancos em busca de uma oportunidade. E

ele conseguira Joan Thorpe! Alan se deuconta de que teria de encontrar o meio devencer a barreira de sua timidez e conquistá-la. *** LOGO O SAFÁRI FOTOGRÁFICOPROSSEGUIU SEU CAMINHO, deixandoAlan novamente preso à lama da cratera deNgorongoro, dando continuidade àsfilmagens, mas agora obcecado pela mulherque acabara de partir. Os dois fariam um parperfeito, embora ele ainda não percebesseque precisava muito mais dela do que eladele. Joan era organizada, ao passo que eleseguia seus instintos; ela dominava osdetalhes e lidava bem com a logística,enquanto ele se preocupava somente com avisão geral; ela era uma empreendedora detalento, capaz de fazer tudo ao mesmo

tempo; ele era uma estrela – e encontraria umjeito de chegar até ela. Não muito tempo depois, um animal – comosempre acontecia com Alan – veio dar-lhe aoportunidade que buscava. Procurandonovas atrações, Joan e seu pai foram deautomóvel até Wamba, na fronteirasetentrional, uma das mais remotas einaccessíveis reservas de vida selvagem.Aquela belíssima paisagem montanhosa,cortada por rios, moradia da pacífica ehospitaleira tribo samburo, era perfeita paraexpedições com camelos, e Edmund e Joansabiam que seria um incrível cenário para umsafári fotográfico. Pai e filha percorriam a região em busca delocais para possíveis acampamentos quandoescutaram guinchos partindo de um poço,um dos largos e profundos poços d’água que

os samburos cavavam a fim de obter águapara o gado e os camelos. Os dois se debruçaram sobre o buraco edescobriram, agarrado à lama do fundo, umelefantinho abandonado, com cerca de trêssemanas de idade. Com a ajuda de um grupo de homenssamburos, eles conseguiram puxar o animalpara fora, porém o resgate foi apenas oprimeiro passo. Naqueles tempos, nenhumbebê elefante conseguira sobreviver criadopor humano. Alimentar um deles era tarefaquase impossível, pois o leite da elefanta émuito mais gorduroso do que o da vaca e nãohavia opções até a grande naturalista DaphneSheldrick inventar uma fórmula que osubstituía. No entanto, Joan estava absolutamentedecidida a salvar seu achado. O contato

constante com a mãe era fundamental paraum bebê elefante, de modo que Joan tornou-se a mãe substituta para o filhote que chamoude Bundu, palavra banto para “selva”. Elapassou a morar com Bundu sobre uma pilhade feno, num galpão perto da casa do pai.Todas as noites Joan dormia com o animal,alimentando-o com uma enorme mamadeira,sem jamais se afastar. Na comunidade de brancos de Nairóbi, todossabiam da vida de todos. Por isso, erainevitável que Alan ouvisse a respeito datentativa de Joan de criar o elefantinho ecorresse para oferecer-lhe ajuda. Se alguémpoderia salvar Bundu, esse alguém era ele.Alan ajudou-a a alimentar e a cuidar dofilhote e, mais importante, ajudou-a tambéma amar o pequeno órfão. Durante quatrosemanas, Joan não se afastou do elefantinho;

então, em determinado momento, precisousair. Alan estava fora, e ela tinha uma tarefaurgente. Disse ao guardador dos estábulosque voltaria logo, e que ele não deveriainterromper o contato humano por uminstante sequer. A maior parte dos africanos,contudo, não era dada a afagar elefantes, eassim que Joan saiu o rapaz esqueceu arecomendação. Quando ela voltou, Bunduagonizava. “Oh”, ela deve ter exclamado incontáveisvezes, exprimindo com tais interjeições todoo seu pesar. No dia em que o elefantinhomorreu, ela deve tê-las murmurado semparar, naquela voz suave e quase inaudível.Então, depois de muito, muito tempo, elachorou. Alan não se afastou dela. A natureza

tirara Bundu de Joan e, em troca, dera-lheAlan Root. Quanto a Ted Goss, já fazia parte do passado,se é que jamais houvera algum compromissoentre eles. Segundo um amigo, não passarade uma brincadeira, depois que uma dasamigas de Joan aceitara um pedido decasamento durante as férias, quando elashaviam viajado em grupo para o litoralqueniano. Joan pensou que deveria arrumarum noivo também, e Ted Goss apenas seaproveitou da ocasião. O amor que elaencontrou em Alan, entretanto, era real,desencadeado pela súbita perda que acabavade sofrer e pela profunda afinidade entre osdois amantes da natureza, nenhum dos quaisconhecera ainda uma verdadeira paixão. Foi uma atração entre opostos que, juntos,compunham um todo. Alan era sociável,

extrovertido, brincalhão e extremamenteimprudente – tudo o que ela não era. Maistarde ela declararia ter-se apaixonado por eleno instante em que o vira, e que o amara cadavez mais quando passou a conhecê-lo, não odemonstrando apenas por timidez. Elaamava as extravagâncias de Alan, a formacomo ele ocupava a cena, como era sempre ocentro das atenções: assim, ela não precisavaser nada disso. Ela adorava estimulá-lo,protegê-lo, empurrá-lo para locais aonde elejamais iria sozinho. Ninguém a compreendiamelhor do que Alan, ela diria mais tarde. Elesnão precisavam conversar sobre seu amor;como a comunicação não verbal entre osanimais, era algo que simplesmente estavaali: profundo, imemorial. Um artigo derevista sobre Joan, publicado posteriormente,

fala desse momento decisivo de suajuventude: Como é que se chega à TV? Uma forma (quenão recomendamos) foi a seguida pelabelíssima loura Joan Root, que poderia serdublê de Ingrid Bergman … Joan conseguiu afaçanha primeiro desenterrando dalama umelefantinho e levando-o para a casa dos pais,numa plantação de café na África oriental, edepois se casando com o vizinho que lheensinou a amamentar o filhote … O vizinhoera Alan Root, um imigrante inglês efotógrafo da natureza, que inventou afórmula capaz de conseguir o coração dela (eo do frágil paquiderme). Foi amor aoprimeiro suspiro. “Zás!”, diz ela. Zás! Isso foi tudo que a lacônica Joan pôdepensar para descrever ao entrevistador

o momento em que se apaixonou por AlanRoot. Capítulo 2 QUEM ERA AFINAL ESSE ALAN ROOT, e oque pretendia da vida? Por semanas EdmundThorpe matutara com seus botões, até quesurgiu a oportunidade de perguntar aopróprio Alan, que, aos 22 anos, tinha um sóobjetivo: tornar-se o maior cineasta da vidaselvagem do mundo. Caminho, aliás, que jávinha trilhando, desde que fora o principalcinegrafista de um documentário premiadocom o Oscar. Agora, entretanto, eleconseguira capturar algo tão arisco quantoseu famoso bongo, mas muito mais precioso:a linda filha de Edmund, a quem, abrupta ediretamente, fizera a proposta num safári:“Quer casar comigo?”

O casamento aconteceu em fevereiro de 1961,na catedral anglicana de Todos os Santos, emNairóbi. O vestido de Joan era da cor daleleshwa, ou sálvia selvagem, e umrequintado véu caía em folhos em volta deseu rosto, tão alvo quanto porcelana. Onormalmente inabalável Alan, num ternocom colete e gravata, com uma flor na lapela,estava tão nervoso que seus joelhos tremeramdurante toda a cerimônia. “Eles pareciamirmãos gêmeos: altos, louros, de olhos azuis eóculos”, recorda a única irmã de Alan, Jacky,que foi a dama de honra. Os pais de Joan ofereceram uma recepção nosalão da fazenda Lyntano, onde cerca de 40convidados celebraram a união diante deuma crepitante fogueira. Des Bartlett,padrinho e colega de profissão do noivo,ergueu um brinde ao feliz casal.

No final da noite, os recém-casados partiriampara o meio da selva, a fim de dar início aoque Alan chamou de lua de mel a trabalho(“Será assim ou nunca teremos lua de mel”) eque Joan descreveria como “um safári queduraria 20 anos”. O Land Rover e o trailer, estacionados nolocal da recepção, já estavam abastecidos comtodos os pertences dos noivos: câmeras,barraca, roupas, suprimentos, comida, osuficiente para sustentá-los por vários meses.Chuva de arroz não era para aquele casal:vários colegas de Alan, tendo bebido umpouco demais, tiveram a ideia de colocarexcrementos frescos de elefante em torno dasrodas do Land Rover, encharcando-os emseguida com água fervendo. Quando osrecém-casados saíram, sob aplausos dosamigos e parentes, voou bosta de elefante

para todo o lado: um legítimo casamentoqueniano, foi a opinião unânime. E então eles deixaram a cidade para trás,afastando-se de tudo que fosse seguroetranquilo, responsáveis por si mesmos edispostos a captar em película uma Áfricaque temiam estar agonizando diante de seusolhos. Os animais selvagens formaram overdadeiro cortejo para aqueles noivos –cortejo que em breve, aliás, se transformariaem impressionante procissão, levando o sr. esra. Alan Root a um futuro que, naquele diade fevereiro, eles não poderiam sequerimaginar. SEU PRIMEIRO DESTINO foi o ParqueNacional de Tsavo, berço de um terço doselefantes do Quênia, onde fariam tomadaspara a série de televisão de Armand eMichaela Denis. Embora Alan tivesse

telegrafado ao Abrigo dos Caçadores, emKibwezi, 160km ao sul de Nairóbi, quando láchegaram, o alojamento estava lotado:nenhum quarto para os Root. Tiveram dedirigir mais duas horas até uma hospedariade beira de estrada, em algum ponto entreNairóbi e Mombaça, sem qualquer resquíciode luxo. Joan, entretanto, se sentia em casadormindo tanto numa barraca quanto sob asestrelas e não poderia estar maisdespreocupada, já que tinha Alan a seu lado.Naquela cidade banal, num quarto pequeno esimples, o bem-aventurado casal passou anoite de núpcias. A partir do momento em que deixaram asimprovisadas acomodações da lua de mel,Alan passou a ter uma companheira emtempo integral, parceira e produtora

extraoficial. E desde aquele primeiro dia desua vida em comum, Joan faria por Alan o que com tanta competência fizera pelo pai:ajudá-lo a administrar os detalhes. Foi, de fato, uma lua de mel a trabalho,centrada nas filmagens de Alan para OnSafari. Os recém-casados pretendiamacampar no rio Athi, o segundo maior doQuênia, que cruza o Parque Nacional doTsavo Oriental e que, durante as estaçõeschuvosas, atinge a profundidade de novemetros e se enche de hipopótamos ecrocodilos. Eles chegaram na estiagem,planejando dormir junto ao leito seco do rio,para registrar os elefantes cavandobebedouros na areia. Com a bagagem aindaintocada, escondidos atrás de um amontoadode rochas, eles filmaram os elefantes ao luar e

documentaram hipopótamos, zebras ebúfalos. Alan e Joan complementavam-se de formaperfeita, Alan filmando, Joan carregando osequipamentos, Alan bem à frente, Joansempre vigiando a retaguarda. Depois deuma longa noite, eles retornaram aoacampamento, e Alan descobriu um graveerro de planejamento. Ele levara uma barraca do Exército, grandedemais, e teria de lidar com estacas enormese uma lona muito pesada, própria para sermanuseada por vários soldados. Como dehábito, porém, Joan não se perturbou:ajudou-o a martelar no chão os espeques,depois amarrou um cabo ao pino principal,prendendo a corda na traseira do LandRover, que fez, afinal, todo o trabalhopesado.

Eles não tinham camas; usavam apenas umcolchão fino, diretamente sobre o chão. Taljeito de dormir, à beira de um rio africano, éum verdadeiro convite a todos os insetos edemais criaturas que rastejem, deslizem oucavem tocas. Certa noite, um escorpião cor deareia, com a cauda negra – uma das espéciesmais nocivas e venenosas –, saiu de dentrodo colchão e picou Joan. A dor dessa picada élancinante, mas ela deixou escapar apenasum “Oh” abafado, tomou duas aspirinas evoltou a dormir… até as quatro e meia damadrugada, quando uma nova distraçãodespertou os recém-casados. A pouco mais de 100m da barraca, oito leõestentavam abater um impala. Mais uma vezAlan murmurou as duas palavras que setornariam seu mantra: “Vamos filmar!”Correram até o Land Rover e registraram a

morte da presa, depois acompanharam ospredadores até a margem do rio, onde forambeber após tão suculenta refeição. Perto doacampamento dos Root, como ambos sabiam,ficava a ponte ferroviária sobre o rio Tsavo –fora ali, durante sua construção, que doisenormes leões mataram e comeram quase 140trabalhadores, no mais famoso casode ferasdevoradoras de homens da história da África,base do filme A sombra e a escuridão. Joandormiu apenas uma hora naquela noite, e ador da picada do escorpião se mantevedurante quatro dias. Mesmo assim, emmomento algum se queixou. Estava, comoescreveu aos pais, “terrivelmente feliz”. Os dois estavam felizes, como mais tardeAlan relembraria: Nem Joan nem eu queríamos aquelespequenos interlúdios românticos rotineiros:

nada de jantares elegantes, nem aniversáriosespeciais ou essas besteiras natalinas (semcrianças, não tem a menor graça), nada defins de semana fora, em lugares sofisticados ecaros. Tínhamos jantares à luz de velas sob asestrelas quase todas as noites e víamos o sol ea lua nascendo e se pondo nos mais beloslugares do planeta. Estávamos juntos,sozinhos, entre os animais e num país queamávamos. Isso não é uma boa descrição deuma lua de mel maravilhosa?Compartilhávamos fortes emoções: o prazerde estar na selva, a excitação ao descobrir oufilmar algo jamais visto, a exaustão após umlongo dia de árduo trabalho, a satisfação deestar entre os melhores no que faz. Quando nos casamos, fomos imediatamentetrabalhar na inóspita região ao longo dos riosTsavo e Tiva, durante uma seca terrível,

quente como o inferno, e não tínhamos ajudapara armar o acampamento, cozinhar, lavarnem carregar água, lenha ou equipamentos.Mas foi uma época fantástica. Concordamosque foi a melhor lua de mel que poderíamosimaginar, e continuou ininterruptamente,sempre do mesmo jeito. Começamos adesenvolver a maneira mais simples eeficiente de viver em acampamentos, a pontode transformar aquilo numa espécie de arte, eem pouco tempo podíamos acampar e viverem qualquer lugar. Se por acaso encontrássemos algum amigo –normalmente guardas florestais ou caçadores– na floresta, fazíamos uma grande festa,bebíamos e dançávamos, mas sempre muitocontentes em partir novamente. Nãotínhamos feriados, como já disse, masquando concluíamos alguma tomada mais

trabalhosa ou resolvíamos deixar a região,costumávamos tirar alguns dias de folga,explorando áreas ainda não visitadas,fazendo piqueniques, observando pássaros,procurando passagens através de rios,futuros locais para acampar ou apenaspasseando pela floresta e sentindo a alegriade estar juntos, cada um sabendo que o outroexperimentava o mesmo prazer e a mesmaemoção. A vida deles transformou-se numaestonteante sucessão de acampamentos,emlocais fantásticos, por toda a Áfricaoriental e além. Como privada serviam-se deuma tábua com um orifício no meio,sustentada por latas de café, tijolos oumadeira sobre um buraco no chão, e ochuveiro era um balde cheio de furos içado aum galho de árvore, com água aquecida

numa fogueira. Enquanto Alan seconcentrava nas ideias, nas câmeras, noequipamento e nos aspectos técnicos dafilmagem dos safáris, Joan providenciavapara que o fogo estivesse sempre aceso, ocafé coado, o pão assado, a comida cozida, oscoquetéis prontos, os catres armados, ositinerários meticulosamente planejados –enfim, todos os detalhes devidamentechecados. Breve os dois caíram numa espécie de rotina,onde Alan dizia: “Vamos partir paraKaramoja” ou outro lugar qualquer. Joanembalava tudo e eles seguiam para opróximo destino, onde ela desfazia abagagem e montava o acampamento. Joannão só ajudava Alan, como também cuidavade seus amigos, pois em muito pouco tempoa interminável turma de Alan, aventureiros

doidos iguais a ele, também começou alevantar suas barracas perto deles. NAQUELES ANOS E NOS SEGUINTES,Joan enviou regularmente cartas para a mãe.Escrevia com caligrafia firme no papel decarta azul de Alan, que tinha impresso emnegrito no alto ALAN ROOT e, no cantosuperior direito, a silhueta de algum dosanimais do Quênia: macaco, girafa, gazela,elefante ou o gambá listrado africano. Joansempre iniciava as cartas com “Queridamãezinha” ou “Minha querida mamãe”. Asnarrativas de suas aventuras são longas edetalhadas, estendendo-se às vezes por dezpáginas ou mais. Alguns fragmentos dessacorrespondência revelam o cotidiano do casalnos primeiros anos de vida conjugal: Alan saiu com Ian [Parker] para filmar umelefante [para um documentário sobre as

primeiras tentativas sérias de exterminarcientificamente parte da vida selvagem], eassim, estou com tempo para escrever. Passamos cerca de seis dias no Tiva esurpreendemos muitas espécies de animaisbebendo de dia, mas, graças às chuvasinesperadas da semana passada, há água nasuperfície, os elefantes cavaram poços emtudo que é lugar e não estão se concentrandojunto à fonte. Na noite que passamos na fontesó vimos uns 30 elefantes e dez rinocerontes,que estavam sendo ameaçados por um leão. Amanhã iremos para o Tsavo oeste … ondevamos filmar caçadores ilegais em seusesconderijos secretos fabricando veneno.Fomos ao rio procurar crocodilos com umalanterna. Alan e Ian queriam pegar umpequeno, mas desistiram da ideia depois quecontamos 25 pares de olhos brilhando.

Ontem à noite, Alan e [um amigo] saíramcom uma lanterna atrás de crocodilos epegaram um de 60cm de comprimento.Trouxeram-no para casa, e conseguimosgravar seus lastimosos gritinhos. Hoje pelamanhã eles o devolveram ao rio, que estácheio deles por causa dos waliangulus [tribode caçadores de elefantes], que esquartejamelefantes e penduram a carne para secar,jogando depois os restos no rio, quandoninguém está vendo, pois assim têm menostrabalho. São uns indolentes. Ian abateu um elefante hoje de manhã, porisso Alan está filmando o corte do animal eseu carregamento no caminhão … Estamosambos muito bem e bastante bronzeados. Na selva, em companhia de Alan e muitolonge dos turistas de safáris, Joan foisofrendo uma espantosa transformação. Sua

timidez diluiu-se, deixando emergir aaventureira, embora não da mesma espéciede Alan. Jamais ela se aproximariasorrateiramente de uma cobra para assustá-la, arrancaria fios da cauda de um elefante ouatiçaria uma leoa, o que seu marido volta emeia costumava fazer, sobretudo se houvesseplateia. Pelo contrário, era profunda suaempatia com os animais que eles seguiam efilmavam. Acima de tudo, porém, ela era a mulher eparceira de Alan Root, alvo e centro de tudoo que fazia. Seu amor sempre presente semostrava ao retornarem todas as noites aoacampamento, quando ela cozinhava acomida ou fazia sua cama. E aquele amor erarecíproco. “Romance?”, refletiu Alan anosdepois.

Muitas vezes eu punha um ramo de floressobre o travesseiro dela. E Joan me faziapequenas surpresas, como um sorvete caseirodepois de um dia de muito calor ou umuísque quente com mel depois de horasseguindo gorilas sob uma chuva gélida.Nadávamos nus em lagos cristalinos ou emrios de águas marrons e espessas comochocolate, que se danassem os crocodilos. Emvez de ficar entretendo convidados à mesacom conversa furada, íamos plantar brotos debaobás numa jarra, para observá-los seabrindo ou, durante o jantar, ver ninfas delouva-a-deus deixando os ovos. Tínhamos omelhor trabalho do mundo e amávamostodos os seus aspectos, os locais a que ele noslevava e tudo o que experimentávamosjuntos. Realmente, nossa vida era tão cheia de

aventura e descobertas que compunha por sisó um grande romance. O CASAL, NO ENTANTO, não podia viverapenas do amor, e o dinheiro que recebiamdos Denis era mais uma colaboração do quepropriamente salário. Foi então que Alanlembrou-se do bongo que havia criado evendido para o zoológico de Milwaukee; oanimal precisava de uma parceira para iniciaruma linhagem. O zoológico pagaria pelacompanheira. Alan e Joan dirigiram-se entãoà terra dos bongos, no alto das irregularesmontanhas Aberdare. Alan havia projetadouma armadilha inofensiva, uma espécie detúnel, para ser instalada numa trilha. Umbongo que passasse por ela ativaria ummecanismo que fechava as portas de entradae saída. Noite após noite, durante um mês,Alan dormiu perto da arapuca, que se

confundia com a paisagem, enquanto Joanacampava nas proximidades, procurando ecolhendo todas as plantas adequadas àalimentação de um bongo. Certa manhã, ao checar a armadilha,encontraram um belo espécime preso. Noinício, alimentaram-no através de umapequena abertura no cercado, até o animal sehabituar a seus sons e cheiros. E então Joan,tão tranquila quanto o antílope, entrou naarmadilha e o deixou comer de suas mãos. Os Root rodaram um primeiro filme sobre astentativas de capturar o bongo e ointitularam Box Me a Bongo. Nele, Joan estána plenitude de sua beleza e juventude,exibindo uma presença delicada, apesar deindomável, alta como uma modelo daspassarelas, porém discreta como uma corça.Em plena selva das montanhas Aberdare, não

havia um fio de cabelo seu despenteado nemo menor amassado em seu traje de safári. Esse primeiro documentário tambémassinalou a estreia daqueles que se tornariamos maiores fãs de Alan e Joan, além deconstituir sua equipe extraoficial: osquenianos negros, os massais, os quicuios, osluos e outros nativos, que sempre se faziampresentes. Naquela ocasião, eles ajudaram atransportar o engradado com o bongo pelasencostas da montanha para depois acorrer àscentenas durante a aterrissagem do balão dear quente, com crianças rindo, cantando epulando sobre o tecido do balão, por fimseguindo o Land Rover pelo que pareceuuma eternidade. JOAN E ALAN ENCONTRARAM LAR EFAMÍLIA nas selvas da “boa e velha África”,como Joan mencionou numa carta para sua

mãe. Para Joan, lar significava Alan, ondequer que ele estivesse, o que, aliás, seevidenciou durante um retorno a Lyntano, afazenda de café do pai de Joan. Embora fossesua velha casa, já não era seu lar. Depois deanos de amarga convivência – Edmund maistarde iria escrever que “jamais estiveraapaixonado, jamais” – os pais de Joandecidiram divorciar-se e amãe voltou parasua casa em Durban, na África do Sul. O paiestava tirando seus pertences da fazendapara que Joan a vendesse. Antes do divórcio, Edmund se apaixonarapor outra mulher, uma beldade chamadaJean Bowie Nathan Shor, repórter deaventuras, que havia servido como capitã daCruz Vermelha na Itália durante a SegundaGuerra Mundial, trabalhado para a ONU naChina, escalado o Kilimanjaro e escrito vários

artigos para a National Geographic. Foi aprimeira mulher a seguir a rota de MarcoPolo pelo Afeganistão e pela China,expedição que descreveu no livro After You,Marco Polo . Duas vezes divorciada, elavinha trabalhando como chefe de excursãopara a divisão americanada Através dasLentes, em São Francisco, quando a enviaramà África para conduzir um safári fotográfico.Edmund forneceu os suprimentos e opessoal, e ficou tão fascinado por Jean que seinscreveu em sua próxima viagem – umcruzeiro pelo Mediterrâneo. Numa carta paraa irmã de Jean, ele escreveu: “Posso afiançar-lhe que normalmente não sou uma pessoaemocional; no que se refere a Jean, porém,pelo menos para mim, ela representa omundo inteiro, todo ele.”

Edmund cuidava dos preparativos para ocruzeiro pelo Mediterrâneo – durante o qualpretendia pedir Jean em casamento – quandoJoan e Alan chegaram à fazenda. Ela vierapegar seu carro e achou o pai um tantoconstrangido e evasivo sobre seus planos deviagem, provavelmente para não ter de sereferir à sua paixão. Quando ela descobriusuas verdadeiras intenções, ficouescandalizada. Extravasou seus sentimentosem cartas para a mãe, que aguardava afinalização do divórcio. Lillian Thorpe, portanto tempo uma grande dama colonial, quetudo levava aos extremos – trabalhar, beber,fumar, rir – foi ficando cada vez maisensimesmada, à medida que sua alegria setransformava em depressão e desânimo. OQuênia que ela tanto amara se transformava

em sua mente no símbolo de tudo de erradono mundo. “Ninguém pensa [mal] de você, mamãe –você, com seu passado absolutamenteimpecável”, escreveu Joan. “Não deixeaquele velho mau-caráter deprimi-la.”Contou como todos os amigos estavamrevoltados com o tratamento que Edmundlhe dispensara, depois de tudo o que Lillianfizera para apoiá-lo e ajudá-lo a construirseus negócios. Descarregou toda a sua raivapela viagem do pai com a nova namorada“apenas algumas semanas antes dodivórcio”. Mais tarde, concluído o processojudicial, quando Edmund e Jean já viviamjuntos, Joan tentou consolar a mãe.Assegurou-lhe que “o bom nome dele (se éque ainda existe) logo desaparecerá … Dequalquer modo, mãe, não se atormente com o

assunto e esqueça aquele homem (pelomenos, esqueça-o depois que tiver tirado atéseu último centavo)”. Naquele momento, em sua opinião, Edmundencarnava todos os piores atributos domacho da espécie. Alan, pelo contrário, doisanos depois do casamento, continuavaencarnando todos os melhores. “Tenho ummarido maravilhoso, que está trabalhandoincrivelmente para construir alguma coisa”,escreveu à mãe. Quando ela e Alan deixaram Nairóbi decarro, seguindo para outra barraca, à beira deoutro rio, Alan também tinha novidades:aceitara a proposta de filmar umaexpediçãopor toda a África oriental em um balão dehidrogênio. Ficou acertado que Joan acompanharia obalão no Land Rover, contrataria uma equipe

onde ele aterrissasse e prepararia oacampamento. Havia, porém, mais umdetalhe, acrescentou Alan: quando pedira aospatrões, Armand e Michaela Denis, umalicença temporária para o projeto, eles ohaviam despedido na hora. *** UM DOS HOMENS QUE CONTRATOUALAN para a viagem de balão era o popularescritor Anthony Smith, do Daily Telegraphde Londres, havia muito fascinado pelaÁfrica. Conhecera o casal numa conferênciasobre vida selvagem em Arusha, na atualTanzânia, depois que alguém lhe sugerira:“Você precisa de Alan e Joan Root.” Smithrevelou a Alan seu plano de fazer um balãode ar quente voar sobre as selvasda África,como no romance de Júlio Verne, Cincosemanas em um balão, de 1862, que descreve

um voo partindo de Zanzibar em direção aooeste, atravessando aÁfrica. Estariam elesinteressados em filmar a viagem?, quis saberSmith. Claro que sim, concordou Alanimediatamente, acrescentando que suamulher seria assistente em qualquer projetoque topasse. Foram necessários doiscaminhões de 6t para transportar ocombustível para o voo e três horas para 24pessoas inflarem o balão. Logo, porém, Alan e seus novosamigos estavam no ar, e a África estendia-seabaixo deles como um magnífico tapete.Segundo um jornal local: O presidente [Idi] Amin avistou ummisterioso objeto voador descendo sobre olago Vitória e, em seguida, subindo de novo,informou ontem a Rádio de Uganda.

Segundo a reportagem, ele declarou que oobjeto deveria ser interpretado como um“sinal de boa sorte para Uganda”,acrescentando: “Aconselha-se a todos quetenham visto o objeto que façam orações emseus respectivos locais de culto.” Como sempre, Joan tratou dos detalhes esupervisionou minuciosamente o projeto daviagem. Anthony Smith lembra-se de um diaespecialmente problemático: “Estávamoscom um terrível problema com o balão:começara uma tempestade, e ele estava sendoarrastado pelo chão em direção a árvoresbem espinhosas. Nós o amarramos ao LandRover, mas pouco adiantou. Joan foi até abarraca pegar alguma coisa e se deparou comdez ou 12 massais lá dentro; a intenção deles,com certeza, não era ajudar, mas sim seabrigar da tempestade. Joan ficou tão

zangada… Os massais tinham empilhadosuas lanças na entrada da barraca. Ela pegoutodas e as atirou para fora, em plena chuva.Lanças de guerreiros… Joan mantinha tudosob controle.” “Ela era a carregadora de piano”, acrescentao amigo Dee Raymer, outro especialista davida selvagem sediado em Nairóbi. “Não sóde piano, aliás, mas da orquestra inteira.Alan era o rosto do projeto, quem passava aconversa e tinha o carisma, além do incríveltalento com a câmera. Mas isso não faz umfilme, é preciso a pré e a pós-produção, arevelação, os registros do que acontece nassequências, a compra de toda a parafernáliaque os safáris exigem, a organização dosveículos, a arte de ter tudo à mão nomomento necessário… Quando digo tudo étudo mesmo. Mais tarde Alan descobriria que

Joan sozinha fazia o que normalmenteexigiria uma equipe inteira.” No entanto, ela minimizava seu papel,qualificando-se como mera “assistente” deAlan, que comentaria posteriormente ementrevista à revista People: “Se ela tivesseuma profissão importante, talvez não seinteressasse em ajudar-me na minha. Eu sou o sujeito com as ideias, mas ela é a grandeadministradora.” A isso o repórteracrescentou: “Os Root são uma equipe, e éisso que faz tudo funcionar tão bem.” A mulher de um cineasta da vida selvagemtem que se dispor a partilhar muitos riscoscom o marido, e Joan Root teve sua cota. Foimordida por um escorpião na noite denúpcias, que aconteceu numa barraca delona, na selva. Um espinho de acácia de cincocentímetros cravou-se em seu pé. Alan teve

de retirá-lo com alicate. E, claro, umhipopótamo abocanhou sua máscara demergulho no manancial Mzima. Ela suportacom tranquilidade essas peripécias. Menosfácil de aceitar, decerto, é a tensão em seusistema nervoso devido a certas aventuras deAlan … Recentemente ela estava aprendendoa pilotar um avião,talvez como autodefesa. Émuita sorte de Alan tê-la como companheira,o que, provavelmente, ele sabe. Colin Willock, The World of Survival (1978) Depois da primeira viagem de balão, Alan sedeu conta de que aquele era o veículo idealpara suas futuras filmagens. A experiênciaque Joan teve dessa aventura, contudo, foiradicalmente diferente, já que eraresponsável por seguir o aeróstato em pousosde emergência em montanhas escarpadas, emmeio ao furioso trovejar de nuvens sinistras

ou em acidentadas descidas em vilarejosapinhados de nativos curiosos. Aterrissagensinesperadas e forçadas tornaram-se quaserotina. Ao final da viagem de três meses, AnthonySmith supunha saber tudo sobre apersonalidade totalmente extrovertida deAlan, e eles ficaram tão bons amigos quemais tarde Alan o declararia um dosbeneficiários de seu testamento. QuandoSmith, triunfante, retornou a Londres, após aaventura, regalou sua mãe com histórias desuas conquistas e sobre Alan, o rapaz mateiroque guiara e fotografara toda a aventura.Também falou da mulher dele, Joan,contando como ela os acompanhara por todaa parte. “Parece-me que a tarefa mais perigosa era ade Joan, tendo de resgatar vocês onde quer

que aterrissassem”, comentou a mãe deSmith. “Conte-me mais sobre ela.” Smith pensou um pouco, recordando o queJoan fazia quando eles aterrissavam e comoos recebia no acampamento. Fora isso, eraincapaz de lembrar algo específico sobre aloura. Não lhe vinha à memória nenhumcomentário que Alan pudesse ter feito sobre amulher ou qualquer observação de Joansobre si mesma. Ela era tão essencial aoprojeto, e tão feliz por estar nos bastidores enão na frente do palco, que nele se integravaa ponto de se diluir, ao invés de se destacar.Depois de três meses em íntimo convívio comos Root, Smith subitamente se deu conta deque não sabia absolutamente nada sobreJoan. “Jamais pensamos naquela moça alegre,que por acaso dirigia o carro por qualquertipo de região para nos resgatar onde quer

que descêssemos”, ele escreveria mais tardeno Guardian – ela era tímida e modestademais para se revelar. NÃO IMPORTANDO ONDE ESTIVESSE ,Joan se dedicava ao que se tornaria suamissão de vida: cuidar de criaturas feridas.Em uma carta, relatou à mãe a noite em quequatro nativos chegaram ao acampamento“segurando um calau-de-bico-vermelho todoenlameado. Estava apavorado e tão sujo … aspenas das asas tão desalinhadas, que nãoconseguia voar.” O pássaro, um tipo de calausul-africano, não era maior do que a mão deum homem. As penas eram pretas e brancas,e o bico, vermelho-sangue, quase tão grandequanto o corpo. Os nativos não revelaram como o haviamcapturado, porém o mais provável é que elefosse o caçula de uma ninhada, tendo ficado

para trás, fraco demais para voar, enquantoseus irmãos fugiam. Os homens queriam umxelim por ele, que Joan imediatamentepagou. Durante um dia inteiro o calaupermaneceu em pânico, sem aceitar alimento,mas afinal Joan e Alan conseguiram fazê-locomer. Joan lhe deu o nome de Scruffy. Logoele ficou tão domesticado que, pousadonuma árvore, esperava pacientemente o casalsair da barraca para então descer ao chão eirromper em “demonstrações entusiasmadasde canto e dança”. Ao longo dos mesesseguintes, nas cartas de Joan para a mãe,Scruffy seria uma personagem frequente.Uma delas registra: Realmente ele deve ter alguma proteçãomágica, pois em nosso último acampamento,em Vipingo, estava tranquilamente na árvorefrondosa sobre a barraca e eu tentava atraí-lo

mostrando-lhe um dudu (inseto, em suaíli),quando, para meu horror, vi uma mambaverde a meio metro dele. Ele também a viu eanimou-se todo, indo bicar-lhe o meio docorpo. As mambas comem pássaros, por issofiquei petrificada. Alan pegou um bastãocomprido e a espantou para mais longe, econseguimos pegar Scruffy. Ela era verde-brilhante, com quase dois metros e, se tivessepicado Scruffy, ele teria morrido na hora;ainda não entendemos como ela não o fez. Para Joan, Scruffy foi mais uma evidência deque os animais respondem bem à reabilitaçãoe os humanos podem fazer a diferença naselva. Tal crença era ardorosamentecompartilhada por um extraordinárioindivíduo que pretendia levar os filmes sobrea natureza a outro nível de qualidade e deaudácia, e cujo patrocínio iria conceder a

Alan e Joan a possibilidade de filmar emcenários ainda mais espetaculares. Seu nomeera Aubrey Leland Oakes Buxton. BUXTON FOI O SÍMBOLO DO BRITÂNICODOS ANOS 60 entusiasmado pela natureza.Sempre trajando roupas cáqui de safári, eralouco por animais desde que servira naArtilhariaReal, durante a Segunda GuerraMundial, quando passara temporadas naÁfrica e em Burma. De volta a Londres,enriquecido pelo trabalho na indústriafarmacêutica, dirigia um Bentley e casou coma filha de um baronete. Depois se envolveucom a criação da World Life Fund, que opríncipe Philip dirigiu durante 20 anos. Nofinal dos anos 50, convencido de que ointeresse do público britânico pordocumentários sobre o mundo animalpoderia tornar-se tão forte quanto o seu,

Buxton e diversos colegas compraram aconcessão da Anglia Television para o lesteda Inglaterra, pretendendo introduzir filmessobre a vida selvagem na grade deprogramação. Suas séries não se limitariam a mostrar osanimais em seu habitat, mas lutariam parasalvá-los. Na época, poucas pessoasconheciam o significado do termo“preservação”, o que preocupava Buxtonseriamente. Com amigos e sócios com asmesmas inquietações, fundou um clube parapopularizar a proteção da natureza,mostrando espécies ameaçadas na televisão.“A intenção”, declarou, “era reunir a melhorequipe do mundo – os melhores fotógrafos,os melhores naturalistas, o melhor de tudo –,e todos teriam que se tornar dedicadosambientalistas.”

Depois de nomear a nova série comoSurvival, ele foi para a África a fim decontratar os principais cineastas da naturezadisponíveis. Já fizera contato com vários dosmelhores operadores de câmera docontinente, porém Alan Root, que eleconhecia de nome, continuava inacessível. “Eeu sabia que ele poderia ser o mais brilhantee inovador cinegrafista do mundo”, declarouBuxton posteriormente. Alan e Joan estavam acampados na fronteirade Uganda com a República do Congo(depois Zaire e hoje República Democráticado Congo) quando Buxton os encontrou sobchuvas torrenciais. Com a ponte para Ugandasubmersa, eles ficaram temporariamenteretidos no lado congolês do caudaloso rioRutshuru, em meio à paisagem terrível e

emocionante que compartilhavam comáguias-pescadoras e falcões. Buxton estava confortavelmente acampadocom a mulher perto dali, no lago Edward,que o rio Rutshuru alimenta, quando umguarda florestal mencionou que os Rootestavam na área. “Leve-me a elesimediatamente!”, exclamou Buxton. Ele e o guarda foram de carro, em meio àfuriosa tempestade. Chegando ao riotransbordado, Buxton ficou do lado deUganda berrando para Alan e Joan namargem oposta. Para conseguir ouvir o quequeria aquele excêntrico cavalheiro em trajede safári, Alan vadeou a ponte submersa atéonde foi possível. Buxton apresentou-se egritou algumas informações sobre as nobresintenções de sua série de TV. Pretendia fazer

os mais fantásticos filmes sobre animais domundo e queria os Root em sua equipe. A um alerta de Joan, Alan olhou para trás,vendo o rio subir aceleradamente. “Parece muito interessante!”, ele gritouenquanto recuava para perto de Joan.“Mande-nos uma carta!” “Vocês precisam de alguma coisa?”, berrouBuxton. Alan pensou que tinham comida suficiente,mas lembrou-se que havia terminado a raçãodo papagaio. “Comida de papagaio!”, gritou.“Mande-nos sementes para passarinho!” Ainda aos berros, Buxton disse-lhe que nãose preocupassem e se despediu. Na manhãseguinte um avião planou acima doacampamento dos Root, deixando cair umgrande pacote de amendoins.

“O primeiro pagamento que a Survival mefez foi com amendoins”, Alan brincaria maistarde. UMA DE SUAS TAREFAS INICIAIS PARAA SÉRIE foi documentar não animaisselvagens, mas um tipo de vida em vias dedesaparecer, a das primitivas triboskaramojong, de Uganda. “Um réquiem paraum povo espetacular”, entoava a voz em off,no filme posteriormente intitulado Umalágrima para Karamoja. “Meio século atrás,Karamoja era uma terra em que o homembranco só se aventurava arriscando a própriavida.” Depois, aquela tribo de criadores degado, cuja dieta consistia em leite e sangue devacas, viria a ser dizimada pelo primeiro-ministro de Uganda, Milton Obote, e depoispelo ditador Idi Amin Dada, queassassinaram sistematicamente os

karamojongs e outras tribos nativas. Os quesobreviveram foram despojados de suasarmas e de seu bem mais valioso: o gado. As crianças também eram muito valorizadaspelos karamojongs. “Um homem pode tertantas mulheres quantas puder manter”,escreveu Joan para a mãe. A cerimônia decasamento na tribo, entretanto, não passavade um prelúdio para o parto. Na verdade,havia oito ou nove etapas que uma mulherdevia cumprir até ser reconhecida comoesposa. “Nunca antes de ter um filho”,explicou Joan. “E só depois de criar pelomenos dois até a idade em que as criançascostumam caminhar é que ela deixa a casa damãe e vai viver com o marido.” Onde estavam os filhos de Joan e Alan era apergunta recorrente dos karamojongs, quelogo se ofereceram para iniciar o casal em

suas práticas tribais. De fato, elesconvenceram Alan a participar de umacerimônia masculina que, como escreveuJoan, “consistia em espalhar o conteúdo doestômago de um boi pelo rosto e pelo peitodele, para depois os anciães baterem-lhelevemente com bastões … Então elescantaram intermináveis bênçãos para nós;uma delas anunciava que, da próxima vezque os visitássemos, eu teria um filho!” Sua esperança e antecipação sãotransparentes aqui, como se estivessedizendo sim, algum dia teremos nossosfilhos. Alan adorava a ideia, tanto quantoJoan. Ele lidava muito bem com crianças eseu desejo de ter seus próprios filhos foi sefortalecendo cada vez mais. Naquelemomento crítico de suas vidas como

produtores cinematográficos, entretanto, nãohavia tempo nem espaço para um bebê. CONSTANTEMENTE A ÁFRICA LHESFAZIA UM CHAMADO , não somente comsua magnificência, mas também pornecessidade. Magadi é um lago alcalino de 29km deextensão, a uma hora de Nairóbi. Situa-senum dos locais mais baixos e quentes doGreat Rift Valley, uma massa infernal deáguas rasas extremamente alcalinas queproduzem, na superfície do lago, depósitosde vários metros de sódio, chamados detrona. Esses depósitos queimam a pele aocontato e suas emanações fazem arder osolhos. Dali surgiu uma indústria na cidadehomônima, a Companhia de Sódio deMagadi, segunda maior produtora decarbonato de sódio – usado para fazer sabão

e produtos afins – do mundo. Emborabenéfico para a economia local, o sódio éterrível para os seres humanos e a vidaselvagem. Em julho de 1962, o céu sobre o lago Magaditingiu-se de rosa. Uma enchente na terraancestral de reprodução dos flamingosforçou-os a uma migração em massa e elesacabaram chegando ao pior local possívelpara a procriação, tanto de pássaros quantode qualquer outro tipo de vida. Enquanto osflamingos se instalavam no lago Magadi,alguém da Companhia de Sódio alertou umespecialista do Museu de Nairóbi, quetelefonou para Joan e Alan perguntando-lhesse eles se disporiam a proteger as aves dospredadores.

Eles responderam que o fariam com prazer setambém pudessem documentar tudo, e foramimediatamente para o lago, onde mais umavez ultrapassaram os limites da filmagemconvencional – não pelo que faziam, maspelo que deixavam de fazer: especificamente,não interferiam na vida dos animais, apenasos filmavam em seu habitat natural,executando suas atividades rotineiras. Alan eJoan se instalaram num abrigo improvisado,acima do nível da água, e ali ficaram,cercados de flamingos, durante semanasantes de começar a filmar, dando às avestempo para se acostumarem com eles. Finalmente, os flamingos puseram seus ovosem ninhos feitos com lama de sódio, queendureceram, transformando-se em milharesde pedras amontoadas. Quando os ovoscomeçaram a rachar e os filhotes a caminhar

pelo lago de sódio, desencadeou-se umdrama terrível. Devido ao intenso calor e aomau cheiro dos depósitos de sódio, quandoos pais saíam em busca de alimento para osfilhotes, tinham dificuldade de retornar aosninhos. Por longos períodos, milhares deaves ficavam gritando naquele espaço abertosem proteção, convidando abutres e hienas ase aproximar daquelas presas tão fáceis. Logo, vários filhotes começaram a não semover mais. Quando Alan resolveu descobriro que estava acontecendo, Joan oacompanhou, deixando o esconderijo.Depararam-se então com uma cenalastimável: milhares de filhotes de flamingosmortos em pequenas lagoas borbulhantesrecobertas por crosta alcalina. Presos pelosódio do lago, eles tinham morrido de fomeou afogados. O sódio lhes manchava as

penas, queimava a pele e cristalizava, docalcanhar ao joelho, suas finas pernas, que setransformavam em pesados depósitos decerca de 200g – verdadeiros grilhões de sódioimobilizando milhares daquelas pequenasaves e condenando-as a morrer de inaniçãoou a afundar na água venenosa. Joan e Alan perceberam que uma leve batidacom faca ou martelo quebrava a massa desódio, liberando a perna do flamingo.Trabalhando o mais rápido que podiam,conseguiram libertar centenas de aves.Transmitiram um SOS, e a ajuda chegou aosbandos, primeiro de voluntários locais,depois do Exército e da Aeronáutica e, emseguida, de professores e alunos, todosdesafiando o calor de quase 40°, o mau cheirodos pássaros mortos e o sódio escaldante.

“SALVEM OS FLAMINGOS: COMEÇAOPERAÇÃO DE RESGATE NO MAGADI.”Foi essa a manchete do Daily Nation deNairóbi em 23 de setembro de 1962. Umafotografia de Joan e Alan ajoelhados,curvando-se sobre duas tinas cheias defilhotes agrilhoados, acompanhava o texto.No final, eles libertaram mais de 27 milfilhotes, além de evitar que outros 200 mil seinstalassem naquelas águas rasas, cujas altasconcentrações de sódio os teriamaprisionado. Realizaram assim a maioroperaçãode resgate de aves da história daÁfrica. Uma vez salvos os bandos de flamingos, osávidos jornalistas voltaram-se paraoscineastas. Jornais da África, Inglaterra,Holanda e outros países publicaram artigoscom a fotografia de Joan – pela primeira vez

sozinha, e não ao lado ou por trás de Alan –,e ao mundo em geral foi exibida a primeiraimagem daquela alta e bela loura, usandoblusa sem mangas, chapéu vermelho e umexíguo shortinho. Vindos de revistas do mundo inteiro,choveram pedidos das tomadas de Alan edas fotos de Joan feitas durante a missão deresgate. A Reader’s Digest telegrafou a Alancomunicando-lhe que pagaria 60 libras porcada imagem publicada. E mais: cobririatodas as suas despesas. A NationalGeographic encomendou um artigo que seintitularia “Flamingos libertados dos grilhõesda morte”. As revistas Afrikaner e Das Tier(publicação alemã, editada pelo dr. BernhardGrzimek) também entraram em contato como casal solicitando fotografias o mais rápidopossível. Suas filmagens da vida na selva

finalmente punham os Root rumo aoestrelato. Tudo se concentrava então nos dois e emsuas carreiras. Era assim que Joandemonstrava seu amor: trabalhando por seumarido, lutando por ele, sofrendo a seu ladoem seus constantes ferimentos e rejubilando-se com seus muitos triunfos. Na época, oponto máximo para qualquer cineasta davida selvagem era, claro, a BBC, onde aprogramação sobre o mundo animal estavasendo produzida e patrocinada por DavidAttenborough, irmão do ator britânicoRichard Attenborough. “De qualquer modo,ele está realmente louco para ver o filme deAlan sobre os caçadores clandestinos, a fimde colocá-lo na TV, e também para conseguirmais trabalhos de Alan, porque diz que aspessoas estão ficando cansadas de Armand e

Michaela, embora haja ampla demanda pordocumentários sobre a natureza”, Joanescreveu para a mãe. “Estamos encantados,pois ele é a pessoa mais importante aconhecer, se Alan deseja vender alguma coisapara a BBC.” Com o apoio de Attenborough, um contratofoi imediatamente assinado, e Alan e Joanseguiram seu caminho. “Sabe como é? Ficauma eternidade sem chover e, de repente,desaba uma tempestade”, ela registrou emsua correspondência para a mãe no final de1962, complementando: “Apareceram trêsempregos para Alan ao mesmo tempo: ocontrato da BBC para 13 programas nosparques de Tanganica, pelo período de doisanos; a Anglia querendo que Alan trabalhepara eles em tempo integral, o que significafilmar em Madagascar, possivelmente na

América do Sul e em outras partes do globo;e agora, além dessas duas ofertasmaravilhosas, chega Grzimek com contratode um ano com a Rádio Frankfurt para arealização de sete programas de TV de 45minutos. E ele quer que Alan faça afotografia, o que também significa filmar emqualquer parte do mundo.” Estavam alcançando o ápice de sua profissão.E se informar ao mundo o que percebiam seros últimos estertores de seu continentesignificava adiar sua possibilidade deconstituir uma família, fizeram tal escolhacom alegria, pelo menos até aquele momento. Capítulo 3 A SÉRIE Survival enviaria em seguida osRoot ao Congo, onde até então ninguémhavia filmado detalhadamente os lendáriosgorilas das montanhas. Pouca gente, aliás,

chegara a ver esses animais e muito menostentara captar seu mundo numa produçãopara o grande público. Antes que sepublicasse, em 1963, The Mountain Gorilla,obra fundamental de George Schaller – obiólogo ambiental que afirmou ser realmentepossível estudar esses perigosos animais emseu próprio habitat –, aqueles macacosgigantescos tinham a fama de assassinosperversos. O livro de Schaller cita o relato de um observador sobre a supostasede de sangue desses símios: Esgueirando-se silenciosamente pela sombriafloresta tropical, às vezes [as pessoas] se dãoconta da proximidade de um desses macacosincrivelmente gigantescos pelo súbitodesaparecimento de um de seuscompanheiros, que é alçado a uma árvore,deixando escapar, talvez, apenas um curto

gemido asfixiado. Poucos minutos depois, elecai ao chão, agora um cadáver estrangulado. Schaller, no entanto, sustentava que osgorilas eram pacíficos, se não fossemprovocados. Com o livro nas mãos, Alan eJoan organizaram um safári até o monteKarisimbi, o mais alto dos oito vulcões dacadeia montanhosa de Virunga.Essasmontanhas fazem parte de uma vastacordilheira que “se elevado do meio daÁfrica como as vértebras expostas de algumfóssil colossal”, conforme informa o narradorno filme que Alan realizaria 20 anos depoisdaquela primeira ida à região: Virunga:Rivers of Fire and Ice, que inclui algumastomadas feitas então. “As montanhasRwenzori não são as mais altas da África,mas, com 20 picos ultrapassando os 400metros, ao longo de uma crista de 112km, sua

visão é sem sombra de dúvida a maisespetacular.” JOAN EQUIPOU O LAND ROVER comsuprimentos suficientes para um mês, e osdois partiram para Ruanda. Meia hora depoisde deixarem Nairóbi, avistaram a extensãoaparentemente infinita do Great Rift Valley.Aquele era um local de mito e magia, “umapaisagem lunar salpicada de lava e lagosalcalinos, retorcida e enrugada por riospedregosos”, escreveu Judith Thurman nolivro Isak Dinesen: the Life of Karen Blixen. As terras altas alcançam altitudes entre 1.500e 2.500m, margeadas por uma sequência develhas montanhas e vulcões extintos,dominadas pelo pico nevado do monteQuênia. O ar era excepcionalmente límpido epuro e na época se dizia que produzia“euforia” nos brancos, que, por isso, não

eram considerados estritamente responsáveispor seu comportamento. A atmosfera daÁfrica Oriental Britânica era altamenteerótica. Um lugar em que, dentro dos limitesimpostos pela natureza, as inibiçõescivilizadas eram deixadas de lado. Ao longe ficava o lago Naivasha, onde Joantinha sido concebida e onde Alan fizera seuprimeiro filme de verdade, sobre as jaçanãs.“Vamos parar em Naivasha para tomar umcafé”, ele sugeriu. Como a maioria das regiões no Quênia, oNaivasha era um lugar de extremos, com diasde calor escaldante seguidos por noitesenregelantes. Possuía um lago de fascinantebeleza e um passado absolutamentesensacional. Seu nome significava“turbulência”, derivado de nai posha,expressão massai que significa “água

áspera”. Era um raro e misterioso lago deágua doce, aparentemente sem qualquercomunicação externa, o que tornavaimprovável sua limpidez e salubridade.Súbitas tempestades faziam com frequência aimensa massa de água passar de plácida afuriosa e suas inexplicáveis cheias e vazanteslevavam-no a secar em alguns anos etransbordar em outros. Ao longo de toda ahistória moderna, aquela maravilha foiexaltada por visitantes famosos, incluindo opresidente Theodore Roosevelt, que láparticipou em 1909 de uma caçada ahipopótamos, tendo assim descrito o cenário:“Um extraordinário espelho d’água, cercadopor colinas e montanhas.” Mais tarde, o Naivasha ficou famoso por sero parque de diversões do Happy Valley, ofamoso grupo hedonista que ofuscou a

grande maioria de compenetrados colonosbritânicos que chegaram ao Quênia nos anos20 para dar início a novos e audaciososmodos de vida na selva. Alguns dos maisfamosos entusiastas do Happy Valleyconstruíram magníficas mansões ao redor dolago. Segundo o escritor britânico James Fox,que descreveu suas excentricidades numbest-seller, Incontrolável paixão (cujaposterior adaptação para o cinema alcançougrande sucesso popular), Os amigos da Inglaterra levavam para seupaís relatos de gloriosos divertimentos, numapaisagem de tirar o fôlego, cercados deconvidados com importantes títulos e muitos,muitos criados. Em Nova York e Londrescriou-se a lenda de um grupo da altasociedade, nas Aberdares, que levava umaexistência de permanente dissipação e

prazeres sensuais. Happy Valley era a senhapara esse tipo de vida. Circulavam boatossobre orgias intermináveis, trocas decônjuges, bebedeiras, strip-teases, tudosempre cultivado no calor de intrigas eboatos. Dizia-se que sobre o leito do rioWanjohi corriam coquetéis, e uma piada foitão repetida que logo perdeu a graça: “Você écasado ou vive no Quênia?” Na época, Joan e Alan não ligavam muitopara o que ali tinha ocorrido no passado.Dirigiram até a empoeirada cidadezinha deNaivasha, às margens do lago, e tomaramcafé na Bell Inn, onde, nos anos 20, osquenianos brancos ricos costumavam tomar“um gim-tônica forte, enquanto aguardavama carruagem cuja veloz parelha de cavalos ostransportaria até uma propriedade à beira dolago, para um final de semana de festas e

caçadas”. Em 1963, contudo, o Happy Valleyjá era uma recordação distante e a RevoltaMau Mau viera e se fora. Desde então,muitos brancos tinham abandonado a regiãoe suas grandiosas mansões perto do lagoestavam agora sendo vendidas por preços deocasião. Enquanto tomavam café, Alan pegou umjornal e seus olhos deram com o anúncio deuma propriedade: 88 acres, com uma casabem diante do lago. Resolveram dar umaolhada. Daquela vez a vida selvagem teria deesperar. Aos solavancos no sobrecarregado LandRover, seguiram pela esburacada estradaSouth Lake até se deparar com aqueleimpressionante paraíso – “o lugar mais lindoque já vi para se ter um lar”, segundo EwartGrogan, o explorador britânico quepercorreu

toda a África e escreveu sobre a experiênciano livro From Cape to Cairo. A estrada abria-se para um verde sem fim.Além estava o lago, abrangendo mais de139km2. Naquele tempo suas águas eramcristalinas, ricas em peixes, e ele eraconsiderado um dos principais pontos deobservação de pássaros do mundo. Apropriedade anunciada no jornal chamava-seKilimandege: colina dos pássaros. Kilimandege pertencera à família McRae, queoutrora mantivera um guepardo engaioladono pátio da frente. Os McRae haviammorrido, o guepardo se fora e a casa estavavazia. Mas os 88 acres de terra permaneciamlá, em todo o seu esplendor. Com sua espessavegetação, a região se tornara algo como umapequena reserva silvestre, caminhomigratório de girafas, gazelas, antílopes e

muitos outros animais. A casa era bastantesimples: a varanda ampla, sombreada poreucaliptos e acácias-amarelas, formava umaespécie de camarote de onde se podia assistirao incessante desfile de animais. As portasestavam trancadas, mas pela janelaperceberam que era uma verdadeira ruína.“Poeira, excrementos de morcego, manchasde umidade pelo teto, e por aí vai”, Alan selembraria mais tarde. “Obviamentedemandava muito, muito amor e dedicação.” Da varanda Joan e Alan avistavam o lago,onde os olhos negros e as orelhas agitadasdos hipopótamos subiam e desciam.Encontraram uma família de enormes águias-pescadoras de cabeça branca num ninho emcima do telhado. No jardim, ouviram umaestridente algazarra de pássaros e, quando

foram verificar, deram com uma serpentedevorando um sapo. Olharam-se, sabendo que ali era seu lar. “Osenhor irá à falência se tentar cultivar estaterra”, disse o caseiro da mansão vizinha,quando foram lá telefonar para o corretor.“Deus do céu! Não vamos cultivá-la nunca!”,retrucou Alan. “Só estamos querendo moraraqui.” Por uma módica quantia a casa ficou sendodeles. Logo retornariam, ambos seprometeram. Antes, porém, teriam que irfilmar os gorilas das montanhas. DETIVERAM-SE AO PÉ DASMONTANHAS VIRUNGA, prontos paraseguir a trilha que levava aos gorilas: Alan,Joan e Anthony Smith, acompanhados por 26carregadores, entre eles Senkwekwe, oguarda florestal do parque, que guiara

George Schaller (e posteriormente iria guiarDian Fossey) até aquelas traiçoeiras altitudes.Com o livro de Schaller praticamentedecorado, o grupo deu início à escalada emdireção ao firmamento. A trilha não eraapenas íngreme, mas escorregadia também,recoberta por úmidos bambus caídos. Atemperatura oscilava vertiginosamente.Quanto mais subiam, mais inóspito echuvoso ficava o tempo. Logo o bambu deulugar a uma lama grossa, que escorria sob ospés, fazendo os andarilhos escorregarem eperderem terreno arduamente conquistado.Também havia urtigas de quase dois metrosde altura, com desagradáveis espinhosvenenosos e pelos malcheirosos exsudandoum líquido que deixava as roupas molhadase endurecidas, e qualquer parte exposta dapele coçando e queimando.

Joan usava casaco e luvas de couro, e retalhosde lona grossa aplicados por Alan na parte dafrente de seu jeans, à moda cowboy, a fim deprotegê-la da traiçoeira vegetação. Esserecurso, entretanto, logo se mostrou inútil,com os retalhos rapidamente reduzidos afarrapos cobertos pelos espinhos das urtigas. A cada passo o ar se tornava mais rarefeito.Ao chegarem ao acampamento base, oscarregadores deixaram o material, deram avolta e desceram correndo: não tinham amenor vontade de permanecer na terra dosgorilas além do estritamente necessário. Aprimeira coisa que os três remanescentesviram foi o túmulo de Carl Akeley, pai damoderna taxidermia, que chegara àquelasmontanhas em 1921 e morrera de febre emRuanda. Exausto, Smith deixou-se cair junto

da lápide. Alan, pelo contrário, estava muitoentusiasmado e disposto a filmar. Precisavam encontrar depressa os gorilas,antes das chuvas mais fortes. Montaram suabase na mesma cabana entre dois vulcões queabrigara George Schaller e que mais tardeseria ocupada por Dian Fossey, cujo telhadofora parcialmente destruído por um incêndio– do chão via-se uma parte do teto e asestrelas. Assim que o sol se pôs, atemperatura despencou. O vento e o granizovieram logo depois. Os exploradoresvestiram todas as roupas que tinham trazidoe se aconchegaram para se aquecer. Por fim, osol se elevou, e, com ele, a temperatura. 7/11/63 Querida mamãe Tivemos que nos preparar às pressas paraessa viagem dos gorilas, porque o dr.

Grzimek queria que viéssemosimediatamente e tentássemos filmá-los antesque começassem as chuvas no Congo …Temos comida bastante, que dá para um mês,e estamos preparados para passar aqui otempo necessário. Anteontem caminhamos seis horas tentandoachar os gorilas, mas só descobrimos umacampamento de caçadores ilegais, pelo menos uns 15 homens,que tinham fugido pouco antes, comocomprovavam as fogueiras aindafumegantes, provavelmente porque seespalhara o boato de que havia europeus naárea. Assim, temporariamente os gorilas vãopermanecer assustados (os caçadores matambúfalos, mas não atacam os gorilas, embora

gritem e joguem pedras neles). Hoje é oúltimo dia de Tony aqui, por isso ele e Alan saíram de novo para tentar encontrargorilas, mas resolvi não os acompanharporque vamos ficar semanas por aqui e temoscerteza de que os gorilas vão retornar, umavez que os invasores se foram. No segundo dia, eles encontraram os gorilas.Alan, Joan e Anthony Smith subiram aindamais alto, por cima do bambu quente emolhado e das urtigas, até chegar ao quepareciam enormes ninhos de pássaros nochão, mas que na realidade eram amontoadosde vegetação heterogênea em que os gorilasdefecavam. De acordo com o livro deSchaller, é possível localizar os gorilas dasmontanhas por suas fezes: quanto maisrecentes elas forem, mais perto eles estarão.

Sentiram o cheiro dos gorilas antes de ouvi-los: o odor parecia uma combinação de suorhumano azedo, esterco e madeiracarbonizada, não muito diferente do cheirode borracha queimada. Prosseguindo, eles sedepararam com um monte de excrementosde gorila tão recente que ainda fumegava.Alan descreveu o que aconteceu em seguida: Precisávamos nos aproximar muito, a fim decapturar as imagens, por isso, lenta ecuidadosamente, fomos nos acercando damata. Podíamos escutá-los e nos movíamossorrateiramente em sua direção. Protegidospela densa vegetação, avançamos tãosilenciosamente que, de repente, percebemosque estávamos perto demais. Ali estávamos, bem no meio de uns 15gorilas.

Um deles nos viu e soltou um grito de alerta.Os outros se juntaram e, nos minutosseguintes, executaram uma manifestaçãoobviamente para nos impressionar. E devoconfessar que realmente impressionou! Gritando, eles batiam violentamente no chãocom os punhos e as mãos e socavam o peito.Meu bom-senso me disse que estavamapenas excitados por estarmos ali emeramente curiosos. Depois que Smith foi embora, Alan e Joanpermaneceram sozinhos com os gorilas.Durante um mês conviveram pacificamentecom aquelas feras com fama de perversas econseguiram filmá-las com sucesso. “Elesparecem tão gentis e delicados… Nenhumoutro animal de grande porte permite queseres humanos cheguem tão perto”, escreveuJoan para a mãe.

Ao longo de várias semanas, Joan e Alanforam se acostumando a morar na cabanaincendiada, suando de dia e congelando ànoite. Quando viram que dispunham detomadas suficientes, desceram o Karisimbi eforam passar algum tempo recuperando-sena casa de um amigo, perto de Nairóbi.Depois, partiram para o Congo, a fim de filmar um vulcão emerupção, o monte Nyiragongo. Contudo,tinha havido um golpe militar e a estradaestava bloqueada. Os soldados, bêbados e ameaçadores,deleitavam-se criando um climaaterrorizante. Membros de tribos rivais eramarrancados de seus carros, torturados ebaleados. A população branca não estavasendo visada, mas constantemente Alan eJoan eram detidos e revistados, e os militares

faziam de tudo para humilhá-los eamedrontá-los. Numa barreira, umdestacamento particularmente brutal exigiuos passaportes. Alan sabia que, seentregassem os documentos, jamaispoderiam sair do país. Rebuscando nosbolsos de trás, como a procurá-los, de repenteele deu um soco na barriga de um dossoldados. O casal desabalou em meio aoapavorante ruído de rifles sendoengatilhados – felizmente, nenhum deles tevetempo para fazer mira e disparar. Depois de terem passado pelas barreiras,Alan e Joan escalaram o pico em atividade dovulcão, que Joan descreveu em carta para amãe: A cratera estava obscurecida por umanuvem, e tivemos de correr para umacaverna a fim de nos abrigar de uma

tempestade de granizo. Quando saímos,vimos cascatas de gelo derretido jorrandopara dentro de um lago de lava que se abrirapor baixo de nós, com aquela massa rubra elíquida brilhando e fumegando na superfície. O chão estava tão quente que Joan logosentiu as solas de suas botas de borrachaderretendo. A situação espelhava bem emque se transformara seu papel no casamento.“No ramo, os dois eram considerados amelhor equipe de filmagem da selva, comJoan frequentemente ficando com os papéismais arriscados”, Anthony Smith escreveriamais tarde. “Quem é que subia numa árvorecheia de espinhos para vigiar e avisar quandouma manada de antílopes vinha disparadanaquela direção? Quem teve os óculosquebrados quando um hipopótamo ficouagressivo? De quem eram os sapatos que

derreteram quando a lava ficou quentedemais?” Alan costumava brincar falandosério: “Não sei o que faria sem Joan.Provavelmente teria de me casar com trêsmulheres ao mesmo tempo.” Havia apenas dois anos que ela era a sra.Alan Root e já tinham acontecido muitasviagens, sem qualquer queixa de sua parte.Ela estava mais feliz do que nunca,perdidamente apaixonada pelo maridoaventureiro e por suas grandes aventuras. Eainda por cima havia encontrado um lar: acasa do lago Naivasha. LOGO QUANDO TUDO PARECIA IR TÃOBEM , tanto na carreira quanto norelacionamento, aconteceu a tragédia. A forçade vontade de Joan era inabalável, além dequalquer medida, mas seu corpo foi ficandoabatido – não devido às urtigas, aos soldados

ou aos gorilas, mas por alguma outra razão,invisível e inexplicável. Não muito tempoapós retornarem da terra dos gorilas, noCongo, ela começou a se sentir fraca e, aseguir, tão exausta que não conseguia nemerguer as pálpebras. Alan levou-a a ummédico que, sem se dar conta do que estavaacontecendo, lhe receitou tranquilizantes queagravaram seu estado. Um segundo médico,porém, reconheceu os sintomas de miastenia. Como tantas coisas na África, a miastenia eraum verdadeiro mistério. Ninguém sabia oque a provocava ou como tratá-la. Doençaneuromuscular, ela enfraquece os sinais entreo cérebro e vários músculos. Além disso,pode alterar a produção de estrogênio e levara uma menopausa prematura. Como ficouclaro, Joan estava sofrendo de um caso sérioda doença.

31 de dezembro de 1963 Querida mamãe, Na minha última carta provavelmentemencionei que estive no hospital, sentindo-me muito fraca … É possível que eu tenhacontraído um vírus no Congo, que já começaa ser vencido. Os sintomas eram os mesmosde uma doença muito rara, chamadamiastenia, que pode durar muitos meses,talvez até anos, e não se conhece muito sobreo assunto. Alan ficou arrasado. Certa noite, poucodepois do diagnóstico, ele foi à casa da mãe,relatar o fato a ela e à irmã, Jacky. “Vocês nãotêm ideia do quanto ela está doente!”, eleexplodiu. Se não tivesse sido logo detectada,a doença poderia ter levado à paralisiapermanente.

Sem se preocupar consigo, Joan só pensavano quanto estava sendo difícil para Alanvirar-se sem ela. Decidiu melhorar logo emostrar-lhe que continuava forte comosempre. Depois de meses de seguidas efrequentes consultas médicas, ela deu umbasta. Alan precisava dela. Ela mesma dariaum jeito de ficar boa. Apenas oito meses depois de retornarem dovulcão em atividade, já estavamexcursionando pelas montanhas Aberdare.Ainda fraca e abalada, Joan parou diante deum córrego de uns 60cm de largura, incapazde saltá-lo ou mesmo de vadeá-lo. Ela nãoimaginava que a estivessem observando, masera o que Alan fazia. Eu estava a certa distância e chorei ao veraquela mulher atlética, capaz de correr,escalar e nadar tão bem quanto qualquer

homem, tremendo de medo por nãoconseguir dar um salto de meio metro. Então, soltando um grito fantasmagórico, elase lançou para a frente. Quase não conseguiu.Tropeçou, por pouco não caiu, mas emseguida aprumou-se novamente. Depoisolhou em volta devagar, com um imensosorriso, e gritou “Este é um afluente doTana!”, referindo-se a um dos rios maiscaudalosos do Quênia, com largura de até400m. “Pode avisar para aqueles charlatãesmiseráveis que não preciso mais deles! Acabode atravessar o Tana de um salto!” Sei que você vai ficar feliz ao saber que Joanse recuperou e está agora em sua boa formahabitual. Ainda precisa tomar aquelas pílulasesquisitas, mas está novamente forte e bem-disposta. Ela o demonstrou outro dia,subindo o monte Quênia comigo, numa

excursão para filmar um papa-açúcarraríssimo, que vive acima da linha da neve. Alan Root para Anthony Smith, 4 de abril de1964 Wup! Wup! São esses os sons que oschimpanzés fazem para chamar seu parceirona floresta. Joan e Alan adotaram a expressãocomo uma espécie de código, que significavaEstou aqui, amor. Onde você está? Às vezeseles tinham dificuldades para se comunicarcom palavras e seus wups se tornaram umalinguagem particular. Exprimiam-se assimnão só na mata, como também em casa. Para se chegar à propriedade dos Root,partia-se da estrada South Lake. Um longocaminho levava através de acácias eespinheiras, passando depois peloacampamento onde residiriam seusempregados: cozinheiro, motorista,

jardineiros e vários assistentes de filmagem.Ao final do caminho situava-se a casa, cujoterreno verdejante voltava-se para o lagoverde-esmeralda. Ali, naquela construção simples, no lagocristalino embora turbulento, Joan eAlanfinalmente puderam sentir-se em casa. “Àexceção de uma casa construída emplenamontanha, com toda a África oriental aos pés,poucos cenários poderiam suplantar este embeleza”, Colin Willock escreveria em 1978num livro sobre a série de televisão Survival.“O lago de água doce apresenta tapetes depurpúreas flores de lótus e franjas de papirosa menos de um metro da varanda. Pequenosantílopes, pouco maiores do que uma lebre,mordiscam as flores.” Logo aquele lago acolheria uma crescentecomunidade de naturalistas. Na margem

oposta à casa dos Root, o especialista emelefantes Iain Douglas-Hamilton e suaesposa, Oria, construíram um abrigo paravisitantes. George e Joy Adamson, que em1956 tinham adotado três leõezinhos órfãos,depois que George e seu sócio foram forçadosa matar os pais, vieram morar mais abaixo dacasa de Alan e Joan. Joy sentiu-separticularmente afeiçoada pelo filhotemenorzinho, que ela chamou de Elza e que,com muito esforço, treinou para sobreviversozinha na natureza. A experiência foi a basepara o best-seller que ela escreveu, A históriade Elza, e para o filme do mesmo nome, querecebeu o Oscar. Não poderiam ter escolhido lugar melhorcomo base para suas aventuras: o local eratão selvagem e fabuloso que poderia comporo cenário de filmes de Hollywood.Se o Rift

Valley foi o berço da humanidade, o lagoNaivasha era seu Jardim do Éden. Via-severde por toda a parte, desde os papiros, quemargeavam o lago com suas altas hastes eflores em forma de pompom, até a própriaágua em si, com suas ilhas flutuantes demoitas floridas deslizando à deriva. Ao longoda margem viam-se as casas remanescentesdo Happy Valley, as extensões quilométricasentre elas abrigando multidões de animaisexóticos, de gazelas a grous coroados, degirafas aserpentes. À noite, um exército dehipopótamos saía do lago para alimentar-sena relva, literalmente ceifando o gramado anoite inteira e retornando para a água antesda aurora. Sua trilha noturna os levava a umcampo de papiros e flores de lótus, a umacolina de eucaliptos e acácias, e depois a umbangalô simples, com telhado corrugado e

ampla varanda, que servia como portadianteira, plataforma de observação e praçade alimentação. Ali, Joan mantinha sempreuma caixa cheia de larvas e vermes, para osconvidados oferecerem aos pássaros locais,que vinham alegremente comer em suasmãos. EM MEADOS DOS ANOS 60, a casa do lagose tornara o quartel-general do casal, o lugaronde desenvolviam suas pesquisas,concretizavam os trabalhos de pós-produçãoou descansavam entre dois safáris. Era um lartambém para os animais, tanto quanto paraas pessoas. Havia criaturas por toda parte,embora fossem poucos os confortosmateriais. Nas paredes da sala de estar haviaprateleiras com livros sobre a vida selvagemda África. Joan tinha um escritório deprodução repleto de arquivos, filmes,

fotografias e cadernos de anotações. Em seuestúdio, Alan guardava o equipamento eeditava os filmes. Havia três pequenosquartos, para eles e seus hóspedes, e umagrande cozinha, separada do corpo da casa,onde Joan normalmente cozinhava às vezespara dois, às vezes para 20 visitantes. A propriedade do lago Naivasha tambémabrigava alguns animais que haviamestrelado filmes dos Root. Joan ficavaencarregada de sustentar aquela semprecrescente coleção, que incluía Chekky, umporco-espinho que sacudia os espinhos paracumprimentar; Minnie, um protelo listrado,lembrando uma hiena pequena, cuja dietaconsistia exclusivamente de cupins; Sally,uma fêmea órfã de hipopótamo; e Million,um porco-da-terra brincalhão. Joan não osconsiderava seus bichos de estimação; eram

visitantes em fase de recuperação até seguirseu rumo na mata novamente. Para Alan, o Naivasha era o laboratório emque brotavam as ideias para suas produções.Fosse um hipopótamo no jardim ou umafamília de fuinhas ao pé de uma árvore, tudoele queria filmar. Na hora dos coquetéis,quando Alan, Joan e seus amigos se reuniamna varanda para drinques e aperitivos, pica-bois de bico vermelho davam rasantes naspessoas, encarapitavam-se no queixo delas ebicavam-lhes os dentes atrás de comida.Obviamente Alan e Joan puseram a cena emfilme também. Por mais encantadoras que fossem essascenas, a ferocidade da África subsistia emtoda sua plenitude. Sempre rondandofurtivamente sob a mesa de jantar dos Rootestava o lince de Joan, um grande gato

selvagem com dentes e garras afiadíssimos.Se os hóspedes se abaixassem para lhe fazerfestas, nove entre dez vezes ele rolava nochão e se afastava. Na décima, porém,poderia investir aos guinchos, como umfardo vivo de arame farpado. “Certa ocasião, o que imaginei ser umcolchão de água, no outro lado da sala deestar, levantou-se, passou pela porta,atravessou o gramado e entrou no lago: eraum pequeno hipopótamo de estimaçãochamado Sally”, escreveu George Plimpton,num perfil de Alan para o New Yorker, em1999. Os hipopótamos matam mais pessoasnoQuênia do que qualquer outro herbívoroda África, mas Sally sempre comeu na mãode Joan. “Estamos hospedados na casa de Alan, noNaivasha, e estamos nos divertindo muito”,

escreveu um dos convidados a seus amigos.“Até agora já fui mordido por mosquitos,sanguessugas, uma fuinha, um macaquinho,um lagarto, uma cobrinha verde e um filhotede biguá. Além de nadar num lago infestadode crocodilos e segurar a cauda de umaserpente, minhas aventuras incluem quasedeixar o olho e a orelha direitos agarrados auma espinheira, enquanto viajava na capotado Land Rover. Não é pouco, acho, para umaestada de um mês, e sem dúvida vou termuitas histórias para contar quando retornarda ‘Mãe Terra’.” Quanto aos empregados, eram perfeitamentecapazes quando sóbrios, mas Joan e Alantinham de esconder as bebidas do seu maisantigo e calejado colaborador, um quicuiobaixo e alegre chamado Kiari. Os diários ecartas de Joan estão cheios de histórias de

bebedeiras, que aconteciam “quando Kiari saidos trilhos”. (Alan, porém, não ficava muitoatrás quando enchia o pote. “Alan machucouseriamente o joelho quando saiu por aí demoto, sob o efeito de um ponche!”, escreveuJoan para a mãe depois de um feriado,acrescentando como ele também resolveradar um “golpe de caratê no pudim flambadode Natal, incendiando os gorros de papel denossos hóspedes.”) Kiari trabalhara para ospais de Joan na fazenda de café e à épocaseus filhos também moravam no Naivashatrabalhando para Joan e Alan. O filho, Babu,tomava conta do porco-da-terra e viviatapando os incontáveis buracos que elecavava. A filha, Wambui, ajudava na cozinhae na limpeza, e o genro, Ngure, cuidava doscarros.

Memsaab, como Joan era chamada pelosempregados, era sempre regalada comhistórias selvagens sobre lutas ferozes,assaltos e muita confusão. Numa carta, Joanescreve sobre o guia de safári, Gichuhi,tentando estrangular Kiari por causa de dezxelins quenianos (na época, menos de dezcentavos americanos), e em seguida ferindo orosto da mulher dele com um canivetequando ela tentou acudir o marido. “Ascrianças então pegaram toras de lenha ebateram em Gichuhi até quebrar-lhe obraço”, escreveu Joan. “Naturalmente, nãotive outro jeito senão despedi-lo.” Segundoela, Gichuhi também vinha fazendo trabalhospor fora quando eles estavam ausentes,usando o Land Rover para subir até“Kinangop, de noite, transportando cabras etrazendo de lá verduras, além de mil outras

pequenas tramoias”. Joan desconfiavatambém que alguns empregados roubavamseus equipamentos de filmagem para vendê-los no mercado negro. Esses, entretanto, eram crimes de menorimportância; os de gente de fora eram muitopiores. Ladrões encheram um caminhão comfios de cobre roubados dos postes dapropriedade de Joan e Alan, interrompendo oserviço telefônico durante meses. Quando ostelefones voltaram a funcionar, às vezesaconteciam chamadas ameaçadoras à meia-noite ou mais tarde ainda, sobretudo comJoan sozinha em casa. Um desconhecido foipreso certa vez por falsificar sua assinaturaem dez ocasiões diferentes. Ainda assim, de uma forma ou de outra, tudoia dando certo. Algumas noites, Alan e Joanestendiam um lençol entre dois pés de acácia

e exibiam seus filmes para os empregados,que ficavam de olhos arregalados diantedaquelas cenas inacreditáveis, exatamentecomo milhões de adultos e crianças em salasde estar e de aula por toda a Inglaterra eÁfrica. Os animais na tela, entretanto, eramcompletamente diferentes daqueles queperambulavam ao redor da casa dos Root. Osdos filmes estavam na mata profunda e nemsempre eram amigáveis para com oscineastas. “Grande parte do tempo, Joanatuava como uma espécie de enfermeira deUTI”, Alan comentou. “Ela sempre estava lápara tratar de mim, quando eu batia com osaviões e as motocicletas ou quandodespencava das árvores na Nova Guiné oudos barcos no Amazonas. E estava lá com ouísque e as ataduras sempre que eu era

atacado por algum bando inteiro deanimais.” Joan cuidou também de várias outraspessoas, entre elas Dian Fossey, que vooupara Nairóbi em 1963, com a intenção deestudar os gorilas que os Root já haviamcomeçado a filmar. Não só Dian se baseou noconhecimento de Alan e Joan sobre os gorilasquando pela primeira vez foi à África, comoforam eles que pessoalmente a conduziramao local, através das trilhas do Virguna,expedição que ela descreveu em suasmemórias Gorillas in the Mist: Em minha primeira visita a Kabara, em 1963,tive a felicidade de conhecer Joan e AlanRoot, fotógrafos do Quênia, que estavamacampados nos prados enquantotrabalhavam num documentário sobre osgorilas das montanhas. Tanto Joan quanto

Alan gentilmente toleraram a intromissãodaquela turista americana desajeitada einquisitiva no seu recluso laboratório damontanha, permitindo que eu osacompanhasse em alguns dos seusextraordinários contatos com aqueles gorilasrelativamente desinibidos… Nunca esquecerei meu primeiro encontrocom os gorilas… Joan e Alan Root, uns dezmetros a minha frente na trilha da floresta,fizeram-me um sinal para ficar quieta.Ficamos petrificados até que os ecos dosgritos e das pancadas no peitodesaparecessem. Quatro anos mais tarde, quando Dian Fosseyretornou para dar início à sua desesperadacampanha pela salvação dos gorilasameaçados de Virunga, ela se deparou poracaso com Joan no aeroporto de Heathrow,

encontro descrito por Joan numa carta parasua mãe. Amboseli, 12/2/67 Querida mamãe, Como você sabe, saí de Londres alguns diasantes de Alan. No aeroporto, enquantoesperava para embarcar, encontrei umamoça, Dian Fossey, que também ia paraNairóbi no mesmo avião. Já nos tínhamosconhecido em 1963, quando ela apareceupara ver os gorilas e nós os estávamosfilmando. Ela é americana, e nos EstadosUnidos conheceu o dr. Leakey, queconseguiu financiamento para ela retornar aoCongo e estudar os gorilas. Ela ficoufelicíssima de me ver em Londres, pois somosseus únicos amigos aqui. Ficamos muitopreocupados por ela estar viajando sozinha

para o Congo, escalando vulcões, sem saberfalar o suaíli. De qualquer forma, paraencurtar o assunto, ajudei-a a comprar todosos suprimentos e equipamentos e Alan acompanhou-a naviagem para o Congo, passou pela alfândegacongolesa com ela, apresentou-a aosmandachuvas do Albert Park, conseguiucarregadores, escalou os vulcões até a regiãodos gorilas, instalou-a na cabana, deu-lhealgumas rápidas lições sobre como evitar oselefantes e como encontrar os gorilas. Aosbatedores, deu sérias instruções paracuidarem dela… É um pouco preocupante deixar uma moça inexperiente isolada lá emcima. Sem nossa ajuda, não sei se teriaconseguido. Os guias da reserva congolesasão ótimas pessoas e o guia que trabalhoupara nós lá está com ela. Ela tem esperanças

de estudar os gorilas tão de perto quanto JaneGoodall fez com os chimpanzés emTanganica. Em 26 de dezembro de 1985, Dian Fosseyseria assassinada em sua cabana em Virunga,com a cabeça aberta por uma panga que,muitos acreditam, teria sido brandida por umcaçador ilegal ou por alguém de Ruanda,enfurecido por ela estar impedindo aexploração turística do parque e dos animaisque ela tanto amava. Nessa época, as águasescuras que viriam engolfar o Quêniaestavam subindo rapidamente. Joy Adamson,a vizinha dos Root e autora de A história deElza – tão famosa por seu pacifismo – seriamorta com uma lança cravada no coração, emjaneiro de 1980, por um trabalhador quedepois confessou o assassinato, emborainsistisse em afirmar que só o fez depois que

Joy atirou nele, quando ele reclamou seupagamento por duas semanas de trabalho.Em 1989 o marido de Joy, George Adamson,o homem com juba de leão, seria emboscado,provavelmente por caçadores clandestinos, emetralhado por uma chuva de balas, dianteda reserva de leões que ele mantinha cercada.Naquela época, entretanto, o maior perigoque Joan e Alan tinham de enfrentar eram osanimais selvagens. “MINHA bibi.” Assim Alan chamava Joan,usando a palavra suaíli para “esposa”. Joannão tinha um apelido para o marido. Eraapenas “Alan”, que, com frequênciaalarmante se transformava em “Oh, Alan!”Ela sempre esperava que ele fizesse algoinesperado – puxar o rabo de um elefante,atiçar uma cobra venenosa – e mantinha-se

preparada para lidar com o resultado dessasexcentricidades. Desde que dera início à sua carreira ecológicacriando cobras, a pele de Alan setransformara num verdadeiro arquipélago decicatrizes, o que levou George Plimpton aintitular seu artigo na New Yorker como “Ohomem que foi comido vivo”. Cada feridaguardava a memória de algum audaciosoencontro, sobretudo a que ocupava o lugarde seu dedo indicador. Passados cerca de sete anos de seucasamento, Alan e Joan foram de avião, comum produtor de cinema americano, visitarJoy Adamson em seu acampamento noParque Nacional Meru. Enquanto Joydiscutia com o produtor sua possívelparticipação num filme sobre animais, Alansaiu para dar uma volta. Quando voltou,

vinha carregando uma víbora venenosíssima,de um metro e meio de comprimento e muitoinchada. Essas cobras matam mais gente do quequalquer outro tipo na África, mas Alan,naturalmente, não tinha medo delas. Estavamostrando ao produtor de cinema ofuncionamento das presas da cobra –“suspendendo-as de seus recessos com aponta de uma faca”, como relatou depois aGeorge Plimpton – e Joy trouxe sua câmera.“Depois pus a cobra no chão, para que seesgueirasse até a mata”, continuou Alan.“Nesse momento Joy anunciou que a câmeraestava sem filme. Por isso, corri atrás dacobra e tentei pegá-la novamente, mas elaestava me esperando e deu o bote, acertando-me no dedo. Uma dor torturante e imediata.”

Alan havia sido recentemente picado poruma víbora de tocaia e teve que tomar soroantiofídico. O soro, porém, pode provocarestado de choque num segundo uso, por isso,Alan preferiu evitá-lo. Joan requisitou umavião num abrigo das proximidades. Duranteo voo para Nairóbi, Alan vomitou edesmaiou. “Decidi que seria melhor tomar osoro”, ele lembra. Joan fez uma aplicação de3cm3, mas quando o avião aterrissou, ele já não podia caminhar.No aeroporto, Joan chamou um táxi paralevá-los ao hospital, onde enfermeiros dopronto-socorro puseram Alan imediatamenteem uma maca. Ele estava sofrendo um severochoque anafilático, que o médico de plantãosupôs dever-se ao veneno da cobra; semsaber que de fato se tratava de uma reação ao

soro, o médico aplicou em Alan uma segundadose, que quase o matou. O veneno da víbora mata destruindo os vasossanguíneos do corpo. Logo uma bolha desangue do tamanho de uma bola de beisebolinchou na mão de Alan, e o braço e metadedo peito começaram a ficar negros. Eram osprimeiros sinais de gangrena. O médico informou a Joan que teriam deamputar-lhe o braço, mas ela não autorizou,afirmando enfaticamente que Alan iriamelhorar. E efetivamente, passados alguns dias, elemelhorou, mas a situação permanecia crítica.O médico dessa vez falou em amputar oantebraço; Joan recusou. Então até o pulso,insistiu o médico. Não, respondeu Joan maisuma vez.

No final, Alan perdeu o dedo indicador damão direita, que a cobra havia picado. Maistarde ele contou a um entrevistador que pôso dedo amputado dentro de um jarro e omandou para o Museu Nacional de Nairóbi,“Meu primeiro pedaço arrancado pormordidas; o restante seguirá em suavesprestações”, declarou. Mas o indicador emformol finalmente foi parar mesmo na casade Joan e Alan. Wup! Wup! Por mais felizes que tivessem sido emNaivasha, cada vez mais apenas os animaisrespondiam wup para Joan. Alan, o ídolo docinema sobre o mundo animal, começou apassar cada vez mais tempo longe, editandoseus documentários ou reunindo-se com osprodutores em Londres. Seu belo perfil eravisto numa foto ao lado de seus colegas da

série Survival, numa parede dos escritóriosda Anglia Television em Park Lane, do outrolado do Hyde Park – régias instalações quena Segunda Guerra Mundial haviam servidocomo centro de comunicações de lordeMountbatten. Para seus empregadores eadmiradores, Alan era a personificação daÁfrica: ousado, perigoso, carismático. Eleestava no apogeu, no auge de sua carreiracomo autor de filmes e de sua força comohomem. “Ele adorava quando a Angliaenviava oito secretárias para recebê-lo noaeroporto de Heathrow e levá-lo a algumevento naquela mesma noite”, comentouAnthony Smith. “Ele era o astro!” “Havia uma jovem numa festa”, prosseguiuSmith. “E também um elefante, então Alanfoi lá e arrancou um fio da cauda do animal,para fazer uma pulseira para a moça.”

E o elefante não atacou? Claro que sim, respondeu Anthony, masAlan sabia em que direção fugir, ou pelomenos onde ficar, quando arrancava um fiodo rabo de um mastodôntico elefante. Aqueleestava atrás de um amontoado de pedras eAlan sabia muito bem que elefantes nãocorrem sobre pedras. Posteriormente Alan insistiria que a pulseirade rabo de elefante tinha sido para Joan,embora admitisse que “houve uns… não seicomo chamar… de todo modo, não foramcasos”: breves flertes, nada sério, nadapermanente. E o que pensava Joan sobre asinclinações de Alan para macho dominante?“Joan se mostrava muito elegante”, disseAnthony referindo-se aos primeirosgalanteios de Alan. “Isso era Alan. Joan sabiadas infidelidades do marido. Seu erro,

porém, foi não se aclimatar a Londres, ouNova York, preferindo sempre retornar aosanimais.” Para Joan, de quem não havia uma única fotono escritório da Anglia, e que raramenteaparecia em Londres, mesmo quando Alan lápermanecia durante meses, o que maisimportava era o trabalho deles. Que outrapessoa poderia domesticar um lince e curá-lode seu medo dos seres humanos, deixando-odormir em sua cama, de modo que, quandoAlan exclamasse “Ação!”, no Serengeti, ogato “pulasse para o alto, apanhasse umpássaro no ar com sua garra e setransformasse numa estrela em câmeralenta”, como escreveu sua amiga Delta Willis.“Joan ficava fora do foco, porémenquadrada.” Acreditava que Alan sempreretornaria para casa – e por um longo tempo,

ela esteve certa – e por isso lhe concedialiberdade. Enquanto isso, confiante em seucasamento, contentava-se em ficar emNaivasha, cuidando dos animais, tomandoconta da casa e do escritório, planejando opróximo filme. Eles estavam a caminho dafama e da fortuna, e cabia a Joan garantir quetudo estivesse pronto para a próximaaventura. Muito rapidamente, Survival obteve enormepopularidade. Exibida em quase uma centenade países, esteve em produção de 1961 a1971, período mais longo do que o dequalquer outra série sobre natureza nahistória da televisão britânica. De acordo como livro de Colin Willock sobre a série, TheWorld of Survival , ela fez “mais do quequalquer outro meio de comunicação paradespertar o interesse do público pela vida

selvagem e para popularizar a causa dapreservação”. Era público e notório que não haveriaSurvival sem Alan Root. O que, entretanto,pouca gente sabia é que não haveria AlanRoot sem Joan. Capítulo 4 EM 1964, AUBREY BUXTON, chefe dos Rootna Anglia Television, fez uma viagem às ilhasGalápagos no iate real Britannia, emcompanhia do príncipe Philip. Essas ilhas,situadas ao largo da costa do Equador e queinspiraram A origem das espécies, a obrafundamental de Charles Darwin, abrigavamabundante e espantosa diversidade de vidaselvagem: o solo repleto de iguanasmarinhas, o oceano infestado de leões-marinhos e tartarugas gigantes, o céucoalhado de tentilhões, príncipes e fragatas –

todos tão sem medo dos seres humanos quese precipitavam em bandos em direção aoiate, voando, nadando ou saltando. O cenárionatural de toda aquela vida animal era ummajestoso painel de lagos turbulentos emcrateras magmáticas, extensões de florestas,clareiras de relva e piscinas de água do marrecobertas por sargaços róseos. Aquela beleza intocada exigia um preço: asGalápagos eram totalmente desprotegidas,quase um convite à pilhagem e à pesca ilegal.O conjunto único de ilhas era povoado quaseexclusivamente por pássaros, répteis ecriaturas marinhas. Além dos morcegos eleões-marinhos, os únicos mamíferos queconseguiam atravessar as traiçoeiras águasaté o arquipélago, a 960km da terra firme,eram ratos… e homens. Piratas e caçadorestambém tinham introduzido alguns animais

domésticos nas ilhas: burros, cabras, porcos,cachorros, gatos – uma catástrofe empotencial para o ecossistema e sua vidaselvagem nativa. Era preciso salvar aquelasilhas, pensou Buxton. Regressando da viagem, ele concebeu a ideiade realizar ali um filme sobre a vidaselvagem, como, aliás, costumava acontecerna volta de suas muitas aventuras.Acreditava que, “com bastante tempodisponível, depois de sumir por algumassemanas ou meses, [um bom cinegrafista]pode finalmente ressurgir trazendo centenasde rolos de negativo de altíssima qualidade”.Ele precisava de um operador de câmera deponta, e por isso, dois anos depois de suaprimeira viagem às Galápagos, despachoupara lá seu astro, Alan Root.

Só chegar às ilhas já era um empreendimentoe tanto, refletiu Buxton, numa época em queainda não havia rotas comerciais para lá,aéreas ou marítimas. “Filmem toda a vidaselvagem que puderem!”, implorou ele aosRoot num telegrama. “Filmem tudo quepossa confirmar as observações de CharlesDarwin!” Joan e Alan haviam acabado deregressar de um exaustivo safári da Atravésdas Lentes quando chegaram as instruções deBuxton, que também lhes pedia que oencontrassem em Londres dali a dez dias. Joan preparou bagagens para um safáriterrestre e marítimo. Tomaram o avião emNairóbi para a reunião com Buxton e, quatrodias mais tarde, voaram para Lima, de ondenavegaram os 960km até as Galápagos noBeagle II, uma traineira batizada com o nomedo navio original de Darwin. Esse Beagle

pertencia ao Instituto de Pesquisa Darwin eera tripulado por uma equipe de cientistas enaturalistas. Durante dois meses, eles filmaram toda acomunidade animal – não só os famososleões-marinhos e as iguanas marinhas, mastudo mesmo, desde os mergulhões de pésazuis voando em formação e os albatrozesesgrimindo com os bicos nos rituais deacasalamento até a cena, já clássica, de umpica-pau retirando insetos dos troncossegurando um espinho de cacto com o bico.“Foi emocionante sermos as únicas pessoasnaquela ilha”, escreveu Joan. Eles capturaramem película grandes manadas de burrosselvagens, descendentes dos animais decarga levados para lá, que imediatamentepartiam em sua direção, provavelmentesupondo que também fossem burros. “E

ficavam tão confusos quando percebiam quenão éramos, que apenas se detinham,olhando-nos fixamente.” Para assombro de Joan, mesmo os leões-marinhos, conhecidos por atacar intrusoscom seus imensos incisivos, mostravam-seabsolutamente calmos enquanto ela brincavacom os filhotes bem diante deles. “É muitoestranho, mas quando estamos debaixod’água brincando com os filhotes, a apenas3m da praia, eles nos ignoram, sóeventualmente se aproximando de nós.” QUANDO ACABARAM OS TRABALHOS,estavam com 7.000m de negativo, para umtipo de programa que requeria, no máximo,1.800. Joan remeteu tudo para Londres, comfartas anotações da produção. Quando oschefões viram as filmagens, perceberam queali estava algo extraordinário. A história ali

contada era a razão de existir da sérieSurvival: não apenas observar a vidaselvagem, mas pressionar o público aprotegê-la. Era uma história de extrema importância eAlan, sendo seu realizador, supôs quetambém seria a pessoa mais indicada para lhedar a forma final. Quando, entretanto,solicitou o controle criativo do projeto aosprodutores, a resposta foi negativa. “Você éum excelente cinegrafista, Alan”, disse-lheum deles. “Atenha-se ao que sabe fazermelhor e deixe o resto por nossa conta.” Alanaquiesceu a contragosto, mas decidiu queseria a última vez. A estreia de The Enchanted Isles, como sechamou o documentário, foi triunfal. Todos oamaram – todos, exceto Alan. Angustiava-seporque os produtores “enfeitavam” suas

imagens. Irritado, considerava desnecessáriodourar a pílula. Por isso, assim que o filmeficou pronto e seu contrato com a Survivalexpirou, ele trouxe novidades para aprodução: estava se desligando da Anglia e,recomendado por David Attenborough,mudando-se para a BBC, que lhe permitiriatocar projetos a seu modo. Os executivos daAnglia imploraram-lhe para renovar ocontrato, oferecendo-lhe o dobro da propostada BBC, de 2 mil libras por filme. Mas Alan jáestava farto e decidido a mostrar a todos que,muito mais do que simples cinegrafista, eleera um diretor. Enquanto esse drama se desenrolava nosbastidores, o filme tornava-se um grandesucesso. The Enchanted Isles foi o primeirodocumentário britânico sobre a vidaselvagem exibido pela TV americana, com

uma mensagem especial intitulada “Salvemas Galápagos”, de autoria do príncipe Philip.Programou-se uma première real, quando osautores seriam apresentados à rainha. Era,enfim, um momento pouco adequado para sedesligar da Anglia. “Não há dúvida de que é na televisãocomercial [Anglia] que está o dinheiro”,escreveu Joan para a mãe. “Não que Alanqueira fazer um leilão; ele só deseja realizarfilmes decentes, que lhe agradem, e nãoacredita que a Anglia lhe proporcionará isso,embora esteja tentando de tudo para mantê-lo, e não sei o que ele fará. Realmente, vamoster de pensar muito sobre a questão, e otempo está nos atropelando.” No outono de 1967, chegou ao Naivasha umtelegrama de Buxton sobre a première real.“Sempre fomos bastante francos um com o

outro e agora estou num dilema. Antes,teríamos simplesmente pedido para vocêsvirem, e o problema seria apenas da Anglia.Agora, entretanto, não sei o que dizer. Oprograma envolveu despesas enormes, oevento real sairá caríssimo, e não sei comojustificar o custo de dois bilhetes aéreos deNairóbi para quem já não trabalha para nós.Estou certo de que você vai compreender.” Eprosseguia dizendo que, se os doiscusteassem as passagens para Londres, eleassumiria todas as despesas durante a visita.Eles não pensaram em como arcar com opreço, mas sabiam que precisavam estar lá. “Meus joelhos tremem só de pensar”, disseJoan, referindo-se à première com a presençada rainha. “Isso ajudará a divulgar nossosnomes na Inglaterra, quando os filmescomeçarem a aparecer pela BBC”, foi o

comentário de Alan, que Joan deve tergostado de ouvir. O preço era 194 libras, ida e volta – cerca de2.500 dólares, corrigido pela inflação – e issopara um pacote que requeria estada de 19dias. “Precisamos realmente estar lá, pois setrata do nosso filme”, Alan concluiu. Embarcaram no voo noturno de Nairóbi, queatrasou, só decolando às quatro damadrugada. Já decorrera metade da tardequando chegaram a Londres.Desembarcaram e foram imediatamente parao setor de bagagens, preocupados nem tantocom as malas, mas sim com os peixes de coralque tinham despachado de Mombaça, parapresentear David Attenborough. Algunsainda nadavam dentro da sacola depolietileno, cheia de água do mar ealimentada por uma bomba de oxigênio.

Outros, porém, boiavam de barriga paracima. Uma vez que o costumeiro uniforme cáquidos Root não ficaria bem numa première real,eles decidiram alugar roupas. Foramdiretamente para a Moss Brothers, onde Alanescolheu um smoking, e Joan decidiu-se porum elegante vestido azul, cintilante, de golaalta, e ficou tentada por uma pequena estolade pelo de marta, para não sentir frio (omovimento contra o uso de peles ainda nãocomeçara, nem mesmo entre os ecologistas).Ela então telefonou para a esposa de Buxton,Maria, perguntando: “Você acha que umaestola de pele seria muito pretensioso?” “Todas as mulheres estarão usando peles,querida”, respondeu Maria. “Não pensemais, simplesmente alugue.”

Na manhã da première, houve uma exibiçãode The Enchanted Isles para a imprensa,depois da qual Alan e Joan responderamperguntas dos repórteres. Uma delas, feitanaquela noite e depois com bastantefrequência nas exibições de seusdocumentários, foi: “Vocês estão tentandosalvar a vida selvagem ou apenas filmá-la?” Alan sempre declarou que sua proposta eramostrar a natureza em sua beleza nãoadulterada, sem fazer pregações a seurespeito ou brincar com ela, nem tampoucousar os filmes como forma de preservá-la. Sepudesse editá-los a seu modo, declarou, nemmencionaria que aqueles animais estavamameaçados. “Meu trabalho era mostrar o queestava ali, e não estragá-lo com um narradornos últimos cinco minutos”, acrescentou. “Sefizéssemos um documentário sobre a

América do Norte antes da chegada dohomem branco … o que iriam vocês preferir:ouvir um chefe indígena ou um homembranco falando, ou ver durante uma horacomo tudo funcionava então naquela área?”E concluiu: “Não acho que nosso meioambiente tenha qualquer esperança. Ahumanidade não me parece inteligentebastante paratomar alguma atitude. E aÁfrica está indo embora mais depressa doque qualquer outro lugar.” Depois do jantar no Festival Hall com aequipe da Anglia, os Root foram levados deRolls-Royce até o National Film Theatre.Enquanto as celebridades desfilavam aolongo do tapete vermelho, em meio ao cliquedas câmeras, os Root apenas olhavam tudoem suas roupas alugadas, sem conhecer

ninguém. Joan sentia-se totalmentedeslocada. Enquanto todos se acomodavam no cinema,Joan e Alan, ao lado de Aubrey Buxton,mantinham-se na fila de recepção.Finalmente, o saguão ofuscou-se com osflashes de mais de 100 fotógrafos, além dosquais eles puderam divisar a tiara dediamantes da rainha. “Ela veio apertando a mão das primeiraspessoas da fila”, escreveu Joan à mãe. “Econtinuou, muito depressa e sem falar comninguém. Aparentemente, as pessoas comquem ela deveria falar tinham sido colocadasno final da fila, bem onde nós estávamos.” A multidão de fotógrafos ao redor da rainhaera tão densa que a custo Joan conseguia vê-la. Mas de repente, Elizabeth II estava bemdiante deles. Joan fez uma reverência,

enquanto Buxton dizia: “Majestade, gostariade apresentar-lhe Joan e Alan Root.” A rainha estendeu a mãoenluvada, cumprimentando primeiro Joan,depois Alan. Em seguida vieram oscumprimentos oficiais com os príncipesPhilip e o então adolescente Charles. Afamília real permaneceu alguns instantes nosaguão, examinando as fotos de Joan, Alan eda vida selvagem das Galápagos, enquantoos autores do filme se encaminhavam para oauditório. A realeza seguiu logo depois, asluzes se apagaram, e a exibição começou. A plateia ficou fascinada com as cenassubmarinas, em que Joan nadava ao lado deleões-marinhos; com a cerimônia deacasalamento das tartarugas de 180kg; comas iguanas marinhas alimentando-se nofundo do oceano, além de outros detalhes da

vida selvagem que jamais alguémpresenciara. Quando apareceram os créditos, os aplausose a aclamação foram ardorosos e demorados.Em seguida, Alan e Joan foram conduzidosaté o Savoy Hotel, onde Buxton e a esposahaviam preparado uma “seleta festa”. Osúnicos convidados da Anglia eram Alan eJoan. Os demais eram VIPs ou membros darealeza. “Só havia champanhe para beber”,contou Joan à mãe, numa carta: Não sei o nome de nenhum daqueles figurõesda nobreza, nunca consigo guardar nomesquando sou apresentada. O príncipe Charlesfoi monopolizado pelas jovens filhas deBuxton. (Aubrey tem oito ou nove filhas, comidades entre três e 22 anos. A mulher dele émuito bonita, não parece mais velha do queas filhas, e todas são muito boas na equitação,

já tendo ganhado muitos prêmios). Alan nãoficou nada impressionado com Charles, semdúvida entediante, mas ele só tem 19 anos eprovavelmente vai melhorar. O príncipePhilip mostrou-se bastante convencido,contando-nos histórias heroicas do que haviafeito nas Galápagos, como avançoucorajosamente por 200m caminhando sobre alava, só para ver alguns gaviões. Passou láapenas cinco dias e todas as noites ia dormirno Britannia. Era ridículo tentar nosimpressionar com suas aventuras, depois detudo que fizemos lá. Claro que fingimos estarfortemente impressionados. De repente eledesapareceu da conversa e minutos depois ovimos dançando com uma loura esguia efantástica, o que nos divertiu muito. Já beberachampanhe o suficiente para ficar falando

sobre as Galápagos quando havia coisas maisinteressantes para fazer. Na manhã seguinte, eles tomaram o trempara Bristol, onde estão sediados os Estúdiosde História Natural da BBC, a fim de discutiros projetos de longa-metragens de Alan sobrea vida selvagem, que Joan produziriaextraoficialmente. Em seu último dia emLondres, eles se despediram de AubreyBuxton, da Survival e também da pompa e dacivilização, preparando-se, segundo aexpressão de Alan, para “começar com umestrondo” para a BBC. ALAN E JOAN ESPERAVAM CAPTAR omundo da vida selvagem de maneira inédita:com os animais agindo naturalmente, umahistória sem qualquer interferência dosprodutores e de maneira a agradar o público.

O único problema era o dinheiro. As 2 millibras por programa não davam nem sequerpara o sustento em um filme de Alan Root,cuja produção demandava um ano ou dois.Assim, mais uma vez tiveram de recorrer aobongo, o animal que dera notoriedade aAlan. Conseguiram financiar grande parte dotrabalho para a BBC graças aos bongos –desde que Alan vendera seu primeiro, opagamento subira consideravelmente. Amaioria dos zoológicos mostrava-se dispostaa pagar por um desses animais. E, afinal, nãose tratava apenas de dinheiro: enviandobongos para zoológicos do mundo inteiro –explicou Alan mais tarde – eles iriamestabelecer “uma rede de reprodução debongos em cativeiro, assim nunca mais apopulação selvagem desses animais estarianovamente ameaçada”. Dessa forma, a

espécie tanto ficaria bem conhecida quantoseria preservada. Breve eles já contavam commuitos bongos aguardando embarque, emgrandes currais dentro da sua propriedadeno Naivasha. Uma carta de Joan para a mãe,em 1969, evidencia a dimensão docrescimento daquele negócio: Alan saiu na terça pela manhã … e o bebê[bongo] nasceu durante a noite, sem qualquerproblema. O menino que cuidava dele veiocorrendo de madrugada avisar que o filhotehavia nascido, e que ainda estava muitomolhado e trêmulo, mamando pela primeiravez. Esta manhã ele ainda estava ótimo echeio de energia. Fui a Nairóbi arranjar umavião para pegar Alan no meio de um safári,pois ele quer filmá-lo nesta fase… A mãe desse filhote é o quarto bongo quecapturamos no início de maio. Por causa de

sua silhueta, Alan desconfiou e teveesperanças de que ela já estivesse prenhe.Ficamos preocupados, nos perguntando seiria cuidar bem do filhote, considerando quesó estava em cativeiro havia quatro meses etambém que seria sua primeira cria … Temosdado a ela uma verdadeira superalimentaçãonestes últimos meses, acrescentando trêsgrandes tigelas de leite por dia. Por isso elaestá muito saudável e extraordinariamentetranquila; aliás, ela é muito mais tranquila doque aquele grande e aquele pequeno quevocê conheceu. Falando nisso, recebemos umtelegrama semana passada informando queaqueles dois chegaram a Nova York e estãopassando muito bem. Estão agora emquarentena de um mês, antes de seremlevados para o zoológico de Milwaukee …

Refizemos todos os currais para os bongos [e]também pusemos uma cerca de arame grossopara afastar dali as hienas … Além de comercializar bongos, os Roottambém trabalhavam como freelancers, fosseampliando o safári fotográfico que Joanherdara do pai, fosse filmando para o dr.Grzimek e seus diversos programas detelevisão ou para George Schaller, daNational Geographic. Num projeto paraGrzimek, Alan documentou a reação dosrinocerontes e hipopótamos a balõesparecidos com eles. Num trabalho paraSchaller, filmou leões caçados comzarabatanas. A estreia na BBC, entretanto,continuava sendo sua principal preocupação,além do audacioso plano de Alan de ser aprimeira pessoa a sobrevoar o Kilimanjaro debalão.

*** SELECIONARAM COMO TEMAINAUGURAL PARA A BBC o manancialMzima, um oásis noParque Nacional deTsavo que despeja 50 milhões de galões deágua por dia,filtrados pelas montanhaspróximas, enquanto se precipitam por umafenda magmática até uma série de lagoslímpidos. Mzima é um santuário da vidaanimal, intocado pelo homem moderno. Suaágua é tão clara quanto o céu brilhante acimae cheia de crocodilos e gigantescas pítons, tãogrossas quanto a coxa de um homem adulto.Ali, porém, o habitante mais perigoso – e omais fotogênico – era o hipopótamo. Os hipopótamos matam mais gente na Áfricado que qualquer outro herbívoro. A lista doscarnívoros é encabeçada pelos crocodilos. Noano em que Joan e Alan foram filmar em

Mzima, um crocodilo matara um menino eoutro arrancara a perna de um homem.Nenhuma das vítimas sequer mergulhara nomanancial, que era o que Alan pretendiafazer, com máscara e snorkel, para registrartudo. Inacreditavelmente, tão logo ele entrou naágua, os hipopótamos mostraram-sebrincalhões, esbarrando nele sem qualquerincidente. A filmagem prosseguiu de formatranquila: os peixes comiam as fezes dehipopótamo, os pássaros pescavam os peixese os crocodilos atacavam tudo queencontravam. O produto final, o documentário Mzima,Portrait of a Spring, cumpriu seu propósito:além de amplamente assistido por plateiasinternacionais, foi exibido várias vezes numaexposição sobre hipopótamos no Museu de

História Natural de Londres. Alan Rootcomeçara de fato em grande estilo –produtores e público estavam embasbacados. AQUELE PRIMEIRO TRABALHO PARA ABBC exauriu Alan e Joan; mas não haviatempo para descansar – não com umcontinente agonizante à volta deles. O projetoseguinte – Baobab: Portrait of a Tree – iriaabordar a natureza em escala muito menor,exigindo, contudo, trabalho muito maisintenso. Mais uma vez, seria tratado um temaque nem o mais experiente naturalista jamaisimaginaria ver em filme: um calau-grandealimentando os filhotes no interior de umbaobá de 2 mil anos. A abordagemtradicional seria filmar o pássaro do lado defora da árvore: a fêmea pronta para pôr seusovos voando através de um buraco no tronco,o macho vedando com lama e excrementos a

abertura e a mãe ressurgindo, semanasdepois, já com a ninhada. Alan e Joan decidiram filmar a vida do calau-grande do ponto de vista do pássaro. Paratanto, fizeram um buraco na árvore,vedaram-no com vidro, montaram umabarraca em torno do tronco e aguardaram.Finalmente, um calau veio fazer o ninho nointerior, e durante nove semanas Alanpermaneceu na barraca, filmando através doburaco todos os movimentos do pássaro. Aintervalos regulares, Joan deslizava alimentose suprimentos para ele, por uma abertura nabarraca. Baobab: Portrait of a Tree foi outro trabalhoinovador, mostrando aos profissionais eleigos cenas que jamais poderiam imaginar efazendo os executivos da Anglia darem-seconta do erro que haviam cometido ao abrir

mão de Alan. “Foi com tristeza que lhedissemos au revoir, mas sabíamos comcerteza que não se deve impedir um talentoverdadeiro de buscar seus próprioscaminhos”, declarou depois Colin Willock,redator-chefe da Anglia, nas memórias queescreveu sobre a série Survival. “E mais:estávamos absolutamente certos de que, maiscedo ou mais tarde, ele haveria de voltar.” Assim, quando chegou um telegrama daSurvival para Alan, com apenas três palavras– “Lassie come home”* –, ele voltou com umcontrato muito melhor e garantias de totalcontrole criativo. “Vou aparecer nos créditoscomo cinegrafista/diretor/produtor”,escreveu em carta para Anthony Smith.“Quero documentar as migrações noSerengeti, realizar um filme sobre as estações,

filmar um cupinzeiro e alguma coisa sobrenós…” Um de seus primeiros projetos ao retornarpara a Survival foi sobre migrações noSerengeti, em que ele capturaria de suamaneira peculiar o fenômeno maisdramáticoda África: a migração anual demais de um milhão de gnus através dasavana. O casal já havia presenciado o eventomuitas vezes e Joan assim o descrevera numade suas cartas para a mãe: 24/8/71 Estávamos do lado errado do rio ehavia muito para filmar. Milhares de gnusansiavam por atravessar a correnteza para sedirigirem a outras pastagens ao norte. Derepente uma coluna inteira lançou-se naságuas. Logo em seguida, as margensescarpadas do outro lado ficaram tãoesburacadas por seus cascos, que eles não

podiam nem subir, nem voltar para ondeestavam antes. Felizmente, nossa presença alifez com que a coluna recuasse, caso contráriomuitas centenas mais teriam entrado na água.Foi trágico vê-los serem arrastados paralonge. Calculamos que em dois dias cerca de500 se afogaram. Hoje existem 600 mil gnusno Serengeti e todo ano acontecem episódiosdramáticos como esse. Joan e Alan também haviam sobrevoadoaquela maciça migração a bordo do OscarCharlie, seu monomotor Cessna, com umacâmera fixada numa das asas gravando asplanícies abaixo, negras com as trovejantesmanadas. Mais tarde iriam sobrevoar amigração em seu balão de ar quente. O voo,como Joan descreveu depois, foi“provavelmente o melhor que já realizamos.Os animais lutavam e acuavam as fêmeas, e o

balão fazia-os fugir por baixo de nós einvadir outros territórios, causando muitasmarradas e choques de chifres. Aterrissamosa uns 50m de uma leoa que observava porsobre as extensões de relva. Nunca me cansode ver a migração: milhares de gnus, indo deum horizonte a outro.” Para qualquercineasta, a perspectiva aérea teria sido amelhor, provavelmente a única forma defilmar a migração. Não bastava, porém, paraAlan Root, que perseguia mais do que umasimples panorâmica. “OK, Alan. Prepare-se. Eles estãochegando!”, gritou Joan por um walkie-talkie, meses depois, enquanto aguardavasob a copa de uma acácia e observava anuvem negra de gnus em sua direção.Criativo como sempre, Alan saiu correndo damata com uma câmera instalada sob um

gigantesco casco de tartaruga, que colocou nocaminho da manada, afastando-se às pressas.Ao assistir ao documentário, o espectadorquase sente a força dos milhares de cascospassando acima e em torno da câmera – umincrível acontecimento cinematográfico, e umdos melhores filmes que o casal realizou. *** DEPOIS DO SUCESSO DESSEDOCUMENTÁRIO, os Root tiveramfinalmente tempo e dinheiro para dedicar aoantigo sonho de Alan de sobrevoar oKilimanjaro. Entusiasmado por se sentir tãopróximo da meta, ele começouimediatamente a exercitar-se no balão. Nemtudo, entretanto, estava bem. Na época, Joan se encontrava em Durban,África do Sul, numa das visitas que faziaregularmente à mãe. Aproveitara para

consultar alguns especialistas sul-africanossobre os efeitos prolongados da miastenia. Amaioria dos sintomas – leve paralisia,pálpebras caídas, visão dupla – desaparecera.Um deles, porém, permanecia: suamenstruação não retornara. Tendo adiado amaternidade em função da carreira, Joanestava ansiosa por engravidar. Osprognósticos, contudo, não eram nada bons. Ela queria ter filhos e sabia que Alantambém. Acima de todas as suaspreocupações, a que menos suportava era aideia de desapontá-lo. Consultou diversosmédicos e leu uma enorme quantidade delivros de medicina. Amigos conversaram emseu nome com especialistas em fertilidade domundo inteiro. “Ela é uma mulher saudável,agora com 36 anos e sem filhos”, escreveuum deles a um expert de Londres. “Em 1964

ela foi acometida de miastenia e mais oumenos um ano depois parou de menstruar.Pensou que poderia ser temporário, masnunca mais menstruou … Levando em contasua idade e essa desvantagem, o senhor diriaque as chances que ela tem de engravidar eter um filho são superiores a, digamos, 10%?Conheço bem o casal e não quero complicar avida deles com falsas esperanças. Estãocasados há 12 anos e só recentementecomeçaram a desejar um filho.” Joan voltou para Naivasha com umcategórico diagnóstico: jamais poderia terfilhos. “Ela consultou vários especialistas naÁfrica do Sul. Aparentemente, suamenopausa aconteceu há alguns anos”,escreveu Alan para Anthony Smith. “Ela nãomenstrua desde que estivemos nasGalápagos e sentiu todos aqueles acessos de

calor, que os charlatães locais disseram seruma falha no controle da temperaturadecorrente da miastenia. De qualquer modo,mesmo naquela época já seria tarde demais.Agora, certamente é.” Ela simplesmentevoltou, informou Alan do diagnóstico eretomou o trabalho. “Imaginei que de alguma forma ela se sentiaincapaz e que por isso não queria discutir oproblema”, recordou Alan. “Ela costumavadizer ‘Não tem problema. Temos uma vidamaravilhosa. Tenho todos esses animais queamo e é o bastante’. Eu sempre quis ter filhos, mas entendi queseria impossível. Nenhum de nós se sentiarealmente a fim de partir para a adoção, oque, aliás, naquele tempo, era muito difícil,ainda mais num país daqueles. Era umpesadelo, é verdade, mas nunca tinha sido

algo que perseguíssemos obstinadamente.Vivíamos uma fase ótima e nos sentíamosrealizados com o que fazíamos; isso eratudo.” “Ela era uma garota do Quênia”, observouem outra ocasião Oria, a mulher de IainDouglas-Hamilton, amigo de Joan e Alan.“Espera-se que todas sejam inteligentes elindas, boas esposas e amantes… – tudo. E seela dedica muito tempo a ajudar o marido, amaternidade tem que ser adiada. Emdeterminado momento, contudo, ela já nãopodia ter filhos e então resolveu transferiraquele amor para os animais.” Apesar de aparentemente aceitar a situação,enquanto digeria a perspectiva de seu futurosem filhos Alan se sentia cada vez maisdilacerado. “Estou realmente muito confusonestes últimos dias”, confidenciou numa

carta a Anthony Smith, em que falava sobreoutra mulher que entrara em sua vida. “Etudo porque ainda não fui capaz de resolverminha situação doméstica, acho eu. X [a outramulher] continua sendo uma enorme forçaem minha vida.” Ele estava dividido não sóentre dois amores, mas também entre seusdesejos mais fortes: ser um grande cineasta eser pai. “Toda essa maldita confusão é obra minha”,declarou. “Desde que a conheci, parece queando produzindo um conjunto totalmentediferente de hormônios. Sou louco porcrianças e quando vejo uma arrepio as penasfeito uma galinha doida. Comprei um LandRover outro dia – ultimamente ando commais dinheiro do que juízo – e não consigoimaginar outra pessoa dirigindo-o, senãoJoan. Mesmo assim, quando fui buscá-lo, vi

uma família entrando num deles. A visão deum menino de uns três anos tentando subir,segurando-se e rindo, me trouxe lágrimas aosolhos e não consegui imaginar outra pessoaajudando-o a subir senão X.” Joan, por sua parte, mostrava-se estoica eotimista como sempre sobre o futuro deambos. Durante a expedição de dois anos emeio para a filmagem dos gnus, pelaprimeira vez pareceu perceber suacapacidade, como revelou em carta para amãe: “Estou conseguindo muito bem darmeus próprios passos e, convenhamos, já eratempo de deixar de ser um cachorrinhoseguindo Alan.” *** APESAR DAS COMPLICAÇÕESCONJUGAIS, eles ainda formavam umaequipe imbatível e, de certa forma, tinham

consciência disso. Embora no relacionamentopessoal navegassem em águas revoltas, otrabalho de filmagem proporcionava ocimento que os mantinha juntos. Um sonhode longa data continuava a pipocar na cabeçade Alan, inspirado na imagem que viraquando menino da janela de seu quarto: oKilimanjaro, o pico mais alto da África. Amontanha os chamava, como num desafio, eambos começaram a planejar uma audaciosamissão. Enquanto se preparavam para aquelevoo histórico, continuavam a administrar acompanhia de safáris fotográficos quehaviam fundado com seu amigo RichardLeakey. Leakey era filho de Mary e LouisLeakey, os famosos arqueólogos cujasdescobertas de fósseis na garganta deOlduvai, na Tanzânia, provaram que o

homem era muito mais antigo do que sesupunha. Pelas experiências que ele e Joan haviam tidoem balões, Alan sabia que era a melhor formade filmar do alto a vida selvagem – aviõesandavam depressa demais, impedindofocalizar direito as cenas e helicópterosfaziam tanto barulho que espantavam osanimais. Um balão, porém, podia deslizarsilenciosamente a uma altitude que permitiauma filmagem bem de perto. Alan queria ser o primeiro a sobrevoar oKilimanjaro num balão de ar quente. Depoisde visitar uma exibição de balões em Henley-on-Thames, balneário inglês, e sobrevoarPeppard Common por cinco minutos, numdia nublado, ali mesmo ele comprou um.Quando o aeróstato chegou ao Naivasha,Alan e Joan o inflaram e voaram sobre o lago,

que ficou sendo sua base de testes ou, maisprecisamente, sua base de quedas. “Quando se viaja num balão, não se tem amenor ideia de onde ou como aquele voo vaiterminar”, comenta em off a voz de Alan nofilme Safari by Balloon, que ambos fizeramcontando suas próprias experiências. “Todasas manhãs saíamos exatamente do mesmolugar. Mas num dia aterrissávamos no meioda mata, tendo que esperar durante horas oresgate; no outro, podíamos descer em umaaldeia africana.” Nesse ponto do filme há umcorte para a cena em que crianças correm emruidosa procissão em volta do balão.“Contamos com centenas de mãos muitodispostas, embora totalmentedesorganizadas, para nos ajudar a voltar.” Alan explica então que tinha licença paraconduzir balão, mas que era Joan quem

deveria ter tirado uma. “Eu era o fotógrafo dafamília e sempre que queria filmar, tinha depassar o controle [do balão] para Joan. Emoutras palavras, acabei tentando dar-lheaulas de voo enquanto observava tudo pelovisor da câmera. E também ficávamos emsituações difíceis porque, enquanto eu estavafilmando, presumia que Joan estariapilotando. E de repente nos víamos emcircunstâncias como esta.” O balão desliza sobre o chão, em MaasaiMara. “Pensei que você estivesse pilotando essajoça”, diz Alan narrando, como se falassecom Joan. “Não, você não disse para eu fazê-lo”,responde ele mesmo, imitando a voz agudade Joan. “Não viu que eu estava filmando?”

“Desculpe. Não reparei. Estavafotografando”, responde Alan, aindasimulando a voz de Joan. “Tudo bem, mas agora fique abaixada nocesto. Essa mata é cheia de espinheiros. Segure-se. Lá vamos nós…” E então… crás! Direto sobre as árvores,rodeados por elefantes e zebras. “Logo, porém, Joan pegou o jeito, ecomeçamos a ter bons resultados”, Alancomenta, concluindo a sequência. Quando ouviu rumores de que outraspessoas planejavam sobrevoar o Kilimanjaronum balão, Alan decidiu que tinha de ser oprimeiro. A ideia era realizar o voo sozinho,por questões de peso: “Quanto menor acarga, melhor”, diria mais tarde. “Massempre pensei em levar Joan e sabia que elatambém queria ir, e, de fato, tê-la comigo

fotografando enquanto eu filmava seria degrande ajuda.” Até o último minuto do dia da decolagem,Joan deveria fazer parte da equipe em terra.Ian Parker, o amigo deles, sobrevoaria o picoa bordo de um “avião pastor”, de ondefilmaria o balão elevando-se sobre aimponente montanha. A manhã do voo,porém, estava muito tranquila, permitindoque o balão suportasse mais peso. Então, noúltimo instante, Alan gritou para Joan: “Pulepara dentro!”, e ela imediatamente saltoupara o interior do cesto. Às sete e meia da manhã de 9 de março de1974, Alan e Joan, com gás suficiente paraquatro horas de voo, estavam prontos parasua histórica missão. Alan acendeu oqueimador e, em meio ao poderoso rugido,lançaram-se às alturas. “Subimos durante

vários minutos envoltos em nuvens …emergindo à luz do sol e diante de umpanorama inacreditável”, escreveu Alan emcarta para Anthony Smith. “Os picos estavamlímpidos e grandes colares de nuvenstornavam-nos ainda mais espetaculares doque normalmente.” “Subíamos pelo meio das nuvens, até chegarao mais magnífico cenário que se possaimaginar”, registrou Joan. “Subimosverticalmente junto ao pico Mawenzi, atéultrapassá-lo, e depois fomos tangidos pelovento, exatamente na direção quedesejávamos … Foi um momento gloriosonas alturas.” Ao atingir 5.500m eles puseram as máscarasde oxigênio e elevaram-se acima das espiraisgeladas do Mawenzi, onde fortíssimasrajadas de vento quase os derrubaram. Alan

realimentou o queimador e eles alcançaram7.300m, passando muito acima do Kibo, umacratera nevada de 2.400m de largura queassinala o cume do Kilimanjaro. “Erasimplesmente inacreditável a beleza docenário, daquele ponto privilegiado”,escreveu Alan. “Apesar da temperatura de20° abaixo de zero, não sentíamos frionenhum.” Não só eles se tornaram osprimeiros a sobrevoar o Kilimanjaro de balão,como também puderam fazer filmagens damontanha. E então, tudo que precisavam era descer.Assim que atravessaram o pico, Alan olhoupara Joan e se deu conta de que algo estavaerrado. Ao tentar trocar o filme da máquinafotográfica, ela tremia, desajeitada, semconseguir realizar aquela tarefa tão simplesquanto rotineira.

“Não precisa ter tanto medo”, exclamouAlan. “Não estou com medo. Só estou mesentindo… esquisita.” Então ela deixou cair o filme no chão do cestoe não conseguiu sequer curvar-se paraapanhá-lo; a preocupação de Alantransformou-se em alarme. Examinando amáscara de oxigênio, viu que o tubo sesoltara do cilindro. Durante alguns minutos,Joan respirara o ar rarefeito de uma altitudede mais de 7km, e os sintomas de sériaprivação de oxigênio – desatenção, falta dejulgamento, perda de coordenação motora –já estavam se mostrando. Alan restabeleceu ocontato com o respirador e ela respirou fundovárias vezes. Em seguida, retirou a máscara,para que Alan pudesse ouvi-la claramente.Sacudindo o dedo, Joan ironizou-o por

pensar que ela estivesse com medo. “Lembre-se bem, só estava me sentindo esquisita.” Desceram até o platô de Shira, a 3.600m, ondeAlan planejava aterrissar. Suas quatro horasde gás estavam quase no fim. Mas ele nãoconseguia descer com a rapidez necessária epor isso teve de voar 20km adicionais, acimade gargantas abissais, altas montanhas eflorestas. Alan aumentou a chama, e elesdispararam dos 3.500m de volta aos 5.500, emvertiginosa velocidade. Finalmentealcançaram as vastas planícies da Tanzânia,preparando-se para tocar o solo nos limitesde uma floresta. Alan então cometeu um grave erro.“Relaxei”, ele recorda. Já no último cilindro de gás, com os fortesventos ameaçando derrubá-los sobre afloresta, Alan sabia que precisavam aterrissar

imediatamente. Lançou para fora o caboestabilizador de 60m de comprimento, queajuda a manter o equilíbrio do cesto nadescida. A corda, porém, embaraçou-se naqueda. Exausto, Alan puxou-a novamente,desembaraçou-a e jogou-a de novo. Dessavez, ela começou a se desenrolar do cestocada vez mais depressa, tão depressa queAlan não teve tempo de reparar que estavaenroscado nela. Quando a laçada apertou,seu corpo ficou pela metade fora do cesto.“Agarrei-me na borda, vendo meus óculoscaírem girando várias vezes”, recordou.“Alan!”, Joan gritou, agarrando-o pelacintura e puxando-o de volta. Quando se aproximavam da aldeia de SanyaJuu, perto da cidade de Moshi, para umaaterrissagem forçada, os habitantescomunicaram aquela visão incomum às

autoridades. “Infelizmente, enquantovoávamos lentamente naquela direção, apolícia de Sanya Juu concluiu que estavamsendo atacados”, escreveu Joan à mãe.“Telefonaram para Moshi pedindoinstruções. Mandaram prender-nos assimque aterrissássemos.” “Peguei emprestado os óculos de Joan eaterrissamos, produzindo um tremendobaque”, Alan relatou a um amigo. Foi suapior aterrissagem até então: num campocultivado, a 40m de uma casa e a 200m daestrada West Kilimanjaro. O cesto tombou delado e os dois, bem como todo oequipamento, foram jogados para fora.Imediatamente acorreu uma multidão aosgritos. Jamais tinham ouvido falar em balãode ar quente, muito menos visto umaterrissar. Alan estava limpando a poeira dos

equipamentos, quando percebeu um ruídoque, como escreveu depois, “me deixou decabelo em pé”. Era o som frio e metálico deao menos uma metralhadora sendoengatilhada. Uns dez policiais os cercaram.Mais tarde declararam ter desconfiado de que os balonistas fossem“astronautas espiões”. “Vocês estão presos”, anunciou um deles. Com os olhos fixos no gatilho da arma, Alansó teve um pensamento: salvar seu filme.Naquele exato momento, a equipe de terrados Root chegou ao local. Alan entãoargumentou com um dos policiais: “Olhe,nós caímos, e minha mulher está passandomal. Será que ela poderia ficar no carro,enquanto conversamos?” “Tudo bem”, respondeu o oficial.

Alan dirigiu a Joan um olhar que elaentendeu perfeitamente. Não fora em vãoque haviam passado todos aqueles anosjuntos na mata, em silêncio. Ela pegou acâmera das mãos dele e foi para o carro, onderetirou o filme e o escondeu. Em seguida,carregou outro rolo na máquina. Poucodepois, todos foram conduzidos ao postopolicial da cidade, onde, como escreveu Joan,“passamos 11 horas tentando explicar nossosmotivos de querer voar sobre a montanha emum balão!” Finalmente, levaram-nos paraMoshi, onde o chefe de polícia, que sabia oque era um balão de ar quente e o quesignificava aquele voo, declarou que elespodiam ir embora, mas que teria de confiscaro negativo da câmera. “Simulei um protesto furioso”, Alanobservou, “mas de nada adiantou. Disseram

que iriam ver o filme e depois me devolver,se não mostrasse nada proibido … Sócomeçamos a rir quando já estávamos bemlonge de Moshi.” Mais uma vez Joan salvaranão só ele como também seu mais ambiciosoprojeto até então. EM 1974, JACQUELINE KENNEDYONASSIS foi fazer um safári no Quênia e,como amigos recomendaram Alan e Joan,contratou-os. Chegou ao Naivashaacompanhada dos dois filhos, Caroline, entãocom 16 anos, e John, com 13, além de umpequeno grupo. Para evitar publicidade,Jackie preferiu ficar na casa dos Root.Entretanto, não considerando adequadohospedar a ex-primeira dama num lar emque também viviam gatos selvagens e umhipopótamo, o casal a instalou na residênciade um vizinho.

À noite, Jackie e os filhos assistiram aosfilmes de Alan e Joan e alimentaram osanimais. Depois de alguns dias com safárispor terra, Alan decidiu levar todos no balão.O primeiro voo, com Alan e mais cincocrianças no cesto, decorreu bem. Na manhãseguinte, ele levou Jackie e um guia, JockAnderson, naquilo que deveria ser umaascensão perfeitamente idílica sobre oNaivasha e seu promontório, a ilha Crescent,a grande altitude, para que Jackie pudesseperceber toda a extensão daquele gloriosolago e os vulcões adjacentes. Como decostume, Joan os seguiu no Land Rover, pararesgatá-los. “Eu os observava da estradaprincipal e me aborreci quando um repórter eum fotógrafo da Newsweek mereconheceram e pediram que os deixasse vir

comigo, a fim de fazer fotos [de Jackie]”, elainformou sua mãe. Quando Alan estava para aterrissar nocampo de pouso do Naivasha, teve desobrevoar um incêndio florestal. A fumaçaatingiu o balão, que perdeu altura e começoua mergulhar em direção aos barracos de umafavela chamada Karagita. Alan e Jackiedirigiam-se diretamente para os fiostelefônicos. “Eu sabia o que ia acontecer,quando parei o carro e corri pelo milharal.Estava bem por baixo deles quando o cestoatingiu os fios”, continua a carta de Joan. Ocesto não bateu simplesmente: ele arremeteucontra a fiação, encurvando as traves doaeróstato e rompendo os fios que o prendiamao cesto. De cabeça para baixo, o cesto ficou todoemaranhado nos fios. Alan gritou para que

Jackie e Jock se mantivessem no fundo,segurando-se nas cordas. “Tudo que pudefazer foi ficar observando o cesto cair osúltimos 3m, tombando de lado, e os trêssaírem engatinhando lá de dentro.” Alan nãose machucou; Jock perdeu o fôlego; e Jackiesofreu apenas um ferimento leve no pé. “Elaficou muito calma o tempo todo, emboraabalada, e gostou muito do voo, apesardaquele final”, prosseguiu Joan na carta paraa mãe. O que Alan disse à ex-primeira dama arespeito da aterrissagem forçada perdeu-seno tempo. Era bem próprio dele provocar atémesmo os hóspedes mais importantes. Nessaépoca, ao retornar de alguma viagem, elegostava de voar no Oscar Charlie para casa,atravessando o Hell’s Gate, um GrandCanyon em miniatura próximo ao Naivasha.

Pouca gente seria louca o bastante para tentara façanha: o desfiladeiro é tão estreito quemesmo as asas de um avião pequeno quasearranham suas muralhas rugosas. Alan,porém, adorava passar por ali, sobretudoquando levava passageiros. Informava-lhesentão que ninguém mais se atrevia aatravessar o Hell’s Gate, a não ser seu amigoIain Douglas-Hamilton. Quando um dospassageiros perguntou o que aconteceria seos dois resolvessem voar pela garganta aomesmo tempo, Alan respondeu: “Muitosimples.” E explicou – segundo matériapublicada no New Yorker – que, se os doisaviões se deparassem, o combinado era Iainsubir e Alan descer. Ou seria o inverso? Eenquanto Alan fingia esquecimento, opassageiro, assustado, “ficou rígido como

uma pedra e olhando fixamente para frente”durante todo o restante do passeio. Ele, porém, não blefava sobre ele e Iain.Como lembra Mike Hay, colega de Alan eJoan na série Survival, “certa tarde dedomingo, no Naivasha, Alan sugeriucasualmente que fizéssemos um voorecreativo, para ver os flamingos no LagoMagadi”. Decolamos preparados para o que seprenunciava uma agradável tarde turística,porém no mesmo instante vimo-nos aaltitude zero, com galhos espinhososchocando-se contra o fundo do avião. Aopassarmos pelos penhascos ao norte, antes deentrar na garganta do Hell’s Gate,despencamos como uma pedra durante amanobra. Então, olhando para cima, pudever os rochedos da curva seguinte, à

esquerda, se aproximando. O desastreparecia iminente. Eu estava à beira de molharminhas calças. Como se aquelas já nãofossem emoções suficientes, enquanto Alanexecutava uma curva incrivelmente fechada,com as rodas quase raspando nas rochas, orádio informou em meio à estática que oBarão Vermelho estava vindo em nossoencalço, e então outro Cessna se precipitousobre nós dentro do abismo. Uma imitaçãode som de metralhadora acompanhou aquelamanobra e revelou-se que o Barão Vermelhonão era outro senão Iain Douglas-Hamilton.Os dois ases da aviação prosseguiramnaquele tortuoso combate, o tempo todo,através do Hell’s Gate. Descobrimos depoisque o duelo fora combinado. A certa altura,olhei por cima do ombro, para onde Joanestava sentada, no banco de trás,

absolutamente serena, se bem me recordo,tricotando tranquilamente um interminávelsuéter. Sua única reação foi sorrir para mim,solidária, em face de meu terror. Provavelmente, aquilo caracterizava orelacionamento deles. Joan jamais pareciaembaraçada com o prazer que Alan sentia emultrapassar os limites, e isso mantinha-osaudável e satisfeito, quando em qualqueroutro casamento a mulher invariavelmenteteria insistido com ele para que parasse comaquele comportamento “irresponsável”. Joannão o apoiava por indulgência –simplesmente sabia que ele tinha de fazeresse tipo de coisas. Na verdade, ele tomava essas atitudesporque sabia que o mundo que amava estavadesaparecendo diante de seus olhos. Comoobservado em entrevista anterior com Alan,

num jornal, “ele também compartilha, comseus colegas cineastas, a crença de que, casonão aconteça um milagre, a vida selvagem e anatureza do planeta já estão condenados.‘Sou muito cético em relação ao assunto’,declara Root. ‘Vivi na África toda minha vidade adulto, e simplesmente testemunhei-a sedesfazendo pouco a pouco. É como convivercom alguém morrendo de câncer.’” Estaúltima frase se demonstraria profética,embora ele não pudesse ainda sequerdesconfiar. Todas as vezes que Alan aterrissava comOscar Charlie no campo do Naivasha, Joan jáestava pronta – com comida, suprimentos,roupas, certidões, licenças, vistos – para qualquer possível viagem para aSurvival.

O balão logo estava também proporcionandonovos lucros. Em 3 de junho de 1976, elestransformaram sua experiência do assuntonuma nova empresa, com o voo inaugural daSafáris de Balão Ltda., especializada nosprimeiros passeios aéreos turísticos do tiposobre as grandes extensões de terra queabrigavam animais selvagens, no Quênia e naTanzânia. Novamente, Joan ajudava com asprovidências prévias, como também com oslivros de contabilidade. Os filmes, todavia,mantinham-se prioritários. CERTAMENTE AS TOMADAS NOKILIMANJARO fariam muito sucesso, masAlan sentia que precisava de algo mais paracompletar o filme. Ele queria “cenas deligação”, novas filmagens com momentosemocionantes de aventura, para unir assequências.

Retornaram, então, ao manancial Mzima,esperando conseguir algumas tomadasemocionantes de ambos nadando em meioaos hipopótamos que, mais uma vez, semostraram muito cooperativos – a não serum deles, de hierarquia inferior. Essesespécimes nunca se mostram tão simpáticoscomo os dominantes do bando; aquele seafastou depressa, depois de ter visto Joan eAlan, agitando tanta lama e excrementos queos dois passaram a mal se enxergar e muitomenos ao animal, que se detivera para poderavaliá-los de longe. Quando percebeu asbolhas saindo do equipamento de mergulho,a fera de 1.300kg atacou rangendo os dentes,abrindo a boca e sacudindo o corpo de umlado para o outro na água lamacenta. Joan era a primeira no trajeto do animal, quebateu no lado direito de seu reservatório de

ar, depois mergulhou o enorme focinho pordebaixo dela e a lançou para o alto, com afacilidade com que ergueria um passarinho.Ao cair e afundar de novo, Joan percebeu quea água estava penetrando o bocal dorespiradouro e subiu para limpá-lo. Tudoaconteceu tão rápido que só depois ela sedaria conta de que um canino do hipopótamohavia perfurado sua máscara, logo abaixo doolho direito. Alguns centímetros mais acimapoderiam ter significado a perda do olho, dorosto, ou mesmo do crânio. Em seguida, a fera se voltou para Alan, edessa vez o ataque foi mais violento. Aprimeira pancada fez Alan rodar, ficando debarriga para cima. Na segunda investida,relata Alan, “minha perna direita estavadentro de sua boca, e eu realmente podiapercebê-lo”.

O sangue foi se espalhando em todas asdireções. O hipopótamo balançava a enormecabeça para cima e para baixo, sacudindoAlan “como se fosse um rato”, lembrou ele.“Eu estava plenamente consciente de cadadetalhe … ele prendeu a minha perna entreos dentes, de modo que o canino esquerdocomeçou a retalhar minha panturrilha.Enquanto o pé e o calcanhar ficavam entreseus molares, eu podia sentir os pelos de seuqueixo por trás da coxa.” Alguns momentosdepois, o hipopótamo largou-o e se afastounadando. Alan permaneceu debaixo d’águaaté achar que a margem ficara livre. Quandofinalmente subiu à tona, Joan estava em pé auns 6m de distância. “Meu Deus! Fui mordido!”, gritou. Joantambém gritou e começou a vir em suadireção.

“Não!”, berrou Alan. “Saia da água!” Ele nadou então, em meio ao próprio sangue,lembrando-se do crocodilo de 3m que osperseguira decididamente na semanaanterior. Joan e Alan foram levados até umabrigo próximo, onde conseguiram caronanum Land Rover até a cidade de Kilaguni;dali embarcaram num avião de volta aNairóbi. Em menos de três horas, ele já seencontrava num cenário bem conhecido seu:a enfermaria de acidentados do Hospital deNairóbi. Em 24 horas, o grande buraco abertoem sua panturrilha, que descreviaalternadamente como “do tamanho de umhambúrguer” ou “de tamanho suficiente parase enfiar dentro dele uma garrafa de coca-cola”, foi tomado pela gangrena. Em carta, Alan descreveu para os amigos suarecuperação:

Tive algumas febres espetaculares. Jáacontecera outras vezes ter de trocar oslençóis, quando suava muito, mas nunca ocolchão inteiro! E, entre as crises de suor, eranecessário um cobertor elétrico para memanter aquecido. Depois de três dias, 8 litrosde cloreto de sódio, 4 litros de sangue emuitos milhões de unidades de penicilinaintravenosa … fui declarado ok. Duas semanas mais tarde ele deu início auma série de dolorosos enxertos de pele,tirada de “minha nádega direita”, comorevelou a um amigo. “Equilibra bem amordida de leopardo que tenho do outrolado, mas, infelizmente, vai ser apenas umapequena cicatriz, que nem vale a penamostrar.” Quando tudo acabou, entretanto, ele guardoude lembrança uma cicatriz gigantesca e

malhada na panturrilha. Grande e feia,decididamente essa valia a pena mostrar. PRESO AO LEITO EM NAIVASHADURANTE TRÊS MESES , Alan teve temposuficiente para planejar o projeto seguinte.Seria algo diametralmente oposto a muitosde seus característicos épicos com grandescéus, grandes manadas, grandes montanhas egrandes perigos. Dessa vez, o alvo dos Rootseria pequeno – na verdade, microscópico.Decidiram passar um ano documentandocupins, num daqueles altos e estreitos montesde barro de quatro metros de altura que osinsetos constroem para incubar as crias emtotal escuridão. O território dos cupins ficava bem a oeste dolago Baringo, na região norte do Quênia,onde, no início de cada estação chuvosa, osinsetos, em nuvens, deixavam as estruturas

de barro, através de minúsculas aberturas, evoavam para formar novas colônias. A fim deencontrar o monte melhor e mais fotogênico,Alan ficava sobre a capota do Land Rover,apontando a câmera em todas as direções,enquanto Joan conduzia o jipe, segundo suasorientações, até o próximo candidato.Estabeleceram-se num desses e ficaram noitesseguidas observando aquelas incubadeiras,acampados perto da área da tribo pokot,cujos membros costumam comer térmitescom sangue de boi. Verdadeiras maravilhasda arquitetura em barro, os cupinzeiros sãobem mais altos do que uma pessoa. Dentrode cada um floresce um diminuto universo,com uma complexa ordem social. Os Rootesperaram semanas para documentar oclímax do projeto, o nascimento de uma novaninhada. Quando aconteceu,

simultaneamente em várias colônias daregião, eles estavam prontos para entrar emação, mas justamente naquele que elescercaram de câmeras e lâmpadas a novageração não apareceu. Observando a grandeatividade que ocorria a sua volta, Joanpostou-se com sua lanterna procurando aoredor alguma coisa, qualquer coisa para Alanfilmar, enquanto uma gigantesca nuvemdaquelas criaturas cobria seus cabelos,ouvidos e boca. Na noite seguinte uma tempestade encharcouo equipamento de iluminação, danificando asluzes especiais para iluminar e proteger oscupins sensíveis ao calor. Na terceiratentativa conseguiram filmar uma ninhadanascendo numa colônia, do início ao fim. Ofilme descrevia as térmitas aladas como“príncipes e princesas que, como Cinderela,

vivem uma noite mágica antes de retornar àescuridão e ao trabalho árduo”. Querendoregistrar o interior do cupinzeiro, Joan e Alantransportaram partes dele para uma casa defazenda, onde puderam filmar os intrincadoscompartimentos internos, incluindo o darainha, que punha 30 mil ovos por dia. “Comdois centímetros e meio de comprimento, tãogrossa quanto o polegar de um homem, essagrotesca criatura avulta sobre os operáriosque a assistem. Ao lado de sua rainha, osoperários se assemelham a uma equipe deterra manejando um balão meio inflado.”Usando lâmpadas próprias de salas decirurgia para iluminar as câmaras parecidascom favos de mel, eles filmaram tudo, desdeos jardins de cogumelos no interior domonte, até o sistema de ventilação e osdiminutos insetos alimentando suas crias

mais diminutas ainda. “Ninguém podeimaginar quantas horas levamos para fazercada sequência”, Joan anotou. Os executivos da Anglia ficaram loucos pelofilme, ao qual deram o título de MysteriousCastles of Clay. Todos se emocionaramquando Orson Welles, o íconehollywoodiano, assinou contrato para narrara versão americana. O trabalho recebeu oPrêmio Peabody e indicação para o Oscarpelo Melhor Documentário de 1978. O escritor John Heminway, amigo de Alan eJoan, manifestou por escrito sua admiração: Artisticamente, Castles of Clay é tãomajestoso quanto The Year of the Wildebeest. Além disso, é impregnado de mistério: sãomundos ocultos à visão humana, vidasdentro de vidas. Um crítico do ManchesterGuardian, que costuma ser extremamente

mordaz, foi além do louvor usual: “Meuinteresse pelas térmitas é bastante limitado.No entanto, acredito que Castles of Clay sejao mais belo filme de história natural que já sefez. E, como esse também poderia parecer umelogio limitado, vou colocá-lo entre os maisbelos filmes que jamais vi, e ponto final.” E aqui está a essência do filme de Root: porbaixo de um objeto aparentementeinanimado, camufla-se o quartel de comandode uma forma de vida altamente sofisticada.Fica-se tentado a concluir que, comparadosàs térmitas, os seres humanos são tãodesinteressantes quanto a lama de um rio… Paciência – era esse o segredo deles. “Àsvezes vamos lá dia após dia enãoconseguimos filmar nada”, disse uma vezAlan a um repórter de revista. “É como fazeruma aposta.” O cineasta e sua equipe –

composta apenas de sua mulher –contentavam-se em esperar a performancedos animais, por mais tempo que pudesseexigir, rugindo seu Land Rover por toda aÁfrica, ouvindo gravações de Neil Diamonde lendo best-sellers de Harold Robbins,enquanto o mundo natural jorrava vida portoda a volta deles. Passaram dois anosfilmando as modificações periódicas dobaobá, para o filme Baobab: Portrait of a Tree.Outros dois anos à espera de que o calau retornasse ao ninho, na árvore.Durante 30 noites aguardaram o nascimentodas crias dos cupins. “É possível que os Root sejam os últimos desua espécie”, escreveu sua amiga DeltaWillis. “A rápida intrusão da civilização naselva africana significa que ‘vai ser muitomais difícil para a próxima geração viver

uma vida assim’, diz Alan. Essa é uma dasrazões por que ele e Joan planejam passar amaior parte da década, ‘os anos maisprodutivos de nossas vidas’ … filmando oluxurioso mundo animal que em brevepoderá desaparecer.” Alan e Joan, por si, eram tão fascinantes – eamados pelo público – quanto os animais quefilmavam, e seus patrões tinham inteiraconsciência disso. Eram tantas as vezes queouviam a pergunta “como, diabos, vocêsconseguiram fazer esta ou aquela tomadaimpressionante?”, que Alan resolveuresponder por meio de uma “coletânea” deseus maiores sucessos, complementado comfilmagens de sua extraordinária vida em casa,no lago Naivasha. O filme seria lançado noReino Unido com o título Two in the Bush e,

mais tarde, nos Estados Unidos como Lights!Action! Africa! COMO SEMPRE, ALAN QUISULTRAPASSAR OS LIMITES ,principalmente num projeto sobre elesmesmos. Foi por isso que em 1980 eles seviram de volta ao lago Baringo, procurando erecolhendo o animal que os ajudaria aproduzir a pièce de résistance de seu novodocumentário: a naja, que pode “cuspir” seuveneno à distância. Estavam à procura não dequalquer naja, mas especificamente de umacom o pescoço preto. E também não bastariauma simples naja de pescoço preto; não paraum filme de Alan e Joan Root. Tinha de seruma grande e raivosa, capaz de lançar umjato de peçonha com a força de umamangueira de jardim.

Com a ajuda de alguns caçadores europeus eafricanos, Joan e Alan recolheram seis “boascuspideiras”, segundo Joan. Alan teve umaideia para a tomada perfeita: fazer a cobracuspir sobre Joan. Naturalmente, Joan aceitoua história tranquilamente, mesmo sabendoque as serpentes miram os olhos da vítima eo veneno causa cegueira se não forimediatamente removido. Ela comprou umpar de óculos com lentes antirreflexo, paraque a cobra pudesse ver melhor seu alvo:dois grandes olhos de boi, colocados sobreseu lindo rosto. Das seis cobras, a escolhida foi “uma imensa,com muitas escamas acima dos olhos”,segundo Joan. Alan segurou-lhe o pescoço elhe retirou a venda, e, quando ela atacou ascaixas de luz e tentou morder o equipamentode filmagem, eles compreenderam que

tinham descoberto a cobra perfeita para umamonumental tomada. Alan colocou-se por trás da câmera, Joancaminhou para o centro do cenário e… Ação!– Sentindo-se segura por trás dos óculos, elacomeçou então a dançar, meneando o corpopara frente e para trás, fazendo a cobraacompanhá-la. Uma vez que a luz precisavaser exata, a fim de iluminar o jato em todasua glória, eles mantiveram-se a pouco maisde um metro em relação à cobra. Alan e umassistente postaram-se de um lado, com Joando outro. Enfurecida com as pessoascercando-a, com a crista eriçada, a serpenteergueu-se até sua altura máxima de ummetro, e proporcionou a grande sequência dofilme. Foi fantástico. O jato parecia uma corrente deouro puro, em contraste com a ensolarada

savana africana. Como tinham planejado, oveneno foi parar diretamente nos óculos deJoan. E como também era previsível, partedele atingiu seus olhos. Calmamente, ela recuou alguns passos,pegou um lenço, limpou os óculos e secou osolhos. Depois, perguntou se seriamnecessárias novas tomadas. De fato, seriam. Várias vezes eles realizarama sequência, e em todas elas a peçonhaatingiu o alvo. E, a cada uma, com toda acalma, Joan recuava para limpar os óculos eos olhos, que ardiam cada vez mais. “Alandiz que eu estou parecendo uma gueixa, como rosto muito branco e os olhos inchados evermelhos – e isso aparece no filme”,escreveu ela, orgulhosa, para a mãe. Porsorte, não houve dano duradouro para suavisão.

OS ROOT JÁ ERAM FAMOSOS na África ena Grã-Bretanha. Em 1981, expandiram suainfluência para os Estados Unidos. ComLights! Action! Africa! programado para serexibido na CBS, com patrocínio da KraftFoods, o casal voou de Nairóbi a Nova Yorkpara uma turnê nacional de publicidade.“Conversamos com um número incalculávelde repórteres, que estavam redigindohistórias sobre nós para revistas e jornais”,registra uma carta de Joan para a mãe.“Almoçamos nos restaurantes mais famososda cidade. Logo me acostumei e comeceitambém a participar das conversas, emboraAlan se mostrasse muito bom para responderàs perguntas e dar uma boa história para osleitores, fazê-los compreender que nãoenfrentávamos riscos que não fossemcalculados e que deveriam levar nossas

filmagens a sério. Claro, todos eles queriamouvir sobre o ataque do hipopótamo e asequência da naja.” Eles apareceram ao vivo no programa Todaye, em sua suíte de hotel, responderam àsperguntas de “mais ou menos 30 equipes dereportagem e de entrevistadores das estaçõesafiliadas de todo o país”, Joan registrou.Depois de seis dias sendo entrevistados emManhattan, eles voaram para Chicago edepois para Los Angeles, onde participariamdo Tonight Show, de Johnny Carson. Suapresença, entretanto, foi cancelada quando osprodutores de Carson, da NBC, se deramconta de que estariam promovendo umdocumentário da CBS. Não fez mal. Como Joan relatou a sua mãe,“nosso filme foi exibido em 1o de julho pelaCBS … e liderou a audiência, embora

estivéssemos concorrendo com As panteras”.Resenhas entusiásticas choveram de todas aspartes dos Estados Unidos. Os fãs escreviamcartas. A Kraft Foods queria umacontinuação. Porém Two in the Bush foi um“exercício único para nós”, Joan observa. Suamissão era glorificar não eles mesmos, mas aÁfrica, para onde voltaram, portanto, a fimde continuar filmando seus vários aspectos. Os excertos seguintes são do roteiro de Twoin the Bush e podem demonstrar o motivopelo qual esse filme tornou-se o maisconhecido dos Root. EXT. CHUVA TORRENCIAL NAS SELVASDO QUÊNIA ALAN ROOT, recarregandosua câmera LOCUTOR (voz off): Todos nós jáouvimos falar da paciência necessária para sefilmar a vida selvagem.

Uma xícara vermelha sobre umas pedras,perto da câmera de Alan, enche-serapidamente com grossas gotas de chuva,diluindo o chá. LOCUTOR: Mas como é de fato essa vida? A esguia mão de Joan entra em quadro, pegaa xícara vermelha e troca-a por outra, cobertacom um pires que a protege da chuva. LOCUTOR: Alan Root, que com certezaconhece a resposta, diz que para ele e suaesposa, Joan, a vida é muito variada. (Pausa.)Como qualquer outra pessoa, ele tentamanter-se em forma. Alan correndo ao lado de elefantes. LOCUTOR: Tenta estar sempre limpo. Alan tomando banho num rio perto de umtouro africano. LOCUTOR: E tenta manter uma rotina.

Joan sai rapidamente de um banheiro ao arlivre, jogando um rolo de papel higiêniconuma leoa, que dá um pulo e foge. LOCUTOR: Alan Root e Joan sãoreconhecidos como os melhores cineastasnessa área. Observe-os. Filmado por um cinegrafista assistente, Alansurge correndo em um descampado,carregando um enorme casco de tartarugacom uma câmera em seu interior. Logo osgnus irão aparecer. Joan está num galho altode uma grande acácia-amarela. JOAN: Ok, Alan. Prepare-se. Eles estãochegando. Pronto? Vai! Alan aperta um botão e a filmagem começa.Vemos a tomada de dentro do casco. LOCUTOR: Se isso pareceu fácil, é porquenão lhe mostraram as muitas tentativas quenão deram certo, durante semanas. Porém foi

simples, se comparado com muitas outrascenas que os Root conseguiram capturar empelícula. (Pausa.) Então, como é a vida naselva para esse casal incomum? … Pormuitos anos os dois foram apenascinegrafistas, enviando imagens que outraspessoas transformavam em filmes. Então, em1967, eles realizaram um documentário paraa Survival sobre as ilhas Galápagos, que tevepremière para a família real, recebeu prêmiose possibilitou aos Root tornarem-seindependentes, podendo, então, fazer o quequisessem, ou seja, cometer os próprios erros,juntamente com os acertos. EXT. RIO. DIA Alan emerge da água com folhas de papiroatadas à cabeça e esconde-se atrás do barco,igualmente camuflado, que flutua em meioao manancial Mzima.

LOCUTOR: Alan é viciado em adrenalina.Ele adora essas situações em que o perigo e omedo coexistem em perfeito equilíbrio. Umprojeto só é interessante se as chances foremcontra ele. A filosofia de Joan é mais simples:se Alan vai fazer essas coisas, é menospreocupante e muito mais divertido fazê-lasa seu lado. (O filme prossegue mostrando pássarosvoando em bandos sobre a casa do Naivasha;um antílope comendo os legumes que Joancorta, no balcão de sua cozinha; Joan lendona cama ao lado de um lince;um guepardosaltando sobre a capota de seu Land Rover; ecenas de Alan e Joan sobrevoando a Áfricaem seu avião e seu balão.) EXT. PAISAGEM AFRICANA. DIA Alan e Joan, correndo a toda velocidadeatravés da mata.

LOCUTOR: … mas, acima de tudo, eles têmprofunda compreensão e amor pelos animaisque filmam e também pela África. E irãoprecisar de todas essas qualidades no futuro.Muito de sua África está desaparecendorapidamente. Seus filmes, e outrossemelhantes, têm procurado mostrar aomundo a trágica perda que será. Alan e Joancontinuarão filmando; continuarão tambémcompartilhando seu assombro e suacompreensão. E quem melhor do que elespara registrar, em todos os tempos, comocostumava ser aÁfrica? Eles formavam uma equipe, e o que fizeramjuntos na selva exprimia profundamente suadevoção. Apesar das infidelidades de Alan,sua ligação mais profunda foi sempre – e,aparentemente, sempre será – com Joan. Oque tinham juntos era mais profundo do que

o amor. Era música. Duas pessoas movendo-se em conjunto, em absoluto silêncio,comprometidas com o único objetivo defilmar aqueles animais. “Podiam passar vários dias sem dirigir umapalavra sequer ao outro, pois se conheciamde forma muito íntima”, comentou JohnHeminway, que frequentemente viajava comeles. E lembrou-se de certa vez, seguindo decarro com eles pela mata à procura deguepardos, quando de súbito surgiu umdiante deles. A maioria das pessoas teria dito “Pronto, eisaí um!”; Joan, porém, com aqueles seusextraordinários olhos e um levíssimomovimento de mão fez Alan compreender. Ocarro parou, sucedendo-se várias tomadasfotográficas do felino. Era assim que eles

trabalhavam, com uma agradável linguagem,que interpretei como amor. O mesmo acontecia quando eles retornavama seu estúdio e santuário, no Naivasha: duaspessoas em silenciosa harmonia, trabalhandocom os mesmos objetivos. Se pudessem terpermanecido na selva ou em sua casa noNaivasha… Mas um filme envolve edição,pós-produção, promoção… e também o ego.E Alan Root possuía um “extraordinárioego”, recorda John Heminway, comparadocom o de Joan, simplesmente inexistente.“Ela era uma dessas pessoas fora do comum,que não querem atrair atenção. Seu prazerera simplesmente estar ali e relacionar-se coma vida selvagem. Se chegasse em sua casaalgum mangusto ferido, trazido pelo príncipePhilip, ela faria uma breve mesura e pegariao pequeno carnívoro, que seria o centro de

sua atenção. Ela se sentia melhor com osanimais, fosse interpretando ou antecipandoseu comportamento.” Alan, pelo contrário, sentia-se bem não sócom os animais, mas também com as pessoas,como acontece, aliás, com a maioria dosastros. Heminway recorda uma de suasbrincadeiras mais comuns: “Olha aqui, John,abra sua mão”, disse certa vez e, quando Johnobedeceu, deixou sobre a palma aberta umgrande escorpião marrom e afastou-se àsgargalhadas. “Joan deu apenas umarisadinha”, lembra Heminway. Ele tambémadorava jogar seu avião contra os outros paraver quem desviava primeiro, em uma ocasiãoobrigando Heminway a baixar tanto, quequase arrancou as cabeças de uns babuínosno delta do rio Tana.

Passageiro contumaz no avião de Alan eJoan, Heminway lembra do espírito de vale-tudo do amigo: Se ele avistasse duas palmeiras, era certopropor “E se passássemos entre as duas?”, aoque eu provavelmente responderia “Alan,isso não vai dar certo!”; então elemurmuraria “Droga” e, em seguida, baixariaa asa direita, elevando a outra e pisando noreverso dos pedais – essa manobra chama-secrabbing – para passarmos entre as duaspalmeiras, rente, muito rente às palmas. Heminway também recorda outro voo, semJoan, quando Alan avistou uma belíssimamulher à beira de uma piscina de hotel, noSerengeti. E fez o avião mergulhar tão baixo,a fim de observá-la melhor, que quase sechocou com a água. Sua necessidade deestímulos, de experiências sempre novas e

excitantes, estendia-se a todas as facetas desua vida e não só aos perigos alimentadospela adrenalina. Aparentemente ele precisavasempre de novas plateias a fim de se sentirvivo. NO FINAL DOS ANOS 70 , um amigopresenteou Joan com um diário, em que elapassou a registrar tudo, em seu estilo claro efluente. Nele escreveu sobre GeorgeAdamson, o marido idoso e cabeludo de Joy Adamson,autora de A história de Elza, que ela e Alanvisitavam regularmente – ali, depois dosaperitivos e do jantar, protegido apenas poruma cerca de arame farpado, Georgechamava os leões por um megafonevermelho e depois saía de seu cercado paraalimentá-los com carne de camelo. Joandescreveu como, numa dessas visitas, o

irmão de Adamson, Terence, foi atacado porum dos felinos e, depois que ela e Alan otrouxeram de volta do hospital de Nairóbi,todo suturado, o mesmo animal resolveupersegui-la. “Ainda estava com sangue noqueixo e muito agitado.” Mas ela não tevemedo. Escreveu também sobre aquelacasinha perfeita, onde a grama crescia tãoverde que chegava a “doer na vista”, umacasa eternamente cheia de amigos eparceiros, de uma vida cheia de tanto amor etantos animais, que às vezes ela imaginavaque explodiria de tanta felicidade. Em todasas linhas do diário estava Alan: o forte,inteligente, belo, engraçado, talentoso eadorável Alan. É verdade que, vez ou outra, ele se desviavado curso, mas, como profetizado muitos anosantes pelos karamojongs, sempre voltava

para ela. Sempre até certo dia de verão, em1982. Joan e Alan estavam cedendo a casa doNaivasha para o casamento da filha de IanParker, seu amigo íntimo quando, de repente,apareceu uma mulher, da qual Alan iriaachar difícil – e logo impossível – sedesvencilhar. Notas * Referência ao filme de 1943 cuja trama giraem torno da cadela Lassie e suas aventurasao tentar voltar para casa. (N.T.) Capítulo 5 “UM TÍPICO CASAMENTO QUENIANO”,comentou Ian Parker sobre as núpcias dafilha, celebradas na casa dos Root em 21 dejulho de 1982. “Típico” naquele contextosignificava aviões chegando de Nairóbi,convidados dormindo em barracas no amplopátio dos fundos da casa, além de todo tipo

de diversão. Quando o sol começou adesaparecer por trás das Aberdares, Alan, jácompletamente bêbado, estava em cima dacobertura de lona de uma das barracas queservia de bar, junto com um jovemgrandalhão chamado Jamie Roberts,desafiando-o de brincadeira para uma luta,enquanto a multidão de convidados torciaanimadamente. “Ele não é fantástico?”, exclamavaefusivamente uma mulher que observava oespetáculo. “E é tão maravilhoso com ascrianças!” O nome da mulher era JennieHammond, e ela era tudo o que Joan não era.Enfermeira, ceramista, psicóloga,extremamente extrovertida e segura de si.Mãe dedicada, tinha dois filhos, uma meninae um menino, ambos adoráveis e muitosociáveis. No entanto, o que mais

surpreendia nela era a sexualidade, recordoumais tarde Adrian Luckhurst, um erudito eextremamente educado homem de cabelosnegros que trabalhava para Joan comoadministrador comercial. “Os homens, emparticular, a consideravam extremamentebonita”, acrescentou um dos amigos maischegados de Jennie. Morena, com quase 40anos, casada com um engenheiro civil deNairóbi, Jennie naquela noite incorporavauma perigosa combinação de beleza e tédio. Ao contrário de Joan, Jennie não gostava deficar à sombra de ninguém. Sabia muito bemo que queria e faria qualquer coisa para obtê-lo. Embora Jennie e o marido, Bob,conhecessem os Root há muitos anos, foiquando viu Alan em cima da barraca, dandoaquele show com o jovem Jamie Roberts ecomportando-se como um adolescente, que

ela decidiu tê-lo para si. E não apenas paraum simples caso. Enquanto todos observavam as brincadeirasde Alan, Joan mantinha sua rotina nosbastidores, providenciando todos os detalhesda recepção. Por isso não viu quando abarraca desabou e Alan caiu junto com a lonasobre uma caixa de gelo cheia de garrafas decerveja, ficando todo ensanguentado. Ummédico acorreu para dar os pontos e, mesmodepois das suturas, Alan aparentementeainda se sentia bem à vontade. “Só melembro de estar completamente bêbado epassar uma cantada em Jennie, queretribuiu”, declarou. Algumas pessoas queconheciam Jennie Hammond, porém, têmcerteza de que ocorreu o contrário. “Ele é quefoi laçado”, declarou Ian Parker. “Ela seaproximou dele e disse ‘Ok!’. Foi ela quem

tomou a iniciativa e não me parece que Rootsoubesse o que estava acontecendo.” Nenhum deles – nem Alan, nem Jennie, nemJoan, e com toda certeza também não o firme,estável e pudico marido de Jennie, Bob, tãodiferente de Alan quanto Jennie de Joan –quis discutir até onde chegaram as coisasentre Jennie e Alan naquela noite. Que elesforam para algum lugar, entretanto, é certo.Não muito tempo depois, Bob Hammond, aochegar em casa – ele morava com Jennie e osfilhos em Nairóbi –, encontrou sobre oaparador da lareira um bilhete da mulher,informando, ele recorda, algo como “Seujantar está no forno”, sem qualquercomplemento, porém, do tipo mas suamulher e seus filhos foram embora. Enquanto isso, Jennie batia à porta da casaque Joan e Alan alugavam em Nairóbi.

Segundo dizem, trazia duas malas e os doisfilhos, e anunciou que estava chegando eJoan, saindo. “Não sei bem se realmente ela jáchegou com as malas”, pondera VickieLuckhurst, amiga íntima dos Root, “mas veiocheia de bagagens e chantagens emocionais.” Alan não permitiu que Jennie se instalasse lá,enquanto Joan tentava convencer-se de quese tratava apenas de um caso passageiro.Entretanto, ele ajudou Jennie a procurar casa– equipada com ateliê, para seu trabalho comcerâmica – no tranquilo povoado de Ulu, a40km de Nairóbi, que logo começou a visitarcom crescente regularidade. Por mais de três anos ele ia, voltava e partianovamente. Parecia que Joan iria perdê-lopara sempre. Então, em 16 de julho de 1986,ela soube que o monteNyamulagira, o maisativo vulcão da África, entrara em erupção.

Desde a última vez que isso acontecera, Alanestava louco para filmá-lo. Ele viajara paraeditar um filme, e Joan entrou imediatamenteem contato com ele. DE: Joan Root, Nairóbi – 23.7.86 PARA: Favor entregar este telex a Alan Root,quando ele vier hoje. Notícia que provoca dúvida. Desde dia 17Nyamulagira em erupção, lava correndo emdireção lago Kivu. Área explosão seis horasde caminhada … excitadíssima … Filme? Era o suficiente. Sem pressão, sem exigir seuretorno para ela, aquilo bastava para que elevoltasse correndo. Joan sabia que a merainformação teria o poder de atração de umaverdadeira droga, devolvendo-lhe seumarido errante. DE: Alan Root, Reino Unido – 23.7.86 PARA: Nairóbi

Mensagem recebida. Estou na edição …Impossível sair senão à noite. Amanhãtelefonarei de Londres. Se vulcão ainda ativo retornareiimediatamente. Providencie vistos e licençasde voo do Zaire e do Quênia. Amor, Alan. E então eles passaram 13 dias juntos,começando por uma caminhada de seis horasmontanha acima, através da densa floresta,com oito carregadores transportando nacabeça todo o equipamento. Joanprovidenciara todos os detalhes, permitindoque Alan trabalhasse com extremo conforto eeficiência. Era como nos bons e velhostempos. Seus sapatos de borracha novamentederreteram na lava quente. Era tudo o que eladesejava: estar mais uma vez com Alan, emmeio àsmaravilhas da África. À noite eles

assistiam ao espetáculo das brasas douradascaindo ao redor da barraca, algumas atéfazendo buracos na lona. Toda noitesobrevoavam a erupção, enquanto o vulcãolançava lava tão perto do avião que sentiamintenso calor. Como Joan comentou depoiscom um amigo, ela pensou, triunfante, queninguém seria capaz de suplantá-la.Ninguém mais poderia realizar tudo o queela fazia por Alan ou com ele. Nenhumaoutra mulher poderia torná-lo mais feliz,mais realizado ou mais famoso – o que eletambém sabia, sem sombra de dúvida. Regressaram a Nairóbi com as imagens dovulcão e morando juntos novamente, talcomo antes. Por algum tempo, parecia queAlan voltara de vez para Joan. Menos de ummês depois da erupção, entretanto, Jenniechegou a Nairóbi vindo de Londres, onde

fizera uma consulta médica rotineira. Pediuque Alan fosse apanhá-la no aeroporto e elepercebeu imediatamente que ela estavasofrendo. “O que foi?”, perguntou. “Tive de fazer um exame”, e Jennie explicouque os médicos haviam feito uma abertura noosso do quadril, a fim de recolher umaamostra da medula óssea. “Ah, meu Deus, e o que isso quer dizer?” “Isso quer dizer que estou com leucemia.” Foi assim, com aquelas palavras, que Jennieroubou Alan de Joan, para sempre. Ele se viu“preso na armadilha”, revelou, concluindoque não poderia deixá-la sozinha paramorrer. Leu o diagnóstico, segundo o qualela provavelmente teria mais dois anos devida, e lhe garantiu que cuidaria dela,permanecendo a seu lado até o amargo fim. Equanto a Joan? Joan haveria de compreender,

ele tinha certeza. Sensível e leal, ela saberiaque jamais Alan iria abandonar uma mulherdesenganada, mesmo que isso significasselargar sua esposa. Do diário de Joan: “21.8.86:Alan chegou de Ulu e veio ao escritório.Contou-me sobre a doença de Jennie. Ai, meuDeus. Depois me falou sobre o futuro, queparece infeliz, em todos os aspectos.” O “TELÉGRAFO DA SELVA” , a rede deintrigas que permeava a comunidade brancado Quênia, logo ferveu com os comentáriossobre o triângulo amoroso. Segundo osboatos, Joan e Alan tinham feito um acordo:ele ficaria com Jennie até ela morrer, masdepois retornaria para sua esposa. Um velhoamigo comentou: “Joan aceitou na esperançade não o perder para sempre. Era tãohonesta… Se assumia um compromisso,cumpria-o.”

Ainda que relutante, Joan aceitou o pacto. Serecusasse, provavelmente Alan iria emborapara sempre. Aceitando-o, abria uma portapara seu retorno. Não poderia, entretanto, prever como Jenniese tornaria cada vez mais possessiva emrelação a Alan nem, muito menos, suastentativas de expulsar a esposa da vida dele.O diário de Joan logo se transformou emcoletânea de crônicas de angústia esofrimento. 29 de agosto de 1986: “Chegouuma carta [de um médico] sobre a doença deJennie. Alan está muito deprimido. Tivemosuma conversa antes que ele fosse passar anoite em Ulu. Amanhã eles vão a umcasamento.” “Eles” eram Alan e Jennie. 4 desetembro de 1986: “Alan aqui em casa, a umada madrugada. Muito deprimido. Jennie estáfuriosa porque ele está indo para os Estados

Unidos sem ela.” Alan programara a viagemaos Estados Unidos com Joan, para umfestival de cinema em Aspen, Colorado, cujodestaque seria Lights! Action! Africa! (ouseja, Two in the Bush). 5 de setembro de 1986:“Chá em Karen. Alan me forneceu endereçosetc., nos Estados Unidos, e depois saiu paralevar sua ‘família’ a um restaurante chinês.” Apesar dos protestos de Jennie, Joan e Alanvoaram juntos para Aspen, onde assistiram auma exibição de seu filme no tradicionalWheeler Opera House. Pouco antes de asessão começar – antes que a tela explodissecom aviões em parafuso e balões,hipopótamos furiosos, najas cuspidoras eguepardos a toda velocidade, cenas da vidaque haviam compartilhado antes de Jennie –faltou energia, e todas as luzes se apagaram.

Joan reproduz no diário a conversa quetiveram: “Joan?”, sussurrou Alan na escuridão. “Sim, Alan?” “Você tem que desaparecer… por causa dascrianças.” “Isso é revoltante!” “Eu sei, mas temos de nos separar, para queJennie possa ter paz de espírito.” Eles continuaram conversando no diaseguinte, enquanto caminhavam à beira deum rio. “Oh, Alan.” “Tenho que dedicar muito de meu futuro aela.” “E nossos planos para o Zaire?” Joan referia-se aos filmes que ambos tinham planejadofazer lá, um sobre o vulcão e outro sobre osgorilas, além de outros dois projetos.

“Precisamos adiá-los por enquanto.” Alan e Joan estavam juntos apenas na tela.Na vida, começavam a afastar-se cada vezmais. “Eles estão à procura de doadorescompatíveis de medula óssea”, escreveu Joanem seu diário em 20 de novembro de 1986.“Mesmo que encontrem [há chance de] 20%de morte durante a operação, e apenas 70%de sucesso. Assim, as probabilidades são queela venha a morrer em três anos. O que seráterrível para Alan.” Os dois anos se haviamtransformado em três, porém Joan nãoparecia abalada com a prorrogação. 8.3.87: Alan contou-me sobre a ida de Jennie[ao médico], ontem. [O médico] disse que elaestava curada, então ela foi às pressas para oHospital de Nairóbi, a fim de fazer exames, edescobriram que ela não estava … Em

seguida, um telefonema informou que elasofrera um acidente. Alan correu para ohospital, e soube que um caminhão haviabatido na pick-up que ela dirigia, e elaquebrara o vidro traseiro com a cabeça, tendoque suturar os ferimentos. Jennie sarou depressa. E mostrou-se tão oumais resistente do que tudo que Alan e Joanjá tinham encontrado na selva. “13.6.87:Saindo para o Naivasha. Droga. Jennie estábem agora. Dirigi até o Naivasha sentindo-me muito sozinha.” A raiva que Joan sentia foi-se fazendotristeza, e a tristeza, desespero. Querido Alan, como poderei me comunicar com você, semser mal interpretada? … Acho que grandeparte disso se deve à tensão reprimida dentro de você.

Uma parte de mim me diz que seria melhoreu me livrar completamente da aflição quevocê provocou. Mas também reconheço a plenitude que sintoquando estamos juntos, desfrutando do quefazemos, e não quero jogar fora apossibilidade de vir a sentir novamente esseprazer. Mas isso não significa que eu esteja meagarrando a você: sinta-se livre para fazer oque precisa… De fato, acho que lhe concedi sua liberdadenos últimos anos, liberdade em sua vidapessoal, mas este ano houve muita confusão. Todo meu amor, Joan. Cada vez mais, Jennie se apossava da vida deAlan. “Pensávamos que eu ainda estariaenvolvida no projeto do Zaire, até Alan se

dar conta de que isso iria deixá-la muitoangustiada”, escreveu Joan sobre o trabalhoque Alan estava planejando para a Survivalea National Geographic. Quando a WarnerBrothers o contratou para fazer as sequênciasde ataques dos gorilas, no filme Nasmontanhas dos gorilas, com SigourneyWeaver no papel de Dian Fossey, Jennieinsistiu em que ela, e não Joan, oacompanhasse. “Estou magoada por nãoparticipar do trabalho sobre Dian Fossey, jáque Dian era amiga de nós dois”, escreveuJoan a uma amiga em 12 de julho de 1987. Durante as locações, no Zaire, Jennie não foicapaz de ocupar o lugar de Joan. Permaneceuno alojamento de hóspedes de uma plantaçãode chá, enquanto Alan saía para filmar umgorila mais velho, chamado Mushamuka,famoso por ter matado um caçador, depois

que outro matara seu pai. Possivelmentesupondo ser uma arma a filmadora que Alancarregava no ombro, o gigantesco macacoatacou-o como “um dobermann danado degrande, abaixado até o chão, olhandodiretamente para mim”, contou Alan aGeorge Plimpton, da New Yorker . “Comeceia filmar. Quase no mesmo instante ele saiu defoco, e a próxima imagem que vi foi ele já emcima de mim. Ele me agarrou … pela cintura,com aquelas mãos imensas – sinto muitascócegas, sabe… – mas a mordida foi, de fato,na minha coxa.” Joan teve certeza de que teria percebido tudoantes que acontecesse, uma vez que seuponto de observação não seria um alojamentode hóspedes, mas sim logo atrás de Alan.“Também acho que teria reparado que

Mushamuka estava ficando agitado,enfurecido com a câmera de Alan”, escreveu. Já então Joan era reconhecida comoespecialista em induzir animais selvagens ase comportar com naturalidade nos filmes.Quando o elenco e a equipe técnica de Entredois amores veio filmar próximo doNaivasha, a produção requisitou Joan,pedindo-lhe que emprestasse um de seusduikers – o antílope sudanês – para uma cenacom Meryl Streep. “Passamos a tardepreparando o cenário, ou seja, produzindorastros quase apagados de um automóvelentre as árvores e instalando refletores sobreum grande caminhão, pois a cena serianoturna”, escreveu Joan, “Então, ao cair danoite, Jack (Couffer, o diretor de fotografia)fez a tomada de um velho Hupmobile (ocarro que os Blixen dirigem no filme)

seguindo em meio a uma manada de cobos… Depois, todos vieram em minha direçãocom o velho automóvel e Jack filmou asequência da luz brilhando nos olhos doduiker e, em seguida, o carro passando.Parecia simples, mas Jack duvidava de quepudesse dar certo. Meu duiker, porém, eratão bom que a cena ficou pronta em apenastrês tomadas.” Com toda certeza, Alan sentia o quantoprecisava dela. EM 10 DE JULHO DE 1987, voando acimadas planícies do Serengeti, onde antes jáhaviam filmado a ruidosa migração dosgnus, Joan e Alan conversaram. Nãosobrefilmes ou vida selvagem, ou sua paixãocomum pela África, mas a respeito de dor, deseparação e de Jennie. Alan ponderou quepermanecer casado com Joan estava

“matando Jennie”. Ele não queria o divórcio,mas não via alternativa. Confiando no acordoque tinham feito, Joan aceitou separar-se,imaginando que, quando Jennie morresse, odivórcio não teria mais sentido, e Alanvoltaria para ela. Logo, entretanto, elalamentaria a decisão. Seu diário revela comoa situação foi se deteriorando: 11-12 de julho de 1987: tanto eu como Alancompreendemos por que chegou o momentode procurar um advogado. Sinto-metranquila e aliviada por finalmente tomarmosuma atitude. 15 de julho de 1987: O divórcio não é dascoisas que mais me interessam. 29 de agosto de 1987: Alan comportou-secomo se eu simplesmente pudesse voltar aatuar como apoio.

11 de outubro de 1987: Estive cara a cara comJennie, em Karen. Disse-lhe alô, mas ela nãorespondeu. 12 de outubro de 1987: Tentei mostrar-meamistosa, mas ela foi fria e ferina a respeitode minha participação no trabalho, sugerindoque eu devia deixar tudo com Alan. Depois de 15 segmentos de meia hora dasérie Survival, 23 documentários de umahora para a BBC e a Anglia e incontáveisoutros projetos, a parceria profissional dosRoot chegou ao fim. Fazer filmes juntos nofuturo estava fora de questão. Jennie nãopermitiria. Sua índole possessiva tornara-seextrema: “Não posso estar no Serengeti aomesmo tempo que Alan”, escreveu Joan auma amiga, como se a presença simultâneados dois naquela planície de 15.000km2pudesse provocar a explosão de Jennie.

Mesmo assim, enquanto Alan estava foracom Jennie, ou com os gorilas, ou filmandono Zaire, Joan continuava trabalhando paraele, fazendo a contabilidade dos safáris embalão. “As terríveis contas”, como Alan aschamava. Ela também cuidava dos impostosdele, administrava a política interna daempresa (pilotos que pediam demissão, porexemplo), datilografava suas cartas ecorrespondência em geral, e até procurou umnovo espaço para instalar seu escritório,“com telefonista e um motorista parapercorrer a cidade”. “Tenho certeza de que esta carta vai entediá-lo, depois de todas aquelas emoções com osgorilas, mas gostaria que você fosse capaz dedar prosseguimento ao que coloquei parafuncionar”, escreveu ela para Alan em 30 dejulho de 1987. Ela ficaria contente de

continuar a trabalhar para o marido, já queassim poderia estar pronta quando Jenniemorresse e ele voltasse para seu lado. Jennie,entretanto, não morreu. Pelo contrário,parecia cada vez mais vigorosa.Compreendendo o que estava em jogo, elanão queria a presença de Joan em nenhumaspecto da vida de Alan, fosse comocontadora ou organizadora. Por isso mesmo,não permitia que Alan continuasse ligado aJoan através do que ambos mais amavam:seus filmes. Segundo um amigo, enquanto Joan lutavapela obra de Alan, Jennie fazia o contrário:“Ela o impediu de continuar realizando seusfilmes. Não queria que ele a deixasse, poisestava doente.” Obviamente, Alan conservou todo o respeitopor Joan, sentindo-se mesmo protetor em

relação a ela e sua reputação, comodemonstra este telegrama: 4.7.88 ATN: Todos os envolvidos no projeto MostDangerous Game [projeto televisivo emandamento]DE: Alan Root Acabo de ler o roteiro. Pessoalmente, achoofensivo e insultuoso tratar Joan comoalguém inexistente neste filme e mostrar-mecomo único autor. Nossa situação atual nãotem a menor relevância. Quase todas assequências que vocês estão usando foramfeitas com sua ajuda. Algumas só forampossíveis por causa dela. O que faço aquicom a equipe irá refletir minha visão pessoal,como cinegrafista (embora através de umalente distorcida). Porém insisto em que Joannão seja tratada como um esquilo que, poracaso, entrou em quadro, mas, sim, como

realmente é: uma mulher extremamentecapaz e corajosa. Se eu não receber garantiasa esse respeito, podem riscar meu nome doprojeto. Enquanto fazia o trabalho administrativopara Alan, Joan ocupava a residência dafalecida mãe dele, em Karen. Então começouo caos. Assaltantes seguidamente invadiramcarros, a despensa e até chegaram a invadir aprópria casa. Certa noite, Joan despertou àsquatro da madrugada com “uma lanternaacesa bem em meu rosto”, empunhada porum ladrão. Ela não esperou para ver suareação e atacou-o com o cobertor, tal como ogorila enfurecido fizera com Alan. “Acho queaquilo o transtornou, porque ele apagou alanterna”, ela registrou. Porém o intruso aatingiu com “um pé de cabra, ou com o ladosem fio de uma panga … Meu braço ficou

horrivelmente inchado, mas foi melhor doque receber o golpe na cabeça.” Então elesaiu pela porta dos fundos, juntando-se à suagangue, que “fugiu levando minhas câmerasetc.”. Joan se deu conta de que, morando sozinhana África, uma mulher precisava de muitomais do que um simples cobertor paraproteger-se. “Comecei a tomar providênciaspara ter minha própria arma de fogo, o que,entretanto, requer um processo longo earrastado. Depois disso, aconteceram maisdois roubos menores em Naivasha.” *** AMEAÇAS A SUA SEGURANÇA , todavia,nunca tiveram tanta importância quanto seurelacionamento com Alan, como demonstraesta troca de cartas: Meu querido Alan,

Minha mente está uma verdadeira confusãode pensamentos conflitantes. Não possocompetir com a clareza que você tem com aspalavras. Eu realmente me sinto zangada,frustrada e iludida pelos acontecimentos.Mas quero vencer esses sentimentosnegativos e continuar contribuindo com osprojetos em que estamos envolvidos, mesmocom as maiores dificuldades, a fim de ajudá-lo a enfrentar os problemas como me forpossível. É a única forma que tenho demanter contato com você e de lhe demonstrarmeu amor. Ela informava, no entanto, ter consciência deque a “devoção” que lhe dedicara durantetodos os anos passados juntos permitiu “queeu fosse explorada, o que provocouressentimentos em nós dois”. Joan, meu amor

De fato não tenho o direito de esperar quevocê continue a se interessar por mim. Mas,como sabe, dependo muito de você… Nãoquero que se sinta explorada pela situação.Não sei quanto tempo isso irá durar nemcomo terminará. Só posso rezar para que, dealgum modo, próximo ao final, nós – todosnós – tenhamos aprendido em que consisterealmente o amor. Sinto-me tão perdido e instável… Perambulode um belo lugar para outro, Naivasha, ah, apaz que existe ali… Serengeti, tanta coisapara fazer… Ulu, tanta tristeza… Será queaquele torno de cerâmica voltará a girarnovamente? E acabo sentado sozinho emKaren, tal como meu pai, cercado pelosfantasmas de tudo o que aconteceu em maisde 30 anos. Meu coração não tem mais lar.

Ele dói, esteja eu bem alto no céu ou noslugares selvagens que amo tanto. Não tenho escolha. Preciso ajudar Jennie, ascrianças e a mim mesmo a enfrentar arealidade da morte.Preciso tirar algo positivodisso tudo. Não sei. É difícil acreditar quealgum bem possa surgir de semelhantehorror. 30 de julho de 1987 Alan, meu amor, As boasnotícias são que os safáris em balão deramum bom lucro no ano passado. A rendaquase dobrou em relação ao ano anterior.Você encontrará em Karen os rádios e oscarregadores de bateria, bem como o moedorde trigo. Bem, continue resistindo, meu querido Alan.Não sei por que ainda o amo. Joan,

Estou confuso e sofrendo muito pelo queestamos à beira de fazer. Tivemos algo únicoe muito especial, e sinto-me arrasado por terestragado tudo. É muito difícil prosseguir navida sem você e realmente sinto falta dosmomentos importantes que costumávamoscompartilhar… o eclipse da lua… avistaralgum animal ou pássaro especial… Queroque você saiba que jamais alguém poderápreencher essa lacuna em minha vida. Serásempre um espaço vazio. NO DIA 5 DE SETEMBRO DE 1990, quatroanos depois do diagnóstico de Jennie, Joandisse a Alan, com toda a calma, que iriaconcluir seus livros de contabilidade e deixá-los para que ele os revisse, mas que, dali emdiante, ele teria de se responsabilizar porsuas contas e negócios. No dia seguinte, elaparou diante do escritório da Safáris de

Balão, para encontrar-se com Alan pelaúltima vez. Depois, fez o que Alan e Jennievinham querendo que ela fizesse havia anos.Após um acordo amigável com o marido, elafoi ao tribunal em Nairóbi e ocupou seu lugarno banco, diante de dezenas de africanos quedesejavam presenciar aquele caso. O advogado dela providenciara para que odivórcio acontecesse durante um recesso dacorte. Por sorte o juiz que presidia a sessãovira seus filmes e a reconheceu. “A senhora éfamosa!”, exclamou em voz tonitruante. Joan enrubesceu. Pouco depois, estava tudoacabado. “Concedido o divórcio, por [motivode] abandono”, escreveu ela em seu diário,no dia 6 de setembro de 1990. “Três anosdesde que Alan deixou Naivasha.” Quinta-feira, 6 de setembro de 1990. DIA DODIVÓRCIO. Senti-me péssima, depois. Fui ao

banco depositar dinheiro nas contas de Alane da Survival. Almocei sozinha no AfricanHeritage Center… Muito deprimida. E se deprimia ainda mais toda vez que seobservava no espelho. Onde estava a lindajovem com pele de porcelana e cabelos lourosperfeitos? Aqueles anos todos passados ematividades extenuantes e exposição ao solequatorial haviam cobrado um preçodevastador. “Posso imaginá-la soturna epálida, seca como um pedaço de lenha jogadonuma praia solitária”, disse um amigo,descrevendo Joan aos 50 anos. Sua peleenrugara e ressecara, e o cabelo, cada vezmais ralo, estava agora cheio de mechasgrisalhas. EM 9 DE JANEIRO DE 1991, quatro mesesdepois do divórcio, Alan casou-se com Jennieno cartório de Nairóbi. “Partimos para uma

lua de mel separada, ela no Reino Unido, euno Zaire”, escreveu ele a Anthony Smith,informando-o de que, enquanto ele filmavana África, Jennie seguiria para Londres paraum check-up. Uma semana antes docasamento, Alan dera a notícia a Joan,fazendo-a sentir-se “deprimida e frágil”.Tinham-se passado cinco anos desde odiagnóstico de Jennie e a mulher queesperava viver apenas mais dois anos nãomostrava o menor sinal de abatimento. Se Alan se tivesse apaixonado por qualqueroutra, Joan poderia ter esperanças deconsegui-lo de volta, mesmo depois dodivórcio. Joan, porém, não poderia vencerJennie, que simplesmente não se satisfaziacom a captura de Alan. Ela estava decidida atirar Joan da vida dele completamente. Jennieexpressou seus pensamentos em duas

insólitas cartas para Joan, ambas não datadas:“Sou egoísta e arrogante”, informou numadelas, acrescentando “Só quero que vocêsaiba que de fato eu não sou nada boa”. Naoutra, expôs seu raciocínio: “Alan é incapazde qualquer decisão, ou solução, e suainsegurança não lhe permite manifestar-se anenhuma de nós, por medo de partirmos oude nos perder. Em algum momento de suavida, provavelmente, ele terá de tomar umadecisão adulta. Mas ele é muito imaturoemocionalmente.” Na liquidação do divórcio, Joan recebeu ametade do dinheiro que o casal tinha nobanco, a propriedade do lago Naivasha e seuavião, o Oscar Charlie. Apesar da promessaanterior, Joan continuou administrando ascontas de Alan e novamente ficou combinadoque, quando ela fosse a Nairóbi com esse

propósito, poderia ficar na casa em Karen. Oque não agradou nem um pouco à nova sra.Alan Root. Certa noite, quando Alan estavafora, Joan convidou para jantar quatroamigos, entre eles a irmã de Alan, Jackie. Aotomar conhecimento disso, Joan registrou,Jennie “se enfureceu” e agrediu um doscasais que aceitara seu convite, “dizendo-lhesque eles a tinham humilhado, que eramdesleais e que nunca mais deveriam ver-me.Em seguida, foi de carro até Karen, para meexpulsar”. “Não quero você sujando meu espaço, Joan!”,ela irrompeu pela casa gritando, exigindoque Joan se retirasse imediatamente da casadela e de Alan, dos negócios dele e de suasvidas. Quando sua voz deixou de se ouvir, elapegou pratos, copos, tudo que estivesse ao

alcance de suas mãos e atirou contra asparedes. Joan juntou seus pertences – “Jamaispassarei outra noite em Karen”, escreveriadepois em seu diário – e regressou sozinha aoúnico lar verdadeiro que jamais conhecera, acasa em que ela e Alan tinham passado 28anos de felicidade e aventura: Naivasha. Capítulo 6 DE VOLTA EM CASA, A SALVO , Joanensimesmou-se, mantendo abafadas asferidas e a dor, como sempre. Não podiachorar nem discutir o assunto, pelo menosnão no início, embora todos o comentassem.O telégrafo da selva no circuito Nairóbi-Naivasha estava sobrecarregado com osboatos sobre a tragédia de Joan Root, a jovemqueniana que estava vivendoinimaginavelmente só.

Sentindo-se devastada após perder Alan, elachegara a uma encruzilhada, pois, junto como marido, perdera também a carreira decineasta, a atividade de produtora e a vida deesposa. Quanto a sobreviver sem Alan, umade suas amigas declarou que, “sem dúvidaalguma, ele foi o grande amor da vida dela.Nunca existiu outra pessoa para ela … ficaramuito abalada e deprimida pelo divórcio eprecisava de tempo para lamber suasferidas.” Sendo muito jovens quando se casaram, Alanpermeava a existência de Joan em todos osníveis possíveis. “Eles formavam uma equipetão unida, que, quando o casamento chegouao fim, ela perdeu tudo. Estava muitoconfusa”, comentou outra amiga. Segundo o gerente administrativo de Joan,Adrian Luckhurst, “o rompimento de suas

relações profissionais, pessoais, tudo enfim,foi algo que jamais lhe passara pela cabeça.Ah, isso acabou com ela. Realmente. Sair deuma vida incrivelmente dinâmica e plena, ede repente ficar sem nada… Como alguémconsegue enfrentar isso?” Jean Hartley, também amiga e moradora deNairóbi, declarou-se impressionada com aforça de Joan. “Eu podia ver que ficaraemocionalmente arrasada pelo divórcio e acoragem que demonstrou, ao se reerguer comseu pouco dinheiro e dar prosseguimento asua vida, foi mesmo incrível. Lentamente,passo a passo, um dia de cada vez, foijuntando de novo as peças de sua existência.Com coragem, determinação e o apoio dealguns amigos, reconstruiu uma vida depoisde Alan e por seus próprios méritos tornou-

se Joan, e não mais Alan e Joan. Ela semostrou firme; internamente não era frágil.” Só quando estava sozinha Joan revelava seussentimentos – derramou seu coração nodiário e nas cartas, como também numcaderno pessoal, descrevendo como lutavapara trocar feridas por esperança e cura. Procuro a mensagem que existe nas coisasnegativas. O que há para se aprender numasituação assim? Quando já se fez todo opossível numa situação negativa, é hora delargá-la. Há muita gente maravilhosa, quedeseja dar e receber amor. O amor existe emnossas mentes, mas o medo nos limita, enossos escudos bloqueiam o amor. Depois de um período de profundo pesar emágoa, Joan começou a sofrer umatransformação. A mulher tímida e tranquila,emocionalmente derrotada em seu apogeu,

fechava, afinal, o livro da primeira parte devida para abrir outro, ressurgindo dadevastação e do sofrimento ainda maisdecidida do que antes. Sua atençãocontinuava voltada para os animais e omundo natural, que sempre a haviammobilizado. O principal objetivo de Joan jánão era, então, o marido. Sua meta estavaalém de documentar em filme os animais e aspaisagens da África. A nova missão era salvá-los. O ANIMAL QUE AJUDOU JOAN a lançar-seem uma nova vida foi o mesmo que, tantosanos atrás, a aproximara de Alan: o elefante. Iain Douglas-Hamilton começara adesconfiar de que um massacre deelefantesem grandes proporções estavaocorrendo em toda a África, mas quaseninguém acreditava nele. Ele sabia que Joan,

aguda observadora e esmerada pesquisadorado mundo natural, poderia ser da maiorutilidade para confirmar suas suspeitas.“Joan era tão parte daquele cenário queabsorvia informações por todos os poros”, elejustificou. “Era uma amante da natureza e, sea natureza fosse atacada, estaria lá parasalvá-la.” Ela aceitou ajudá-lo em dois censos, pelomenos: o primeiro em 1988, em seu queridoParque Nacional de Tsavo, outrora um dosbaluartes dos elefantes. Nos anos 60, apopulação de elefantes no Tsavo cresceratanto que muitos naturalistas afirmaram anecessidade de separar os bandos. Umagrave seca na década seguinte incumbiu-sede reduzir a superpopulação, matando defome 10 mil dos animais. Na esteira da seca,sobreveio um período de caça em que eles

foram mortos aos milhares antes que oQuênia finalmente se desse conta do desastre.Naquela época, 75% dos elefantes do Tsavohaviam sido exterminados. Soube-se depois que somalis armados osvinham matando e, como alguns declararam,com o tácito consentimento de membroscorruptos do Departamento de Preservaçãoda Vida Selvagem do Quênia, que obtinhamlucros com o marfim. Logo, Joan e Iainparticipavam de um amplo esforço de censo,que revelaria ao mundo essa sórdida história.Era um plano envolvendo múltiplasaeronaves e Joan passava horas intermináveisnum avião quente e exíguo, contando tantoos elefantes vivos quanto os cadáveres. “Osresultados foram tão angustiantes quanto seprevia”, escreveu ela numa carta. “Havia nointerior do Parque de Tsavo 4.327 elefantes

sobreviventes, dos 22.174 que lá estavam em1973 [a população nacional de elefantes doQuênia baixara de 85 mil, em 1979, para 22mil em 1989]. Também contamos todos osesqueletos que avistávamos e muitos delesjaziam à beira das estradas, abatidos porguardas e vigias da reserva a partir deveículos do próprio parque…” O que se poderia fazer? O primeiro passo eratornar pública a situação. Disso se incumbiuRichard Leakey, velho amigo de Joan e Alan,e seu antigo sócio nos safáris fotográficos.Leakey era então chefe do Departamento dePreservação da Vida Selvagem do Quênia.Extremamente aflito com a devastação doTsavo, arquitetou um plano triunfal derelações públicas: fazer uma fogueira de 6mde altura com 12t de presas apreendidas decaçadores, tanto do Tsavo quanto de outras

partes do Quênia. Também promoveu severafaxina na engrenagem de corrupção nosdiversos serviços de seu departamento,distribuiu armas aos guardas florestais dareserva, atuou para proibir o comércio domarfim e pressionou para que os elefantesfossem incluídos na lista de animaisameaçados de extinção. Para culminar,decretou medidas permitindo aos guardasatirar para matar a fim de reprimir oscaçadores que, no caso do Tsavo, eram quasetodos bandidos somalis. Mas foi a fogueira de presas de elefante o quemais atraiu a atenção do mundo inteiro.Depois que o presidente queniano Danielarap Moi acendeu a pira, Iain, Joan e umgrupo de dignitários e ambientalistasreuniram-se ao redor para vê-la queimar.

Em seguida, Douglas-Hamilton e Joandedicaram-se a outro censo, abrangendo asvastidões da República Centro-Africana,conhecida por ter sido outrora o eldoradodos elefantes. Num pequeno Cessna 185 elesplanavam sobre as savanas e matas, contandoos animais que avistavam lá embaixo. E lá iam eles, Douglas-Hamilton pilotando oavião, Joan sentada a seu lado direito, nobanco do passageiro, observando por um“bastão de contagem” – um bastão de açopreso ao suporte da asa, que enquadravapara o recenseador um detalhe da paisagemde cada vez. Voando a 120m do chão, Joanperscrutava atentamente o solo, com aintenção de contar elefante por elefante, masforam poucos os que viu, muito poucos.Aquelas vastas áreas, que outrora haviamabrigado imensas manadas, eram agora

áridas em sua maior parte. “Um, dois,três…”, começou ela, o olhar fixo sobre aterra, enquanto o pequeno avião sacudia emmeio à turbulência. “Dias e dias, horas ehoras sentados na verdadeira câmera detortura que é a pequena cabina de um teco-teco, sendo jogada para lá e para cá, jamaisdeixando a concentração esmorecer, nem porum segundo, enquanto seus olhos percorriama paisagem em busca de elefantes vivos,carcaças e esqueletos”, lembra Douglas-Hamilton. “Joan possuía qualidades raras:agudo senso de observação e enormecapacidade de percepção, primeiro paralocalizar e depois para contar os animais,durante horas seguidas. E no final do diapassava tudo a limpo.” Eles cobriram grande parte da África Central,ocasionalmente levando outros especialistas,

mas Douglas-Hamilton confiava em Joan esempre ficava impressionado com seuconhecimento da vida selvagem, mesmo emregiões estranhas para ela. Certa noite noacampamento, ao ouvir pássarosdesconhecidos emitirem o que lhe pareceuum alarme, ela concluiu: “Deve ter umacobra em cima daquela árvore.” Os homensolharam na direção indicada e, de fato, umaenorme mamba negra enrolava-se num galhoacima deles. O que o apurado instinto de Joan lherevelava sobre os elefantes – preocupaçãolargamente endossada pelos números – eraque algo de muito errado estavaacontecendo. Ela já vira devastações antes.Muito se angustiara por seu querido ParqueNacional de Tsavo, onde tinha filmado comAlan tantas vezes. Aquela reserva se

transformara num cemitério de elefantes. Em1971, inúmeros morreram de fome e tantascaçadas se seguiram que a região se encheude cadáveres e ossadas esbranquiçadas.Jamais, porém, presenciara algo similar. NaÁfrica Central, o número de elefantes mortosultrapassava o dos vivos em tal proporçãoque qualquer contagem final representariaredução entre 80 e 90%. Quem estaria exterminando elefantes nessasquantidades industriais? Voando acima dosimensos cadáveres de um massacre recente,Iain e Joan aterrissaram para investigar edescobriram que os elefantes não tinham sidomortos a tiros, mas com lanças. Por quê? A resposta invariável era o marfim. Bandosde cavaleiros percorriam centenasdequilômetros, do Sudão até a África Central,em busca do marfim. Enquanto um deles,

diante do elefante, o distraía, outro o atacavapelas costas, enfiando-lhe nas ancas umacomprida lança, que movia para um lado eoutro até o animal cair. Se isso nãoacontecesse, eles então o matavam com umAK-47. No final, Joan contou 4.300 elefantesvivos e 7.900 mortos – alguns cadáveresrecentes, outros de muitos anos – numa áreaque já se orgulhara de sua população de 12mil elefantes. O recenseamento “iria expor ao mundo essasituação centro-africana”, lembra Douglas-Hamilton. As fotos que Joan fizera dacarnificina logo ficaram famosas numareportagem, sendo em seguida publicadaspor jornais do mundo inteiro. Ela, Douglas-Hamilton e sua equipe prepararamdetalhados relatórios, que foram mostradosao general André Kolingba, o quarto

presidente da República Centro-Africana,complementados com acurado projeto sobreo que deveria ser feito imediatamente parasalvar os elefantes remanescentes. Chocado eimpressionado, o general Kolingba pôs fimao perverso sistema chamado Le Collecte,que permitia às pessoas a coleta das presasde elefantes mortos e, naturalmente,encorajava os comerciantes de marfim amatar mais elefantes ainda, dos quaispoderiam retirar “legalmente” as presas. Ogeneral também decretou a proibição docomércio de marfim, e a União Europeiadestinou milhões de dólares para ajudar adeter o massacre na República Centro-Africana. Dessa época em diante, Joan seenvolveria em praticamente todos osrecenseamentos de elefantes e rinocerontes,no Quênia e nos países vizinhos. Seus

esforços na República Centro-Africana e noTsavo demonstraram mais uma vez suacrescente convicção de que as pessoaspodiam fazer a diferença, de que a vidaselvagem podia ser salva e de que o Quênianão estava necessariamente condenado. “Procurando maneiras de transformar perdasem informação”, ela registrou em seucaderno pessoal. Junte-se à multidão ou então vá atrás do quequer. Conceda-se um tempo sozinho, para tercontato com quem você é… Concentre-se nopoder do pensamento. Lembre-se de que omundo é seu para fazer perguntas. Quemnão se arrisca não cresce, só envelhece.Quando perceber que algumas ideias,crenças, relações e situações não funcionammais para você, livre-se delas. Deixe ospensamentos negativos irem embora: encare-

os como uma revoada de pássarosatravessando seu caminho. Observe-osvoando até perder de vista e prossiga seucaminho. Ela lutava valentemente para restabelecer-see retomar seus objetivos e suas crenças nummundo sem Alan, empenhando-se para serreconhecida pelos próprios méritos. Oscensos de elefantes representaram então suasvitórias iniciais. DEPOIS DOS ELEFANTES, houvenaturalmente outras etapas rumo ao que setornaria a sua mais importante missão na fasepós-Alan. E “missão” é a palavra correta:para Joan Root, qualquer causa – fosse apoiaro marido, recensear elefantes ou recuperarum animal ferido – era tão vital quanto o arque respirava. Sem isso, ela não se sentiaviva. Seu estilo de ativismo, entretanto, era

absolutamente próprio. “Não era dessaspessoas que aparecem gritando em público”,comentou Sarah Higgins, sua amiga deNaivasha, “mas fazia em silêncio o queachava necessário para melhorar o mundo.” “Era uma pessoa tão boa…”, declarou oamigo David Coulson. “Incrivelmente boa emuito frágil. Corajosa, mas frágil. Precisavade outra missão. Gosto de pensar que lherestauramos um pouco de suaautoconfiança.” Eminente especialista em arte rupestre,Coulson convidara Joan para acompanhá-loao Saara numa viagem de documentação deantigas pinturas e gravações em pedra,muitas com milhares de anos. “A arterupestre mostra terras de muita abundância,em comparação com a aridez dos dias atuais.Seus temas prediletos eram, de longe, girafas,

elefantes, avestruzes, vacas, cenas de caçadascom lanças e cachorros”, escreveu Joan parauma amiga. Amor pela terra e pelos animais: não muitose modificara em mil anos. À noite, Joandormia sozinha na barraca, num catre sobre aareia. “Nas noites do Saara, ao redor dafogueira do acampamento, debaixo daqueleinacreditável céu estrelado, quando nossentíamos quase esmagados pelas proporçõesdo universo, Joan nos regalava com históriasdas aventuras que vivera com Alan”, contouCoulson. Eram as histórias de Two in the Bush. Pelamanhã, entretanto, ela estava sempre prontapara trabalhar e trabalhando sentia-serevigorada. “Um dia ela se aproximou demim e declarou ‘Quero uma função’, enomeei-a minha assistente”, lembra Coulson.

“Seguia-me como uma sombra. E eraabsolutamente meticulosa, corretíssima econsciente.” Ele observou Joan galgar rochas de 15m dealtura para encontrar uma pintura rupestreou ajoelhar-se no chão quando, atravessandoo vale de algum antigo rio, via um desses“gafanhotos sem asas” e tinha de estudá-lode perto. Em outra ocasião, Coulsonencantou-se com sua firmeza quando, apósuma viagem em lombo de burro, sob fortesventos, ela chegou a um cume com pinturasanteriores às pirâmides do Egito. “Estávamosdiante daquele magnífico painel, eufotografando tudo, e de repente ouvimosJoan chorar. ‘Bem, não foi nada, realmente’,ela respondeu quando perguntamos o quehavia acontecido. ‘Só que minhas mãos estão

tão geladas que não consigo anotar o queDavid está dizendo.’” Depois de uma pausa, David esclareceu:“Mais tarde, naquela noite, quando fui checaras anotações, elas estavam impecáveis.” Nessa época, Joan já tinha certa perspectivapara analisar sua vida tanto como mulher ecompanheira de Alan quanto como seuconstante suporte na parceria profissional,comentou David Coulson, percebendo seuserros e acertos. “Ela me disse então: ‘Erreicom Alan quando sempre lhe trazia oschinelos à noite. Eu era dedicada demais,cuidadosa demais.’” “Acho que ela se dera conta de que deveriater sido mais inflexível e mais ela mesma”,finalizou ele.

Dali em diante, foi exatamente assim que elapassou a ser, só que não para si mesma –jamais só para si. OS HISTÓRICOS CENSOS DE ELEFANTESe outras aventuras serviram como passaportepara Joan embarcar em sua nova vida denaturalista. Podia finalmente fazer tudo oque não conseguira por falta de tempo,quando produzia os documentários comAlan. Ela se juntava a todas as causas eassociações e participava de eventos ereuniões com equipes locais de escolas,hospitais e grupos ambientalistas como aLake Naivasha Riparian Association,dedicada a cuidar das margens do lagoNaivasha, para a qual trabalhava comosecretária e tesoureira; o Nakuru WildlifeConservancy, do qual era diretora etesoureira, e a Succulenta Society, um círculo

com base em Nairóbi que estudava epreservava as plantas suculentas, como aloése cactos. Com frequência Joan realizava emsua casa as reuniões da Succulenta, cujossócios se mostravam maravilhados ao ver ospapa-açúcares voando em bandos em tornodos aloés e as magníficas orquídeas Anseliaafricana que cresciam sobre as acácias. “Não lhe dei muita atenção quando aconheci”, comentou Dee Raymer, ex-presidente da Succulenta Society. “Achei-aterrivelmente esnobe e indiferente; porém,comentando com um amigo comum, ele merespondeu: ‘Não cometa esse erro! Ela éapenas muito tímida!’” Depois, já mais relaxada, prosseguiu DeeRaymer, ela se demonstrou uma grandeamiga, leal e fascinante. “Foi maravilhosofazer uma pesquisa de campo em sua

companhia! Ela sabia tudo a respeito de tudo!Depois que Alan a deixou pude acompanharseu metódico exercício de recomposição devida. Ela de fato se empenhou para tornar-seJoan Root, uma pessoa, em vez de merametade de um casal… Tinha interesses osmais diversos e certamente não conheci nema metade de seus amigos.” Joan não seria mais aquela flor pálida emmeio à sociedade. Houve quem considerassedespropositado seu ingresso nohiperexclusivo e tradicional Muthaiga Club,o bastião da sociedade branca do Quêniadesde os anos 20. Como um passo adiante emsua nova vida, pediu a Adrian Luckhurstpara indicá-la como sócia e, é claro, ninguémse atreveu a rejeitar seu nome, embora umúnico voto contrário fosse suficiente. Elapassou a almoçar e jantar lá e, em suas

viagens a Nairóbi, quando não se hospedavacom amigos, pernoitava no clube. Então, ela fez algo ainda mais atípico de suapersonalidade: uma cirurgia plástica emLondres, retornando a Nairóbi com outroaspecto e novo ânimo. Em todos os anos à sombra de Alan, jamais sepreocupara com reconhecimento, o quepassou a questionar. “Joan sofria com isso”,lembra um amigo. “Sentia-se insignificante.Eu percebia que ela se magoava porque Alanainda era convidado para eventos [sobre vidaselvagem] e ela não.” “Bem, você nunca quis fazer nada para sepromover”, contrapôs o amigo, ao que Joanreplicou, tranquila: “Porque ele era a estrela, não eu.” Depois do divórcio, ela ainda seguia acarreira de Alan. Copiou em seus cadernos a

apresentação que David Attenborough, oastro da vida selvagem na TV britânica, fezde Alan quando ele recebeu o LifetimeAchievement Award concedido pelaWildscreen, a proeminente organização defilmagem da natureza, e depois lhe enviouuma gravação da cerimônia. “Seis minutos de homenagens, por DavidAttenborough”, escreveu Joan. “O final: …Assim, em minha opinião, ele quase sozinholevou os filmes sobre a vida selvagem a sedesenvolverem e se tornarem a desafiadoraprofissão que são hoje. Por isso devemostodos agradecer-lhe. Sei, porém, que de fatonão só lhe agradecemos; também oadmiramos como um dos maiores cineastasda vida selvagem do mundo atual… AlanRoot.”

“Alan em quatro minutos”, escreveu Joan.“Tive a sorte de merecer o amor de um parde mulheres incríveis: minha primeiramulher, Joan, que me ajudou a construirminha carreira nos primeiros tempos … Eminha maravilhosa Jennie, que me ajudou aver que uma carreira, provavelmente, é acoisa menos importante na vida de alguém.Muito obrigado, Joan. Muito obrigado,Jennie, e muito obrigado a todos os amigosaqui que caminharam ao meu lado nesselongo safári.” “Muito obrigado, Joan.” Ela teria adoradoouvir essas palavras, mas não estava presentenaquela noite nem, aliás, em qualquer outraem que Alan tenha recebido aplausos porfilmar a vida selvagem. O Naivasha ao menos precisava dela,confiando em seu talento, determinação e

generosidade. “Passei o dia inteiro em casa:como sempre, muito por fazer. Jamaisconsigo pôr tudo em dia”, ela anotou emoutubro de 1994. Registrou também as noitesem que os corpulentos hipopótamospastavam perto de sua janela, ou quando osfilhotes de coruja com manchas peroladascaçavam e escondiam ratos e 24 cobospulavam em seu jardim. Amava aquele lago, sua quietude, sua paz…“Dia tranquilo sozinha” – a anotação é deoutubro de 1994 –, “escrevendo cartas,plantando aloés, podando plantas. Chuvamiúda à noite. Grama verde. Jardim e lagocom adorável aparência.” Encantada com o mundo natural, Joan tinharespeito extremo por suas estações e ciclos,sua capacidade de recuperação, reprodução eautossustento. Mantinha meticulosos

registros, complexos e detalhados, doshorários de alimentação dos animais emrecuperação ou de passagem por ali, bemcomo de suas atividades enquantoconvalesciam. Um casal de garças, porexemplo, que ela batizou de Adão e Eva,mereceu relatórios praticamente diários. Joan registrava também o desabrochar dasplantas da propriedade, sua produção desementes e as temporadas de reprodução devárias espécies de animais; não tinhaintenções de interferir, mas queria estarpreparada se eles precisassem de ajuda. Sabiaque eles sincronizam seus ciclos pelasestações chuvosas e, no caso de alguma seca,fenômeno comum no Naivasha, ela poderiaoferecer-lhes uma vasilha de água, um abrigoaconchegado ou até um dos ninhos quedistribuía pelas muitas árvores do terreno,

para os pássaros que eventualmenteestivessem incapacitados. Aquela mulher,que jamais pôde ter filhos, foi parteira deuma infinidade de criaturas. “Há quem veja aqui só alguns bichos numpedaço de mata”, diria Joan, mais tarde, a umescritor que a persuadira, depois de muitaresistência, a dar uma entrevista para umarevista turística de Nairóbi, a respeito daspessoas que faziam a diferença no Quênia.Aquela seria a única entrevista que Joan Rootconcederia no período pós-Alan. “Masdesenvolvi este lugar para ser uma miniaturado Massai Mara, preservando o meioambiente através de animais queconviveriam na floresta.” “Ela se continhamuito, mas por trás, havia um imensocompromisso com todo o mundo natural,quase a ponto de a sentirmos totalmente

integrada nele”, acrescentou um conhecidocineasta. “Mostrava-se sempre muitoprotetora da frágil estrutura da terra,principalmente do lago”, comentou umamigo mais próximo. “Aquela terra era suaúnica razão de viver.” Joan, entretanto, ainda estava cheia decicatrizes, uma mulher sozinhaprofundamente entocada em si mesma,incapaz de expressar exatamente o quesentia. Apesar de seu trabalho comunitário,grande parte do tempo ela passava emsilêncio, seu sofrimento constituindo umfardo silencioso, porém claramente aparente.E quando ela falava, afinal, eraexclusivamente sobre a vida selvagem. Eracomo se, naquela situação de mulher ferida,experimentasse ligação ainda mais forte comos animais que precisavam dela. Joan

abrigava tartarugas com cascos rachados,filhotes de coruja indefesos, antílopesaleijados, gazelas mancas… Pobres dospredadores que ousassem atacar os animaisque habitavam as terras de Joan – sobretudoas jiboias que, segundo ela, deslizavam porbaixo dos aviários “onde eu mantinha algunsesquilos” e “que vinham para nossas terrasatraídas pelo cheiro gostoso dos antílopes”.Registrou ter capturado 11 jiboias em 12anos, a maior delas com mais de 3,5m decomprimento. “Estou agora muito eficienteem apanhá-las, e Kiari, muito orgulhoso demim e corajoso, fica segurando a sacola emque eu as enfio.” Uma vizinha sua, lady Sarah Edwards,contou uma de suas histórias favoritas sobreuma vez em que Joan foi assistir aos funeraisde um amigo, realizado sobre um penhasco

muito escarpado. Ela trazia uma sacola comuma jiboia apanhada em sua propriedade –uma das cobras que costumavam atacar seusantílopes. Joan planejava soltá-la naquelemesmo dia. Entretanto, como achou openhasco muito precário e íngreme para acobra, decidiu não a libertar ali. E foiparticipar de um chá, levando a jiboiadebaixo do braço, dentro da sacola. Às vezes ela visitava Sarah Higgins, francaativista de causas regionais, quecompartilhava de seu amor pelos animaisselvagens. De conversação muito alegre einstigante, Sarah promovia uma espécie desalão na ampla varanda, sobranceira a suasterras. Logo que chegavam convidados,surgia infalivelmente um bule coberto porabafador, com um chá perfeito e umavariedade de biscoitinhos deliciosos. Era

rotina de Joan aparecer para uma brevevisita, uma xícara de chá e uma conversaagradável sobre a impressionante coleção decriaturas da selva que costumavamatravessar suas propriedades. Nessasocasiões, sempre muito comedidamente, Joanfalava sobre os animais que estavarecuperando, mas se algum desconhecidoaparecesse na varanda, ela ia embora comoum passarinho assustado. Ela chegou a expressar traços de suaprofunda tristeza a seus amigos mais íntimos,deixando-os impressionados tanto com suaforça como com a extraordinária dimensão deseu sofrimento. Pouco depois de suaseparação de Alan, participou de um safárina reserva de Samburu em companhia deDelta Willis, velha amiga da Survival, a quementão Joan confidenciou a verdadeira

tempestade que Alan produzira em seussentimentos: um dia ele lhe dava um cartãode namorados, no outro, um olhar gelado, demodo que ela nunca sabia exatamente queterreno estava pisando. Aquela era uma Joanque Delta desconhecia. Durante sua longaamizade, com frequência ela se surpreendiacom a inteligência de Joan. Num memoráveljantar, Joan estava sentada ao lado deStephen Jay Gould, professor de Harvard,paleontólogo, biólogo evolucionista e um dosmais influentes e populares autores dedivulgação científica de sua geração. Deltalembra que “no final do jantar, Stephen pediainformações a Joan”. Ao longo de todosaqueles anos de amizade, porém, jamaisDelta vira a amiga tão arrasadaemocionalmente, ou confusa, quanto depoisque Alan partiu.

DURANTE TODO ESSE TEMPO Joanescreveu em seu diário sobre as pessoas quemais queria bem, entre elas sua mãe, quevisitava pelo menos uma vez por ano, emsuacasa em Durban, África do Sul, até suamorte em 1989, por volta dos 80 anos.Também escreveu sobre o pai, de quem sereaproximara e que saíra do Quênia paravelejar ao redor do mundo com a segundamulher, mudando-se em seguida para osEstados Unidos, primeiro para Santa Fé –onde trabalhou como corretor de imóveis – edepois para Amarillo, no Texas, jáaposentado. Sobre Alan, Joan escreviasempre e inevitavelmente de forma amorosae desesperada, anotando onde estava e o quefazia em sua vida pessoal e profissional. Apesar de pensar constantemente nele, naverdade tentava extraí-lo de seu coração e

reencontrar seu espírito aventureiro. Emcerto momento desse período, ela convidouum joalheiro sul-africano, chamado OttoPoulsen, que conhecera durante as visitas àmãe em Durban, para vir a sua casa emNaivasha. Ele ficou encantado com asexcentricidades de sua vida excepcional.Observou que um portão junto ao campo depouso fora derrubado por alguma forçapoderosa, e Joan então explicou que Sally, aórfã hipopótamo, gostava de descansar acabeça ali, até que ele desabou sob seu peso. Depois do almoço, saíram na Pajero de Joan,que sugeriu: “Sente-se e aproveite o passeio,enquanto eu vou falando sobre os lugares porque passarmos.” Pelo menos naquele dia elase sentiu como antes, revivendo os temposdos safáris com seu pai e depois com Alan.Quando a Pajero quebrou na estrada, numa

região deserta, Joan, autoconfiante econtrolada como sempre, entregou seubinóculo a Poulsen e disse-lhe para sair eobservar os pássaros enquanto ela consertavao motor, o que lhe tomou meia hora. Entãoela o conduziu até as montanhas Aberdare,ao famoso abrigo chamado Treetops, na baseda montanha, de onde os hóspedes podiamver, abaixo, a antiga rota dos elefantes. (Oabrigo foi construído nos anos 30, em umaimensa árvore – daí seu nome.) Joan era amiga do vigia do Parque Nacionaldas Aberdares, cuja casa ficava junto ao hotel,e eles pernoitaram lá. O abrigo tem umaextensa lista de hóspedes de destaque, deRobert F. Kennedy até Elizabeth daInglaterra, que ali estava hospedada na noiteem que seu pai faleceu, em 1952, e ela setornou rainha. “Aqui, Elizabeth II subiu

numa árvore como princesa e desceu comorainha”, informava uma notícia de jornal. Ao crepúsculo, Joan e seu amigo foram paraum dos quatro mirantes do Treetops observaros elefantes beberem num charco. “Era comoestar no teatro”, lembra Otto Poulsen,acrescentando que o palco ficava ainda maisinteressante quando aos elefantes sejuntavam rinocerontes, antílopes e zebras.Depois, ele e Joan voltaram à casa do vigia,para jantar. “Impressionante a hospitalidade,a bela comida, o delicioso vinho, tudoacompanhado pelo coral da floresta aoredor”, lembra Poulsen. “O guarda florestalestava de serviço naquela noite e nos deixoucom doces e mais uma garrafa de vinho. Seera um complô, não sei, mas acabamosficando íntimos naquela noite.”

Joan provou-se capaz de momentos depaixão com outro homem, o que foi adeclaração de uma nova energia e potência.Ao levantar-se da cama na manhã seguinte,sentia-se renascida. Algum tempo depois, elaescreveu para ele: Meu querido Otto, Contei-lhe tudo porque achei que você iriagostar de saber como tenho passado desdeque voltei. Como bem pode imaginar, ainda me sinto obcecadapor Alan, porque o amo, porque fizemostantas coisas juntos e porque adoro esse tipo de vida. Mas você émuito especial para mim e vou guardar comoum tesouro a nossa amizade. Lembro sempredo calor e do êxtase que foi estar em suacompanhia.

Ela confidenciou a Otto que Alan estava“infeliz e confuso”, sem saber ao certo seagira bem deixando-a, “e está desesperadopara conseguir fazer algumas boas filmagens,mas ainda ama [Jennie e as crianças] e ficacom eles quando está em Nairóbi, mastambém me ama, bem como ao nosso tipo devida, e assim se encontra num verdadeiroimpasse. Posso entender seu dilema, aindamais depois que conheci você e soube quepoderia amá-lo.” “Sinto-me muito forte agora, graças a você, ecom esperanças de poder trabalhar de novo”,ela declara no final da carta. Aquelerelacionamento, entretanto, foi casual e nãoteve continuidade. Embora Joan e seu amantepermanecessem bons amigos, dali em dianteela dedicaria sua paixão não a um homem,mas à terra que adorava.

TUDO DE MAIS IMPORTANTE PARAJOAN concentrava-se no Naivasha. Cadadono de terras ali tinha sua quota deresponsabilidade na proteção do lago, sob osauspícios da Lake Naivasha Riparian OwnersAssociation, fundada em 1929. Joan e Alaneram membros da associação desde os anos60, porém raramente compareciam àsreuniões, já que estavam quase sempreembrenhados na selva. Quando Joan serecuperou, passou a participar regularmentedas assembleias, embora jamais sepronunciasse ou se oferecesse para atuar noscomitês. Sua atitude, contudo, modificou-se quandopercebeu que alguém estava tentando roubarsuas terras – não todos os 88 acres, mas umadas áreas mais importantes da propriedade.“Minhas terras ribeirinhas”, como ela

chamava a faixa situada na linha da maré,que aumentava ou diminuía de acordo com onível do lago. A propriedade de Joan possuía12 acres de terras à margem do Naivasha, eum dos vizinhos os cobiçava de tal forma,que tentou apropriar-se deles, embora quasetoda a vizinhança soubesse que ele jamaistentaria se Alan Root ainda vivesse por lá. A terra tem importância capital no Quênia.Da mesma forma que os africanos pobres deNaivasha lutam para possuir um “lote”,qualquer pedacinho de propriedade numafavela de Karagita, os quenianos brancostambém brigam por terrenos. As grilagenseram parte central da história dos colonosbritânicos do Quênia, desde que afugentaramos massais e outras tribos de suas terras edelas se apropriaram. Em 1991, um “cowboyqueniano” (expressão atribuída a qualquer

um dos impetuosos e descontrolados“fazendeiros quenianos brancos, gananciosose brutais que vivem em torno do lago”,segundo as palavras de Bill Hutton, amigo deJoan) tentou essa tática com ela. Primeiro, ele derrubou a cerca entre as terrasdele e as de Joan. Depois, passou a afirmarpublicamente que o verdadeiro limite ia até ocentro do lago, o que significava que a plantaterritorial teria de ser completamentealterada e seis dos 12 acres ribeirinhos deJoan deveriam passar para ele. Em seguida,depois de tanger 60 bezerros seus para asterras de Joan, ficou à espera, certo de que afamosa timidez e a natureza gentil da mulhera impediriam de confrontá-lo diretamente,ficando os seis acres para ele, por falta deatitude.

Enganara-se. Embora Joan permanecessecalma, ela partiu para a guerra por suasterras ribeirinhas, tranquila, educada emesmo cordialmente – embora decidida, deuma vez por todas, a sair vitoriosa. Primeiro,ela recolheu apoio. Tratando-se do Quêniaem 1991, ela precisava de um homem e,evidentemente, não seria Alan, que já tinhaproblemas demais. Então ela se voltou paraBill Hutton, o consultor comercial que ela e oex-marido procuraram para o divórcio.Hutton, um escocês, trabalhava comoinvestigador de fraudes e já fora vítima daextorsão de outro “cowboy queniano”, quetentara roubar as terras ribeirinhas dele nolago Naivasha. Segundo Hutton, esse cowboyem particular subestimou totalmente JoanRoot.

Enquanto Hutton pressionava, expedindocartas agressivas para o indivíduo emquestão, como também para a RiparianAssociation, Joan juntava evidências.Percorreu suas terras com Kiari, o antigoempregado da família. “Está tudo aqui,Memsaab”, disse-lhe Kiari. E apontou para aslinhas de demarcação que ali se encontravamdesde a chegada dos Root, em 1963, e queconfirmavam a versão de Joan. Os dois entãoconsultaram um africano mais idoso, que selembrava de todos os detalhes: “As bombas,a linha elétrica e o fosso d’água, tudo segue atrilha anterior”, escreveu Joan no diário. Elarecolheu declarações assinadas dos doishomens, desenhou mapas, fotografou osmarcos divisórios e levou todas essas provaspara Tubby Block, um poderoso vizinho,presidente da rede de hotéis Block, do

Quênia, que assinou uma declaraçãodescrevendo precisamente onde deveriam sesituar os limites das terras ribeirinhas deJoan. Joan e Bill Hutton então foram enfrentar ocowboy queniano em sua fazenda. Huttonmanteve o gravador ligado enquantodisparava seus argumentos e Joan, embora“sentindo-se muito tensa”, manteve-seinflexível. “Bill colocou os fatos para ele, àsvezes muito calorosamente”, escreveu ela. Ocowboy insistia, furioso, em afirmar queambos estavam errados e ele certo, e que eraum insulto Bill Hutton atrever-se a gravaraquela conversa. No final, apesar de seusprotestos, Joan dispunha de 11 testemunhas,com declarações devidamente assinadas,além de fotografias das demarcações, fotos desatélite e muito mais ainda. Ela e Bill Hutton

levaram então o caso ao presidente da LakeNaivasha Riparian Association, lordeAndrew Enniskillen. Lorde Enniskillenmorava do outro lado do lago, na famosapropriedade de 1.600 acres que pertenceraantes a Kiki Preston, a escandalosa herdeirados Whitney, de Nova York, que, depois demudar-se para o Quênia, se tornou viciadaem drogas, embora se mantivesseextremamente requintada: chamavam-na de“a garota da seringa de prata”. Na reunião, Joan e Bill apresentaram umacomplexa versão própria do caso, segundo aqual o cowboy queniano na verdade tinhadireito a 15 acres a menos do que possuía,que deveriam passar para Joan. O contra-ataque deu certo. Recuando, o vizinho atétentou mostrar-se amistoso. “Ele passava pormim e acenava, veio visitar-me, e afinal

fizemos as pazes”, Joan registrou no diário,no dia em que a antiga demarcação foirestaurada e suas terras ribeirinhas ficaramasseguradas. Esse foi um grande passo para que elapudesse encontrar suas próprias forças semAlan. Joan havia provado para si mesma epara os outros que podia lutar e vencer.Entretanto, na próxima batalha enfrentariaalgo muito pior do que um latifundiárioávido. Algo equivalente a um exército decowboys quenianos misturado a umamultidão de empresários internacionais,todos contando com o beneplácito dogoverno do Quênia, apoiados por bilhões dedólares e impulsionados por milhares detrabalhadores que iriam arrasar suas terrasribeirinhas e criar o maior desafio com que jáse defrontara.

Capítulo 7 O LAGO NAIVASHA, TAL COMO JOAN,sempre pareceu tranquilo e obstinadamenteinvencível. Independente do que se fizessecom ele ou do que se lançasse em suas águas,sobrevivia, até mais florescente, emergindoainda mais robusto, forte, selvagem edecidido a enfrentar o próximo desafio. O Naivasha – em cujas margens os pais deJoan a haviam concebido –, tão vasto que malse conseguia divisar o outro lado e presençaconstante nos filmes de Alan e Joan, vinhasendo vítima de uma série de invasores nosúltimos 80 anos, tanto humanos quantoselvagens. Por milhares de anos, os africanosviveram em harmonia com ele. Na década de1920, começaram a chegar forasteiros que, emvez de deixá-lo em paz, introduziam-lhenovas espécies; primeiro, os imigrantes

britânicos e os ricaços americanos – opresidente Theodor Roosevelt entre eles –introduziram a perca para a pesca esportiva.Depois eles vieram de todas as partes domundo, desde aventureiros ianques, comoErnest Hemingway, aos ricos colonosbritânicos, que chegavam aos bandos parapescar, caçar e se divertir. As percas acabaram com as nativas carpas dedentes miúdos, e os colonos aindaintroduziram as tilápias, o que desencadeoua pesca comercial no Naivasha, de acordocom um artigo de 1982 do New York Times .Diante da queixa dos pescadores de que osdensos sargaços danificavam os motores dosbarcos, foram lançados àquela fauna oslagostins vermelhos da Louisiana, quecomiam os sargaços, assim limpando o lagopara o tráfego aquático. Com a reprodução

dos lagostins, surgiu outra indústriapesqueira. Em breve, 15t de lagostins doNaivasha eram exportadas anualmente parapaíses distantes como a Suécia, e o lago ficoutão repleto deles que seu fundo transformou-se num verdadeiro tapete de crustáceos.Evidenciava-se que aquele lago abrigaria oque fosse! Até mesmo o pequeno ratão-do-banhado, valorizado por sua pele. Váriosdesses roedores escaparam de um criadouroe seguiram pelo rio até o lago, onde tambémse multiplicaram, devorando em quantidadescada vez maiores as ninfeias, que começarama desaparecer, decretando o sumiço das amadas jaçanãs de Alan Root,estrelas de seu primeiro filme, além de “umahorda de outras aves e animais aquáticos”,segundo um renomado biólogo marinho.

Na esperança de se livrarem dos ratões-do-banhado, alguns moradores dasproximidades resolveram trazer jiboias parao local. Foi então que os proprietários dasfazendas finalmente se rebelaram; segundo oartigo do Times, “argumentando que asjiboias devorariam junto com os roedorestambém seus filhos, eles as massacraram combastões e varas”. Depois disso, os ratões-do-banhado “misteriosamente entraram numaverdadeira onda suicida, destruindo ospróprios embriões. Em decorrência, asninfeias estão retornando. Não se sabe porquê.” Então foi a vez da salvínia, um sargaço muitousado nos aquários domésticos – umfazendeiro lançou-a no lago dentro de umaquário cheio de peixes e, como ocorria comtudo que ali caía, a planta cresceu de forma

prodigiosa, a ponto de, por volta dos anos 60,quase ser possível um homem caminharsobre os grossos sargaços, em toda a extensãodo espelho d’água. Depois vieram ospesticidas, mas nem eles conseguiramperturbar o lago. Em certo dia de 1990,entretanto, voltando para casa, Joan Rootdeparou com um novo invasor, mais tenazdo que todos os demais juntos: as estufas deflores, que trariam em sua esteira problemaseconômicos além dos ecológicos. A INDÚSTRIA DE FLORES DO NAIVASHAfoi fundada no palácio Djinn, a mais famosaresidência do lago, uma exótica fantasiamourisca totalmente pintada de branco,ornada de torreões e domos, o extremooposto do singelo chalé de Joan. Conhecidopor seu esplendor, mas também por suaturbulenta história, o palácio foi comprado

por seus proprietários atuais, June e HansZwager, em 1967. Fora construído em 1927pelo ator hollywoodiano Cyril Ramsay-Hill.Durante a era de devassidão do HappyValley, seu primeiro dono e projetista perdeutudo que tinha para o maior sedutor que oQuênia jamais conheceu: lorde Erroll, cujoverdadeiro nome era Josslyn Hay, um belomalandro de linhagem aristocrática que,aparentemente, pretendia levar para a camatodas as mulheres que cruzassem seucaminho, sobretudo as muito ricas e casadas.De físico perfeito e extrema virilidade, eraum grosseirão sem vestígio de consciênciaque primeiro roubou a mulher de Ramsay-Hill e depois seu adorado Djinn. “Vocêroubou a cadela, agora compre o canil”,telegrafou Ramsay-Hill a lorde Erroll, depoisque ele fugiu com sua mulher.

O patrimônio de Erroll consistiaexclusivamente de dívidas, mas a mulher deRamsay-Hill ganhou o Djinn no divórcio elorde Erroll finalmente pôs suas mãos nelequando a ex-senhora Ramsay-Hill morreupor consumo excessivo de álcool e heroína.Em 1941, lorde Erroll foi brutalmenteassassinado. Acredita-se que o autor do crimetenha sido o marido de Diana Broughton,com quem ele estava tendo um caso, deconhecimento público. “Ouvi dizer que o mordomo costumavaentregar um cartão com o nome docavalheiro – ou da dama – que iria passar anoite com a pessoa”, contou a atualproprietária do palácio, June Zwager, umaruiva muito animada, relatando as históriasdos rituais de troca de casais que fizeram afama da casa nos anos 20. “Parece-me que o

comportamento deles era mesmo muitopermissivo. Levamos anos para esquecer essamá reputação. As pessoas chamavam o lugarde Playboy Club, porque não havia chavespelo lado de fora”, prosseguiu ela, referindo-se às chaves dos quartos. “Era preciso fechá-los por dentro. Foi assim que planejaram acasa. E havia muita cocaína.” Como os Zwager transformaram esse antigoantro de devassidão na residênciados donosda maior plantação de flores da África é umahistória notável. Nascida ecriada nas remotasflorestas da Índia, June chegou ao Quênia aos14 anos com o pai, oficial da Artilharia Real,enviado para assumir um posto. Em 1953 ela conheceu Hans, que fora paraNairóbi trabalhar para um banco holandês. Abeleza e a alegria de June o cativaramimediatamente. “Uma verdadeira bomba,

com seus cabelos de fogo”, escreveu Hansmais tarde. “Sua cabeleira vermelha meincendiou e não haveria no mundo inteirobombeiros suficientes para apagar aquelachama.” Casaram-se seis semanas após o primeiroencontro. Hans desligou-se do banco e setornou representante de fábricas. “Eleimportava tudo que você pudesse imaginar”,informou June. A lista incluía escovas dedente, metralhadoras, remédios e tomadas deparede. Pouco tempo depois ele fundou suaprópria importadora, a que deu o nome deKleenway. Certo dia, chegando ao escritório,encontrou um homem que o aguardava paraconversar sobre um tipo de pulverizadorimportado por ele. Precisava imediatamentede 40 unidades, o que provocou acuriosidade de Hans. O que conteriam

aqueles pulverizadores? A resposta eraagrotóxicos. Na época o café era o principal produtoagrícola do Quênia e uma praga estavadizimando as plantações. Logo Hansconseguiu os direitos exclusivos deimportação do produto capaz de debelar apraga: um fungicida chamado orthodifolatan, posteriormente identificado comocancerígeno e capaz de provocar “agudatoxicidade na água”, segundo a PesticideAction Network. As plantações de café cobriam grandes áreasdo Quênia e, graças ao ortho difolatan deHans Zwager, em pouco tempo a praga foiquase totalmente erradicada. Hans e Juneexpandiram sua linha de produtos químicos,incluindo outras substâncias bastante eficazes– algumas das quais depois fariam parte da

lista negra do Instituto Nacional deSegurança e Saúde do Trabalho dos EstadosUnidos por seu potencial de risco para osseres humanos – e, afinal, tornaram-serepresentantes da Chevron, da DuPont e daBayer. “Em meados dos anos 60 a KleenwayChemicals Ltd. adquirira também fazendasde café, e tinha um lugar entre os grandesempreendimentos quenianos”, registrouCharles Hayes no livro Oserian, sobre opalácio Djinn. Os Zwager eram o casal domomento em Nairóbi: Hans, o titã dosprodutos químicos; June, a perfeita anfitriã.Em 1967, um amigo sugeriu que eles sejuntassem a um grupo de empresáriosinteressados em transformar o lendário Djinnem cassino. “Tínhamos uma balsa”, lembraJune, “e assim, viemos através do alto

matagal, atracando em um velho e pitorescocais, e desembarcamos aqui.” Seu olhar entãopercorreu o gramado imaculado, onde doisgrous coroados caminhavam pomposamente,aos gritos. “Achei o lugar estranho, desbotado edeteriorado.” Apesar dos escombros,entretanto, a casa pareceu falar com ela. “Sóme lembro de estar caminhando pelo pátio ede repente ter aquela impressionantesensação de déjà vu.” Hans descartou investir num cassino eresolveu comprar a casa para eles, junto comos 5 mil acres de terras ao redor. Oproprietário anterior, Gilbert Colville,desenvolvera pastagens de gado,praticamente tudo o que aquele terrenovulcânico poderia oferecer. Nada crescia nele,“a menos que se acrescentassem muitos

elementos para melhorá-lo”, declarou depoisum especialista ao New York Times . Esseselementos, naturalmente, acabaram sendo osprodutos químicos que os Zwager tinham emestoque para venda. Na época, pouca agricultura acontecia àsmargens do lago Naivasha. Como HansZwager escreveu em The FloweringDutchman, a história de seu sucesso comoprodutor de flores, “ao redor de nosso lago,nada de importante havia em termos deagricultura. Apenas um fazendeiro, numapequena propriedade, cultivava legumesusando irrigação. E então pensamos: por quenão tentamos isso também?” Hans vendeu suas plantações de café pertode Nairóbi e começou a cultivar pimentõesverdes e outros legumes no Naivasha. “Foientão que recebemos algumas visitas da

Holanda”, lembra ele. E uma delaspronunciou as palavras que iriam mudartodo o seu futuro: “Por que vocês nãocultivam flores?” Além da sugestão, essa visita deu a Hanssementes de lavanda, que dão cachos deflores púrpura e brancas. A lavandadesenvolveu-se bem e Hans embalou edespachou algumas flores para a Holanda, deonde elas costumam ser vendidas edistribuídas pelo mundo inteiro. “Erainverno na Europa, e a demanda era grande;então tivemos um lucro bastante razoável”,ele registra no livro. Da lavanda passarampara “cravos, delfínios, eufórbias, molucelas,lírios-do-brejo e depois, muito lentamente,começamos a cultivar rosas”. Uma vez plantadas, as rosas não brotaram noNaivasha, elas explodiram. “No início,

diziam que tudo o que se tinha a fazer eraestender uma cobertura de plástico sobre asárvores, e sob esse toldo as florescresceriam”, informa um floricultor local. Olago era a locação ideal, pelas mesmas razõesque o faziam ideal para a vida selvagem e osnaturalistas. Graças a sua posição em relaçãoao equador, os floricultores desfrutavam de12 meses de constante e intensa luz solar.Além disso, já que o lago se situa 1.800macima do nível do mar, fazia frio à noite, oque proporcionava o descanso necessário aodesenvolvimento das flores. O Naivashaainda fornecia energia geotérmica,proveniente dos vulcões adormecidos dasproximidades, para manter as estufasconstantemente aquecidas na temperaturaideal. Resumindo, tudo era perfeito.

A época escolhida por Zwager não poderiater sido melhor, já que o mundo passara a teruma insaciável necessidade de flores. Desdetempos imemoriais as flores constituem algoextremamente valorizado pelos ricos enobres, mas no século XX as novastecnologias e os transportes aéreospropiciaram um mercado jamais sonhado,em escala global. De repente, as frágeis florespodiam ser despachadas de qualquer partedo mundo e chegavam ainda frescas,duravam mais tempo e pareciam maisviçosas. “Hoje as flores viajam melhor do queseus compradores”, observa Amy Stewart nolivro Flower Confidential. “Agricultores,supervisores, representantes de vendas,corretores, caminhoneiros, leiloeiros,atacadistas, compradores, contadores,

varejistas, todos discutem sobre flores, emmais idiomas do que se pode contar.” A venda de flores em supermercados provouser mais um catalisador para os produtoresinteressados em cultivá-las no Naivasha.Disparou a demanda mundial por flores dequalidade ao menor preço possível, o quesignificava baixo custo de produção e mão deobra barata, o que, por sua vez, implicava emmais colheitas nos países do Terceiro Mundo. Os Zwager foram pioneiros no cultivo deflores no Naivasha, mas no início dos anos90, o maior produtor do Quênia passou a sera Sulmac, que também possuía uma fazendano lago e se declarava pela mídia “a maiorprodutora de cravos do mundo”. Um estourode floricultores industriais e independentesespalhou-se então pela região, incluindo aSher Agencies, firma holandesa cuja

plantação no Naivasha logo passou aproduzir milhões de flores por ano,tornando-se a maior do mundo; a giganteHomegrown, estabelecida em milhares deacres de terra; a Flamingo, que se gabava decolher “400 mil caules de rosas perfeitas, pordia … em estufas que abrangem áreasuperior a 200 campos de futebol”. Com asfazendas de flores vieram as estufas, para ocontrole climático – intermináveis fileiras deunidades cobertas por plástico –, até queenormes áreas das margens ficaram sob essestoldos, a ponto de bloquear rotas de animaisselvagens e abalar o equilíbrio ecológico,tanto do lago quanto das terras a seu redor. A exceção era a família Zwager, que, comoexplicava June, “removeu” o cultivo decravos de uma parte de suas terras paratransformá-la no que veio a ser o sólido

santuário Oserian de vida selvagem. Issopermitiu o trânsito livre dos animais – 45diferentes espécies de mamíferos, incluindodois raros rinocerontes brancos importados, e300 espécies de pássaros – do ParqueNacional do Hell’s Gate até quase o lago.Para defender os animais dos caçadores, aárea de preservação é protegida por 25 vigiastrabalhando em turnos de 24 horas. Poderiamter coberto cada centímetro de terra dareserva com estufas, mas não o fizeram. “Nãoa família Zwager”, exclamou June. “Porqueisso não é para uma glória efêmera, masparte do que vou deixar para as próximasgerações, assim como Joan tanto já deixou.Por isso ela era tão nossa amiga. Conhecianossas convicções. Nem tudo é dinheiro,dinheiro, dinheiro…”

Entretanto, lamentou June, outrasfloriculturas não seguiram o exemplo dosZwager ou de Joan Root. NO INÍCIO DOS ANOS 90, época em queJoan iniciou sua vida como mulher sozinha,em Naivasha, o Quênia já era o sextoprodutor mundial de flores, que faziam entãopelo país o que o café fizera na época colonial– até que, com os preços do café estagnados,os cafeicultores obtiveram do governopermissão especial para substituir seuscafezais por flores. O governo, obviamente,concordava com qualquer coisa que lhetrouxesse dinheiro. Com apenas oito anos deprodução no Naivasha, a floricultura passoua ser a indústria de maior crescimento noQuênia. Só em 1990, as lavouras quenianasexportaram mais de 400 milhões de flores,

número que aumentava na proporção anualde 35%. Tanto plantadores quanto empresários emvisita à região mostravam-se impressionadose orgulhosos. “Recebi, por intermédio de umamigo, a visita do irmão do presidente sul-africano Thabo Mbeki”, disse o conde PeterSzapary, jovem austríaco proprietário de umaplantação de flores e chefe do consórcio localde floricultores, o Lake Naivasha GrowersGroup. “Ele é economista. Seguimos pelaestrada, para visitar uma das floriculturasmais distantes. Segundo ele, não existe outraregião em que alguns poucos indivíduos, semqualquer verba do Banco Mundial ou deinvestidores, ou do governo, ou deempréstimos a juros baixos, baseadospuramente em princípios comerciais, tenhamtomado conta de uma parcela do mercado

mundial como no Naivasha. É um fenômenoabsolutamente único. Assim, do ponto devista do setor comercial privado, a indústriada floricultura emNaivasha é provavelmentea mais bem-sucedida da história da África.” Entre o final dos anos 70, imediatamenteantes de Hans Zwager plantar seus primeiroscravos, e 1998, as exportações anuais de floresdo Quênia cresceram perto de dez vezes: de3.265 para 30.221 toneladas métricas. Porvolta de 2005, essa indústria empregavadiretamente 100 mil pessoas, mais 2 milhõesindiretamente. Seu crescimento anual deexportações foi de 1 bilhão de xelinsquenianos (15 milhões de dólares) para 22,8bilhões (340 milhões de dólares). De 60 a 70%das flores do Quênia eram provenientes dolago Naivasha.

A plantação de flores passou a dominar acomunidade e a paisagem, transformandouma cidade seca e poeirenta surgida àsombra da estrada de ferro e do lago numcentro comercial, verdadeira máquina defazer dinheiro. Não eram apenas as flores,mas também o que traziam as culturas: orecurso natural mais abundante do Quênia,mão de obra barata. Num país empobrecido,cuja renda per capita anual éde cerca de 880dólares – uma das mais baixas da Áfricasubsaariana –, a mais leve esperança deemprego era o suficiente para atrairmultidões de trabalhadores. Tratava-se de migração tão bárbara eselvagem quanto a dos gnus documentadospor Joan e Alan. Dessa vez eram númerosincalculáveis de pessoas, centenas demilhares de homens e mulheres

desempregados, famintos e desesperados;uma espécie de Vinhas da ira africana, umêxodo de refugiados tangidos pela pobreza,de todas as partes da África, em direção aoNaivasha. Multidões sem um tostãoacorriam, imaginando como devia ser fácil avida numa plantação de flores, umpermanente Dia dos Namorados –justamente o grande acontecimento anual emNaivasha, com as floriculturas redobrando otrabalho e a produção. Entretanto, logo emseguida, os postos de trabalho eramradicalmente reduzidos até o ano seguinte.Em breve aquelas hordas se deram conta doquanto tinham sido falsas suas esperanças. “OS NOVOS IMIGRANTES chegaramprincipalmente do oeste do Quênia, expulsospelo colapso das economias regionais emrazão da excessiva competição na indústria

pesqueira do lago Vitória, as enchentes emNyando e Budalangi e a Aids. A lista élonga”, observa Parselelo Kantai, importanteautor e jornalista queniano, no número deoutubro-dezembro de 1990 da revistaecológica Iko, do Quênia. Chegavam comesperanças de encontrar trabalho, porém amaioria deles, especialmente os homens, nãotinha sorte. De meados dos anos 90 até ofinal, os novos imigrantes fizeram apopulação de Naivasha subir de 30 mil para350 mil habitantes, sendo que 65% deles erammulheres. O manuseio das flores exige umtoque delicado, diziam os produtores,acrescentando em voz baixa: “As meninascostumam trabalhar mais e ter melhordesempenho.”

Parselelo Kantai descreveu a situação nasfavelas de operários num número da revistaIko de 2004: De madrugada, os mais sortudos fazem filapara subir nos ônibus da companhia, naestrada de Karagita e de mais duas favelas aalguns quilômetros das fazendas. Durante odia, novos imigrantes e antigos trabalhadoresconvalescendo de acidentes e doenças nasfazendas ou mulheres recém-saídas de umagravidez, planejada ou não, enfileiram-sepacientemente diante dos portões dasfloriculturas. Capatazes percorrem as filas,escolhendo os diaristas com total autoridade.Geralmente os homens são descartados: nãopossuem a destreza que a indústria exigenem paciência para trabalhar horas seguidase receber um salário ínfimo. Além disso, naeventualidade de algum tumulto, eles serão

sempre mais difíceis de controlar, acalmar eforçar a se calar do que as moças. Usando uniformes e toucas, as mulherestrabalhavam em precisa e eficienteorganização dentro das estufas brancassituadas ao longo do lago. Ali, segundoreportagens da mídia, milhões de rosas –cada qual exata reprodução da outra –desenvolviam-se num período de tempoprogramado com antecedência, depois doquê eram classificadas individualmente, pelaqualidade e cortadas pouco antes de seabrirem, para garantir que atingissem seupleno vigor nas mãos do comprador. Paraevitar que desabrochassem antes da hora, ostrabalhadores envolviam manualmente cadarosa com malhas que impediam a expansãodas pétalas. Eram então submetidas a umabateria de conservantes químicos para

garantir o máximo frescor. As flores doNaivasha tinham “excepcional valormonetário”, declarou um produtor. “O queos floricultores desejam é que maisresidências comprem floresquinzenalmente.” Enquanto os trabalhadores dirigiam suaatenção para as próximas alas de estufas, empermanente multiplicação nos campos, asrosas iniciavam sua longa viagem para osmercados, onde desabrochavam como secomandadas, sem o menor vestígio do paísde onde provinham. Era impossível ignorar toda aquela miséria edestruição instaladas no Naivasha. Até DodoCunningham-Reid, uma rica europeiaproprietária de terras, dona do gloriosoHippo Point Lodge à beira do lago, quecostumava hospedar celebridades de

Hollywood, exasperava-se diante do estadoda região, manifestando com muita fluênciaverbal sua condenação: O Naivasha é um microcosmo perfeito doQuênia: ausência de leis, pobreza,infraestrutura em colapso,corrupção, abusosem todos os níveis. É a triste história de umasociedade deslocada, onde o dinheiro falamais alto. Se o consumidor tivesseconhecimento de toda a miséria causada poruma única rosa, ele não a compraria. Dizia-se que eram os trabalhadores osverdadeiros dejetos deixados pelasfloriculturas, vivendo o que o livro FlowerConfidential chama de “história de sangue erosas”: baixos salários, exploração em massa,exposição exagerada a produtos químicos.Em 2001, a Comissão de Direitos Humanosdo Quênia publicou um relatório no qual

listava centenas de abusos. Recebendoapenas “salários de fome”, as mulheres eramobrigadas a enfrentar cotas absurdas detrabalho, o que as forçava a horas extras sempagamento. Muitas companhias negavam àmaior parte dos trabalhadores a filiação a umsindicato. Eram comuns os casos de assédiosexual, sobretudo porque não eraconsiderado ofensa no Quênia. Não haviacobertura para planos médicos, à exceção deumas poucas floriculturas do Naivasha, quetinham um departamento médico. Uma fonteda mídia fez, confidencialmente, a estimativade que pelo menos dois trabalhadoresmorriam por ano, vítimas do envenenamentopor produtos químicos; outros cincoadoeciam devido à exposição a pesticidassem a devida proteção. Além disso, oalojamento que algumas plantações

ofereciam era simplesmente miserável.Segundo a comissão, os operáriosdeclaravam que essas acomodações eramterrivelmente superlotadas e anti-higiênicas.Cerca de 50 mil pessoas viviam ali em plenaimundície, sem eletricidade ou serviços deesgoto, quatro ou mais num único quarto,variando de 18 a 20 quartos por “lote”. Deacordo com o relatório, muitas vezes tudoque separava uma família de outra, ousolteiros de casais, ou bandidos de crianças,não passava de um lençol rasgado. *** INEVITAVELMENTE, A MACIÇACONCENTRAÇÃO POPULACIONAL e asprecárias condiçõesde higiene levaram a umasituação cada vez mais perigosa osimigrantes e também opróprio lago. Negandosua participação na poluição ou na drenagem

do lago, os floricultores tinham seus própriosproblemas, incluindo a frustração por nãoconseguir que o governo instalasse sistemasde esgoto capazes de adequadamente dar fimaos dejetos humanos. Em outras palavras, emsua opinião o lago não havia sido poluídopelos produtos químicos e dejetos dasprodutoras de flores, mas por fezes humanas. Inexistindo serviços de água corrente ou deesgoto para a população crescente, os dejetoshumanos de Karagita e dos barracosvizinhos, bem como das shambas (pequenasfloriculturas itinerantes), eram despejados em“compridas fossas”, grandes buracos nochão, que manchavam a paisagem, e cujoconteúdo acabava chegando aos canais dabacia, que seguiam todos para um únicoescoadouro: o lago Naivasha.

“A principal ameaça, de que muito se fala,evidentemente, vem das floriculturas queenvenenam o lago, pulverizando agrotóxicosque provavelmente escoam para o lago,destruindo seu ecossistema”, admitiu umdono de floricultura, o conde Peter Szapary.No entanto, segundo ele, estudosindependentes realizados por cientistas deum laboratório suíço – que recolheu amostrasda água e de peixes de seis ou oito áreasdiferentes do lago – demonstraram,surpreendentemente, que nenhum traço depesticida podia ser encontrado na água doNaivasha ou em seus peixes. “O que de fatoencontraram foi alta concentração denitrato”, informou o conde, acrescentando:“importante componente dos dejetoshumanos.”

Ainda que o lago não estivesse contaminadopelos produtos químicos que as floriculturasdespejavam – e havia quem afirmasse quenão estava – certamente ele era envenenadopela enxurrada de gente que elas atraíampara a região. E a poluição não era a únicaameaça ao lago. Quando os imigrantes sederam conta de que eram poucas as chancesde emprego estável nas plantações, passarama fazer o que melhor sabiam: pescar. NoNaivasha havia ainda então fartura de peixes,bem como de caça, e os homens lançaram-sesobre eles. Logo a caça e a pesca predatórias,sem licença e com o emprego de armadilhas,ocorreram em escala tão grande, quepraticamente constituíram uma indústria. Quem tomaria uma atitude? Não oDepartamento de Pesca do Quênia, sediadonum barracão e que raramente dispunha de

gasolina para os veículos ou incentivos paracombater os bandos de invasores, armados eperigosos. “O Quênia está repleto decorrupção em todos os níveis e por isto ficadifícil saber se as autoridades doDepartamento de Pesca fazem parte dosgrupos de invasores ou se apenas fechamseus olhos”, comentou um observador. Tampouco tomaria alguma atitude ogoverno, cheio de justificado orgulho pelapróspera indústria de flores, um dos maioresestouros econômicos desde a independênciado país, em 1963. Um artigo do New YorkTimes resumia a dedicação dos governantes àsua nova cultura favorita: “Como os preçosmundiais do café permanecem em baixahistórica, a Brooke Bond, a maior produtorade café do Quênia … recebeu permissãoespecial para abandonar as plantações de

café, tradicionalmente consideradas quasesagradas, substituindo-as pelo cultivo derosas.” Assim, enquanto a velha indústria doQuênia, o café, era literalmente podada emsuas raízes para abrir espaço para a nova,Joan Root, filha de um cafeicultor, ficariaperigosamente situada entre as duas, entre opassado e o futuro, o café e as flores. Aquelamaravilhosa terra, cheia de animaisselvagens, estava exposta à dura realidade deum comércio frio e desenfreado. A situação ia contra tudo o que Joan Rootdefendia. Num mundo de lucros, ela sepreocupava mais com os outros do queconsigo mesma. No mundo da belezamassificada e comercializada, ela permaneciacomo um produto genuíno do ambiente deonde provinha. Estava furiosa com o que

estava acontecendo com a terra, com ostrabalhadores, com o lago, mas nãoconseguia atribuir a culpa aos imigrantesindigentes. Não decorreu muito tempo atéque se posicionasse contra a indústria.“Suponho que, pessoalmente, Joan Root teriapreferido que nem a horticultura, nem afloricultura houvessem se estabelecido aoredor do lago”, declarou Rod Jones, consultorcomercial das indústrias de flores.“Compreendeu, no entanto, que haviabenefícios econômicos envolvidos, quetolerou nos primeiros anos. Joan não tinhapapas na língua a respeito do impacto que osfloricultores estavam causando ao lago. Ouvidizer que volta e meia ela vociferava contraos pesticidas e os fertilizantes despejados naágua, afetando sua composição e suatoxicidade, degradando-a cada vez mais.”

Queixar-se era, porém, o mesmo que culpar ovento pela poeira. Quem poderia recriminaruma floricultura por querer ampliar oslucros? Ou por trazer o empregodesesperadamente desejado a uma região emque antes existia tão pouco trabalho? Ou porcultivar um rico negócio onde nada anteshavia, a não ser a natureza e a vidaselvagem?Aquela era apenas mais uma situação do tipo“só-na-África”, tão insana quanto umamulher emprestando seu marido a umadoente terminal até sua morte. Sem contar asuprema ironia: sua preciosa terra natalestava sendo destruída pelas rosas, símbolointernacional do amor. Capítulo 8 UMA DAS PRIMEIRAS PROVIDÊNCIAS DEJOAN na nova condição de mulher solteirafoi finalmente obter o brevê para pilotar o

Oscar Charlie, que recebera no divórcio.Costumava então decolar de sua pista degrama e sobrevoar toda a região do lago, tãoserena quando vista do alto, muito acima dascalamidades em terra. E planava sobre aquela área de contrastes,grandes e lendárias propriedades bem juntodos telhados de zinco de favelas pululandode gente, intermináveis faixas de terrarodeando a aglomeração de estufas brancas.Voava em direção às montanhas, em meioaos vulcões adormecidos pontilhados degêiseres emitindo jatos de vapor alvo equente, e subia tão alto que quase se esqueciados problemas que marcavamsua nova vida.Às vezes ela se desligava dos controles,esperando ver Alan ao seu lado, sempre tão àvontade lá em cima, filmando aquele mundoem vias de desaparecer, como tantas vezes

antes. Mas ela estava longe de sua órbita,pelo menos enquanto Jennie vivesse, e porenquanto se sentia satisfeita que a situaçãotivesse chegado a tal ponto. “Finalmente vouter tempo para encontrar meu própriocaminho”, escreveu ao amigo AnthonySmith. “Não preciso dele para tocar as coisas… Eu mudei.” Na faixa dos 50 anos, com o cabelo louro jágrisalho, Joan tinha a sorte de ter passado avida no lugar mais lindo da face da Terra.Como uma flor selvagem, desabrochava ondefosse plantada, no habitat agreste dos leões,no Tsavo, numa cabana em ruínas na terrados gorilas, ou às margens de um rioinfestado de crocodilos, no Congo. Depois detudo isso lhe ter sido arrancado, ela haveriade retornar à vida, de reflorescer, de ser Joannovamente. Aterrissaria seu avião no

Naivasha, e ali, com toda uma bagagem dehistórias e de aprendizado na mata, ela iriarecomeçar. E, com a causa que iria abraçar – a luta parasalvar seu adorado lago –, afinal liberaria apersonagem que por tanto tempodesempenhara só para Alan. Ela se tornariauma mulher respeitada, poderosa,independente, decidida não só a registrar,como também a preservar o continente e osanimais que amava. Horrorizada com o quese passava no lago Naivasha, ela se davaconta de que o que testemunhara naÁfricaCentral e no Tsavo em breve poderiaacontecer em sua vizinhança. Sentada em sua varanda, anotava as centenasde coisas erradas, observando as imensasbolhas brancas de plástico que eram asestufas, ocultando as praias de seu lago.

Naquelas estufas, as luzes ficavam acesasnoite e dia, perturbando o ciclo de vida dosinsetos, que ela sabia serem a base doecossistema do Naivasha. As estufas tambémrestringiam a alimentação noturna doshipopótamos e de outros animais em terra, aomesmo tempo em que sugavam a água para airrigação e, ela desconfiava, despejavam devolta fertilizantes e pesticidas. Os dejetoshumanos estavam contaminando a bacia, elatinha certeza, embora fosse solidária com ospobres habitantes das favelas. Compreendiaque os homens, emasculados pela falta deemprego nas floriculturas, não tivessemoutra opção senão a pesca e a caçaclandestinas. Esses transgressores só precisavam de umarede barata para dar início a um pequeno elucrativo negócio. De modo geral,

trabalhavam em grupos de três,especializados num tipo de pesca chamadokorosho. Os pescadores lançavam na águaquatro redes circulares de malha fina edepois as puxavam, de forma a apanhar tudoque se encontrasse no caminho. Logocomeçaram a empregar malha ainda maisfina, pegando não só os peixes miúdos, comotambém as ovas. Isso alarmou Joan, pois elesestavam interrompendo o ciclo dedesenvolvimento da vida marinha eesgotando sua própria fonte desobrevivência. Sentindo-se energizada depois de venceraquele cowboy queniano que tentara roubar-lhe as terras, Joan escreveu em seu cadernopessoal: Responsabilidade é uma questão de postura.Uma atitude em relação aos acontecimentos.

Pode-se assumir a responsabilidade ousentir-se vitimado pelo mundo. A escolhaentre desempenhar o papel de vítima eassumir a responsabilidade irá determinarqual poder irá crescer: o nosso ou o do outro.Se assumimos a posição de vítima, perdemoso poder. Se assumimos a responsabilidade,então temos o poder de fazer algo pelo queestá acontecendo, de escolher o próximopasso. Tudo se resume na atitude. O rotineiro “Oh!” transformava-se agora em“Não!”. Não à pesca predatória. Não àdegradação da terra que amava, coberta porquilômetros de estufas de plástico, além dasquais ficava a favela de Karagita e a estradaMoi South Lake, onde intermináveiscomboios de caminhões soltavam fumaçanegra e levantavam poeira, transportando

flores para o aeroporto de Nairóbi, de ondeseriam enviadas para o mundo inteiro. Logo a frustração de Joan transformou-se emraiva – não pela simples existência dasfloriculturas, mas antes pelo que elas faziamao lago. Voando de volta para casa – que se distinguia por dois altos eucaliptosna margem – divisava nitidamente ospelotões esfarrapados de pescadores em meioaos papiros e bem dentro do lago, com osdorsos nus e shorts remendados, lançandoredes ordinárias para apanhar peixes detodos os tamanhos. Também avistavatransgressores na terra, matando animaisselvagens para obter carne, instalandoarmadilhas a fim de capturar algo quepudessem comer ou vender. Ela não osculpava. Sabia que haviam sido jogados nummundo em que precisavam sobreviver de

qualquer maneira. Sabia que mais da metadeda população do Quênia tinha menos de 18anos. Sabia que a criança queniana médiajamais vira um elefante. Sabia também que,por viver em favelas, com suas pouquíssimasoportunidades de educação, a maioria desseshomens não tinha outro futuro senãotrabalhar nas floriculturas ou pescarclandestinamente no lago. Ela queria ajudá-los. Mas como? No início de 1994, escreveu no diário:“Pescadores demais, pescando eatravessando o lago, que está baixo. Por isso,eles puxam as redes na parte que tempapiros.” E, alguns meses depois: “Tantosafricanos atravessando minhas terras parapoder chegar à estrada, já que todos oscaminhos estão obstruídos.” As estufasbloqueavam o trânsito entre o lago e a

estrada principal, e, assim, a propriedade deJoan tornou-se a única passagem. Ospescadores cruzavam Kilimandege parachegar ao lago e pescavam em sua praia.Quase da noite para o dia, aquelestransgressores praticamente haviam seapossado de suas preciosas terras ribeirinhas,pescando, capturando animais emarmadilhas e acendendo fogueiras paracozinhar suas presas. Suas suspeitas de que aquilo representavagrave perigo para o lago em breve seriamconfirmadas. ELA MORAVA Só , mas raramente ficavasem sua considerável equipe de empregadosou um constante fluxo de visitantes. Amigos,tanto novos quanto mais antigos,encontravam abrigo temporário em sua casa,cujas portas estavam permanentemente

abertas. Anthony Smith morou lá enquantoescrevia um livro sobre o Great Rift Valley. Aamizade deles vinha desde a viagem de balãocom Alan, na qual ela se misturava àpaisagem lá embaixo. Não só Joanproporcionou a Anthony um lugar para ficar,como também atuou como “seu homem noQuênia”, como diria depois, realizandopesquisas sobre o que ele pretendia escrever,planejando seus itinerários, conseguindo-lheos contatos e as permissões, e atéacompanhando-o nas viagens de estudo. Cineastas da natureza também costumavamvisitar sua propriedade. Richard Brock, quetrabalhava para a BBC, vinha frequentementedesenvolver projetos ou trabalhar neles,confiando no intelecto, no conselho e nahospitalidade de Joan. Ela escreveu sobretodos esses visitantes em seu diário, mas a

presença mais apontada é a do dr. David M.Harper, veterano palestrante daUniversidade de Leicester, Inglaterra, quesurgiu por acaso em Naivasha, nos anos 80 eque também por acaso iniciou um estudosobre o lago que durou 20 anos, sendofinalmente patrocinado pelo EarthwatchInstitute, o serviço mundial de ajuda ao meioambiente. Quando Harper apareceu pela primeira vezna região, Joan começou a assistir a todas assuas palestras sobre o lago, realizadas emsalas meio vazias de hospedarias turísticas.Instalava-se sempre numa das filas de trás,com sua elegante roupa dealgodão com umlenço de cabeça combinando. Sua atenção eraintensa. À medida que as pesquisas deHarper prosseguiam e que seus prognósticossobre o lago ficavam cada vez mais sombrios,

ela superou a timidez e se apresentou a ele.“Há muita coisa que a indústria de florespoderia fazer para amenizar o impacto sobreo lago e o meio ambiente”, Harper lembra-sede ouvi-la dizer. Ele imaginou que, se estudasse a composiçãoquímica da água dos poços artesianos dabacia do lago, seria possível, talvez, decifrar oque se passava com ela. Todos que viviam àbeira do Naivasha obtinham água atravésdesses poços e Joan conhecia a localização decada um deles. Harper entrou na velha Pajero de Joan e lá seforam os dois. Ela o levou a quase todos ospoços da região, ajudando-o a analisar a águaem cada um deles, apresentando-o aos seusdonos, atuando como seu representante nolago.

Seus estudos sobre o Naivasha se ampliarame intensificaram e Harper sentiu necessidadede um lugar para poder medir as mudançasque a linha de maré sofrera nos últimos 100anos. Precisava de um ponto de partida, deuma área em frente ao lago que houvessepermanecido intacta nos últimos 100 anos.Existia apenas um lugar próximo ao lago queas plantações de flores não haviam usurpadoou cujos proprietários não tinham destruídoa vegetação natural. Apenas um lugar aindaacessível aos animais, segundo Harper: os 88acres de Joan Root. Por isso, ela o convidou a sediar asinvestigações em andamento em suas terras ehospedar-se em sua casa, junto com suaequipe. Com satisfação, apresentou-se comovoluntária para ajudá-lo. O que era bom parao lago era bom para Joan Root.

Por volta de 1995, Harper fez um prognósticode que provavelmente Joan já suspeitava:caso não se tomassem medidas restritivas, olago iria diminuir e morrer em 15 anos. Em2006, o veredito de Harper foi: “O lago temapenas cerca de cinco anos de vida, em seuatual estado, se ninguém fizer nada arespeito.” Sabia que Joan vira o lagodeteriorar-se a cada dia, e que ela se afligiaespecialmente diante da recusa dasautoridades em impedir sua devastação. JOAN COMEÇOU A OBSERVAR oscaçadores e pescadores ilegais do lago – amaioria dos quais tinha entre 18 e 21 anos.Eram africanos provenientes de uma dezenade tribos, reduzidos à miséria. Alguns tinhamsido despedidos das floriculturas, outrosestavam ali por opção, já que o salário de umtrabalhador masculino nas floriculturas era

de 85 a 150 xelins quenianos por dia (de 1,50dólar a 2,25 dólares), por oito horas detrabalho, enquanto um pescador podiaganhar duas vezes mais em metade dotempo. Além disso, no lago não se eraforçado a suportar o rude tratamento dospatrões, o risco da exposição a produtosquímicos ou de demissão. Como pescadorclandestino, era possível trabalhar seis diaspor semana dentro d’água, ao sol. A história do jovem Simon era típica: comoseus colegas da pesca clandestina, elecostumava pescar nas águas rasas com umarede estropiada, remendada com hastes depapiro atadas às malhas. Aos 33 anos, era um“mestiço” das tribos Luo e Luhya e moravacom sua mulher e quatro filhos num quartode um casebre de pau a pique em Karagita.“Não é uma profissão honrada”, falou Simon

num inglês claro com sotaque britânico,dentro do lago com água pela cintura e orabo de um peixinho saindo-lhe da boca.“Faço isso porque não existe outra maneirade sobreviver.” Trabalhara no “departamentode pulverização” da Homegrown FlowerFarm até ser “declarado excedente”. Tentouuma profissão legal, fazendo barbas por 20xelins a cabeça (25 centavos de dólar). Nãoera, porém, suficiente para alimentar afamília. “Um amigo me disse: ‘Tem outrojeito de ganhar a vida, e tudo de que precisa éuma rede.’” E assim, de uma hora para outra,Simon tornou-se pescador ilegal,alimentando a família com os peixes quetrazia do lago e sustentando-a com o dinheirode sua venda. Tinha sido preso quatro vezespor esse motivo e numa delasficou três meses

na prisão de Naivasha. “É o inferno”,revelou. Ainda que fosse uma atividade vergonhosa, apesca clandestina parecia a única saída. Deque outra forma poderia um homem trazerpara casa comida para a mulher e os filhos,pagar os 800 xelins (12,58 dólares) por mês aosenhorio por um único quarto em Karagita eainda ficar com algum trocado no bolso? EmNaivasha avaliava-se um homem pelostrocados que trazia no bolso, principalmentese tivesse que subornar algum policial,quando surpreendido pescando. Se o bolsoestivesse vazio, o pescador seria conduzido àcadeia de Naivasha, onde 50 ou mais pessoastinham de dormir diretamente sobre o chãode cimento de uma cela coletiva. Uma vezlibertado, ele retornava imediatamente aolago, não só como pescador lutando para

sobreviver, mas também como criminoso, jácom um registro policial. Muitos desses pescadores ilegais voltavam-separa a caça clandestina, usando armadilhascirculares feitas com o arame roubado decercas das propriedades. Com alguns vira-latas treinados para tanger a caça até asciladas, eles capturavam desde os antílopesdik-dik, do tamanho de lebres, até o grandeimpala, muito valorizadopor sua carne tenra.À medida que os caçadores ilegais semultiplicaram, e que se intensificou acompetição pelo peixe e a caça, os homenspassaram a usar armas – bordões (cabos depicaretas) e pangas – para se proteger dosconcorrentes. O desespero criara bandidosdesesperados, transformando o Naivasha eos plácidos 88 acres de Joan Root numverdadeiro campo de batalha.

Todas as manhãs, ela e os empregados dacasa saíam para “patrulhas de caçadores” –não para os enfrentar, mas para libertar osanimais presos nas armadilhas, que surgiamem número cada vez maior. Ela decidira quesua propriedade seria sempre um refúgio, afim de que os animais pudessem dispordepassagem livre até a água. “Às vezes sinto-me como se estivesse vivendo em outroplaneta.” No diário ela registra seu crescenteapelo à ação. “Sentindo-me motivada!”anotou, no início de 1995. Ela também relatoua sua gradativa frustração, intensificada pelainépcia da polícia e das agênciasgovernamentais em chegar a uma soluçãopara aquele problema, que se tornavaimpossível. “Longa conversa [com umvizinho] sobre a situação deprimente aqui noNaivasha.”

As condições só pioravam, e em vão Joanprocurava alguém para ajudá-la. Osproprietários não apresentavam solução –muitos membros da Lake Naivasha RiparianAssociation eram donos de floriculturas ouarrendavam suas propriedades aosprodutores. “Alguns provavelmenteadmitiriam estar preocupados acima de tudocom o valor de suas terras e com aquantidade de água doce disponível parasuas atividades econômicas”, declarou lordeEnniskillen, presidente da associação, àrevista Iko. Considerando-se os bandos errantes decaçadores clandestinos e o progressivonúmero de criminosos, ninguém queria oporresistência no Naivasha, cada vez mais terrasem lei. Resistir ou reclamar era consideradoum gesto suicida. Mas desistir não era

próprio da natureza de Joan. Ela dirigiu até ochalé de seu sábio amigo Ian Parker, cercadopor um grande terreno, num luxuoso bairrode Nairóbi, onde aquele especialista em vidaselvagem morava com a mulher, Chris. Nasala de visitas, diante da fotografia do casalRoot no balão sobre o cume nevado doKilimanjaro, que Parker tirara 20 anos antes,Joan proferiu um violento discurso, o que lheera incomum. Contou-lhe sobre os inúmeroscaçadores clandestinos, que estavamacabando com tudo, e as intermináveisreuniões da Riparian Association, cujosproprietários se mantinham em eternacantilena sobre os problemas, semjamaistomar qualquer atitude. “É sóconversa, conversa, conversa!”, exclamou,“mas não se faz nada!”

Ian Parker conhecia extremamente bem olago Naivasha. Ele e a mulher tomavamconta da casa de Joan e Alan quando os doisse encontravam em algum safári. E por issoParker acreditava ter sua cota deresponsabilidade na sobrevivência do lago. “Você não vai chegar a parte alguma se sóficar gritando ‘Não!’”, ele argumentou, e Joanentendeu o que ele queria dizer. Apreservação, na maioria das vezes, limitava-se a tentar impedir pessoas de fazerem istoou aquilo, motivo porque, sobretudo nafaminta, miserável e complexa África,nenhuma delas era bem-sucedida. “Se quer que eles parem de agir errado,proponha-lhes agir certo”, ponderou Parker.“Se forem pescar, estimule-os a pescarcorretamente.”

Fazia sentido. Afinal, se ela fora capaz derecuperar uma doninha, de ensinar umporco-espinho a sacudir seus espinhos e dedomesticar um hipopótamo, por que nãoconseguiria recuperar um caçadorclandestino, convencendo-o a obedecer àsleis? E, se ela o transformasse – e tantosoutros como ele – num pescador licenciado,regido pelas leis do lago, não estariam ospeixes, animais selvagens e todo o equilíbrioecológico correndo risco muito menor? DE VOLTA AO LAGO , presenciando aatividade pesqueira clandestina atingir seuauge, com centenas de silhuetas humanaslançando suas redes e causando devastação,Joan afinal tomou uma atitude ousada, cujasrepercussões seriam imensas: saiu e foidiretamente falar com alguns pescadores,perguntando o que poderia fazer para

remediar a situação. A primeira reação delesfoi tentar vender a ela dutos de irrigaçãoroubados de sua própria terra. Embora osdutos pertencessem a quem os haviainstalado ali, os pescadores desmontavam-nos para tentar vendê-los outra vez aoslegítimos donos. Ainda não tinhamencontrado ninguém que aceitasse o negócio,até Joan aparecer – até então sempre eramrecebidos com desdém, quando não com umaarma de fogo. Joan, porém, não se importou. Sabia tratar-sede trapaça, mas, para inaugurar o diálogo,comprou de volta seu próprio equipamentopirateado por eles. “Paguei 1.500 xelins quenianos [22,50 dólares] pelosdutos e 1.050 [15,75 dólares] por 51 estacas decedro”, escreveu ela no diário, em 15 dejunho de 1994. Em troca, começou a

conversar com os rapazes sobre aimportância da pesca responsável, em vez daclandestina. Eles explicaram que não tinhamescolha: tornar-se pescador legalizado elicenciado exigia algum capital. Era precisocomprar um barco, pagar a licença, comprarredes no padrão regulamentado; eles nãotinham condições para tanto. A conversadeixou Joan ainda mais frustrada. Pouco depois, um pescador legal quenianodesembarcou em sua propriedade, comideias e conselhos que acabariam pormostrar-se úteis. Seu nome era David Kilo, eseu programa contra a pesca ilegal e pelapreservação do lago Naivasha tentavaativamente – ainda que com bem poucosucesso – pôr fim àquelas atividades ilegais.Kilo conheceu Joan quando o motor de seubarco quebrou bem em frente à casa dela.

Enquanto os pescadores clandestinos nãoexperimentavam o menor constrangimentoem atravessar as terras de Joan, Kilo e seusdois companheiros acreditavam precisar depermissão. Ele viu aquela mulher branca, delenço na cabeça, alimentando os pássaros emsua varanda e assobiou, chamando-a:“Memsaab! Precisamos de ajuda!” Ela se aproximou da margem enquanto Kilovinha pela água, entre os papiros. Perguntou-lhes quem eram. “Somos pescadores registrados”, respondeuKilo, explicando o problema com o barco epedindo permissão para cruzar suapropriedade até a estrada. Joanevidentemente assentiu. Os pescadores então atracaram o barco eatravessaram o terreno de Joan,transportando a pesca daquele dia. Na

manhã seguinte, antes de retornar paraconsertar o motor, Kilo telefonou para onúmero de celular que Joan lhe dera. Ansiosapor demonstrar seu apoio à pesca legal, namesma hora ela fez um trato para comprarregularmente seus peixes, que seriamdestinados a um pelicano e um marabu queestava recuperando. Em encontrossubsequentes, os dois conversaram sobre asmedidas possíveis para deter o aumentogalopante da pesca predatória. Ela lhe revelou a ideia de reabilitar ostransgressores. “O que seria preciso?”,perguntou a Kilo. Em primeiro lugar, elaprecisaria de um barco construído por umfundi (construtor licenciado de barcos depesca) e de dez redes de determinadotamanho, autorizados pelo Departamento dePesca. “Quando a senhora tiver o barco, com

certeza conseguirá a licença”, disse-lhe Kilo,acrescentando que a taxa era barata: 350xelins quenianos (5,24 dólares) por ano. Eelogiou Joan: “É uma grande ideia, e semdúvida a senhora não terá dificuldadealguma.” Tudo que ela precisava era um pescadorclandestino. EM FEVEREIRO DE 1997, entretanto, suaatenção foi temporariamente desviada dolago. Sua última ligação com o passado, opai, Edward Thorpe, estava morrendo depneumonia aos 90 anos num hospital emAmarillo, Texas. Desde a morte da mãe, oitoanos antes, Joan o visitava com frequência,mantendo contato regular, sempreconversando sobre a paixão comum pela vidaselvagem.

Imediatamente após receber a notícia de suainternação, ela tomou um avião para osEstados Unidos a fim de ficar a seu lado,encontrando-o em estado de semiconsciência.“Joan”, disse ele, em meio aos odores de éterdo leito, “não vá embora.” No dia seguinte,ele já não a reconhecia. E um dia depoisestava morto. O último homem influente navida de Joan havia partido, porém já se podiadivisar no horizonte outro, maiscontrovertido ainda. DE VOLTA AO NAIVASHA, ela sempreacordava cada manhã antes da aurora. Umamulher queniana não fica rolando na cama –pelo menos, não Joan Root, que costumavarecolher-se ao quarto às sete da noite, assistira um filme e apagar as luzes pelas nove oudez. Em seu quarto espartano, ela ia até opequeno closet, onde cada peça de roupa

estava meticulosamente empilhada oupendurada de acordo com o tipo e a cor, e escolhia o traje que setransformara em seu verdadeiro uniforme:tênis de sola de borracha, shorts, calças ousaia de algodão e blusa de manga curta damesma cor, tudo encimado por uma grande ecolorida bandana amarrada ao estilo africano,que ela usava cada vez mais na cor vermelha,“o que a tornava instantaneamentereconhecível”, disse ao repórter de um jornalo agente de um programa de controle daAids instalado numa floricultura vizinha.“Normalmente são os africanos negros, comonós, que usam lenços assim.” Destrancando a porta do quarto, quedispunha de grades de ferro nas janelas, Joania imediatamente alimentar os animais – elessempre chegavam primeiro e eram tudo para

ela: seus companheiros constantes e suamaior fonte de satisfação. Havia quemvinculasse sua intensa devoção à terra e aosanimais ao fato de serem tudo que lhe restarade Alan. “Aquela casa conservava algumacoisa de Alan, para ela”, comentou umaamiga. “Ela não mudou absolutamente nadaali. Imagino que até queria, mas não poderiasuportar.” Obviamente ela também amava a terra portudo o que dela recebera: sua vida selvagem,sua beleza e o desafio de salvá-la contrapossibilidades inacreditáveis. “No Naivashahá sempre muita coisa para me manterocupada”, escreveu Joan a amigos, no finalde 1996, em carta que os informava de algoque considerava uma enorme mudança, àqual resistira obstinadamente por muitotempo: cercar sua propriedade. Até então, o

lago era considerado “terra de Ramsar” (otratado internacional para conservação eutilização sustentável de pantanais foraassinado em Ramsar, Irã, em 1971). Todos osproprietários, exceto Joan, haviam erguidocercas, como também fechado os corredoresque permitiam o acesso ao lago tanto aosanimais selvagens quanto ao público. Os 16corredores originais foram reduzidos a um,tão estreito e infestado de hipopótamos quepouca gente se atrevia a passar por ele,preferindo o fácil acesso pelos 88 acres deJoan. “Minha propriedade era a única aberta portoda a estrada South Lake, o que significavamuita falta de segurança”, escreveu ela.“Minhas terras recebiam invasores humanos,gado dos massais, hienas, bandos decachorros caçando meus animais selvagens.

Por isso, em meados de 1996, coloquei umacerca de 2m de altura, ao longo da estrada enos limites laterais do terreno, para melhorproteger meu santuário. Os leopardos e asjiboias ainda perambulam pela margem dolago, o que fornece um nível tolerável deproteção.” A cerca servia a duplo propósito: mantinhafora os predadores – tanto humanos quantoanimais – e dentro a vida selvagem. Emépoca de seca, os animais vinham do campode Kedong, nas cercanias, para a área cercadade Joan, “onde se sentiam seguros”, sua cartacontinua. “Além dos antílopes de sempre, asgazelas e os dik-diks, havia zebras, girafas,alces e impalas ao redor da casa. Quandochegavam as chuvas, entre abril e maio, todosretornavam ao campo, o que permitia aminhas terras a recuperação de seu estado

normal, sem tantos bichos. Os únicos animaisdomesticados que tenho agora são Chekky, oporco-espinho – que este ano completa 20anos –, um duiker do Sudão, de flancovermelho, e três grous-coroados.” A cerca, no entanto, não impedia a intrusãodo mundo humano cada vez maisdesesperado que se encontrava além dela. A “PATRULHA DE CAÇADORES” DEJOAN na manhã de 16 de agosto de 1997revelou novos agressores: cães. Não animaisdomésticos, mas vira-latas ferozes, treinadospara tanger os animais em direção àsarmadilhas ou simplesmente matá-los – asarmas mais eficazes dos caçadoresclandestinos, armas que os ambientalistasdesprezavam. Naquela manhã, três delesacuavam e aterrorizavam um cobo. Já queuma mulher e dois quicuios nada

representavam numa briga de cachorros,mesmo sendo Joan Root a mulher, ela sepreparou para o pior enquanto as feras seaproximavam de sua presa. Uma súbita agitação na praia revelou trêspescadores clandestinos. Molhados e sujos,eles se precipitaram em meio aos papiros,mas não para atiçar a matilha ou capturar ocobo. Surpreendentemente, não estavamrealizando um ataque, mas um resgate, semque Joan jamais viesse a saber por quê. Olíder evidente do grupo era um quicuio deproporções atléticas, usando um velho shortencharcado e uma camiseta rasgada, porémabençoado com velocidade e agilidade, alémda beleza natural dos nativos. Ele perseguiuos cachorros e chamou um amigo, que matouum deles com um revólver. Assustados, osoutros cães fugiram, deixando para trás o

trêmulo cobo e uma Joan Root extremamenteimpressionada. “Olá!”, exclamou o pescador que haviasalvado o cobo, para em seguida apresentar-se como David Chege. *** NO DIA SEGUINTE, Geoffrey, jardineiro deJoan, bateu à porta de David Chege, emKaragita. “Mama Joan quer vê-lo”, avisou.Chege então foi até a propriedade de Joanpara fornecer-lhe o que ela mais prezava:informações. Desejava ela saber onde viviamos vira-latas, conhecer o dono deles e garantirque os animais nunca mais voltassem a suasterras? Chege podia arranjá-lo e o fez. Joanqueria saber quem roubara seu equipamentoanos atrás? De novo, Chege podia consegui-lo e o fez. Ela desejava saber tudo sobre olago e seus invasores, os pelotões de homens

que realizavam pesca predatória e matavamanimais em terra? David Chege podia ajudar. Chege foi na pista dos ladrões querecentemente haviam roubado sua bomba e omotor. Levou a polícia até eles e os policiaisos prenderam em flagrante, devolvendo aspeças a Joan. Ele sabia quem cortava osarames de sua cerca, quem invadia suasterras à noite para pescar em seu trecho demargem, quem incendiava seus papiros ecolocava armadilhas para seus preciososanimais. A pergunta seguinte era: quem seria aquelefuracão que conhecia tudo e todos osrecantos e redemoinhos do lago, aondepoucos mzungu se atreviam a ir? Ele faziaparte daquele lamentável êxodo para oNaivasha. Morava em Karagita, com amulher e dois filhos, e era originário de Molo,

a 90km de distância. Chege tinha sete irmãose uma irmã. O pai abandonara a família,deixando a mulher só, forçada a trabalhar nasfloriculturas, com as crianças engalfinhando-se entre si. Membro da maior das tribos dosquicuios, Chege era dotado de notávelinteligência, astúcia nos negócios e ótimaaparência. Era pescador clandestino desde osdez anos e, como todos concordavam,transformara-se no ilegal mais resistente,determinado e cheio de truques de todo oNaivasha. Normalmente vestidos comsungas encharcadas e bastante gastas, Chegee seus colegas praticavam o korosho damaneira mais ecologicamente destrutiva.Todas as noites repartiam o butim,vendendo-o no mercado mais próximo ou nafavela. Ganhavam apenas o suficiente para

comprar comida e, vez ou outra, uma dose deuísque. Chege andava pelos 20 anos quando suamiserável vida de pescador clandestinojuntou-se à de Joan Root pós-Alan. Um mêsdepois daquele encontro, ele se tornaria paraela fonte constante de informação, sua força eproteção. O mundo socioeconômico dos transgressoresque David Chege começou a revelar paraJoan era tão estranho e fascinante quanto oscorredores ocultos de um cupinzeiro, só queos infratores literalmente estavam acabandocom sua propriedade. Era um universocomplexo que ela conhecia muito mal e aoqual não tinha acesso, apesar de ter vividonaquele lago por quase 40 anos. Depois deindicar os donos dos cães, Chege expandiusua rede de inteligência. “Chege telefonou de

Karagita … Chege me trouxe a informação …Chege quer saber o nome dos rapazes queroubaram meus pneus … Chege veio e estáinteressado em trabalhar com o CID(Departamento de Inteligência Criminal dapolícia de Nairóbi).” David Chege não se limitava a falar: agia,tomava providências, e assim foi ganhando orespeito de Joan. Por isso ela começou asegui-lo, a ouvi-lo e a confiar cada vez maisnele. Como poderia ela, ou qualquer outronaturalista devotado, deixar de fazê-lo? Elenão era apenas um guia incomparávelnaquele radical mundo oculto, era também apeça-chave para que Joan o salvasse. Em troca, Joan Root apresentou David Chegea um mundo igualmente fascinante. Ele sabiaquem ela era, como a maioria das crianças emKaragita. Todos tinham assistido a Two in

the Bush e aos outros filmes do casal Root naescola primária Longonot. Mas a realidadepara a qual ela lhe abria as portas estavamuito além das maravilhas daquele filme.Era um aparentemente ilimitado universo dedinheiro e do bem mais valorizado noQuênia: a terra. Embora estivesse logo ali, dooutro lado da estrada, nem de longe eleimaginava aquele país de fartura. Esubitamente estava dentro dele. Alguns diasdepois de seu primeiro encontro, Joancomprou para Chege um colchão novo earranjou-lhe um emprego temporário na casade um dos proprietários da beira do lago. Em seguida, Joan fez-lhe uma incrívelproposta: não só pagaria por suasinformações como também o ensinaria apescar de forma legal, além de patrocinar-lhea atividade. Dentro de um ano, ela já

conseguira tudo que ele e seus colegasprecisavam. “10.3.99 Fomos ao Departamentode Pesca. Conseguimos licenças para o barco, eu, Chege, Isaac e Joseph”, elaregistrou em seu diário, incluindo os companheiros dele em seu plano dereabilitação. Ela também comprou as dezredes-padrão exigidas. Em vez deprosseguirem com o destrutivo korosho, elespodiam lançar as redes adequadamente, sócapturando peixes do tamanho permitido porlei. Com paciência, Joan ensinou a David esua equipe os pontos básicos da pesca legal: otamanho correto, a quantidade de redespermitida, com malhas que impediam acaptura de peixes miúdos e ovas; aimportância capital de não pescar em locaisecologicamente frágeis: lagoas, baías ecinturões de papiros, que serviam como

pontos de desova para os peixes; os períodosem que a pesca era permitida, a quantidademáxima nas sacolas e outros regulamentosespecificados pela Lei da Pesca do Quênia.Joan também tentou fazê-los compreenderemque a obediência àquelas práticas e aosregulamentos produziria um lago sustentávelque, de acordo com o Departamento dePesca, iria “proporcionar trabalho paramuitos jovens desempregados do Naivasha”. Ensinou-lhes também como vender seuspeixes. E, em troca, eles manteriam osinvasores longe das terras dela. E assim umanova força irrompeu no Naivasha: o Barconº8, pesqueiro legalizado, patrocinado poruma mzungu. Ela foi ao escritório do KWS(Kenya Wildlife Services) “para saber o que épreciso para ter alguém como Chege no lago,vigiando e colaborando com a KWS”, anotou.

E quando os funcionários da KWSresponderam que achavam boa ideia, elamandou Chege e sua equipe para o lago, emseu barco, com seu equipamento, seudinheiro e suas bênçãos, a fim de proteger edefender a região do flagelo que a ameaçava. Joan Root não era uma radical, insistiramseus amigos, apenas uma mulher lutandopara proteger o que tão desesperadamenteamava: suas terras e, com isso, a região demodo geral. Ainda assim, a impressão era deque ela buscava algo maior, uma missão devida, maior e mais ousada do que seusfilmes. Se fora capaz de reabilitar DavidChege, o mais conhecido pescadorclandestino do Naivasha, por que nãopoderia reabilitar os outros? Se o conseguisse,salvaria do crime uma geração inteira dejovens quenianos e, simultaneamente, seu

amado lago. Se protegesse o meio ambientesob seu controle, também seria capaz desalvar o meio ambiente de modo geral. Seatingisse tal meta, todos, brancos e negros, sebeneficiariam, e talvez outras pessoasseguissem seu exemplo. DOS MILHARES DE PESCADORESDESPOSSUÍDOS que Joan poderia terescolhido para reabilitar, Chege era o melhore o pior candidato – o melhor porque, comoobservou um proprietário das imediações, eleera “um diamante bruto”, o consumadopescador clandestino, com ideias tão velozesquanto os pés; segundo muitos outros,porém, o pior porque era um terríveloportunista, sempre à cata de qualquer alvofácil, que muita gente (a polícia incluída)dizia ter encontrado em Joan Root.

Para a comunidade branca de Nairóbi e deNaivasha, como também para muitosafricanos da área, Chege personificava todosos males da região. As pessoas insistiam emdizer que ele era não só pescador clandestinocomo também cúmplice de criminosos,ladrão e muito mais. Até Joan surgir em suavida, ninguém jamais o vira trabalhando, anão ser na pesca ilegal. “É um sobrevivente”,explicou um morador antigo do Naivasha,“capaz de se adaptar a qualquer situação. Sevocê olevanta, ele se adapta. Se você o abaixa,ele também se adapta. É um quicuio, bom depapo. Quando alguém é bom de papo,ninguém sabe o que vai dentro dele. Não seconhecem seus motivos verdadeiros, emborase saiba que seu primeiro motivo é sempretirar vantagem.”

“Chege conhecia todos os truques”,comentou Sarah Higgins, vizinha de Joan. Elesabia quando, onde e como trabalhavam ostransgressores. Sabia como rasgar as redesque eles escondiam sob a água, e davasempre o primeiro o golpe. Logo os infratoresestavam em fuga, com suas redes confiscadase seus esconderijos, destruídos. Mas, adespeito do que Joan acreditava serem osmelhores esforços de Chege, a pescaclandestina prosseguia. Novas ondas de pescadores ilegais chegaramàs terras ribeirinhas de Joan, por meio dasfloriculturas, destruindo a vida marinha e apaisagem. “Dispararam 12 tiros ontem ànoite … A ponto de enlouquecer …Caminhando sobre os papiros, expulsei-os …Conversei com eles … Pescadores

clandestinos estão ameaçando. Fico exaustacom tudo isso.” O número de invasores só fazia aumentar.Não só matavam os peixes dali, comotambém consumiam o tempo de Joan. Sem sedar conta, ela se transformara de uma pessoade ideias elevadas, pretendendo dialogarcom os ilegais, em apenas mais umlatifundiário branco querendo expulsá-los. ASSOCIADO À QUESTÃO DOSINVASORES veio o aumento dacriminalidade, e nesse caso também JoanRoot tomou posição. “Tínhamos uma rede de comunicações parasegurança e, se alguém atacasse, poderíamosacionar o alarme”, revelou Annabelle Thom,arrendatária e amiga de Joan. “Tínhamosrádios e códigos.”

Certa noite, uma gangue armada atacou umcasal jovem, que morava mais abaixo, naestrada, e eles transmitiram um SOS pelorádio. “Joan e outra mulher foram as únicas aouvir o chamado”, continuou Annabelle.“Joan pulou em sua velha Pajero creme ecorreu até a casa para tentar ajudar. Ela nãosentia medo.” Quando chegou lá, entretanto, os bandidos jáhaviam fugido. Na manhã seguinte, quandoa cumprimentaram pela tentativa de ajuda,ela apenas respondeu: “Ah, não foi nada.” No dia 7 de abril de 1999 ela registrou nodiário ocorrência ainda mais grave. “Às duasda manhã despertei com a voz de Melissa norádio pedindo socorro. Telefonei para umaspessoas e para a polícia, e fui de carro até [afazenda] Three Point Ostrich. Três mortos nacasa de Duncan Adamson. Um homem ferido

e outro que abrira caminho pelo telhado dacozinha, mas caíra do lado de fora.” Os mortos eram ladrões que haviaminvadido a casa de Adamson, embora osvigias tivessem dado tiros para o alto. Umdos ladrões, que ficara segurando umapicareta sobre a cabeça de Duncan Adamson,foi morto com um tiro, e os outros doistambém foram abatidos. Joan escreveu: “Issovai nos deixar mais alerta quanto àsegurança.” O que, no entanto, não aimpediu de continuar lutando pelo lago e deconfiar inteiramente em David Chege comoseu protetor. CHEGE DESEMPENHOU IMPORTANTEPAPEL na missão de Joan em defesa do lago.O jovem queniano, porém, também afascinou num nível ainda mais amplo. Elapassou a fazer parte da vida dele, o que

significou fazer parte de seu drama: em certosentido, os problemas dele faziam-na pararde pensar nos dela, dando outra dimensão asua missão. “Longas conversas com Chege”,ela registrou várias vezes no diário. Chege iacom tanta frequência à propriedade de Joan,que acabou se casando com Esther, da equipede empregados de Joan. “Sou uma simplesgovernanta”, ela declararia mais tarde àpolícia, para se defender. Esther foi suasegunda esposa, sendo a poligamia um sinalde honra num país em que o status de umhomem muitas vezes se avalia pelaquantidade de esposas. Logo Chege e Esthertiveram filhos. Enquanto a primeira mulher eos outros filhos ainda viviam na favela deKaragita, Chege morava com Esther noalojamento muito mais confortável dosempregados de Joan. Ele não apenas passara

a chefe da equipe particular de segurança deJoan, mas também a membro efetivo de seupessoal, vivendo na propriedade. Em poucotempo ela estava envolvida nos problemasparticulares dele. “Ontem à noite, Chegesurpreendeu [outro homem] na cama comsua mulher e está arrasado.” E alguns mesesmais tarde: “Esther me disse que a primeiramulher de Chege veio ver-me, e ficou meesperando até as quatro e meia. Disse que eleconsegue dinheiro de mim com falsidades.” Para compor as peças daquele drama,naquela noite Joan recebera um telefonemade Karagita: “Chege desapareceu, mulhersequestrou filho… o que está esperando nãoé dele.” Depois a mãe de Chege veio até acasa de Joan contar que a primeira mulherdele tinha sequestrado o filho deles na portada igreja e o estava usando para barganhar

com seu marido. “Ela está grávida, e querque Chege a aceite de volta”, Joan registrou.“Ela fugiu e levou a mobília [seis mesesantes].” A mãe até sabia a identidade doverdadeiro pai da criança prestes a nascer:era um político sem importância, da favela.Mas a velha senhora aconselhara o filho aficar com a mulher e a criança e assim cortaro mal pela raiz. Joan completou: “Eu lhe dissepara seguir o conselho de sua mãe.” E como poderia Chege deixar de ficareternamente fascinado com as históriasigualmente selvagens que Joan lhe contavasobre Alan Root e os 25 anos que os doispassaram como os maiores cineastas da vidaselvagem de todo o mundo? Mais cativanteainda era sua vida depois de Alan, noNaivasha, diria Chege mais tarde, aodescrever como ela precisava

desesperadamente do ex-marido, como sentiasua falta e ansiava por ele. “Ela costumavadizer que, se o marido estivesse lá, ela nãoteria problemas em suas terras”, contou. Eladescrevia como as pessoas a importunavam etentavam aproveitar-se dela porque era umamulher sozinha, sem marido, em meio a ummundo só de homens. “Ela dizia ‘Se Alanestivesse aqui, ninguém mexeria comigo’”,recordou Chege. “Na maior parte do temposó falava sobre o marido, e que muita gente aimportunava porque não tinha marido.” SeAlan estivesse lá, garantia Joan a Chege,ninguém se atreveria a fincar postes de luzem sua propriedade sem sua autorização, oua derrubar seus ciprestes ou mesmo invadir –e destruir – sua propriedade. Seu lamentoacabaria se tornando uma ladainha. “Se Alanestivesse lá, tomaria conta dela”, lembrou

Chege. “E ela costumava repetir, sofrendo:‘Se Alan estivesse aqui…’” Não era Alan, entretanto, quem estava lá,mas apenas um invasor quicuio, pobre e sujo,da favela de Karagita. Capítulo 9 NESSA MESMA ÉPOCA , no início de 2000,Alan Root estava ao lado da agonizanteJennie. Já se tinham passado 18 anos desde afesta de casamento, no Naivasha, em queambos se haviam interessado um pelo outro;14 anos desde o diagnóstico de leucemia deJennie, e dez desde o divórcio de Alan e Joan.“Você não gostaria demorrer na África quetanto ama?”, perguntou Alan à mulher, naresidência deles em Nairóbi, durante osestágios finais do câncer. Ela, porém, insistiaem voltar para Londres. À época, Alan jáabrira mão da maior parte de suas atividades

cinematográficas por ela. “Já deixei algumacoisa para a posteridade, se não for muitapretensão”, disse ele a um repórter. “Nãoestou mais morrendo de vontade de melançar ao próximo trabalho, muito em razãode Jennie. Finalmente descobri que existemcoisas mais importantes do que o trabalho.”Assim, voaram para Londres, seguindo paraa clínica onde ele permaneceu ao lado delanos últimos momentos, até a provação chegarao fim em 11 de janeiro de 2000. “Sue Allanme telefonou, e também Ian Parker,informando-me de que Jennie faleceu estamanhã”, Joan registrou. “Jennie faleceu” parece pouco para umacontecimento monumental como aquele. Sealguém imaginava que Joan havia desistidode Alan ou dele se esquecido, teria a respostadias depois, quando ela, sentada com David

Chege na varanda de sua casa, conversandosobre os problemas que ele enfrentava paradeter a pesca predatória, foi interrompidapelo ruído de um helicóptero. Joan sorriu.“Bwana yangu sasa atarudi”, falou em suaíli,o que significa: “É meu marido que estávoltando para casa!”, e depois acrescentouem inglês: “Porque sua segunda mulheracabou de morrer.” De fato, um helicópteroaproximou-se cada vez mais, até o ruído dosmotores ficar tão próximo que parecia que iaaterrissar; mas de repente, o som começou aafastar-se e, por fim, lentamente foidesaparecendo, deixando Joan silenciosa navaranda, com o pescador. Passado ummomento, ela simplesmente desculpou-se eentrou em casa. Alan não voltou. Então, onde estaria ele?Jamais voltaria para seu lado? Na verdade, a

situação de Alan se complicara ainda mais.Permanecera todos aqueles anos ao lado deJennie, até que não sobrasse a ela nada alémde pele, ossos e uma dor excruciante eonipresente. O mais leve toque dele era umatortura para ela. Aquele homem ainda cheiode vitalidade, que passara a vida nos locaismais selvagens e excitantes da terra, viu-sesubitamente cercado pelos odores da doençae da morte. Não era mais livre para voaratravés do Serengeti ou por cima do monteKilimanjaro: estava confinado a umasucessão de consultórios médicos e alas decancerosos, ocasionalmente escutando deamigos comuns que Joan ainda tinhaesperanças de que, finalmente, ele voltassepara ela, mesmo passados 18 anos deseparação. Ele lembrou: “De alguma formaterrível, ela ainda me esperava. Explodi certa

vez, dizendo-lhe: ‘Você tem que construir suaprópria vida!’” Nos meses que antecederam a morte deJennie, ele conheceu uma jovem chamadaFran Michelmore num jantar em casa deCynthia Moss, que passara a vida estudandoos elefantes de Amboseli. Jennie estavahospedada por alguns dias no chalé de umaamiga, com teto de palha, num lugar lindo –perto do que outrora fora a grande florestados quicuios (a terra em que Karen Blixencombateu o incêndio que destruiu suaplantação de café, como mostra o filme Entredois amores). Fran era inteligente, linda evibrante, e certamente teve muitos assuntospara conversar com Alan: era cartógrafa,biógrafa, artista e violinista e ainda tinhaformação em zoologia.

1.4.2000. Alan contou para Adrian que estácom uma mulher, Fran Michelmore, e que embreve tornará o caso público … Eu já o tinhavisto com ela, numa exposição de arte, no dia26 de novembro – portanto, eles já estavamnamorando antes de Jennie morrer. Fiqueimuito abalada, tomada por várias emoçõesconfusas … Fui visitar uns amigos numaduka [loja] e contei para eles. De volta aoNaivasha, atordoada, agitada, passei a noiteinteira andando de lá para cá, mas nodomingo já me sentia novamente serena. Decerta forma foi um alívio, porque agora seionde estou pisando. Oito dias depois, Joan recebeu notícias aindamais inesperadas: não só Alan havia seapaixonado por outra mulher, como a mulherestava esperando um filho dele. “9.4.2000.Longa conversa por telefone com Adrian

sobre a situação de Alan com Fran. Não deveter sido assim tão fácil para ele antes de J.morrer…” Numa folha de bloco expressou seussentimentos para Alan, em carta que jamaisenviou: A., é muito estranho entrar em contato comvocê, por isso fiquei sempre adiando. Osmeses, porém, vão passando, e a situação vaise tornando ridícula. Você deve imaginar quevocê e Fran terem um bebê me afeta muito,embora me faça extremamente feliz por você.Fiquei em especial tocada por você ter dadoao menino o nome de Myles Nicholas.Acredito que Myles seja por causa de North ede Turner [Myles North, o velho amigo de Alan, estudioso dospássaros, que lhe inspirou o interesse pelasjaçanãs; e Myles Turner, outro amigo, que foi

chefe da guarda do Parque Nacional doSerengeti], e isso é maravilhoso. O que Franachou disso? Enviou, porém, alguns presentes para orecém-nascido, por mais doloroso que fossepara ela. Não muito tempo depois, chegou aseguinte carta de Alan: Minha querida Joan, Tenho a impressão – já que ambos sabemoscomo é Nairóbi – de que você já deve terouvido que voucasar-me semana que vem. Édifícil falar com você sobre isso ou qualquerassunto relacionado. Nós dois sempreachamos difícil nos comunicar, a não serquando cochichávamos um com o outro emplena floresta... De qualquer forma, queriaque você soubesse por mim mesmo, emboratenha deixado passar tanto tempo.

Nunca pude entender realmente por quenossa parceria não deu certo… pelo menos aminha parte não deu. Por muitos anos vocêfoi o vento que sustentava minhas asas e meajudou a voar bem alto… E então voei paralonge – um ingrato –, mas acho que nuncaentendemos bem o que nos faz agir deste oudaquele jeito. Sei que paguei um alto preçopor minha atitude, mas, através de todo essesofrimento, aprendi bastante sobre a vida esobre mim mesmo… Só sei agora que,embora tenha medo de morrer enquanto[Myles] for ainda jovem, precisando de mim,jamais me senti tão feliz ou realizado quantoagora, com o pequeno Myles. Muito obrigado pelo tamborete do VelhoMyles e pelos discos… É um gesto muitobonito … E muito obrigado por todo o resto.Sei que é terrivelmente tarde para dizer, mas

não posso terminar sem agradecer por seuamor e seu apoio, quando éramos tão jovens,e todos os nossos momentos divertidos, todoo nosso árduo trabalho e as grandes coisasque realizamos juntos. Você terá sempre umlugar especial em meu coração. É pena queeu seja tão incapaz de demonstrar isso. Espero que você esteja feliz em sua vida.Você é uma mulher maravilhosa. Por favor,não deixe que isso a faça sofrer. Com muitoamor, Alan. Desapareceria finalmente sua fé em Alan, oúnico homem que amara em toda a sua vida,uma vez que ele nunca mais voltaria para oseu lado, como a carta deixava claro? Iriaruborizar-se, constrangida, lembrando-se decerta ocasião pouco tempo antes, naInglaterra, quando, ao caminhar com umavelha amiga, na iminência da morte de

Jennie, perguntara: “Você acha que eu aindatenho chances?” Depois de tudo, a dúvidasoava ridícula, até mesmo humilhante. Umacoisa é certa: no final ela chorou. AnnabelleThom disse que Joan veio correndo até seuchalé, com a carta de Alan, e que choravaenquanto a lia. Depois, como sempre, aliás, ela se tornouainda mais forte, mais decidida. Empacotoutodas as coisas de Alan que restavam na casado Naivasha e despachou tudo para suaresidência com a nova família, perto deNairóbi. Aqui vão cinco caixas com livros antigosseus… Também tem alguns suvenires, comoseu dedo [o que ele perdera por causa dajiboia, conservado em formol], um quadroque você pintou na Nova Guiné, e um moldeem cera da pata de uma tartaruga das

Galápagos. Tínhamos planejado mandarfazê-lo em bronze, mas estivemos sempre tãoocupados nos anos seguintes… Você tem lugar aí para ficar com a pilha defilmes de 16mm que ainda guardo naquelearmário grande, no seu antigo quarto deedição? Há muitos com uma hora deduração, outros com meia hora, da Austráliae da América do Sul … Vou datilografar umalista deles. A PRESERVAÇÃO DO LAGO dera a Joannovo propósito na vida e uma causa pelaqual lutar. Ela estava produzindo e dirigindosua própria história da vida selvagem – nãoum filme sobre a natureza para a televisão oupara as salas de aula, mas umdramaverdadeiro, real, que poderia fazercrucial diferença na África. O protagonistadesse drama, o homem a quem ela dera apoio

e em quem confiara para promover asmudanças que o lago necessitava tãodesesperadamente era, é claro, David Chege.“Madame Root tomou Chege como seu filhoadotivo”, refletiu o pescador David Kilo, “demodo que não podia se falar nada ruim sobreChege, porque Madame Root não aceitava.” Se de fato ela o considerava um filho adotivo,como sugeriu David Kilo, então era seu deverprotegê-lo, defendê-lo e apoiá-lo de todas asformas, para salvar o lago e,simultaneamente, o próprio David Chege. Elaprecisava acreditar que ele era um bomhomem. Na verdade, Chege era um brilhante sedutor,que dizia tudo que ela desejava ouvir. Queele não era perfeito, Joan sabia pelo queouvira de empregados e vizinhos. Era,porém, um líder nato e uma força

extremamente eficaz. Tanto Joan quanto oNaivasha precisavam dele. Todosconcordavam ser preciso fazerimediatamente alguma coisa, ou muito embreve o lago estaria morto. “Umdeserto”,como certa vez ela disse a Chege,sem beneficiar ninguém. Àquela altura, onúmero de invasores atingira um nívelcrítico. Mais famintos e desesperados do quenunca, alguns estavam armados e perigosos. No final de 2000, a pesca clandestinaaumentara a tal ponto, que o lago Naivashaestava começando a ficar sem peixes. Com opassar dos anos, o número de barcoslegalmente registrados aumentara quatrovezes, e os clandestinos tornaram-senumerosos demais para que se pudessecontá-los. Todos concordavam que, semnenhuma providência, a pesca entraria em

colapso. Reuniões urgentes foramconvocadas para pôr em contato as agênciasgovernamentais e os pescadores cadastrados,tentando encontrar uma solução. Finalmente,decidiu-se que o lago precisava de umdescanso para as reservas de peixes serestaurarem e foi proibida a pesca duranteseis meses, a partir de 10 de fevereiro de2001. A Lake Naivasha Riparian Associationajudou a encontrar emprego para ospescadores licenciados nas floriculturas,pagando bolsas escolares para seus filhos,além de algumas despesas para subsistênciaenquanto a proibição estivesse vigorando.Joan, sempre preocupada com o bem-estaralheio, estava na dianteira de todos essesesforços – e pagamentos.

Os legisladores, contudo, negligenciaramuma questão crucial: qual benefício de umaproibição de pesca se os clandestinos aignoravam às claras? O número deles nãocaiu durante a proibição; na verdadeaumentou, frustrando tanto os legisladoresquanto os pescadores legais, que acabaramsendo punidos pela situação. “Na minhafrente, barcos jogando koroshos eclandestinos pescando a pé. É de deixarqualquer um furioso!”, escreveu Joan. Em 6 de fevereiro de 2001, antes que aproibição entrasse em vigor, Joan anotou nodiário que seu amigo Barry Gaymer – quedesde muito tempo era guarda florestalhonorário do Kenya Wildlife Services –reunira-se com a poderosa diretora nacionaldo Departamento de Pesca do Quênia, NancyGitonga. Queria falar-lhe dos planos de Joan

para acabar com a atividade ilegal no lago,através de uma força de segurança particular.No diário, Joan descreveu Nancy Gitongacomo uma “mulher impressionante …ocupada em mudar as leis na costa e emKisumu”. Nancy mostrou-se entusiasmada,dizendo para Gaymer “seguir em frente”com o “plano para limpar o lago” e acabarcom as pescarias clandestinas no Naivasha. Parte do plano de Joan implicava emcombinar as patrulhas mais duras de Chegecom a abordagem mais branda feita por ela:de fato, ela vinha tentando subornar osclandestinos, dos quais alguns eramempregados ociosos das floriculturas, outrossimplesmente desempregados, para queparassem de pescar. Tendo se aproximadodeles no nível pessoal e depois manifestando

sua oposição, Joan Root entrava numterritório perigoso. Enquanto a proibição de pesca e ocrescimento dos transgressores prosseguiam,a força de segurança de Joan expandia-se,acrescentando mais alguns homens à equipede Chege, que antes contava com apenasdois. Logo havia dois pequenos grupos desegurança, cada um patrulhando umdeterminado setor do lago ou, como escreveuJoan, “operando como um alicate”. Essaoperação lembrava o korosho, lançando umarede circular e capturando tudo que estivesseno caminho. Assim, o improvisado time derefugiados de Joan metaforicamente lançavauma rede ao redor dos clandestinos,recolhendo suprimentos, barcos e os própriosinfratores.

O problema não se limitava à água. Logoaqueles homens estavam chegando a suasterras vindo de todas as direções. Joandescreveu como constantemente tinha desubstituir seus guardas (estavam sendosubornados para deixar os invasoresentrarem), como perdera o respeito pelosvizinhos que nada faziam (“Sem coragem”), esobre sua perseguição a pé aos infratores,gritando-lhes para irem embora, bem sobrecomo tudo que ela fazia não levava a lugarnenhum. “Sinto-me ansiosa com tudo isso”,desabafou. “A gente confia nas pessoas edepois é apunhalada pelas costas.” A paz que ela tanto amava naquele lagoestava mais do que abalada. Seu único alíviovinha de seus animais e dos raros momentosde solidão, à noite, quando assistia a algumfilme em videocassete, em seu quarto,

sempre anotando no diário o nome do filme,junto com uma pequena análise. “TV. Assistia Titanic. Um filme impressionante”,escreveu certa noite. Como mais tardeobservaria uma amiga: “Ela se sentia como seo Titanic estivesse afundando diante de seusolhos, enquanto ela tentava salvá-lo.” Com o passar dos dias, foi ficando cada vezmais óbvio que a proibição não funcionava.Em 8 de março de 2001 foi convocada umareunião de emergência dos responsáveis pelolago. Joan deu vários telefonemas, insistindopara que ninguém deixasse de ir.Proprietários de terras locais, donos defloriculturas, negociantes, pescadores legais eum delegado do Departamento Nacional dePesca de Nairóbi lotaram uma sala do KenyaWildlife Services Training Institute, na cidadede Naivasha. Todos falavam ao mesmo

tempo, com ideias para livrar o lago dosclandestinos. Até que finalmente alguém – outodos, se deram conta de que um caminhoseguro para salvaguardar o lago inteiropoderia ser o que Joan já estava fazendo emsuas terras : “Um ladrão para apanhar um ladrão”,alguém sugeriu. “Um ex-ilegal pode tornar-se um grande guarda de animais selvagens”,alguém complementou. A única solução eraconfrontar força com força. “Não se podeculpar [os clandestinos]”, comentaria maistarde um associado da Riparian. “Essessujeitos não têm nada. Não só eles, mas todosos milhares que virão depois deles.”Entretanto, acrescentou: “Se não osdesafiarmos, eles vão pegar todos os peixes eanimais.”

Já que os clandestinos conhecem tão bem ossegredos de seus colegas, prosseguia o raciocínio, por que não selecionar umgrupo deles, composto pelos mais eficientesali no lago e dar-lhes barcos, licenças einstruções sobre as leis e os regulamentos depesca adequados, fazendo com que elespassassem a proteger o lago? “Um grupo de vigilância?”, perguntoualguém. Não se chamaria assim, concordaram todos.Já que o grupo estaria trabalhando pelarestauração do lago, com plena anuência eapoio da polícia, das agências de pesca e vidaselvagem do Quênia, das floriculturas, dosdonos de terras, dos pescadores legais e doscomerciantes, o nome precisava ser maismajestoso.

“Por que não força-tarefa?”, propôs alguém.30 homens – 15 clandestinos e 15 pescadorescadastrados – iriam constituir o grupo, queteria como líder o melhor de todos os ilegaisreabilitados, transformado em pescadorregistrado: David Chege. O que Joan já fizera como cidadã, no planoprivado, seria um esforço da comunidadeinteira: os donos de terras e os industriais dolago contribuiriam com seu tempo e dinheiro,e as entidades governamentais – oDepartamento de Pesca do Quênia e a polícia– se ocupariam do aspecto legal. “A iniciativae a ideia foram inteiramente de Joan, ecoincidiram totalmente com o plano degerenciamento da Riparian Association”,disse lorde Enniskillen. E com a força-tarefa,Joan tornou-se “a defensora do sustento dospescadores pobres”, prosseguiu. “Como?

Promovendo a pesca como atividadesustentável, em vez de deixar que o elementoilegal simplesmente acabasse com o lago.” ESPALHOU-SE IMEDIATAMENTE PORTODA A KARAGITA a notícia dapossibilidade de trabalho, dos açougues àsbodegas que tudo vendiam, de carne e sexoaté celulares; do South Lake Club até o barMillenium e todas as sórdidas vendinhaspela estrada Moi South Lake. Cem xelinsquenianos diários (1,50 dólar) para cadahomem. Não nas floriculturas, mas no lago!Trabalho legalizado! Precisava-se de 30pescadores fortes e capazes para compor umaforça-tarefa. “Muita gente, muita”, Chegelembrou sobre os candidatos, ávidos porintegrar a força-tarefa. Apenas 30 seriamselecionados. A competição acirrou-se aindamais depois de um corte no orçamento,

quando o número de agentes foi reduzidopara 15. Os candidatos selecionados – entre os quaisalguns irmãos de Chege – receberaminstruções para se reunir num edifíciocomum em Karagita. Cada um recebeu umboné branco, para ser usado como uniforme,e Chege deu-lhes suas ordens deprocedimento: emboscar e prender osclandestinos, confiscar suas redes e orientá-los a encerrar imediatamente a pesca. Segundo o plano original, um proprietário deterras sobrevoaria o lago em seu avião, a fimde localizar e surpreender no ato osclandestinos. Então ele se comunicaria com ocelular que Joan dera a Chege, informando-lhe onde eles estavam operando. Depois devir de matatu (ônibus) de Karagita até o lago,a força-tarefa correria até o local indicado,

escondendo-se por entre os papiros, e emseguida se precipitaria na emboscada. Com otempo, relataram alguns membros da equipe,Chege começou a empregar seu próprioestilo: no lago, ele dava instruções para seushomens se abaixarem no fundo dos barcos, afim de que os transgressores pensassemhaver apenas um homem no leme. Assim quechegavam a uma distância própria para oataque, Chege gritava “Toka!” (“Saiam!” emsuaíli), e todos pulavam fora do barco comouma nuvem de tempestade do inferno.“Batíamos neles, de chicote, xingando-os”,recordou um membro do grupo. Sem o menor pendor para a argumentação ouo debate, a força-tarefa simplesmenteatacava. Se a pessoa estivesse no lago comuma rede, durante a proibição da pesca, seriaculpada. Depois de prender os clandestinos,

a equipe confiscava as redes, que seriamlevadas para a sede do Departamento dePesca do Quênia, em Naivasha. Os ilegaiseram então conduzidos para o posto policial.Joan não aprovava a violência, mas não pôdedeixar de admirar-se diante dos resultados. Olago saíra do domínio brutal dos clandestinose a lei foi finalmente aplicada. Pelo menos assim se pensava. No Quênia,porém, raramente tudo acontece como seplaneja, e havia um detalhe muito importanteque eles deixaram de considerar: osclandestinos trabalhavam à noite. Quem iriatransportar redes e prisioneiros no meio danoite? Joan era a tesoureira tanto da RiparianAssociation quanto da força-tarefa. Não seesperava que fosse também coordenadora.Entretanto, logo ela caiu numa rotina que lhe

custaria não só mais dinheiro como tambémmuito, muito tempo. Joan passou a manter o celular e o carregadorao lado da cama. Noite após noite o telefonetocava, com incessantes chamados de Chege.“Mama Joan, vem depressa, dez clandestinose 30 redes confiscadas no Ponto dosHipopótamos”. “Mama Joan, corraimediatamente para cá, 18 clandestinos e 45redes confiscadas no Campo do Pescador”.“Mama Joan, venha já! A força-tarefa levouuma surra, ensanguentados, arrebentados,famintos, quebrados…” E Joan, comosempre, não apenas dirigia-se ao local, comoassumia a direção de tudo. Sempre que o telefone tocava – fossem duas,três ou quatro da madrugada – ela saltava dacama, às pressas, vestia-se e colocava suabandana vermelha. Em seguida pulava para

dentro da Pajero e corria para o ponto dolago onde os seus “camaradas” – era assimque ela os chamava – estivessem realizandoalguma operação. Lá chegando, abria asportas, e os homens – tanto os clandestinosquanto os da força-tarefa – se amontoavam ládentro. Os infratores eram conduzidos até apolícia e em geral a força-tarefa era levadapara o alojamento do pessoal de Joan, ondese alimentavam. Evidentemente, quandocomeçaram a diminuir as contribuições dosproprietários de terras, Joan passou afinanciar todo o empreendimento. “Cada umdos homens recebia 450 xelins quenianos pormês, tudo vindo de Joan”, informou BarryGaymer. Todos os meses ela punha emenvelopes separados o ordenado de cadahomem, entregando-os a David Chege pararepassá-los.

Era uma operação um tanto frouxa,necessitando desesperadamente de verba,organização e tudo o mais. “Eles não fazemnada sem minha liderança”, escreveu Joanem seu diário. NO INÍCIO, CHEGE E SEUS HOMENSviram-se prendendo membros da entidadeque deveria estar dando assistência à força-tarefa: funcionários do ramo regional doDepartamento de Pesca do Quênia. No augeda proibição, em 2001, Chege viuempregados do departamento zarpando dapraia num barco da agência governamental.Com eles ia um grupo de empresáriosjaponeses. Depois de ancorarem numpitoresco recanto do lago, jogaram suaslinhas e começaram a pescar. Novasinvestigações de Chege mostraram queaqueles convidados estavam pagando pelo

passeio, que ridiculamente chamavam de“pesquisa”, 10 mil xelins quenianos (150dólares). Joan anotou no diário: “Vamosdiscutir a forma de apanhá-los.” No dia seguinte, ela e Chege já tinham umplano preparado. Joan passou quase o diainteiro junto ao telefone, recebendo contínuosrelatórios da equipe. Assim que o barco dodepartamento retornou à praia com oresultado da pescaria, a força-tarefa, emaudaciosa demonstração de força e deautoridade invertida, caiu sobre eles,prendendo tanto os pescadores quanto osfuncionários do Departamento de Pesca. Aodeter os homens, enquanto aguardava oveículo para transportá-los, Chege e seugrupo descobriram que um dos africanos quelevaram os empresários naquela pescariailegal era casado com uma autoridade do

Departamento de Pesca do Quênia, que lhesdera uma autorização para pescar “com oobjetivo de pesquisa”. A força-tarefa não se deixou impressionar. Ogrupo inteiro foi levado para a cadeia, ondepassou a noite no miserável chão de concreto,em meio ao lixo da cela coletiva. No diaseguinte Joan entrou em contato com oescritório do Departamento de Pesca emNairóbi. O funcionário que fizera os arranjosda expedição de pesca ilegal foi transferidodali e outros foram demitidos. Foi uma impressionante vitória e Joanrejubilou-se. A força-tarefa foi levada até BellInn para comemorar com geladíssimascervejas Tusker. Com a prisão dosfuncionários do Departamento de Pesca,riscou-se uma linha na areia. Dali em diante,

seria Joan e sua equipe contra praticamentetodo o resto. “22.3.2001. Chege telefonou. Pareceuamedrontado com as ameaças das pessoasque perderam seus empregos noDepartamento de Pesca.” Alguns dias depois desse registro do diário,um grupo de 15 homens ficou à espera daforça-tarefa em seu regresso a Karagita nofinal de um dia de trabalho. Embora atacadoscom soqueiras, varas e bordões, Chege e seushomens sobrepujaram os atacantes elevaram-nos para a cadeia, onde um líderpolítico tentou subornar Chege, pedindo-lheque esquecesse o ocorrido e deixasse osagressores livres, escreveu Joan. As linhas que delimitavam a legalidade e aordem esboroavam-se. Quem fazia a lei e

quem a infringia? No Naivasha ninguémsabia ao certo. *** Todos em Naivasha têm seu ponto de vista, epara qualquer alegação existem contra-alegações motivadas não tanto pela verdade, ou pela falta dela,mas pelo interesse. Não importa tanto o quese diz, mas a forma como é enfatizado. Revista Iko, 2004 INTERESSES E PONTOS DE VISTA.Agendas ocultas. Forças operando por trásdos bastidores. Se Joan Root achou complexoo mundo microscópico de um cupinzeiro,deve ter ficado infinitamente fascinada pelasmaquinações em progresso em volta de seulago. Joan tinha conhecimento da violênciaempregada pela força-tarefa? Talvez não, no

começo – insistiram todos. Não osacompanhava nas patrulhas, mas via osresultados: os presos frequentementeensanguentados que ela conduzia até apolícia. Com o passar do tempo, deve tercompreendido o medo que causava a meravisão dos agentes, cujos métodoscontrovertidos aparentemente nãoincomodavam abertamente os membros daRiparian Association. Afinal, pagar violênciacom violência era uma necessidade noQuênia do início do século XXI. “Medidasdesesperadas para tempos desesperados”,era o que mais de um latifundiário do lagoNaivasha costumava dizer. Entretanto, como a mãe que segue um filhoerrante, Joan tentou refrear as ações cada vezmais transgressoras do jovem quicuiocontratado para chefiar a força-tarefa. “David

Chege queria que surrássemos osclandestinos que prendêssemos”, revelouAbsolom Mulela Letta, o membro maisantigo do grupo, cujos pés e mãos eramcobertos de calos devido a décadas depescarias. Tal ação era contra o desejo deJoan. “Ela nos dizia: ‘Quando estiveremtrabalhando, não batam em ninguém, porquevocês são todos irmãos.’” Ainda assim, Joan sabia que eles precisavamdemonstrar força. Para melhor evidenciar seucompromisso de deter a pescaindiscriminada no Naivasha, durante aproibição, Joan decidiu basear-se numainiciativa que realizara antes, em sua lutacontra os caçadores de elefantes. Assim, ela ealguns outros proprietários, além derepresentantes dos departamentos de pesca edos pescadores legalizados, empilharam

todas as redes confiscadas – valendo“milhões” de xelins, segundo David Chege –e com elas fizeram uma fogueira que pôdeser vista de todos os cantos do lago.“Queriam que eu falasse”, Joan comentousobre o audacioso evento, mas não serianecessário: seus atos falavam mais do quenunca. Com aquela fogueira, todos os pescadoresilegais da região souberam imediatamenteque Mama Joan era a protagonista daquelatentativa de impedir que ganhassem suasubsistência e o alimento de suas famílias.Era fácil esquecer que ela estava lutando pelofuturo de modo geral e pela sobrevivência dolago, dando dinheiro a gente necessitada,custeando a educação de seus filhos, fazendoo possível para ajudar no apoio a todos os

aspectos da tragédia do lago Naivasha,frequentemente ajudando até os clandestinos. O ódio que eles nutriam pela força-tarefa epela mulher mzungu que a dirigia,entretanto, só aumentava, principalmentequando a equipe voltou a atuar nailegalidade. Já havia rumores, que Joanaignorava, de que Chege e seus homens nãotinham abandonado a pescaria. Para piorar ascoisas, muitos diziam que eles aindacobravam uma “taxa de proteção”: propinasa serem pagas pelos clandestinos, casoquisessem continuar atuando no lago. Chege também trapaceava ao tratar com seushomens, segundo Absolom Letta: inebriado,ao que parece, por seu poder sobre a força-tarefa, Chege começou a reter os salários, amenos que os membros o fossem encontrarnos bares de Karagita, onde só receberiam o

pagamento após comprar cerveja para ele eseu crescente número de amigos. “Eraobrigação comprar a cerveja”, acrescentouLetta. Ninguém se atrevia a enfrentar o patrão,“porque Chege se tornara tão poderoso quepodia despedir qualquer um”, lembrou-seDavid Kilo. A demissão era destinoassustador. “Aqueles que discutiam comChege, ou dele discordavam, tinham quevoltar para a pesca e eram torturados pelosilegais como traidores.” Enquanto isso,Chege ia se familiarizando com as belascoisas da vida queniana: a sunga encharcadae a camiseta rasgada foram trocadas por umequipamento mtumba (palavra suaílipararoupas de segunda mão, enviadas do mundointeiro para a África e vendidas dentro desacos aos varejistas); seus amigos

clandestinos foram substituídos pormembros do governo local e da polícia e suasede satisfeita por cerveja Tusker gelada,apreciada na companhia tanto de autoridadesquanto de mulheres fáceis das favelas deKaragita, que vinham em bandos cercaraquele homem cheio de moedas tilintantesem seu bolso. Ele não era mais obrigado asaquear para conseguir apenas a dieta magrados ilegais, composta de peixe, feijão everduras, ele podia desfrutar do maisapreciado prato queniano, o nyama choma:pedaços selecionados de carne de cabra e deveado, bem cozidos e gotejando gordura esumos naturais. Fora Joan quem lhe possibilitara aquele novoestilo de vida. Dizem alguns que elepreservava com muito ciúme a relação deles,não permitindo que nenhum outro membro

da força-tarefa tivesse contato direto com ela.“Ele costumava dizer: ‘Eu sou o filho deMama!’, acrescentando que um dia receberiaparte daquela propriedade”, contou AbsolomLetta. “Depois ele pegou dinheiroemprestado com Mama e comprou umpedaço de terra.” Ele repetia para Joan que estava sendo difícilpermanecer em sua antiga casa, em Karagita.Ali era um homem marcado, residindo emmeio aos mesmos infratores que impedia deganhar a vida. Além disso, Joan já estavadando dinheiro a outras pessoasnecessitadas. Para citar um exemplo, entremuitos, vejamos este registro: “Três ex-pescadores chegaram dizendo que tinhamsido expulsos de suas casas, com suasfamílias tendo de dormir ao relento, já que oproprietário trancara seus pertences.” Ela

lhes dera então o equivalente a 200 dólaresem xelins. Como então rejeitar Chegequando, dias mais tarde, ele lhe pediu ajudapara comprar um pedaço de terra? Isso foi apenas o começo de um ciclointerminável de necessidades de Chege: Joanpagava o colégio dos filhos dele; contratavaadvogados para defendê-lo quando eraacusado em processos criminais, que iam dosimples assalto ao estupro – e que ela sempreconsiderou falsos, visando destruir a força-tarefa e deixar que os clandestinosretornassem ao lago (com a ajuda doadvogado, ele era eximido de todas equaisquer acusações); as contas de hospital,todas as vezes que ele era atacado eespancado – ela até comprou veículos paraele, para que pudesse fazer melhor seu

trabalho, começando por uma bicicleta echegando até uma moto. Ele fora abençoado gloriosamente pelodestino e por Joan Root. Da noite para o dia,tornara-se o líder indiscutível de 15 homense, melhor ainda, desfrutava da complacênciada polícia e das demais autoridades. “O papo de Chege pode mover montanhas enos convencer a lhe entregar nosso filho”,disse certa vez um dos homens da favela, aofalar sobre ele. “Ele convence facilmente aspessoas. Em muito pouco tempo, já usava onome de Joan Root para conseguir conhecergrandes nomes desta terra. Tinha o poder deconvencer o diretor do Departamento dePesca, o Kenya Wildlife Services e até mesmoa polícia.” “Ele se tornou um rei”, observou um amigo.

“Foi o rei Salomão de Karagita”, acrescentououtro. “Costumava dizer que Deus o ajudava e queele não iria mais sofrer”, arrematou AbsolomLetta. DAVID KILO TENTOU ALERTAR JOAN deque seu astro ex-ilegal e os membros de suaequipe tinham revertido a seus primitivospapéis. Chegou a abordar o assunto nareunião dos responsáveis pelo Naivasha:cidadãos preocupados, pescadoresregistrados e outros que viviam etrabalhavam ao redor do lago. Joan, porém,não quis lhes dar ouvidos. Era aindademasiado tímida para se engajar numadiscussão pública, especialmente numdebate, e, além do mais, ainda acreditava emChege.

O diário de Joan na primavera e no verão de2001 encheu-se com as operações da força-tarefa, muitas vezes envolvendo somassubstanciais em dinheiro. 1.5.2001. Chege veio pegar os salários daforça-tarefa e me convenceu a dar-lhe mais 2mil xelins quenianos [29,90 dólares] paracuidar de sua mãe; 3 mil [44,84 dólares] aAbsolom, para mensalidades escolares; e3.800 [56,80 dólares] a Isaac, paramensalidades escolares. Em meio às múltiplas prisões, acusaçõesintermináveis, crescentes evasivas eevidentes mentiras, tudo registrado em seudiário, Joan continuava firme na defesa deChege. Como isso pôde acontecer? Comouma mulher tão intimamente sintonizadacom o mundo a sua volta, capaz de perceberuma cobra pelo pio de um passarinho, de ler

as emoções de uma leoa com crias uma fraçãode segundo antes de ela atacar, como umamulher assim não percebeu a falsidade deDavid Chege? Como um pescadorclandestino da favela de Karagita pôdeenganar Joan Root? A resposta mais provável é que ele não o fez,pelo menos no começo. Joan parecia saber doque ele era capaz, mas tolerou, ao compararas alternativas. Já em 1999, Joan recebera“informações secretas”, como escreveu, deque Chege e seus pescadores supostamentereabilitados estavam de novo pescando naságuas rasas e jogando suas redes nos papiros,em frente à casa dela. Enquanto iam se amontoando as más notícias– o colapso do Departamento de Pesca; anítida corrupção nas agências de repressão;os pescadores legalizados correndo atrás das

próprias agendas tão questionáveis, e o crimetornando-se ocorrência quase diária –, adependência de Joan Root em relação aDavid Chege só crescia. Em favor dele, deve-se dizer que não eraapenas um sedutor: era um trabalhadorespantosamente dedicado. E era óbvio que,por motivos justificáveis ou não, as pessoasviviam loucas para pegá-lo. Também eraevidente para Joan que ele contribuíra muitopara a limpeza do lago. Seu diário está cheiode referências a triunfos: pescadoresclandestinos presos, redes ilegais arrancadase destruídas – contêineres cheios delas! –, aquantidade de peixes aumentando e ocinturão de papiro novamente espesso everde. Naqueles raríssimos momentos de triunfo etranquilidade, quando Joan caminhava por

seu trecho favorito do jardim, ela se viarecordando outro período da vida, mais felize pacífico, e também mais vitorioso. Sempreque exibia para os empregados os velhosfilmes que fizera com Alan, no espaço de paua pique que servia de sala de TV, a cena maisaplaudida era sempre aquela em que Joan,sentada num imenso gramado com suamáquina de costura, remendava os estragosnum balão todo retorcido, rasgado eensopado, estirado por centenas de metros aoredor, praticamente cobrindo a extensãointerminável da propriedade. Joan era capaz de fazer tudo que sua mentedeterminasse. A batalha do lago Naivasha,porém, era outro caso. Ela sabia que nadapoderia sem Chege. Pelo bem maior, toleravasuas faltas, que se manifestavam sobretudonas conversas dos outros: a falsidade de

Chege, Chege esbanjando o dinheiro que eladava como pagamento de suprimentos ou detransporte, Chege enganando não só suaprimeira mulher, mas a segunda também.Pressionada, Joan podia rejeitar tudo comosujeira de quem tivera seu ganha-pãointerrompido por Chege ou cuja corrupçãoele revelara. “Ela queria tanto confiar nele”, lembra-seuma amiga, mencionando que certa vezperguntara a Joan: “Você acha realmente queos 20 mil xelins que deu ontem a Chege irãotodos para a força-tarefa?” “Claro que não”, foi a resposta de Joan, “Masele tem trabalhado muito.” Ela tolerava até as crescentes contas nocelular que dera a Chege – afinal, de queoutra forma ele transmitiria as operações emandamento e o número de pescadores

presos? Mesmo quando a conta chegou aovalor mensal de 20 mil xelins (274 dólares),ela tolerou. Ao conferir a fatura, descobriuque “a maioria das ligações não se relaciona atrabalho, e muitas são para mulheres”, massabia que, se cavasse muito fundo, a força-tarefa se destruiria e, com ela, o lago. Chege intensificou as operações da força-tarefa atacando os pescadores, confiscando-lhes as redes e incendiando seus barcos. E ospescadores, por sua vez, foram ficando cadavez mais hostis e violentos. A essa altura os15 homens praticamente moravam nosalojamentos de empregados de Joan, Chegeentre eles, mesmo depois de comprar seupróprio terreno. A propriedade de Joantornara-se a base de operações do grupo.(“Chege & força-tarefa dormiram na sala deTV, prontos para sair às três da madrugada”,

ela registrou). A pressão, entretanto, lhe faziamal, como observa no diário em 21 de maiode 2001. “Sinto-me muito perto de umdescontrole mental.” … “Tão exausta. Depoisque anoiteceu, Chege chegou com UMMONTE DE INFORMAÇÕES SÉRIAS.” 13.12.2001. Passei a noite revirando-me nacama, pensando no que deveria estarfazendo, porém sentia-me arrasada …Irritada com Chege porque ele me pareceevasivo, sem me trazer todos os livros(referentes aos pagamentos e adiantamentosda força-tarefa). Veio à noite e trouxe oslivros, e pediu um mês de salário (6 milxelins quenianos [89,69 dólares]). Ainda em 2004, Joan continuava a defenderseu pescador clandestino supostamenterecuperado, como outros também o faziam.Embora em Naivasha quase ninguém

gostasse dele, um membro de uma das maisimportantes secretarias do governo emNairóbi o apoiava: 3 de junho de 2004.Ministério do Fomento aoGado e à Pesca, Departamento de Pesca CARTA DE AGRADECIMENTO Caro sr. Chege, Não têm escapado à atenção doDepartamento de Pesca o seu papel e a suacontribuição na utilização sustentável,administração e conservação da pesca nolago Naivasha. Temos conhecimento de que o senhor chefia o grupo de vigilantes dacomunidade, que se envolveu ativamente nopoliciamento do lago, em parceria com ogoverno e outros responsáveis. O presente ofício reconhece seus esforçospessoais, mesmo às vezes tendo de trabalharem situações

verdadeiramente desafiadoras. Sua dedicaçãoao patrulhamento do lago, a fim de expulsaros pescadores ilegais, muito contribuiu pararestabelecer a pesca ordenada no Naivasha. Aproveitamos esta oportunidade paraagradecer-lhe, e a outros membros de suaequipe, com toda a sinceridade, seu contínuoapoio. O senhor será sempre bem-vindo casoqueira partilhar conosco informações ouideias que possam melhorar a vigilância e aadministração da pesca no lago Naivasha. Seus serviços são altamente valorizados eapreciados. Por favor, prossiga com seu bomtrabalho. Sinceramente, Nancy K. Gitonga, diretora doDepartamento de Pesca. Até Nancy Gitonga elogiava Chege e seubom trabalho no lago. Qual o crédito entãodas reclamações feitas por legiões de

corruptos, invejosos e marginais, que oxingavam, espancavam e prendiam? Elesempre negava tudo, observando que asacusações partiam de gente que ele atacara,encarcerara ou impedira de continuarpescando. Todos no Naivasha eram corruptos e contraele, segundo Chege. Ele e Joan Root eram asraras almas honestas da região, justificando afé que ela depositava nele. Não era umagrande argumentação, mas partindo deChege – um queniano capaz de se mostraramável, pacífico e bem-educado – pareciaplausível. “Fui preso quatro vezes”, disse ele,reafirmando que tudo fora retaliação damarginalidade do lago que ele passara acontrolar. INDEPENDENTE DA QUESTÃO da culpaou inocência de Chege, o lago estava em

melhor forma com a força-tarefa do que semela. Desde a proibição da pesca em 10 defevereiro de 2001 a pesca ilegal fora “mais oumenos contida”, segundo um relatório doDepartamento de Pesca do Quênia, intitulado“A força-tarefa do lago Naivasha”. Eraessencialmente uma solicitação decontribuições para custear a manutenção daequipe, cujas despesas até então – 1.318.963xelins (aproximadamente 20 mil dólares) –haviam sido pagas quase exclusivamente porJoan Root. O relatório informava: Desde o início das operações a força-tarefaprendeu 121 homens, confiscou 23 barcos,218 redes e sete varas e iscas para pesca. Aproibição da pesca teve muitas consequênciaspositivas. A vegetação das margens do lagoestá se recuperando, e animais selvagens epássaros são vistos em abundância …

Pesquisas mostram que os peixes estão tendochance de crescer, em número e tamanho. Permitira-se finalmente que o lago tomassefôlego e fizesse uma pausa: o cinturão depapiros restaurava-se e os animaisretornavam a suas tocas para reprodução ealimentação. As ovas de peixe escapavam dasredes, podendo desenvolver-se. Os peixesamadureciam. Os pássaros se alimentavam. Eo vasto ciclo de vida, dependente de tudoaquilo, começava a se recuperar. A pescaclandestina fora reduzida, mas o trabalhoestava apenas na metade. Embora orenascimento daquela região fosse o principalobjetivo de Joan, ela sabia que não haveriavitória se fosse à custa das pessoas quedependiam daquelas águas para sobreviver. Muitos dos que foram levados a viverilegalmente às margens do lago, com suas

redes de malha fina, agora saíam da água eiam fazer fila à porta de Joan Root. Certa vez,Alan declarara que quando morressedesejava que seu corpo fosse deixado numasavana africana, para ser consumido pelosanimais selvagens que tanto lhe tinham dadodurante sua vida. Pois Joan estava seentregando de corpo e alma ao Quênia.“Isaac veio pedir dinheiro emprestado paracomprar um burro, para transportar água”,começava uma típica frase de seu diário.“Fiz-lhe um discurso sobre o que significa tersete filhos, mas emprestei-lhe 7 mil xelins [96dólares].” Xelins. A palavra percorre seu diário comouma litania: xelins para a correnteinterminável de pessoas necessitadas, muitasdas quais ilegais; xelins para a força-tarefafazer o que era certo; xelins para os membros

de sua equipe… “Quando analisei com elaseus papéis, percebi que cada membro daequipe individualmente tinha empréstimosque nunca na vida poderia pagar”, disseAdrian Luckhurst. Isso era tudo que Joan podia fazer paraconter a maré crescente à sua volta de ambosos lados, da força-tarefa e dos pescadoresclandestinos. Ainda assim era mais do queuma pessoa podia fazer ou pensar fazer. Empouco tempo, a represa que ela construíra naesperança de sustentar e preservar o lago, emmeio às pressões do Quênia moderno, ruiria. O NATAL SE APROXIMAVA TAMBÉM NONAIVASHA, mas não proporcionarianenhuma trégua no conflito cada vez maisintenso em que Joan se metera. 20.12.2001. À noite, alguma coisa assustouPongo [uma cabra que Joan estava

reabilitando]. Ela dava voltas e pulava. Oantílope também emitiu sons de alarme. 28.12.2001. 3 da madrugada. Chege telefonoue me tirou de um sono profundo. Sua mulherapareceu e fez um escândalo, quebrando seuquarto todo. 31.12.2001. Moses e Kamau me contaram queuma mulher ouviu clandestinos dizendo queiam matar Chege hoje à noite. Chamei-o pelocelular… para avisá-lo e ele falou que haviamdeixado uma carta em sua casa, anunciando omesmo … Chege veio passar a noite aqui [noalojamento de empregados de Joan]. À medida que pioravam os conflitos no lago,era difícil manter a perspectiva. Joan tentavaescapar visitando seus muitos amigos, novose velhos, no Quênia e mais longe, até mesmoviajando para a Antártida na companhia de

um negociante britânico, morador deNairóbi, com quem fizera amizade. “Ele era praticamente o oposto de Joan”,lembrou Adrian Luckhurst. “Era umempresário de muito sucesso, mas não tinhanada a ver com vida selvagem oupreservação. E lá se foram os dois. O barcoparou em algum lugar, para fazermanutenção, e o companheiro de Joancomeçou a reclamar da segurança da viagem.Joan tinha muita coragem. Ela queria ir paraa Antártida, e ela iria chegar à Antártida. Porisso, voltou-se para o negociante e propôs: ‘Seo senhor não quer ir para a Antártida comigo,então por que não pega um avião e volta paracasa?’ Lá estava aquele grandalhão, e Joandizendo-lhe: ‘Se não consegue, nãoinsista.’”Ele de fato pegou o voo, e Joanprosseguiu viagem, da África do Sul para a

América do Sul, sozinha naquela embarcaçãovacilante e que chegou mesmo a ficar presano gelo. O Naivasha era parte de sua vida, insistiu umamigo, porém não era toda a sua existência.Entretanto, com o passar do tempo, o dramareal do lago, com suas grandes vitórias eimpressionantes derrotas, sua espionagem,suas sombras, crimes, trapaças, tendênciasconflitantes e redemoinhos começou a tragarJoan para seu turbilhão. “Houve um jantar e uma conferência certanoite, no Clube Muthaiga”, lembrou EsmondBradley Martin, de Karen, o paladino dadefesa dos rinocerontes. “Era uma palestraextremamente interessante, feita por umsenhor que trazia fotografias de leões sendoenvenenados e mortos a lanças no ParqueNacional de Nairóbi. Para abrandar o clima,

perguntei a Joan como passava o tempo. E elacomeçou a falar sobre a pesca ilegal, a inérciadas autoridades que não se envolviam paracontê-la e tudo que estava fazendo parareduzir a atividade.” Ele balançou a cabeça.“Eu a conhecia há 35 anos, e nunca a tinhavisto tão agitada.” Capítulo 10 COM A ERRADICAÇÃO DA PESCACLANDESTINA NO LAGO , ou pelo menossua redução, alguns dos milhares dedesempregados voltaram-se para um tipo deempreendimento ainda mais perigoso.“Sentado aqui, pude ver como tudo foichegando ao Naivasha”, disse um antigomorador. “Nos Estados Unidos, vocêstiveram as corridas do ouro e os booms dopetróleo. Quando as pessoas iam para asminas, outras vinham viver à custa dos

mineiros: prostitutas, lojistas, donos de bares,ladrões… Se 50 homens iam trabalhar nasminas, outros 300 vinham para viver à suacusta: gente que vendia coisas, gente queroubava coisas… Acontece o mesmo conosco,só que a corrida do ouro aqui é a corrida dasflores.” O Naivasha sempre viveu um clima defronteira, desde o início da vida de Joan comomulher solteira. Seu diário mencionatelefonemas suspeitos e outros mistériospreocupantes. “10.3.91. Acordei com otelefone tocando. Engano. Pausa. Umamulher ameaçando: ‘Fique de olho, fique deolho…’” Joan precisou deixar o fone fora dogancho até pararem os chamados. Nos dezanos seguintes a situação foi piorando cadavez mais. O diário de Joan foi setransformando, de antologia de crônicas de

aventura em registro de ocorrênciascriminais. No escritório, cercada pelosremanescentes da carreira cinematográficaque partilhara com Alan, ou na salade estar,forrada de prateleiras com livros sobre aÁfrica, ela anotou os horrores que vinham setornando quase rotina. Por essa época, um amigo dela escreveu aopresidente da Associação Queniana deOperadores de Turismo uma carta de cincopáginas em espaço simples, detalhando ascalamidades cometidas na região em períodode mais de dois anos. “Abaixo segue umbreve relato de violências, assassinatos,intimidação, assaltos, roubo de carros,invasões de terras, incêndios criminosos, querecolhi desde 2003.” Assim começava amissiva, que prosseguia detalhando cada umdaqueles casos horríveis e terminava com a

menção a um folheto anônimo, em suaíli einglês, que fora enviado aos floricultores daregião: A BOMBA-RELÓGIO ESTÁ PERTO DEEXPLODIR!!!!!!!!!!!!!!!!! Diversas tribos vêmreparando, muito preocupadas, que vocês, oschamados investidores, estão enfraquecendoas outras tribos e se enturmando com oscanibais do monte Quênia [os quicuios], paraque seus membros dominem os empregosnas floriculturas. Na verdade, vocês nãoinvestem, mas sim infestam as nossas terrascom quicuios. UM AVISO: ESTAMOS DEOLHO. ESSA PRÁTICA TEM QUEACABAR, IMEDIATAMENTE. “Isto não é o Happy Valley, mas o vale domedo”, observou um morador ao repórter doThe Scotsman, o jornal nacional escocês.Aquela sensacional citação, que virou

manchete, enfureceu vários moradores doNaivasha, cujo amor pelo lago superava omedo. Mesmo quando o aparentementeimpenetrável palácio Djinn foi assaltado –“14 rapazes armados”, exclamou JuneZwager – a família tranquilizou osempregados, cujos aposentos tinham sidoinvadidos, achou-se abençoada porque osassassinos não entraram na casa principal,reforçou a segurança e seguiu em frente. O Naivasha estava assolado não só por umaonda de crimes, mas também pelo conflitoconstante entre as 40 e poucas tribos doQuênia, incluindo a eterna ameaça dosmassais de retomar pela força as terras que,segundo eles, os quenianos brancos lheshaviam roubado no início do século anterior.Esse ódio efervescente explodiu em guerratribal, com quenianos matando-se

brutalmente uns aos outros nas ruas, emseguida à concorrida eleição presidencial de2007. Em 2004, todos os amigos de Joan em Nairóbifaziam-lhe a mesma objetiva advertência:Saia agora. Acabe com essa maldita força-tarefa e deixe o lago, antes que ele a devore.Segundo Alan, Joan estava muito bemfinanceiramente, graças à sua participaçãonos lucros dos filmes dos Root e à herançaapós a morte de seus pais; poderia ir paraqualquer lugar e fazer o que quisesse. Alan lembra o que todos recomendavam aela: “Vá embora.” Ele, entretanto, sabia queJoan perseveraria até o fim, faria o quejulgasse certo e cuidaria de todos os detalhes.“Eu não esperava nada diferente quando elase envolvia. Se estivesse fazendo algumtrabalho bem, ela não o delegaria a ninguém,

ainda que as consequências fossemassustadoras, argumentando: ‘Bem, ninguémse dedica tanto tempo quanto eu.’” Por outro lado, todos sabiam ser impossíveldizer a Joan o que fazer. Ferozmenteindependente, era-lhe difícil retirar-se ouadmitir uma derrota. Adrian Luckhurst foiquem mais tentou persuadi-la Joan a sairdali. Ele costumava jogar polo no Naivasha esempre a visitava. “Por favor, Joan, meescute”, implorou em diversas ocasiões.“Você é muito vulnerável. Está isolada aqui ese envolveu em um assunto muito delicado.Com todo o respeito, eu decididamente nãogostaria de ter de tirá-la de uma vala ouencontrá-la em algum local em que nãodeveria estar. Você deveria pensar nisso commuito cuidado.”

“Só quero fazer a coisa certa para o lago”, erasua invariável resposta. Como Joan se recusava a amainar a luta pelolago, Luckhurst então aconselhou-a pelomenos a se livrar do papel que, segundo ele,a marcava para futuros problemas: o de principal financiadora da empreitada.“Prossiga com a força-tarefa, se quiser, mascontrate alguém como administrador. Nãovocê. Não a sra. Root”, ele argumentou.“Agora mesmo, você é vista não só como aúnica a orquestrar e administrar uma equipeque tem feito muito pelo lago, mas tambémcomo a força propulsora e a financiadora portrás de tudo. Assim, evidentemente, todo omundo sabe que você tem dinheiro.” Ela não tinha como contra-argumentar, játendo distribuído mais dinheiro do quepoderia contar.

“Além disso”, prosseguiu Luckhurst, “aforça-tarefa vai supor que você é seuempregador. Ora, pense no que vai acontecerdaqui a cinco anos, quando lhes disser:‘Muito bem, estou muito velha agora. Vamosacabar com a equipe. Bye-bye! Todo mundopara casa.’ Eles vão ficar pelas redondezas,depois vão exigir: ‘Bem, sra. Root, a senhoranos empregou durante cinco anos. Precisapagar nossos direitos.’” Segundo as leis trabalhistas do Quênia,qualquer pessoa empregada por 90 diasseguidos é classificada como funcionáriopermanente, com direito a benefícios comoférias pagas e aviso prévio. A força-tarefaestava em atividade havia três anos e, umavez que era Joan quem pagava seus salários,ela poderia ser considerada a empregadora

daqueles 15 trabalhadores em expedienteintegral. “Pode trabalhar o quanto quiser por essacausa, mas no final alguém virá apunhalá-lapelas costas ou lhe dar um pontapé notraseiro e lhe dizer: ‘Você perdeu. Nãoprecisamos mais de você’”, continuouLuckhurst. “Apesar de ter espalhado todaessa fantástica energia positiva, no final detudo eles a trairão.” Joan sabia que ele tinha razão. Além de serevitada pelo Departamento de Pesca desdeque a força-tarefa prendera os funcionáriosdo departamento que levavam turistas para“pesquisas”, ela tinha se isolado de certossetores da comunidade branca do Naivasha.“Também encontrava resistência por partedos floricultores”, revelou Luckhurst. “Já nãoera incluída nos círculos sociais como antes.

Segundo a opinião geral, ela ‘incitava todaessa coisa da ecologia do lago’, mas ‘agorapassara a se meter na agricultura [asfloriculturas]’. Os floricultores começaramentão a distanciar-se, o que muito amagoou.” Finalmente, Joan cedeu. “Tudo bem, vamosexperimentar”, capitulou ela diante dasugestão de Luckhurst de canalizar odinheiro para a força-tarefa através daRiparian Association. Luckhurst telefonoupara lorde Enniskillen, presidente daassociação, e relatou-lhe o plano. Dali emdiante, Joan passou a assinar mensalmenteum cheque com a doação para a associação,que usava o dinheiro para pagar os saláriosda equipe. “Supostamente, [o pagamento] nada maistinha a ver com Joan”, informou Luckhurst,

“mas a força-tarefa ainda percebia ser Joan aforça por trás de tudo. Sempre quedesejavam alguma coisa, recorriam a ela.Chege só tratava com Joan.” Apesar do estratagema da RiparianAssociation, todos em Naivasha sabiam queMama Joan ainda era o poder por trás daforça-tarefa, e a maioria a considerava umafonte do bem, embora em meio a todo o malque o grupo passara a representar: MamaJoan reabilita os pescadores ilegais e ostransforma em reis. Mama Joan tem umatorrente infinita de xelins. Mama Joan temum coração maior que o Quênia. Mama Joanvive sozinha num grande pedaço de terra, emMoi South Lake, com pouquíssimasegurança. Mama Joan sempre usa na cabeçaum lenço vermelho berrante, que a torna fácil

de identificar, tão fácil quanto fazer amizadecom ela. A ÚLTIMA VIAGEM MAIS EXTENSA QUEELA FEZ foi ao Egito, um passeio turístico deuma semana com amigos, em 2004.Maravilhou-se no Museu Egípcio do Cairo,com o sarcófago de ouro de Tutancâmon, asobras de arte, a Esfinge, as Pirâmides de Gizée o Museu de Luxor. Depois esteve no Valedos Reis, com suas esculturas colossais.Ainda assim, entre todos aqueles tesouros domundo, a maior parte do tempo ela sópensava no lago e em sua casa – fez a viagemtoda ansiosa, respirando de alívio assim queretornou ao Quênia e pôde anotar em seudiário: “Tudo bem em casa. Sem tragédias.” A paz, entretanto, não durou muito tempo.Pela primavera de 2004, escreveu ela,tempestades desabaram, arrastando tudo

para o lago, fazendo dele um cadinho denovas intrigas, novas injustiças e novasofensas. Ela registrou barcos roubados docais e um “curandeiro tradicional” vendendogordura de leão. Quando Joan saía de sua adorada casa –normalmente para o percurso de hora e meiaaté Nairóbi – muitas vezes levava alguns deseus animais machucados: um dik-dik, umajiboia, um filhote de coruja e um filhote deantílope, que precisavamalimentar-se de trêsem três horas. Às vezes levava tambémDavid Chege. Pelo outono de 2004, Chege estava sob o fogocruzado de acusações de corrupção, extorsãoe estupro, e era também o principal suspeitode um ataque brutal. O crime aconteceu em24 de março de 2004, durante uma patrulhade rotina, e envolveu dez pescadores ilegais,

redes e uma bomba roubada. Chege e seugrupo estavam no lago. Joan monitoravatudo de casa. A força-tarefa lançou-se naperseguição de um pescador nas águas rasasdo lago e, quando o homem foi agarrado,quebrou uma perna. Segundo alguns, oresponsável teria sido Chege que, entretanto,afirmou ser o autor do ataque um membro daunidade contra roubos de gado, quepatrulhava o Naivasha atrás de ladrões. Sejacomo for, sem que Joan tivesse conhecimento,o homem não recebeu cuidados médicos eretornou a sua aldeia, onde morreu poucodepois. Diante da insistência de Joan, Chege dirigiu-se à Comissão de Direitos Humanos doQuênia, a fim de fazer um relatório do queele afirmava ser uma acusação de agressãoforjada contra ele, envolvendo o homem que

morrera. O novo diretor de pesca doNaivasha estava convencido de que o homemquebrara a perna ao cair e não ao ser atacado.Os membros da força-tarefa escreveramcartas para a polícia reiterando tal versão. Porsua parte, Joan telefonou novamente paraNancy Gitonga “a fim de tratar do futuro daforça-tarefa e de impedir que Chege fossepreso”. Em novembro de 2004, a polícia estava àprocura de Chege para interrogá-lo sobre ocaso, quando ele e Joan foram de carro aNairóbi. Joan foi ao banco retirar opagamento para seus empregados, fezalgumas compras e, na volta, parou paradiscutir a acusação contra Chege com um ex-prefeito de Naivasha. Mais tarde, Chegecontaria que o tempo todo ficou apressandoJoan, porque não era seguro dirigir à noite

pela estrada Nairóbi-Nakuru. Mas Joaninsistia em terminar seus afazeres. Já estava escuro quando retornaram àpropriedade de Joan. Assim que passaram oportão, viram dois homens correndo e seescondendo. Joan diminuiu as luzes eavançou lentamente. Chegando à garagem,Chege saltou e foi até o alojamento dosempregados buscar ajuda para descarregar ocarro, e Mary, a governanta, veio ajudar Joan.De repente apareceram seis homens, pelomenos um deles armado. Empurraram asduas mulheres para dentro da Pajero. Umdos assaltantes sentou-se ao volante, osoutros cinco se apertaram como puderam, epartiram em meio à escuridão. Os homens fizeram terríveis ameaçasenquanto seguiam pelas estradas

esburacadas e pelo meio do mato, com aPajero sacudindo freneticamente. Exigiram o dinheiro que não duvidavam que tinhaconsigo, afirmando que a matariam caso nãocooperasse. Joan recusou-se a entregar umxelim que fosse. Eles então estacionaram ocarro num campo enluarado, numa fazendaenorme a quilômetros da estrada principal,arrancaram a bolsa de Joan e a reviraram.Encontraram algumas moedas, mas sabiamque havia muito mais. A bolsa possuía várioscompartimentos secretos, em que Joanescondera o dinheiro. Recusando-se aresponder onde estava a quantia toda, foiespancada. “Onde está o resto?”, gritavameles a cada golpe, até que finalmente,machucada e sangrando, embora ainda semqualquer demonstração de medo, elaentregou o que retirara do banco. Eles

pularam para o carro e partiram a todavelocidade, deixando-a com Mary naescuridão da noite. Quando puderam voltar para casa, na manhãseguinte, Joan fez a descrição doacontecimento em seu diário, com a maiortranquilidade: 25.11.2004. Automóvel roubado. Bem depoisdo anoitecer, fomos encontrar Fariz [ex-prefeito de Naivasha] na estação de Caltex,para nos informar sobre o caso [de Chege].Perto de meu portão, dois homens seesconderam de repente. Chege ficoudesconfiado. Desci pelo caminho com asluzes apagadas. Chege me deixou para ir atéo alojamento. Logo fui cercada por seishomens querendo nos roubar. Mary e eufomos sequestradas no carro.

Ela participou de uma investigação rotineira,levando a polícia até o cenário do crime,dando declarações, oferecendo recompensa ecomparecendo à delegacia para oreconhecimento de suspeitos, que incluíamdois ex-empregados seus, mas nenhum doshomens eram os que a tinham roubado eagredido. Como sempre, tudo deu em nada.Muitos amigos insistiram na hipótese de queChege havia encenado tudo. Por que ele teriadesaparecido no exato momento em que osladrões chegaram? E de que forma poderiamos bandidos saber exatamente quantodinheiro ela tinha na bolsa? Mas Joanrecusou-se a acreditar neles. NO FINAL, NÃO FOI JOAN QUEMDECIDIU acabar com a força-tarefa, mas sima burocracia oficial. O novo diretor do setorde Naivasha do Departamento de Pesca

cortou qualquer apoio governamental. Jáfarta de financiar e organizar tudo sozinha,Joan procurou ajuda do Lake NaivashaGrowers Group, que não se mostrouinclinado a envolver-se. Tampouco osmembros da Riparian Association, a não serquanto a canalizar o dinheiro de Joan para oshomens. Joan começou reduzindo o número dehomens da força-tarefa. Embora a formaçãodo grupo tivesse sido um esforço dacomunidade, sua dissolução recaiuexclusivamente sobre Joan. Precisoucomunicar sozinha ao grupo de pescadoresclandestinos supostamente reabilitados queseus postos de trabalho estavam encerrados.Deveriam retornar à rotina anterior aorecebimento dos bonés brancos e da rendaestável, apesar de serem discriminados por

seus vizinhos de Karagita por teremprendido tantos deles, flagrados na pescailegal. Numa reunião da Riparian Association, ela sedeclarou incapaz de continuar cuidandosozinha de toda a região. Dee Raymer, amigoe membro da Riparian Association, sugeriuque talvez ela pudesse restringir sua equipe aum único setor do lago, com outros membrosda associação se ocupando do resto. Joanpercorreu os olhos pela sala. Onde estava oapoio dos proprietários? Onde estava otempo, o dinheiro e o sacrifício dosassociados? Raymer comentou: “A LakeNaivasha Riparian Association poderia tersido muito mais participativa. Mas não. Tudocaiu sobre Joan que, como encarregadadaquele programa, acabou tornando-se umalvo.”

A QUESTÃO DA SEGURANÇA constituíapreocupação ainda maior. Uma soluçãosurgiu na pessoa de John Sutton, que chegouao Naivasha em maio de 2005. Joan oconhecia desde a infância, quando ele viviana propriedade de Karen Blixen, em Karen,parte da qual se transformara no KarenBlixen Coffee Garden, pertencente ao pai deSutton. John Sutton falava delicadamente, mas eraum firme ex-reservista da polícia. Foirequisitado pelo Lake Naivasha GrowersGroup, além de outros cidadãos envolvidosna questão, para se encarregar do NaivashaCommunity Project, uma força de segurançaprivada estabelecida para proteger osresidentes brancos, cada vez maisameaçados.

Sutton perguntou a Joan se não poderiaadministrar sua operação de segurança apartir de sua propriedade, onde seu primo jáalugava um chalé. Sempre conciliadora, Joanrespondeu que sim, e o NaivashaCommunity Project transferiu-se para asantigas instalações de edição de Alan Root. Oque fora outrora um refúgio para filmagensno paraíso tornou-se um posto de comandonuma zona de guerra, com Joan mais umavez proporcionando supervisão edemonstrando impecável capacidade deorganização. Nessa época Joan estava determinada adesmantelar a força-tarefa com tantoempenho quanto tivera para criá-la. Seusdiários revelavam que ela se dera conta deque aquilo que inicialmente fora umainiciativa para o bem seguira caminho

contrário. “Dei a Chege 10 mil xelinsquenianos para providenciar cinco bicicletaspara a equipe … A força-tarefa veio sem asnovas bicicletas, esperando que eu pagasse oprimeiro serviço. Longa conversa com John[Sutton] sobre a força-tarefa, etc. Ele meaconselha a encerrá-la completamente, a melivrar de Chege e de todos … Passei a noiteacordada, preocupada com o que fazer comChege … John inflexível: Chege tem que irembora … Conversei com Chege e disse-lheque deveríamos nos afastar dos problemas dolago. Ele sugeriu que eu telefonasse aSheldrick [Daphne Sheldrick, especialista emelefantes] para inscrevê-lo em seu grupo decombate à caça e à pesca ilegais no Tsavo.”Antes de ir para a entrevista, entretanto,“Chege telefonou dizendo que não vê futuropara ele no Naivasha … Perguntou se eu

poderia financiá-lo para começar algumacoisa. Lembrou que já possuía um terreno,uma casa e uma motocicleta etc.” Ele acabou sendo contratado para o empregoque Joan lhe arranjou no Parque Nacional deTsavo. Os outros ela despediu, pagandoexcelentes indenizações, ajudando alguns acomeçar novos negócios e até mesmocomprou de volta algumas bicicletas que lhesdera: qualquer coisa para abrandar suatransição de volta à Karagita. Nada relativo à força-tarefa, entretanto,poderia ser brando. Como era previsível, umfuncionário do Departamento do Trabalho doQuênia logo entrou em contato com Joan e,com insolência, falou-lhe sobre as “férias”dos 15 homens que ela havia “empregado”.No diário, ela anotou: “Concordei afinal empagar extras por férias de 15 dias por ano, e

seis meses de aviso prévio.” A equipe queriamais e seus diários logo ficaram repletos deintermináveis exigências, como também dodesespero que tudo isso lhe provocou: noitessem dormir, traições dos empregados,vizinhos sendo assaltados e mortos, dinheirosumindo do armário da cozinha… NA ÉPOCA, TRÊS QUENIANOS BRANCOSforam mortos a tiros, em questão de meses,cada assassinato mais violento do que oanterior. “24.9.2004. Martin Palmerassassinado”, escreveu Joan. Era um bomamigo, fazendeiro nascido na Grã-Bretanha,criador de cavalos, morto por oito bandidosvestidos como policiais e que dirigiam umcaminhão roubado. Depois de mataremPalmer, os homens amarraram a namoradadele e a forçaram a ficar deitada junto docadáver. Joan também conhecia Lloyd

Schraven, floricultor holandês, morto pertodo portão de sua casa durante uma tentativade assalto. Ele acabava de voltar do banco, nacidade de Naivasha, trazendo o pagamentodos empregados. E John Goldson, de 69 anos,proprietário do aristocrático hotel CraterLake Lodge, baleado quando caminhava forado hotel para investigar o ataque de umagangue a um segurança. “Dirigi até o Crater Lake para lembrar-me deJohn”, Joan registrou. “Alguém me contou oque aconteceu naquela noite. John saiu dohotel, depois de dar boa noite à equipe dacozinha, subiu as escadas e se deparou comos bandidos no estacionamento.” Ela escreveu sobre esses terríveisacontecimentos num estilo frio, quasedistante, embora devesse ter notado que osassassinos compartilhavam um tema: as

vítimas estavam sendo visadas. Os assaltos àmão armada aconteciam em média 18 vezespor mês na região do Naivasha e as pessoassentiam-se sitiadas. Falava-se da criação delistas com os tipos sanguíneos, já que oshospitais ficavam muito longe e astransfusões eram extremamente necessáriasapós os atentados. Como a estrada entreNairóbi e Nakuru ficava cada vez maisperigosa, foi criado um site para que osmotoristas se cadastrassem para viajar emcomboios. Na noite seguinte ao memorial deJohn Goldson, Joan anotou no diário queuma dezena de pescadores clandestinosinvadiu seu portão e atravessou suas terrasaté o lago. “Agora, sem força-tarefa”,acrescentou. Os ilegais foram de fato semultiplicando, cortando o arame das cercasque ela erguera recentemente, incendiando os

papiros, capturando animais em armadilhas,arrastando peixes miúdos em suas redes –como se todas as suas tentativas de recuperaro lago jamais houvessem ocorrido. Eladesconfiou de que antigos membros daequipe pudessem mesmo estar conspirandocontra ela. Não mais força-tarefa, não mais Chege, nãomais chamados telefônicos com informaçõesàs três da madrugada. Ela virara mais umapágina de sua vida, e com isso veio arenovação e uma nova confiança de que tudoiria melhorar, tal como sempre acontece nanatureza. *** “26.9.2005. INTRUSOS EM CASA.” Seu alarme contra ladrões soou às três damadrugada. “Sono muito profundo”,escreveu Joan em seu diário. Achando ser um

alarme falso, ela tateou pelo painel paradesligar a sirene. Então escutou uma voz dolado de fora da janela do seu quarto: “Mama,fungua malango” – Mama, abra a porta.“Primeiro, fiquei sonolentamente intrigada”,ela registrou. “Depois, a pessoa repetiu:‘Mama, fungua malango.’” John Sutton, em suas instalações desegurança, ouviu o alarme e também escutou o vigia noturno gritar “Munyama amekuliwa!” Os animais foram devorados!Sutton achou que algum leopardo entrara nogalpão dos animais órfãos e machucados,atrás de seu quarto, e comera algum antílopeou gazela. Mas quando a voz do vigia seaproximou mais, Sutton entendeu o que eledizia: “Mama foi levada! Em direção aolago!”

Seria algum estratagema para afastar os dois?Sutton não se deteve para refletir. Em vezdisso, pegou o revólver, correu para fora eatirou duas vezes para o alto, pensando queera o fim para Joan. Enquanto corria emdireção ao lago, com o telefone numa dasmãos e a arma na outra, ela o chamou pelocelular para dizer que estava no alojamento.Quando aquela experiente aventureira ouviraa ameaça em voz baixa, soube exatamente oque fazer: saiu pela porta lateral e correusilenciosamente para o alojamento dosempregados, de onde telefonou para John.Quando ele foi encontrá-la, escutou tiros.Seriam disparos de advertência deproprietários brancos nas terras vizinhas,pensou ele, ou as balas dos invasores? Depois compreendeu que ambas assuposições estavam corretas.

Joan e Sutton retornaram ao quarto dela,“onde nos deparamos com a imensa pedra de20kg lançada contra minha porta”, informa odiário. Os invasores tinham entrado em suasala de estar. “Abriram duas gavetas,arrancaram fios da antena de meu rádio eroubaram um celular.” Ambos viram a janelaquebrada da sala de jantar, através da qual osbandidos haviam jogado a pedra. Em meiahora a polícia chegou, ela anotou, mas logofoi embora, já que ninguém fora ferido epouco fora roubado. Foi como qualquer outranoite no lago Naivasha. “Fiz um chá paraJohn” continua a anotação, e então ela eSutton se retiraram, cada um para sua cama,“e tentamos dormir um pouco antes doamanhecer.” Na manhã seguinte, Sutton insistiu para queJoan reforçasse sua segurança. As barras finas

das janelas do quarto eram um verdadeiroconvite para o assalto ou coisa pior. Elerecomendou portas de aço, já instaladas emmuitas casas na região. “PORTAS DE SEGURANÇA E GRADESNAS JANELAS DO QUARTO”, ela registrouno diário em fins de 2005, observando quetinha visitado amigos para ver o que haviamfeito para tornar seguras suas casas. Umadessas era uma villa em estilo italiano,sobranceira ao lago, que pertencia a TonySeth-Smith, o antigo caçador de animais degrande porte, e sua mulher, Sarah. Seth-Smith andava pelos 70 anos, mas era forte eestava determinado a proteger suapropriedade e sua família, disposiçãotambém de Sarah, uma elegante e pálidamulher que usava o cabelo preso num coque.

“Alguém tentou atirar em mim na estrada, háseis meses”, revelou Tony Seth-Smith maistarde. Explicou que vinha dirigindo perto dasterras de Joan, quando dois africanostentaram sequestrá-lo em seu carro. Os doisfugiram quando ele apontou o revólver nacara deles. “Os trabalhadores dasfloriculturas também costumam ser roubadosno dia de pagamento”, ele prosseguiu,“Fingindo ser empregados das plantações,eles entram nos ônibus e os roubam.” Seth-Smith mostrou a Joan todo o seu sistemade segurança, esperando que ela instalassealgo semelhante em sua casa. “Joan estavaabsolutamente calma”, informou. “Era umaverdadeira mulher queniana, que nuncaentra em pânico. Seria de se pensar que elaestivesse assustada, como qualquer mulhermais velha, vivendosozinha. Mas ela passara

a vida inteira na floresta, lidando com aÁfrica e as coisas inesperadas que aquelaterra costuma aprontar.” Havia grades, portões e cercas de segurançapor todo o exterior da casa de Seth-Smith.Dentro dela, viam-se portas e portões de açoem cada corredor, desde a entrada até a salade visitas. No patamar que levava ao quartoprincipal, Seth-Smithdesceu uma portacorrediça, fazendo um barulho ensurdecedor.“É como a porta de um joalheiro. Capaz dedeter um AK-47. Depois, fechamos esta gradede ferro.” Por trás da porta corrediça via-se outra porta,também com uma grossa grade de ferro, parao caso de os bandidos terem conseguidoavançar. Depois, Seth-Smith entrou em seuquarto. “Os cachorros dormem aqui dentro,também; assim, é preciso atravessar tudo

isso, fazendo todo tipo de barulho, que oscachorros certamente vão ouvir. Mas seconseguirem entrar no quarto – o que nãoseria impossível, caso estivessemsuficientemente determinados – eu tenho umúltimo recurso.” E ele abriu uma gaveta ao lado da cama,onde havia um volumoso revólver. “Euatiraria, se fosse forçado, se a vida de minhafamília estivesse em perigo”, declarou. Tinhaporte de arma, “porque sou vigia de caçahonorário do Kenya Wildlife Services”. Joan não tinha porte de arma, por isso nãopossuía revólver. Seth-Smith perguntou-lhequais eram suas precauções de segurança,para o caso de algo “inesperado” no meio danoite. “Tenho rojões”, ela respondeu. A ideia eralançá-los pela janela, caso tivesse problemas.

Dando-se conta, provavelmente, da ineficáciade sua ideia de lançar rojões pela janela, Joancedeu, tal como quando cercara suapropriedade. Com relutância, instaloupesadas portas de aço nos dois lados doquarto e reforçou as grades das janelas. Asportas foram pintadas de vermelho-alaranjado. E ela se transformou naquilo que,só de pensar, lhe causava pavor: um ser vivoenjaulado. NO OUTONO DE 2005, David Chege voltouao lago Naivasha, depois de despedido doParque Nacional de Tsavo. Os diários de Joandemonstram sua crescente desconfiança emrelação a ele, a seus motivos e a sua evoluçãode pescador clandestino a legalizado e,depois, novamente a ilegal ou algo pior,preocupação manifestada em muitaspassagens do diário. “Conversa com Chege –

tanta intriga e falsidade”, ela tinha escrito noinício do ano, seguindo-se a informação deque “Chege tem uma arma”. Em breve até as autoridades relutavam em iraté sua propriedade. Certa vez uma “veiocom um guarda-costas!”, espantou-se ela.Multiplicavam-se os relatos sobre os wakora(bandidos) que ela havia empregado naforça-tarefa, especialmente seu líder. “Longaconversa com John Sutton”, ela registrou,“muito perspicaz sobre a maneira comoChege me tem manipulado. Perigoso para elee para mim. Ele me aconselhou a contar meudinheiro.” Ela demitiu um guarda queempregara durante seis meses. “Cheio dementiras, e é parente de Chege.” Em 13 denovembro, ela anotou: “Chege e Esther devolta a Karagita”, acrescentando que umafonte confiável a informara de “que Chege

estava por trás da invasão na minha casa, nodia 26 de setembro, e do sequestro denovembro”, e que ele estava movendo umaação contra ela na Secretaria do Trabalho porhoras extras. Nesse ponto cessam asobservações no diário sobre David Chege – epresumivelmente o lugar que ele ocupava navida de Joan. “Chege despencou da posição de líder daforça-tarefa para o fundo do poço, emTsavo”, comentou um proprietário de terras.“Ele voltou ao Naivasha sem nada para fazer.Andava por aí como um grande personageme de repente não era mais nada.” Depois deJoan cortar seu apoio, Chege se viu reduzidoa motorista de mototáxi nas ruas sujas deKaragita. “Chege era um mandaraka ndogo,um pequeno homem com um pequenopoder, mas se achava um rei”, acrescentou

um queniano. “Quando se dá algum dinheiropara gente como Chege, você está dandomuito poder. E quando se retira a mina deouro, bum!” NO OUTONO DE 2005, Joan eraregularmente despertada pelo alarmeconectado à polícia, avisando-a de umainvasão no portão da frente. “Quatro damadrugada. Sirene. A campainha é tão altaque me sinto bombardeada pelo barulho enão posso pensar direito para me comunicarcom John [Sutton] pelo celular ou pelowalkie-talkie. Difícil voltar a dormir. Meucoração aos saltos.” Os alarmes eram reais: pescadores, ladrões e,frequentemente, ambos. “Contei 18pescadores”, ela anotou. De outra vez foram20, depois 30 e depois tantos, que nãoconseguia contar. Também começou a

receber mensagens de texto ameaçadoras emseu celular. Eram tão perturbadoras eviolentas, que mais tarde nenhum de seusamigos – nem a polícia – quis citá-las,relatando apenas que alguns membros daforça-tarefa haviam declarado que se ela nãocontinuasse a lhes pagar, “os clandestinosvão pegá-la”. O pior de tudo para ela era oefeito que a escalada do crime estava tendosobre os mais importantes residentes de suasterras: “Os animais estão fugindo”, Joanregistrou, sabendo ser um sinal da naturezade que algo ia mal. Então alguém desregulouo freio de seu carro, o que por sorte foidescoberto por um mecânico antes que elaentrasse para dirigir. “Ela quase não deuimportância”, comentou sua amigaAnnabelle Thom.

Menos preocupada com a própria segurançado que com a luta que estava decidida avencer, Joan resolveu fazer uma últimatentativa para salvar o lago, de uma formaque sempre funcionara no passado: por meiode um filme. Richard Brock, veteranoprodutor da unidade de história natural daBBC quando ela e Alan faziamdocumentários para a emissora, veio instalar-se regularmente em sua propriedade e oresultado foi uma série educacional sobre adevastação do lago e as maneiras de preveni-la. Brock filmou os esforços em andamentocontra a pesca e David Harper, cujos estudoscientíficos haviam previsto a morte do lago,fez todos os comentários. Um dos filmesrealizados, Lake on the Edge, foi exibidonuma reunião presidida por lorde AndrewEnniskillen. “Só compareceram 25 ou 30

pessoas. Absolutamente chocante. Fiquei compena de Andrew, que tinha feito tanto.” O filme foi uma nobre tentativa, mas nãoconseguiu inspirar muita ação. A batalhapelo Naivasha parecia estar terminada. OS AMIGOS DE JOAN CONTINUARAM AINSISTIR para que ela fosse embora do lago,mas ela sempre se recusava. “Ir para onde?”,questionou em seu diário. Por trás das grades e paredes de aço de seuquarto, com o chefe da nova força privada desegurança da comunidade morando a apenasalguns metros de distância e novos guardasem ação, Joan podia finalmente sentir-sesegura. “22.12.2005. 20:30h. Minha sirenedisparou. John Sutton chegou com umaespingarda. Agradável ver todos os meuscamaradas lá fora, armados com pangas,rungus (bordões) etc….” Ela passou aquele

Natal sozinha, “sem ninguém com quemconversar”. Dois dias depois, em 27 dedezembro de 2005, registrou no diário: “Aregião tem estado livre de crimes neste natal.A polícia e o Naivasha Community Projectpegaram em Karazani uns bandidos quevinham aterrorizando Karagita.” O Ano-Novo trouxe novos desafios.“Queridos Frank e Peggy”, escreveu ela adois amigos americanos, em janeiro de 2006.“Estou bem e com saúde, mas me sentindoexausta, cansada de enfrentar os desafios deviver no Quênia hoje. Sinto-me como sevivesse em outro planeta, diferente dosEstados Unidos. Um planeta cujo governocorrupto e crescimento desordenado dapopulação estão aumentando a pobreza, ocrime e a destruição das florestas, savanas epantanais. Minha propriedade no lago

Naivasha continua a ser um refúgio de pazpara os pássaros e os animais, apesar daspressões ao redor.” E terminou a carta com uma nota otimista.“O turismo tem aumentado recentemente,depois de alguns anos de advertênciasamericanas contra as viagens ao Quênia, quemantiveram os viajantes longe daqui … Sejaqual for o motivo, o influxo de turistas estáajudando a economia e sua vinda para aspraias e os parques selvagens poderá serbenéfica para a conservação da vidaselvagem. Este ano finalmente comprei umcomputador e lentamente estou ingressandona era da informática! Assim, meu e-mail vaiacima. Muito amor a vocês todos, Joan.” A força-tarefa se fora, a pesca clandestina e ocrime estavam em alta, e mesmo assim elatinha esperanças, ao mesmo tempo envoltas

em frustração. Como observou sua amigaJean Hartley: “A situação não estava boa,mas ela não era de desistir.” Joan estava a semanas de seu septuagésimoaniversário – e tinha ido longe demais parapoder parar. Capítulo 11 NO FINAL DE 2005, um jovem morador deKaragita revelou à polícia de Naivasha, eminterrogatório, que seu primo chefiava umgrupo de bandidos “que planejava matar avelha Mama” – identificada por ele comoMemsaab Joan Root – na estrada Moi SouthLake. Era uma gangue de oito homens,contou ele, “todos armados de pistolas equatro AK-47”. O ladrão não revelou omotivo para pretenderem matar Joan Root,mas disse que o ataque estava programadopara 31 de dezembro. Ele prestara juramento

ao bando do primo e deveria acompanhá-losaté a propriedade dela. Tinham, porém, adiado o atentado,imaginando que a segurança estaria muitorigorosa durante as festas de fim de ano. Apolícia orientou-o a continuar com a ganguea fim de obter mais informações. Quando foimarcada uma nova data, dia 12 de janeiro, apolícia pediu que o rapaz conseguisse novoadiamento, para melhor se preparar, mas,pelo visto, o bando não concordou. Enluarada, a noite de 12 de janeiro estavaclara. Durante o dia tinham ocorrido duasmortes: pela manhã, caçadores ilegais haviamcapturado e matado um antílope perto dacasa de Joan e, à tarde, um leopardo matarauma gazela e a arrastara por seu terreno. Atrilha de sangue desaparecia perto do lago,por isso, mesmo depois de longa busca, o

leopardo não foi encontrado. Joan terminoude jantar às seis da tarde. Uma hora depois,deu boa noite a Samuel, seu cozinheiro por 14anos, e fechou-se dentro das paredes de açodo quarto. Os dois novos vigias noturnossomalis chegaram para cumprir seu turno. Osoito empregados da casa estavam vendotelevisão no aparelho que ela lhes dera, e elaprovavelmente assistiu a um filme. Às dez danoite, Joan, os empregados e os animais jádormiam profundamente. À uma e meia da madrugada, os guardasavistaram dois homens esgueirando-se paradentro da propriedade, vindos da estradaMoi South Lake. Um deles levava um fuzilAK-47, o outro carregava uma panga. Maistarde o guarda que os avistou disse que elesocultavam o rosto com capuzes. Ele soou oalarme, porém John Sutton encontrava-se na

Tanzânia, para um compromissoprofissional, e os guardas, devido àsrigorosas leis quenianas em relação ao portede armas, estavam desarmados. Em vez deatacar os atacantes, eles correram e seesconderam. Um deles declarou depois terescutado os bandidos discutindo se deveriammatar o vigia que soara o alarme, masoptaram por não o fazer. “Vamos aotrabalho”, concluíram, segundo o vigia. Rodearam a casa, seguindo ao longo da cercaeletrificada que protegia parte dapropriedade e atravessaram o portão semeletrificação que levava ao quarto de Joan.Arrastaram-se pela grama do galpão dosanimais feridos e órfãos, onde havia váriastartarugas-gigantes em diversos estágios derecuperação, com as carapaças rachadas equebradas. Chegaram então à porta de trás

do quarto de Joan e estouraram a fechaduraexterna com o AK-47, mas as portas de açointernas os impediram de avançar.Despertada pelo alarme e assustada com osdisparos, Joan ouviu as mesmas palavrasaterrorizantes de três meses antes: “Mama,fungua malango!” Mama, abra a porta! Ela conseguiu comunicar-se com John Suttonpelo celular. “John, eles voltaram”, sussurrouela. Podia escutar as barras de aço sacudirem-se enquanto os invasores tentavamfreneticamente entrar no quarto. “Joan, apague a luz”, Sutton orientou. Pelotelefone ele pôde ouvir a sirene do alarme eas vozes dos homens cada vez mais altas.Sabia que a primeira atitude de Joan numasituação perigosa daquelas seria acender aluz para operar o painel do alarme.

“Apague a luz”, repetiu Sutton. “Deite-se nochão, arraste-se até o banheiro e fique lá,quieta. Vou mandar meu pessoal aíimediatamente.” Assim que Sutton chamou sua equipe desegurança e a polícia de Naivasha, o telefonetocou novamente. A voz de Joan,normalmente tão tranquila, estava fortementeexcitada e trêmula. “John, John!”, elaexclamou. As vozes dos homens estavammais altas e ele os ouvia gritandorepetidamente “Mama, fungua malango!”,mandando Joan abrir a porta e acrescentandoem suaíli: “Senão vamos encher você comtantas balas que vai parecer uma peneira!”Então Sutton ouviu os tiros; tantos, que aprincípio ele imaginou que os assassinosestavam atirando nas portas de aço.

“John, socorro, John, socorro!”, imploravaJoan. Até que o telefone emudeceu. Ela fora atingida na coxa e arrastou-se pelochão do quarto, tentando estancar o sanguecom um lençol, deixando um rastro desangue. Quando não ouviram mais somalgum no interior da casa, os atiradores,supondo que ela morrera, começaram a seretirar. De repente, porém, uma centelhailuminou a escuridão dentro do quarto. Se foi uma lanterna ou a luz do celular,ninguém jamais saberá. A polícia, entretanto,declarou posteriormente que aquela luzinformou aos atacantes que sua vítima aindaestava viva. Mais uma saraivada de balas eeles completaram a tarefa. Quando a polícia ea equipe de segurança chegaram, osassassinos já tinham fugido, os empregadoschoravam, o antílope cego entrara em pânico

no cercado próximo ao quarto e Joan Root,atingida por pelo menos cinco tiros, estavamorta. “Ela morreu na vanguarda da luta contra ostransgressores, dentro e ao redor do lago.Mas também pode ter feito muitos inimigos,que conspiraram contra ela”, informava orelatório da polícia sobre a morte de Joan.Sua amiga Delta Willis expressou-se melhor:Joan morreu porque “acendeu a luz”. JOAN SEMPRE SOUBE que Alan voltariapara junto dela. Um dia, de algum modo, elao teria de volta, em sua propriedade, junto aseu lago, para um safári que não acabarianunca. E finalmente, depois de todos aquelesanos, Alan realmente voltou. Subindo em seuhelicóptero, nas primeiras horas da manhã de13 de janeiro de 2006, assim que um amigolhe telefonou dando a notícia, ele se elevou

acima dos feios ruídos de Nairóbi em direçãoao Great Rift Valley, voando de volta, depoisde tanto tempo, para o lago Naivasha – epara Joan. Mais tarde as pessoas lembrariamde ouvir o helicóptero sobrevoar asmontanhas, acima dos vulcões adormecidos edas fazendas, para aterrissar na faixa depouso de Joan, junto do lago. Quando Alan chegou, os vizinhos já sehaviam reunido do lado de fora do quarto.“Estava um caos”, disse um dos primeiros achegar, pouco depois das duas damadrugada. Algumas pessoas espiavam,assombradas, pelas cortinas de renda,escurecidas pela pólvora, enquanto outrastentavam transpor as barras e as portas deaço para ver se ainda restava alguma vida nocorpo estirado no chão do banheiro, numapoça de sangue.

Logo a polícia também chegou, atrás deevidências, que eram muito escassas. Alan eBarry Gaymer enfiaram-se sob a cama deJoan, recolhendo alguns cartuchos das balasque crivaram as paredes e estilhaçaram asjanelas. Tarde demais. Os assassinos jádeviam estar muito longe. Havia esperanças de se fazer justiça, emboranão através do informante que originalmentefora até a polícia. Suas declarações foramgravadas, mas parece que ninguém levouaquilo adiante. Em vez disso, a investigaçãorecaiu sobre um cão. “Um cão farejador!”,sugerira alguém. Foram feitos entãochamados urgentes para Mugie Ranch, queimediatamente enviou Inspetor-Chefe Baucis,o cão farejador mais bem treinado do Quênia.Joan o havia acolhido meses antes, paraexercícios detreinamento em sua

propriedade. Às oito e meia da manhã, ocachorro chegou num voo particular, sendolevado ao galpão de recuperação de animais,junto ao quarto de Joan. Dali foi conduzidopara uma das pegadas deixadas pelosassassinos. O cão partiu correndo, acompanhado pordois treinadores, ao longo do gramado dacasa, depois descendo a estrada Moi SouthLake e seguindo pelas ruas cheias de gente.Em seguida virou à direita e correudiretamente para o devastado coração deKaragita, onde se precipitou pelas ruasimundas e esburacadas, parando na frente deuma palhoça e colocando as patas sobre aporta. Ali se apertavam duas famílias, umade um soldador e outra de um professor, quetrabalhavam na favela. A polícia afirmou queaqueles homens eram os assassinos,

provavelmente instruídos por David Chege,junto com o dono de um brechó da área. Chege foi pego por meio de uma oferta detrabalho. Estava na moto que Joan lhe dera,que se tornara seu táxi, pelas ruas deKaragita, quando seu celular tocou – o celularque também Joan lhe dera. Quem chamavaera um proprietário de terras do lago,pedindo-lhe que viesse acertar um trabalhode meio expediente. Quando ele chegou, apolícia o esperava; foi preso e encarcerado,junto com os três outros suspeitos, na Prisãode Segurança Máxima de Naivasha, sobacusação de tentativa violenta de assalto,crime punido com pena de morte porenforcamento público. As vítimas dos assassinatos anteriores nolago Naivasha eram relativamentedesconhecidas. A daquele dia, porém, fora

estrela de filmes sobre a vida selvagem.Apaixonada demais pelo lago para conseguirabandoná-lo, obstinada demais para ceder,Joan se mantivera firme em suas terras até ofim. O que deixou para trás contaria ahistória de tudo que tentara realizar. Areação da imprensa foi como uma verdadeiratempestade internacional. Da noite para odia, a tímida, tranquila e modesta Joan Rootfoi lançada das sombras para o centro dosrefletores, bem como a história de sua missãode salvar o lago agonizante. “Paixão pela preservação da beleza doQuênia pode ter custado … a vida àcineasta”, foi o título do artigo do TheGuardian, da Inglaterra. A manchete do The Times, de Londres, foi:“Os amigos temem que o assassinato da

famosa cineasta possa estar ligado a suaatividade como ambientalista no Quênia.” O Standard, diário de Nairóbi, deu destaqueà matéria em seis colunas, ilustrada com afotografia de um queniano negrodepositando diante do portão de Joan umbuquê de flores – em meio às dezenas deoutros ali deixados. “A morte de Joan Root éum terrível golpe não só para sua família …como para a grande comunidade doNaivasha e do Quênia”, escreveram osrepórteres do Standard. “Muitos irãolembrar-se dela por seus incansáveis esforçospara salvar o enfermo lago Naivasha,agredido por todos os lados. Até a morte, aos69 anos, ela realizou aberta campanha contraa caça e a pesca ilegais no lago. Uma área dapraia passou a ter seu nome.” O jornal citouum dos empregados, que declarou: “Ela não

era apenas minha patroa, mas alguém dafamília.” E um importante comerciantecomentou: “A morte de Joan é uma grandeperda para … todos os que defendem abeleza e a conservação da vidaselvagem daÁfrica.” Entre os que se sentiram órfãos estavaRichard Waweru, um queniano negro de 24anos, a quem Joan dava emprego, casa e osalário mensal de 4.500 xelins quenianos paramonitorar um ninho de capitães-do-mato decabeça branca. Segundo lady Sarah Edwards,num emocionante tributo a Joan, publicadonuma revista dedicada à natureza, “ele mecontou como Joan costumava passear a seulado pela propriedade à tarde, mostrando-lherastros de leopardos, ensinando-lhe a lidarcom jiboias, e mais uma infinidade de coisas.Ela lhe emprestava livros de história natural

e ornitologia. Waweru chorou quando nosencontramos, pouco depois de sua morte.” “NAIVASHA É Chinatown”, observou umjornalista de Nairóbi, referindo-se ao filmepremiado com o Oscar, no qual a violência ea conspiração assolam uma cidadeoutrorapacata e cujo clímax é um assassinatoperverso e chocante. “É uma maldita panelade pressão”, acrescentou alguém muitopróximo de Joan. No final de fevereiro de 2006, quando fui aNaivasha assistir ao memorial de Joan eescrever o artigo para a Vanity Fair, percebi oque eles queriam dizer. Chegar a Naivasha écomo aterrissar numa das famosas estufas daregião, onde tudo, bom ou ruim, está semprenum local exíguo e apinhado. Fui conduzido de carro ao lago por AdrianLuckhurst e sua mulher americana, a loura e

inteligente Vickie. Do esplendor do Great RiftValley, seguimos em plena luz do dia pelaestrada Nairóbi-Nakuru, em que pouca gentese atreve a dirigir depois que escurece, eatravés da cidade de Naivasha, em cuja ruaprincipal os pescadores legalizados vendemsua produção. Dali a estrada se contorce,sobe e se transforma na Moi South Lake,terrivelmente esburacada, sulcada pelasjamantas transportando rosas para o mundoe levantando tanto pó fino e branco que ficadifícil enxergar através dela. Quando a poeirabaixou, pude ver o povo, aquele povomiserável, faminto e desempregado, muitosacenando com a mão ao longo da estrada. “Se você já ouviu alguém falar sobre povosna África e na Ásia que vivem com menos deum dólar por dia, está agora diante de umdeles”, comentou Adrian Luckhurst

enquanto dirigia. Passamos por Karagita,com seus bares instalados em palhoças, seusbarracos de pau a pique, suas ruasenlameadas e o desespero interrompido pormultidões de colegiais uniformizadosgritando imediatamente em coro “Como vai?Como vai?” à vista de algum branco. Chegar à propriedade de Joan foi comodescobrir um oásis no meio de uma terra deárido desespero. Passara-se menos de ummês desde seu assassinato. Quando cheguei,já haviam limpado o sangue do banheiro e doquarto, mas os buracos das balas aindamarcavam as paredes. Uma impressionantecoleção de animais selvagens desfilava pelogramado. As roupas de Joan ainda estavampenduradas no banheiro e os empregadosainda guardavam luto fechado. Tudo estava

quase como Joan deixara, junto com omistério de quem a matara. Com esperanças de encontrar respostas, fuiaté o posto policial de Naivasha, onde o delegado Simon Kiragu, um africanoamável e compacto, num amarrotadouniforme cáqui, lançou-me um sorrisoexuberante em seu escritório azul-claro,próximo à favela de Karagita. Garantiu-meque resolvera o assassinato de Joan Rootprincipalmente pelo testemunho de umcachorro. “Um farejador! Formidável!”,exclamou. Afinal, Inspetor-Chefe Baucis era omelhor cão rastreador do Quênia e nãodemonstrara nem hesitação nem dúvidadesde o instante em que farejara a pegada doassassino até colocar as patas sobre a porta dedois dos acusados, em Karagita.

O delegado Kiragu apanhou um grossorelatório que relacionava cinco possíveismotivos para o assassinato: 1) Envolvimento de ex-empregados.2) Avítima teve sérias desavenças com alguns deseus ex-empregados. Alguns foramgrosseiros com ela. Existe a possibilidade deque alguns deles, demitidos e descontentes,tenham conspirado para eliminá-la. 3)Agravamento da questão da vingança. 4)Assalto comum. 5) Crime organizado contrao turismo estatal. A vítima era personalidadeinfluente em questões da vida selvagem etalvez um grupo de pessoas, querendomanchar o bom nome do governo e do setordo turismo, a fim de levar investidores asuspenderem ajuda a projetos no país, tenhaplanejado o crime, para desacreditar o

governo e mostrar que o Quênia é um paísonde não existe segurança. Quanto à ligação com David Chege, odelegado foi enfático e duro: “Esse grupo dequatro homens era muito unido”, disse,mostrando-me a declaração de Chege, escritaem sua própria caligrafia garatujada.“Embora confiassem nele, ele era umvelhaco”, comentou o policial, pronunciandouma litania das trapaças de Chege, queincluíam ser “mentor intelectual” tanto dosequestro de Joan quanto de seu assassinato. “Um velhaco”, prosseguiu Kiragu,detalhando como Chege vendera os barcosconfiscados por ele e pela força-tarefa, comoobtinha dinheiro de Joan para operações quejamais realizara, e como extorquia ospescadores clandestinos em troca de lhes

permitir continuar agindo no lago. Econtinuou: Ela sempre protegia e defendia Chege.Quando se conduziu uma investigação paraverificar se ele estaria de posse de armas ouassociado a donos de armas de fogo, aprópria Joan Root declarou: “Não pode serverdade.”Ela disse ao investigador: “Chege éuma pessoa muito boa. Não é possível queesteja envolvido com esse tipo de gente.” Embora Joan Root tivesse confiança nele, elenão era um bom trabalhador. Era trapaceiro edesonesto, porém Joan só descobriu issotarde demais. Então, o chefe de polícia disse ter descobertoo motivo do assassinato: dinheiro, pura esimplesmente. “Basicamente, aoexaminarmos o caso, constatamos umatentativa de assalto”, informou. “Evidências

circunstanciais nos levaram até ele como ou omentor ou o homem capaz de providenciartudo … O senhor sabe, ele era uma pessoa dedentro, conhecia bem a propriedade, tantointerna quanto externamente. Os invasoresnão chegaram pela frente, mas sim por trás,mostrando que conheciam a organização dacasa.” Falava-se por toda Karagita que Joan tinha 4milhões de xelins (59 mil dólares) no cofre desua casa. Mais tarde, quando o cofre foiaberto, havia nele apenas 16 mil xelins (237dólares). Uma vida por 237 dólares? O delegado assentiu com a cabeça. Muitagente fora morta em Naivasha por muitomenos. *** QUANDO COMENTEI COM OS AMIGOSDE JOAN a certeza do delegado de que sua

morte resultara de um assalto comum, todosdeclararam enfaticamente que essa teoriaera… bem… mentira. “Todos sabiam queJoan nunca guardou muito dinheiro emcasa”, argumentou Adrian Luckhurst,observando que o crime fora cometido nomeio do mês e não no final, quando osempregados recebem o pagamento. “Foi umavendeta, por vários motivos, um deles otrabalho de Joan pela preservação do lago.Ela deixou muita gente furiosa, e, então… sede repente você acaba com um meio desubsistência e descobrem que é você quemestá por trás de tudo… Sem dúvida foi umassassinato encomendado.” E quem pagou por ele? “Esse é o mistério”, declarou Luckhurst. “Joan era odiada por gente interessada emacabar com as leis de proteção do lago”,

ponderou outro vizinho. E Alan Root: “Oitoamigos meus foram assassinados nos últimosanos e ninguém foi a julgamento.” “São todosuns miseráveis”, exclamou uma líder dacomunidade queniana dedicada à vidaselvagem, referindo-se aos assassinos de Joane gente dessa espécie. “Todas essas zonas deguerra! Somália, Burundi, Tanzânia eUganda… Eles mandam tantas armas paracá… Pode-se conseguir um AK-47 por umaninharia.” Ela estava decepcionada com asreações ao assassinato da amiga. “Acho quedevíamos ter organizado uma manifestação,procurado o ministro do Interior e até mesmoo presidente”, desabafou. “Devíamos terusado o assassinato de Joan para dar umbasta!”, acrescentou lorde Enniskillen. “Otrágico é que ela morreu tentando aliviar a

mesma pobreza que criou toda essainsegurança.” Outros lamentaram a morte de Joan atravésdo condicional “se”: se ela tivesse ficado portrás de tudo, em vez de se destacar tanto; setivesse trilhado um caminho maisconvencional, em vez de encarar osproblemas de frente; se não tivesse sido tãoteimosa, tão obcecada, tão forte… “A verdadeira causa do assassinato de Joanfoi, acho, sua missão; sua absoluta e totaldeterminação de proteger a vida selvagemque tanto amava”, declarou um cidadãobranco do Quênia, em sua magnífica mansãojunto ao lago, ao som de música e fartura dechampanhe. Ele era totalmente a favor daproteção aos animais e ao meio ambiente,declarou. Mas… “A forma de Joan agir foimuito perigosa. O senhor sabe, empregar

pescadores clandestinos, mais isto e aquilo…Não quero fazer nenhum julgamento, nemque venham a distorcer o que digo. Elaestava fazendo o que lhe despertava paixão,mas queria abordar o problema de frente,lidar com ele diretamente, à sua maneira, nasoleira de sua casa.” “Ela lutou por aquilo que sabia ser o certo”,interrompeu uma das senhoras na sala. “Ela devia ter ingressado no Comitê deImplementação do Lago Naivasha, do qualfaço parte, para trabalhar com AndrewEnniskillen”, continuou o dono da mansão.“Andrew estava criando uma estrutura parase poder trabalhar e tratar desse tipo deproblema. Agindo individualmente, semprese corre risco.” Comitês, estruturas, reuniões, reuniões,reuniões… Três anos depois de sua morte, o

que tem havido não passa de conversas emuito pouca ação, a não ser de parte dostransgressores, que retornaram ao lagoNaivasha numa imensa e desenfreada onda.Enquanto o crime na comunidade branca doNaivasha tem sido controlado, até certoponto, pela força particular de segurançachefiada por John Sutton e sediada noalojamento de hóspedes de Joan, acriminalidade na comunidade negra daregião cresceu tanto, que o jornal Standard,de Nairóbi, publicou a seguinte manchete,em 22 de setembro de 2008: “Naivasha,capital de histórias chocantes e de horror doQuênia.” O artigo relatava uma onda deassassinatos, estupros, canibalismo, incesto,além dos “fatos mais insólitos”, como o deum curandeiro que guardava imagens de“pessoas importantes da cidade de

Naivasha”, presumivelmente paraamaldiçoá-las. “Moradores, chocados,acorreram à casa dele, para verificar se haviaimagens suas em seu poder.” “Só quem nos pode salvar é Deus, antes quetodos venhamos a morrer, como em Sodomae Gomorra”, acrescentou um residente deNaivasha. E o que acontecerá com a coisa maisimportante da vida de Joan – sua terra? Osamigos esperam que os administradoressuíços, a quem Joan confiou a propriedade,cumpram sua vontade de mantê-la comoreserva de vida selvagem, com acesso livre eirrestrito, e que não a vendam nem pormilhões a alguma floricultura nem a deixeminativa. Enquanto escrevo, a propriedade estávazia e inativa, a não ser pela força desegurança comunitária.

UM DOS ÚLTIMOS FILMES que Alan e JoanRoot produziram juntos chamava-se TheLegend of the Lightning Bird. Como sempre,ela e Alan passaram um ano inteiro juntos naselva, filmando continuamente o pássaro-martelo, conhecido como pássaro relâmpagoe considerado o rei das aves africanas,durante seu inexplicável ritual anual:construir um maciço e elaborado ninho –uma pilha de vegetação recolhida, tão grandequanto uma banheira, com espessa coberturade palha coroada por penas, cascos deanimais e às vezes até caudas de antílopes,magnífica estrutura que pouco depois serádestruída pelo tempo e pelos predadores. Aofinal do filme, o complicado ninho éabandonado e em seguida invadido por umaincansável procissão de oportunistas: jiboias,hienas, corujas, ratos, furões e babuínos em

busca ou de comida fácil ou de umconfortável leito para passar a noite.Entretanto, apesar da inutilidade daquelasmagníficas construções, os pássaros-martelorecomeçam sempre seu torturante trabalho,estação após estação, ano após ano. “Por que os pássaros-martelo constroemesses ninhos tão absurdos? E por que voamcentenas de quilômetros transportandoenormes cargas para construir estruturas tãograndes que não fazem nenhum sentido emtermos evolutivos?”, pergunta a voz em offno filme dos Root. “E por que tantas vezeseles se mudam sem sequer usá-los? Oscientistas afirmam que deve haver algumbenefício para todo esse gasto de energia,mas não sabem dizer qual. Outros alegamque os ninhos dos pássaros-marteloconstituem um gesto resplandecente, um

desafio que derruba todas as nossas leis eteorias sobre seleção natural…” “A África é o continente das lendas”, declarao narrador alguns momentos antes. Com suamorte, Joan Root torna-se mais uma delas –uma vida lendária, colhida para sempre entreos grandes extremos do continente: a beleza ea brutalidade. Por que teve de morrer aquelamulher, que lutou para salvar a terra e opovo que amava? E, assim como o pássaro-martelo abandona seu ninho para outrasespécies o habitarem, quem irá continuar aobra à qual Joan dedicou em vão tanto de suaexistência? Essa questão não encontrou respostasnaquele dia 4 de março de 2006, quando mesentei em meio a uma centena de pessoasenlutadas, incluindo muitos especialistassobre a vida selvagem mundialmente

conhecidos, durante a cerimônia em memóriade Joan, realizada em sua propriedade juntoao lago. O público, composto de brancos enegros, ricos e pobres, foi chegando de avião,de carro, a pé, a fim de homenagear aquela aquem o programa se referia como “essasuave e delicada mulher”. Vieram celebrarquem ela fora e o que fizera. Ela era apenasuma humana, uma das espécies tãoameaçadas quanto as que filmou e lutou paradefender: os elefantes, que outrorapercorriam o Tsavo; os bandos de róseosflamingos, que voaram, soltos de seusgrilhões, no lago Magadi; os peixes e ospássaros ameaçados, que puderam ter tréguano lago Naivasha. Para aqueles que aamaram, entretanto, ela foi mais uma peça dedominó a cair devastadoramente. E, depoisde Joan Root, quem sabia o que viria?

A capa do programa da cerimôniaapresentava uma aquarela do jardim de Joan,com seus dois grous em primeiro plano e olago Naivasha ao longe: exatamente a cenaem que se realizou a cerimônia, com umacentena de cadeiras arrumadas ao redor deum pequeno palanque. “Não longe de onde agora estamos reunidos,Joan Root foi assassinada a sangue-frio”,disse o padre na abertura. “É difícilacreditar”, prosseguiu ele, tentandocompreender por que sua vida fora “brutal evergonhosamente cortada. Embora as balas atenham matado, nenhum rude assassinopoderá destruir o que ela fez e defendeu comtanta firmeza.” O programa listava três homens que fariampronunciamentos de louvor: Ian Parker,amigo de longo tempo de Joan e Alan, que

filmou a épica cena de ambos voando sobre oKilimanjaro no balão de ar quente; DeeRaymer, colega de Joan em várias sociedadesambientalistas; e David Coulson, que exaltousua bravura e sua enorme capacidade detrabalho como sua assistente durante asexpedições em busca de arte rupestre, noSaara e no Chade. Ao retornar a sua cadeira,David encontrou no celular uma mensagemde texto com ameaças, aparentementereferindo-se a algo que ele dissera em seudiscurso, como se os assassinos de Joanestivessem escutando aquele memorial. Isso,porém, não maculou a celebração. Todos osoradores falaram com eloquência e amorsobre a amiga e companheira que perderam. Então Alan Root, de 68 anos, com a barbaficando grisalha, mas ainda forte e flexível,destacou-se da plateia e subiu ao palanque.

No mesmo instante, como se Joan estivesseali para os chamar, os dois grous desceram ecomeçaram a dançar e se exibir diante daplateia. “Meu nome não aparece no programa,porque não tinha certeza de que seria capazde falar hoje”, ele justificou. “Ainda nãoestou certo de poder fazê-lo. Se não tentasse,porém, com certeza Joan me chamaria demedroso.” Ele agradeceu a todos por teremvindo, em seguida falou de Joan e da vidaque passaram juntos; de como haviamdescoberto essa esplêndida paisagem doNaivasha nos anos 60, “durante nossaviagem para o Congo”. Falou da bravura deJoan e de sua inabalável coragem diante detodos os tipos de perigo, da tão debilitadoramiastenia que sofrera, e como conseguiravencê-la, e de como ela o havia salvo em

inúmeras ocasiões, como quando o segurou,impedindo-o de cair do balão, muito acimado Kilimanjaro. “Muitos aqui sabem que maravilhosaajudante Joan foi para mim”, observou. “Masfoi muito mais do que isso. Ela foi realmentea produtora de todos os filmes querealizamos. Joan foi meu braço direito. Elatornava tudo possível. E se pudemos voar tãoalto e tão longe juntos, em todos esses anos,foi graças a ela.” Ele parou, de repente, chorando. Quando serecompôs, resumiu: “Modesta, adorável,engraçada, devotada, corajosa… – foi essa aminha Joan.” Só que ela não era mais só de Alan. Quem alamentava naquele momento era o mundointeiro, e a história do lago ameaçado, queuma mulher amou tanto a ponto de morrer

tentando salvá-lo, tomara o noticiáriointernacional. Joan Root não estava mais àsombra de ninguém, mas isso desde muitotempo antes. Olhei, através da multidão enlutada, para olocal onde, semanas antes, Alan enterrara ascinzas de Joan sob um monte de terra eplantara uma figueira. E ali ficará ela,vigiando para sempre o lago Naivasha. Epílogo NO DIA 10 DE AGOSTO DE 2007, os quatroacusados de tentativa de assalto comviolência compareceram diante do juiz, norudimentar tribunal de Naivasha. Os réus,David Chege entre eles, mostravam-setaciturnos, depois de quase dois anos nacadeia aguardando o julgamento. A defesanão convocou nenhuma testemunha,

preferindo basear-se nas próprias declaraçõesdeles sob juramento. Os espectadores compunham-seprincipalmente das famílias dos réus. Nemum só cidadão branco do Quênia assistiu aojulgamento. Um só juiz decidiria o destino detodos. Segundo o protocolo, ele se sentou e,quando começou a falar, em voz profundacom forte sotaque inglês, estava claro que játomara sua decisão. Observou que os acusados não foram vistospor ninguém na cena do crime. Os guardastinham se escondido e os assassinos estavamusando capuzes. Não havia evidência queligasse os acusados à invasão, com exceçãoda ridícula incriminação feita por umcachorro, ele prosseguiu, acrescentandotratar-se de um animal civil, com treinadoresdespreparados, e sem a presença de nenhum

policial. Mesmo a acusação, em si, era falha.“A vítima foi morta a tiros…”, ele continuou.“Realmente, não havia motivos para sepreferir uma acusação de tentativa de assaltocom violência. Seria preferível a deassassinato.” Em seguida ele bateu o marteloe ordenou que os quatro homens fossemlibertados. TRÊS MESES DEPOIS DE TER SIDO SOLTO,David Chege já estava de volta à ativa.“Parece um fantasma, agora”, diziam aspessoas. Quando fui pela primeira vez aNaivasha escrever meu artigo, Chege aindaestava na cadeia, acusado da tentativa deassalto com violência relacionada à morte deJoan Root. Ao voltar lá para novas pesquisas,ele fora inocentado e libertado. Comecei aprocurá-lo assim que cheguei, mas em vão.Ele não atendia o celular e jamais era visto

nos lugares em que antes costumava estar,em Karagita. Escondia-se, diziam-me. Houvequem chegasse a afirmar que estava morto. Pedi a alguns moradores de Karagita que meajudassem a encontrá-lo. Apesar da prósperaindústria de flores, Naivasha continua sendouma cidade muito pequena. Começamosespalhando pela favela e seus baresmiseráveis o boato de que um escritormzungu dos Estados Unidos estava ansiosopara encontrar-se com David Chege. Depois,seguimos de carro pelas ruas lamacentas deKaragita até os barracos de pau a pique desua mãe e de sua primeira mulher.Novamente não tivemos sorte. Depois de duas semanas de tentativas, meucelular queniano tocou. “Aqui é Chege”, umavoz anunciou. Não queria se encontrarcomigo em Naivasha. Sua situação era muito

perigosa para ser visto em público – estavarecebendo telefonemas com ameaças,enfatizou. No entanto, gostaria de meencontrar em Nairóbi. Sugeri o bar doNairobi Safari Hotel, filial urbana do famosoclube perto do monte Quênia que forafundado pelo ator William Holden. David Chege me esperava quando cheguei aobar. Era um jovem quicuio forte e bonito,parecendo saído diretamente de uma agênciade modelos. Usava calças azul-claro, queabsolutamente não combinavam com osurrado jaquetão xadrez, a camisa polo e oboné de beisebol bordado com o nome deDavid Beckham. O rosto era suave, a pele dacor de chocolate escuro. Afundou na cadeira,olhando-me preocupado, sem sorrir,desconfiado.

Estava acompanhado por uma linda jovemafricana usando jeans e jaqueta. Era a irmã dasegunda mulher dele, Esther, que trabalharapara Joan, e comportava-se como se fosse suaassessora de imprensa. Era evidente que elesqueriam testar-me antes que Chege dissessequalquer coisa. Ele falou em suaíli a um intérprete que meacompanhava. Sua primeira pergunta foi:estava eu escrevendo o roteiro do filme sobrea vida e o assassinato de Joan Root, de queele e todos no Quênia tinham ouvido falar? “Não”, respondi. “É um roteiristaprofissional de Hollywood que o estáescrevendo.” Ele se voltou para a mulher ao lado. Elaassentiu com a cabeça. Então ele tambémconcordou. Eu fora aprovado no teste.Quando as cervejas chegaram, ele derramou

delicadamente a sua no copo, observandocom atenção as bolhas, e então começou apintar um quadro radicalmente diferente desi mesmo, oposto às histórias que todos mehaviam contado a seu respeito. “Havia interesse em arruinar meu bomnome”, declarou. Só estar ali, bebendocerveja naquele bar, à luz do dia, em vez dena cadeia onde passara os dois últimos anos,provava pelo menos uma coisa: David Chegeera um sobrevivente. Trouxera uma pasta cheia de papéis,relatórios policiais e fotografias, tudo que,segundo ele, o eximia – tal como o juiz ofizera – do assassinato de Joan Root. Gostavatanto de Joan Root, acrescentou, que achamava de “Mama”. “Ela era uma mulhermaravilhosa, cheia de compaixão.” Falou doquanto ela fizera por ele e pelo Naivasha e

que, quando ouviu a notícia de seuassassinato, sentira muita tristeza. “Fiqueidois dias sem comer.” A cada uma das váriasalegações contra ele, que citei uma por uma,ele respondeu sempre “não”, “nunca” ou“nem uma só vez!”. Como Joan, eu também tive vontade deacreditar nele. Quando lhe perguntei àqueima-roupa “Você é bandido?”, elerespondeu sem hesitar: “Nem uma só vez meenvolvi em algum ato criminoso.” Sua fichaera limpa, insistiu. Quanto a quem poderiatê-la matado, revelou: “Tentei investigar eumesmo, mas nada consegui.” Estava dizendoa verdade ou seria mais uma de suasconvincentes performances? “Estamos monitorando todos os movimentosdele”, informou-me alguém da polícia sobreDavid Chege.

Fiquei pensando em tudo isso alguns diasmais tarde, no amplo gramado de umrestaurante – um local bucólico, onde osmacacos passavam a todo instante, cheio depássaros cujas espécies apareciam registradasnum livro à entrada, com o título Pássarosque podem ser vistos hoje! No dia de minhavisita, a lista incluía o martim-pescador-grande, a águia-pescadora africana, a íbis-sagrada, o soberbo estorninho, pequenasgarças, cormorões e cegonhas-do-bico-amarelo. Tal como em outros deslumbrantes lugaresque visitei durante minhas pesquisas, porém,percebia-se algo como uma oculta corrente deintrigas. Durante um chá num clube emcompanhia de um policial queniano, porexemplo, ele me comunicou que esperavaalgum pagamento pelo tempo que passara

comigo. “Você também ganha dinheiro comseus artigos, não é?” Aquele pedido de dinheiro partindo de umrepresentante da lei fez meu sangue subir àcabeça. A conversa passara drasticamente deuma entrevista para o que parecia ser umaextorsão. Gaguejando um pouco, respondique tinha apreciado muito sua ajuda. “Se o senhor ganha dinheiro com seusartigos, eu também tenho que ganhar”, eleinsistiu. “O senhor deveria dar-me 2 mildólares pelas histórias que acabo de lhecontar.” Fechei ruidosamente o bloco de anotações. Aentrevista terminara, e imaginei que algosinistro estivesse para acontecer. “O senhor está de carro?”, perguntou ele. Suadisposição jovial de alguns minutos antesfora substituída por um olhar de aço.

“Sim. Quer carona para algum lugar?” “Não, obrigado. Eu tenho carro. Mas é queestou sem gasolina.” Perguntei-lhe quanto ele precisava para agasolina. “Quinhentos”, ele respondeu, querendo dizer500 xelins quenianos. Isso dava sete dólares e45 centavos. Não era muito para umaextorsão. Passei-lhe o dinheiro quandoapertei sua mão e fui embora às pressas. Pode-se dizer com certeza que a investigaçãopolicial, se é que de fato houvera, esfriaracompletamente. Até a presente data, oassassinato de Joan Root permanece envoltoem mistério e seus executores ainda estão àsolta. “Quem quer que tenha atirado nela jogou aarma em algum local muito profundo”, disse-me uma mulher durante o memorial de Joan.

“Em alguma fossa de Karagita”, completou omarido. E, ali, a arma misturou-se aos excrementos dafavela e aos dejetos das floriculturas,correndo depois – como tudo em Naivasha –diretamente para o lago. Notas As setas, à esquerda, remetem às páginasonde se encontram os trechos destacados. Prefácio “Uma vida inteira”, “Agora que tenhocontato com outras pessoas”: cartas de JoanRoot, mai/jun 1996. “Sobrevoando a casaazul”: cartas de Joan Root, mai/jun 1996. Introdução “Ecologista assassinada”: World Briefs, NewYork Times, 17 jan 2006. Vanity Fair: MarkSeal, “A flowering evil”, Vanity Fair, ago2006. “Soube que o senhor está à minha

procura” e “Caro Mark”: e-mails de AlanRoot para o autor. “como Doutor Doolittle, sóque mil vezes mais”: entrevista do autor comJohn Heminway. Descrição da cerimônia edas fazendas de floricultura: Seal, “Aflowering evil”. a 100 dólares por cabeça:entrevista do autor com ThomasCholmondeley. “Todos aqui sabem o quequero dizer”: fala de Ian Parker no memorialde Joan Root. Quando cinco soldados:entrevistas do autor com Ian Parker. “Já tivedois acidentes com estes”: entrevistas doautor com Alan Root. A Working Title Filmsadquiriu os direitos: BBC News, 21 mai 2007.Outro golpe de sorte: entrevista do autor comAnthony Smith. Capítulo 1

História do Quênia: Robert Edgerton, Mau-Mau – An African Crucible. Nova York, FreePress, 1989. “Os britânicos trouxeram para o Quênia”:entrevista do autor com Otto Poulsen. terminou com um banho de sangue:Caroline Elkins, Imperial Reckoning. NovaYork, Henry Holt, 2004. História do Quênia: David Anderson,Histories of the Hanged. Nova York, Norton,2005. Joan Root contaria mais tarde: entrevista doautor com Otto Poulsen. “Quando os britânicos chegaram”: carta deEdmund Thorpe. Citações de Kenyatta: John FrederickWalker, A Certain Curve of Horn. NovaYork, Atlantic Monthly Press, 2002.

Biografia de Edmund Thorpe: memória deEdmund Thorpe; Obituário em The NewMexican, 4 mar 1997; e Jim Thomas, “Formersafari boss recalls Kenya days”. uma propriedade abandonada de 240 acres:carta de Edmund Thorpe. plantou 39 mil pés de café: entrevista doautor com Elizabeth Conlin, cunhada deEdmund Thorpe. um quilômetro de grãos: Thomas, “Formersafari boss”. uma centena de trabalhadores: “Adventurersand explorers, Jean and Edmund Thorpe”,The Santa Fean, jan/fev 1981. “Eu nadava”: idem. os filmes de Tarzan: idem. “um amigo deixou comigo Mabel”: idem.

Numa terra em que praticamente inexistiaorientação sobre criação de filhos: entrevistado autor com Alan Root. Edmund se tornara caçador profissional:brochura da Quênia Através das Lentes; de1945 a 1965, Edmund possuiu um negócio desafáris; memória de Thorpe. poucas pessoas da comunidade branca:entrevista de Joan Root a Mike Eldon. trabalhou como secretária para a companhiapetrolífera Shell: entrevista do autor comMary Stanley-Shepherd. o teto coberto de palha, cheio de gaiolas comgalinhas: fala de Alan Root no memorial deJoan Root. Dirigindo para o leste: brochura 1968 daQuênia Através das Lentes. A cratera de Ngorongoro: www.ngorongoro-crater-africa.org.

“Esses americanos são bastante agradáveis”:carta de Joan Root à mãe, 27 jan 1960. aos dez anos de idade, ao pôr seus pés noQuênia: memória de Alan Root. rara combinação de inteligência: entrevistado autor com Ian Parker. No livro No Man’s Land John Heminwayregistrou: John Heminway, No Man’s Land .Nova York, Warner Books, 1989. Filho de um empacotador de carne londrino:idem. Os Root viviam na planície de Athi: idem. Dados biográficos de Alan Root: No Man’sLand, de Heminway; entrevista do autor comAlan Root. Armand Denis e … Michaela: obituário deMichaela por Caroline Boucher, TheGuardian, Londres.

“Por que diabos você está…”: entrevista doautor com Alan Root. Bernhard Grzimek: Obituário, AssociatedPress, 26 mai 1987. enfiado até os joelhos na lama deNgorongoro: entrevista do autor com AlanRoot. “Olá, sou Alan Root.”: idem. convidaram o jovem a juntar-se a eles: idem. Sugeriu que ela tirasse uma folga: idem. o pacote de manteiga: idem. que ainda não pronunciara nenhumapalavra: Delta Willis, “The other roots”,People, 6 jul 1981. estava noiva: entrevista do autor com JeanHartley. “Ganso-Goss”: entrevista do autor com IanParker.

Ted Goss: Obituário, The Independent(Londres), 25 jul 2002. escutaram guinchos partindo de um poço:“Comida especial chegou tarde demais paraBundu”, artigo de jornal não identificado. Alimentar um deles era tarefa quaseimpossível: entrevista do autor com AlanRoot. inventar uma fórmula:www.sheldrickwildlifetrust.org/. Joan dormia com o animal … voltaria logo:entrevista do autor com Senga Thorpe, tia deJoan. uma das amigas de Joan aceitara um pedidode casamento: entrevista do autor com AlanRoot. nenhum dos quais conhecera ainda umaverdadeira paixão: idem.

Mais tarde ela declararia ter-se apaixonadopor Alan: entrevista do autor com AnnabelleThom. Como é que se chega à TV?: “Sua vidaselvagem é doméstica”, artigo de revista. Capítulo 2 um só objetivo: tornar-se o maior cineasta davida selvagem: entrevista do autor com AlanRoot. O casamento aconteceu: entrevista do autorcom Sue Allan, e artigo “Afinal, umcasamento na cidade”, em jornal nãoidentificado. “ou nunca teremos lua de mel”: Delta Willis,“The other roots (Alan e Joan) documentAfrica’s wildlife”, People, 6 jul 1981. “um safári que duraria 20 anos”: entrevistade Joan Root com Mike Eldon.

excrementos frescos de elefante: entrevistado autor com Alan Root. Embora Alan tivesse telegrafado: carta deJoan para a mãe, de 27 fev 1961. acampar no rio Athi: carta de Joan Root paraa mãe, em 22 mar 1961. Ele levara uma barraca: entrevista do autorcom Alan Root. um escorpião: idem. e Colin Willock, TheWorld of Survival. Londres, Andre Deutsch,1978. tomou duas aspirinas: fala de Alan Root nomemorial de Joan Root. as quatro e meia da madrugada: carta deJoan Root para a mãe, em 22 mar 1961. dois enormes leões mataram e comeram: J.H.Patterson, Man-Eaters of Tsavo. Nova York,St. Martin’s Press, 1986.

Nem Joan nem eu: e-mail de Alan Root parao autor. “Vamos partir para Karamoja”: entrevista doautor com Alan Root. “Minha querida mamãe”: cartas de JoanRoot para a mãe. Alan saiu: cartas de Joan Root para a mãe. seu marido volta e meia costumava fazer:entrevista do autor com Anthony Smith. “Romance?”: e-mail de Alan Root para oautor. O casal, no entanto, não podia viver apenasdo amor: entrevista do autor com Alan Root. E certa manhã, ao checar a armadilha: Boxme a Bongo (filme), 1998. “jamais estivera apaixonado, jamais”: cartade Edmund Thorpe. Jean Bowie Nathan Shor: Obituário, TheNew Mexican, 31 dez 1998.

uma grande dama colonial: entrevista doautor com Alan Root. “Ninguém pensa [mal] de você, mamãe”:carta de Joan Root para a mãe, jul 1962. “Não deixe aquele velho”: carta de Joan Rootpara a mãe, sem data. “Tenho um marido maravilhoso”: carta deJoan Root para a mãe em 24 ago 1963. expedição por toda a África oriental: perfilde Alan Root. a viagem de balão: entrevista do autor comAnthony Smith; Anthony Smith, Throw OutTwo Hands . Londres, Allen & Unwin, 1963. O presidente [Idi] Amin avistou: TheGuardian, Londres. “Estávamos com um terrível problema”:entrevista do autor com Anthony Smith. “Ela era a carregadora de piano”: entrevistado autor com Dee Raymer.

beneficiários de seu testamento: carta deAlan Root para Anthony Smith. Depois de três meses em íntimo convívio:entrevista do autor com Anthony Smith. Detalhes do calau: cartas de Joan Root para amãe, 13 jul e 28 dez 1962. Dados biográficos de Buxton: entrevista doautor com Aubrey Buxton; Willock, TheWorld of Survival; www.wildfilmhistory.org(entrevista com Buxton); entrevista do autorcom Alan Root. Alan e Joan estavam acampados: entrevistado autor com Alan Root. A um alerta de Joan: idem. Uma de suas tarefas iniciais: cartas de JoanRoot para a mãe, 20 e 29 jun 1962. “Meio século atrás”: A Tear for Karamoja(filme), 1980.

oito ou nove etapas: carta de Joan Root paraa mãe, 29 jun 1962. “eu teria um filho!”: carta de Joan Root paraa mãe, 13 jul 1962. Detalhes sobre o lago Magadi: entrevista doautor com Alan Root; National Geographic,dez 1962; “Saving the flamingo”, SundayNation, 23 set 1963; cartas de Joan Root paraa mãe, 4 e 11 out 1962. Vindos de revistas do mundo inteiro,choveram pedidos: cartas de Joan Root para amãe, 4 out 1962 e 24 ago 1963. “Sabe como é?”: carta de Joan Root para amãe, 28 dez 1962. Capítulo 3 “para tomar um café”: entrevista do autorcom Alan Root. o Naivasha era um lugar de extremos:entrevista do autor com Jean Hartley e Ian

Parker; “Relatives lured into Mungiki trapsand bodies left to the dogs in Naivasha”,Daily Nation , Nairóbi, 20 out 2008. incluindo o presidente Theodore Roosevelt:Theodore Roosevelt, African Game Trails.Birmingham, Palladium Press, 1991. Procura da casa em Naivasha: entrevista doautor com Alan Root; fala de Alan Root nomemorial de Joan Root; cartas de Joan Rootpara a mãe. “um gim-tônica forte”: The Irish Times, 4 abr2005. “o lugar mais lindo que já vi para se ter umlar”: Mark Seal, “A flowering evil”, VanityFair, ago 2006. Kilimandege: entrevista do autor com JohnSuton. pertencera à família McRae: entrevista doautor com Robin Anderson.

Descrição da propriedade: entrevista doautor com Alan Root; fala de Alan Root nomemorial de Joan Root. Descrição das montanhas Virunga: carta deJoan Root à mãe em 1 out 1963; entrevista doautor com Alan Root; fala de Alan Root nomemorial de Joan Root. Carl Akeley: George Schaller, The MountainGorillas. Chicago, University of ChicagoPress, 2000. Smith deixou-se cair: entrevista do autorcom Anthony Smith. Sentiram o cheiro dos gorilas antes de ouvi-los: Schaller, The Mountain Gorillas. Precisávamos nos aproximar muito, a fim decapturar as imagens: entrevista de Alan Roota um jornal. Ao longo de várias semanas: entrevista doautor com Alan Root; fala de Alan Root no

memorial de Joan Root; carta de Joan Rootpara a mãe. ele deu um soco: entrevista do autor comGiles Camplin; Colin Willock, The World ofSurvival. Londres, Andre Deutsch, 1978. Anthony Smith escreveria mais tarde:Obituário de Joan Root por Anthony Smith,The Guardian, Londres. a casa do lago Naivasha: carta de Joan Rootpara a mãe, dez 1963. aconteceu a tragédia: fala de Alan Root nomemorial de Joan Root. Além disso, pode alterar: Monique M. Ryan,M.D, “Myasthenia gravis and prematureovarian failure”, Muscle & Nerve 30, n.2,2004, p.231-3. “Vocês não têm ideia do quanto ela estádoente!”: entrevista do autor com JackyWalker.

Ainda fraca e abalada: fala de Alan Root nomemorial de Joan Root. Wup! Wup!: entrevista do autor com GilesCamplin. Às vezes eles tinham dificuldades para secomunicar com palavras: carta de Alan Rootpara Joan Root. Para se chegar à propriedade dos Root: visitado autor ao local. George e Joy Adamson: Joy Adamson, BornFree. Nova York, Bantam Books, 1966. Não poderiam ter escolhido lugar melhor:visita do autor ao local. Descrição da casa: idem. aquela sempre crescente coleção: DeltaWillis, “The other roots”, People, 6 jul 1981, eoutras publicações. pica-bois de bico vermelho: entrevista doautor com Anthony Smith.

o lince de Joan: entrevista do autor com GilesCamplin. “Estamos hospedados na casa de Alan”:carta de Giles Camplin a Anthony Smith, 2abr 1968. “Alan machucou seriamente o joelho”: cartade Joan Root para a mãe, 12 jan 1983. Detalhes sobre a família de Kiari: diário deJoan Root; entrevista do autor com AnthonySmith. Gichuhi, tentando estrangular Kiari: carta deJoan Root para a mãe. Esses, entretanto, eram crimes de menorimportância; os de gente de fora: carta deJoan Root para a mãe, 12 jan 1983. Algumas noites, Alan e Joan estendiam umlençol: entrevista do autor com váriosempregados.

“Grande parte do tempo, Joan atuava comouma espécie de enfermeira de UTI”: fala deAlan Root no memorial de Joan Root. Detalhes do assassinato de Dian Fossey: dr.Richard Leakey em relatórios à imprensa;Farley Mowat, Woman em the Mists, NovaYork, Grand Central Publishing, 1988. Assassinato de Joy Adamson: New YorkTimes , 29 ago 1981; “Kenyan convicted indeath of Joy Adamson”, The Guardian,Londres, 8 fev 2004: “Joy shot me in the leg,so I gunned her down”, The Guardian,Londres, 8 fev 2004. Assassinato de George Adamson: New YorkTimes, 22 ago 1989. Detalhes sobre a mordida da víbora: GeorgePlimpton “The man who was eaten alive”,The New Yorker, 23 ago 1999; carta de JoanRoot para a mãe.

O médico dessa vez falou em amputar oantebraço: carta sem assinatura, 5 dez 1968.Detalhes dos escritórios da Anglia e de Alancomo astro: Willock, The World of Survival;entrevista do autor com Anthony Smith. Seu belo perfil: entrevista do autor comAnthony Smith. “Ele adorava quando a Anglia enviava”:idem. “houve uns… não sei como chamar”:entrevista do autor com Alan Root. “pulasse para o alto, apanhasse um pássarono ar”: Delta Willis em www.deltawillis.com. Capítulo 4 Detalhes sobre as Galápagos: Colin Willock,World of Survival. Londres, Andre Deutsch,1978; Aubrey Buxton, “The enchanted isles”,TV Times, Londres, 30 nov 1967.

Aquela beleza intocada: cartas de Joan Rootpara a mãe, 28 abr e 16 mai 1966. “com bastante tempo disponível”: Buxton,“The enchanted isles”. “Filmem toda a vida selvagem quepuderem!”: Willock, World of Survival. “Foi emocionante”: cartas de Joan Root paraa mãe, 28 abr, 30 mai e 23 ago 1966. estavam com 7.000m de negativo: Willock,World of Survival. “Você é um excelente cinegrafista: entrevistado autor com Alan Root. oferecendo-lhe o dobro da proposta: carta deJoan Root para a mãe, 30 mai 1966. “Sempre fomos bastante francos”: carta deJoan Root para a mãe, 23 out 1967. “Isso ajudará a divulgar nossos nomes”:carta de Joan Root para a mãe, 23 out 1967.

“pois se trata do nosso filme”: carta de JoanRoot para a mãe, 23 out 1967. peixes de coral: carta de Joan Root para amãe, 3 jan 1968. Detalhes sobre a mulher de Buxton e oaluguel de roupas: carta de Joan Root para amãe, 3 jan 1968. Meu trabalho era mostrar o que estava ali:entrevista do autor com Alan Root. Detalhes sobre o encontro com a rainha, apremière e a festa: carta de Joan Root para amãe, 3 jan 1968. Não sei o nome de nenhum daquelesfigurões: carta de Joan Root para a mãe, 19jan 1968. Na manhã seguinte: carta de Joan Root paraa mãe, 19 jan 1968. Detalhes dos programas e dos bongos:entrevista do autor com Alan Root.

Alan saiu na terça pela manhã: carta de JoanRoot para a mãe, 28 ago 1969. Detalhes sobre as atividades de Alan Root:perfil de Alan Root. Detalhes sobre o manancial Mzima: carta deJoan Root para a mãe; entrevista do autorcom Alan Root; Joan e Alan Root: “Mzima,Kenya’s spring of life”, National Geographic,set 1971; Two in the Bush (filme). Detalhes sobre Baobab: Portrait of a Tree:Willock, World of Survival; Two in the Bush;entrevista do autor com Alan Root; MaryRiddell, “The man who has given his life tolove and Africa”, The Times, Londres, 17 jul1996; carta de Joan Root para a mãe, 17 jul1996. Estávamos do lado errado do rio e haviamuito para filmar: carta de Joan Root para amãe, 24 ago 1971.

Detalhes do voo de balão sobre a migração:carta de Joan Root para a mãe, 25 ago 1986. “Ok, Alan. Prepare-se”: Two in the Bush. Joan estava em Durban: carta de AnthonySmith para Joan Root, jul 1973; carta deAnthony Smith para a dra. Eleanor Mears, 13jun 1973. Ela queria ter filhos: entrevista do autor comAlan Root. Joan voltou para Naivasha: carta de AlanRoot para Anthony Smith, 30 mai 1973. “Imaginei que de alguma forma ela se sentiaincapaz”: entrevista do autor com Alan Root. “Ela era uma garota do Quênia”: entrevistado autor com Oria Douglas-Hamilton. “Estou realmente muito confuso nestesúltimos dias”: carta de Alan Root paraAnthony Smith, 5 jan 1973.

Detalhes do voo sobre o Kilimanjaro: cartade Alan Root para Anthony Smith, 19 mar1979; carta de Joan Root para a mãe, 16 mar1974. “Não precisa ter tanto medo”: fala de AlanRoot no memorial de Joan Root. Detalhes sobre os voos de JacquelineOnassis: carta de Joan Root para a mãe, 20ago 1974; entrevista do autor com Alan Root. ele gostava de voar no Oscar Charlie paracasa, atravessando o Hell’s Gate: entrevistado autor com Mike Hay; George Plimpton,“The man who was eaten alive”, The NewYorker, 23 ago 1999. “ele também compartilha, com seus colegascineastas”: Brian Jackman, entrevista comAlan Root, publicação não identificada.

O balão logo estava também proporcionandonovos lucros: cartas de Joan Root para a mãe,jan 1976 e 1 mai 1980. Detalhes do ataque do hipopótamo emMzima: cartas de Joan Root para a mãe;cartas de Alan Root para amigos; Plimpton,“The man who was eaten alive”. Detalhes do filme sobre os cupins: Two inthe Bush, Mysterious Castles of Clay (filme),1978. Artisticamente, Castles of Clay é tãomajestoso quanto: John Heminway, NoMan’s Land , Nova York, Warner Books,1989. “É possível que os Root sejam os últimos desua espécie”: Delta Willis, “The other Roots”,People, 6 jul 1981. uma “coletânea”: cartas de Joan Root para amãe, 4 out 1979 e 23 jul 1981.

Detalhes da sequência da naja: carta de JoanRoot para a mãe, 1 mai 1980; entrevista doautor com Alan Root; Two in the Bush. Detalhes da turnê publicitária: cartas de JoanRoot para a mãe, 14 jun e 23 jul 1981. Eles formavam uma equipe: entrevista doautor com John Heminway. um amigo presenteou Joan: diário de JoanRoot. Capítulo 5 “Um típico casamento queniano”: entrevistado autor com Ian Parker e Dieter e NorbertRottcher. “Ele não é fantástico?”: entrevista do autorcom Ian Parker. Detalhes sobre Jennie Hammond: entrevistado autor com Bob Hammond e Ian Parker. “Só me lembro de estar completamentebêbado”: entrevista do autor com Alan Root.

“Seu jantar está no forno”: entrevista doautor com Bob Hammond. “Não sei bem se realmente ela já chegou comas malas”: entrevista do autor com VickieLuckhurst. ajudou Jennie a procurar casa: entrevista doautor com Alan Root. Detalhes sobre o vulcão: carta de Joan Rootpara a mãe, 25 ago 1986; entrevista do autorcom Alan Root. Ninguém mais poderia realizar: entrevistado autor com Delta Willis. “Tive de fazer um exame”: entrevista doautor com Alan Root. Ele se viu “preso na armadilha”: idem. “Joan aceitou”: entrevista do autor comVickie Luckhurst. Detalhe da cena e do diálogo no WheelerOpera House: diário de Joan Root.

“Estou magoada por não participar dotrabalho”: carta de Joan Root para AnthonySmith, 12 jul 1987. “Também acho que teria reparado queMushamuka”: carta de Joan Root paraAnthony Smith, 12 jul 1987. Alan ponderou que … estava “matandoJennie”: diário de Joan Root, 10 jul 1987. “Não posso estar no Serengeti”: carta de JoanRoot para Anthony Smith. “Ela o impediu de continuar realizando seusfilmes”: entrevista do autor com um amigode Joan e Alan, não mencionadonominalmente. Detalhes do divórcio: diário de Joan Root. “Posso imaginá-la”: e-mail de ErrolTrzebinski para o autor (de seu diário sobre avizinha de Joan, Doria Block).

“Sou egoísta e arrogante”: carta de JennieHammond para Joan Root, sem data. Acordo do divórcio: entrevista do autor comAlan Root. Detalhes do diálogo entre Jennie Hammonde Joan Root: carta de Joan Root para AnthonySmith, 21 mar 1991. Capítulo 6 Detalhes de Joan Root após o divórcio:entrevistas do autor com Adrian Luckhurst,Vickie Luckhurst e Jean Hartley. Detalhes do censo de elefantes: entrevista doautor com Iain Douglas-Hamilton; carta deJoan Root para Anthony Smith, 4 abr 1988;Richard Leakey, Wildlife Wars, Nova York,St. Martin’s Press, 2001; New York Times, 19jul 1989.

“Não era dessas pessoas que aparecemgritando em público”: entrevista do autorcom Sarah Higgins. “Era uma pessoa tãoboa” e outros detalhes da expedição de arterupestre: entrevista do autor com David Coulson. “Nas noites do Saara”: fala de DavidCoulson no memorial de Joan Root. Podia finalmente fazer tudo: obituário deJoan Root, The Standard, Nairóbi, 23 jan 2006. “Não lhe dei muita atenção”: entrevista doautor com Dee Raymer. pediu a Adrian Luckhurst para indicá-la:diário de Joan Root. “um único voto contrário fosse suficiente”:entrevista do autor com Esmond BradleyMartin. “Joan sofria com isso”: entrevista do autorcom Annabelle Thom.

Detalhes sobre a apresentação de DavidAttenborough e a resposta de Alan: cartas deJoan Root. “Passei o dia inteiro em casa”: diário de JoanRoot, 17 out 1994. Detalhes dos animais vistos: diário de JoanRoot, 20 out 1994. “Há quem veja aqui só alguns bichos numpedaço de mata”: entrevista de Joan Root aMike Eldon, 1992. “Ela se continha muito”: entrevista do autorcom Vicky Stone. “Mostrava-se sempre muito protetora”:entrevista do autor com Annabelle Thom. Pobres dos predadores e detalhes da solturada jiboia: Sarah Edwards, “A tribute to JoanRoot”.

Às vezes ela visitava Sarah Higgins:entrevista do autor com Sarah Higgins, evisita a sua casa. Detalhes da viagem de Delta Willis:entrevista do autor com Delta Willis ewww.deltawillis.com. Ao longo de todos aqueles anos: diário deJoan Root. Detalhes de Edmund Thorpe: perfil deEdmund Thorpe. Detalhes da viagem com Otto Poulsen:entrevista do autor com Otto Poulsen. Detalhes de Treetops: Paul Zimmerman,“Treetops Hotel: Not a bit posh but it attractsa posh clientele”, New York Times, 15 set1968. “Meu querido Otto”: carta de Joan Root paraOtto Poulsen, sem data.

Detalhes da disputa pelas terras ribeirinhas:entrevista do autor com Bill Hutton; cartas edocumentos; cartas e diário de Joan Root;“Lake Naivasha, experiences and lessonslearned brief”, Lake Basin ManagementInitiative, 2005. herdeira dos Whitney, de Nova York:Sunday Telegraph, Londres, 3 nov 2003. Capítulo 7 Detalhes do lago Naivasha: Alan Cowell,“Kenya lake outlives comedy of ecologicalhorrors”, New York Times, 18 mar 1982. indústria de flores do Naivasha: HansZwager, The Flowering Dutchman, Oxford,Reino Unido/Victoria, Canadá, TraffordPublishing, 2005. “Você roubou a cadela”: Charles Hayes,Oserian: Palace of Peace, Nairóbi, RimaPublications, 1997.

Em 1953 ela conheceu Hans: idem. “Ele importava tudo que você pudesseimaginar”: entrevista do autor com JuneZwager. Detalhes sobre os produtos químicos:www.pesticideinfo.org/Detail_ChemReg.jsp?Rec_Id=PC33671. Hans descartou investir: entrevista do autorcom June Zwager. “a menos que se acrescentassem muitoselementos para melhorá-lo”: Jane Perlez,“Dutch flowers? In name only. Ask theKenyans”, New York Times, 2 fev 1991. Além da sugestão, essa visita deu a Hans:Zwager, The Flowering Dutchman. Detalhes sobre as floriculturas do Naivasha:Perlez, “Dutch flowers?”; Steve Bloomfield,“Where have all the flowers gone: thornsamong the roses”, The Independent, Londres,

3 out 2006; website da Flamingo FlowerFarm: www.flamingoholdings.com. Só em 1990, as fazendas quenianasexportaram: Perlez, “Dutch flowers?” aumentava na proporção anual de 35%:www.dfid.gov.uk/news/files/speeches/trade/naivashaqa.asp “Recebi … a visita”: entrevista do autor como conde Peter Szapary. as exportações anuais de flores do Quêniacresceram perto de dez vezes: ChrisCollinson, “The business cost of ethicalsupply chain management: The Kenya flowerindustry case study”, Natural ResourcesInstitute, mai 2001. empregava diretamente 100 mil pessoas:U.K. Department for InternationalDevelopment, “Questions and answers aboutflower production at Lake Naivasha”,

www.dfid.gov.uk/news/files/speeches/trade/naivashaqa.asp cuja renda per capita anual é de cerca de 880dólares: relatório do Banco Mundial de 1990.os trabalhadores envolviam manualmentecada rosa: Comissão de Direitos Humanos doQuênia. “excepcional valor”: entrevista doautor com Rod Jones. “O Naivasha é ummicrocosmo perfeito”: entrevista do autorcom Dodo Cunningham-Reid. Detalhes sobreos trabalhadores das floriculturas: Comissãode Direitos Humanos do Quênia; “Kenya: beauty and agony”, Africa News, 18 mar2002. Cerca de 50 mil pessoas viviam ali em plenaimundície: Business Daily Africa. muitas vezes … um lençol rasgado:Comissão de Direitos Humanos do Quênia.

“A principal ameaça”: entrevista do autorcom o conde Peter Szapary. “O Quênia está repleto de corrupção”:entrevista do autor. “Suponho que, pessoalmente, Joan Root”:entrevista do autor com Rod Jones. Capítulo 8 “Finalmente vou ter tempo para encontrarmeu próprio caminho”: carta de Joan Rootpara Anthony Smith, 12 jul 1987. Logo começaram a empregar: entrevista doautor com David Harper. Responsabilidade é uma questão de postura:caderno pessoal de Joan Root. mais da metade da população do Quênia:Kari Lydersen, “Chicago considers banningmistreated elephants”, The New Standard, 6mar 2006, UNHCR.com, 2004.

“Pescadores demais”: diário de Joan Root, 18fev 1994. “Tantos africanos”: diário de Joan Root, 12jun 1994. escrevia um livro sobre o Great Rift Valley:carta de Joan Root para a mãe. “seu homem no Quênia”: entrevista do autorcom Anthony Smith. “O lago tem apenas cerca de cinco anos devida”: entrevista do autor com David Harper. A história do jovem Simon: entrevista doautor com Simon. 800 xelins: Comissão de Direitos Humanosdo Quênia. os homens passaram a usar armas: entrevistado autor com Tom Cholmondeley. “Às vezes sinto-me como se estivessevivendo em outro planeta”: carta de JoanRoot para Frank e Peggy, dez 2005.

“Sentindo-me motivada!”: diário de JoanRoot, 13 mar 1995. “Alguns provavelmente admitiriam”: lordeEnniskillen para a revista Iko. “É só conversa, conversa, conversa!”: fala deIan Parker no memorial de Joan Root. “Se quer que eles parem”: entrevista doautor com Ian Parker. A primeira reação deles: entrevista do autorcom Sarah Higgins. Detalhes do encontro de David Kilo comJoan Root: entrevista do autor com DavidKilo. Detalhes da morte de Edmund Thorpe:diário de Joan Root, 28 fev e 1-2 mar 1997. “o que a tornava instantaneamentereconhecível”: Devika Bhat, “A colonialparadise lost to violence in not-so-happy-valley”, The Times, Londres, 14 jan 2006.

“Aquela casa conservava alguma coisa deAlan, para ela”: entrevista do autor comAnnabelle Thom. Naquela manhã, três deles: entrevista doautor com David Chege. fornecer-lhe o que ela mais prezava: diáriode Joan Root, 20 ago 1997. Chege foi na pista dos ladrões: diário de JoanRoot, 29 abr 1998. Detalhes sobre David Chege: entrevista doautor com David Chege. Parágrafos sobre Chege no diário: diário deJoan Root, 17 fev, 26 ago, 1 set e 4 set 1997. Ele sabia quem era ela: entrevista do autorcom David Chege. Alguns dias depois de seu primeiroencontro: diário de Joan Root, 6 set 1997. o ensinaria a pescar de forma legal:entrevista do autor com David Chege.

Ela também comprou: entrevista do autorcom David Kilo. “proporcionar trabalho para muitos jovensdesempregados”: e-mail de Rod Kundu parao autor. o que é preciso para ter alguém como Chegeno lago: diário de Joan Root, 28 ago 1997. “um diamante bruto”: entrevista do autorcom Sarah Higgins. Detalhes sobre Chege: várias fontes,incluindo a entrevista do autor com o chefede polícia de Naivasha, Simon Kiragu. “Chege conhecia todos os truques”:entrevista do autor com Sarah Higgins. Novas ondas de pescadores ilegais: diário deJoan Root, 5, 6 e 10 jun, 11 e 21 ago 1999. “Tínhamos uma rede de comunicações paraa segurança”: entrevista do autor comAnnabelle Thom.

Detalhes do incidente com DuncanAdamson: diário de Joan Root, 8 abr 1999. “Ontem à noite, Chege: diário de Joan Root,4 jul 1999. Depois a mãe de Chege veio até a casa deJoan: diário de Joan Root, 3 e 4 mar 2001. Detalhes de Joan falando sobre Alan:entrevista do autor com David Chege. Capítulo 9 “Você não gostaria de morrer na África quetanto ama?”: entrevista do autor com AlanRoot. À época Alan já abrira mão da maiorparte de suas atividades cinematográficas porela: entrevista do autor com um amigo de Joan e Alan, nãocitado nominalmente. “Já deixei alguma coisa para a posteridade”:The Times, Londres, 17 jul 1996.

“Sue Allan me telefonou”: diário de JoanRoot, 11 jan 2000. sentada com David Chege: entrevista doautor com David Chege. “De alguma forma terrível, ela ainda meesperava”: entrevista do autor com AlanRoot. Detalhes sobre Fran Michelmore: entrevistado autor com Sue Allan. Detalhes do jantar: entrevistas do autor comDieter Rottcher e Alan Root. Myles North, o velho amigo de Alan: artigosde Alan Root sobre Myles North,www.serengeti.org/p_turner.html. na Inglaterra, quando, ao caminhar com umavelha amiga: entrevista do autor. no final ela chorou: entrevista do autor comAnnabelle Thom.

Aqui vão cinco caixas: carta de Joan Rootpara Alan Root, 14 nov 2002. “Madame Root tomou Chege como seu filhoadotivo”: entrevista do autor com David Kilo. muito em breve o lago estaria morto. “Umdeserto”: entrevista do autor com DavidChege. No final de 2000: Robert Brecht, “LakeNaivasha: Experience and lessons learnedbrief”, Lake Basin Management Initiative,2005. A Lake Naivasha Riparian Associationajudou: entrevista do autor com lordeEnniskillen. “seguir em frente”: diário de Joan Root, 6 fev2001. Detalhes do korosho: entrevista do autorcom David Chege.

“Sinto-me ansiosa com tudo isso”: diário deJoan Root, 12 mar 2000. “Ela se sentia como se o Titanic estivesseafundando”: Dodo Cunningham-Reid, NewYork Times , 22 jan 2006. Detalhes da reunião de emergência: diáriode Joan Root, 8 mar 2001; entrevista do autorcom David Kilo. “Não se pode culpar [os clandestinos]”:entrevista do autor com Barry Gaymer; MarkSeal, “A flowering evil”, Vanity Fair, ago2006. Detalhes da força-tarefa: entrevistas do autorcom David Kilo e David Chege. Segundo o plano original: entrevista doautor com Absolom Mulela Letta. “Toka!”: entrevista do autor com ReubenChege.

“Batíamos neles, de chicote, xingando-os”:entrevista do autor com Barry Gaymer; MarkSeal, “A flowering evil”. Detalhes da força-tarefa: entrevistas do autorcom Reuben Chege, David Kilo e AbsolomMulela Letta. incessantes chamados: entrevistas do autorcom Sarah Higgins e Annabelle Thom; diáriode Joan Root. Detalhes da operação e prisão peloDepartamento de Pesca do Quênia: diário deJoan Root, 13, 15, 16 e 19 mar 2001. Alguns dias depois desse registro do diário:diário de Joan Root, 25 mar 2001. um líder político tentou subornar: diário deJoan Root, 28 mar 2001. o medo que causava: entrevista do autorcom Reuben Chege.

“Medidas desesperadas, para temposdesesperados”: entrevista do autor com TomCholmondeley; Mark Seal, “A floweringevil”. “David Chege queria que”: entrevista doautor com Absolom Mulela Letta. Detalhes da fogueira: entrevistas do autorcom Sarah Higgins e David Chege. “taxa de proteção”: fontes incluindo aentrevista do autor com David Kilo. detalhes de Chege como chefe: entrevistasdo autor com Absolom Mulela Letta e DavidKilo. aquele homem cheio de moedas tilintantesem seu bolso: entrevista do autor com Simon,pescador ilegal do lago Naivasha. estava sendo difícil permanecer: diário deJoan Root.

“Três ex-pescadores chegaram”: diário deJoan Root, 30 jun 2001. contratava advogados: entrevista do autorcom o chefe de polícia Simon Kiragu. eximido de todas e quaisquer acusações:entrevista do autor com David Chege; “Nãotínhamos realmente nenhum registrocriminal (de Chege)”: entrevista do autorcom o chefe de polícia de Naivasha, SimonKiragu. “O papo de Chege”: entrevista do autor comfonte anônima. “Ele se tornou um rei”: entrevista do autorcom fonte anônima. “informações secretas”: diário de Joan Root,6 jul 1999. a cena mais aplaudida era sempre: BalloonSafari.

a falsidade de Chege: entrevista do autorcom Absolom Mulela Letta. “Ela queria tanto confiar nele”: entrevista doautor com Annabelle Thom. “Chege & força-tarefa”: diário de Joan Root,18 e 21 mai 2001. Ele e Joan Root eram: entrevista do autorcom David Chege. Detalhes das vitórias da força-tarefa:relatório da força-tarefa do lago Naivasha, 9jan 2002. Certa vez, Alan declarara que quandomorresse: John Heminway, No Man’s Land ,Nova York, Warner Books, 1989. “Quando analisei com ela seus papéis”:entrevista do autor com Adrian Luckhurst. “Ele era praticamente o oposto de Joan”:idem.

O Naivasha era parte de sua vida: entrevistado autor com Dee Raymer. “Houve um jantar e uma conferência”:entrevista do autor com Esmond BradleyMartin. Capítulo 10 “Sentado aqui”: entrevista do autor comJohn Vaughn. No escritório: visita do autorao local. Por essa época, um amigo dela:entrevista do autor com Tony Church. “Isto não é o Happy Valley”: Rob Crilly,“Pionnering film-maker and Africanconservationist murdered”, The Scotsman, 13jan 2006. as 40 e poucas tribos do Quênia:“Government, Maasai clash over land inKenya”, VOA News, 30 ago 2004; diário ecartas de Joan Root.

Segundo Alan: entrevista do autor com AlanRoot. “Vá embora”: idem. Adrian Luckhurst foi quem mais tentou:entrevista do autor com Adrian Luckhurst. A última viagem mais extensa: diário deJoan Root, 28 fev e 8 mar 2004. Ela registrou barcos roubados: diário de JoanRoot, 20 jun e 28 jul 2004. Detalhes do pescador ilegal com a pernaquebrada e as consequências: diário de JoanRoot, 25 mar, 13 e 27 abr, 8 jul e 24 nov 2004,e entrevistas do autor com Absolom MulelaLetta e David Kilo. Detalhes do sequestro em seu carro: diáriode Joan Root, 25 e 26 nov 2004, e entrevistasdo autor com John Sutton e AdrianLuckhurst.

No final, não foi Joan: entrevista do autorcom John Sutton; diário de Joan Root. Numa reunião da Riparian Association:entrevista do autor com Dee Raymer. Uma solução surgiu: entrevista do autor comJohn Sutton. o Naivasha Community Project transferiu-se:visita do autor ao local. Conversei com Chege: diário de Joan Root,15 jun 2005. Concordei afinal em pagar extras por férias:diário de Joan Root, 24 jun 2005. dinheiro sumindo do armário da cozinha:idem. Detalhes dos assassinatos: diário de JoanRoot, 28 jul 2005; “UK safari boss shot dead”,BBC News, 27 jul 2005. “Dirigi até o Crater Lake”: diário de JoanRoot, 4 ago 2005.

as vítimas estavam sendo visadas: entrevistado autor com Parselelo Kantai. Os assaltos à mão armada aconteciam emmédia 18 vezes por mês: entrevista do autorcom John Sutton. Falava-se da criação de listas com os tipossanguíneos … foi criado um site: “Dark daysput paid to happy valley’s idyll”, LondonTelegraph, 27 abr 2005. “Agora, sem força-tarefa”: diário de JoanRoot, 4 e 5 ago 2005. Detalhes da invasão: diário de Joan Root;entrevista do autor com John Sutton. “Portas de segurança”: diário de Joan Root,13 out 2005. Detalhes da segurança na casa de Tony eSarah Seth-Smith: entrevista e visita do autorao local.

Com relutância, instalou: visita do autor aolocal. No outono de 2005: diário de Joan Root, 1out 2005. “Chege despencou da posição”: entrevistado autor com Barry Gaymer: Mark Seal, “Aflowering evil”, Vanity Fair, ago 2006. “Chege era um…”: entrevista do autor comParselelo Kantai; Seal, “A flowering evil”. Pelo outono de 2005: diário de Joan Root, 21out 2005. Então alguém desregulou o freio: entrevistado autor com Annabelle Thom. “Só compareceram 25 ou 30 pessoas”: diáriode Joan Root, 9 dez 2005. “Ir para onde?”: diário de Joan Root, 18 abr2000. “A situação não estava boa”: entrevista doautor com Jean Hartley.

Capítulo 11 Detalhes do informante da polícia:declaração do informante à polícia. Detalhesda noite de 12 de janeiro: entrevista do autorcom os empregados de Joan Root. Uma horadepois, deu boa noite a Samuel: depoimentode Samuel Cheriot à polícia. A uma e meia damadrugada, os guardas avistaram:depoimento dos guardas à polícia. “Vamosao trabalho”: Richard Coniff, “Death inHappy Valley”, revista Smithsonian, fev2007. Rodearam a casa: entrevista do autorcom John Sutton; visita do autor ao local.estouraram a fechadura externa: entrevistado autor com a polícia de Naivasha. Ela conseguiu comunicar-se com JohnSutton: entrevista do autor com John Sutton.

Detalhes do assassinato: relatórios policiais,entrevistas do autor com a polícia e com JohnSutton. “Ela morreu na vanguarda”: relatóriopolicial. Sua amiga Delta Willis expressou-se melhor:www.deltawillis.com. Subindo em seu helicóptero: entrevista doautor com Alan Root. Mais tarde as pessoas lembrariam: entrevistado autor com Tony Church. Detalhes da cena do crime: entrevistas doautor com os vizinhos. Detalhes do cão farejador: entrevistas doautor com o chefe de polícia de Naivasha,Simon Kiragu, e Claus Mortensen. Detalhes da prisão de Chege: entrevista doautor com o chefe de polícia de Naivasha,Simon Kiragu.

Manchetes do Guardian e do Times: ambasem 14 jan 2006. Standard de Nairóbi: artigos por NancyGitonga e Karanja Njoroge, 23 jan 2006. Richard Waweru: entrevista do autor comRichard Waweru. Detalhes de Naivasha e da propriedade deJoan Root: além dos relatórios e comentáriosda polícia, o autor visitou a área; entrevistado autor com o chefe de polícia de Naivasha,Simon Kiragu. “Todos sabiam”: entrevista do autor comAdrian Luckhurst. “Joan era odiada”: entrevista do autor comum vizinho. “A verdadeira causa do assassinato de Joan”:entrevista do autor. E o que acontecerá: entrevistas do autor comAdrian Luckhurst e John Sutton.

Os detalhes de The Legend of the LightningBird são do filme. Detalhes do memorial: presença do autor nacerimônia. Epílogo Detalhes do julgamento: presença dojornalista queniano Bosire Bogonko.Detalhes de Chege e outros encontros: visitado autor ao local. Agradecimentos Tenho a sorte de contar com SusanMercandetti como minha editora na RandomHouse. Foram seu estímulo constante,ilimitado entusiasmo e perícia editorial, comotambém sua fantástica equipe – que incluiMillicent Bennett, Abby Plesser, BenSteinberg e Steve Messina –, que me fizeramatingir o objetivo. Obrigado, Susan, por tudo

que você fez para tornar este livro umarealidade. A história de Joan Root foi publicada pelaprimeira vez no número de agosto de 2006 darevista Vanity Fair. Agradeço, portanto, aWayne Lawson por promover a história,primeiro como editor do artigo e depois emseu livro; ao grande editor da Vanity Fair ,Graydon Carter, por enviar-me ao Quênia epublicar a história que daí resultou; e aMatthew Pressman por sua ajuda inestimávele permanente, tanto no artigo quanto nestelivro. Agradeço ao admirável John Ruddy, meu tãovalioso assistente editorial neste projeto. Em Nova York, infinitos agradecimentos aDelta Willis, a aclamada escritora, autora delivros de viagem e sobre a natureza, além de

minha aliada desde o início neste projeto, ecuja ajuda me abriu muitas portas. Obrigado a Guillaume Bonn por suamaravilhosa companhia no Quênia e por suasfantásticas fotografias, e a Annabelle Thom,por suas penetrantes recordações de Joan. Antes que eu partisse para o Quênia, ondejamais estivera antes, minha primeira visitafoi a Pamela Lassers, diretora de relaçõespúblicas da agência internacional de viagensAbercombie & Kent, que começou emNairóbi. Pamela imediatamente me pôs emcontato com Marett Taylor, que foi criado noQuênia e hoje é diretor de vendas emarketing da Abercombie & Kent europeia.A orientação de Marett e seus amigos noQuênia permitiu que eu me sentisseinstantaneamente em casa.

Em Nairóbi e Naivasha, encontrei umacomunidade de pessoas extremamenteamáveis e amistosas que, abrindo suas portase seus corações, falaram-me sobre sua amigaJoan Root. Essa comunidade inclui, emprimeiro lugar e acima de tudo, Alan e FranRoot, e Adrian e Vickie Luckhurst, quepassaram incontáveis horas em minhacompanhia. Também sinto-me eternamentegrato a Jean Hartley, que dirige aViewfinders, firma que forneceequipamentos e apoio a documentaristascinematográficos no Quênia. Jean leu omanuscrito antes de sua publicação,oferecendo-me algumas correções factuais esábios conselhos. Agradeço também a Oria eIain Douglas-Hamilton, Ian e Chris Parker,Sarah Higgins, lorde Andrew Enniskillen elady Sarah Edwards, Barry e Linda Gaymer,

Felix Munyao, conde Peter Szapary, JuneZwager, Peter e Teresa Zwager, ParseleloKantai, Francis Erskine, Reuben Chege,Richard Waweru, Mark Kariuku, ClausMortensen, dr. Richard Leakey, JeremyBlock, Dodo Cunningham-Reid, RobertHammond, Rod Kundu, David Kilo, AidanHartley, John Vaughn, Dieter Rottcher,Norbert Rottcher, Mike Eldon, WilliamMurai, John e Elli D’Olier, Bosire Bokongo,John Sutton, Valerie Sutton, TomCholmondeley, Sally Dudmesh, EsmondBradley Martin, ao chefe de polícia SimonKiragu, a Rod Jones, Tony e Susie Church,Tony e Sarah Seth-Smith, dr. David Coulsen,Dee Raymer, Sue Allan, Natasha Illum Berg,Kuki Gallman, Errol Trzebinski, àmaravilhosa equipe do Nairobi Serena Hotel,e às mulheres que compõem o grupo dos

Safáris em Balão, que com tanta competênciaajudaram-me a copiar milhares de páginasdas cartas e dos diários de Joan Root. Na Inglaterra, encontrei um amigo na pessoade Anthony Smith, que voou com Alan eJoan em seu balão e se tornou um de seusmaiores amigos. Agradeço ao antigoassistente de Alan, Giles Camplin, asrecordações tão vívidas e emocionantes.William Hutton contribuiu generosamentecom seu tempo, fornecendo suas impecáveisanotações e memórias de Guernsey.Obrigado também a Jonathan Kenworthy,John e Meta Wells-Thorpe, Senga Thorpe,Des e Jen Bartlett, Richard Brock, AubreyBuxton, Barry Paine, James Fox, Mike Hay,Jeffrey Boswall, Alison Aitkin, Cindy Buxtone Stuart Wheeler.

Na África do Sul, gostaria de agradecer aOtto Poulsen, Lindie Lawrie, dra. HollyDublin, Jacky Walker e Mary Stanley-Shepherd (e a todos os dançarinos da Mary’sMob). Nos Estados Unidos, muitos agradecimentosa John Heminway, Beth Conlin, Martin Bell,David Magee, Rosanna Sguera, ShannonMarven e à equipe da agência literáriaDupree/Miller & Associates; a Tom Colligan,que tenazmente revisou cada linha; e a LizSuman, que descobriu importantes fontes. Por fim, mas não menos importante,agradeço a minha maravilhosa família: aosfantásticos Evelyn Abroms Kraus e MelvinKraus; ao falecido Berney Seal; a Eddie eMelissa Seal; a B.J. e Alana Seal; e a todos osmuitos membros dos grandes clãs dos Seal,Abroms, Kraus e Blocker.

Joan Thorpe e Alan Root no dia docasamento. Chuva de arroz não era paraaquele casal: vários colegas de Alan, tendobebido um pouco demais, tiveram a ideia decolocar excrementos frescos de elefante emtorno das rodas do Land Rover,encharcando-os em seguida com águafervendo. Quando os recém-casados saíram,sob aplausos dos amigos e parentes, vooubosta de elefante para todo lado: um legítimocasamento queniano, foi a opinião unânime.(Cortesia de Alan Root) Da varanda de sua casa, Joan e Alanavistavam o lago Naivasha, onde os olhosnegros e as orelhas agitadas

dos hipopótamos subiam e desciam.Encontraram uma família de enormes águias-pescadoras de cabeça branca num ninho emcima do telhado. No jardim, ouviram umaestridente algazarra de pássaros e, quandoforam verificar, deram com uma serpentedevorando um sapo. (Guillaume Bonn) Os hipopótamos matam mais pessoas noQuênia que qualquer outro herbívoro daÁfrica, mas Joan sempre alimentou Sally –um hipopótamo que veio morar em suasterras – com as mãos. Aqui, ela aparecefotografando esses animais na lama. (Cortesiade Alan Root) Na selva, em companhia de Alan, Joan foisofrendo uma espantosa transformação. Sua

timidez diluiu-se, deixando emergir aaventureira, embora não da espécie de Alan:jamais ela se aproximaria sorrateiramente deuma cobra para assustá-la, arrancaria fios dacauda de um elefante ou atiçaria uma leoa –coisas que Alan adorava fazer. (Cortesia deAlan Root) Certa manhã, ao checar a armadilha,encontraram um belo espécime preso. Noinício, alimentaram-no através de umapequena abertura no cercado, até o animal sehabituar a seus sons e cheiros. E então Joan,tão tranquila quanto o antílope, entrou naarmadilha e o deixou comer de suas mãos.(Cortesia de Alan Root) No filme sobre as tentativas de capturar umbongo, Joan está na plenitude de sua beleza e

juventude, exibindo uma presença delicada,apesar de indomável, alta como uma modelodas passarelas, porém discreta como umacorça. (Cortesia de Alan Root) Joan Root teve a sorte de passar a vida nolugar mais lindo da face da Terra. (Cortesiade Alan Root) Joan e Alan transmitiram um SOS, e a ajudachegou aos bandos, todos desafiando o calorde quase 40°, o mau cheiro dos pássarosmortos e o sódio escaldante. No final, eleslibertaram mais de 27 mil filhotes deflamingo, além de evitar que outros 200 milse instalassem naquelas águas rasas, cujasaltas concentrações de sódio os teriamaprisionado. (Cortesia de Alan Root)

Enquanto os Root filmavam a primitiva tribodos karamojongs, em Uganda, os selvagensconvenceram Alan a participar de umacerimônia que, como escreveu Joan,“consistia em espalhar o conteúdo doestômago de um boi pelo rosto e pelo peitodele, para depois os anciães baterem-lhelevemente com bastões … Então elescantaram intermináveis bênçãos para nós;uma delas anunciava que, da próxima vezque os visitássemos, eu teria um filho!”(Cortesia de Alan Root) Alan era sociável, extrovertido, brincalhão eextremamente imprudente – tudo o que Joannão era. Mais tarde ela declararia ter-seapaixonado por ele no instante em que o vira,e que o amara cada vez mais quando passoua conhecê-lo. Ela amava as extravagâncias de

Alan, a forma como ele ocupava a cena, comoera sempre o centro das atenções: assim, elanão precisava ser nada disso. (Cortesia deAlan Root) “Ele é a grande história de sucesso dafloresta. Para o prazer e a angústia de seusamigos, continua sendo o excêntrico radical,o palhaço, o aventureiro temerário, a alegriada festa, o irreprimível idealista da natureza.Dá a vida por uma tomada para um filme,uma brincadeira, uma partida de tênis. Emresumo, Alan é tão apaixonado pela vida queprecisa provar diariamente que conseguiudriblar a morte.” (Cortesia de Jean Heartley) O contato constante com a mãe éfundamental para um bebê elefante, de modoque Joan tornou-se a mãe substituta para o

filhote que chamou de Bundu, palavra bantopara “selva”. (Cortesia de Alan Root) A trilha não era apenas íngreme, masescorregadia também, recoberta por úmidosbambus caídos. A temperatura oscilavavertiginosamente. Quanto mais subiam, maisinóspito e chuvoso ficava o tempo. (Cortesiade Alan Root) Jornais da África, Inglaterra, Holanda eoutros países publicaram artigos com afotografia de Joan – pela primeira vezsozinha, e não ao lado ou por trás de Alan –,e ao mundo em geral foi exibida a primeiraimagem daquela alta e bela loura, usandoblusa sem mangas, chapéu vermelho e umexíguo shortinho. (Cortesia de Alan Root)

Devido às incontáveis vezes em que escapouda morte violenta, o pai de Joan, EdmundThorpe, costumava comentar que um anjo daguarda o protegia. (Cortesia de Alan Root) “No ramo, os dois eram considerados amelhor equipe de filmagem da selva, comJoan frequentemente ficando com os papéismais arriscados”, Anthony Smith escreveriamais tarde. “Quem é que subia numa árvorecheia de espinhos para vigiar e avisar quandouma manada de antílopes vinha disparadanaquela direção? Quem teve os óculosquebrados quando um hipopótamo ficouagressivo? De quem eram os sapatos quederreteram quando a lava ficou quentedemais?” Alan costumava brincar falandosério: “Não sei o que faria sem Joan.Provavelmente teria de me casar com três

mulheres ao mesmo tempo.” (Cortesia deAlan Root) A plateia ficou fascinada com ascenas submarinas, em que Joan nadava aolado de leões-marinhos; com a cerimônia deacasalamento das tartarugas de 180kg; comas iguanas marinhas alimentando-se nofundo do oceano, além de outros detalhes davida selvagem que jamais alguémpresenciara. (Cortesia de Alan Root) Sempre rondando furtivamente sob a mesade jantar dos Root estava o lince de Joan, umgrande gatoselvagem com dentes e garrasafiadíssimos. Se os hóspedes se abaixassempara lhe fazer festas, nove entre dezvezes elerolava no chão e se afastava. Na décima,porém, poderia investir aos guinchos, comoum fardo vivo

de arame farpado. (Mary Ellen Mark) “Já tive dois acidentes com estes”, comentou,depois que me acomodei a seu lado.Decolamos e ele inclinou o helicóptero emdireção às montanhas Ngong, ao longe,voando em alta velocidade sobre as planíciesapinhadas de animais selvagens. Euobservava as zebras, búfalos africanos egazelas no Parque Nacional,abaixo, enquantoAlan acelerava e disparávamos como umabala pelos céus claros da África. (GuillaumeBonn) Encantada com o mundo natural, Joan tinharespeito extremo por suas estações e ciclos,sua capacidade de recuperação, reprodução eautossustento. Mantinha meticulososregistros, complexos e detalhados, doshorários de alimentação dos animais em

recuperação ou de passagem por ali, bemcomo de suas atividades enquantoconvalesciam. (Cortesia de Alan Root) “Não longe de onde agora estamos reunidos,Joan Root foi assassinada a sangue-frio”,disse o padre na abertura. “É difícilacreditar”, prosseguiu ele, tentandocompreender por que sua vida fora “brutal evergonhosamente cortada. Embora as balas atenham matado, nenhum rude assassinopoderá destruir o que ela fez e defendeu comtanta firmeza.” (Guillaume Bonn) Título original: Wildflower(An Extraordinary Life andUntimely Death in Africa).