Na Preciosa Lição Do Professor Cláudio Ulpiano

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Na preciosa lio do professor Cludio Ulpiano - inspirado em Gilles Deleuze, Spinoza e outros pensadores - todo campo de conhecimento possui dentro de si a chave de explicao para seus fenmenos. Seja o campo de conhecimento filosfico, cientfico ou artstico, os conceitos que explicariam esses campos estariam dentro deles. o que ele chama de Plano de Imanncia, isto , a retirada dos conceitos do prprio campo. Por isso, talvez, seja contraproducente buscar o entendimento sobre Jauja, de Lisandro Alonso, fora dele, como na filosofia ou na psicologia, por exemplo. Essas reas de conhecimento serviriam apenas como suporte para a anlise do filme em questo. Lanado em 2014, chegou ao Brasil em junho de 2015. uma obra densa e difcil. De ser entendia e de ser vista. Vrios comentrios comparam Jauja com Rastros de dio de John Ford ou com a temtica temporal de David Lynch como em a Estrada Perdida, por exemplo. Talvez seja pertinente. Mas muito mais que isso.O filme o sexto na carreira do jovem diretor argentino de 40 anos. Venceu o prmio da Federao Internacional de Crticos de Cinema, no Festival de Cannes de 2014, dentro da seo Un Certain Regard. Viggo Mortensen o produtor, protagonista e ajudou na traduo para o francs, ingls e dinamarqus. Ponto alto do filme a fotografia do finlands Timo Salminen, que ora lembra o Winton Hoch do j mencionado Rastros de dios, com planos abertos e paisagens espetaculares e ao mesmo tempo roda em um formato de tela igual ao nosso bom, velho e intil Instagram. uma produo global que envolve vrios pases, como Frana, Dinamarca, Argentina, Estados Unidos. O roteiro de apenas 20 pginas a mdia de um roteiro padro de uma hora e meia de filme so 120 foi escrito pelo prprio Alonso e pelo escritor e jornalista argentino Fabian Casas, um dos destaques da dita Gerao 90 na Argentina.

Diferente do cinema da retomada no Brasil, que tenta emplacar filmes com pretenses a atingir grandes pblicos, indicaes a oscares, convites para seus diretores irem trabalhar em Hollywood, Alonso vai comendo pelas beiradas. Ou seja, no cinema para encher salas Imax, nem para voc convidar os amigos da faculdade para assistir enquanto bebem Smirnoff Ice Storm. cinema para trancar-se dentro de si mesmo e ficar imobilizado enquanto assiste.

Alis, a falta de movimento a marca mais visvel do filme. Mas essa lentido adquire significado diferente daquela dos filmes do Sergio Leone, por exemplo. Ou dos irmos Cohen. Aqui a falta de movimento adquire contornos existencialistas. Outra caracterstica que corrobora para esses contornos a falta de close nos rostos dos personagens. So raras as cenas onde h o rosto em primeiro plano. Esses personagens aparecem integrados ao cenrio da Patagnia do sculo 19 e numa montagem sonora criativa que d nfase a voz dos personagens mesmo estando distantes. Numa entrevista a um site de cinema, o prprio diretor afirma que a natureza para mim o maior dos protagonistas. E isto comprovado em vrias cenas onde a cmera fica parada, enquadrada em certo tema, enquanto os personagens conversam ou impem movimentos mnimos. Eles vo embora e a cmera continua esttica, observando. Ou s vezes apenas pedaos dos personagens entram e saem de cena, como no momento em que o brao de um ndio rouba a arma de um soldado morto, no vemos todo o corpo do ndio, apenas seu brao. Em outros momentos, por conta dos planos muito abertos, cavalo e homem se fundem ao deserto e temos at certa dificuldade em distingui-los entrando de um lado da tela e saindo do outro.O enredo a histria do dinamarqus Gunnar Dinensen que abandona seu pomposo castelo de muitos quartos beira de um lago e parte com sua filha Ingeborg para a Patagnia em busca de Jauja. Segundo a lenda, um lugar mgico, uma espcie de paraso terrestre e que todos os que foram em sua busca se perderam. Eis ai uma possvel e importante chave de interpretao. J voltamos a ela. Dinensen se envolve em uma luta entre uns soldados uniformizados que no sabemos quem so contra os cabeas de coco, mais obscuros ainda. L pras tantas, a menina foge com um desses soldador por quem est apaixonada. E Dinensen comea sua busca.Diferentemente do chapu de Dinensen que antes de ser chapu havia um projeto de chapu isto , uma ideia, um modo de fazer e algum que o fizesse o homem primeiro existe. Sem projeto que o guie mundo afora. Sem um manual que lhe oriente as escolhas. Sem nada que o determine para ser isso ou aquilo na vida. Ou seja, tudo o que existe no mundo tem uma finalidade, uma razo de ser, tem algo que defina o que vai ser. Primeiro a definio, depois a existncia. J o homem, ele simplesmente existe. Antes de mais nada. Primeiro a vida, depois a definio. Em outras palavras, o homem nada. Absolutamente nada. medida que vai vivendo, o homem vai se definindo quem . Vai deixando de ser nada e passando a ser algo. Nesse processo de definio de si mesmo, de preenchimento existencial de seu ser, esbarra-se inevitavelmente com as escolhas. O problema que quanto mais descobrimos o mundo, quanto mais conhecemos, quanto menos ignorantes ficamos ignorantes no sentido de no conhecer mais difceis so as escolhas. E mais imobilizados ficamos. O ndio que aparece no filme por exemplo, talvez no tenha essa dificuldade, pois tem poucas possibilidades de escolha. J Dinensen tem muitas. Escolher entre duas coisas rpido. Entre mil muito mais demorado.Proponho que tanto Dinensen quanto o deserto da Patagnia sejam esse nada existencial. O personagem um militar e europeu. O que nos faz supor um certo grau de esclarecimento. De conhecimento do mundo. Ele tem diante de si infinitas possibilidades de escolhas existenciais. J fez algumas: ser pai, militar, ir explorar a lenda de Jauja, se aliar ao exrcito dos uniformizados. Com isso ele j reduziu essas possibilidades e ao mesmo foi dando forma aquilo que conhecemos como identidade. Pois a melhor forma de preencher o vazio existencial criando uma identidade. fazer acreditar, a ns mesmo e aos outros, que somos algo. nos prendermos a um campo limitado da vida e nos circunscrevermos a ele. Assim o desconforto diminui. Menos para Dinensen. o que parece. O dinamarqus continua com um milho de caminhos a sua frente. Com possibilidades inesgotveis de vidas. E nessa busca que ele mergulha. Usando o pretexto de encontrar a filha. E quem ou o que ele busca? Ingeborg, Jauja, ou outra coisa? A lenda de Jauja no dita por ningum, ela aparece num quadro no incio do filme. H uma cena em que o tenente Pitlluga diz o deserto devora tudo. J Ingeborg afirma que o deserto me preenche. Preenchido por esse nada, Dinensen acaba devorado pelo deserto.Essa busca pela nossa essncia nem sempre frutfera. s vezes no nos conformamos, por um lado, com o discurso ficcional de nossa identidade, por outro nunca encontramos nosso fundamento de ser. Ficamos largados existncia. Sem identidade. Sem saber quem somos, e onde nos encontrar. Nos parece que essa a jornada de Dinensen uma jornada metafsica, uma busca por algo que no definido em ns e cuja marca visvel a falta. Buscamos por algo que nos falta, que no sabemos o que , nem onde est e se muito menos existe. O deserto poderia ser tambm e o tempo verbal no deixa margem a dvidas que se trata de uma hiptese a vida vazia que no sai da nossa frente. A vida na qual os viventes entram e saem e ela continua l. Vazia, esttica, sem sentido, deserta. E nesse deserto existencial, temos a esperana de encontrar algum paraso e nele nos encontramos. Nessa jornada somos estrangeiros, pisando em locais desconhecidos e pouco a pouco perdendo nossa sanidade, o que seria um alvio at. Essa ideia ganha corpo no final do filme, quando Dinensen, depois de ter o cavalo roubado e perambular a p pela terra rida e irregular, encontra uma velha, morando dentro de uma caverna. O marido morreu e ela ficou cuidando de uma fonte de gua cuja profundidade atinge 50 metros. Um verdadeiro achado no meio do deserto. Essa velha nada mais nada menos que Ingeborg. Numa espcie de vortice/mix temporal, ela pergunta ao pai, enquanto conversam, como era sua me quando viva. A velha tem um cachorro que encontra Dinensen e o guia at l. a mesma raa de cachorro que Inge pede ao pai para ter um no comeo do filme. Ele tem uma ferida no pescoo e o mesmo que aparece nos dez minutos finais, quando vemos Ingeborg, jovem de novo, de volta ao seu castelo, onde um cuidador toma conta dos seus ces, inclusive esse um que tem o ferimento.

Talvez Ingeborg ao fugir com o amado, tenha usado esse mesmo como pretexto para iniciar sua prpria busca. A fonte de gua no meio do deserto extrema e simbolicamente representativa de que ela sim encontrou um sentido, encontrou o que procurava. Tanto assim que a possibilitou voltar para casa, para sua vida normal. Enquanto a ausncia de Dinensen cuja ltima apario fugindo da caverna nos faz supor que esse se perdeu em sua busca. O fato dela ser encontrada pelo pai j velha, pode ser fruto da loucura de Dinensen, que a projetou no futuro, enxergando nela algo que no queria. Como por exemplo o fato de ter se casado com o soldado um estranho numa terra de merda, como ele diz em certa feita que no seria digno de sua estirpe.

Se juntarmos os elementos tcnicos do filme, como se fossem uma espcie de sintaxe enquadramentos, planos, fotografia com os dilogos e com um fio de enredo que direciona o filme, mais os elementos sugeridos, talvez encontremos a resposta para o que Lisandro Alonso queria dizer com Jauja.