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Comitê de Especialistas Latino-Americanos em Campos Eletromagnéticos de Alta Frequência e Saúde Humana. Revisão Científica Radiação Eletromagnética Não-Ionizante no Espectro de Radiofrequências e seus Efeitos na Saúde Humana Com uma Revisão sobre as Normas e Políticas de Proteção contra as Radiações de Radiofrequência na América Latina Organizado por: Instituto Edumed para Educação em Medicina e Saúde Grupo Independente de Pesquisa dos Impactos das Tecnologias Móveis na Saúde

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Comitê de Especialistas Latino-Americanos em Campos Eletromagnéticos de Alta Frequência e Saúde Humana.

Revisão Científica

Radiação Eletromagnética Não-Ionizante no Espectro de Radiofrequências e seus Efeitos na Saúde Humana

Com uma Revisão sobre as Normas e Políticas de Proteção contra as Radiações de Radiofrequência na América Latina

Organizado por:

Instituto Edumed para Educação em Medicina e SaúdeGrupo Independente de Pesquisa dos Impactos das Tecnologias Móveis na Saúde

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Prefácio

Em 2008 foi montado um grupo multidisciplinar de pesquisadores latino-americanos nas áreas de telecomunicações móveis, medicina, biologia e saúde, com o objetivo de estudar e produzir uma análise independente e crítica da literatura recente sobre os possíveis efeitos biológicos e sobre a saúde dos campos eletromagnéticos de alta frequência e baixa intensidade, a partir do ponto de vista dos cientistas e especialistas da região. Exemplos desses campos eletromagnéticos, na faixa do espectro de radiofrequências (RF), são aqueles utilizados para rádio e televisão, comunicação móvel de voz e de dados, redes sem fio e telefones sem fio. Especial ênfase foi colocada nos resultados dos estudos realizados em países da América Latina.

O estudo foi solicitado e coordenado pelo Instituto Edumed para Medicina e Saúde, uma instituição de pesquisa e desenvolvimento sem fins lucrativos com base em Campinas, Estado de São Paulo, Brasil, especificamente como um projeto patrocinado pelo seu Grupo de Pesquisa sobre os Impactos das Telecomunicações sem Fio na Saúde. Sua principal motivação, conforme é explicado em detalhes na seção de Introdução deste relatório, era abordar a preocupação crescente do público em geral dos países da América Latina com os possíveis efeitos deletérios da exposição de seres humanos a campos eletromagnéticos não-ionizantes gerados principalmente a partir de estações rádio-base (torres) e telefones celulares, bem como em redes sem fio de comunicação de dados, e tecnologias similares. Por esta razão, a revisão enfocou os efeitos da radiofrequência e micro-ondas

Os princípios orientadores que os autores desta revisão adotaram foram:

Foram selecionados artigos que contivessem resultados originais de pesquisa (publicações primárias) e revisões de literatura (publicações secundárias), e que tivessem sido publicados em livros ou revistas resenhadas por pares, de acordo com as melhores práticas e normas neste campo da ciência;

Foram utilizados apenas relatos baseados em evidência científica, e descartadas reportagens e outras fontes oriundas dos meios de comunicação de massa;

Foi empregado um tom neutro para a comunicação das informações e conclusões, sempre com base no balanço das evidências científicas publicadas, e evitando artigos individuais ou selecionados por critérios ideológicos ou de convicção particular.

O grupo de especialistas foi composto pelos seguintes membros:

Prof. Dr. Renato Marcos Endrizzi Sabbatini, Ph.D. (cientista biomédico, pesquisador e professor aposentado do Departamento de Genética Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Presidente do Instituto Edumed e Chefe do Grupo de Pesquisa sobre Impactos das Comunicações Sem Fio na Saúde, Campinas, Brasil) - Coordenador Geral e Editor Chefe;

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Prof. Dr. Gláucio Siqueira, Ph.D. (engenheiro eletricista, pesquisador e professor do Departamento de Engenharia Elétrica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil)

Prof. Victor Cruz Ornetta, M.Sc. (engenheiro eletrônico, pesquisador e professor do Instituto Nacional de Pesquisa e Educação em Telecomunicações (INICTEL-UNI), da Faculdade de Engenharia Eletrônica da Universidade San Marcos, e da Faculdade de Engenharia da Universidade Ricardo Palma, Lima, Peru);

Prof. Dr. Ricardo Taborda, Ph.D. (engenheiro eletricista, pesquisador e professor da Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade de Córdoba, Córdoba, Argentina)

Eng. Jorge Skvarca (engenheiro eletricista, especialista do Ministério da Saúde e Meio Ambiente, Buenos Aires, Argentina)

Com o objetivo de garantir a maior qualidade possível para esta revisão, o grupo de peritos latino-americanos foi assessorado por um grupo de destacados especialistas internacionais, que trabalharam de forma independente, e que contribuíram com os princípios orientadores e as normas de qualidade a serem adotadas no trabalho, tendo sugerido também muitas modificações úteis e melhorias para o relatório final.

Prof. Dr. Michael H. Repacholi, Ph.D. (biofísico, Professor Visitante da Universidade "La Sapienza" de Roma, Itália. Ex-Coordenador da Unidade de Radiação, Meio Ambiente e Saúde da Organização Mundial da Saúde, Genebra, Suíça. Responsável pela criação e ex-coordenador do Projeto da OMS sobre Campos Eletromagnéticos Não-Ionizantes e Saúde. Ex-presidente e Presidente Emérito da Comissão Internacional de Proteção das Radiações Não-Ionizantes (ICNIRP);

Prof. Dr. Paolo Vecchia, Ph.D. (Físico, presidente da Comissão Internacional de Proteção das Radiações Não Ionizantes (ICNIRP), Diretor de Pesquisa do Instituto Nacional de Saúde (ISS), em Roma, Itália);

Profa. Dra. Leeka Kheifets, M.P.H., Ph.D. (Professora de Epidemiologia da Escola de Saúde Pública da Universidade da Califórnia em Los Angeles, EUA).

Além disso, o grupo avaliou as pesquisas mais recentes produzidas na América Latina e Caribe sobre estes temas, utilizando uma estratégia de pesquisa extensa e rigorosos critérios de seleção quanto à qualidade científica e abordagens não tendenciosos para a investigação. O presente relatório contém os resultados de análises e avaliações de trabalhos publicados até Fevereiro de 2010.

Os resultados específicos da iniciativa foi a produção e entrega do seguinte:

1. Um relatório técnico circunstanciado e atualizado abordando: uma revisão crítica da literatura científica publicada globalmente

nas duas últimas décadas, relativa aos efeitos biológicos e sobre a saúde da exposição a campos de RF de baixo nível, incluindo estudos científicos experimentais e observacionais in vitro e in

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vivo, em nível de moléculas, células, órgãos, e animais como um todo, inclusive em seres humanos; e incluindo tanto estudos laboratoriais quanto epidemiológicos;

as questões sociais relevantes das telecomunicações móveis, incluindo a divulgação de resultados científicos, a compreensão pública e a comunicação de riscos e dos possíveis efeitos sobre a saúde ao público em geral, as questões de segurança, medidas de precaução e prevenção, etc.;

a identificação de grupos de pesquisa na América Latina, especialistas e pesquisadores ativos da área, bem como o registro da literatura publicada na região;

o status da legislação, normas e políticas de proteção da radiação eletromagnética não-ionizante nos países latino-americanos;

2. uma lista de pesquisadores e especialistas latino-americanos em campos de RF. Biologia, saúde, normas de segurança e proteção;

3. uma lista de recomendações dos tópicos de investigação que poderiam e deveriam ser utilmente realizados em países da América Latina;

4. um site público em Português, Espanhol e Inglês contendo informações úteis e práticas sobre os efeitos dos campos de RF na saúde e outros temas relacionados para o público em geral, professores, alunos, jornalistas, legisladores, cursos à distância, etc;

5. um ou mais artigos de revisão, a serem publicados em revistas resenhadas por pares, de relevância para a região, porém com um alcance internacional.

Inicialmente, foi realizada uma reunião preparatória em agosto de 2007, na cidade de São Paulo, Brasil, com convidados da América Latina e especialistas internacionais, de modo a estabelecer os objetivos, critérios, estratégias e fontes de informação para a elaboração do relatório, incluindo o planejamento detalhado de conteúdos e produtos. Nesta reunião, antes dos trabalhos do Grupo de Especialistas, os Drs. Michael Repacholi e Paolo Vecchia fizeram apresentações de revisão científica sobre o tema. Os trabalhos de revisão propriamente dita foram divididos em três grupos de trabalho, coordenados por membros do Grupo de Especialistas:

1. Efeitos Biológicas e na Saúde. Coordenado pelo Prof. Renato M. E. Sabbatini (Brasil);

2. Normas e políticas de proteção. Coordenado pelo Prof. Victor Cruz (Peru), e tendo como membros o Prof. Gláucio Siqueira (Brasil) e o engenheiro Jorge Skvarca (Argentina)

3. A pesquisa social e a comunicação pública, Coordenado pelo Prof. Ricardo Taborda (Argentina), em colaboração com o Prof. Renato M. E. Sabbatini.

Para dar apoio ao grupo de autores da revisão e os consultores internacionais, o Instituto Edumed montou e disponibilizou publicamente um sítio na Web1, constituindo uma comunidade virtual. Tal sitio tinha recursos como listas de discussão e chats, que facilitavam a interação entre os membros do grupo,

1 http://www.ead.edumed.org.br/course/view.php?id=130

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bem como repositórios de artigos e revisões a serem utilizados, notícias, informações sobre as reuniões presenciais do grupo, e vários outros.

Um segundo encontro foi realizado também em São Paulo, em maio de 2008, na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, na forma de um Simpósio Internacional sobre Campos Eletromagnéticos de Alta Frequência e Saúde Humana (LASR 2008)2. Vários dos membros do grupos de trabalho apresentaram resultados dos levantamentos preliminares, as conclusões e direções para trabalhos futuros. Esta conferência foi aberta ao público, e muitos funcionários públicos, médicos, engenheiros, representantes da indústria de telecomunicações, etc, foram convidados a participar da discussão. Os Drs. Repacholi e Kheifets ministraram dois cursos pré-congresso de curta duração sobre o assunto.

A terceira e última reunião foi realizada em outubro de 2009 durante a reunião internacional do ICNIRP (EHE 2009) no Rio de Janeiro, Brasil, onde uma sessão especial foi dedicada às perspectivas da América Latina em campos de RF, e onde o Dr. Sabbatini apresentou o resultados e conclusões preliminares dos capítulos de efeitos biológicos e na saúde, e o Prof. Victor Cruz apresentou a situação atual na América Latina sobre as normas de proteção.

Depois de passar por revisões extensas do Grupo de Assessoria Internacional, entre Novembro de 2009 e Janeiro de 2010, apresentamos aqui, a versão final do documento, organizado nas seguintes seções principais:

1. Introdução2. Sumário executivo3. A revisão da literatura sobre os efeitos biológicos e de saúde4. Questões sociais e de comunicação5. Segurança e normas de proteção da radiação na América Latina6. Referências7. Anexos

A revisão sobre os efeitos biológicos e de saúde é subdividida em estudos in vitro e in vivo, estudos de provocação experimental e estudos epidemiológicos e constitui o corpo principal do relatório. A intenção era fazer uma análise crítica geral da literatura, contendo as informações as mais atualizadas quanto possível, mas não se trata de uma revisão abrangente, sistemática ou uma metanálise de artigos publicados.

O conteúdo e as conclusões do presente relatório representam a visão de consenso de todos os membros do grupo de especialistas, o qual se esforçou tanto quanto possível em usar uma linguagem que pudesse ser facilmente entendida por todos, inclusive explicando o significado de jargões mais obscuros e as abreviaturas utilizadas.

O relatório não pretende ser um tutorial ou um texto geral sobre o assunto uma vez que não inclui material básico sobre a física e a radiobiologia dos campos

2 http://www.edumed.org.br/lasr2008/

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de RF, descrições técnicas de dispositivos e sistemas de radiocomunicação e métodos científicos de investigação na área. Estes materiais podem ser encontrados em outros lugares. Devido à complexidade da pesquisa epidemiológica em humanos, um anexo com uma breve descrição sobre os tipos de tais estudos foi adicionado.

O Grupo de Especialistas da América Latina espera que este relatório seja útil para estudantes, professores, médicos e pesquisadores, particularmente aqueles que trabalham na América Latina, bem como para o público geral. Além disso, o relatório deve ajudar as autoridades do governo, políticos, legisladores e funcionários dos países da região, que muitas vezes têm de lidar com a exigência de maior segurança, e que têm necessidade de tomar difíceis decisões, baseadas em informações confiáveis sobre os aspectos da saúde dos campos de RF usados em telecomunicações de todos os tipos. Os comunicadores da mídia de massa também são convidados a utilizar a informações fornecidas em anexo a fim de basear o seu trabalho de divulgação para o público em evidências científicas do mais alto padrão.

Finalmente, em nome do grupo de especialistas e do Instituto Edumed, eu gostaria de agradecer e reconhecer os esforços e as excelentes contribuições de todas as pessoas e instituições que colaboraram e ajudaram a tornar possível este revisão científica. Especialmente nós gostaríamos de agradecer aos nossos patrocinadores internacionais, o Mobile Manufacturers Forum (MMF) e a GSM Association (GSMA), que forneceram alguns dos fundos necessários para as reuniões, viagens e preparação/tradução do relatório. Seu apoio desinteressado permitiu uma avaliação verdadeiramente independente por parte do Grupo de Especialistas. Todas as decisões e conclusões sobre o conteúdo deste relatório foram de única e exclusiva responsabilidade do grupo que o realizou e redigiu e podem não representar a opinião dos patrocinadores ou dos seus empresas associadas.

Além disso, todos os membros do Grupo de Especialistas declaram que não são e nunca foram funcionários dos patrocinadores ou de suas empresas associadas, e que não têm interesses financeiros ou compromissos quanto ao conteúdo do relatório com as empresas privadas relacionadas com o tema da revisão.

Renato M. E. Sabbatini, PhDEditor-ChefeAbril 2010

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Sumário Executivo

A primeira e mais importante parte da revisão de literatura apresenta as provas científicas de possíveis efeitos da radiofrequência de baixa intensidade sobre a biologia e a saúde. São examinadas as duas formas de ação conhecidas da RF sobre a matéria viva: efeitos térmicos (devido ao aquecimento dielétrico de moléculas) e não-térmicos (todos os demais mecanismos que não podem ser explicados por aumentos globais ou locais na temperatura).

Estudos In Vitro

A primeira parte da revisão examina evidências experimentais baseadas tanto em modelos de ensaios in vitro (culturas de células e tecidos isolados) e in vivo (animais vivos). A segunda parte analisa a literatura sobre os efeitos da RF sobre os desempenhos humanos e vários outros parâmetros de saúde, tanto do ponto de vista laboratorial (estudos de provocação), quanto por meio de estudos de observações epidemiológicas. Esta revisão concentrou-se basicamente na exposição de seres humanos a níveis de radiação compatíveis com as estações rádio-base (os chamados riscos da comunidade) e durante a operação individual de aparelhos de telefone celular junto ao corpo.

A conclusão geral dos estudos in vitro é que, até existem provas insuficientes e há a falta de provas consistentes e válidas para estabelecer uma relação de causa-efeito entre a exposição a baixos níveis de RF e os efeitos de curto prazo sobre a regulação do ciclo celular, mecanismos de transporte de membrana, apoptose, genotoxicidade, taxas de mutação, expressão de gene e proteína, danos ao material genético e proliferação celular, transformação e diferenciação de células e tecidos. Alguns dos efeitos relatados que foram estabelecidos parecem ter pouco significado quanto ao câncer ou ao impacto sobre os sistemas celulares maiores, pelo menos quando a exposição à RF é mantida abaixo dos níveis de segurança recomendados, mesmo por longos períodos de tempo. Assim, há muito pouca plausibilidade para os efeitos a nível celular que possam levar a danos em níveis mais elevados de órgãos ou para a saúde humana.

Estudos Experimentais em Animais

Em relação aos estudos em animais vivos, um dos efeitos mais significativos da RF a ser relatado é o rompimento da barreira hematoencefálica (BBB). Isso foi relatado em pequenos animais de laboratório em menos de 30% dos estudos revisados. No entanto, estudos mais bem controlados não têm relatado estes efeitos e parece que os resultados positivos podem ser explicados mais simplesmente pelos efeitos do aquecimento descontrolado. Além disso, a tradução de tais resultados aos seres humanos, com o crânio com geometrias completamente diferentes e do fluxo sanguíneo, é muito duvidoso.

A indução e a promoção de tumores ou neoplasias do sangue por exposição de animais ao RF, bem como o aparecimento de antecessores celulares e moleculares da tumorigênese, etc., também tem sido investigada. Apesar de usarem a exposição à RF, medida na forma de taxas de absorção específica

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(SAR), muito superior às que as pessoas estão normalmente expostas, e em alguns casos, exposição por todo o tempo de vida dos animais, cerca de 93% dos estudos in vivo publicados desde 1990 mostraram não existirem efeitos significativos no curto ou longo prazo. Além disso, a média de sobrevida dos grupos irradiados dos animais não foi afetada em cerca de 96% dos estudos.

Não existem evidências convincentes apresentadas para efeitos da RF aguda ou crônica em outros parâmetros fisiológicos e bioquímicos em animais. Assim, a conclusão geral, depois de mais de 20 anos de estudos in vivo, é que não puderam ser demonstrados efeitos consistente ou importantes de RF em animais intactos, abaixo dos padrões internacionais de segurança. Não parece haver nenhum efeito importante fisiopatológico dos campos de RF, além do efeito térmico causado pela exposição a campos muitas vezes maiores do que aquelas encontradas na nossa vida e ambientes de trabalho.

Estudos Experimentais em Humanos

Estudos de provocação humanos têm investigado principalmente possíveis efeitos sobre o sistema nervoso, incluindo muitas respostas cognitivas e comportamentais, em resposta ao baixo nível de campos RF emitidos por telefones móveis perto de crianças, bem como em adultos. É agora geralmente aceito que não existem efeitos significativos do uso de telefone celular ou de proximidade razoável a antenas irradiantes das estações rádio base. Outros efeitos investigados sobre a dor, visão, audição e da função vestibular, bem como sobre os sistemas endócrino e cardiovascular, foram majoritariamente negativas. Paladar e olfato não foram estudados, até agora. Mesmo nos estudos que relataram um efeito leve, estes não foram considerados como prejudiciais à saúde. No entanto, a sua importância da exposição a longo prazo não pôde ser verificada. Estudos com imagens funcionais do cérebro e de termografia infravermelha profunda têm mostrado que não há nenhum aquecimento significativo causado diretamente pela exposição à RF  sobre o osso ou no cérebro.

Na chamada "síndrome de hipersensibilidade à RF", 4-5% da população relata serem sensíveis aos campos de RF, sendo que alguns destes indivíduos intolerantes relatam sintomas de má saúde e uma série de sintomas subjetivos angustiantes durante e após o uso de telefone celular e de exposição a outros dispositivos emissores de radiofrequência, ou estar perto de um local de antena RF. Estes sintomas são bastante inespecíficos e estão presentes em muitas doenças, tais como sintomas de resfriado e gripe (dor de cabeça, náuseas, fadiga, dores musculares, mal-estar, etc.) No entanto, vários estudos, revisões sistemáticas e meta-análises, nos últimos 15 anos, concluíram que a hipersensibilidade e os sintomas observados não têm correlação com a exposição à RF dos indivíduos. Não existe atualmente qualquer base científica para caracterizar hipersensibilidade à RF como uma síndrome médica. Pode-se concluir, a partir de estudos experimentais humanos que as atuais evidências baseadas em ciência apontam não haver efeitos adversos nos seres humanos abaixo dos limiares térmicos, sem influências perigosas sobre o bem-estar e estado de saúde dos usuários e não usuários de telefones

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celulares e as pessoas que vivem perto de estações rádio-base, e que não existe nenhuma evidência convincente para efeitos adversos cognitivos, comportamentais e neurofisiológicos e outros efeitos fisiológicos.

Estudos Epidemiológicos

 No que diz respeito à exposição da comunidade a partir de antenas de estações rádio-base, existe um consenso científico de que esses níveis são milhares de vezes abaixo dos padrões internacionais de segurança, mesmo a curtas distâncias das antenas. Os poucos estudos epidemiológicos publicados, com um grau mínimo de qualidade aceitável não demonstraram quaisquer efeitos claros da exposição à RF na morbidade, mortalidade, efeitos sobre o bem-estar e o estado de saúde de grupos populacionais que vivem perto de fontes de RF. Estudos de longa duração estão faltando, no entanto. Além disso, é difícil separar a exposição às estações de base e dos telefones celulares dos de outras fontes, tais como rádio e televisão, com algum grau de precisão. Por outro lado, um número muito maior de estudos epidemiológicos, investigando os possíveis efeitos da exposição à RF de usuários de telefones celulares foram publicados. Muitos deles têm uma boa qualidade metodológica e um grande número de sujeitos. Embora em alguns grandes estudos de coorte não tenham sido detectados maiores riscos para os usuários de telefones celulares por um período de até 15 anos, quando comparados aos não-usuários, para uma série de resultados, incluindo tumores malignos e benignos do sistema nervoso; um pequeno número de estudos epidemiológicos restritos têm contestado esses resultados para alguns tumores, entre os usuários pesados e de longo prazo, no lado mais utilizado da cabeça. Maiores e melhores estudos controlados, tais como INTERPHONE (um estudo colaborativo internacional, que envolveu 16 estudos de caso-controle melhor controlados em 13 países diferentes), geralmente relataram falta de associação estatística, exceto para o discutível risco ligeiramente maior de gliomas e neuromas acústicos para usuários com mais de 10 anos de uso. Não há estudos epidemiológicos com exposições de longa duração superior a 20 anos que tenham sido publicados até o momento, bem como nenhum estudo abordando os riscos à saúde do uso do telefone celular por crianças e adolescentes.

Os estudos epidemiológicos de associação entre a exposição das populações a RF de telefones celulares ou estações rádio-base e vários outros problemas de saúde, como doenças neurodegenerativas, doenças cardiovasculares, catarata, alterações de saúde reprodutiva, mudanças de comportamento e sintomas inespecíficos, etc., resultou em sua maioria sem  associações estatisticamente significativas. Além disso, há um grande número de dificuldades metodológicas em estudos epidemiológicos de exposição à RF de baixo nível, incluindo vários tipos de vieses que são difíceis de identificar e compensar.

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Concluímos, portanto, que os estudos epidemiológicos publicados até agora não mostraram qualquer efeito adverso sobre a saúde de tamanho considerável, incontestável e reprodutível, e que inúmeras falhas metodológicas, com apenas os poucos resultados até agora analisados, não permitem conclusões definitivas, sobretudo no que diz respeito às crianças e à exposição contínua por períodos superiores a 20 anos.

Efeitos Indiretos

A possibilidade de que dispositivos médicos podem interferir ou ser adversamente afetados por RF emitida pelas antenas das estações rádio-base e dispositivos portáteis sem fio na sua proximidade, levou, na década de 1990, a muitos testes de engenharia e clínicos em todo o mundo. Esse pode ser um dos poucos efeitos negativos documentados dos campos de RF de baixa intensidade sobre a saúde das pessoas expostas, embora sejam indiretos. Este é especialmente o caso dos pacientes que usam marca-passos cardíacos e desfibriladores, ou que estejam ligados a dispositivos de suporte de vida, tais como ventiladores mecânicos, que são vitais para sua sobrevivência.

Nossa revisão sobre o assunto concluiu que as tecnologias de comunicação sem fio com potência suficiente e em grande proximidade com dispositivos médicos de vários tipos, inclusive dispositivos implantados, têm a possibilidade de causar interferência eletromagnética com potenciais efeitos perigosos sobre o bem-estar e suporte de vida de pacientes críticos. No entanto, as tecnologias de baixa potência e espectro de frequência usadas pelos dispositivos atuais de comunicação digital e os filtros eletrônicos instalados em modernos dispositivos médicos têm reduzido muito a probabilidade de ocorrência de tais riscos, quando eles são usados normalmente. Assim, científica e tecnicamente, não existe atualmente qualquer necessidade de restringir o uso de médio risco de  telefones móveis e dispositivos sem fio de comunicação de dados em qualquer área das instituições de saúde, e nenhuma política de proibição geral é necessário, ou legislação para esse efeito. Rádios de comunicação e modems de comunicação de dados de potência maior, que podem representar um maior risco de interferências, devem ser usados com moderação e em situações de emergência apenas, se eles estão muito perto de dispositivos médicos, implantados ou não.

Outro tipo de efeito indireto de telefones celulares e outros dispositivos portáteis de voz e de comunicação de dados é o risco inerente a usá-los enquanto se estiver dirigindo um veículo a motor. Desde que este risco não se refere a um efeito de campos de RF, ele não foi examinada pela revisão.

Impacto Social e Comunicação com o Público

A falta de uma boa política de comunicação de riscos e de melhor compreensão da percepção e aceitação dos riscos pelo público parece representar uma contribuição importante para o medo de possíveis efeitos

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sobre a saúde das tecnologias de comunicações móveis. Também é importante considerar o grau de compreensão que o público tem sobre a ciência envolvida.

O medo da tecnologia não é novidade. Ocorreram receios quanto aos efeitos prejudiciais à saúde para várias tecnologias quando elas foram introduzidas pela primeira vez, tais como com os fios do telégrafo, a televisão, as linhas de transmissão de energia, o aspartame, os implantes mamários de silicone, e muitos outros. Além disso, é preciso notar que os campos eletromagnéticos não são perceptíveis aos nossos sentidos, o que contribui para aumentar a preocupação do público.

Uma maneira óbvia de aliviar o medo e a ansiedade sobre os possíveis efeitos da RF é proporcionar às pessoas tanta informação quanto possível (educação do usuário), desde que essas informações sejam bem comprovadas e sejam prestadas por peritos e organizações bem qualificados. Todo esforço deve ser feito para que não se aumente as preocupações das pessoas. Por exemplo, discutir a incerteza científica associada ao impacto da radiação não ionizante sobre a saúde, e a implementar medidas preventivas. Pode ter um impacto negativo sobre a percepção pública do risco ou a sua confiança nas políticas e órgãos do governo se não for feita com cuidado.

Um fator importante para a aceitação pública das novas tecnologias parece ser a de comparação entre riscos e benefícios, que não é óbvia como parece. De particular interesse para os utilizadores de telefones móveis, a indústria e o governo, é o fato de que há poucos estudos recentes sobre os riscos e os benefícios das comunicações móveis, em comparação com muitas outras tecnologias que têm um forte impacto na sociedade.

Apesar da existência de um esmagador número de pesquisas sérias que demonstram não existirem efeitos prejudiciais da RF à saúde humanas, com a exceção da utilização de telefones celulares ao dirigir veículos, os relatórios alarmistas da mídia acabaram por criar uma opinião no público que está fora de sintonia com as evidências científicas.

Todas as tecnologias têm sua cota de riscos. Estes devem ser contrabalançadas por um estudo cuidadoso de seus benefícios. Tal é o caso dos automóveis, aviões, produtos químicos utilizados na agricultura e na conservação de alimentos, na combustão de petróleo e carvão, energia nuclear, alimentos geneticamente modificados, etc. A sociedade tem reconhecido e aceite todos eles, devido à sua extrema utilidade, desde que os riscos sejam gerenciados, através da aplicação de limites de exposição, realizar modificações tecnológicas, ou outras medidas semelhantes para reduzir riscos. Assim, há uma necessidade de mais estudos enfocando os benefícios sociais e econômicos das tecnologias de comunicação móvel.

Esta seção do relatório aborda a investigação de fenômenos sociais e da comunicação ao público, e vários outros tópicos relacionados, tais como percepção de risco, aceitação do risco e de questões de risco / benefício, a resistência social às novas tecnologias, a compreensão dos benefícios, tais

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como a percepção do impacto real das comunicações sem fio sobre a saúde, o bem-estar e a segurança, a melhoria da compreensão do público sobre a ciência envolvida, a comunicação pública sobre campos eletromagnéticos e os problema de saúde, a comunicação sobre as incertezas da ciência, a aplicação e a comunicação de medidas de precaução, a avaliação da qualidade da informação ao público, a ética e responsabilidade profissional dos meios de comunicação de massa.

Referências latino-americanas sobre a comunicação pública e a investigação social sobre campos eletromagnéticas são escassas. A maior parte desta revisão foi baseada em referências de relatórios elaborados por outros países da Europa, EUA etc.

Sugere-se que deve haver um local de referência para a região da América Latina, que forneça através da Internet uma cobertura de todas as questões pertinentes relacionadas às radiações não ionizantes e a saúde. Deve estar situado em uma agência governamental reguladora apropriada ou em uma prestigiada universidade ou instituto de pesquisa.

Ter muitas regras diferentes só cria confusão e desconfiança do governo. Todo esforço deve ser feito para harmonizar as normas em todos os níveis (nacional, estadual ou municipal), que adotem as normas baseadas na ciência, recomendados por organismos internacionais, como a ICNIRP.

Padrões e Políticas de Proteção da Radiação

No último terço do século 20, a preocupação com possíveis efeitos prejudiciais sobre a saúde humana das radiações eletromagnéticas não-ionizantes artificiais (NIR) levou a muitos esforços para determinar os níveis máximos de exposição e à criação de recomendações para as normas de segurança para todo o espectro de frequências eletromagnéticas, tanto para a exposição profissional, quanto para o público em geral.

Estas normas de segurança são baseadas em dados fornecidos por estudos científicos em todo o mundo, e são revisadas periodicamente. Além disso, o Projeto Internacional de Campos Eletromagnéticos e Saúde da Organização Mundial da Saúde (EMF Project) tem  promovido a adoção de normas internacionais baseadas em ciência e a harmonização das normas nacionais.

Como importantes ferramentas para alcançar esses compromissos, a OMS elaborou um banco de dados de padrões mundiais e publicou dois manuais de políticas que são muito úteis para os países em desenvolvimento. O objetivo deste capítulo é fornecer informações sobre as normas e políticas em países latino-americanos, a fim de informar o governo e outras autoridades sobre as políticas e regulamentações na região e sobre as normas internacionais recomendadas pela OMS. A estrutura de várias normas e recomendações é examinada, como os desenvolvidos pela Comissão Internacional de Proteção contra Radiação Não-Ionizante (ICNIRP), o IEEE (Institute of Electrical and Electronic Engineering), a ITU (International

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Telecommunications Union) e a FCC dos EUA (Comissão Federal de Comunicações). Após 1992, a ICNIRP foi responsável pelo desenvolvimento e manutenção de diretrizes internacionais para NIR. Sua publicação, de 1998, estabeleceu, para o público em geral e profissionais, os limites máximos admissíveis contra a exposição à NIR, e são as diretrizes mais credível internacional sobre NIR, a serem aprovadas pela OMS, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a União Internacional das Telecomunicações (UIT). Até 2009, os padrões da ICNIRP haviam sido adotados como padrões nacionais de mais de 50 países do mundo. Os padrões IEEE aprovados na América do Norte são semelhantes, mas menos rigorosos do que as orientações da ICNIRP, embora eles se baseiem na mesma ciência.

A ITU fez recomendações sobre a conformidade dos sistemas de telecomunicações aos com limites de exposição aos campos eletromagnéticos. Ao nível regional na América Latina o Conselho Interamericana de Telecomunicações (CITEL) compilou as informações e regulamentos da OMS, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), a UIT, a ICNIRP, o Mobile Manufacturers Forum (MMF), e a International Electrotechnical Commission (IEC), no que diz respeito aos efeitos da NIR e as normas técnicas. CITEL também compilou regulamentos em vigor na América Latina e outras regiões.

Atualmente, na América Latina existem 10 países que implementaram os padrões de radiação não-ionizante dos sistemas de telecomunicações: Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, Equador, Panamá, Paraguai, Peru e Venezuela. Outros estão sendo desenvolvidos, como Costa Rica, República Dominicana e Uruguai. A maioria das normas aplicadas é baseada em diretrizes da ICNIRP.

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Capítulo ICampos de Radiofrequência e seus Efeitos Biológicos

Na esfera física, matéria e energia interagem entre si de muitas formas e em muitos níveis. De particular interesse para a biologia é como a energia eletromagnética interage com a matéria, especialmente a matéria orgânica, e como isso afeta, de alguma maneira, a forma e a função das células vivas, tecidos e organismos. Para as ciências da saúde, essas interações podem ter interesse quanto aos seus efeitos danosos sobre os organismos, principalmente os seres humanos. Nos últimos 100 anos, um grande esforço de investigação científica descobriu e estudou a natureza e propriedades da radiação eletromagnética e como ela interage com a matéria em geral e a matéria viva, em particular. A parte visível do espectro eletromagnético, que era o único fenômeno conhecido pelo homem até o final do século 19, foi bem estudada quanto a uma série de tais interações. Na verdade, as formas de vida existem na Terra, em sua maior parte, unicamente como resultado de algumas dessas interações, como é o caso da fotossíntese, que é capaz de transformar energia luminosa em carboidratos. Com a descoberta de outras formas de energia eletromagnética, como os raios X, raios gama e ultravioleta, que não são visíveis ao olho humano, outros mecanismos e efeitos da interação matéria-energia foram descobertos. Por exemplo, o caráter destrutivo dos raios-X sobre moléculas, células e organismos foi descoberto apenas quando radiologistas começaram a desenvolver doenças malignas da pele após a exposição extensa e prolongada aos raios-X no início do século 20, o que levou ao extenso estudo científico sobre a natureza desses efeitos, bem como à elucidação do seu potencial genotóxico (tais como a indução de mutações no material genético das células, a morte celular, etc.).

Em consequência desses estudos, a ciência determinou que, com relação aos seus efeitos sobre os átomos, moléculas e suas ligações, o espectro eletromagnético pode ser dividido em dois tipos.

1) Frequências que possuem energia suficiente para remover elétrons dos orbitais externos de alguns átomos, produzindo íons, deste modo (átomos carregados eletricamente), um processo que é chamado de ionização, e;

2) frequências que não têm energia suficiente para produzir ionização, e que interagem com a matéria em outras formas, tais como a produção de vibrações mecânicas nos átomos, que são dissipadas na forma de energia térmica.

Portanto, a energia eletromagnética foi classificada como sendo ionizante e não-ionizante, embora seja excessivamente simplificado associar estas propriedades apenas à frequência, pois o potencial de ionização depende não só da mesma, mas também das propriedades da matéria sobre a qual incidem, especificamente da vulnerabilidade das ligações moleculares à ionização. Por exemplo, a fotossíntese depende de uma etapa de ionização, causada pela luz amarela, que é geralmente considerada como uma frequência não ionizante.

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Outros exemplos são os efeitos da luz sobre a melatonina na pele, a síntese de vitamina D e o mecanismo molecular da visão nas células da retina.

Fontes naturais e artificiais

A energia eletromagnética é encontrada em toda parte no Universo, e tem muitas fontes naturais, como o próprio Sol (de longe a maior fonte para a Terra, particularmente para a luz visível, mas também para outras frequências, como ultravioleta e infravermelho), outras estrelas (raios X e radiação cósmica) e planetas (ondas de rádio), a magnetosfera da Terra, etc. Na verdade, a uma determinada temperatura, qualquer organismo vivo emite energia eletromagnética, incluindo nossos próprios corpos.

No século passado, com a descoberta de aplicações práticas e novos dispositivos que utilizam a energia eletromagnética, como tubos de raios X, fontes de raios gama para tratamento médico, lâmpadas infravermelhas, radiocomunicadores, lasers, linhas de transmissão elétrica, motores e dínamos, transmissões de rádio e TV, dispositivos eletromagnéticos e eletrônicos, etc., o ambiente em que vivemos tem sido gradualmente e cada vez mais "invadido" por fontes artificiais que se sobrepõem às fontes eletromagnéticas naturais. A maioria dessas emissões, sendo invisível e com propriedades desconhecidas quanto à interação com os organismos vivos, começou a gerar temores quanto aos seus possíveis efeitos prejudiciais sobre a saúde. Este medo é uma resposta natural e aconteceu com praticamente todas as novas tecnologias, tais como o telégrafo, o telefone, a televisão, o computador, o telefone celular, e assim por diante.

As intensidades das emissões dessas fontes artificiais variam muito: elas podem ir desde as extremamente elevadas (como fornos de micro-ondas, lasers e maser de alta potência, rádio comunicação de longo alcance e antenas de radar) às extremamente baixas (como em satélites geossincrônicos de comunicação e dispositivos de comunicação de dados de curto alcance, como na tecnologia Bluetooth). Deste modo, algumas dessas fontes podem ter efeitos prejudiciais óbvios, tais como a cocção de material biológico em fornos de micro-ondas, enquanto outras parecem não ter qualquer efeito, como o pequeno comando sinalizador sem fio que usamos para abrir portas de garagem.

Mais recentemente, devido ao enorme crescimento das comunicações móveis sem fio, especialmente os telefones celulares, começou a crescer a preocupação do público e da ciência sobre os possíveis efeitos da sua utilização em massa, tanto das estações rádio-base quanto dos telefones portáteis. Essa preocupação, por sua vez, provocou um aumento das pesquisas científicas sobre a possibilidade da radiação não-ionizante (RNI), principalmente nas frequências do espectro utilizadas nestas tecnologias, ter efeitos biológicos a curto, médio ou longo prazo, bem como se ela poderia representar um perigo à saúde das populações humanas. Na verdade, qualquer efeito danoso detectável, mesmo que uma porcentagem muito pequena das pessoas afetadas, pode ser muito importante, devido à ampla utilização dessas tecnologias pela população, pelo número monumental de

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pessoas expostas ao RNI em bases diárias, e pelos impactos sociais e econômicos sobre a saúde.

Esta pesquisa começou a aparecer em números significativos a partir dos anos 1970s e tem crescido exponencialmente desde então, gerando um enorme conjunto de informações publicadas. Associações científicas, comissões governamentais e agências e grupos internacionais se reuniram para analisar o assunto, gerando um grande número de relatórios técnicos e recomendações, que têm sido atualizadas regularmente. Grupos cooperativos multicêntricos de pesquisa em larga escala foram formados e deram início a investigações epidemiológicas combinando grandes números de pacientes em cada pais, e exigindo muitos recursos humanos e financeiros. Todo esse imenso aparato, maior do que o envolvido na maioria das doenças humanas, passou a ser alimentado pela apreensão pública, principalmente em países desenvolvidos, e pela necessidade de se instituir normas de proteção e medidas cautelares, de introduzir limites de segurança e de regras impostas pelo Governo para regulação e para a disseminação de informações sobre os efeitos de campos eletromagnéticos (CEM) produzidos pelo próprio homem. Justificativas para esta revisão

Apesar de já terem sido publicadas muitas revisões competentes e exaustivas da literatura sobre os efeitos biológicos e da saúde dos campos eletromagnéticos não-ionizantes (por exemplo, ICNIRP, 2009, Marino, 2008a, 2008b, 2009), temos muitas razões para acreditar que uma nova revisão de literatura realizada por especialistas da América Latina neste campo é justificada, essencialmente por dar uma perspectiva regional sobre esta matéria.

Em primeiro lugar, embora haja um pequeno corpo de pesquisas realizadas nesta área em países da América Latina, é importante trazê-las à luz, bem como rever e discutir as suas conclusões. Algumas dessas contribuições regionais podem fornecer uma contribuição significativa para o corpo total do conhecimento, uma vez que refletem particularidades sociais, ambientais, profissionais ou técnicas dos países latino-americanos.

Em segundo lugar, existem hoje na região preocupações crescentes sobre os possíveis efeitos na saúde das RNI sobre populações humanas expostas a ela, principalmente devido ao crescimento explosivo das comunicações móveis e redes de dados sem fio na América Latina nas últimas décadas.

Em um recente relatório estatístico, foi afirmado que:

“...a penetração da telefonia móvel na América Latina e Caribe foi de aproximadamente 80% no início de 2009, bem acima da média mundial, que foi de cerca de 58%. Com 458 milhões de pessoas que possuíam um telefone celular no início de 2009, a América Latina e Caribe detinham em conjunto cerca de 12% dos 3,97 bilhões de assinantes móveis no mundo. Vários países, incluindo o Brasil, a Argentina, a Jamaica, o Uruguai e a Venezuela ultrapassaram recentemente o limiar

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de “100% de penetração" (Latin America Mobile Communication Statistics, Maio de 2009). De acordo com um relatório da GSM Association, a América Latina e o Caribe lideram o mercado mundial em termos de porcentagem de crescimento do sistema GSM, somando mais de 74 milhões de novos clientes no período de um ano, de março de 2005 a março de 2006, quase duplicando a sua base de assinantes, com uma taxa de crescimento de 97%.”

O medo dos efeitos dessas tecnologias sobre a saúde tem ocorrido de forma onipresente em praticamente todas as classes sociais e econômicas na América Latina, apesar da ampla utilização de telefones celulares por parte da população, e é frequentemente alimentada por relatos na imprensa leiga, que reproduzem, de uma forma não crítica, o que a imprensa internacional publica. Além disso, um apelo generalizado à legislação mais restritiva por parte dos políticos tem produzido muitas leis que não são solidamente apoiadas por evidências científicas, o que muitas vezes vêm causando mais mal do que bem. Assim, a análise e o parecer de cientistas latino-americanos são importantes, e adiciona um fator muito importante de confiança. Além disso, os cientistas latino-americanos são, obviamente, mais conscientes das especificidades do uso das RNI, legislação e aplicação de regulamentos, etc., na região.

Portanto, a revisão da literatura foi realizada com estes objetivos e abordagens em mente, e sempre que possível revisamos as contribuições latino-americanas ao corpo da pesquisa mundial, e emitimos recomendações em relação à sua importância, aplicabilidade e viabilidade em países latino-americanos.

Com o objetivo de encontrar documentos relevantes e de alta qualidade publicados neste campo na América Latina, pesquisamos três bases de dados da literatura:

1. LILACS (Literatura Latino Americana em Ciências da Saúde, mantida pelo Centro Regional de Informação em Saúde para América Latina e Caribe, uma agência da Organização Panamericana da Saúde, que se concentra em revistas científicas e médicas publicadas na região.;

2. MEDLARS, um banco de dados da literatura mantido pela U.S. National Library of Medicine, e

3. A base de publicações científicas mantida pelo EMF-WHO Program (Programa de Campos Eletromagnéticos e Saúde, coordenado pela Organização Mundial de Saúde).

A estratégia de busca usada consistiu em usar os nomes dos países da América Latina em conjunto com palavras-chave adequadas. Não foram considerados artigos e livros publicados por cientistas e técnicos de origem latino-americana, mas que não trabalham em países da região.

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Limitação de Escopo

Com esses objetivos em mente, a revisão da literatura e análise crítica que se segue limitou o seu âmbito aos efeitos biológicos e sobre a saúde dos campos eletromagnéticos não-ionizantes (denominados em conjunto de bioefeitos), restringindo-nos à gama das frequências utilizadas para a radiodifusão e comunicação por ondas de rádio e micro-ondas, tais como aquelas utilizadas em rádio e televisão, comunicação móvel de voz de dados, redes sem fio de comunicação de dados, etc. Cobrimos na revisão não somente os possíveis efeitos diretos da exposição sobre os profissionais que trabalham com essas radiofrequências (RF), bem como sobre o público em geral (tanto usuários quanto não usuários de equipamentos terminais), mas também os efeitos indiretos de RF, tais como a interferência radioelétrica sobre dispositivos médicos. A revisão não cobriu, intencionalmente, outras fontes menos relevantes de radiações não-ionizantes, tais como fontes de maior potência de RF, fontes de luz visível de alta intensidade, de raios ultravioleta não-ionizante, de raios infravermelho, ou fontes de frequências extremamente baixas (ELF, em inglês), tais como as usadas na transmissão de energia elétrica de corrente alternada.

Efeitos Biológicos da Radiação Não-Ionizante

A abordagem tradicional e mais eficaz para estudar relações de causa-efeito nas ciências biológicas é através da experimentação com células e organismos. A Radiobiologia é o campo das ciências biológicas que tenta esclarecer como as diversas formas de interação com a radiação afetam os seres vivos de todos os tipos. Bioeletromagnetismo é o ramo da Radiobiologia que abrange o estudo de campos eletromagnéticos, tanto ionizantes quanto não-ionizantes, seja eles natural ou artificialmente gerados. Estas pesquisas podem ser puras ou aplicadas, mas a maioria das pesquisas aplicadas têm como alvo a eventual aplicabilidade do conhecimento adquirido aos seres humanos, tais como a vulnerabilidade à RF gerada externamente por dispositivos como transmissores de TV e telefones celulares.

Nesta seção, analisaremos os dados experimentais coletados sobre os efeitos biológicos da energia eletromagnética de alta frequência, especialmente na faixas de frequência de rádio e de micro-ondas, entre 100 kHz e 10 GHz, realizado em experimentos in vivo e in vitro, exceto em seres humanos, o que será abordado no próximo capítulo.

Este capítulo inclui culturas de células e tecidos isolados in vitro ou in vivo (animais íntegros), principalmente em mamíferos, que são fisiologicamente e geneticamente mais similares aos seres humanos do que as bactérias, vermes ou insetos. Desta forma, espera-se que este conhecimento possa ser transferido aos seres humanos, os quais, por motivos éticos, não podem ser usados para a maioria dos tipos de experimentos.

Modelos in vitro têm sido amplamente utilizados para estudar interações de campos eletromagnéticos não-ionizantes ao nível de moléculas e dos

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mecanismos bioquímicos que funcionam em níveis celulares. Eles incluem o metabolismo celular e tecidual, as vias e cascatas bioquímicas, o transporte de íons através das membranas e no interior das células, a divisão e o crescimento celulares, o sistema de genes e a expressão gênica, a síntese de proteínas, codificação e transdução de informações do DNA, RNA, enzimas, e muitos outros. Teoricamente, todos os aspectos dessa imensa e complexa fábrica celular podem ser investigadas em relação à RF. Uma ressalva importante, porém, é que os efeitos descobertos em nível molecular ou celular não significam automaticamente que eles sejam relevantes para o funcionamento anormal ou tenham consequências para a saúde de todo o organismo (D'Inzeo, 2009, Repacholi, 1998).

Os modelos in vivo utilizados para a experimentação com RF são centrados principalmente em mamíferos, quase sempre pequenos roedores reproduzidos em laboratório, como ratos e camundongos. Há muitas vantagens na utilização destas espécies: elas têm mais de 70% de seus genes em comum com o Homo sapiens, são mamíferos de sangue quente, com a fisiologia e sistemas bioquímicos semelhante, são fáceis de reproduzir e manter em cativeiro, têm uma vida útil relativamente curta e uma alta taxa de reprodução (ideais para os estudos genéticos e de exposição por toda a vida) e podem ser tão geneticamente homogêneos quanto ser queira, incluindo linhagens que são geneticamente programadas para serem altamente suscetíveis ao câncer e outras doenças.

No que diz respeito à capacidade de transferir ou aplicar os conhecimentos adquiridos por meio de experiências com esses animais, isso é bem mais difícil. Por um lado, ratos e camundongos são pequenos, assim a absorção de radiação e a propagação de RF dentro dos seus corpos são diferentes das em seres humanos, inclusive para os órgãos sensoriais, o cérebro e o sistema hematopoiético, que são muito pouco protegidos da radiação externa por seus ossos finos. Além disso, a biologia dos roedores é totalmente oposta a dos primatas em geral: são principalmente noturnos e subterrâneos, e por isso têm pouca proteção desenvolvida pela evolução contra a radiação solar e outros tipos de radiações. Isso pode torná-los mais sensíveis à frequência eletromagnética não ionizante do que o Homo sapiens. Além disso, a biologia comportamental, memória e habilidades cognitivas não podem ser facilmente extrapoladas para os seres humanos. A grande liberdade de realizar experiências sistemáticas com células vivas ou organismos permite uma extensa coleta de dados e a variação de muitos parâmetros, tais como a utilização de várias densidades de energia de RF, por exemplo, em muitos esquemas de exposição diferentes. Um maior número de variáveis pode ser estudado de forma simultânea ou isoladamente. Em um exemplo dos estudos de exposição experimental em ratos, 151 variáveis fisiológicas e clínicas foram registradas. O número de indivíduos em estudos de exposição de animais é normalmente mais elevado do que aqueles utilizados na experimentação humana, mas é muito menor do que em estudos epidemiológicos humanos.

Estudos In Vitro

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Dado que as condições de laboratório são mais fáceis de configurar para estudos in vitro, e porque sistemas biológicos aparentemente mais simples e mais estáveis podem ser estudados com esta abordagem, há uma literatura extremamente volumosa sobre as interações biológicas da RF, a qual não pretendemos revisar em detalhe aqui. Análises exaustivas foram publicadas recentemente por outros autores, e referimos o leitor às mesmas (ver especialmente D'Inzeo, 2009; Marino, 2008a e 2008b; ICNIRP, 2009).

Os estudos in vitro tentam responder à questão fundamental que está na raiz de todos os bioefeitos potenciais da RF: se estes efeitos não puderem ser demonstrados clara e indubitavelmente ao nível de moléculas ou em preparações de células isoladas, não há nenhuma razão para continuar a pesquisa científica por estes efeitos em outros níveis de complexidade nos organismos vivos.

D'Inzeo (2009) propôs um modelo hierárquica, ou em camadas, para a interpretação dos resultados de acordo com estes níveis de complexidade, no qual afirma que

“os modelos de interação que visam a avaliação das possíveis consequências para a saúde tem que levar em conta a complexa organização típica dos sistemas vivos. Todos os sistemas biológicos devem ser considerados, do ponto de vista lógico, como uma estratificação dos níveis de complexidade, a partir do nível microscópico de átomos e moléculas, até o nível macro de todo o organismo, passando por estruturas subcelulares, células, tecidos, órgãos e sistemas. (...). Devido à complexa estrutura dos sistemas biológicos, para que campos elétricos ou magnéticos iniciem ou promovam efeitos adversos para a saúde de um organismo, eles devem provocar efeitos por meio de uma série de etapas, através de diferentes níveis de complexidade biológica, desde o nível molecular até o celular, os dos órgãos e dos organismos”.

Estes níveis são:

1. Das pequenas moléculas e íons inorgânicos em nível atômico e físico- químico2. Das grandes moléculas orgânicas, como proteínas e ácidos nucleicos 3. Da membrana celular, incluindo receptores, canais, portões e mecanismos de transporte iônico ativo 4. Das funções metabólicas e vias bioquímicas no citoplasma e organelas celulares 5. Dos agregados de células, como os tecidos, as redes de células excitáveis, redes imunes, etc.

Além disso, mesmo que se comprove a existência de efeitos a um certo nível, isso não significa automaticamente que eles sejam importantes ou influenciem os outros níveis de complexidade acima deles. De acordo com D'Inzeo, “

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(embora) a funcionalidade de cada nível esteja relacionada a de todos os níveis mais baixos, não é completamente determinado por eles, ou seja, cada nível superior mostra as chamadas propriedades emergentes."

De um ponto de vista didático, possíveis bioefeitos de campos de RF em nível molecular foram classificados em dois tipos principais: 1) efeitos térmicos, devidos ao fenômeno de aquecimento dielétrico que é típico de radiações não-ionizantes (RNI), tais como micro-ondas A energia das RNIs não é suficientemente alta para interagir com os orbitais exteriores dos átomos e portanto, para quebrar ligações moleculares, de modo que o calor induzido por agitação de moléculas polares existentes no meio contribui para o aumento de temperatura como o seu único efeito plausível.

Foi descoberto que esse efeito térmico pode ocorrer até mesmo em níveis muito reduzidos de energia eletromagnética, uma vez que a maioria das células tem um mecanismo interno complexo de resposta ao calor, incluindo cascatas moleculares, proteínas de choque térmico, etc. Sabe-se que a exposição a temperaturas muito elevadas durante um tempo suficiente pode resultar na desnaturação de algumas moléculas, como proteínas (isto explica a cocção de alimentos nos fornos de micro-ondas, em níveis de energia de RNI extremamente altas). Para aquecimentos pequenos, no entanto (que pode ocorrer quando as células são expostas a um baixo nível de RF), apenas os efeitos indiretos acima mencionados são plausíveis e eles são suficientemente bem documentados.

2) efeitos não-térmicos foram teoricamente propostos como sendo outros possíveis mecanismos de interação não devidos a um aumento direto ou indireto da temperatura local. Um grande número destes modelos têm sido proposto e experimentalmente estudado em preparações in vitro. Vários autores têm afirmado que eles poderiam ser demonstrados, mas este é ainda um debate aberto na comunidade científica, uma vez que muitos estudos têm sido incapazes de demonstrar que eles existem. Em muitos casos, tem sido alegado que esses efeitos são causados por reações normais de células vivas ao aquecimento. Como mostrado abaixo, de todos os efeitos não térmicos que foram relatados como ocorrendo em células, tais como alterações nos níveis de enzimas, nenhum foi demonstrado com tendo qualquer consequência para a saúde do organismo, aparentemente porque o mesmo compensa-os facilmente através de seus mecanismos homeostáticos normais.

Assim, em relação à exposição à RF de baixo nível, o debate é centrado em:

1. se os efeitos não-térmicos realmente existem em um determinado nível de organização;2. se eles são de magnitude suficiente e3. se eles interagem com outros níveis de complexidade acima deles, de modo a desempenhar um papel na fisiopatologia de organismos intactos.

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Como veremos adiante, a resposta cientifica tem sido majoritariamente negativa para todas as três questões.

Recentemente, mais de 100 artigos em 15 revistas diferentes sobre mecanismos de ação moleculares e celulares foram revistos por D'Inzeo (2009), permitindo a classificação de efeitos térmicos não putativos em quatro grupos de modelos:

1. mecanismos de ressonância molecular;2. acoplamento com sistemas não lineares;3. efeitos devido à ação direta de campos elétricos e magnéticos;4. mecanismos de cooperação devido às interações entre os diversos componentes da membrana celular.

Todos esses mecanismos já foram documentados experimentalmente, por vezes em baixos níveis de potência de baixa densidade de exposição, mas os autores e os revisores divergem quanto ao mecanismo mais plausível para a interação não-térmica das RNIs com a matéria. D'Inzeo conclui que "no entanto, esses resultados são pouco extensíveis para níveis mais elevados de complexidade biológica e, assim, possíveis efeitos perigosos para a saúde humana ".

Outras análises recentes, por Swicord & Balzano (2009) e pela ICNIRP (2009), examinaram em pormenor as atuais evidências na literatura que suportam mecanismos de interação de RF com matéria viva, tanto em nível celular quanto no organismo. O leitor deve se referir a estas duas análises abrangentes para uma cobertura mais detalhada a respeito. A seguir resumimos alguns dos achados mais significativos.

Estudos de Oncogênese em Nível Molecular e Celular

Como os efeitos de CEM relacionados à causação do câncer (oncogênese) são considerados particularmente importantes, o impacto potencial dos efeitos sobre a oncogênese celular e subcelular tem recebido grande atenção por parte das pesquisas internacionais e, consequentemente, uma vasta literatura tem sido produzida neste campo. Marino (2009) analisou a literatura sobre estes aspectos antes de 2000 e de 2000 a 2007. A revisão classificou os trabalhos publicados de acordo com uma escala de quatro pontos (incluindo Provas Suficientes, Evidência Limitada, Evidência Inadequada, e Indícios de Falta de Efeito), a fim de descrever o grau de incerteza para os efeitos revistos. A escala foi adaptada a partir de uma desenvolvida pela Agência Internacional para Pesquisa sobre o Câncer (Repacholi e Cardis 1997).

A oncogênese em níveis celulares e subcelulares é extremamente complexa e ainda em estudo. O câncer é, de fato, uma denominação genérica para, provavelmente, centenas de doenças diferentes, com causas diferentes e diferentes histórias naturais. No entanto, um denominador comum é a instabilidade genética, causada por uma cadeia cumulativa de alterações nos mecanismos de reparo de DNA intracelular, a ativação de genes de inibição de

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tumores ou a expressão de oncogenes, a apoptose de células defeituosas, a reprodução, crescimento e mecanismos de sobrevivência das células, etc.

Eventualmente, tais variações acumuladas na maquinaria genética das células levam a uma linha celular que herda as mudanças e os ganhos de vantagem reprodutiva sobre as células normais e não morrem mais, levando ao crescimento do tecido neoplásico (tumorigênese).

Os estudos in vitro podem ser classificados em algumas áreas de investigação e experimentação: genotoxicidade, expressão de oncogenes, proliferação e diferenciação celular, e apoptose.

Genotoxicidade: é o nome dado à propriedade de agentes externos, tais como radiações eletromagnéticas, de danificar diretamente o DNA. Danos ao DNA podem ser avaliados experimentalmente pelo chamado teste do cometa, que identifica se ocorreram danos e rupturas de fita única das moléculas de DNA dentro do núcleo (teste do cometa neutro) ou se ocorreram rupturas de dupla fita (teste do cometa alcalino). O primeiro indica danos reparáveis, enquanto os últimos são não reparáveis, portanto bem mais perigosos para alterações irreversíveis do material genético. Outra classe comum de experimentos é testar se a RF de baixo nível é capaz de potencializar a genotoxicidade induzida por outro agente genotóxico conhecido, ou em linhagens celulares anormais (cancerígenas). Outra maneira de testar a genotoxicidade é investigar o aparecimento de micronúcleos e aneuploidia (número anormal de cromossomos), que são relacionados a alterações no DNA. Vários experimentos em genotoxicidade de RF de baixo nível que foram publicados antes de 2000 tinham demonstrado alguns efeitos (geralmente muito fracos ou difíceis de interpretar, devido a técnicas inadequadas, controles impróprios, etc.). A maioria dos experimentos realizados, no entanto, não mostrou nenhum efeito genotóxico, ou não conseguiu reproduzir ou confirmar estudos previamente positivos (em alguns casos pelos mesmos autores, sob exatamente as mesmas condições (Marino, 2008a).

A recente revisão, por esses autores, das 83 publicações em artigos que pesquisaram a genotoxicidade das RNI até 2009, revelou que 69% deles não conseguiram comprovar qualquer efeito, 20% indicaram a presença de efeitos, e os demais 11% eram inconclusivos. Uma avaliação genérica seguindo a classificação de evidência usada pela IARC (Agência Internacional em Pesquisa sobre o Câncer) chegou à conclusão que havia até então evidências inadequadas para interações de RF de baixo nível com potencial genotóxico, assim como para a potencialização de outras mutações. Portanto, como a oncogênese depende estritamente da sua ocorrência no nível celular, não há um mecanismo plausível para explicar a causação de câncer em níveis de RF abaixo dos níveis internacionais de segurança.

Outro parâmetro para carcinogenicidade em células é a transformação de células saudáveis em neoplásicas. Isso pode ser investigado por meio de efeitos diretos (chamados de iniciação) ou se a RF aumenta a transformação neoplásica causada por outros agentes conhecidos (chamados de promoção ou copromoção). A maioria absoluta de experimentos relatados até agora foi

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incapaz de detectar transformações neoplásicas causadas por sinais de micro-ondas usados em comunicação móvel; deste modo os revisores concluem que há uma falta de evidência desses efeitos.

Genes causadores de câncer e expressão proteica:

O teste mais moderno e tecnicamente superior para avaliar quantitativamente o potencial de carcinogenicidade devida à exposição à RF de baixo nível consiste no uso de técnicas de alto desempenho de transferência de dados para investigação simultânea das expressões de milhares de genes e do aparecimento das várias proteínas relacionadas ao câncer (genômica e proteômica). Elas surgiram apenas depois de 2000, quando foram desenvolvidas técnicas para testar simultaneamente até 10.000 genes, usando o chamado arranjo de microssondas (micro-arrays). Entre os genes de importância para o câncer estão os pro-oncogenes que fazem parte do nosso genoma, como c-fos, c-jun e c-myc, e proteínas como a p53, relacionada à supressão de câncer. Quando um gene é encontrado por ter sua expressão aumentada (up regulation, em inglês), significa que sua expressão ocorre a uma taxa maior que a normal (ou seja, sintetiza mais do que o normal a proteína a ele relacionada); se a expressão é diminuída (down-regulated), é o contrario. Um efeito danoso pode ser obtido tanto em expressões aumentadas quanto diminuídas, mas os resultados são ainda de difícil interpretação.

Os resultados observados até agora têm sido muito heterogêneos: alguns experimentos usando testes de expressão genética em larga escala encontraram completa ausência de efeitos da exposição RF de baixo nível, ao passo que outros encontraram expressão aumentada (up-regulated) e retardo diminuído em uma proporção significativa dos genes. Por exemplo, Zhao R. et al. (2007) investigaram os efeitos sobre a expressão gênica da exposição intermitente de uma cultura de neurônios de ratos à RF com um SAR de 2 W/kg. Entre 1.200 genes candidatos, foram encontrados 24 genes com expressão aumentada e 10 com expressão diminuída. Vários outros trabalhos identificaram que os genes com expressão aumentada eram em sua maioria os relacionados com o grupo de proteínas denominadas caspases, envolvidas na apoptose (um tipo de morte celular de células com defeitos), enquanto que os genes de expressão diminuída eram relacionados às funcionalidades dos ciclos celulares.

Dados de validação estão faltando na maioria desses estudos positivos, assim, sua significância é difícil de ser interpretada. Em contraste com esses estudos, outros têm falhado em fornecer evidências de mudanças significativas na expressão gênica usando tecnologias de microarranjos. Por exemplo, Gurisik et al (2006) encontraram mudanças em somente 6 dos 8.400 genes testados, e mesmo assim esses eram fracamente inibidos. Achar um grande número de genes ou proteínas alteradas, sem um padrão consistente, em geral nos permite concluir que se trata de efeitos não específicos, mais provavelmente devidos ao choque térmico, embora os experimentadores muitas vezes tenham alegado que controlaram estritamente as variações de temperatura. A alteração de proteínas do grupo denominado hsp (em inglês, heat shock proteins) em muitos dos estudos positivos fornece evidências que esse poderia realmente

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ser o caso, particularmente porque elas são alteradas quanto não há irradiação RF presente, mas a temperatura média da cultura é aumentada. Mais ainda, a significância patológica de tal expressão gênica é desconhecida e é difícil de interpretar. Em geral, os revisores desses trabalhos têm concluído que a evidência é limitada ou há uma falta de evidência consistente para causação de câncer relacionada com genes e com a expressão proteica, da exposição à RF de baixo nível.

Proliferação de células e diferenciação: essas são duas importantes características das linhas de células neoplásicas: um aumento na proliferação celular, levando ao crescimento do tumor, e um decréscimo na diferenciação (desdiferenciação) das células neoplásicas, aumentando sua resistência à quimio- e radioterapia, o potencial de proliferação metastática e o grau de malignidade do tumor. A maioria das linhagens de células comuns investigadas são tiradas de tecidos humanos normais ou fibroblastos normais de ratos (células do tecido conjuntivo), bem como algumas linhagens de células neoplásicas, como as linfoblásticas e as células tiradas de neuroblastomas. De novo, o que se observa é que há uma larga variabilidade de resultados entre os diferentes trabalhos que são difíceis de interpretar, uma vez que os métodos e condições usadas pelos mesmos não podem ser adequadamente identificados ou comparados, incluindo o controle muito importante de exposição à RF, através da medida acurada do nível da densidade de potência, e o controle de variação do controle de temperatura. Os revisores (Marino, 2009) concluem que “há uma evidência inadequada global para efeitos positivos de RF de baixo nível nesses parâmetros”.

Apoptose: é a morte celular programada, ou seja, uma cadeia muito especifica e complexa de eventos celulares intrínsecos e extrínsecos que induzem defeitos nas células e as levam ao “suicídio”. O conteúdo da ruptura da célula é digerido por células do sistema imunológico, como os macrófagos. Uma família de enzimas (as caspases) é envolvida nesse processo, então elas podem ser avaliadas em ensaios experimentais, fornecendo uma evidência indireta do nível de apoptose em uma determinada preparação. Existem muitos trabalhos que investigaram a apoptose em células normais e cancerígenas (neoplásicas) em várias linhagens derivadas de tumores, resultantes à exposição à RF de alto e baixo nível. Uma potencial indução de apoptose em células normais é considerada danosa, mas é considerada benéfica quando ocorre em nível maior em células tumorais (essa poderia ser a explicação, por exemplo, para a eficácia de alguns tipos de irradiação ionizante instrumentada, como raios X e gama, sobre o crescimento de um tumor na oncoterapia, uma vez que um dos principais defeitos observados em câncer é a produção de células que são incapazes de apoptose, ou seja, a formação de uma linhagem de células “eternas”). Uma vez mais, o resultado geral da avaliação dos trabalhos publicados nessa linha de investigação é que não há evidência que a exposição à RF de baixa frequência possa induzir apoptose em células normais, e que a RF aja como agente pró-apoptótico em células tumorais, bem como uma evidência inadequada que a exposição à RF de baixa frequência possa interagir com agentes pro-apoptóticos conhecidos em preparações in vitro.

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Conclusões dos estudos in vitro

A evidência cientifica atual a respeito dos prováveis mecanismos moleculares e celulares da RF foi revista e avaliada criticamente por diversos grupos e instituições nacionais e internacionais. Até agora, as conclusões mais recentes parecem ser unânimes. Por exemplo:

Sweden SSI (2008) Pesquisa recente sobre CEM e Riscos a Saúde – Quinto Relatório Anual do SSI: Grupo Especializado em Campos Eletromagnéticos, 2007 (Edição Revisada de 15 Abril de 2008)http://www.stralsakerhetsmyndigheten.se/Global/Publikationer/Rapport/Stralskydd/2008/ssi-rapp-2008-12.pdf

A maioria desses estudos não demonstrou efeitos da exposição ao RF nos resultados estudados, incluindo também tentativas de replicar os efeitos genotóxicos observados no programa europeu REFLEX. (...) Seis estudos recentes em carcinogenicidade, alguns com taxas de exposição mais elevadas do que usadas anteriormente, retrata consistentemente a falta de efeito carcinogênico, e dois estudos em genotoxicidade retratam que o micronúcleo ou a quebra do da fita de DNA não aumentam após a exposição à RF.

ICNIRP (2009): “Exposição a Campos Eletromagnéticos de Alta Frequência, Efeitos Biológicos e Consequências a Saúde (100 kHz – 300 GHz)”http://www.icnirp.de/documents/RFReview.pdf

O mecanismo pelo qual a exposição à RF aquece o tecido biológico é bem entendido, e o mais marcante e consistente efeito da exposição à RF é a elevação da temperatura, que pode causar um certo número de alterações fisiológicas e patológicas em seres humanos e em animais de laboratório. A temperatura aumentada é responsável também pela confusão potencial em estudos in vitro e pode ser responsável por alguns efeitos positivos relatados.

Pesquisas na América Latina

Muito poucos estudos in vitro sobre os bioefeitos da RF têm sido realizados na América Latina. Trabalhos de Heinrich e colaboradores (2006, comunicação preliminar da base de dados WHO-EMF) na Universidade Estadual de Campinas, no Brasil, estudaram os efeitos da radiação de micro-ondas emitida por telefones celulares sobre os cromossomos de linfócitos humanos in vitro. A técnica de obtenção do cariótipo espectral foi usada para esse propósito. Os pesquisadores concluíram que nenhum dano aos cromossomo pode ser observado nos níveis de radiação compatíveis com os padrões da ICNIRP ou inferiores a eles, pelo menos para aparelhos que operam em 800 MHz segundo os padrões AMPS e CDMA. Em níveis que excedem 10 W/kg foi observado algum dano cromossomal, indicando uma dependência dose-efeito quanto ao aumento da acrocentricidade dos cromossomos e alterações em seu comprimento.

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Conclusões

Como veredicto final da avaliação da literatura a respeito das funções celulares relacionadas à oncogênese após a exposição à RF de baixa intensidade, em geral concluímos que as evidências existente até o momento de uma relação causa-efeito são inadequadas ou que há uma falta de consistência nas evidências válidas. Existe uma confusão e controvérsia nessa área de pesquisa, porque muitas vezes as pesquisas que obtiveram efeitos positivos não puderam ser validadas ou reproduzidas por outros pesquisadores. Em particular, os efeitos de curta duração sobre os ciclos celulares e sua regulação, a expressão gênica e a síntese de proteínas, os danos ao material genético (DNA) e a transformação e diferenciação celulares relacionadas à oncogênese celular, não podem ser traduzidos automaticamente como sendo causadores do câncer. Por exemplo, a maioria das culturas celulares usadas nesses experimentos, como as células do sistema hematopoiético, são altamente suscetíveis a muitos agentes físicos externos. Até mesmo pequenas mudanças de temperaturas as afetam, mas isso provavelmente acontece quando elas são irradiadas externamente ao corpo, uma vez que isso remove a forte proteção natural dada pelo organismo à irradiação pelos mecanismos homeostáticos. Deste modo, a relevância desses resultados para a saúde humana pode ser contestada.

Na seção seguinte discutiremos os estudos relacionados ao câncer em organismo intactos (in vivo).

Estudos experimentais em animais

Os experimentos realizados em animais representam uma solução clássica e lógica para investigar, de uma maneira controlada, a possibilidade da interação dos campos de RF com organismos biológicos completos. Essa abordagem foi extensamente utilizada antes de 1990, quando estavam sendo estabelecidos os limites mínimos de exposição à RF. Foram utilizadas altas densidades de potência, as quais eram diminuídas progressivamente até que cessassem as mudanças no comportamento dos animais em certas condições observacionais controladas, tais como o comportamento motor de ratos em campo aberto.

Não foi nossa intenção revisar estes trabalhos mais antigos no presente relatório, uma vez que procuramos enfocar trabalhos realizados sob condições de irradiação abaixo ou bem abaixo dos níveis considerados seguros para seres humanos, tais como os determinados pelo ICNIRP e pelo IEEE. O leitor pode encontrar esses trabalhos anteriores a 1990 em IEEE (2005, Anexo B).

Experimentos com animais na literatura publicada podem ser divididos grosseiramente em 3 grupos:

indução ou promoção de câncer; efeitos comportamentais; outras alterações fisiológicas e patológicas.

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Por volta do fim de 2008, de acordo com uma revisão extensa por Swicord e Balzano (2009), haviam 781 trabalhos registrados na base de dados do Projeto WHO/EMF relatando pesquisas sobre os efeitos dos campos eletromagnéticos na faixa de 0.1 a 100 GHz em animais. A maioria das investigações empregou roedores de laboratórios (ratos e camundongos) e investigou os efeitos da RF de 900 MHz a 2,5 GHz, que são as mais usadas atualmente em comunicação móvel do tipo celular e PCS, bem como redes sem fio de comunicação de dados.

Como mencionamos acima nesta revisão, os resultados obtidos para esses animais não são necessariamente válidos para seres humanos e outros animais, já que a característica de absorção do RF nestes organismos é diferente, bem como vários aspectos de sua biologia. É interessante notar que, apesar da importância de se conhecer a distribuição dos campos de RF nos corpos desses animais, somente um trabalho publicado até agora se preocupou com dosimetria em animais.

Devido a isso, os meios de comunicação de massa que relatam ao público em geral possíveis efeitos prejudiciais para os seres humanos, baseados em estudos com animais como esses, podem ser, e foram, prematuramente deturpados. Isso em parte ocorreu porque essas publicações costumam omitir as dificuldades metodológicas e as advertências sobre a interpretação dos resultados e sua tradução para a saúde dos seres humanos, e porque relatam sobretudo determinados estudos individuais, selecionados por seu potencial sensacionalista, e não com base em um consenso científico.

Os estudos animais abrangem uma variedade muito grande de organismos e efeitos estruturais e funcionais, e são apresentados na tabela a seguir (adaptado de Swicord & Balzano (2009), com autorização):

Tipo e Número de Estudos RF publicados In Vivo Até 2009

Tipo de estudo In Vivo Publicados % Total

Comportamento animal, cérebro, bioquímica, neuropatologia, interação medicamentosa

140 17,9%

Teratogenicidade, reprodução, desenvolvimento

117 15,0%

Efeitos térmicos 85 10,9%Função imune e hematológica 83 10,6%Barreira hematoencefálica, e fluxo sanguíneo em outros tecidos

56 7,2%

Patologia ocular 37 4,7%Patologia auditiva 36 4,6%Genes e expressão gênica, atividades proteicas

29 3,7%

Micronúcleos e aberrações cromossômicas

28 3,6%

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Radiação e atividade biológica geneticamente iniciadas em tumores

27 3,5%

Estresse oxidativo 24 3,1%Pressão sanguínea, frequência cardíaca, circulação e frequência respiratória

23 2,9%

Quebra de DNA, danos e mutações

19 2,4%

EEG, potenciais evocados, perturbações no sono

19 2,4%

Bioanálise de longo prazo de roedores

19 2,4%

Mudanças hormonais 12 1,5%Estudos de cálcio e outros íons 10 1,3%Atividade biológica de linhagens celulares tumorais

5 0,6%

Outros estudos em animais 5 0,6%Proliferação, taxa de crescimento de tecidos e análise do ciclo celular

5 0,6%

Estudos em animais com múltiplos parâmetros examinados

1 0,1%

Experimentos de dosimetria em animais

1 0,1%

Total 781

A maioria dos estudos (cerca de 71%) cai nas seguintes categorias:

efeitos térmicos comportamento animal bioquímica do cérebro neuropatologia teratogenicidade reprodução e desenvolvimento função imunológica sistema hematopoiético barreira hematoencefálica sistemas visuais e auditivos

Outros 14% foram se referem aos efeitos sobre o material genético e as funções celulares e bioquímicas em condições in vivo.

Devido ao grande número de estudos, nós focalizamos nossa revisão naqueles que pensamos ser as três mais importantes áreas: efeitos na barreira hematoencefálica, oncogênese (promoção e indução de câncer) e a sobrevivência de longo prazo sob exposição crônica.

Efeitos sobre a barreira hematoencefálica

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A barreira hematoencefálica (BHE) tem uma função muito importante em mamíferos, ao promover uma barreira seletiva entre o suprimento externo de sangue ao cérebro e seu meio interno (fluido extracelular). Esse sistema único e complexo envolve membranas vasculares e células de sustentação do cérebro (glia), e provê uma espécie de filtro seletivo que evita que substâncias indesejadas que circulam no sangue (e que poderiam ter efeitos tóxicos nos neurônios, por exemplo) entrem no meio interno do cérebro. Deste modo, qualquer coisa que enfraqueça ou abra os controles da BHE pode ser potencialmente danosa à saúde do cérebro.

Os primeiros estudos sobre BHE e campos eletromagnéticos surgiram em 1977, e sugeriam que a irradiação de ratos com RF em níveis abaixo dos atuais padrões de segurança causariam um detrimento à permeabilidade seletiva da BHE. Estes estudos utilizaram uma metodologia padronizada para detectar variações de permeabilidade, usando pigmentos hidrossolúveis ou compostos de radionuclídeos que normalmente não atravessam a barreira.

Pesquisas publicadas mais recentemente pelo grupo de Salford na Suécia (1993) com uma série de mais de 1.600 ratos, mostraram que a BHE mudou sua permeabilidade à albumina, uma proteína comum existente no sangue, mas não ao fibrinogênio, imediatamente após serem irradiados por duas horas ao longo de 7 e de 14 dias com sinais de GSM de 900 MHz.

Esta pesquisa recebeu muita pressão para ser encoberta e provocou um grande alerta na imprensa e no público em geral. Mais tarde Salford tentou demonstrar indiretamente que a albumina que passou pela BHE e que se acumulou ao redor dos neurônios no fluido extracelular da coluna vertebral e do cérebro, levaria a lesões e à morte neuronal em várias áreas do cérebro (Salford 2003), e que essas lesões poderiam ser responsáveis por um déficit na memória observada em pequenos grupos de ratos irradiados (Nittby et al, 2008). Além disso, o mesmo grupo de pesquisa sugeriu haver uma relação dose-efeito entre o nível de exposição, medido por uma SAR de 0,1 a 1,2 W/m² e o aumento da permeabilidade à albumina, a qual poderia ser responsável pela morte neuronal (Eberhardt et al 2008).

De acordo com Swicord & Balzano, desde 1990 algo como 52 trabalhos investigaram experimentalmente os possíveis efeitos do RF sobre a ruptura da permeabilidade da BHE. Depois de agrupar os múltiplos resultados da mesmo laboratório em 29 estudos únicos, o resultado apontou que 11 estudos não conseguiram demonstrar tais efeitos, 10 reportaram algum tipo de efeito térmico e 8 reportaram outros efeitos, possivelmente efeitos não térmicos (27,5%). Os níveis de irradiação empregados variaram largamente entre os estudos e não foram documentados ao nível tecidual, tornando difícil a comparação entre os trabalhos. Além disso, a maioria dos trabalhos não foi controlada o suficiente para rejeitar outros possíveis fatores presentes durante o estudo, tais como manipulação do estresse ou traumas na cabeça, que são conhecidos por afetarem a BHE. A explicação mais plausível para os 8 estudos remanescentes é que eles também seriam devidos a efeitos térmicos. Por exemplo, foi demonstrado por

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Sutton & Carrol (1997) que a elevação gradual da temperatura do cérebro a 40ºC ocorreu durante uma exposição típica de ratos ao RF, devido ao crânio com ossos finos e ao pequeno tamanho desses animais, causando um aumento na permeabilidade da BHE. Esse efeito era diminuído por uma perfusão do cérebro com sangue resfriado. Merrit et al (1978) compararam os efeitos na BHE causados pelo aumento da temperatura por um jorro de ar quente incidindo sobre o crânio de animais, com a exposição ao RF, e obtiveram efeitos similares. Mais recentemente, Fritz et al (1997) e Ohmoto et al (1996) demonstraram experimentalmente que o aumento de temperatura causado pelo aquecimento do tecido cerebral pela RF poderia ser em sua maior parte a explicação para a ruptura da BHE em ratos.

Com uma exceção, os efeitos sobre a BHE não foram pesquisados em animais maiores, como cachorros, gatos ou macacos, que têm configurações cranianas mais próximas das humanas. Como a temperatura do crânio de seres humanos não muda consideravelmente quando se utiliza um telefone celular por vários minutos, como foi confirmado por estudos que utilizaram imagens funcionais obtidas por tomografia PET, não é esperado que ocorra um efeito danoso de ruptura da BHE em seres humanos.

Indução e Promoção de Câncer

Os estudos experimentais in vivo de teratogenicidade (indução e promoção de tumores ou/e neoplasias sanguíneos, tais como leucemias) representam, obviamente, uma importante linha de questionamento, uma vez que essa possibilidade dos efeitos da exposição ao RF de longo prazo abaixo dos níveis de segurança é uma das mais temidas. Isso ocorreria possivelmente devido a quebras do DNA, formação de micronúcleos, etc., induzidos por essa radiação. Esses estudos in vivo, que em sua grande maioria são realizados com pequenos roedores de laboratório, empregam varias técnicas para determinar a atividade biológica de tumores, os efeitos sobre o material genético, etc., semelhantes às relatadas na seção anterior, sobre estudos in vitro. Podem ser utilizados tanto animais sem antecedentes de tumores (estudos esses denominados de indução), quanto animais com tumores previamente induzidos por agentes cancerígenos conhecidos (promoção). A ocorrência de predecessores moleculares intracelulares de desenvolvimento de tumores é outra linha possível de pesquisa.

Inicialmente, deve se admitir que somente efeitos não-térmicos putativos da RF seriam associados à teratogênese experimental em animais, devido ao fato conhecido de que a hipertermia normalmente não aumenta o desenvolvimento de tumores (Dewhirst et al 2003). Um dos primeiros estudos experimentais em animais nessa linha foi amplamente divulgado (Chou et al, 1992) e relatou um pequeno aumento na incidência de tumores em geral em ratos irradiados por dois anos com RF. Os autores consideraram que esses resultados poderiam não ser biologicamente significantes, uma vez que a sobrevivência dos animais não foi afetada. Outro estudo de grande repercussão na época foi conduzido por Repacholi et al (1997) na Austrália, e encontrou uma incidência maior de folículos linfossômicos em camundongos transgênicos expostos ao RF por 18 meses.

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A esta altura, uma revisão da literatura sobre a indução e a promoção de câncer realizada pelo mesmo autor principal (Repacholi, 1997), concluiu que a situação era muito contraditória e inconsistente, e que mais pesquisas eram necessárias. Surgiram, porém, vários questionamentos metodológicas em relação aos parâmetros de exposição utilizados nesses primeiros estudos, e diversos estudos de replicação, como Utteridge et al. (2002) e Oberto et al (2007) não conseguiram confirmar estes resultados.

Outra investigação foi realizada por Anghileri et al. (2005), que relataram que a exposição à RF em ratos aumentou a sua mortalidade, supostamente por produzir alterações de cálcio intracelular devidas a efeitos não-térmicos, como um possível fator desencadeante. Seus resultados, entretanto, não puderam ser confirmados ou replicados por outros pesquisadores, uma vez que não deram quaisquer informações sobre os níveis de exposição, e por terem utilizado um pequeno número de animais no grupo experimental.

Seguindo a sugestão de Repacholi, foram realizadas diversas outras investigações experimentais nos anos seguintes, de modo que, em outra revisão da literatura realizada por este autor em co-autoria com Elde, em 2003, concluiu que "o peso da evidência de 18 estudos mostra que a exposição à energia de RF em baixo nível e em longo prazo não afeta a sobrevivência e a incidência de câncer em mamíferos de laboratório.".

A despeito dessa inequívoca constatação, os primeiros resultados da indução de câncer em animais continuaram a provocar uma enxurrada de outros estudos nos anos seguintes. Segundo a revisão de Swicord & Balzano (2009), 40 desses estudos foram publicados desde 1990. O tempo de exposição variou de algumas semanas a mais de dois anos, e a maioria dos estudos investigou a exposição contínua (20 a 22 horas por dia, 7 dias por semana) para as frequências de RF mais usadas nas comunicações móveis, com várias frequências e modulações de amplitude. A densidade de potência e SAR empregados na maioria dos estudos foram semelhantes às geradas por aparelhos de telefone celular perto da cabeça (1 a 4W/m2).

Apesar de ter utilizado SARs e tempos de exposição muito acima dos que usuários normais de telefonia celular estão submetidos, em termos de duração acumulada ao longo de uma vida, e tendo em conta as distribuições de RF completamente diferentes no crânios de animais experimentais, em comparação com os humanos, 92,5% dos estudos não mostraram nenhum efeito significativo sobre formação do tumor.

Sobrevivência de longa duração

Como nenhum impacto significativo em curto prazo de RF em animais pode ser confirmado, com exceção dos devidos ao intenso aquecimento do corpo e do cérebro RF, outros estudos investigaram os efeitos de exposição RF em níveis mais baixos. Em vez de procurar alterações específicas nos sistemas e órgãos, eles investigaram os efeitos prejudiciais em termos de longevidade reduzida, comparando-os aos animais não–expostos (grupo controle). Foi empregada

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Irradiação de RF crônica contínua de baixo nível, ou seja, simulando condições similares às dos organismos que vivem perto de estações rádio-base. A sobrevida média dos grupos irradiados dos animais não foi afetada em 95,8% (23 em 24 estudos), portanto, os efeitos não térmicos não puderam ser demonstrados a este nível.

Pesquisa Latino- Americana

Como esperado, encontramos apenas alguns poucos estudos publicados com RF em animais, em revistas nacionais ou internacionais revisadas por pares, todos de pesquisadores do mesmo estado brasileiro (Rio Grande do Sul).

Ribeiro et al (2007) pesquisaram os efeitos da exposição subcrônica a uma RF de 8 GHz emitida por 1 hora diária durante 11 semanas por um telefone celular GSM convencional sobre a função testicular em ratos adultos. Nenhuma diferença estatisticamente significativa foi encontrada para a temperatura retal mensurada antes e após o período de exposição, o peso dos testículos e epidídimos, os níveis de peroxidação lipídica nesses órgãos, a testosterona sérica total e a contagem de espermatozóides nos epidídimo, a fase de retenção e maturação de espermátides nos estágio sIX-X, infiltração intersticial, vacuolização celular e células gigantes multinucleadas. Os autores concluíram que a exposição não prejudica a função testicular de ratos adultos.

Ferreira et al (2006a) investigaram a ocorrência de danos cromossômicos em leucócitos em filhotes de ratos expostos intra-útero a baixos níveis de RF, como os utilizados na comunicação celular por GSM, utilizando o teste de micronúcleos. A atividade de enzimas antioxidantes, níveis totais de radicais de sulfidrila, proteínas do grupo carbonila e as espécies de ácido tiobarbitúrico foram avaliadas no sangue periférico e no fígado. Os autores observaram um aumento significativo da ocorrência de micronúcleos, mas nenhuma alteração no metabolismo oxidativo, concluindo, deste modo, que a RF teria potencial genotóxico em embriões de ratos expostos durante a embriogênese, mas com nenhum mecanismo explicável.

O mesmo grupo (Ferreira et al, 2006b) investigou o efeito da exposição aguda de RF sobre enzimas antioxidantes, lipídeos não-enzimáticos de defesa e o dano oxidativo de proteínas no córtex frontal e no hipocampo de ratos, através da realização de análises do malonildialdeído (MDA), carbonila lipídico e danos de proteínas oxidativas, respectivamente. Não ocorreram alterações em lipídeos e danos de proteínas, e também nos mecanismos de defesa não-enzimáticos no córtex frontal ou o hipocampo.

Conclusões

Os efeitos da RF parecem ser significativos apenas quando o aquecimento dos tecidos internos é alcançado em temperaturas mais elevadas, ou seja, quando o SAR e as densidades de energia eletromagnética estão muito acima dos limiares de segurança. Abaixo destes níveis nenhum aquecimento significativo ocorre, especialmente na cabeça bem protegida do ser humano.

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Era de se esperar que os efeitos observados e consistentes em animais pudessem ser explicados com base em supostos efeitos não-térmicos. Entretanto, a conclusão geral, após 20 anos de estudos de experimentação animal, é que nenhum efeito nesse sentido pode ser demonstrado até agora. Há uma ausência notável e consistente de efeitos da RF em animais intactos, pelo menos em níveis de RF abaixo dos padrões internacionais. Os poucos estudos que examinaram de forma mais bem controlada efeitos não-térmicos sobre a ruptura da permeabilidade da BHE, a indução e promoção do câncer e a sobrevida global à exposição crônica à RF concluíram por sua não existência ou que os mesmos poderiam ser explicados por efeitos térmicos não controlados.

Em suma, no que se diz respeito aos possíveis mecanismos de interação dos campos de RF, tanto in vitro e em estudos experimentais in vivo, os autores e instituições que revisaram criticamente a totalidade da literatura publicada e respeito (e.g., Swicord & Balzano, 2009 e ICNIRP, 2009), pode ser concluído que:

"A análise do banco de dados como um todo, considerando tanto a proposta de teorias físicas e os resultados de mais de 1700 publicações nos leva a concluir que não pode ser encontrado nenhum efeito não-térmico de nível baixo entre 150 MHz e 150 GHz , sendo extremamente improvável encontrar tais efeitos entre 10 MHz e 300 GHz”.

Estudos em Saúde Humana

Estudos experimentais em seres humanos

Têm sido expressadas muitas preocupações sobre as possíveis interações de RF com vários sistemas de órgãos humanos, tais como os sistemas nervoso, circulatório, reprodutivo e endócrino, particularmente as emitidas pelos aparelhos de comunicação sem fio, como telefones móveis (IEGMP, 2000). Uma forma de investigar as relações de causalidade nesta área é a realização de experimentos com seres humanos voluntários, em circunstâncias controladas (os chamados estudos de provocação). A maioria desses experimentos usa exposições a campos de RF a curto e médio prazo, dentro da mesma faixa de frequência e em níveis iguais ou abaixo dos padrões de segurança, de modo a excluir os efeitos térmicos. Portanto, eles assumem que os efeitos não-térmicos poderiam estar presentes. No presente capítulo, iremos rever a literatura recente sobre os estudos experimentais em seres humanos, com foco em determinados sistemas orgânicos. A grande maioria das pesquisas reporta o efeito de radiofrequências e modulações utilizadas em sistemas de comunicação de telefone celular, devido à sua ubiquidade em nível mundial.

Os resultados experimentais publicados até o momento têm utilizado diversos desenhos, tais como autocontrole, controles não-aleatorizados e aleatorizados, estudos de cruzamento de grupos (crossover), desenhos cegos e não-cegos, etc. (veja o Anexo I do presente relatório para uma breve explicação metodológica sobre esses desenhos experimentais). A qualidade e a força das

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provas variam muito entre estes projetos, de modo que às vezes é difícil comparar os resultados experimentais entre os diferentes estudos e chegar a conclusões inequívocas. O que temos observado também é que, apesar do grande número de estudos publicados, a proporção dos que têm projetos de alta qualidade ainda são raros na literatura sobre RF. A maioria dos estudos se concentrou em telefonia móvel, de modo que outros tipos de exposições à RF por fontes diversas, ocupacionais ou não, não foram devidamente contempladas na literatura. Além disso, devido às limitações éticas, apenas poucos sistemas de órgãos e funções foram estudados, e poucos experimentos de longa exposição em longo prazo foram concluídos, portanto pouca informação estava disponível sobre os efeitos potenciais de ação prolongada da irradiação não-ionizante (RNI).

Sistema nervoso e comportamento

Diversas revisões da literatura sobre exposição aguda de RF sobre o sistema nervoso dos seres humanos têm sido publicadas (por exemplo, IEGCP, 2001, Valentini et al, Hossmann & Hermann 2003; D'Andrea et al, 2003a e 2003b 2007). Os estudos experimentais mais frequentes das funções do sistema nervoso central (SNC) podem ser classificados nos seguintes grupos:

Atividade elétrica do cérebro, espontânea ou induzida por estimulação, como o eletroencefalograma (EEG) e potenciais relacionados a eventos (PRE);

Fluxo sanguíneo e o metabolismo do tecido neural; Cognição e atenção, tempo de reação; Sono e vigília.

D'Andrea et al (2003a e 2003b) analisaram os efeitos da exposição à RF sobre o sistema nervoso em geral, e sobre o comportamento e a cognição. Eles descobriram que é difícil estabelecer um conjunto coerente de conclusões sobre os perigos para a saúde humana, devido a variações entre os estudos, incluindo parâmetros de exposição, tais como frequência, orientação, densidade de potência e duração da exposição.

São reais e bem documentadas as consequências comportamentais e neurais adversas e não-adversas da exposição à RF de alta potência, com energia suficiente para induzir efeitos térmicos no interior do cérebro humano (Goldstein et al, 2003), e têm servido como uma base firme para o estabelecimento das normas e limites de segurança desde a década de 1980.

A hipertermia, é claro, tem vários efeitos deletérios sobre o tecido nervoso em geral e nos nervos periféricos, em particular, de modo que a exposição de alto nível em acidentes de trabalho pode promover lesões reversíveis e irreversíveis. Em uma revisão dos efeitos dos CEM sobre a dor, Westerman & Hocking (2003), encontraram em estudos de vários casos, que após exposições de alto risco, os nervos podem ser gravemente feridos, resultando em disestesia. Felizmente, apenas uma pequena proporção de pessoas expostas de forma similar desenvolveu sintomas.

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No entanto, a primeira pergunta deveria ser: há um efeito de aquecimento de irradiação de RF de baixo nível na cabeça? A maioria dos usuários relata subjetivamente uma sensação de aquecimento na pele do rosto e da orelha após alguns minutos de uso de um celular padrão próximo à cabeça. Este aumento foi objetivamente determinado como sendo da ordem de 2 a 3 graus C após 6 minutos de uso, a maior parte devido ao calor aprisionado por segurar o telefone com um suporte de plástico em contato com a cabeça e não por absorção de RF dentro da cabeça (Anderson & Rowley, 2007). Estudos experimentais utilizando termografia de alta precisão em ambos os lados da cabeça de voluntários, no entanto, mostraram que o isolamento, o aquecimento por correntes de bateria e a dissipação de energia elétrica do aparelho levaram a um aumento estatisticamente significativo na temperatura da pele, enquanto que a exposição à RF não (Straume et al, 2005).

Uma maneira de se documentar isto no interior da cabeça e nas meninges e parênquima cerebral seria a realização de estudos de imagem cerebrais funcionais que registram as respostas do fluxo sanguíneo cerebral regional (FSCr) respostas utilizando PET (Tomografia de Emissão de Pósitrons).

No PET, a formação de imagens 2D e 3D do material radioativo de curta meia vida incorporado aos glóbulos vermelhos permite realizar este cálculo, através do mapeamento de resolução média, ou seja, ele é capaz de mostrar a localização das alterações de aumento do fluxo sanguíneo devido ao aumento local da temperatura. Haarala et al (2002) e Aalto et al (2004) foram os primeiros a usar essa abordagem. Eles demonstraram uma diminuição de FSCr no lobo temporal, perto da antena do telefone, e um pequeno aumento em uma área bem mais distante, o córtex frontal. Huber et al (2005) também investigaram em homens jovens saudáveis o efeito de exposições típicas a estações rádio-base e a telefones sobre as imagens do PET, e observaram um aumento no FSCr no córtex pré-frontal dorsolateral do lado de exposição. Somente a exposição de RF compatíveis com telefones afetou os o FSCr.

Este parâmetro pode refletir dois fenômenos, no entanto: aquecimento local, com o consequente aumento no fluxo sanguíneo de compensação, ou um aumento na atividade funcional do tecido nervoso, o que leva também a níveis locais aumentados de FSCr. Uma vez que outras áreas do córtex não foram ativadas, provavelmente o estudo PET refletiu uma mudança funcional em uma área relacionada ao processamento emocional e não a um aquecimento localizado. Se o aquecimento provocado pela proximidade da fonte de RF fosse observado, então esperar-se-ia observar-se um gradiente de temperatura que emana de pontos mais próximos da fonte diminuindo ao longo de um trajeto pelo couro cabeludo, crânio, meninges e, em seguida, o tecido cerebral adjacente à fonte de emissão perto das orelhas. Este gradiente correlaciona-se bem com os estudos termográficos da superfície da cabeça e do osso temporal, mas não dentro do tecido cerebral.

Finalmente, uma das questões de pesquisa mais importantes é saber se os níveis de RF abaixo das que produzem efeitos térmicos podem induzir alterações no sistema nervoso e suas atividades. D'Andrea et al (2003)

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concluíram que, pelo menos durante o período em análise, não existiam provas concretas para tais efeitos subtermais e que quase todas as provas estavam relacionadas com a geração de calor nos tecidos nervosos.

Cognição, memória e atenção

Um pequeno número de experimentos foi realizado antes de 2000 (Preece et al. 1999, Koivisto et al, 2000, 2001) e foi analisado em pormenores pelo chamado Relatório Stewart (IEGCP, 2001). O objetivo desses estudos foi detectar os efeitos deletérios de campos de RF nas funções cognitivas, tais como sobre o tempo de reação, memória de longo prazo, atenção, concentração, e outros.

Existem vários métodos confiáveis para registrar e quantificar essas variáveis comportamentais e cognitivas utilizando técnicas padronizadas, instrumentadas ou computadorizadas. Estas experiências registraram um grande conjunto de tais variáveis (14 a 30) em indivíduos, utilizando um desenho experimental do tipo crossover e um baixo nível de densidade de potência de radiação, usando telefones celulares utilizados perto da cabeça.

Pequenas diferenças foram observadas durante a irradiação, em comparação com a exposição fictícia, em uma ou duas variáveis, tais como o tempo de reação simples, uma tarefa de subtração mental e uma tarefa de vigilância. Surpreendentemente, em todos eles a RF diminuiu os tempos de processamento cognitivo e de atenção, tais como uma diminuição consistente no tempo de reação (TR) de até 20-36 milissegundos, que é considerada muito significativa, sem uma redução na precisão em detrimento da velocidade, e às vezes com um aumento na precisão.

Ambos os grupos de pesquisadores sugeriram que a exposição aos sinais de telefonia móvel em níveis de energia dentro das diretrizes de exposição existentes demonstrou efeitos biológicos que foram de magnitude suficiente para influenciar o comportamento. Propuseram que o provável mecanismo poderia ser o efeito de pequenos aumento da temperatura sobre a transmissão sináptica na região do córtex cerebral diretamente sob a antena do fone de ouvido (estudos utilizando tomografia PET, entretanto, mostraram que essas variações não ocorrem, por exemplo, Huber et al., 2005). Outros estudos forneceram mais dados a favor da existência desse efeito sobre a atenção. Por exemplo, Papageorgiu et al (2006) relataram que a RF emitida por telefones celulares afeta o processamento da informação pré-atencional, a partir da observação do componente do potencial evocado chamado P50.

Um número significativo de estudos contraditórios existe, no entanto, especialmente quando se utiliza estudos experimentais bem projetados, como a exposição diferenciada para ambos os lados da cabeça, e desenhos duplo-cego aleatorizados. Sob estas condições Haarala et al, (2004, 2005, 2007), Curcio et al (2008), Besset et al (2005), Krause et al. (2007) e Russo et al (2006) não encontraram nenhuma evidência de um efeito diferencial da exposição aos sinais de telefonia móvel na memória cognitiva, e várias tarefas de atenção, incluindo o primeiro estudo por Preece e Koivisto e dos grupos de

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Papageorgiu. Haarala et al (2005) concluíram que um telefone móvel padrão não tem nenhum efeito sobre as funções cognitivas das crianças, se elas são medidas pela velocidade de resposta e precisão. Também usando adolescentes, Preece et al (2005) não foram capazes de reproduzir as suas próprias experiências de 2001, negando a evidência para efeitos cognitivos de telefones celulares. Foi sugerido pelos revisores que, embora em alguns estudos as respostas tenham sido obtidas em um tempo menor, isso não deve ser interpretado como um efeito benéfico de telefones celulares, já que poderiam ser prejudiciais em situações mais complexas. Além disso, uma vez que nenhum experimento de longo prazo, foi realizado, há pouca relevância de tais estudos para a questão da utilização do telefone celular ser prejudicial à saúde. Também estão faltando estudos em crianças (Sienkiewicz et al, 2005) Eletrofisiologia e Sono

Foram realizados vários estudos eletrofisiológicos sobre os efeitos dos campos de RF aguda no EEG humano e ERP, com resultados modestos. Alguns estudos foram incapazes de demonstrar qualquer efeito, enquanto outros relataram efeitos leves sobre estes parâmetros, principalmente por alterações sutis de algumas partes do espectro do EEG. Por exemplo, d'Costa et al (2003), Huber et al (2002) e Curcio et al (2005) fizeram experimentos cegos de exposição aguda para comprovar se a potência espectral do EEG da vigília em repousa era influenciada, e todos encontraram um pequeno aumento na banda alfa. Este efeito foi recentemente confirmado por um projeto de cruzamento duplo-cego contrabalançado com 120 voluntários (Croft et al. 2008). A modulação do pulso de RF foi necessária para induzir mudanças de EEG no acordar e dormir. Loghran et al (2005) mostraram uma rápida diminuição da latência do sono do movimento de olho e aumento de potência espectral do eletrencefalograma na faixa de frequência 11,5-12,25 Hz durante a parte inicial do sono após a exposição. Outros estudos mostraram que a RF de telefones celulares induziram relaxamento leve mais rapidamente e uma indução ao sono REM (que é associada a sonhar em humanos) no primeiro período de sono, sem efeitos negativos sobre a saúde do sono.

Estudos experimentais mais recentes, utilizando melhor metodologia, como modelos de controle, duplo cego e duplo cruzamento, determinaram que, embora esses efeitos no EEG existem, são bastante modestos e que "os efeitos no EEG foram variados, não sistemáticos e inconsistentes com relatórios anteriores. Os efeitos da RF no cérebro de respostas oscilatórias pode ser sutil, variável e difícil de replicar por razões desconhecidas "(Krause et al. 2007, Hinrikus et al, 2004).

Em relação aos estudos anteriores que, aparentemente, haviam mostrado efeitos sobre o sistema nervoso (cognição, EEG e sono), a revisão de 2001 do Relatório Stewart sugeriu que a "exposição aos sinais de telefonia móvel em níveis de exposição que se inserem nas normas de exposição existentes têm efeitos biológicos que sejam de magnitude suficiente para influenciar o comportamento. O mecanismo causal não é claro, mas poderia incluir um

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pequeno efeito de aquecimento localizado. A questão dos efeitos sobre a segurança de telefones celulares é incerta."

Em outra revisão da literatura da década anterior, Valentini et al (2007) concluíram também que a RF poderia influenciar a fisiologia normal através de pequenas alterações na excitabilidade cortical. A importância destes resultados para a saúde dos usuários é desconhecida, e há considerável controvérsia sobre sua existência e significado, uma vez que estudos melhor controlados, realizados em 2007 e 2008 foram incapazes de fornecer qualquer confirmação. Variáveis não controláveis e flutuações aleatórias devido a pequenas amostras podem ser responsáveis por respostas positivas observadas. Assim, a proposta de um mecanismo específico agora parece injustificada.

Até mesmo essas conclusões foram contestadas por estudos mais recentes, duplo-cegos e com melhores formas de controle. Por exemplo, Inomata-Terada et al (2008) investigaram se a RF pulsada emitida por um telefone móvel teria efeitos a curto prazo sobre o córtex motor humano, através da medição de potencial evocado motor (PEM) provocado por um único pulso de estimulação magnética transcraniana (EMT), antes e depois da exposição ao telefone celular (ativos e falsos). Nenhum efeito à curto prazo foi detectado.

Em relação ao sono, Mann & Röschke (2004) revisaram a literatura científica sobre os efeitos dos campos de RF. Encontraram vários estudos anteriores que revelaram uma série de efeitos leves de indução ao sono e um aumento do poder de ondas alfa do sono no EEG, induzidas por RF, que eram consistentes com os experimentos de EEG de repouso. Eles concluíram, no entanto, que "no nível atual dos conhecimentos, nenhuma conclusão definitiva pode ser tirada a partir dos dados disponíveis sobre os perigos para a saúde. Embora pareça ter havido alguns efeitos biológicos, estes não constituem prova de quaisquer consequências adversas à saúde."

Uma demonstração de tais efeitos para o uso intenso de celulares durante o dia teria consequências potenciais em termos de saúde, já que o sono é muito importante para bem-estar geral e sua interrupção poderia levar ao comprometimento das funções cognitivas, da memória e estresse.

Estudos melhor elaborados e recentes têm sido incapazes de provar qualquer efeito da exposição de baixo nível de RF de telefones celulares sobre a função do sono. Fritzer et al (2008) investigaram o efeito da exposição, durante seis noites, não só sobre os parâmetros de sono avaliados pela polissonografia, mas também sobre uma série de testes neuropsicológicos. A análise dos dados foi feita através da comparação da linha de base do sono noturno com a primeira e última noite da exposição e os dois primeiros ciclos do sono das noites respectivas. Eles não encontraram "um efeito significativo, tanto nos parâmetros convencionais de sono no EEG ou espectros de potência e dimensão de correlação, bem como sobre as funções cognitivas." Sua opinião foi de que "estudos do sono realizados previamente renderam resultados inconsistentes quanto à exposição à curto prazo. Além disso, faltam dados sobre o efeito que a exposição a curto e a longo prazo podem ter sobre o sono, bem como sobre as funções cognitivas".

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Outros resultados negativos foram relatados por Kleinlogel et al (2008) para EEG e potenciais evocados relacionados a eventos, e tarefas visuais, auditivas e de atenção, em um estudo randomizado, cruzado e duplo-cego.

Uma possível explicação para ligeiras alterações nos níveis de consciência, tempo de reação e processamento cognitivo tem sido deixadas de lado e mereceriam mais investigação, por ex., a possibilidade de algumas pessoas terem mais sensibilidade à formas mais sutis que emana dos dispositivos que emitem RF real, quando comparadas ao fictícios.

Isso poderia ser por exemplo, um ultrassom vibratório, uma sensibilidade da pele à temperaturas mais altas, ou outro. Já foi provado que pessoas mais jovens tem um limiar auditivo para frequências de som com uma frequência mais alta (acima de 24 kHz) do que outras pessoas, as quais podem introduzir um viés nos resultados (Corso, 1963).

Ficou provado, também, que um fenômeno chamado de "escuta de micro-ondas" pode ser observada em alguns animais e seres humanos. Aparentemente, ele está relacionado à expansão dos fluidos do ouvido interno provocada pelo aquecimento e isso pode explicar uma série de efeitos positivos comportamentais e neurológicos relacionados com a atenção, tanto em animais quanto em seres humanos.

Sistemas de visão, audição e vestibular

Existem poucos estudos experimentais publicados nessas áreas. Dois médicos brasileiros, Balbani & Montovani (2008) revisaram a literatura sobre celulares, audição e sistema vestibular. Eles argumentam que, uma vez que os celulares estão muito próximos ao ouvido do usuário, à pele, orelha interna, nervo coclear e da superfície do lobo temporal, pode-se absorver uma parte da sua energia de radiofrequência, e então alguns efeitos poderiam ser esperados. Além disso, um aumento da temperatura dos fluidos internos do aparelho vestibular, teoricamente, poderia induzir respostas neurais nas células receptoras, tais como vertigem e nistagmo. Vertigem é uma das queixas mais frequentes feitas por pessoas que alegam ser hipersensíveis à RF emitida por telefones celulares. A proximidade de um telefone celular para o olho humano também levanta a questão de saber se a RF poderia afetar as funções visuais.

No sistema auditivo, Uloziene et al (2005) investigaram os efeitos agudos da RF na percepção auditiva, usando audiometria padrão para avaliar a audição. Eles concluíram que a exposição a 10 min de FR emitida a partir de um telefone celular não tinha efeito imediato após a medição e nenhuma deterioração auditiva mensurável foi detectada. A exposição foi muito curta, porém, e a deterioração auditiva pode ser observada apenas após estimulação a longo prazo com altas intensidades de som, então nenhum efeito possível foi detectado por essas experiências. Em outros estudos com respostas auditivas evocadas e respostas audiométricas evocadas no cérebro (BERA), uma medida mais objetiva da integridade do sistema auditivo, Hamblin et al (2006), Stefanics et al (2007), Cinel et al (2007), Oysu et al (2005) e Sievert et al

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(2005), avaliaram os efeitos a curto prazo das emissões de celular sob condições normais de uso sobre o potencial evocado auditivo, do limiar auditivo e RAEC, respectivamente. Nenhum dos estudos encontrou qualquer efeito significativo.

No sistema vestibular, Sievert et al (2007) empregaram gravações videonistagmográficas, BERA e gravações de emissões otoacústicas, com e sem um telefone celular em uso. Investigações termográficas sugeriram que o celular não induz qualquer aumento da temperatura que levaria a um estímulo relevante para o sistema auditivo e vestibular e que RFs geradas usando o telefone celular não têm um efeito sobre o ouvido interno e sistema auditivo no colículo inferior, no tronco e nos receptores vestibulares no ouvido interno e sistema vestibular. Em outro artigo (Pau et al, 2005), o mesmo grupo registrou elevação da temperatura intratemporal do osso durante o uso do telefone celular e não consegui achar nenhum valor acima de apenas 0.10 C, sugerindo que o transmissão de potência RF do telefone celular não é suficiente para provocar um aquecimento significativo. Mais recentemente, Bamiou et al (2008) também relataram não encontrar quaisquer efeitos de 30 min de exposição à radiação GSM sobre a função vestibular, usando emissões otoacústicas transitórias evocadas (EOTE) e vídeo-oculografia (VOG).

Na revisão da literatura por Balbani & Montovani (2008) concluiu-se que a exposição aguda os sinais de RF do telefone celular não influenciam a função das células externas cocleares in vivo ou in vitro, nem as propriedades elétricas do nervo coclear, e nem a fisiologia do sistema vestibular em seres humanos. Não parece haver nenhuma evidência de lesão cócleo-vestibular causada por telefones celulares.

No sistema visual, Schmid et al (2005) testaram 58 voluntários humanos para quatro diferentes parâmetros da função visual, utilizando-se um estudo duplo-cego, cruzado, e não encontraram diferenças estatísticas entre os agudamente expostos e não expostos. Eles mediram a distribuição de densidade de potência no córtex visual, e determinaram que, na condição de alta exposição média dos sujeitos testados, a absorção de radiação pelo córtex do lobo temporal esquerdo do cérebro foi de 0,63 W/kg (SAR de 1 g em média) e 0,37 W/kg (SAR de 10 g em média). A condição de baixa exposição foi de um décimo da exposição mais alta, e a fictícia pelo menos 50 dB (correspondente a um fator de 100.000) abaixo da baixa exposição. Irlenbusch et al (2008) investigaram um parâmetro sensível da função da retina, o limiar de discriminação visual (VDThr). Nenhuma diferença estatisticamente significativa na VDThr foi encontrada na comparação dos dados obtidos para exposição RF com os de exposição fictícia. Nenhuma pesquisa experimental publicada em revistas importantes abrangidas pelo MEDLINE foi encontrada em relação aos sentidos dos sistemas químicos (paladar e olfato) em relação à exposição à RF. Sistema endócrino O sistema endócrino é particularmente sensível a vários agentes ambientais

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físicos, e a radiofrequência com potências elevadas poderiam provocar o aquecimento e afetar adversamente as glândulas endócrinas (Black & Heinick, 2003). As ações de ondas eletromagnéticas de alta frequência poderiam teoricamente ser mediadas de duas maneiras: primeiro, por ação direta sobre o tecido glandular e, segundo, pela ação sobre o cérebro basal e hipófise (ou glândula pituitária), modificando a secreção de fatores de liberação hipotalâmicos e/ou hormônios secretados pela neuro- ou adeno-hipófise. Em qualquer caso, as glândulas alvo, como a tiróide, córtex adrenal, ovários e testículos poderiam ser afetados. O hormônio do crescimento, prolactina, oxitocina, ADH e outros poderiam ser afetados também.

Existem muitos estudos com animais experimentais, mas são raros estudos com voluntários humanos utilizando densidades de baixo nível de energia abaixo dos níveis de segurança da ICNIRP.

Djeridane et al (2008) investigaram o efeito da exposição a RF segundo o padrão GSM de 900 MHz sobre os padrões de secreção de hormônio em homens saudáveis, como esteróides (cortisol e testosterona) e hormônios da hipófise (hormônio estimulante da tiróide, hormônio do crescimento, prolactina e adrenocorticotropina) níveis. A exposição foi diária, durante um mês os hormônios foram medidos por amostras de sangue a cada hora antes do início, no meio e no final do período de exposição. O estudo relatou que todas as concentrações de hormônio permaneceram dentro dos padrões normais fisiológicos, e que os perfis circadianos não foram interrompidos. Para o hormônio de crescimento e cortisol, houve quedas significativas de cerca de 28% e 12%, respectivamente, 2 e 4 semanas após a exposição, mas nenhuma diferença persistiu no período pós-exposição, portanto outros fatores de RF poderiam ser responsáveis por isso (nenhum grupo controle foi criado).

Nenhum efeito perturbador foi encontrado na secreção de melatonina pela exposição a celulares GSM (Bortkiewicz et al 2002, de Seze et al, 1999).

As evidências científicas disponíveis parecem indicar, portanto, que não há efeitos da RF de baixo nível sobre as funções endócrinas nos seres humanos.

Sistema cardiovascular

Apesar de alguns experimentos terem sido realizados em conexão com os possíveis efeitos de RF não-ocupacionais de baixo nível, emitidos principalmente por aparelhos de telefone celular (Braune et al, 1998), a conclusão geral é que não há nenhuma evidência documentada de efeitos sobre a frequência cardíaca e a pressão arterial.

Em um estudo duplo-cego, cruzado, Barker et al (2007) estudaram a pressão arterial média (PAM), a variabilidade da frequência cardíaca (VFC) e os níveis de catecolaminas plasmáticas em voluntários saudáveis. Apesar do alto poder estatístico do estudo, que poderia discriminar mudanças de 1 mmHg na PAM, não houve diferença entre os grupos expostos e não expostos ao GSM e celulares TETRA.

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Nam et al (2007) não encontraram diferenças em vários parâmetros cardiovasculares entre adolescentes expostos e não expostos a telefones celulares emitindo RF pelo padrão CDMA (pressão arterial sistólica e diastólica, frequência cardíaca, respiração, impedância cutânea), com exceção de uma ligeira diminuição de impedância da pele.

A variabilidade da frequência cardíaca (VFC), uma medida da atividade do sistema nervoso autônomo, não se alterou significativamente em adultos expostos (Ahamed et al, 2008; Parazzini et al., 2007). Como esses dados foram observados em recém-nascidos dentro incubadoras, é provável que os resultados tenham sido o resultado dos campos eletromagnéticos relativamente intensos produzidos por bombas elétricas e motores das incubadoras, e não pelo celular (Bellieni et al, 2008). Estes dispositivos emitem muitos tipos de campos de RF, variando de extremamente baixa (50 a 60 Hz) à alta frequência, com diferentes contribuições e energias.

A Síndrome da Hipersensibilidade Eletromagnética A energia eletromagnética fora do espectro visível e infravermelho não é, em circunstâncias normais, detectada pelos seres humanos, pois não temos receptores especializados para transduzir diretamente às suas frequências específicas. Além disso, os dispositivos utilizados pelo público, tais como pagers, telefones sem fio, rádios bidirecionais e telefones celulares transmitem a níveis muito baixos (no padrão GMS, um típico telefone celular moderno com UMTS habilitado tem uma potência de irradiação de apenas 250 a 300 mW). Os sinais de radiofrequência transmitidos por via hertziana terrestre e por satélite de rádio e TV têm densidades de energia muito baixas ao nível das habitações humanas, assim como como as estações rádio-base digitais e os pontos de acesso sem fio (normalmente alguns W/cm2).

Apesar disso, um subgrupo da população reporta que existem indivíduos que são sensíveis a estes campos de RF, alegando serem capazes de detectar quando eles estão perto deles, ou que podem discriminar quando um telefone celular é ligado ou desligado. Este fenômeno tem sido chamado de hipersensibilidade eletromagnética e não é necessariamente prejudicial a essas pessoas.

O fenômeno patológico a este respeito é constituído de indivíduos que, sendo sensíveis ou não, relatam uma série de sintomas subjetivos angustiantes durante e depois de usar um telefone celular e outros emissores de dispositivos de radiofrequência, ou quando estão perto de um local de antena de RF. Estes sintomas são muito inespecíficos e estão presentes em muitas doenças, tais como resfriados e sintomas de gripe (dor de cabeça, náuseas, fadiga, dores musculares, mal-estar, etc.) Na ausência, até agora, de um mecanismo para explicá-los e de um nexo causal indiscutível em relação à radiação RF, esta constelação foi inicialmente denominada síndrome de hipersensibilidade eletromagnética, ou SHE, mas recentemente a Organização Mundial de Saúde, em um workshop dedicado ao estudo neste tópico, decidiu mudar o nome para Intolerância Idiopática Ambiental com Atribuição à Campos Eletromagnéticos (IEI-EMF). O novo nome o posiciona dentro de uma gama de outras

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intolerâncias ambientais reconhecidas provisoriamente a agentes ambientais químicos e físicos, com ou sem uma etiologia comprovada. Na verdade, o fenômeno foi considerado grave e prevalente o bastante para ser convocada uma conferência internacional em Praga, República Tcheca, em 2004, para examinar e discutir o assunto (Suave et al, 2004). Mais recentemente, um país (Suécia) reconheceu a existência do fenômeno da IEI-EMF e passou a realizar pagamentos financiados pelo Estado para alguns trabalhadores que se auto-declararam sofrer de IEI-EMF (Grandlund-Lind & Lind, 2004).

A prevalência da sensibilidade idiopática à EMF não parece ser pequena: Eltiti et al (2006), em uma pesquisa realizada no E.U.A. informou que 4 em cada 100 pessoas relatam ser eletrossensiveis, e que essas pessoas sofrem com mais frequência de problemas de saúde que a população em geral. Na Suíça, Schreier et al (2006) encontraram uma prevalência de 5%. As queixas de saúde mais frequentes foram os distúrbios do sono (43%) e dores de cabeça (34%), as quais foram atribuídas principalmente a linhas de energia e telefones celulares. Além disso, 53,5% estavam preocupados com os efeitos adversos para EMF, sem atribuir seus sintomas de sua própria saúde. O fenômeno é real, e a qualidade de vida dessas pessoas sofre muito com sintomas debilitantes, a ponto de trabalho e lazer tornarem-se difíceis (Bergqvist & Vogel, 1995, Irvine, 2007).

Vale ressaltar que tais sintomas inespecíficos são muito comuns em muitas doenças e são extremamente prevalentes na população. O problema é que a maioria dos estudos bem conduzidos tem mostrado que no geral, não há associação entre exposição à RF e aos sintomas da IEI-EMF. Em uma revisão sistemática de 13 investigações sobre o fenômeno realizadas entre 2000 e 2004 (Seitz et al, 2004) chegou-se à conclusão de que "com base em estudos limitados, não há provas válidas para uma associação entre o bem-estar danificado e a exposição à radiação de celulares atualmente. No entanto, a quantidade limitada e a qualidade da investigação nesta área não permitem excluir definitivamente os efeitos a longo prazo na saúde".

Na meta-análise mais recente, realizada por Röosli (2008), os resultados de sete estudos experimentais foram agrupados, e a conclusão foi de que "não havia nenhuma evidência de que indivíduos que se auto declararam portadores de IEI -EMF podiam detectar a presença ou ausência de campos eletromagnéticos de RF melhor do que as outras pessoas. Há pouca evidência que a exposição a curto prazo a um telefone móvel ou estação rádio-base provoquem sintomas, com base nos resultados de oito estudos aleatorizados investigando 346 indivíduos com IEI-EMF e 194 normais em um laboratório. "

A mais recente revisão sistemática de todos os estudos também concluiu que a exposição a campos electromagnéticos não está associada com sintomas de de IEI-EMF (Rubin, 2009). Assim, parece que a partir das evidências disponíveis, a maioria das incertezas de IEI-EMF foram reduzidas e o fenômeno é amplamente considerado hoje como sendo devido a outros fatores, uma conclusão do relatório de 2004 da OMS sobre IEI-EMF (Suave et al, 2004):

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 "A maioria dos estudos indica que indivíduos com IEI não podem detectar qualquer exposição de CEM com mais precisão do que indivíduos não-IEI. De um modo geral, estudos duplo-cegos bem controlados e realizados mostraram que os sintomas não parecem estar correlacionados com a exposição a CEM. Há também alguns indícios de que estes sintomas podem ser devido a condições psiquiátricas preexistentes, bem como reações de estresse, por acreditar nos efeitos da FEM sobre a saúde, em vez da exposição aos CEM em si. Foi acrescentado que a IEI não deve ser utilizada como um diagnóstico médico, já que não existe atualmente nenhuma base científica para ligar os sintomas IEI a exposição aos CEM.”

Os peritos da OMS recomendaram também na mesma reunião que as vítimas do IEI-EMF deveriam receber tratamento médico para as suas condições, mesmo que o nexo de causalidade com a RF não tenha sido estabelecido. Isto deve incluir uma avaliação médica para identificar e tratar quaisquer condições específicas que possam ser responsáveis pelos sintomas, uma avaliação do local de trabalho e de casa quanto aos fatores que podem contribuir para os sintomas (poluição do ar, ruído excessivo, iluminação deficiente, etc.) e uma avaliação psicológica para identificar alternativas psiquiátricas e condições psicológicas.

Comentários sobre os resultados da experimentação humana É notável a mudança que ocorreu na opinião de especialistas sobre os supostos efeitos da RF sobre a saúde abaixo dos níveis de segurança, nos últimos cinco anos. Até o final de 2001, um grupo de especialistas muito respeitado no Reino Unido, o Independent Experts Group on Mobile Phones (IEGMP), emitiu uma extensa revisão da literatura, a qual foi prontamente denominada de Relatório Stewart, devido ao nome do seu coordenador. O relatório causou grande impacto na imprensa especializada bem como nos meios de comunicação de massa. O relatório fez um apelo para a adoção de abordagens mais rigorosas de precaução por parte do governo e do público, expressando a opinião de que:

 “O balanço das evidências até o momento sugere que a exposição à radiação de RF abaixo das diretrizes da ICNIRP e do NRPB não causam efeitos adversos à saúde para a população em geral. Há agora evidências científicas, no entanto, que sugerem que pode haver efeitos biológicos que ocorrem em níveis inferiores a estas diretrizes. Isso não significa necessariamente que esses efeitos levam a doenças ou lesões, mas a informação é potencialmente importante e nós consideramos as implicações a seguir. Não é possível, neste momento, dizer que a exposição à radiação de RF, mesmo em níveis abaixo das diretrizes nacionais, é totalmente desprovida de potenciais efeitos adversos para a saúde, e que as lacunas no conhecimento são suficientes para justificar uma abordagem de precaução. Concluímos que o balanço das evidências indica que não há risco para a saúde geral das pessoas que vivem perto das estações rádio-base, com base nas exposições que

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devem ser pequenas frações das normas de proteção. No entanto, pode haver efeitos indiretos negativos sobre o seu bem-estar em alguns casos. "

Uma vez que os níveis de radiação de RF em que as investigações foram feitas estavam abaixo dos níveis internacionais, que são considerados seguros, ou seja, sem que o aquecimento dos tecidos seja possível, o Relatório Stewart foi efetivamente o primeiro a sugerir que poderia existir uma ação não-térmica da RF de magnitude suficiente para provocar efeitos observáveis.

Nos anos seguintes, no entanto, foram realizados diversos estudos experimentais em seres humanos, com melhores formas de controle experimental, que levaram à refutação da maioria das conclusões do IEGMP, não apoiando a hipótese de um eventual efeito não-térmico como a causa de efeitos adversos da RF à saúde. As evidencias cientificas atuais apontam para a inexistência de efeitos adversos nos seres humanos abaixo dos limiares térmicos, sem influências perigosas no bem estar dos usuários e não-usuários de telefones celulares e das pessoas que vivem perto de antenas de estações rádio-base, e que não há nenhuma evidência convincente para a existência de alterações cognitivas, comportamentais e neurofisiológicas significativas para a saúde dos usuários.

Diversas organizações nacionais e internacionais revisaram os efeitos dos CEM-RF sobre a saúde humana recentemente. A fonte mais fidedigna, a Organização Mundial de Saúde, lançou em 2010 a seguinte declaração em relação a isso:

Organização Mundial da Saúde (2010) – Fact Sheet No. 193http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs193/en/index.html

"Um grande número de estudos investigou os efeitos dos campos de radiofrequência na atividade elétrica do cérebro, na função cognitiva, no sono, na frequência cardíaca e pressão arterial em voluntários humanos. Até o presente, essas investigações não sugere nenhuma evidência consistente dos efeitos adversos para a saúde da exposição a campos de radiofrequência em níveis abaixo daqueles que causam aquecimento dos tecidos. Além disso, as pesquisas não foram capazes de fornecer suporte a uma relação de causalidade entre a exposição aos campos electromagnéticos e os sintomas auto-relatados, ou "hipersensibilidade electromagnética".

Estudos experimentais em seres humanos na América Latina

Nós não encontramos qualquer estudo experimental humano significativo sobre os efeitos dos campos de RF na saúde humana na América Latina.

Principais Conclusões e Declaração do Grupo Latino-Americano de Especialistas sobre Estudos em Seres Humanos

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Estudos experimentais com seres humanos foram realizados com o intuito de investigar possíveis efeitos agudos dos campos de RF, especialmente aqueles emitidas por telefones móveis em íntimo contato com o corpo humano, em diversos sistemas orgânicos de voluntários humanos saudáveis. A maioria dos estudos de boa qualidade não apresentaram resultados danosos significativos, ou então relataram alterações pouco significativas nos parâmetros fisiológicos e comportamentais de interesse. No sistema nervoso, muitas funções cognitivas e comportamentais foram investigadas, tanto em crianças como em adultos, e é agora amplamente aceito que não existem efeitos significativos do uso de telefone celular sobre parâmetros cognitivos e comportamentais. Em relação às alterações no EEG de repouso, embora os estudos iniciais tenham mostrado um leve aumento na frequência alfa e no sono REM, estudos mais recentes e melhor concebidos utilizando a polissonografia não puderam demonstrar qualquer efeito sobre o EEG e os padrões de sono. Outros efeitos investigados da RF de baixo nível emitidas pelos telefones celulares nos sistemas sensoriais, tais como dor, visão, audição e os sistemas vestibulares, bem como sobre os sistemas endócrino e cardiovascular foram todos negativos, ou seja, sem evidência demostrada. Podemos concluir, portanto, que à exceção de pequenas variações inconclusivas no desempenho de tarefas cognitivas e de EEG, a exposição dos usuários de telefones celulares dentro da escala normal de intensidade e frequência não afeta o sistema nervoso central estruturalmente ou funcionalmente.

Pelo fato do cérebro ser o órgão mais próximo da antena de um telefone celular em uso junto ao ouvido, ele seria teoricamente o mais afetado pela radiação não-ionizante emitida pelo mesmo, tanto pelos efeitos térmicos quanto não-térmicos. No entanto, apesar de sua conhecida sensibilidade a agentes físicos e químicos externos, tal fato, apesar de ter sido extensamente estudado pela ciência, não foi comprovado, o que nos permite inferir que outros órgãos, mais distantes da fonte de radiação, também não o seriam.

Mesmo nos estudos que foram capazes de demonstrar um efeito moderado, estes não foram prejudiciais à saúde, e sua importância na exposição a longo prazo não pôde ser verificada. Estudos utilizando imagem funcional do cérebro e termografia profunda têm mostrado que não existe aquecimento significativo causado diretamente pela irradiação RF, tanto no osso como no cérebro.

Em relação à chamada síndrome de hipersensibilidade eletromagnética, a conclusão é que indivíduos que se auto denominam sensíveis não conseguem detectar exposição à RF mais do que indivíduos insensíveis, e que seus sintomas não são devidos à exposição a RF, mas sim a outros fatores.

Estudos Epidemiológicos

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Devido às dificuldades éticas e metodológicas dos estudos de exposição a campos eletromagnéticos a longo prazo nos seres humanos utilizando abordagens experimentais, os pesquisadores têm recorrido a observação, ou seja, a estudos epidemiológicos (Repacholi & Cardis, 1997). O objetivo dos estudos epidemiológicos é testar estatisticamente se há um nexo causal entre a exposição a um agente ambiental e seus efeitos sobre o suposto estado de saúde dos indivíduos expostos. Eles usam estudos especialmente concebidos que tentam determinar associações entre variáveis independentes (nível de exposição) e determinadas variáveis dependentes (estado de saúde, o desenvolvimento ou agravamento de uma doença, etc) através da coleta de dados a partir de amostras da população. Os três desenhos de pesquisa mais utilizados são os de coorte ou longitudinais, de caso/controle e os transversais. Além disso, em relação à comunicação sem fio baseada em RF, existem duas situações de exposição diferentes: a RF em campo afastado, emitidos por antenas das estações rádio-base, pontos de acesso WiFi, etc., e a RF em campo próximo, emitida por dispositivos portáteis (por exemplo, telefones celulares).

Nesta seção analisaremos o estado dos conhecimentos dados pelos projetos de investigação epidemiológica sobre riscos à saúde decorrentes da exposição a campos de RF em contextos diversos, abrangendo a literatura publicada até maio de 2010. É apresentada também uma análise crítica das questões metodológicas e um resumo atual das investigações epidemiológicas, bem como um breve resumo das conclusões do grupo de especialistas.

As questões metodológicas na epidemiologia de RF Apesar de estudos epidemiológicos poderem ser realizados em muitas áreas da saúde ambiental, o caso das exposição a baixos níveis de campos eletromagnéticos não-ionizantes é especial, pois é uma das áreas de investigação que mais sofre de vários problemas metodológicos sérios. Antes de iniciar nossa revisão da literatura, seria útil discuti-las brevemente. Uma discussão mais detalhada e propostas de soluções para estes problemas seguir-se-á à revisão da literatura.

De acordo com a publicação da Organização Mundial de Saúde sobre Campos Electromagnéticos, na série sobre Saúde Ambiental (WHO, 1993),

"Os estudos epidemiológicos sobre a associação entre o câncer e os campos de RF são dificultados por uma série de fatores: a maioria dos membros de qualquer população está exposta a níveis de RF muito baixos, e é muito difícil estabelecer o grau de exposição de RF em indivíduos por um período significativo de tempo. O controle de fatores de confusão também é importante é muito difícil de ser feito".

Apesar de ter sido feita em 1993, nossa opinião é que ela continua válida até hoje. A evolução metodológica da epidemiologia desde essa data tem sido grande, mas ainda não conseguiu resolver completamente os problemas fundamentais que são intrínsecos à natureza do problema, como veremos.

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A detecção de associações (e possíveis relações causa-efeito) através da investigação epidemiológica na área de agentes ambientais de muito baixa intensidade precisa de um tempo de exposição suficiente para que os efeitos com grande latência tenham tempo de se manifestar, bem como de boa precisão e capacidade de classificar os indivíduos em grupos de risco diversos.

A esse respeito a principal limitação desses estudos epidemiológicos é que eles são capazes apenas de evidenciar associações entre variáveis dependentes e independentes, e geralmente não têm força suficiente, por serem estudos observacionais com grande número de variáveis não controladas, de comprovar relações causa-efeito definitivas, como acontece com as abordagens experimentais, e sim apenas indicá-las como prováveis. Diversas fontes de viés e fatores confundentes dificultam chegar a conclusões científicas com força de evidência grande, como notou Bradford Hill, que listou nove pontos que devem ser satisfeitos para que esta se manifeste em um estudo epidemiológico.

Apesar dessas dificuldades, seu alto custo e longa duração, os estudos epidemiológicos são fundamentais para a avaliação adequada de riscos ambientais da RF. O banco de dados de trabalhos científicos registrados do Projeto Campos Eletromagnéticos e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS-EMF) listava até o primeiro trimestre de 2010 um número de 383 estudos epidemiológicos publicados, dos quais 147 tratavam de telefonia móvel e comunicação de dados sem fio. Destes, 65 eram estudos do tipo caso/controle, 15 eram estudos longitudinais baseados em coortes, representando cerca de 50% dos estudos publicados. Trinta e dois dos estudos epidemiológicos registrados investigaram a associação entre exposição à RF e sintomas subjetivos (21), sistema nervoso e comportamento (8), e teratogenicidade, reprodução e desenvolvimento (3).

Estudos ecológicos: a extensão da irradiação por campos eletromagnéticos

Como os estudos epidemiológicos são realizados em condições de exposição natural das pessoas à irradiação, obviamente devem considerar o grau de exposição a todas as fontes de radiofrequência, naturais ou artificiais, e da contribuição de cada frequência em termos de sua densidade de potência.

Até recentemente, muito pouco se sabia sobre a exposição média dos seres humanos em ambientes urbanos aos campos artificiais de radiofrequência usados em telecomunicações, particularmente de telecomunicações móveis. Um estudo, por Frei et al (2009) utilizou dosímetros pessoais, portados continuamente por voluntários na Suíça durante uma semana, para avaliar o grau de exposição. Eles descobriram que a exposição média foi baixa (0,13 mW/m2, variando de 0,014 a 0,881 mW/m2. Este nível correspondeu a um gradiente de campo médio de 0,22 V/m, bem abaixo dos limites internacionais de segurança de 10 V/m para campos eletromagnéticos.

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A exposição a frequências utilizadas em telecomunicações móveis deveu-se principalmente às estações rádio-base de telefonia celular (32%), telefones celulares (29%) e telefones sem fio do tipo DECT (22%). Os maiores níveis foram registrados no interior dos veículos de transporte fechados, como os trens (1,16 mW/ m2 e bondes ou ônibus (0,36 mW/ m2), em aeroportos (0,74 mW/m2), e foram em média duas vezes maiores durante o dia do que à noite (sendo esta última de 0,08 mW/ m2 somente).

Além da exposição aos dispositivos emissores utilizados na comunicação móvel de voz, tem aumentado recentemente a preocupação em relação ao grau de exposição diária a dispositivos de transmissão de dados sem fio, tais como WLANs (Wireless Local Area Networks) e Bluetooth.

Outras fontes comuns de exposição à RF têm sido pouco investigadas tais como os dispositivos de vigilância de bebês (“babá eletrônica”), telefones sem fio domésticos, e fones de ouvido sem fio para uso em ambientes fechados. Schmid et al. (2007a) mediram a exposição combinada de todos esses dispositivos nos interiores de casas e escritórios, chegando à conclusão de que eles são baixos, atingindo a média de aproximadamente 0,1% do limiar de densidade potência definido pelo ICNIRP. As exposições a estações rádio base e placas de comunicação de WLANs foram da ordem de 20 mW/m2 . Nenhum dos dispositivos, mesmo aqueles mantidos próximos ao corpo, ultrapassou esses limites. Medições ao ar livre de estações de base de redes sem fio do tipo WiFi resultou em níveis 2 a 3 ordens de magnitude inferiores aos níveis medidos em recintos fechados, o que indica níveis negligenciáveis em relação aos níveis de segurança adotados atualmente.

Joseph et al. (2008) estimaram SARs (Taxa de Absorção Específica) de exposição ao ar livre do público em geral, para vários locais e cenários. O nível médio absorvido a partir de estações rádio-base GSM foi da ordem de 0,26 V/m, correspondente a um SAR dentro do percentil de 95% de 2,08 μW/kg (o nível de segurança recomendado pelo ICNIRP é de 4 W/kg para o corpo inteiro). Em outras palavras, observou-se em ambientes externos um SAR de aproximadamente 5 décimos milionésimos do nível de segurança!

As fontes de informação para a revisão Duas bases de dados principais foram utilizadas para encontrar as fontes de informação utilizadas na presente revisão: MEDLINE (Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA, através do serviço de busca on-line PubMed), e o banco de artigos publicados mantido pelo EMF and Health Project da Organização Mundial de Saúde. Nós complementamos a busca por meio de alertas bibliográficos e de vários serviços de notícias especializadas, como o RF Gateway.

Consultamos também as principais pesquisas comparativas, revisões críticas e meta-análises de literatura, a fim de melhor filtrar o grande número de artigos relevantes, tais como Breckenkamp et al. (2003), Röosli et al (2003), Kundi et al. (2004), Elwood (2004), Lahkola et al. (2006), Krewski et al. (2007), Moulder et al (2005), Hardell et al., (2007), Ahlbom et al. (2004, 2009). Importantes

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questões metodológicas em relação aos grandes estudos epidemiológicos de exposição à radiofrequência (RF) foram colocadas por Rothman et al (1996), Schüz & Mann (2000 ), Ahlbom et al (2004), Morrissey (2007), Neitzke (2007), Kuhnlein et al (2008), os quais utilizamos para a presente revisão.

Duas revisões por Ahlbom et al (2004, 2009) analisaram a literatura sobre a epidemiologia dos efeitos da RF de 100 kHz e 300 GHz na saúde humana, dividindo-a em estudos de exposição de RF a partir de fontes de transmissores e de telefones móveis, e abrangendo os efeitos possíveis da exposição a longo prazo sobre o risco de várias doenças, como câncer, doenças cardiovasculares, e resultados adversos sobre a fertilidade e gravidez. Suas conclusões podem ser consideradas relevantes, porque foram encomendadas pelo ICNIRP e realizadas por seu grupo de especialistas em epidemiologia.

Além disso, estudamos de perto e levamos em conta as competentes comissões nacionais e internacionais que têm realizado extensas e periódicas revisões da literatura, tais como a ICNIRP, o Grupo Independente de Especialistas para Telefones Móveis (IEGMP), o ex-Comitê de Proteção Radiológica do Reino Unido (agora denominada de Agência de Proteção da Saúde), e outros, de vários países. Por exemplo, um grupo de peritos da Comissão Européia chamado SCENIHR (em tradução, Comité Científico sobre Riscos Emergentes Novos e Recentemente Identificados), elaborou dois pareceres sobre os efeitos possíveis dos campos eletromagnéticos (CEM), campos de radiofrequência (RF) e radiação de micro-ondas na saúde humana, que atualizaram os que tinham sido o que tinha sido fornecido em 2001 pelo CSTEE (Comité Científico sobre a Toxicidade, Ecotoxicidade e Ambiente). As avaliações de ambas instituições foram baseadas principalmente em artigos avaliados pelos pares.

Incidência e Mortalidade de Câncer Estudos de Exposição Comunitária

Esta é a categoria de estudo epidemiológico que menos foi pesquisada e que mais carece de dados de boa qualidade. Foram excluídos da presente revisão os estudos de baixa qualidade, publicados em revistas sem revisão dos pares, ou na forma de relatórios técnicos ou resumos de congressos, com falta de controles, e que tenham envolvido um número pequeno de sujeitos de pesquisa, uma vez que a força da evidência que eles fornecem é muito baixa.

Dos oito estudos epidemiológicos sobre a mortalidade e a incidência de câncer por exposição comunitária de populações, publicados até 2001 (revisados por Ahlbom et al. 2004), todos foram focados nos possíveis efeitos de transmissores de rádio e de TV sobre a incidência de tumores cerebrais e de leucemia infantil. Todos tiveram também um pequeno número de casos e tipicamente envolveram menos de cinco casos observados de câncer. A distância da fonte da antena foi o principal critério de classificação da exposição, o que é uma forma bastante inadequada de estimar a variável independente, produzindo grande fontes de imprecisão. As taxas de risco relativo (RR) observadas foram todas pequenas, próximas a um (1), de modo

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que nenhuma associação entre a proximidade de uma antena e a incidência ou mortalidade de câncer pode ser demonstrada. A avaliação feita por Ahlbom et al (2004) afirmou claramente que:

"Até à data presente nenhum estudo aceitável sobre qualquer tipo de desfecho foi publicado sobre este assunto. Por um lado, os resultados de estudos válido seriam de grande valor em relação a uma preocupação social, por outro, seria difícil de conceber e realizar um estudo válido, e não há nenhum motivo científico para conduzir um estudo sem validade."

Esta situação não se alterou até a data da presente revisão e muito poucos novos estudos de exposição comunitária têm contribuído para o conhecimento científico neste contexto. Estudos mais extensos e robustos são claramente necessários nesta área.

Um grupo de especialistas examinou recentemente a viabilidade de tais estudos (Neubauer et al, 2007), analisando as questões críticas metodológicas. Eles concluíram que tais estudos são viáveis, porém teriam que ser levadas em conta todas as fontes emissoras relevantes capazes de causar exposição à RF, e não somente as usadas na telefonia móvel, por exemplo. A maioria dos estudos epidemiológicos não faz isso, e parece assumir de forma pouco racional que a única fonte de RF nos mesmos é a que eles estão focando, sendo que as demais se distribuiriam uniformemente por todos os grupos de comparação (casos e controles). Como muitos são análises retrospectivas, não têm como levantar essa informação e portanto perdem a validade.

Apesar disso ser bem conhecido, muitas investigações epidemiológicos relutam em controlar essas variáveis relacionadas à exposição à RF, por várias razões, sendo a mais importante uma carência de instrumentos adequados, capazes de medir com confiabilidade e de forma continua a exposição pessoal individual, e que só recentemente foram desenvolvidos. Nesse sentido, Schüz et al (2000) chegaram à conclusão de que:

"os estudos em nível populacional dos supostos efeitos adversos de ondas de rádio emitidas por estações rádio-base de telefonia móvel não são viáveis, uma vez que não há nenhuma métrica válida para estimar a exposição histórica.. O ritmo do desenvolvimento da infraestrutura das telecomunicações por radiofrequência também ocorre de tal forma que é improvável que as medições de hoje sejam bons indicadores de risco, tanto no passado como no futuro. O complexo de características de propagação que afetam os feixes de antenas de estação base incluem os efeitos de blindagem e reflexões múltiplas das paredes das casas e outros edifícios. Esses fatores, combinados com a presença de outras fontes ambientais de ondas de rádio, fazem com que a distância das estações rádio-base seja um pobre substituto para a exposição a ondas de rádio dentro de casa."

Além disso, a potência das densidades de antenas típicas são tão baixas que é altamente improvável de ocorrer um efeito biofísico (Repacholi, 1998). Assim,

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os pesquisadores têm se concentrado em estudos epidemiológicos relativos aos telefones celulares e usuários de outros dispositivos de comunicação por RF.

Estudos com Usuários de Celulares

Ahlbom et al. (2004) examinaram 10 estudos epidemiológicos relacionados ao câncer realizado entre 1999 e 2003, sendo três na Suécia (todos pelos mesmos autores, liderados por L. Hardell), um na Finlândia, um na Dinamarca, e outros nos EUA. Apenas os estudos com grupos de risco bem definidos, expostos por um período de tempo suficiente (pelo menos 2 a 3 anos) foram incluídos. Lakhola et al (2006) realizaram uma meta-análise de 12 trabalhos originais de investigação epidemiológica da incidência de tumores cerebrais em um total de 2.780 casos, sendo que a maioria dos estudos revisados coincidiam com os revisados por Ahlbom et al (2004). No entanto, Lakhola e colaboradores melhoraram a metodologia estatística, ao realizar uma meta-análise e recalcular todas a razões de chances (odds ratio) para os mesmos tipos histológicos de tumores de modo a obter uma maior precisão.

Kundi et al. (2004) revisaram quase que exatamente o mesmo conjunto de estudos epidemiológicos revisados por Ahlbom et al. (2004) e Lakhola et al. (2006), mas chegaram a conclusões bastante diferentes. Finalmente, Ahlbom et al. (2009) revisaram estudos epidemiológicos mais recentes, incluindo a maioria dos estudos conjuntos do projeto multinacional INTERPHONE publicados até aquele momento (discutido mais detalhadamente em uma seção específica, mais adiante). Com exceção de dois estudos de coorte realizados até recentemente, todos os demais estudos utilizaram a metodologia epidemiológica de caso/controle. O número de casos estudados foi maior do que aqueles de exposição comunitária a transmissores de RF, mas ainda não foi suficiente, por causa da baixa incidência da doença. Os desfechos estudados foram principalmente os tumores do sistema nervoso central e dos olhos, tais como gliomas, neuromas acústicos, meningiomas e melanoma uveal, respectivamente. A justificativa para isso é que estudos de laboratório demonstraram maior absorção e distribuição de energia de RF de telefones celulares na cabeça e pescoço, pelo menos para aqueles que não usam um dispositivo de viva-voz. Um dos estudos analisados por Ahlbom et al. (2009) referia-se a tumores nas glândulas salivares, e cinco outros analisaram tumores do SNC de vários os tipos.

Quatorze cálculos independentes da risco relativo (RR) foram iguais ou inferiores a 1, significando que não se conseguiu demonstrar um risco significativo para os usuários de telefone celular. Cinco estudos tiveram RRs ligeiramente maiores do que 1 (entre 1,1 e 1,5), mas estes também não foram significativamente diferentes da unidade.

Um estudo realizado por Hardell et al. (2003), entretanto, destoou dos demais, ao descrever uma RR estatisticamente significativa de 3,5 para a incidência de neuromas do nervo acústico em pacientes que usaram telefones celulares, quando se levava em conta um efeito de lateralidade (ou seja, a incidência do

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tumor foi maior no lado da cabeça em que o usuário de celulares relatava mais utilizar para falar). Este último estudo foi manchete em todo o mundo, apesar do fato dos outros nove estudos não terem apresentado associações significativas baseadas em medidas de risco relativo. De acordo com uma análise sobre a lateralidade dos efeitos realizadas pelo grupo de CEM e saúde da SCENIHR, que foi publicado em um relatório em 2009, este parâmetro é altamente suscetível a um viés de recordação, pois os pacientes do grupo portador de tumores (casos) têm conhecimento de qual lado da cabeça foi afetado pelo tumor, enquanto que os pacientes sem câncer (controles) evidentemente não sabiam qual o lado da cabeça seria relevante para a análise (em um estudo pareado típico, os pacientes que tiveram tumores em um determinado lado da cabeça teriam que ser pareados com controles com o mesmo lado, o que é impossível). Portanto, podem ocorrer relatos exagerados em número sobre qual o lado da cabeça foi afetado entre casos. Posteriormente, este estudo de Hardell et al (2007) foi confrontado quanto a algumas questões metodológicas, tais como a falta de controle para fatores confundentes importantes, e não se conseguiu reproduzi-lo posteriormente por outros grupos que analisaram o mesmo tipo de tumor, na mesma região da Europa (Escandinávia).

Com exceção de neuromas do acústico, todos os outros estudos caso/controle revisados por Ahlbom et al (2004) apresentaram resultados nulos para uma possível associação entre o uso de telefone celular e tumores da glândula parótida, melanoma uveal, meningiomas e leucemias. Outros estudos caso/controle bem feitos, como os de um grupo nacional de pesquisadores da Dinamarca, indicaram resultados semelhantes, em relação a neuromas do nervo acústico (Christensen et al., 2004), meningiomas e gliomas de baixo e alto grau, mesmo quando foram analisados usuários de mais de 10 anos de uso continuo de celulares (Christensen et al., 2005).

Estudos Longitudinais

Os dois únicos estudos de coortes finalizados até o presente foram de natureza retrospectiva e tiveram lugar nos EUA e na Dinamarca.

O primeiro grande estudo baseado em coortes (Rothman et al 1996 e Dreyer et al, 1999) analisou o seguimento de um ano da mortalidade em uma coorte de 285.561 usuários não-corporativos de telefones móveis no EUA, sem que tivesse sido demonstrado qualquer efeito diferencial sobre a mortalidade em relação aos não usuários. O estudo demonstrou um aparente ligeiro “efeito protetor” para os usuários de telefones celulares, uma vez que a taxa geral de risco relativo foi de 0,86 para a taxa de mortalidade geral. Este estudo não é mais considerado atualmente como representando uma contribuição significativa ao conhecimento, pois a latência foi muito pequena para um desfecho relativo à mortalidade. No entanto, foi o primeiro estudo a demonstrar que a mortalidade global na coorte que utilizou celulares foi menor do que na população em geral, uma descoberta que foi confirmada por outros estudos com causas específicas de mortalidade, como o câncer.

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Se este achado de RRs significativamente menores do que a unidade fosse ser interpretado à luz do que significa o risco relativo, seria necessário atribuir uma característica "protetora" ou "diminuidora de risco" ao fato de se estar usando um telefone celular. Como isso é algo difícil de se acreditar, muito provavelmente ele seria devido a variáveis não controladas dos estudos, tais como aquelas que o estudo de coorte dinamarquês, que analisou latências mais longas, foi capaz de demonstrar, como um maior nível de renda e melhor saúde geral correspondentes a um nível melhor de escolaridade, uma maior consciência sobre a saúde individual, uma melhor atitude de prevenção, etc., ocorrendo entre os usuários de celulares do que entre os não usuários.

Essa descoberta deveria servir de lição para os epidemiologistas que aceitam esta explicação para taxas de risco relativo ou razões de chance menores do que a unidade, mas que tendem a atribuir um “alto” risco de celulares quando o RR está acima da unidade, no mesmo nível da variação.

O segundo grande estudo de coortes, publicado por Johansen et al. (2001), foi o primeiro estudo nacional de incidência de câncer de assinantes de telefonia celular que examinou registros acima de 15 anos de uso. Este importante e bem realizada pesquisa epidemiológica baseada em coortes relatou uma Taxa de Incidência Padronizada (SIR – Standard Incidence Ratio) geral de 0,89 (dentro de um estreito intervalo de confiança de 95% que variou entre 0,86-0,92 ) para todos os tipos de câncer. O SIR é calculado dividindo-se o número de casos de câncer observados na coorte pelo número esperado na população. No total, 3.391 tumores foram observados, sendo que 3.825 seriam esperados pelo acaso. Este aparente efeito protetor (menor incidência de tumores entre usuários de celulares do que não usuários) do uso de telefones celulares foi interpretado pelos autores, com base em análises mais detalhadas, como sendo devido a uma diminuição da incidência de câncer do pulmão, possivelmente associado a uma maior redução do tabagismo entre os idosos.

O mesmo grupo (Johansen et al, 2002b) publicou uma amostra consideravelmente ampliada do mesmo estudo, incluindo 420.095 de assinantes da rede de celular privada (80% do total de assinantes no país). Eles compararam as taxas de incidência de câncer em usuários de telefones com as taxas nacionais, de acordo com sexo, idade e período. Dos 15.000 casos de câncer esperados por acaso, cerca de 14.250 foram observados, resultando, portanto, em uma SIR de 0,95, ligeiramente maior do que o primeiro estudo dinamarquês. Ficou evidente, dessa forma que não existiria qualquer relação entre ter câncer de cérebro ou sistema nervoso e o uso prolongado de celulares, tanto em relação à idade, duração da exposição, primeira assinatura de telefone, ou local do tumor.

Este estudo dinamarquês foi recentemente atualizado com acompanhamentos de assinantes de telefone celular que remontam até 21 anos (Schüz et al., 2007), com a assinatura do primeiro telefone celular que remontava entre 1982 e 1995 e que foram seguidos até 2002 para a incidência de todos os tipos de tumores do SNC. Resultados muito similares foram obtidos, ou seja o uso do telefone celular não foi estatisticamente associado ao aumento do risco de tumores cerebrais (SIR = 0,97), incluindo os gliomas (SIR = 1,01),

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meningiomas (SIR = 0,86), neuroma do nervo acústico (SIR = 0,73), tumores de glândulas salivares (SIR = 0,77), tumores oculares (SIR = 0,96) ou leucemia (SIR = 1,00).

Entre os assinantes de longo prazo, contando 10 anos ou mais de uso documentado (foram mais de 56.000 usuários na amostra), o uso de telefone celular não foi associado com o aumento do risco de tumores cerebrais (SIR = 0,66, mostrando um forte efeito de proteção), e não houve nenhuma tendência ao longo do tempo desde a primeira assinatura de uma linha de celular. Como uma relação causa-efeito neste caso, é altamente improvável, ou seja, que usar telefones celulares traria um efeito benéfico sobre a saúde, a obtenção de taxas de risco relativo inferiores a 1 pode ser atribuída ainda a outras variáveis confundentes não pareadas, tais como os usuários de longo prazo começaram a usar celulares quando eles ainda eram muito caros, por isso uma maior renda era exigida (Rothman et al, 1996). As pessoas com rendimentos mais elevados são conhecidas por terem uma melhor saúde geral, por tomar cuidados preventivos e ir mais vezes aos médicos e hospitais que os mais jovens e pessoas menos abastadas. Os autores relataram que:

"nenhuma prova foi encontrada de uma associação significativa entre o risco de tumores e o uso do telefones celulares, tanto para usuários de curto prazo, quanto para os de longo prazo. Além disso, os intervalos de confiança estreitos fornecem evidência de que pode ser excluída qualquer associação significativa entre risco de câncer e uso de telefones celulares ".

O estudo dinamarquês teve algumas peculiaridades. Foi realizado inteiramente através da vinculação dos registros de cidadãos (record linkage), utilizando um número de identificação nacional, que só foi possível devido à excelência e à integridade dos registros populacionais de saúde e de assinantes de telefones celulares do país (obtidos da Secretaria Nacional de População e da Secretaria Nacional de Câncer),. Somente indivíduos saudáveis foram incluídos na coorte. Em segundo lugar, a coorte era muito grande e extensa no tempo, bem como global (80% de todos os assinantes de telefonia celular dinamarquês). Não houve avaliação do grau de exposição, frequência de uso, o uso de viva voz, etc, e não houve uma maneira de determinar com certeza se realmente os assinantes registrados correspondiam aos usuários das linhas (apesar de uma investigação anterior por Punch et al, 1996, ter demonstrado que esta correlação é relativamente alta, de 75%). As assinaturas de usuários corporativos (um número grande, mais de 200.000 linhas) não foram incluídas no estudo, pela impossibilidade de investigar quem utilizava realmente os celulares, o que pode ser uma fonte potencial de viés de seleção.

Curiosamente, Kundi et al. (2005), revendo quase que exatamente os 9 a 10 estudos de caso/controle revisados por Ahlbom et al. (2004) e Lakhola et al. (2005), chegaram à conclusão oposta, isto é, que

"todos os estudos abordando latências razoáveis encontraram um risco aumentado de câncer associado ao uso do telefone móvel. Estimativas do risco relativo nesses estudos variaram entre 1,3 e 4,6 com o maior

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risco global para o neuroma acústico (3,5) e melanoma uveal (4,2), e não há evidência de risco de câncer avançado, com aumento de latência e duração do uso do telefone móvel.".

Os resultados foram obtidos exclusivamente por um único grupo de investigação, liderado por Hardell na Suécia, o mesmo grupo que realizou essa revisão, e que não são coerentes com os demais 6 estudos de outros grupos.

Outra análise da literatura publicada por Valberg et al. (2007), sobre a evidência científica quanto aos riscos e consequências para a saúde das estações rádio-base e redes de dados sem fio, chegou às mesmas conclusões que Ahlbom et al (2004). O mais importante e recente conjunto de estudos epidemiológicos, entretanto, foi o Projeto INTERPHONE, que merece uma discussão em separado, como segue.

Uma revisão dos estudos INTERPHONE

A partir de 2001, foi iniciada uma série de grandes estudos epidemiológicos de caso/controle, ambiciosos e bem planejados. Esses estudos multicêntricos cooperativos foram coordenados e financiados em parte pela Agência Internacional para Pesquisa sobre o Câncer (IARC), envolvendo grupos de pesquisa em 13 países (Austrália, Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Israel, Itália, Japão, Nova Zelândia, Noruega, Suécia e Reino Unido), e utilizaram um protocolo de pesquisa comum a todos os grupos, de modo a permitir a sua analise conjunta. Denominado INTERPHONE, este esforço internacional começou a publicar dados preliminares, em 2004, e em 2007 o primeiro trabalho descrevendo métodos apareceu em versão impressa (Cardis et al, 2007). A primeira publicação conjunta de todos os grupos analisando conjuntamente os dados para dois tipos de tumores cerebrais, meningiomas e gliomas, foram publicados em maio de 2010, após um prolongado período de espera (The INTERPHONE Research Group, 2010). A publicação final sobre os outros dois tipos de tumores analisados, neuromas do nervo acústico e tumores da glândula salivar, ainda não tinha sido realizada quando o presente trabalho foi finalizado.

O estudo INTERPHONE focou em tumores que ocorrem em locais com maior probabilidade de serem afetados pela maior exposição a campos de RF durante a utilização de telefones celulares, e incluiu 2.765 casos de gliomas, 2.425 casos de meningiomas, 1.121 casos de neuromas acústicos, 109 casos de tumores malignos da glândula parótida e 7.658 controles. Foram coletadas Informações detalhadas sobre a história do uso do telefone móvel pelos usuários, bem como alguns fatores de risco conhecidos e potenciais foram coletados por meio de uma entrevista pessoal conduzida através de um questionário por computador, sob o comando de entrevistadores bem treinados. Mais significativo é o fato de que pela primeira vez, vários estudos de validação e refinadas técnicas de preparação epidemiológicas e estatísticas foram utilizadas a fim de compreender melhor e diminuir a influência de variáveis confundentes e vieses que haviam sido um problema em estudos

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caso/controle prévios. Os resultados do INTERPHONE foram aguardados com grande expectativa tanto pela comunidade científica quanto pelas autoridades de saúde e meios de comunicação de massa, devido às suas características ímpares de projeto e tamanho das amostras, e o ICNIRP, a OMS e outras agências adiaram por várias vezes suas declarações oficiais sobre RF e saúde na expectativa dos resultados. Revisamos resumidamente estes resultados a seguir.

Um dos primeiros estudos do INTERPHONE que examinou a incidência de neuromas do acústico (Shoemaker et al, 2005) utilizou um conjunto de seis estudos de caso/controle separados, realizados de acordo com o protocolo comum em países escandinavos e no Reino Unido. Constatou-se que o risco deste tipo de tumor em relação ao uso regular de telefones celulares não aumentou no conjunto de dados obtidos (razão de chances, OR = 0,9), e que não houve associação entre a magnitude do risco e o tempo de uso, horas cumulativas de uso ou número de chamadas realizadas, tendo sido calculadas separadamente para telefones celulares analógicos ou digitais. Eles encontraram no entanto, um aumento moderado de risco para tumores no mesmo lado da cabeça do uso preferido do celular, em usuários com 10 anos de uso ou mais (OR = 1,8). O estudo sugere que não há risco substancial de aumento da incidência de neuromas do acústico, pelo menos na primeira década após o início do uso do telefone móvel.

O ramo do INTERPHONE no Japão, por outro lado, relatou essencialmente os mesmos resultados (Takebayashi et al, 2006).

O estudo INTERPHONE francês (Hours et al, 2007) também não relatou nenhum risco aumentado significativo para gliomas, meningiomas e neuromas, embora os pacientes tivessem uma incidência de gliomas ligeiramente acima, ou sem significância entre os usuários que utilizavam celulares de forma mais intensa ou prolongada.

A contribuição britânica ao estudo de gliomas teve resultados completamente negativos, atribuindo um risco aparentemente mais elevado, mas não significativo, a um viés de recordação (Hepworth et al., 2007). Esses resultados confirmaram que não parece haver nenhuma associação entre o risco de aparecimento de de gliomas e o uso de telefones celulares para todos os usuários há 10 anos ou menos, corroborando o que foi publicado pelo estudo INTERPHONE em 5 países do norte da Europa (Lakhola et al, 2007).

Lönn et al (2005), na Suécia, fizeram um estudo epidemiológico caso/controle com 644 casos de glioma cerebral e meningioma e 674 controles, e concluíram que a utilização regular de telefone celular indicava razões de chances entre 0,7 e 0,8 para gliomas e meningiomas, com resultados semelhantes para usuários com mais de 10 anos de uso de telefones móveis. Da mesma forma, nenhum aumento de risco foi encontrado para o uso ipsilateral do telefone para tumores localizados no lobo temporal e parietal, o tipo de histologia do tumor, tipo de telefone e intensidade de uso. Este estudo incluiu um grande número de usuários do telefones móveis de longo prazo, e os autores concluíram que os dados não suportam a hipótese de que o uso do telefone celular esteja

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relacionado a um aumento do risco de glioma ou meningioma, sendo que este estudo foi o primeiro a contradizer diretamente as publicações de seu compatriota L. Hardell.

Outro estudo INTERPHONE, concluído e publicado em 2008, analisou o risco de tumores da glândula parótida em usuários de telefone celular em Israel (Sadetzki et al, 2007). Lonn et al (2006) já haviam analisado anteriormente os dados epidemiológicos sobre câncer das glândulas salivares e o uso de telefone celular na Dinamarca e concluíram que os dados não suportavam uma associação quanto ao uso regular de telefones móveis. Independentemente da sua duração, as estimativas de risco para o tumores malignos e benignos foi de 0,7 (intervalo de confiança de 95%: 0,4 a 1,3) e 0,9 (intervalo de confiança de 95%: 0,5 a 1,5), respectivamente. Resultados semelhantes foram encontrados para usuários com até 10 anos de uso do telefone celular. O estudo de Sadetzki e colaboradores, entretanto, encontrou um risco um pouco elevado, mas não significativo, para tumores benignos e malignos, ipsilaterais ao lado preferido de uso do telefone celular. As razões de chance (OR) referentes à maior categoria de número cumulativo de chamadas e de duração de chamadas sem o uso de dispositivos de viva-voz foram de 1,58 (intervalo de confiança de 95%: 1,11 a 2,24) e de 1,49 (intervalo de confiança de 95%: 1,05 a 2,13), respectivamente, Este estudo, quando foi publicado, provocou muita polêmica e reportagens alarmantes na imprensa. O câncer de parótida é muito raro (2-3 casos por milhão), o que torna muito difícil realizar análises estatísticas confiáveis. A carcinogênese induzida pelo tabagismo a longo prazo tem sido sugerida como um fator de risco para alguns tumores de cabeça e pescoço (Marur & Forastiere, 2008). A publicação final dos resultados agrupados dos estudos multicêntricos caso/controle sobre gliomas e meningiomas em 13 países (The INTERPHONE Research Group, 2010), chegou à conclusão de uma razão de chances (OR) abaixo da unidade para gliomas (OR de 0,81; intervalo de confiança (IC) de 95% de 0,70 a 0,94], bem como para meningiomas (OR de 0,79; IC de 95% de 0,68 a 0,91), para usuários contínuos de telefones celulares. Os autores interpretaram este OR como possivelmente refletindo um viés de participação ou de outras limitações metodológicas e não como sendo um efeito protetor real. Nenhum efeito ou um aumento foi observado 10 anos após a primeira utilização de um telefone (gliomas: OR de 0,98; IC de 95% entre 0,76 e 1,26 meningiomas;: OR de 0,83; IC de 95% de 0,61 a 1,14).As razões de chances foram inferiores a um para todos os decis quanto ao número de telefonemas dados e, para os nove decis inferiores quanto ao tempo de chamada cumulativo. Entretanto, o decil mais elevado para tempo cumulativo de chamada, o OR foi de 1,40 (IC de 95% de 1,03 a 1,89) para casos de glioma, e de 1,15 (IC de 95% de 0,81-1,62) para casos de meningioma. Possivelmente esses resultados, no entanto, foram causados por alguns valores altamente implausíveis de utilização de telefones relatados neste grupo, tais como 12 horas de uso por dia, o que influenciou os resultados, tornando-os artificialmente elevados.

Quanto à localização dos tumores, o OR para gliomas tendeu a ser maior no lobo temporal do que em outros lobos do cérebro, o que corresponde à parte

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do cérebro mais exposta à radiação RF do telefone celular, porém os intervalos de confiança para a sede do tumor eram largos demais, o que dificulta a interpretação. Quanto ao lado da cabeça, o estudo INTERPHONE agrupado para gliomas evidenciou OR maiores para tumores ipsilaterais ao lado da cabeça de uso preferencial do celular. Todavia, com base nos estudos metodológicos já citados acima, esse resultado poderia ser explicado por um viés de recordação, uma vez que os indivíduos doentes tenderam a atribuir o seu lado preferido de usar telefone celular ao mesmo lado da cabeça em que ocorreu o tumor.

Outra das principais conclusões do estudo INTERPHONE foi que não importava se a pessoa fosse um usuário de telefones móveis analógicos ou digitais quanto à ausência de risco aumentado de tumores cerebrais.

A OMS publicou logo após o estudo INTERPHONE final ter saído à luz uma Fact Sheet oficial do Grupo EMF e Saúde (OMS, 2010), declarando sobre o mesmo:

'Um estudo caso-controle retrospectivo de adultos, INTERPHONE, coordenado pela Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer (IARC), foi concebido para determinar se existem ligações entre o uso de telefones celulares e o câncer de cabeça e pescoço em adultos. A análise internacional conjunta dos dados coletados em 13 países participantes não encontrou nenhum aumento do risco de glioma ou meningioma com o uso do telefone celular por mais de 10 anos. Há algumas indicações de um aumento do risco de glioma para aqueles que relataram as 10% maiores horas acumuladas de uso de telefones celulares, porém não houve tendência consistente de aumento de risco com maior tempo de uso. Os pesquisadores concluíram que vieses e erros limitaram a força destas conclusões e dificultam uma interpretação de causalidade.”

Os resultados do INTERPHONE têm sido criticados por alguns grupos científicos militantes, tais como o BioInitiative Group, e por alguns epidemiologistas, como tendo um número significativo de falhas metodológicas (Sarrachi & Samet, 2010), incluindo vieses de seleção e de recordação, a exclusão de jovens e crianças e dos casos de tumor cerebral quando houve morte, o que pode ter levado a níveis estimados de razões de chance (OR) artificialmente baixos nesse tipo de estudo. Os críticos também têm chamado a atenção para a definição que o protocolo INTERPHONE fez de usuários regulares (um usuário regular foi definido como o que fizesse pelo menos uma chamada por semana ao longo de seis meses, uma exposição tão baixa que o risco da população exposta teria sido seriamente subestimado).

Apesar de muitos comentários sobre a publicação de 18 de maio de 2010 terem destacado a inconclusão do estudo, nossa opinião é que, ao contrário, suas conclusões são inteiramente justificadas. Na verdade, o INTERPHONE é o maior e mais cuidadosamente controlado estudo epidemiológico realizado até o presente, com o maior número de usuários de celulares a longo prazo, e analisando a relação dos tumores mais importantes do cérebro e cabeça e

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pescoço com o uso de telefones celulares de forma contínua por mais de 10 anos. Notavelmente, todas as medidas de risco relativo foram universalmente baixas, oscilando em torno de unidade. Além disso, os resultados do INTERPHONE estão de acordo com a maioria das pesquisas experimentais (in vitro e in vivo, bem como com a maioria dos outros grandes estudos epidemiológicos caso-controle e de coorte, muitos com com base em registros populacionais com mais de 400.000 participantes.

Portanto, as conclusões gerais emitidas por instituições altamente respeitadas, como o ICNIRP refletem esse posicionamento da comunidade científica:

ICNIRP (http://www.icnirp.de/documents/ICNIRPnote.pdf):

"Em geral, o estudo não encontrou um aumento do risco de gliomas ou meningiomas em relação ao uso do telefone celular. (…) O ICNIRP concorda que os vieses e os erros do estudo excluíram uma interpretação causal dos resultados. "

OMS (http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs193/en/index.html), em suas publicações oficiais em 2009 e 2010: São amplamente justificadas a falta de evidências para efeitos prejudiciais à saúde de seres humanos dos dispositivos de radiofrequência de baixa energia usados para comunicações móveis, apesar das posições contrárias de alguns grupos e indivíduos.

Além disso, a Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos (http://www.fda.gov/downloads/ForConsumers/ConsumerUpdates/UCM212306.pdf ) declarou que:

"As recentes descobertas do Grupo INTERPHONE, publicadas on-line em Junho de 2010 no International Journal of Epidemiology, não mostraram um risco aumentado de câncer cerebral pelo uso de telefones celulares. Apesar de alguns dados sugerirem um risco aumentado para pessoas que fazem uso mais pesado de telefones celulares, os autores do estudo determinaram que vieses e erros limitaram a força de conclusões que podem ser tiradas. Segundo a OMS, o uso do telefone celular se tornou muito mais frequente e não é raro acontecer de jovens de usar telefones celulares durante uma hora ou mais por dia. Este crescente uso é moderado, no entanto, pela redução das emissões, em média, a partir de telefones da mais recente tecnologia, e o uso crescente de mensagens de texto e de dispositivos de viva-voz que manter o telefone longe da cabeça. "

É importante ressaltar, no entanto, que nenhum estudo epidemiológico com exposições de longo prazo superiores a 15 anos foi publicado até o momento. Considerando que até mesmo agentes ambientais muito agressivos, tais como a radiação ultravioleta dura devida à exposição solar prolongada e desprotegida, apresentam neoplasias apenas após latências comprovadas de 20 anos ou mais, o status dos conhecimentos a respeito desse parâmetro da exposição à RF apresenta uma grande carência neste sentido.

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É possível que as latências efetivas para a causação do câncer devido à exposição à RF possam exceder o tempo de vida média das pessoas que atualmente são adultas, mas podem ser relevantes para os usuários que são crianças ou jovens hoje. Infelizmente, ainda não há um grande estudo epidemiológico para essa faixa etária, apesar das crianças adolescentes e adultos jovens constituírem uma parte cada vez maior de usuários de telefones celulares, PDAs e computadores portáteis com acesso de dados sem fio. Revisões sistemáticas com base em meta-análises

Uma técnica importante para a revisão sistemática da literatura é a meta-análise, que utiliza métodos estatísticos especiais para combinar e comparar os diferentes estudos com resultados do mesmo tipo e delineamentos de pesquisa semelhantes. Os critérios de seleção para os estudos que compõem a meta-análise são uma consideração importante, porque vários vieses de análise estatística podem ser introduzidos por esta seleção e influenciar os resultados. Além disso, às vezes é difícil tirar conclusões a partir da meta-análise, devido à heterogeneidade dos estudos que foram incluídos (Croft et al, 2008).

No período de 2006 à 2009, foram publicadas quatro meta-análises sobre estudos epidemiológicos de tumores cerebrais em relação à exposição a radiação a que são expostos usuários de telefones celulares: Lahkola et al. (2006), Hardell et al. (2007), Kan et al. (2007) e Khurana et al (2009). Esta última, que focou separadamente os artigos que analisaram a utilização de telefones celulares a longo prazo (igual ou superior a 10 anos) e no lado da cabeça com uso preferencial do telefone (tumores ipsilaterais), relatou uma razão de chances combinada de 1,9 (intervalo de confiança de 95% entre 1.4 e 2.4) para gliomas, de 1,6 (IC de 95% = 1.1-2.4) para neuromas do acústico, e de 1,3 (IC de 95% = 0.9-1.8) para meningiomas. Os autores concluíram que "ao usar-se um telefone celular por mais de 10 anos, aproximadamente dobra-se o risco de ser diagnosticado com um tumor cerebral no mesmo lado da cabeça (ipsilateral) de preferência para o uso do telefone celular. Os dados atingiram significado estatístico para gliomas e neuromas do acústico, mas não para meningiomas.". No entanto, embora os autores afirmem que “esta é uma meta-análise que incorpora todos os 11 estudos epidemiológicos de longo prazo a respeito desta área ", apenas cinco dos estudos foram incluídos na análise quantitativa acima, sendo dois deles realizados pelos grupo de Hardell e três pelo INTERPHONE, pois os outros trabalhos não tinham casos com mais de 10 anos de uso de telefones celulares. A meta-análise de Lakhola et al (2006) para estudos com mais de 5 anos de seguimento, por outro lado, relatou uma razão de chances de 0,98 para todos os tumores intracranianos relacionados ao uso de telefone celular, ou seja, não há nenhuma evidência para existência de risco nessa duração de exposição. Para gliomas, a taxa agrupada foi de 0,96, para meningiomas, de 0,87, e para neuroma do nervo acústico foi de 1,07, sendo que todos os valores estavam dentro do intervalo de confiança de 95%.

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Dados epidemiológicos sobre a exposição de crianças

O fato de que mais e mais crianças e adolescentes se tornam usuários de telefones celulares (a predominância já é de mais de 40% em crianças menores de 15 anos, e mais de 90% entre os adolescentes, em alguns países) e computadores sem fio tem levantado preocupações quanto a sua saúde, de forma que as autoridades públicas em alguns países já aprovaram legislação que proíbe as estações rádio-base perto de escolas, embora isso não tenha nenhuma base científica (a densidade de potência dos campos distantes da antena são demasiado pequenas; além disso, a exposição de crianças fora da escola não é controlada por essa legislação). Ironicamente, a proibição do uso de telefones celulares por crianças, no entanto, não foi objeto de legislação até agora.

Tem sido argumentado por alguns investigadores que as crianças poderiam ser mais vulneráveis à RF, pois seu organismo está em desenvolvimento, e que sua estrutura encefálica poderia ser penetrada mais profundamente por campos de RF (veja a análise de Otto & von Mühlen, 2007). No entanto, a diferença mais importante em relação ao uso de telefones celulares entre as crianças de hoje e adultos é a uma exposição mais longa à RF, devido ao fato de começarem a usar os telefones em idade precoce (Schüz, 2005). Embora não existam dados científicos que os organismos em desenvolvimento sejam mais vulneráveis do que os adultos aos campos de RF (Kheifets et al., 2005), não existem atualmente estudos epidemiológicos abordando crianças e adolescentes dos riscos de câncer por exposição a RF. Uma das razões é que este é um fenômeno muito recente. A outra razão é que a maioria dos cânceres que são causados por fatores ambientais são extremamente raros em jovens. O terceiro fator é que as investigações epidemiológicas que exigem a coleta de informação por entrevistas com usuários não são fáceis de fazer com as crianças, principalmente as de menor idade. Dois estudos internacionais de tumores cerebrais em crianças e adolescentes estão presentemente em andamento, CEFALO (Feychting, 2006) e MOBI-KIDS (Parrish, 2010, veja também http://www.mbkds.com/ ). Em conclusão, segundo Martens (2005), "tudo isso faz com que seja impossível uma resposta definitiva à pergunta se as crianças são mais sensíveis aos campos eletromagnéticos que os adultos. Pesquisas mais consistentes serão necessárias”. Uma abordagem de precaução, especialmente com crianças pequenas, pode ser a opção mais barata e eficaz, por enquanto. Embora não haja dados suficientes para concluir algo sobre a utilização de celulares por crianças e seus efeitos sobre a saúde, alguns estudos indicaram um aumento no risco de leucemia em crianças que vivem perto de antenas de rádio ou televisão, que emitem campos eletromagnéticos muito potentes para a radiodifusão (Ahlbom et al. 2004, Schüz & Ahlbom, 2008). Esta é tipicamente uma neoplasia da infância, e estão disponíveis muitos dados epidemiológicos de longo prazo sobre a exposição em função do local de residência. Em um

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estudo de controle de caso realizado na Coréia do Sul envolvendo 1.928 casos de leucemia (Ha et al. 2007) não foi observada associação entre o risco de leucemia e as intensidades de campo previstas (OR = 0,83, IC de 95%: 0.63-1.08). Um segundo estudo caso/controle realizado em 16 municípios alemães em áreas ao redor de oito antenas de rádio AM, FM to e TV (Merzenich et al. 2008) envolveu 1.959 casos de leucemia e 5.848 controles de base populacional. Não foram observados aumentos gerais no risco de leucemia durante a primeira década (OR de 0,86, IC de 95%: 0.67-1.11), e também nenhum efeito da distância das antenas (OR = 1,04 (95% CI: 0.65-1.67) entre crianças que vivem no perímetro de até 2 km do transmissor mais próximo em comparação com aqueles que viviam a uma distância de 10-15 km.

Estudos ocupacionais

Intuitivamente, é fácil deduzir que a exposição ocupacional à RF pode ser um problema muito mais grave para a saúde pública do que a exposição do público em geral, porque muitos trabalhadores são expostos diariamente a campos de RF muito mais intensos, por muitas vezes e por muito mais tempo, de modo que eles recebem “doses” agudas e crônicas muito maiores de radiação não ionizante. Exemplos destes trabalhadores são os técnicos de manutenção e instalação de antenas de RF, amplificadores e transmissores; os operadores de radar, incluindo a polícia e os operadores de radares de trânsito; operadores de máquinas de micro-ondas de soldar plásticos, técnicos e profissionais de saúde que utilizam aparelhos de terapia de micro-ondas e RF e dispositivos de imagens que usam intensos campos eletromagnéticos, como ressonância nuclear magnética (aparelhos de MRI). Portanto, evidências de uma relação causa/efeito para o câncer apareceriam mais provavelmente em condições ocupacionais do que em outras. Embora dezenas de avaliações de risco em RF utilizando estudos de caso/controle e de correlação tenham sido publicados nos últimos 50 anos, poucos desses estudos epidemiológicos foram extensos ou bem conduzidos sobre a exposição ocupacional a RF e micro-ondas A maioria dos estudos revisados por Ahlbom et al. (2004) foi realizada nos anos 90s e início de 2000s e apresentavam muitas deficiências metodológicas. Por exemplo, nenhuma ou poucas medidas de exposição de RF foram feitas, e o grupo de indivíduos expostos foi categorizado somente em termos da sua descrição de trabalho e/ou distância dos transmissores. Os principais resultados da saúde ocupacional publicados foram:

Neoplasias: a mortalidade total, total, incidência, incidência câncer de cérebro, de mama, de testículos, melanomas oculares, câncer de pulmão e leucemia Outros resultados da saúde: incidência de doenças oculares (catarata), saúde cardiovascular e reprodutiva. Brechenkamp et al (2003) avaliaram os métodos e os resultados de nove estudos de coorte que enfocaram diversos efeitos sobre a saúde de trabalhadores por exposição a RF, publicados entre 1980 e 2002. O tamanho das coortes variou entre 304 (3.362 pessoas-ano) e cerca de 200.000 pessoas

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(2,7 milhões de pessoas-ano). Os grupos de exposição ocupacional foram constituídos de trabalhadores que usavam aquecedores dielétricos em instalações de fabricação de plástico, trabalhadores que usavam dispositivos de rádio (profissional e amador), trabalhadores na produção de tecnologias de comunicação sem fio, usuários de aparelhos de radar da polícia canadense e os utilizados pelas forças armadas. Foram avaliados a mortalidade total, mortalidade por câncer, a incidência de câncer e outros desfechos. Em alguns dos estudos foi encontrado um aumento de risco para vários tipos de câncer nos participantes expostos, embora em diferentes órgãos. A revisão concluiu que, devido a deficiências metodológicas da maioria dos estudos de coorte, nenhuma conclusão pôde ser alcançada quanto à existência de se um risco mais elevado de câncer para estas exposições ocupacionais.

Da mesma forma, Ahlbom et al (2004) revisaram 10 estudos de coorte, realizados entre 1988 e 2002 (com uma grande sobreposição com a revisão de Brechenkamp et al.) e analisaram riscos relativos para tumores cerebrais e leucemia em profissionais de diversos setores de trabalho. Os riscos relativos ou razões de chances para ambos desfechos foram, em sua maioria, abaixo ou próximos da unidade, com apenas 2 dos 14 estudos sobre câncer de cérebro com RRs ligeiramente acima da unidade. Relataram ainda que 6 dos 12 estudos sobre leucemia apresentaram RRs grande, variando de 4.4 -7.7, sendo que dois deles, feitos na Polônia, sobre militares que viviam perto de transmissores de radar de alta potência. De acordo com os revisores, estes altos RRs poderiam ser explicados por vieses e erros metodológicos grosseiros, ou por fatores confundentes não controlados como a presença de contaminantes químicos no ambiente. O número de casos também variou muito, de 1 a 69 casos de leucemia e de 1 a 44 casos e tumores cerebrais. Os autores também revisaram 3 estudos caso/controle sobre a exposição a RF em relação a tumores no cérebro e leucemia. Nesses estudos, a maioria dos índices de risco relativo e taxas padronizadas de incidência resultaram abaixo ou ao redor da unidade, não mostrando associação, portanto.

Mais recentemente, um estudo caso/controle de risco ocupacional foi realizado pelo ramo alemão dos estudos INTERPHONE (Berg et al, 2006). Não foi achada nenhuma associação significativa entre a exposição à RF e tumores cerebrais quanto a gliomas (OR de 1.21) e meningiomas (OR de 1.34).

Até agora, o balanço desses estudos epidemiológicos sugere maiores riscos ocupacionais de câncer, decorrentes da exposição crônica a aparentemente maiores densidades de potência de RF, para diversos grupos, tais como operadores de radar, técnicos de instalação de telecomunicações e técnicos de manutenção, entre outros. O resultado que causa maior preocupação é o de aumento da taxa de leucemia, que deve ser questionado por causa dos efeitos de confusão e erros importantes do estudo. Nenhum efeito consistente foi demonstrado, mas não pode ser ainda refutado, devido à baixa qualidade e de curta duração dos estudos de coortes e de caso/controle realizados até agora.

A viabilidade de se fazer estudos de riscos ocupacionais, no entanto, é considerada baixa (Breckencamp et al, 2009), devido aos números pequenos de sujeitos expostos, ou devido ao fato de que os níveis de exposição não são

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muito altos quando comparados com a população em geral, menores durações de exposição devido a mudanças frequentes de emprego, mudanças tecnológicas e grande variabilidade não documentada de uso de equipamentos individuais de proteção (EPIs), e a impossibilidade de separar a exposição ocupacional às micro-ondas e RF das outras fontes de campos eletromagnéticos ou de outros fatores ambientais (por exemplo, os trabalhadores que trabalham com seladores e soldagem de plásticos também estão expostos simultaneamente aos vapores liberados pelos mesmos durante o processo).

Na América Latina, há atualmente uma crescente preocupação com a saúde dos técnicos que fazem o trabalho de manutenção muito próximos a antenas “vivas”, ou seja, que não são desligadas durante o trabalho de manutenção. Queimaduras de primeiro e segundo grau foram relatadas quando trabalhadores chegaram a tocar guias de ondas ou antenas de alta potência. Embora obrigados por lei, as operadores de telecomunicações em geral evitam cortar a energia para as antenas durante os trabalhos, devido ao medo de provocar desequilíbrios no funcionamento da rede. Parece haver pouco perigo, no entanto, se forem adotados um mínimo de prudência e de utilização de EPIs, tais como luvas e roupas pesadas, capacetes e materiais isolantes. Alanko & Hietanen (2007) vistoriaram e avaliaram os níveis de emissão de energia de RF em grandes conjuntos de antenas usadas pelas redes de telefonia móvel, e subestações de rádio e de TV digital e rádio amador, medidos perto das escadas de acesso às torres. Eles relataram que todos os valores medidos onde os trabalhadores normalmente ficam localizados durante os trabalhos estavam abaixo dos níveis de referência ocupacionais da ICNIRP.

Curiosa, mas fácil de entender o porquê, é a posição dos médicos do trabalho em geral, ou que estão no comando de programas de higiene ocupacional nas empresas de telecomunicações. Uma pesquisa com mais de 200 médicos do trabalho no Brasil (Sabbatini et al., 2008, manuscrito inédito e comunicação pessoal) mostrou que: 1) o conceito de radiação não-ionizante para a maioria dos médicos está relacionada à exposição ocupacional ao calor excessivo e à luz, ao sol, e à luz coerente (equipamentos de laser terapêuticos e industrial), equipamentos de solda de plástico por micro-ondas, o uso industrial dos raios ultravioletas, lâmpadas de arco, etc.; 2) poucos médicos têm conhecimentos sobre a exposição ocupacional a RF utilizada em radiocomunicação e seus riscos, mesmo aqueles que trabalham nesta indústria, 3) Eles consideram que este agente físico é muito fraco para se preocupar, comparado a outros muito mais agressivos e perigosos. Análise de tendências de tempo

Alguns diriam que o extraordinário crescimento e proliferação das comunicações móveis é o maior experimento já feito pelo homem. Isto significa que literalmente bilhões de pessoas estão sendo expostas diariamente aos campos eletromagnéticos não-ionizantes emitidos por telefones celulares e por estações rádio-base, e que milhões foram expostos há 20 anos ou mais (embora no passado isso tenha ocorrido a níveis muito mais baixos do que atualmente). É importante notar também que as antenas de alta potência de

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transmissão de rádio existem há mais de um século, e que as antenas de radar e TV existem na maioria dos países há mais de 50 anos. Portanto, a exposição da população à RF artificialmente gerada não é uma coisa nova.

Assim, pensando unicamente com base no bom senso, seria de se esperar que, mesmo com taxas de risco relativo ligeiramente acima da unidade, a ciência epidemiológica já teria sido capaz de detectar um número considerável de novos casos de câncer a cada ano, devidos a esta exposição aumentada da população. Não devemos nos esquecer que o aparecimento da AIDS foi detectado com um número de casos pouco superior a 60, nos EUA.

Portanto, a pergunta é: onde estão esses novos casos de câncer, se realmente existe uma relação de causa-efeito entre exposição aumentada à RF em suas mais variadas fontes artificiais e indução e promoção de neoplasias in vivo?

Um dos subprodutos úteis da estimativa das taxas de risco e de incidência por meio de estudos de coorte metodologicamente rigorosos e altamente consistentes é a possibilidade de prever o número absoluto de casos de doenças que poderiam ser encontradas agora ou no futuro. Isto foi feito com sucesso com os fumantes de tabaco, por exemplo, e foi de grande valia para a saúde pública e para os muitos programas de prevenção, bem como para o planejamento de custos dos serviços de saúde, para o impacto de medidas preventivas, e assim por diante. Curiosamente, esta abordagem tem sido notavelmente pouco adotada em estudos epidemiológicos de RF. Deveríamos então testar se as previsões subestimam ou superestimam a realidade. Um dos poucos exemplos deste tipo de análise foi um estudo da tendência temporal de incidência de melanoma uveal por Johansen et al. (2002), que notou que, a despeito de um aumento de 400% na incidência deste tipo de tumor na Dinamarca na década precedente, não foi encontrara uma correlação com o uso de telefones celulares.

Deste modo, é preciso resgatar uma outra ferramenta poderosa da epidemiologia: a análise das tendências temporais de determinadas doenças. Por exemplo, o câncer de cérebro é ainda uma doença rara, quando considerada em relação à população geral. Nos E.U.A., por exemplo, Deorah et al (2007) fizeram essa análise para todos os tipos de cânceres do cérebro, ajustada por idade. Sua incidência aumentou até 1987, quando o percentual inverteu de direção, diminuindo significativamente de 1.68 para 0.44%. Este período de queda coincidiu quase exatamente com a introdução em larga escala da telefonia móvel no país. Obviamente, essas variações de incidência podem não ter nada a ver com fatores ambientais: elas podem ser devidas simplesmente ao aumento do número de casos diagnosticados pelo uso generalizado de melhores tecnologias médicas para a detecção, como é o caso da tomografia cerebral (que ocorreu no inicio da década dos 80s), segmentos maiores da população testada, introdução de programas preventivos, etc.

Alguns estudos recentes têm abordado esta questão. Por exemplo, Muscat et al. (2006) analisaram a taxa de incidência de cânceres do sistema nervoso central (SNC) entre 1972 a 2002. Eles concluíram que essas taxas não se

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alteraram significativamente durante este período, apesar do crescimento exponencial dos assinantes de telefonia móvel a partir de 1984. Os resultados por Deorah et al. (2006) também falharam em confirmar a hipótese de que o risco de câncer cerebral e de sobrevivência nos E.U.A. teria sido afetado pelo aumento no número de casos, devido ao aumento da população exposta. Na Suíça, as taxas de mortalidade por tumores de cérebro, como em muitos outros países, mantiveram-se estáveis em todos os grupos etários (Röosli et al, 2007). Ajustadas por idade, a incidência e mortalidade por câncer do SNC estão realmente caindo na maioria dos países. No estudo por Röosli e colaboradores, a taxa anual de novos casos de câncer de cérebro de 45 a 59 anos de idade no período de 1987 à 2002 foi de -0.3% para homens e de - 0.4% para as mulheres. Há, contudo, um ligeiro aumento na incidência de câncer do cérebro entre os jovens, como para muitos outros tipos de cânceres, como de mama e tiróide, mas a razão para isso é atualmente desconhecida (Sterouvotava, 2006). É importante notar, contudo, que o cálculo da associação estatística entre as tendências temporais de variáveis relevantes é cheio de dificuldades. Quaisquer duas variáveis que variarem para cima ou para baixo em sincronia irão gerar uma associação alta espúria, sem que isso necessariamente indique que elas são relacionadas causalmente. Além disso, considerando que o tempo de latência necessário para o aparecimento de câncer é geralmente muito grande, ainda não teríamos condições de detectar um aumento de câncer supostamente causado pelas populações cada vez mais maciças expostas à RF devido à comunicação móvel. Ele poderia vir a ocorrer, mas ainda em algum ponto no futuro. A maioria dos trabalhos científicos relatados nesta revisão, no entanto, indicam que esse aumento teria uma plausibilidade extremamente baixa.

Conclusões do Estudo Epidemiológico de Câncer

Da nossa revisão da literatura sobre a epidemiologia do câncer em pessoas expostas a radiofrequência nos níveis utilizados em telecomunicações, parece haver um consenso científico de que não há provas concretas para um risco aumentado de câncer e mortalidade entre os usuários de telefones celulares. Quanto à incidência de câncer, os resultados recentes (2007 e 2008) de estudos de coorte extensos, bem controlados e planejados (como a pesquisa dinamarquesa baseada em população) e grande estudos de caso/controle (como o do projeto INTERPHONE), proporcionaram a melhor evidência epidemiológica até o momento para uma ausência de risco, para usuários de até 15 anos de uso contínuo de aparelhos celulares . Todavia, ainda faltam dados para usuários de longo prazo (cânceres do cérebro podem ter latências de 30 anos ou mais).

Quanto à uma possível associação entre a exposição comunitária às estações rádio-base de telefonia celular e os efeitos na saúde, ela tem sido quase impossível de se comprovar, devido à falta de estudos extensos e de boa qualidade, e às dificuldades metodológicas inerentes a esse tipo de estudo. Infelizmente, o status científico da pesquisa epidemiológica nesta área baseia-

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se em terreno muito instável e sem justificativas válidas, uma vez que, em contraste com outras áreas de investigação melhor estabelecidas, "as questões de pesquisas de RF não são movidas por uma hipótese biofísica específica, mas por uma preocupação geral que existam efeitos desconhecidos ou mal compreendidos da radiofrequência" (Ahlbom et al, 2004). As conclusões são melhor expressas por declarações apresentadas pelos seguintes autores e comitês de especialistas: Ahlbom et al, 2004 (ICNIRP): "No geral, apesar de ocasionais associações significativas entre os vários tipos de tumores cerebrais e o uso de telefones celulares analógicos, não for relatada consistentemente qualquer associação em estudos de base populacional. O fator tempo nos estudos epidemiológicos e a falta de conhecimento sobre a exposição real do cérebro à RF durante o uso de telefones móveis até o presente (...) militam fortemente contra a atual capacidade de detectar qualquer associação verdadeira. Assim, as evidências atuais não são conclusivas quanto ao risco de câncer após uma exposição pesada à RF a partir de telefones móveis. (...) Resultados de estudos epidemiológicos até agora não dão nenhuma evidência consistente e convincente de uma relação causal entre exposição à RF e qualquer efeito adverso à saúde. Por outro lado, esses estudos têm deficiências demais para que seja descartada uma associação." Ahlbom et al, 2009 (ICNIRP): Apesar das limitações metodológicas e os dados limitados sobre a latência longas e uso a longo prazo, os dados disponíveis não sugerem uma associação causal entre a utilização do celulares e os tumores de rápido crescimento, como gliomas malignos em adultos (pelo menos para os tumores com períodos curtos de indução). Para tumores de crescimento lento, tais como meningiomas e neuromas acústicos, bem como para gliomas entre os usuários de longo prazo, a ausência de associação relatada até agora é menos conclusiva, porque o período de observação foi curto. demais.

SCENIHR (2007): As evidências epidemiológicas indicam que o uso do telefone celular por menos de 10 anos não representa qualquer risco acrescido de tumores cerebrais ou neuroma do acústico. Os dados a longo prazo são escassos e as conclusões são, portanto, incertas e provisórias - no entanto, a partir dos dados disponíveis, parece que não há aumento do risco de tumores cerebrais em usuários de longo prazo, com exceção do neuroma acústico para as quais há alguma evidência de uma associação (...) Em conclusão, não houve efeitos para a saúde consistentemente demonstrados em níveis de exposição abaixo dos limites do ICNIRP criados em 1998. No entanto, a base de dados para esta avaliação é limitada especialmente para a exposição a longo prazo de baixo nível. WHO / IARC (Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer) Borladodododododo Cancer Report 2008. http://www.iarc.fr/en/Publications/PDFs-online/World-Cancer-Report

"A radiação de radiofrequência emitida pelos telefones móveis tem sido investigadas em vários estudos. Há alguma evidência de que a longo prazo o

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uso pesado de telefones celulares pode estar associado a um moderado aumento do risco de gliomas, tumores da glândula parótida, e neuromas acústicos, porém, as evidências são conflitantes e o papel de vieses nestes estudos não pode ser descartado (…) Com referência à radiofrequência, os dados disponíveis não mostram qualquer excesso de risco de câncer cerebral e outras neoplasias associadas ao uso de telefones celulares (…) Após 1983 e, mais recentemente, durante o período de crescente prevalência de usuários de celulares, a incidência (de tumores cerebrais) se manteve relativamente estável para homens e mulheres." As partes do estudo INTERPHONE que foram publicadas até agora em sua grande maioria não apoiam a existência de associações estatísticas elevadas entre a incidência de vários tipos de tumores do cérebro e a utilização de aparelhos de telefone celular, pelo menos para gliomas, meningiomas e neuromas, bem como para tumores das glândulas parótidas. As expectativas em torno da importância e resultados do INTERPHONE, portanto, têm sido amplamente justificada pelos seus resultados, que parecem ser os de maior qualidade e autoridade até agora. Estudos de coorte de grande escala e alta qualidade, como o COSMO (Schüz, 2006), bem como em modelos de exposição comunitária devem ser o próximo grande projeto para resolver as dúvidas que persistem sobre avaliação de risco em vários grupos etários, especialmente crianças.

Outros sintomas e doenças

É muito difícil superar os problemas metodológicos de estudos epidemiológicos com o objetivo de avaliar os riscos ligados à exposição à RF e outras doenças comuns. Uma razão importante é que, ao contrário dos estudos de incidência de câncer, a maioria das doenças candidatas não são submetidas a registro obrigatório, e que os prontuários dos pacientes são incompletos, muitas vezes imprecisos e contribuídos por tantos provedores de cuidados de saúde, que com os dados retrospectivos baseados em informações do paciente são geralmente pouco confiáveis. Os distúrbios cardiovasculares, gastrointestinais, dos sistemas nervoso, endócrino e reprodutivo, constituíam até agora as principais áreas de interesse de estudos epidemiológicos, porém eles não foram adequadamente investigados. Algumas doenças degenerativas, como a síndrome amiotrófica lateral também foram consideradas.

Ahlbom et al. (2004) analisaram o efeito de vários tipos de exposição ocupacional à campos eletromagnéticos sobre outras doenças que não o câncer. A principal variável independente na maioria dos estudos foi a descrição de trabalho, e o número de indivíduos por estudo foi muito pequeno.

Em outra recente revisão de estudos epidemiológicos sobre o efeito da exposição à radiação eletromagnética emitida por estações rádio-base de antenas celulares, Röosli et al (2009) analisaram 17 artigos que foram considerados de qualidade científica satisfatória, dos quais 11 estudos

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epidemiológicos e seis de exposição controlada. A maioria dos artigos (14) examinou a associação entre a exposição e o bem-estar e sintomas inespecíficos e subjetivos de doença. descritos pelos pacientes (mal-estar, dor de cabeça, fadiga, náuseas, etc). A maioria dos estudos que procuraram estudar os efeitos agudos da exposição não encontraram nenhuma associação com os sintomas durante ou logo após a exposição às radiações de estações rádio-base Estudos realizados em laboratórios não encontraram nenhum padrão consistente de resposta, sugerindo que os sintomas relatados não tinha nada a ver com a exposição em si. Os estudos epidemiológicos não mostraram nenhuma evidência de que pessoas que vivem perto de estações rádio-base sejam diferentes daquelas que não vivem perto delas. Os autores afirmam que a exposição dos seres humanos em condições de campos eletromagnéticos acima de 1 V/m quase nunca ocorre, portanto, não é possível atribuir efeitos a eles.

Cataratas: Elas pareceriam ser um resultado plausível ao aquecimento local promovida por campos de micro-ondas emitidos por um telefone celular usado em proximidade dos olhos, e vários estudos anteriores haviam relatado um possível aumento na incidência de cataratas em diversos tipos de trabalhadores que lidam com pulsos de RF de alta intensidade, como o radar, televisão e rádio transmissores. A qualidade desses estudos iniciais, entretanto, foi baixa (WHO, 1993). Na revisão de Ahlbom, quatro destes estudos anteriores realizados entre 1965 e 1984 não apresentaram provas de um aumento do risco de cataratas nas categorias estudadas. Na maioria deles, não foram adequadamente controlados os possíveis efeitos de variáveis confundentes, tais como a exposição crônica ao sol sem óculos de proteção (um risco bem documentado). Risco reprodutivo: Vários parâmetros foram avaliados em relação à exposição ocupacional à RF em 17 estudos realizados entre 1975 e 2000: qualidade do sêmen, fertilidade, aborto espontâneo, morte fetal, baixo peso no nascimento e defeitos de nascimento. Em 10 estudos, os casos foram fisioterapeutas, tanto homens como mulheres, que muitas vezes utilizavam fornos de micro-ondas e aparelhos de aquecimento de RF sem medidas de proteção. O restante foram operadores de radar e militares que trabalhavam com emissores de alta potência de RF. Não há estudos sobre técnicos de manutenção de sistemas de antenas de RF. A maioria dos estudos não conseguiu provar qualquer efeito grande, e mostrou taxas de risco relativo em torno de 1,3, com exceção de algumas evidências de uma redução do número de espermatócitos em três estudos. Segundo Ahlbom, "dada a susceptibilidade conhecida da espermatogênese ao aquecimento, mesmo sutil, a possibilidade de redução da fertilidade em homens expostos é razoável".

Doenças cardiovasculares: São raros os estudos epidemiológicos de boa qualidade sobre a incidência e risco de doenças cardiovasculares, como hipertensão e doença isquêmica do coração. Um vínculo biofísico e etiológico específico que pudesse causar estas doenças por campos de RF é difícil de explicar, e todos os inúmeros fatores de risco importantes para doenças cardiovasculares nem sempre foram isolados adequadamente nos estudos existentes, tais como a herança genética, intensidade do estresse crônico,

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tabagismo, dieta, exercício, dislipidemias, etc. Um grande estudo de coorte com quase 200.000 funcionários da Motorola (Morgan et al, 2000) expostos à RF mostrou uma tendência oposta (apesar de que não estava claro o grau de exposição dos indivíduos ou controles). Foi observada menor mortalidade, internação hospitalar e menor incidência de doenças cardiovasculares entre os usuários de telefone celular do que nos controles, com riscos relativos em torno de 0.5, mostrando, assim, o chamado “efeito do trabalhador saudável”. Alterações comportamentais: Devido ao fato de que dados comportamentais obtidos por entrevistas subjetivas são de baixa confiabilidade, foram realizados poucos estudos epidemiológicos caso/controle e de coortes sobre o efeito de radiações não ionizantes de baixo nível sobre o comportamento humano. Uma exceção é Divan et al (2008), que analisaram a associação entre a exposição materna pré-natal e pós-natal a celulares e problemas comportamentais em crianças no âmbito de um estudo de grande coorte prospectivo/retrospectivo. Mães de 13.159 crianças na Dinamarca responderam a questionários sobre seu uso de telefones celulares durante a gravidez por até sete anos antes do parto, bem como o comportamento e o uso de telefones celulares pelos seus filhos. Os autores relataram razões de chances ajustadas de 1,8 para problemas comportamentais observados em crianças que tinham tido "possível" exposição pré e pós-natal ao uso de telefones celulares pelas suas mães. A conclusão foi que a exposição "ao uso de telefones celulares foi associada com dificuldades de comportamento como hiperatividade e problemas emocionais em torno da idade de entrada da escola." O estudo, infelizmente, teve uma série de possíveis vieses e de variáveis de confusão, e até mesmo os autores puseram em dúvida o significado dos seus resultados, uma vez que "as associações observadas não são necessariamente (...) causais e a confusão causadas por problemas comportamentais não medidos poderia ter produzido tais resultados. Além disso, este é o primeiro estudo do tipo (...) e aguarda a replicação."

Sintomas não específicos: diversos grupos de pessoas que vivem perto de estações rádio-base de telefonia móvel têm relatado uma vasta gama de sintomas, como fadiga, mal-estar, vertigem, tontura, distúrbios do sono, dores de cabeça, sintomas gastrintestinais, como náuseas e diarréia, perda de apetite, sintomas visuais, diminuição da libido, perda de memória e concentração e depressão, supostamente causados por esta proximidade. Deve-se notar que estes são sintomas muito comuns em muitas doenças, ou são eventos isolados, sem uma causa específica. Eles também têm sido associados com leves distúrbios mentais, estresse, ansiedade, depressão, manifestações psicossomáticas (somatização) e outros transtornos afetivos. Projetos experimentais (chamados de estudos de provocação) são mais adequados para investigar o aparecimento desses sintomas em relação à exposição de RF em indivíduos. As investigações epidemiológicas existentes sofreram de vários problemas metodológicos que normalmente invalidaram seus resultados, principalmente devido a erros de amostragem, forte viés de recordação, e outros, que são discutidos abaixo Não obstante, diversos estudos de secção transversal de baixa qualidade têm sido realizados (Santini et al, 2002, 2003, Navarro et al, 2003, Hutter et al, 2006), causando grande

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alarme entre a população e obtendo respostas das autoridades públicas. Não foram publicados controle de caso ou estudos de coorte sobre este assunto. Estudos transversais são inadequados porque não preveem controles com pessoas que residam em áreas distantes dos locais de estação rádio-base. Além disso, não eram estudos cegos, abrindo a possibilidade de vieses e de vários outros erros. O levantamento realizado por Hutter era um pouco melhor concebido do que Santini e Navarro (o estudo de Navarro usando dados de uma estação base apenas!).

Mais recentemente, um grupo de pesquisa na Alemanha realizou um estudo epidemiológico transversal de base populacional, investigando os efeitos adversos para a saúde de estações rádio-base de telefonia móvel (Berg- Beckoff et al., 2009). Na primeira fase do estudo, foi realizado um levantamento em nível nacional de mais de 30 mil entrevistados que responderam a um questionário por via postal sobre sua saúde geral, queixas e sintomas, bem como a proximidade (de até 500 m) a antenas de telefonia celular. Como resultado, cerca de 18% dos entrevistados estavam preocupados com possíveis efeitos na sua saúde, enquanto que um adicional de 10% atribuíram seus problemas de saúde às estações de base. Na segunda fase do estudo, a medição de campos de RF foi realizada nas residências de cerca de 3.000 respondentes. Nenhuma correlação foi encontrada entre a proximidade de estações rádio-base e queixas de saúde, porém os respondentes que apresentavam distúrbios de sono se queixaram mais do que os outros de problemas de saúde.

Schüz et al. (2009) avaliaram outros distúrbios do sistema nervoso, que não o câncer, no estudo de coorte dinamarquês de mais de 420 mil habitantes, tanto para os usuários de curto, quanto de longo prazo, de telefones celulares, usando registros de saúde de base hospitalar. Os usuários de telefones celulares tiveram um risco 10 a 20% maior de enxaqueca, vertigem e de 30 a 40% menor risco de epilepsia, demência e outras doenças degenerativas do sistema nervoso, como Alzheimer, Parkinson, esclerose lateral amiotrófica, esclerose múltipla, etc . Os resultados são difíceis de interpretar no entanto, porque apenas uma fração dos pacientes com sintomas prodrômicos aparecem nos registros de internação (simples vertigem e dores de cabeça geralmente não são doenças que exigem internação), e por vários vieses que poderiam estar em operação em relação ao fiabilidade dos registos assinante do uso do telefone celular.

O efeito nocebo Na verdade, a preocupação com os efeitos na saúde de FEM parece resultar de notícias alarmantes divulgadas pela imprensa e pela Internet, provocando em algumas pessoas um certo número de sintomas psicossomáticos e sinais que são similares a outros transtornos de ansiedade, como síndrome do pânico (Röosli, 2008). Este é um tipo de efeito chamado de nocebo (Bonneux, 2007). ele é o oposto do efeito placebo e às vezes é extremamente prejudicial para a qualidade de vida das pessoas afetadas, às vezes impedindo o trabalho normal. A esse respeito, Röosli (2008) concluiu que

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"os riscos para a saúde devidos à manutenção de sustos ambientais por estudos falso-positivos têm sido negligenciados. A hipótese nocebo afirma que as expectativas de doença causam doença no indivíduo expectante. Manter a ansiedade, promovendo dúvidas na mente de pessoas crédulas sobre a qualidade do ambiente em que elas vivem pode causar doenças mentais graves. A ansiedade causada por isso na área da saúde é um problema de saúde pública, que deve ser abordado em seu próprio direito.

Usar um dosímetro de RF pessoal permitiria uma melhor medida de exposição à RF, ao nível individual e fazer correlações com sintomas subjetivos, de uma forma muito semelhante à dos gravadores de ECG de Holter usado em diagnósticos de cardiologia. Recentemente, o primeiro estudo utilizando esta abordagem foi publicado (Thomas et al, 2008). Os autores não encontraram nenhuma associação estatisticamente significativa entre a exposição à RF e sintomas crônicos ou entre a exposição e sintomas agudos.

Estudos epidemiológicos na América Latina

Nós não encontramos qualquer estudo epidemiológico significativo sobre os efeitos dos campos de alta frequência eletromagnética na saúde humana. Em São Paulo, Brasil, um grupo de pesquisa multi-institucional foi estabelecido para estudar epidemiologicamente a exposição a campos eletromagnéticos de frequências muito baixas (ELF) gerados por linhas de transmissão elétrica de alta voltagem.

Principais conclusões dos estudos epidemiológicos

Concluímos, portanto, que os estudos epidemiológicos de RF publicados até agora não conseguiram demostrar consistentemente e e em nível significativo a existência de possível efeitos adversos à saúde de campos eletromagnéticos não ionizantes nos espectros de radiofrequência e micro-ondas em nível de potência abaixo dos limiares de segurança recomendados, e que numerosas falhas metodológicas, combinados com o pequeno número de desfechos de saúde analisados até agora, não permitem conclusões definitivas, sobretudo no que se refere à crianças. Nossas conclusões estão em linha com as de outros organismos internacionais e nacionais de especialistas, declarações oficiais, tais como: Comissão Europeia (2009). Health Effects of Exposure to EMF. Opinion of the Scientific Committee on Emerging and Newly Identified Health Risks (SCENIHR) (p. 4). “Concluiu-se que a partir de três linhas independentes de evidência (epidemiológica, estudos com animais e estudos in vitro) que a exposição a campos de RF é improvável de levar a um aumento de câncer em seres humanos".

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http://ec.europa.eu/health/ph_risk/committees/04_scenihr/scenihr_opinions_en.htm

Holanda, Relatório do Conselho de Saúde (2009) Atualização Anual 2008:"A comissão discute ainda a relação entre os campos eletromagnéticos e a atividade do cérebro e entre os campos eletromagnéticos e sintomas de saúde. Em ambos os casos, a Comissão conclui que não há provas científicas de que a exposição em níveis ambientais de campos eletromagnéticos de radiofrequência provoque problemas de saúde. "http://www.gr.nl/index.php

ICNIRP (2009): Declaração sobre "Guidelines for limiting exposure to time-varying electric, magnetic, and electromagnetic fields (up to 300 GHz)"".. é a opinião do ICNIRP que a literatura científica publicada desde 1998 não forneceu nenhuma evidência de efeitos adversos abaixo das restrições básicas e não necessita de uma revisão imediata das suas orientações sobre a limitação da exposição a campos eletromagnéticos de alta frequência http://icnirp.org/documents/StatementEMF.pdf

Agência Francesa de Meio Ambiente e Segurança e Saúde Ocupacional (2009): • ".. os dados experimentais atualmente disponíveis não indicam efe9tos de curto ou a longo prazo da exposição à campos eletromagnéticos de RF, e nem os dados epidemiológicos atuais apontam para os efeitos da exposição a curto prazo. As dúvidas permanecem quanto aos efeitos de longo prazo, entretanto o grupo declara, que nenhum mecanismo biológico foi criado para apoiar a presença de danos de longo prazo."http://www.afsset.fr/upload/bibliotheque/964737982279214719846901993881/Rapport_RF_20_151009_l.pdf

E, finalmente, a partir da fonte de maior autoridade, as análises da literatura feitas pelo grupo de especialistas do WHO EMF Project, dos milhares de artigos científicos publicados em revistas sobre todos os aspectos referentes aos campos eletromagnéticos e saúde permitiram as seguintes declarações oficiais:

Organização Mundial da Saúde (2007)

"Apesar de extensa investigação, até a recente data não há nenhuma evidência para concluir que a exposição a campos eletromagnéticos de baixo nível seja prejudicial à saúde humana." (Key Point n º 6)http://www.who.int/peh-emf/about/WhatisEMF/en/index1.html

"Até agora, todas as opiniões de especialistas sobre os efeitos na saúde da exposição a campos de RF chegaram à mesma conclusão: Não há consequências adversas à saúde estabelecidas a partir de exposição à campos de RF em níveis abaixo das diretrizes internacionais sobre limites de exposição, publicado pela Comissão Internacional sobre Radiações Não-Ionizantes (ICNIRP, 1998). "Crianças e Celulares: Declaração de Esclarecimento (segundo parágrafo)

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http://www.who.int/peh-emf/meetings/ottawa_june05/en/index4.html

Fact Sheet No. 304: Campos eletromagnéticos e saúde pública: Estações rádio-base e tecnologias sem fio (Maio de 2006)http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs304/en/index.html

"Conclusões: Considerando-se os níveis de exposição muito baixos e resultados de pesquisa coletados até o momento, não há evidência científica convincente de que os sinais fracos de RF de estações rádio-base e redes sem fio causem efeitos adversos à saúde."

Fact Sheet No. 193: Campos electromagnéticos e saúde pública: telefones celulares (Maio de 2010)http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs193/en/index.html

"Muitas dos grandes os estudos epidemiológicos multinacionais foram concluídas ou estão em curso, incluindo estudos caso/controle e estudos de coorte prospectivos que examinaram vários parâmetros de saúde em adultos. Até a data presente, os resultados de estudos epidemiológicos não fornecem evidências consistentes de uma relação causal entre a exposição a radiofrequência e qualquer efeito adverso à saúde. No entanto, estes estudos têm limitações demais para excluir completamente uma associação (...) O crescente uso de telefones celulares e a falta de dados com respeito à utilização dos mesmos durante períodos de tempo mais longos do que 15 anos justificam a realização de pesquisas sobre o uso de telefones celulares e o risco de câncer no cérebro . Em particular, com a recente popularidade do uso do celular entre jovens e, portanto, um período de vida potencialmente mais longa de exposição, a OMS promoveu a investigação complementar sobre este grupo. ".

As fortes evidências e o conhecimento sobre as relações entre a exposição pessoal a campos eletromagnéticos, tais como aqueles usados em RF de radiodifusão e de comunicação, ainda são limitados, principalmente devido à relativa falta de estudos epidemiológicos mais amplos e bem controlados, bem como um conjunto restrito de desfechos de saúde que tenham sido estudados até agora. Adicione-se a isso tudo as significativas dificuldades metodológicas decorrentes de tais estudos. Os estudos que indicaram uma associação positiva são escassos e são significativamente superados pelos estudos com resultados negativos. Não há coerência satisfatória entre os estudos. Meta-análises bem conduzidas em relação à incidência de câncer de cabeça e cérebro sugerem que não existe risco (por exemplo, Lakhola et al.,2006).

Isso se aplica a resultados relacionados à neoplasia, tais como cânceres de cabeça e pescoço para os resultados como para efeitos adversos sobre o sistema reprodutivo (por exemplo, esterilidade, deformações fetais, etc), bem como para outros sintomas e efeitos prejudiciais à saúde que foram estudados, tais como sobre os sistemas cardiovascular, endócrino, distúrbios oculares, efeitos sobre o sistema nervoso e a chamada Síndrome de Hipersensitividade Eletromagnética (Electromagnetic Hypersensitivity Syndrome - EHS). Razões de risco relativo calculadas empiricamente foram, em sua maioria, próximas à

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unidade, o que indica ausência de risco, ou, em caso maiores do que um, com valores relativamente baixos, que são difíceis de interpretar devido à baixa incidência dessas doenças nas amostras estudadas.

Esta falta de evidência é particularmente aguda em estudos epidemiológicos de longo prazo relativos à exposição comunitária a estações rádio-base Os baixos níveis de RF utilizados por esses modernos equipamentos digitais sugerem que são esperadas latências extremamente longas para qualquer manifestação de saúde decorrentes da exposição crônica, mas nenhum estudo foi terminado até agora que tenha endereçado latências de tempo superiores a 10 anos.

Assim, estudos epidemiológicos longitudinais e prospectivos de décadas de observação de alta qualidade terão que ser realizados antes de qualquer evidência poder ser fornecida a este respeito. Além disso, não existem dados epidemiológicos sobre grupos de usuários específicos, como crianças.

Declarações da Comissão de Especialistas Latino-Americanos

Os membros da Comissão concluíram que, em vista das dificuldades metodológicas e dos grandes custos envolvidos neste tipo de investigação, este tipo de pesquisa não é uma prioridade para a região, neste momento, e que estas poderia, ser melhor exercidas por países com mais recursos, como está sendo feito dentro do projeto INTERPHONE. É claro que seus resultados podem ser ampliados aos países latino-americanos.

A Comissão sugere, ainda, que existe, outras orientações de pesquisas epidemiológicas em saúde em relação ao financiamento das pesquisas e da atenção à saúde, devido aos enormes custos humanos e econômicos de doenças como dengue, malária, doença de Chagas, tuberculose, Aids, desnutrição, transtornos do desenvolvimento, e outros, que ainda são predominantes, porem mal financiados e negligenciadas pelas indústrias farmacêuticas e os estabelecimentos médicos dos países mais desenvolvidos.

As questões metodológicas em estudos epidemiológicos

Ahlbom et al. (2004) chamaram a atenção para as muitas dificuldades que cercam os estudos puramente observacionais e epidemiológicos de resultados adversos para a saúde da exposição a campos de RF de médio e longo prazo.

Outros autores, como Auvinen et al (2006) também comentaram sobre estes pontos, argumentando que melhorias consideráveis deveriam ser feitas nos fatores que afetam a validade dos estudos epidemiológicos sobre os efeitos na saúde do uso de telefones móveis, tais como quanto à arquitetura dos estudos, e avaliação acurada da exposição.

Deste modo, devido à grande importância de se qualificar a revisão crítica e sistemática dos estudos epidemiológicas, decidimos mencionar e discutir brevemente alguns dos principais pontos de qualidade metodológica neste ponto.

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A diversidade de contribuição das fontes de exposição: Valberg et al (2007) indicaram que o corpo humano absorve cerca de 5 vezes mais energia de RF proveniente de transmissões de rádio FM e TV (em torno de 100 MHz) do que de frequências emitidas por estações rádio-base usadas em comunicações móveis (cerca de 1-2 GHz). Existem poucas razões para que um estudo epidemiológico destaque a certeza da exposição a uma antena de estação rádio-base de telefonia móvel, por exemplo, só porque ela fica perto do local onde os indivíduos vivem, com exceção de uma avaliação da prevalência da exposição, mas isso não justifica a exclusão de outras fontes de emissão de RF, a não ser que seja feito uma análise espectral de forma prospectiva ao longo da exposição. Deste modo. há poucas evidências atualmente que justifiquem que estudos epidemiológicos derivem suas conclusões exclusivamente aos efeitos nocivos das ondas de rádio emitidas a partir de antenas de telefonia móvel, negligenciando as ondas de rádio emitidas em frequências produzidas por outros tipos de transmissores presentes na proximidade dos sujeitos estudados (Schüz et al, 2000). Estes autores realizaram experiências que mostram que a contribuição de frequências de telefonia móvel de RF total é pequena, e que a densidade de potência total reflete muito mais as frequências utilizadas pelas rádios FM, AM e canais de televisão. Como é impossível que as pessoas sejam submetidas a uma única faixa de frequência por qualquer período de tempo significativo, a determinação da contribuição de cada banda ao risco global continua a ser uma proposta difícil, na melhor das hipóteses (Neubauer et al, 2007). De fato, alguns autores sugerem que "é praticamente impossível eliminar a exposição à RF a partir de outras fontes para o estudo dos efeitos isolados de telefones celulares na saúde." (Kohli et al, 2009), de modo que não se pode inferir de forma nenhuma um nexo causal da RF devida a uma fonte única (por exemplo, telefones celulares ou estações rádio-base).

Exposição mal estimada da população: esta é a maior fraqueza metodológica presente na maior parte dos estudos epidemiológicos. Com as técnicas usadas pelos estudos apresentados até agora, especialmente para a exposição comunitária e ocupacional, é quase impossível determinar com algum grau de confiabilidade a intensidade da variável independente, que é a Taxa de Absorção Específica (SAR) para diferentes partes do corpo, mesmo quando as densidades de energia de campo são medidas.

Muitos estudos ocupacionais, por exemplo, usaram apenas uma descrição do trabalho dos sujeitos expostos como um indicador aproximado de exposição (Ahlbom et al, 2004), ou usaram a distância dos mesmos à fonte mais próxima de RF para determinar os casos e controles, ou se basearam apenas em cálculos teóricos de distribuição de RF a partir de uma antena, a várias distâncias. Uma vasta gama de variações de exposição, em intensidade ou tempo foram combinados, até mesmo em estudos aparentemente bem projetados. Portanto, a confiabilidade e robustez dos elementos destas investigações epidemiológicas são muito baixas e não podem ser confiáveis para chegar a qualquer evidência. Breckencamp et al (2008) fizeram uma comparação entre as exposições calculadas baseadas em dados técnicos das antenas de RF de telefonia celular e os níveis mensurados por dosímetros, e concluíram que a correlação entre ambos é muito baixa (0,28 em média), bem

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como a especificidade e sensibilidade de tais cálculos para estimar as intensidades reais de campo, que as distâncias calculadas a partir de mapas introduzem um grande grau de incerteza em relação às intensidades medidas, e que apenas dosímetros envergados pessoalmente deveriam ser usados em estudos epidemiológicos de exposição comunitária, devido aos grandes erros itnroduzidos por mensurações indiretas ou representativas (“proxies”). Deste modo, Auvinen et al (2003) sugeriram que a maior parte das conclusões de "presença" ou de "ausência de efeitos" observados seriam quase sempre devidas ao acaso e não a um nexo real.

Além disso, é criticamente importante utilizar dados mais objetivos dos os que são auto-relatados pelos usuários quanto à intensidade de uso dos telefones celulares, tanto para estudos experimentais quanto epidemiológicos. O número e a duração das chamadas efetuadas, através da obtenção de informações dos provedores de telecomunicações é uma medida desse tipo, mas é difícil saber quem estava realmente utilizando o telefone quando a chamada foi feita, ou se estava sendo feita por meio de fones de ouvido ou dispositivos de viva-voz. Schüz & Johansen (2007) acharam uma concordância de apenas 60% entre o uso auto-relatado (uma medida que sofre toda espécie de vieses de memória, por si só), e os registros objetivos das operadoras de telefonia celular. Isso, evidentemente, representa tal margem de erro para calcular riscos relativos envolvendo números pequenos de sujeitos, que é de se espantar que existam trabalhos respeitáveis, como o INTERPHONE, que fazem uso de auto-relatos de uso de telefones celulares remontando a 10 anos ou mais, atrás.

Variações de potência de transmissão: a potência emitida pelo telefone celular pode variar substancialmente de chamada para chamada, dependendo da distância da estação rádio-base no momento da chamada, do ambiente onde se está utilizando o celular (dentro de um carro, por exemplo), entre outros fatores. Por exemplo, Lönn et al (2004) mediram a potência de saída de um telefone celular em áreas de diferentes graus de urbanização. Nas áreas rurais, onde as torres são maiores e mais distantes uma das outras, o nível de potência de saída utilizada por telefones móveis é, em média, consideravelmente mais elevado do que nas áreas mais densamente povoadas. O mesmo se aplica para os estudos de exposição à radiação de ERBs: diversos levantamentos em se mediu a variação do campo eletromagnético mostrou que dentro de uma mesma edificação, como uma casa ou apartamento, as pessoas são expostas a níveis amplamente flutuantes de densidade de potência do campo, à medida que se movimentam pelos seus aposentos, ou até mesmo dentro de um mesmo aposento. A consequência disso, é que não se pode assumir de forma nenhuma que só pelo fato das pessoas viverem a uma mesma distância de uma ERB estarão sujeitas ao mesmo SAR médio.

Inadequação de medidas substitutivas ou indiretas: Várias investigações metodológicas têm desafiado a adequação do chamado “proxy” ou medidas substitutivas da exposição, tais como tempo de uso do aparelho celular, número médio de chamadas, e até mesmo de duração da chamada. Morrissey (2007) , por exemplo, descobriu que elas se relacionam bastante mal com a exposição real à RF, porque há uma grande variabilidade durante uma única

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chamada, entre chamadas, entre os indivíduos, diferentes faixas etárias, localizações geográficas, etc., sem falar das variações de potência entre distintos modelos de aparelhos celulares.. Já discutimos também que estimativas subjetivas de tempo cumulativo de falar ao telefone são altamente inacuradas, com erros de até 60%. Para os estudos de exposição comunitária, a determinação das densidades reais de potência dos campos de RF também é essencial, porque, como foi comentado anteriormente, o uso de medidas indiretas de exposição, como distância, campos calculados por simulação, e outras, são tão inacurados e variáveis que não têm utilidade como medidas substitutivas ou indiretas. (por exemplo Neitzke et al, 2007).

Outras formas de comunicação móvel: Telefone celular é um termo genérico que não implica automaticamente em uma exposição uniforme à RF ao empregá-lo em contato com um dos lados da cabeça várias vezes por dia, como se infere normalmente. Não somente é impossível aferir de modo objetivo e acurado, tanto através de registros de chamadas fornecidos pelas operadoras, quanto pelo auto-relato dos usuários quantas vezes as pessoas fizeram ou receberam chamadas por viva-voz ou por fones de ouvido (diminuindo, desta forma, a exposição da região da cabeça e do cérebro à RF), mas também qual é o uso que fazem de recursos cada vez mais comuns, tais como mensagens SMS e email, correio de voz, navegação pela Internet, ouvir músicas, etc;), desta forma gerando novas fontes de imprecisão das medidas indiretas de exposição. Pior ainda, existem muitas diferenças quanto a essas novas formas de uso entre faixas etárias, sexo, nível sócio-econômico e educacional, custos operacionais, etc. Com isso tudo, fica extremamente trabalhoso e difícil o pareamento de grupos caso e controle, e a aleatorização nem sempre pode representar uma garantia para a qualidade do estudo epidemiológico.

Múltiplas fontes de exposição: Outra tendência de grande impacto que está ocorrendo progressivamente quanto aos padrões de utilização das comunicações móveis, e que é difícil de controlar, em especial em estudos epidemiológicos retrospectivos de coortes baseados em registros de base populacional, é a de que muitos usuários possuem hoje mais de um telefone celular em seus nomes ou em nome de empresas, de tal forma que é impossível controlar o grau de uso e exposição à RF nesses casos. Em muitos países, os telefones celulares pré-pagos, os quais normalmente não têm o usuário identificado, representam mais de 80% de todas as linhas, e uma parte grande da população de usuários opera de formas altamente variáveis uma mistura de telefones pós-pagos e pré-pagos, do mesmo ou de distintos provedores, ou até mesmo com vários chips SIM de celulares, que são intercambiados livremente e sem aviso. Procedimentos para a ligação de registros (record linkage) não funcionarão em todos estes casos, levando uma subestimativa sistemática da exposição à RF de muitos usuários.

Mudanças temporais de longo prazo nos níveis de exposição: Um fator adicional que leva á erros de estimativa da exposição dos usuários à RF tem sido muitas vezes ignorado pelos epidemiologistas: a rápida evolução das tecnologias de telecomunicação móvel. Uma pessoa que usou um telefone celular por 10 anos ou mais, foi provavelmente o proprietário de vários modelos

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de aparelhos com parâmetros de emissão de RF muito diferentes ao longo deste tempo, tanto do ponto de vista do SAR, quando da modulação do sinal. Dados recentes mostram que dois terços dos usuários americanos substituem seus telefones após uma média de menos de dois anos de uso, e que este ritmo tem se acelerado ultimamente, sendo maior para a geração mais jovem (International Communication Research, 2010). Por exemplo, no Brasil, 70% dos usuários em uma pesquisa nacional dissera, que queriam comprar um novo telefone em 2010. Em 2008 esse percentual era de 32%. (Gilsogamo, 2010).

A primeira geração (analógica) de celulares estiveram em uso até o final dos anos noventa e expunham os usuários a campos de radiofrequência, que eram de 5 a 20 vezes mais intenso do que nos aparelhos digitais atuais, além de empregarem antenas monopolo externas. Como a tecnologia evoluí constantemente nesta área tecnológica, a tendência é na direção de níveis de exposição ainda menores . Em alguns lugares os telefones analógicos ainda são utilizados, ou este modo é ativado automaticamente quando o aparelho entra em modo de visitante (roaming) em certos lugares onde não há cobertura digital ainda, porém a mudança completa, em grande parte global, para GSM, CDMA, TDMA e outras tecnologias de transmissão digital ocorreu em menos de dez anos. Nos Estados Unidos, a tecnologia analógica AMPS foi introduzida comercialmente em 1983, iDEN e CDMA, as primeiras tecnologias digitais, em 1994, e 1996, respectivamente, as de telefones segunda geração (2G) em 1997. O padrão GSM de telefonia móvel digital, iniciado em 1992 em vários países europeus, no prazo de apenas dois anos tinha conseguido um alcance global, tendo chegado aos E.U.A. em 1997. A terceira e quarta gerações de tecnologias móveis foram lançados em todo o mundo em 2003 e 2009, respectivamente. Note-se ainda que a intensidade de campos de saída de RF nas suas estações rádio-base são cada vez menos intensos e as antenas menos espaçados entre si. Micro- nano- e femtocélulas, com radiação muito baixa, agora estão se tornando a norma nas redes celulares, mudando totalmente os padrões de exposição.

Somando-se a todas essas complicações inerentes à medida do grau da exposição em telefonia celular, observamos também que os usuários têm aumentado muito o tempo total de uso do telefone nos últimos 20 anos. Por exemplo, em 1998 o consumidor médio usava o seu telefone 122 minutos por mês. Dois anos mais tarde, isso tinha quase triplicado, para 320 minutos por mês, e atualmente é provavelmente superior a 600 minutos por mês para alguns usuários pesados, como a nova categoria de "viciados em celular".

Conclui-se. ´portanto, que a imprecisão elevada na medição do valor real da variável independente com uma margem tão ampla de erro de fazer a maioria dos estudos de difícil interpretação e para alcançar a verdade, Além disso, o quadro de avaliação da exposição é muito complexo e se tornará mais assim no futuro. Como a taxa de adoção e as diferenças culturais são largas, reunindo os resultados de vários países, usando apenas a autoestima de tempo e frequência de uso, ou mesmo registros da empresa, como no INTERPHONE estudos, não pode fornecer uma estimativa adequada do uso do telefone.

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Grupos de controle incomparáveis: Realizar estudos epidemiológicos que comparam um desfecho de saúde entre usuários e não usuário de telefones celulares tenderá a ser uma tarefa impossível no futuro, pois está já ocorrendo uma dificuldade crescente em encontrar pessoas que não sejam suários dessa tecnologia de comunicação tão ubíqua, especialmente entre os jovens. Sabbatini (2010), em um estudo recente sobre os usuários de celulares em três cidades de tamanhos diferentes no Brasil, descobriu que a taxa de penetração dos mesmos é mais baixa entre os mais pobres, os de menor escolaridade, e os muito velhos, ao passo que ela supera agora mais de 100% na faixa etária de 18 a 30 anos. Neste caso, está ficando extremamente difícil, se não impossível evitar vieses de seleção capazes de introduzir grandes erros, uma vez que os grupos de controle serão diferente em muitos pontos dos grupos de casos, independentemente dos esforços para pareá-los de acordo com variáveis importantes.

Pequeno número de casos: com exceção de dois grandes estudos de coorte, a maioria das investigações epidemiológicas foi realizada com desenhos observacionais do tipo caso/, que utilizam um menor número de casos (indivíduos com a doença). Embora os métodos possam ser posteriormente suficientemente sensíveis para detectar associações significativas, mesmo com um número relativamente pequeno de indivíduos, há vários vieses e anomalias estatísticas possíveis quando os pesquisadores não são capazes de coletar dados suficientes de casos, como quando a incidência de cânceres investigados é muito rara (alguns estudos foram baseados em 1 à 3 casos apenas, o que é positivamente uma aberração, ao se considerar a extrema instabilidade dos métodos de inferência estatística com números tão baixos. As taxas de risco relativo próximas a 1 podem ser significativas por puro acaso, ou mais provavelmente, efeitos de maior magnitude pode ser indetectados. Simulações de Monte Carlo têm demonstrado que os testes de associação não paramétrica que partem de tabelas altamente assimétricas e com números muito pequenos em uma das suas células são altamente sensíveis a pequenas variações nos números de pacientes que apresentaram a doença.

Pequeno número de amostras espaciais: os poucos estudos sobre exposição comunitária a antenas de ERBs usaram a distância da mesma às residências das pessoas expostas, ou uma área de tamanho fixo delimitada em torno da ERB (a chamada amostra espacial), para delimitar uma região na qual serão coletados os dados dos sujeitos a serem alocados os casos e os controles. Esta é uma suposição bastante arriscada e injustificada se o número de amostras espaciais for pequena, porque outros fatores de risco podem estar operando na região, tais como: herança genética comum (a existência de grupos familiares ou étnicos de forma diferenciada nas áreas de caso e de controle), a presença de fontes de radiações ionizantes, como radônio, a contaminação química do solo, etc e que não podem ser devidamente ajustados para que o estudo seja bem realizado e não apresente fatores confundentes. Alguns dos estudos de exposição comunitária que foram publicados, não foram incluídos na presente análise de literatura, devido ao fato de que eles investigaram aglomerados de casos de câncer em apenas uma amostra espacial, enquanto os controles foram coletados de forma

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dispersa em uma área muito maior. Em um dos artigos publicados recentemente por um pesquisador austríaco anunciou com alarde a descoberta de uma associação entre a incidência de vários tipos de câncer e a proximidade prolongada dos indivíduos afetados a uma estação base em um pequeno povoado, Infelizmente para o pesquisador, foi anunciado que a antena em questão estava desconectada há vários anos, o que levou a um pedido de retração do artigo publicado! Este caso exemplifica os perigos de investigações epidemiológica descuidadas.

Investigação seletiva em resposta ao surgimento de aglomerados de câncer. Aglomerados (“clusters”) de câncer são conhecidos por ocorrerem com frequência, como resultado aleatório de fenômenos espaciais temporais. Assim, reagir com a realização apressadas de estudos retrospectivos forçados pela reação da comunidade a esses aglomerados, que é uma resposta muito frequente das autoridades, é uma prática de pesquisa ruim, porque é muito difícil chegar a um nexo epidemiológico-causal nesses casos. Sem mencionar que muitas vezes eles não têm uma causa subjacente real.

Pequeno número de desfechos de saúde: A maioria dos estudos publicados enfocam um pequeno número de desfechos de saúde, tais como tumores da cabeça, pescoço e sistema nervoso central. A seleção desses resultados pode deixar de fora outros desfechos ou parâmetros que possam ser significativos. Na verdade, os tumores mais raros podem ter sido deixados de fora dos estudos epidemiológicos, embora sua incidência poderia ser melhor correlacionada com a distribuição da densidade de potência no cérebro. De acordo com o resumo de outubro do 2008 do Projeto INTERPHONE pela IARC, "como a exposição à RF de telefones é localizada, se existir um risco é provável que seja maior para tumores em regiões com maior absorção de energia. A distribuição espacial da energia de radiofrequência no cérebro foi caracterizada a partir dos resultados das medições efetuadas em mais de 100 telefones usados em diferentes países. A maioria (97-99%, dependendo da frequência) parece ser absorvida no hemisfério cerebral no lado onde o celular é usado, principalmente no lobo temporal. A SAR média relativa é maior no lobo temporal e cerebelo e diminui muito rapidamente com a profundidade crescente, principalmente nas frequências mais elevadas. As análises de risco relativas à localização do tumor são, portanto, essenciais para a interpretação dos resultados de estudos de tumores cerebrais em relação ao uso do telefone móvel (Cardis et al, 2008). Portanto, devem ser realizados mais estudos para caracterizar melhor a localização tridimensional de tumores cerebrais em relação à exposição a RF.

Teste de hipóteses múltiplas: é uma coisa feita comumente em estudos epidemiológicos relacionados à exposição a campos eletromagnéticos, ou seja, um grande número de desfechos associados a várias combinações de variáveis de corte costumam ser testados simultaneamente. Do ponto de vista da estatística, isso tem o efeito de aumentar a probabilidade de obter associações falso-positivas, e deve ser evitado. Outro viés é criado quando os pesquisadores enfocam as associações mais significativas estatisticamente, o que gera vieses adicionais. Particularmente em estudos de tamanho pequeno,

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associações fortes podem ser espúrias e não suportadas por estudos posteriores (Pocock et al, 2004)>

Efeitos diferenciais de variáveis confundentes: Este fator pode ser, em alguma medida, uma consequência de outros, como o pequeno tamanho das amostras, porque a grande diversidade de potenciais variáveis confundentes torna a estratificação, pareamento ou seleção, os recursos estatísticos clássicos para reduzir a variabilidade, uma tarefa impossível. Pior ainda é o fato de que os investigadores são frequentemente incapazes de determinar se os grupos de caso e controle diferem uns dos outros em termos da influência das variáveis confundentes. Um exemplo de como essas variáveis podem distorcer e mascarar os resultados, foi o estudo de validação do INTERPHONE na Alemanha (Schlehofer et al, 2007), que descobriu que a exposição a sons intensos, ao tabagismo e à febre do feno foram fatores de risco significativo para neuromas do nervo acústico, mas não a exposição a radiações ionizantes e radiações não-ionizantes (exceto para as pessoas que foram irradiadas para fins médicos na cabeça e no pescoço, com uma OR de 6,05 (Blettner et al, 2007). Um estudo caso/controle por Edwards (2006) confirmou também que um risco mais elevado (OR de 2.12) do neuroma do acústico ocorre em pessoas que ouvem música em alto volume por 13 anos ou mais. Esse resultado talvez seja a explicação para alguns dos riscos mais elevados de neuroma do acústico ipsilateral achados em vários estudos epidemiológicos, inclusive os do projeto INTERPHONE, e do grupo de Hardell, uma vez que o dano provocado pelo som do telefone celular ao ouvido em usuários pesados não pode ser separado da irradiação RNI emitida pela antena do aparelho.

Viés de latência: Além da latência que decorre entre o início da exposição a um fator etiológico e a manifestação da doença, e que é inerente à maioria das doenças, incluindo o câncer; outra dificuldade metodológica em estudos epidemiológicos é a criada pela latência entre a primeira manifestação e a primeira detecção da doença. Esse período “silencioso” pode ser muito grande em cânceres causado por exposição a agentes ambientais deletérios (por exemplo, Gofman, 1990). Em alguns tipos de câncer essa latência pode realmente ser maior do que o tempo de vida restante para os indivíduos que fazem parte do estudo, dependendo de sua idade no início do estudo. Devido às dificuldades na determinação do período real dessa latência, geralmente é utilizado o período composto pela soma das duas citadas, ou seja, o tempo decorrido desde o inicio da exposição até o diagnóstico. O problema é que essa soma cria um novo viés nos estudos observacionais sobre o desenvolvimento de doenças, chamado de viés de latência (Gail & Bénichou, 2001), que pode introduzir grandes erros sistemáticos diferenciais e afetar os resultados de várias maneiras. Por exemplo, em estudos de coortes, o período de observação é muitas vezes limitado arbitrariamente e pode terminar antes que sejam diagnosticados casos novos de câncer no grupo exposto, diminuindo assim a magnitude aferida do efeito (risco relativo), particularmente para os subgrupos de menor ou nenhuma exposição, uma vez que nesses grupos a incidência de tumores pode ser menor, caso haja uma relação causa-efeito. Além disso, os tumores no grupo exposto podem ter começado a crescer antes de ter se iniciado a exposição ao agente ambiental estudado, sem ter nexo causal com o mesmo. Isso tem a propriedade de aumentar a

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magnitude do risco relativo, principalmente para períodos de latência muito longos. Os estudos de caso-controle são menos sensíveis ao viés de latência por causa da aleatorização e do pareamento de casos com controles, mas outros efeitos diferenciais causados pela latência podem estar presentes. Isso pode ocorrer, por exemplo, quando dados de casos ou de controles que foram submetidos a períodos curtos de exposição aos campos electromagnéticos forem analisados em conjunto com dados de casos e controles que tiveram exposições por períodos mais longos de tempo.

Um modelo em várias fases de causação do câncer, como o proposto por Armitage & Doll (1961), deveria ser utilizado na concepção de estudos epidemiológicos de câncer em relação a agentes ambientais. Os investigadores devem introduzir retardos entre o inicio da exposição e a realização das observações, com base nas latência médias, conhecidas ou calculadas, para o tipo particular de câncer em estudo (Gail & Bénichou, 2001), um valor que, infelizmente, muitas vezes é desconhecido ou que não foi observado.

Estudos epidemiológicos durante longos períodos de tempo são difíceis de realizar e a maioria dos usuários de telefone celular no mundo têm menos de 5 anos de uso, por isso esta dificuldade não é fácil de resolver. Além disso, os períodos de retardo relevantes para os potenciais efeitos da exposição de RF de baixa intensidade sobre a saúde são presentemente desconhecidos, mas provavelmte são bastante longos e, portanto foram negligenciados pelos estudos realizados até agora.

Viés de seleção é muito comum em estudos caso/controle retrospectivos e pode agir quando são realizadas inclusões ou exclusões de participantes de acordo com tendências diferenciais conscientes ou inconscientes (por exemplo, selecionar pacientes com aparência mais saudável para o grupo de controle). Esse tipo de viés é facilmente afastado com a aleatorização, porém outras formas de seleção podem ser mais difíceis quanto à prevenção do viés de seleção. Um exemplo muito comum ocorre quando o desenho do estudo prevê deixar de fora os dados de pessoas que se recusaram a participar do estudo, ou que desistiram de participar antes que ele terminasse, porque eles podem ter feito isso por alguma razão que irá introduzir um erro sistemático na amostragem. O potencial desse tipo de viés de seleção foi avaliado em um dos estudos metodológicos preliminares do Projeto INTERPHONE (Vrijheid et al, 2009B) usando informações provenientes de questionários especiais que foram preenchidos por um subconjunto de sujeitos que não participaram por algum motivo do estudo. O uso regular do telefones móveis foi relatado como sendo menos frequente no grupo de controles (56%) e casos (50%) nos não participantes do que por aqueles que participaram (controles, 69% e casos, 66%). Os resultados, que sugerem que a recusa de participação está relacionada a uma menor frequência de uso de celulares, poderia levar a uma diminuição da razão de chances (OR) em torno de 10%. Além disso, uma taxa mais reduzida de respostas a questionários introduz um viés, particularmente entre os controles, se a causa da participação é de algum modo relacionado ao uso de telefones móveis (Cardis et al., 2007). Esta poderia ser uma explicação parcial para o fato de que muitos das razões de chances (OR) calculadas nos estudos INTERPHONE foram menores do que 1 (SCENIHR, 2009). Outros

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exemplos de viés de seleção são deixar de fora usuários corporativos de telefones celulares (devido à dificuldade de identificar efetivamente qual era a pessoa que o utiliza), excluir pessoas com outros tipos de doenças, ou que já morreram (para evitar questionamento retroativos de parentes ou amigos, chamados de “questionários por procuração” (proxy, em inglês), geralmente mais inacurados, etc.

Viés de recordação: Para estudos retrospectivos baseados em questionários, esta pode ser uma fonte importante e bastante comum de viés, devido ao fato que a intensidade de utilização auto-relatada de telefones celulares é notoriamente uma medida pouco confiável, particularmente em estudos de longo prazo. Timotijevic et al. (2008) examinaram os fatores que influenciam o auto-relato nessas condições, tais como a indução inconsciente de determinadas respostas, as referências temporais e outras. Um estudo de correlação por Parslow et al (2003) indicou que o auto-relato de indicadores da intensidade de uso de telefones celulares no passado tende a ser mais comum para estimativas a mais desses números do que relatar a menos (70% a mais quanto ao número de chamadas realizados e 180% a mais quanto à duração das chamadas). A maioria dos estudos de validação de auto-relatos superestima a duração por um fator de 1.4 e subestima o número de chamadas por um fator de 0,81 (Vrijheid et al. 2008, 2009). Essa magnitude de erro seria intolerável em qualquer estudo cientifico, porém o uso de aleatorização e de cálculos de risco relativo tem o efeito de tornar menos importante esse viés, a não ser que ele ocorra de forma diferencial nos grupos de casos e de controles, ou nos dois braços de um estudo longitudinal.

O grupo de estudo INTERPHONE fez um grande esforço de investigar, pela primeira vez, quão prevalente e grave é o viés de recordação (Vrijheid et al, 2006a, Samkange-Zeebe et al, 2004). Como se esperava, eles concluíram que durante 6 meses apenas, “os voluntários recordaram sua recente utilização de um telefone com erros sistemáticos e erros aleatórios bastante moderados. Pode ser esperado que este grande erro aleatório diminua o poder estatístico do estudo INTERPHONE no sentido de detectar um aumento do risco para os tumores do cérebro, neuroma do nervo acústico e tumores da glândula parótida com o uso crescente de telefone móvel, se eles existirem”, e relataram ainda que, embora o número de chamadas era bem correlacionado com o padrão-ouro fornecido pelos registros de número chamadas de telecomunicações, ao longo de um período de 3 meses, isto não ocorreu com a duração relatada para as chamadas.

Estes resultados foram ampliados em uma publicação do mesmo grupo em 2009, onde verificou-se que "para os casos, mas não para os controles, as taxas de correlação (entre auto-relatado e medido) aumentaram com o tempo decorrido entre a exposição e a entrevista (...). As correlações também foram maiores em proporção ao nível de utilização de celulares. Os erros de rememoração foram grandes (...) Ocorreu uma aparente superestimação do número e duração de chamadas pelos participantes do grupo de casos para períodos remotos de tempo. Deste modo isso poderia causar um viés positivo da estimativa do risco de doença associada ao uso de telefones celulares.".

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Em um outro estudo de validação (Berg et al, 2005), a potência de energia emitida pelos telefones móveis foi correlacionada com os auto-relatos dos usuários quanto à intensidade de uso (número e duração das chamadas efetuadas). A correlação foi significativa, porém baixa, para chamadas de celular de até 3 meses atrás (0,5 e 0,48 para o número e duração das chamadas, respectivamente). A acurácia de rememoração para períodos de tempo maiores não foram investigadas, mas certamente seriam muito menos correlacionadas. O impacto do viés de seleção e viés de recordação em estudos epidemiológicos de RF e saúde foram também estudados quantitativamente por meio de simulações por Vrijheid et al (2006b), que chegaram às mesmas conclusões dos estudos experimentais. Como as estimativas dos riscos relativos que tem sido obtidos na maioria dos estudos epidemiológicos de efeitos da RF sobre a saúde são relativamente modestos, (ou seja, abaixo de 2), presume-se que tais vieses de recordação poderiam estar afetando a significância dos resultados.

Viés diferencial da recordação: as pessoas que têm um tumor ou doença, por exemplo, e que acreditam ou são levadas a acreditar pelos próprios investigadores ou pela mídia de massa que eles foram causados pela RF, tendem a recordar coias com um forte viés a favor dessa causalidade. Esse tipo de viés diferencial pode ser particularmente forte para o lado da cabeça preferido para uso do celular (lateralidade de efeito), uma vez que as pessoas que ficaram doentes têm a tendência a indicar o lado em que o tumor ocorreu como sendo o lado em que eles mais usaram o aparelho. Este viés, por exemplo, foi identificado pelos próprios autores do estudo final para alguns tumores cerebrais do Projeto INTERPHONE (The INTERPHONE Research Group, 2010) como sendo um dos erros sistemáticos que explicariam um maior OR para tumores ipsilaterais.

Viés de relato: dois problemas podem ocorrer em estudos retrospectivos de casos vistos há muitos anos, especialmente com doenças de alta letalidade, como algumas neoplasias. Em primeiro lugar, uma quantidade considerável de dados sobre a exposição de pessoas falecidas é baseado em informações de segunda mão por parentes e cuidadores que tinham contato mais íntimo e prolongado com os mesmos. Isso é chamado de relato por procuração (“reporting by proxy”, em inglês(. Certamente, isso reduz consideravelmente a precisão dos dados e deve ser evitado, embora isso seja impossível em alguns casos. É um dilema, porque manter a entrevista por procuração introduz outros vieses, pois elas são mais comuns em casos do que nos controles, devido à morte ou desabilitação pela própria doença), enquanto que a sua eliminação poderia introduzir um outro tipo de viés (melhor qualidade de dados nos controles, exclusão de pacientes que não estão disponíveis no momento da coleta de dados retrospectivos). Em segundo lugar (e mais grave, porque é difícil de detectar e corrigir), o cérebro, a memória e a cognição podem ser afetados pela doença em si, principalmente se for no cérebro, e introduzir imprecisões ou informações falsas por pacientes afetados (Ahlbom et al. 2004).

Coleta não-cega de dados e viés de relato: Em um estudo realizado na Alemanha, os moradores de um bairro foram efetivamente comunicados pelos investigadores que estavam sendo recrutados para a avaliação de má saúde

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causada por uma antena situada perto de suas casas, um fato que muitos ignoraram até então! Erros metodológicos e elementares como estes são realmente muito comuns, assim como estudos cegos ou duplo cegos nem sempre são totalmente impossíveis. Segundo Valberg et al (2007), a maioria desses estudos epidemiológicos seriam descartados como inaceitáveis, se tivessem que seguir os padrões de qualidade dos ensaios clínicos de medicamentos.

Conclusões quando aos problemas metodológicos

Em conclusão, há muitas dificuldades metodológicas que parecem afetar os estudos epidemiológicos nesta área, particularmente aqueles com desenho do tipo caso/controle. Os problemas mais comuns que devem ser considerados são:

• Estimativa inadequada da exposição• Ação diferencial do viés de recordação• Viés de seleção

Os pontos mais importantes e dificultosos no planejamento do protocolo de um estudo caso-controle são: a obtenção dos casos, a seleção de controles, e a qualidade da medida da exposição ao agente ambiental (Wacholder, 1995).

O que pode ser feito para melhorar a qualidade e a resolutividade dos estudos epidemiológicos sobre os efeitos dos CEM sobre a saúde?

Em primeiro lugar, são necessários melhores métodos de relatório. Grupos de pesquisadores epidemiológicos preocupados com esse aspecto, têm dedicado seu tempo a desenvolver diretrizes práticas melhores (por exemplo, Stroup et al, 2000; Blettner et al., 2001. Pocock et al., 2004). A transparência e a abordagem sistemática são os objetivos atuais de muitas revisões da literatura nesse sentido.

Segundo Auvinen et al (2006). "A maior oportunidade de melhorar a qualidade da evidência é através de estudos prospectivos. A principal limitação dos estudos epidemiológicos que abordam efeitos do uso de telefones celulares sobre a saúde está relacionada à avaliação da exposição. Estas limitações são inerentes aos estudos de caso/controle. A qualidade das evidências pode ser melhorada através da realização de estudos prospectivos de coorte ".

SCENIHR (Scientific Committee on Emerging and Newly Identified Health Risks), um corpo consultivo estabelecido pela Comunidade Européia identificou a melhor maneira de preencher as lacunas de pesquisa em estudos epidemiológicos humanos o seguinte:

“Um estudo prospectivo de coortes é o próximo passo lógico na hierarquia de evidências, seguindo-se aos estudos inconclusivos caso/controle prévios. Um estudo baseado em coortes supera as limitações dos estudos caso/controle, tais como os vieses de recordação e de seleção, assim como a incerteza devida à avaliação retrospectiva

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auto-relatada da exposição. Tal estudo expandiria significativamente a gama estreita de desfechos analisadas em estudos anteriores, que foi limitada principalmente a tumores intracranianos. Desfechos adicionais, tais como doenças neurológicas e cerebrais e outros tipos de câncer, poderiam ser incluídos. Os estudos prospectivos podem levar em consideração não somente os efeitos da exposição atual, mas também o histórico de exposição incorrido antes do início do seguimento, assim como a exposição a novas tecnologias, desenvolvidas ao longo do estudo” (SCENIHR, julho de 2009)

A este respeito, uma série de estudos de coorte prospectivos de longa duração (20 a 30 anos) estão se iniciando em 2010, tais como COSMOS (International COhort Study of MObile Phone Use and Health, veja Schüz, 2006), realizado pelo Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública do Imperial College de Londres, Reino Unido e vários outros países (Suécia, Dinamarca, etc.) Os custos deste tipo de estudo são grandes, e o seu financiamento a longo prazo geralmente não é totalmente garantido, mas certamente são necessários para fornecer uma garantia final para a ciência e para o público da segurança a longo prazo dos telefones celulares.

Em relação às crianças, SCENIHR (2009) também propõe em seu relatório quais são as lacunas da pesquisa em curso sobre campos electromagnéticos e saúde:

“As crianças estão expostas mais cedo a campos de RF provenientes de equipamentos de telecomunicações móveis e assim terão um tempo maior de exposição ao longo da vida do que os adultos dos dias de hoje. Elas também podem ser mais suscetíveis do que os adultos a esses campos, devido às diferenças anatômicas e morfológicas, e de que modo elas são expostos durante o desenvolvimento. As investigações finalizadas e em curso são sobretudo estudos de caso/controle sobre os tumores cerebrais na infância. Dificilmente foram realizadas pesquisas sobre os efeitos da exposição a campos electromagnéticos sobre o desenvolvimento do sistema nervoso central, e sobre a função cognitiva e comportamento de crianças. Mais dados também são necessários em crianças menores do que aqueles que foram estudadas até agora. Experiências com animais quanto ao desenvolvimento precoce do cérebro e comportamento poderão responder a algumas das questões relacionadas aos efeitos sobre as crianças.

A eliminação dos erros de avaliação da exposição só serão conseguidos utilizando dosímetros pessoais, que serão capazes de gravar continuamente a intensidade do espectro de frequências eletromagnéticas de rádio e micro-ondas, que sejam livres de manutenção e que permitam gravações confiáveis. Esta é a mais importante inovação tecnológica com poder para mudar o cenário atual, porém a sua implantação com grande número de participantes é muito cara (considere a comparação, por exemplo, com a radiodosimetria, que utiliza crachás com filme fotográfico para determinar a exposição à radiação ionizante de milhões de profissionais a cada ano em todo o mundo, e que é muito barata, é facilmente quantificável e razoavelmente confiável). Em um

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encontro realizado em janeiro de 2008, intitulado "A Dosimetria Encontra a Epidemiologia", foi afirmado que "o monitoramento é uma condição sine qua non para avaliar a situação da saúde pública e um paralelo deve ser traçado na pesquisa de RF, onde a questão deve focar não só nos mecanismos, mas também na saúde pública. Além disso, o conhecimento sobre o grau de exposição pública será obrigatório se evidências consistentes de efeitos adversos não-térmicos de exposições ELF e RF forem estabelecidos".

Os primeiros estudos estão começando a aparecer ao longo destas linhas. Na Alemanha, foi realizada um levantamento preliminar com usuários carregando um dosímetro pessoal por 24 horas, com medições a cada segundo, Kühnlein et al. (2008) determinaram que a exposição total a campos de RF de todos os indivíduos avaliados foi significativamente abaixo do nível de referência da ICNIRP.

Outra melhoria técnica que possibilitaria uma melhor avaliação do grau de exposição em base contínuas para as pesquisas epidemiológicos sobre usuários de telefones celulares, são aparelhos telefônicos especiais que foram modificados por software (SMP: Software Modified Phones) para efetuarem o registro da potência de saída de cada chamada feita. Embora ainda não seja uma verdadeira medição do SAR, a correlação com ele pode ser boa o suficiente. Foi realizada uma investigação utilizando SMPs com mais de 60.000 chamadas, por Vrijheid et al (2009a). Eles concluíram que a potência média usada foi de 50% da máxima possível, que ela variava por um fator de 2 a 3 entre centros de estudo e operadoras de telefonia celular, e que, em cerca de. 40% do tempo as conversas foram realizadas na potência máxima. Além disso, determinou-se que esta aumentava muito quando os telefonemas eram feitos em localidades rurais, devido a uma maior distância da estação rádio-base Os autores concluíram que existe pouco valor na coleta de informações sobre as circunstância de uso dos telefones.

Um bom exemplo de que tipo de contribuições decisivas um estudo epidemiológico bem conduzido pode trazer à medicina é a investigação, longitudinal prospectiva de exposição ao tabaco, e desfechos de saúde em 34.439 médicos do Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido ao longo de cinco décadas (Doll et al, 2004). O grau de exposição foi registrado com razoável precisão, sem um grande viés de recordação, houve uma relação confiável entre a exposição, medida em número diário de cigarros e a concentração sanguínea de produtos químicos, como a nicotina, a avaliação de riscos e o registro de desfechos de saúde com latências muito longas foram próximos do ideal (98,9% das causas de morte foram identificadas), um grande número de participantes manteve a adesão ao estudo (94%), e várias outras características exemplares do gênero. Deste modo, uma relação causa-efeito pode ser claramente estabelecida em um campo cheio de incertezas, até então, o que mudou para sempre as atitudes da ciência médica e do público em relação ao tabaco (ao mostrar, por exemplo, que os fumantes tinham um risco 300% mais alto de morrer mais cedo em relação aos não-fumantes).

Se nos referirmos aos famosos nove pontos de Bradford Hill (1969) que foram propostos como os critérios a serem satisfeitos quando se tenta atribuir uma

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relação de causa-efeito a partir de estudos epidemiológicos, podemos facilmente verificar que o corpo de evidências até agora não os satisfaz integralmente, no que diz respeito à exposição à campos RF e os possíveis efeitos na saúde humana:

1. Força das medidas de associação, tais como RRs, ORs e SIRs tem sido geralmente fraca, quase todos próximas ou próximas à unidade;

2. Consistência intra e inter- estudos: neste campo há uma grande controvérsia científica, alimentada por uma inconsistência notável entre os estudos relativos a vários desfechos de saúde, a reprodutibilidade dos resultados positivos é baixa, e a comparação entre eles é difícil, devido às grandes diferenças na qualidade da metodologia;

3. Especificidade da associação: embora os estudos epidemiológicos tenham buscado associações específicas, eles ainda são controversos uma vez que muitos estudos se contradizem, a variável independente (exposição à RF) é medida com uma grande margem de inacurácia, e existe um grande número de variáveis não controladas;

4. Temporalidade: a maioria dos estudos analisou a exposição antes da doença, mas como o início da doença não é a mesma que a primeira detecção da doença, sobretudo nos cânceres com longos períodos de desenvolvimento, a sequência temporal causa-doença é ainda um pouco nebulosa.

5. Relação dose-resposta: poucos estudos examinaram esse parâmetro, em parte devido às dificuldades metodológicas. Na maioria dos estudos de exposição comunitária, tal relação, avaliada indiretamente pela distância da antena rádio-base, não pode ser comprovada por dados confiáveis que poderiam explicar melhor as pequenas variações observadas. Nos estudos com usuários de telefones celulares, o número e a duração dos telefonemas foram usados comumente como um parâmetro de dose, porém o viés de recordação influenciou a acurácia dos resultados.

6. Plausibilidade biológica, física e química: os níveis muito baixos dos campos de RF emitidos pelas estações rádio-base não suportam uma plausibilidade nesse sentido. Os telefones celulares, por outro lado produzem exposições relativamente elevadas, de modo que este se torna mais plausível. No entanto, a maioria das pesquisas publicadas não forneceram uma base firme de evidências para a existência desses efeitos, mesmo quando existem altos níveis de exposição;

7. Coerência biológica: Ao contrário da radiação ionizante, a radiofrequência por ser não-ionizante raramente apresenta efeitos biológicos e moleculares comprovados e que expliquem danos à maquinaria celular, e assim são improváveis na determinação dos mecanismos da doença em níveis baixos de potência. Quanto aos efeitos não-térmicos, e ainda duvidosa sua existência, e que eles representariam um fenômeno importante para a promoção da doença.

8. Não há nenhuma sustentação consistente de estudos com células vivas, animais e seres humanos aos estudos epidemiológicos positivos

9. Uma analogia com outras relações causais similares descobertas, tal como com radiação ionizante, não foi assegurada até agora, e seria várias ordens de magnitude menos intensas, se eventualmente for

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provado que elas existam (sendo uma das razões o fato de que a RF não tem efeitos biológicos cumulativos). Uma analogia possível poderia eventualmente ser demonstrada em relação a campos eletromagnéticos de frequência muito baixa (ELF, emitida por linhas de transmissão elétrica de alta potência), os quais obtiveram do IARC uma classificação como agente carcinogênico possível, mas não provável. No entanto, os mecanismos biofísicos parecem ser bastante diferentes para RF e ELF.