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4 Jornal de Leiria 23 de Julho de 2015 Abertura Na rota dos 'santuários' paleontológicos da região Património À boleia das recentes descobertas de fósseis de dinossauros em Pombal, visitámos alguns dos principais ‘santuários' paleontológicos da região, cuja importância é reconhecida pela comunidade científica mundial Maria Anabela Silva [email protected] Foi enquanto semeava pasto para as ovelhas no quintal de uns fami- liares emigrados em França que Fer- nando Francisco fez a mais recente descoberta de fósseis de dinossauros na região. Os trabalhos no terreno, lo- calizado em Junqueira, freguesia de Santiago de Litém (Pombal), - a es- cassos quilómetros do local onde, em 1988 foram encontrados vestí- gios de um allosaurus fragilis, o pri- meiro dinossauro desta espécie des- coberto fora de território norte-ame- ricano - permitiu encontrar frag- mentos ósseos, que as escavações confirmaram pertencer a um dinos- sauro saurópode. A descoberta da jazida da Jun- queira, em Maio último, veio enri- quecer o já vasto e importante pa- trimónio paleontológico da região, onde figura, por exemplo, aquele que está referenciado como o maior trilho de pegadas de dinossauros do mundo, descoberto em 1994, na Pedreira do Galinha, em Ourém. Mas estes animais pré-históricos deixaram também importantes ves- tígios na Batalha, mais concreta- mente na localidade de Casal Novo, de onde foram retirados fósseis per- tencentes a, pelo menos, dois exem- plares de stegosaurus, os primeiros desta espécie detectados fora do continente americano. Nesta viagem por alguns do mais importantes 'santuários' paleonto- lógicos da região é obrigatório apon- tar o Menino do Lapedo, considera- do um dos mais importantes acha- dos arqueológicos mundiais do sé- culo XX, pela relevância para a com- preensão e conhecimento da evo- lução humana. Em causa está o es- queleto de um menino, sepultado há cerca de 25 mil anos no Vale do Lapedo, em Leiria. É também neste concelho que fica localizada a Mina da Guimarota, conhecida entre a comunidade científica mundial pela importância que tem para a com- preensão e contextualização do Ju- rássico Superior. Esta cavidade, que no passado recente foi local de ex- tracção de carvão, acolheu, há mi- lhões de anos, os mais antigos ma- chimosaurus, animais do grupo do qual descendem os crocodilos. Em Porto de Mós, mais propria- mente na freguesia de São Bento, fica outro dos principais pontos de inte- resse paleontológico deste território: a praia jurássica descoberta em 2003, mas divulgada ao público apenas em 2013, numa antiga pedreira, que surpreende pela beleza, abundância e conservação dos moldes e restos fossilizados de animais. Na jazida já foram identificados quase uma cen- tena de fósseis de ouriços, estrelas, lírios e serpentes do mar, assim como marcas de ondulação. Grande parte dos fósseis foi, entretanto, re- movida do local, uma decisão justi- ficada com a necessidade de pre- servação dos vestígios, mas que foi fortemente contestada pela comu- nidade local. Galopim de Carvalho, considera- do um dos nomes maiores da pa- leontologia em Portugal, não tem dú- vidas em afirmar que esta “é uma re- gião muito rica” em termos de pa- trimónio paleontológico. “Basta pen- sar que temos aqui a Pedreira do Ga- linha, onde existe o maior trilho de dinossauros do mundo, e a Mina da Guimarota, que é uma referência ju- rássica a nível internacional”, afirma o antigo director do Museu Nacional de História Natural (MNHN), que lamenta, no entanto, a falta de apoio do poder central para a preservação e estudo deste património. Essa lacuna “acaba, e bem, por ser aproveitada por estrangeiros”, nota Galopim de Carvalho que, a título de exemplo, refere o que aconteceu na Mina da Guimarota, cuja explora- ção científica esteve a cargo de in- vestigadores da Universidade Livre de Berlim. “Fiz diligências para que a mina fosse preservada e para que se desse continuidade aos tra- balhos, pois haverá ainda muito por explorar”, refere, denunciando ainda o “estado de degradação” a que chegou o Monumento Natural das Pegadas de Dinossauros da Serra de Aire. Vanda Santos, discípula de Galo- pim de Carvalho que tem desenvol- vido investigação na área das pega- das de dinossauro, partilha a “tris- teza” pela situação em que se en- contra aquele monumento e con- corda com o mestre, quando este fala da riqueza do património paleonto- lógico e geológico da região. “Há muitos sítios com interesse. Alguns já conhecidos, outros ignorados ou a precisar de maior conhecimento e de trabalho de prospecção”, refere a paleontóloga, ligada também ao MNHN. Segundo Vanda Santos há muitas pedreiras desactivadas com “inú- meros fósseis”, que necessitam de estudo. “Temos muito material nas zonas de rochas formadas em am- bientes terrestres de transição, entre rios e terra, com deposição de sedi- mentos pela água. Em zonas como a Lourinhã, Batalha ou Bombarral, é fácil encontrar sítios com vestígios paleontológicos. Também em Al- vaiázere temos imensos fósseis de amonite”, revela a especialista, que frequentemente recebe comunica- ções de possíveis achados. “Hoje, as pessoas estão mais despertas e aten- tas a este tipo de vestígios. Muitas ve- zes, são falsos alarmes. Outras, re- velam-se achados importantes”. Cenozóico | 65 M.A. - Período Mesozóico | 245-65 M.A. Peleozóico | 545-245 M.A. Pré-câmbrico 4.500- 545 M.A. Quaternário Desenvolvimento do homem Desenvolvimento dos mamíferos Terciário Período Jurássico Triássico Cretácico Plantas com flores (extinção dos dinossauros) Primeiros dinossauros Período Silúrico Devónico Carbónico Pérmico Ordovícivo Câmbrico Primeiros peixes, domínio dos trilubites, primeiros seres com conchas Primeiros insectos e plantas terrestres Reservas de Carvão Período Foi esse o caso da recente des- coberta na aldeia da Junqueira, em Pombal, que está a ser acom- panhada por Elisabete Malafaia. A paleontóloga, colaboradora do MNHN, explica que o conjunto de fósseis encontrados “acrescenta informação importante para o co- nhecimento das faunas de dinos- sauros do Jurássico Superior por- tuguês, sobretudo no que se refe- re ao grupo dos saurópodes”. Pelo que, não tem dúvidas em afirmar que esta “jazida corresponde a uma das mais importantes nesta re- gião, depois do descobrimento da- jazida de Andrés”. Elisabete Malafaia conta que os fósseis encontrados na Junqueira “correspondem sobretudo a vérte- bras, costelas, diversos fragmentos de elementos apendiculares e ou- tros restos indeterminados de di- nossauros saurópodes”. Foram ain- da identificados “restos de tarta- rugas e de crocodilomorfos, e de moluscos (bivalves e gastrópodes). A informação recolhida indica que se trata de ossos de um único exemplar saurópode, que possuía “vértebras de dimensões conside- ráveis”, atingindo mais de 12 me- tros de altura e 25 metros de com- primento. O que corresponde “a um dos maiores dinossauros des- cobertos na Península Ibérica”. Durante as recentes campanhas de escavação na jazida da Jun- queira, a equipa de paleontólogos fez prospecção em outros locais na freguesia de Santiago de Litém e zonas limítrofes. Trabalhos que, segundo Elisabete Malafaia, “indi- cam como bastante provável que venham a ser encontradas novas ja- zidas paleontológicas na região e confirmam a sua importância para o conhecimento das faunas com di- nossauros em Portugal”. Primeiros pássaros e mamíferos Arcaico Proterozóico Fase cósmica da Terra Primeiros seres Esta é uma região muito rica em termos de património paleontológico. Basta pensar que temos aqui a Pedreira do Galinha, onde existe o maior trilho de dinossauros do mundo, e a Mina da Guimarota, que é uma referência jurássica a nível internacional Galopim de Carvalho ex-director do Museu Nacional de História Natural Em destaque M.A. - Milhões de Anos

Na rota dos 'santuários' paleontológicos da região · 4 Jornal de Leiria 23 de Julho de 2015 Abertura Na rota dos 'santuários' paleontológicos da região Património À boleia

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4 Jornal de Leiria 23 de Julho de 2015

Abertura

Na rota dos 'santuários'paleontológicos da regiãoPatrimónio À boleia das recentes descobertas de fósseis de dinossauros em Pombal, visitámosalguns dos principais ‘santuários' paleontológicos da região, cuja importância é reconhecida pelacomunidade científica mundial

Maria Anabela [email protected]

� Foi enquanto semeava pasto paraas ovelhas no quintal de uns fami-liares emigrados em França que Fer-nando Francisco fez a mais recentedescoberta de fósseis de dinossaurosna região. Os trabalhos no terreno, lo-calizado em Junqueira, freguesiade Santiago de Litém (Pombal), - a es-cassos quilómetros do local onde,em 1988 foram encontrados vestí-gios de um allosaurus fragilis, o pri-meiro dinossauro desta espécie des-coberto fora de território norte-ame-ricano - permitiu encontrar frag-mentos ósseos, que as escavaçõesconfirmaram pertencer a um dinos-sauro saurópode.

A descoberta da jazida da Jun-queira, em Maio último, veio enri-quecer o já vasto e importante pa-trimónio paleontológico da região,onde figura, por exemplo, aqueleque está referenciado como o maiortrilho de pegadas de dinossaurosdo mundo, descoberto em 1994, naPedreira do Galinha, em Ourém.Mas estes animais pré-históricosdeixaram também importantes ves-tígios na Batalha, mais concreta-mente na localidade de Casal Novo,de onde foram retirados fósseis per-tencentes a, pelo menos, dois exem-plares de stegosaurus, os primeirosdesta espécie detectados fora docontinente americano.

Nesta viagem por alguns do maisimportantes 'santuários' paleonto-lógicos da região é obrigatório apon-tar o Menino do Lapedo, considera-do um dos mais importantes acha-dos arqueológicos mundiais do sé-culo XX, pela relevância para a com-preensão e conhecimento da evo-lução humana. Em causa está o es-queleto de um menino, sepultadohá cerca de 25 mil anos no Vale do

Lapedo, em Leiria. É também nesteconcelho que fica localizada a Minada Guimarota, conhecida entre acomunidade científica mundial pelaimportância que tem para a com-preensão e contextualização do Ju-rássico Superior. Esta cavidade, queno passado recente foi local de ex-tracção de carvão, acolheu, há mi-lhões de anos, os mais antigos ma-chimosaurus, animais do grupo doqual descendem os crocodilos.

Em Porto de Mós, mais propria-mente na freguesia de São Bento, ficaoutro dos principais pontos de inte-resse paleontológico deste território:a praia jurássica descoberta em 2003,mas divulgada ao público apenas em2013, numa antiga pedreira, quesurpreende pela beleza, abundânciae conservação dos moldes e restosfossilizados de animais. Na jazida jáforam identificados quase uma cen-tena de fósseis de ouriços, estrelas,lírios e serpentes do mar, assimcomo marcas de ondulação. Grandeparte dos fósseis foi, entretanto, re-movida do local, uma decisão justi-ficada com a necessidade de pre-servação dos vestígios, mas que foifortemente contestada pela comu-nidade local.

Galopim de Carvalho, considera-do um dos nomes maiores da pa-leontologia em Portugal, não tem dú-vidas em afirmar que esta “é uma re-gião muito rica” em termos de pa-trimónio paleontológico. “Basta pen-sar que temos aqui a Pedreira do Ga-linha, onde existe o maior trilho dedinossauros do mundo, e a Mina daGuimarota, que é uma referência ju-rássica a nível internacional”, afirmao antigo director do Museu Nacionalde História Natural (MNHN), quelamenta, no entanto, a falta de apoiodo poder central para a preservaçãoe estudo deste património.

Essa lacuna “acaba, e bem, por ser

aproveitada por estrangeiros”, notaGalopim de Carvalho que, a título deexemplo, refere o que aconteceu naMina da Guimarota, cuja explora-ção científica esteve a cargo de in-vestigadores da Universidade Livrede Berlim. “Fiz diligências paraque a mina fosse preservada e paraque se desse continuidade aos tra-balhos, pois haverá ainda muitopor explorar”, refere, denunciandoainda o “estado de degradação” aque chegou o Monumento Naturaldas Pegadas de Dinossauros daSerra de Aire.

Vanda Santos, discípula de Galo-pim de Carvalho que tem desenvol-vido investigação na área das pega-das de dinossauro, partilha a “tris-teza” pela situação em que se en-contra aquele monumento e con-corda com o mestre, quando este falada riqueza do património paleonto-lógico e geológico da região. “Hámuitos sítios com interesse. Algunsjá conhecidos, outros ignorados oua precisar de maior conhecimento ede trabalho de prospecção”, refere apaleontóloga, ligada também aoMNHN.

Segundo Vanda Santos há muitaspedreiras desactivadas com “inú-meros fósseis”, que necessitam deestudo. “Temos muito material naszonas de rochas formadas em am-bientes terrestres de transição, entrerios e terra, com deposição de sedi-mentos pela água. Em zonas como aLourinhã, Batalha ou Bombarral, éfácil encontrar sítios com vestígiospaleontológicos. Também em Al-vaiázere temos imensos fósseis deamonite”, revela a especialista, quefrequentemente recebe comunica-ções de possíveis achados. “Hoje, aspessoas estão mais despertas e aten-tas a este tipo de vestígios. Muitas ve-zes, são falsos alarmes. Outras, re-velam-se achados importantes”.

Cenozóico | 65 M.A. -

PeríodoMesozóico | 245-65 M.A.Peleozóico | 545-245 M.A.Pré-câmbrico 4.500- 545 M.A.

Quaternário

Desenvolvimento do homem

Desenvolvimento dos mamíferos

Terciário

Período

JurássicoTriássico Cretácico

Plantas com flores

(extinção dosdinossauros)

Primeirosdinossauros

Período

Silúrico Devónico Carbónico PérmicoOrdovícivoCâmbrico

Primeiros peixes, domínio dostrilubites, primeiros seres

com conchas

Primeiros insectos e plantas

terrestres

Reservas de Carvão

Período

Foi esse o caso da recente des-coberta na aldeia da Junqueira,em Pombal, que está a ser acom-panhada por Elisabete Malafaia. Apaleontóloga, colaboradora doMNHN, explica que o conjunto defósseis encontrados “acrescentainformação importante para o co-nhecimento das faunas de dinos-sauros do Jurássico Superior por-tuguês, sobretudo no que se refe-re ao grupo dos saurópodes”. Peloque, não tem dúvidas em afirmarque esta “jazida corresponde auma das mais importantes nesta re-gião, depois do descobrimento da-jazida de Andrés”.

Elisabete Malafaia conta que osfósseis encontrados na Junqueira“correspondem sobretudo a vérte-bras, costelas, diversos fragmentosde elementos apendiculares e ou-tros restos indeterminados de di-nossauros saurópodes”. Foram ain-da identificados “restos de tarta-rugas e de crocodilomorfos, e demoluscos (bivalves e gastrópodes).A informação recolhida indica quese trata de ossos de um únicoexemplar saurópode, que possuía“vértebras de dimensões conside-ráveis”, atingindo mais de 12 me-tros de altura e 25 metros de com-primento. O que corresponde “aum dos maiores dinossauros des-cobertos na Península Ibérica”.

Durante as recentes campanhasde escavação na jazida da Jun-queira, a equipa de paleontólogosfez prospecção em outros locais nafreguesia de Santiago de Litém ezonas limítrofes. Trabalhos que,segundo Elisabete Malafaia, “indi-cam como bastante provável quevenham a ser encontradas novas ja-zidas paleontológicas na região econfirmam a sua importância parao conhecimento das faunas com di-nossauros em Portugal”.

Primeiros pássaros

e mamíferos

Arcaico Proterozóico

Fase cósmica da Terra

Primeiros seres

Esta é uma regiãomuito rica emtermos depatrimóniopaleontológico.Basta pensar quetemos aqui aPedreira doGalinha, ondeexiste o maiortrilho dedinossauros domundo, e a Minada Guimarota, queé uma referênciajurássica a nívelinternacional Galopim deCarvalhoex-director doMuseu Nacionalde HistóriaNatural

Em destaque

M.A. - Milhões de Anos

Jornal de Leiria 23 de Julho de 2015 5

Pontos de interesse paleontológico na região

Fonte: JORNAL DE LEIRIA

Pombal

Leiria

Porto de Mós

Batalha

Ourém

MarinhaGrande

Allossaurus em AndrésLocalização: Santiago de Litém (Pombal)Datação: 148 a 155 milhões de anos (Jurássico Superior)Data da descoberta: 1988Particularidades: foi o primeiro dinossauro da espécie descoberto fora do território norte-americano

Pegadas de dinossauros da Serra de AireLocalização: Bairro (Ourém)Datação: 170 milhões de anos (Jurássico Médio)Data da descoberta: 1994Particularidades: São o maior trilho de saurópodes (dinossauros herbívoros) do mundo; na lage da antiga pedreira podem ser observados cerca de 20 trilhos ou pistas, uma delas com 147 metros e outra com 142 metros de comprimento

Jazida da JunqueiraLocalização: Santiago de Litém (Pombal)Datação: 145 a 150 milhões de anos (Jurássico Superior)Data da descoberta: 2015Particularidades: vestígios foram descobertos em Maio último, no quintal de uma casa; os fósseis correspondem a dinossauros saurópodes

Stegosaurus na BatalhaLocalização: Casal Novo (Batalha)Datação: 155 a 150 milhões de anos (Jurássico Superior)Data da descoberta: 1999Particularidades: vestígios pertencentes a, pelo menos, dois exemplares; foi a primeira vez que foi detectado um membro do género Stegosaurus fora de território norte-americano

Praia jurássica Localização: São Bento (Porto de Mós)Datação: 168 a 170 milhões de anos (Jurássico Médio)Data da descoberta: 2003 (divulgação pública aconteceu em 2013)Particularidades: trata-se de um fundo marinho, descoberto numa antiga pedreira, onde foram encontradas dezenas de fósseis de ouriços, estrelas, lírios-do-mar e serpentes-do-mar e marcas de correntes marítimas

Afloramentos rochososde São Pedro de Moel

Localização: São Pedro de Moel(Marinha Grande)

Datação: 175 a 200 milhões de anos(Jurássico Inferior)

Data da descoberta: indeterminadaParticularidades: localizados

junto ao farol, os afloramentosrochosos de São Pedro de Moel

têm aqueles que são consideradosos melhores fósseis de amonites

de Portugal

Menino do LapedoLocalização: Santa Eufémia (Leiria)

Datação: 25 mil anosData da descoberta: 1998

Particularidades: trata-se do esqueletode um menino, com quatro a cinco anos;

tratar-se-á da prova do cruzamento entre homem moderno

e o Neandertal, mas esta teoria da miscigenação não é consensual

O 'crocodilo” da Minada Guimarota

Localização: Guimarota (Leiria)Datação: 150 milhões de anos

(Jurássico Superior)Data da descoberta:

década de 60 do séc. XXParticularidades: da antiga

mina de carvão da Guimarotajá foram retirados

centenas de fósseis de mamíferose encontrados os vestígios

dos mais antigosmachimosaurus, animais do grupodo qual descendem os crocodilos

O 'crocodilo” da MinaO crocodilo da Minada G i

Allossaurus em Andrés

o na regiãoo na região Jazida de Casal Novo

Um importantecontributo para a ciênciainternacional

� Corria o ano de 1999, quando,durante um passeio dominguei-ro com o filho, Rui Pinheiro, re-sidente na Rebolaria, descobriuum osso, que viria a ser confir-mado como uma tíbia de um ste-gosaurus, dinossauro com umacouraça de placas ósseas no dor-so, espinhos na ponta da cauda euma cabeça minúscula. Locali-zada a cerca de um quilómetro davila da Batalha, a jazida de CasalNovo seria alvo de várias cam-panhas de sondagem e escava-ções, com a equipa liderada porPedro Dantas, do Museu Nacionalde História Natural, e por Fran-cisco Ortega, da UniversidadeAutónoma de Madrid a retira-ram do local múltiplos restos deplantas, muitos icnofósseis deinvertebrados e algumas peçasatribuíveis a peixes com esca-mas ósseas e a crocodilos de ca-racterísticas modernas. Mas, oprincipal ponto de interesse da ja-zida seria a identificação, “pelaprimeira vez, da presença de ummembro do género stegosaurusfora do continente norte-ameri-cano”.

Num artigo publicado recen-temente no boletim do Museu daComunidade Concelhia da Bata-lha (MCCB), Pedro Dantas expli-ca que a descoberta “fez ampliar,na altura, o registo de dinossau-ros stegossáurios conhecidos naPenínsula Ibérica e mesmo naEuropa, que, até esse momento,estava restringido a outro géne-ro de dinossauros deste grupo:dancentrurus”. Contribuiu ain-da para “ampliar em muito a dis-tribuição geográfica” deste gé-nero de dinossauro, que, até en-tão, se pensava estar “acantona-do à parte americana do antigocontinente da Laurásia [que in-cluía os territórios que hoje cons-tituem hemisfério Norte: a Amé-rica do Norte, Europa e Ásia doNorte]”. “A descoberta de stego-saurus no concelho da Batalha fi-cará como um marco, como umimportante contributo para aciência internacional no domínioda paleontologia”, acrescenta Pe-dro Dantas naquele artigo.

Algum do espólio recolhido dajazida de Casal Novo - que forne-ceu material pertencente a, “pelomenos, dois exemplares de ste-gosaurus” - encontra-se expostono MCCB. Grande parte dos acha-dos foram estudados no Labora-tório de História Natural da Bata-lha, criado pela câmara ao abrigode um protocolo com o Museu Na-cional de História Natural, queacabaria por ser extinto.

Leopardo do Algar da Manga LargaDatados entre 20 a 40 mil anos, os fósseis deste grandefelino, encontrados no Algar da Manga Larga (Porto deMós), são um indício de que na Península Ibérica“continuou a existir um clima propício à sobrevivênciade espécies que desapareceram para lá dos Pirenéuscom a chegada do frio”, refere o Museu de Geologia.

6 Jornal de Leiria 23 de Julho de 2015

Abertura

Roteiro na região

Uma praia no meio da serra e um menino muito especialMaria Anabela [email protected]

� Os primeiros fósseis da praia ju-rássica de Porto de Mós seriam iden-tificados em 2003, numa visita de ro-tina efectuada por técnicos do ParqueNatural das Serras de Aire e Can-deeiros. Mas só dez anos depois é quea descoberta seria revelada ao pú-blico, através de uma intervenção deAntónio José Teixeira, investigadore autarca, durante uma sessão de As-sembleia Municipal de Porto de Mós,com a apresentação de algumas ima-gens do fundo marinho, que entre168 a 170 milhões de anos cobriaaquela zona.

Localizada numa antiga pedreira,que está 400 metros acima do níveldo mar, a jazida de Cabeço da Ladei-ra deixou visíveis dezenas de fósseisde ouriços, estrelas e lírios do mar.Gravadas na rocha ficaram aindamarcas de correntes marítimas.

Segundo um artigo publicado noano passado na revista National Geo-graphic Portugal, Andrew Smith, in-vestigador do Departamento de Pa-leontologia do Museu de HistóriaNatural de Londres, já se referiu à ja-zida como uma raridade mundial, cu-jas características e idade só têm pa-ralelo noutro local na Suíça.

Ao JORNAL DE LEIRIA, o Labora-tório Nacional de Energia e Geologia(LNEG), entidade que está a coorde-nar o estudo científico dos achados,

explica que a importância dos fósseisdo Cabeço da Ladeira se deve “ao seuestado de conservação e abundân-cia”, que “não tem paralelo no con-texto geológico nacional e é rara a ní-vel internacional”.

“Os restos dos animais encon-tram-se fossilizados com todas aspequenas placas que compõem oseu esqueleto em articulação. Ouseja, estes animais encontram-sepreservados praticamente como seestivessem vivos”, frisa aquele or-ganismo, adiantando que estas con-dições “são favoráveis à ocorrênciade espécies tipo, isto é, exemplaresque permitem a identificação denovas espécies ou a melhor com-preensão de espécies já descritas”.Por outro lado, a jazida dá indicaçõessobre “o ambiente de deposição e apaleogeografia do local há cerca de169 milhões de anos”. “As rochas eos fósseis dizem-nos que neste localexistia um ambiente marinho debaixa profundidade onde as águasseriam quentes e límpidas, am-biente próximo do que temos ac-tualmente nos trópicos”, acrescen-ta o LNEG

Dos mais de 100 fósseis já iden-tificados na jazida, “uma dúziade exemplares foi removida paraestudo”, encontrando-se “depo-sitada nas colecções do MuseuGeológico do LNEG”. No lugardesses exemplares, “foram colo-cadas réplicas”.

Miscigenação entre o homosapiens e oneanderthal?Corria o ano de 1998 quando umasucessão de felizes acasos pôs adescoberto a primeira sepultura doPaleolítico Superior da PenínsulaIbérica. O primeiro acaso aconteceuem 1994, quando a associação am-bientalista Oikos conseguiu travaras terraplanagens que o proprietá-rio de um terreno estava a fazer apoucos metros do local onde, qua-tro anos mais tarde, seria desco-berto o Menino do Lapedo.

O segundo acaso desta históriateve Pedro Ferreira como protago-nista. Estávamos em 1998 e este ac-tual técnico da Câmara de Leiria eraentão um jovem estudante, finalistado curso de Património Cultural daUniversidade de Évora, à procura deuma tema interessante para investi-gar, que encontraria no Vale do La-pedo, concelho de Leiria. Numa dassuas incursões ao local, encontrou notecto de um abrigo alguns desenhosque lhe chamaram a atenção. Mos-trou as fotografias a um professor dauniversidade, que os desvalorizou.Procurou, depois, um grupo de ar-queólogo e quis o destino que, nes-se dia, João Zilhão, então presiden-te do Instituto Português de Ar-queologia, estivesse com eles.

A primeira expedição da equipade Zilhão ao Abrigo do Lagar Velhoteve lugar em Novembro desse ano,com os investigadores a descobri-rem a presença de ossos que osexames confirmariam pertencer auma criança com quatro a cincoanos, sepultada no local há cerca de25 mil anos.

Mas o que mais entusiasmou a co-munidade científica e reforçou a im-portância do achado, consideradouma das mais importantes desco-bertas arqueológicas mundiais doséculo XX, foram as característicasanatómicas do menino, que leva-ram os cientistas a elaborar uma teo-ria sobre o possível cruzamentodas duas espécies de humanos mo-dernos: sapiens e neanderthal. Umateoria que contraria a ideia vigenteaté à descoberta do enterramentodo Lapedo, segundo a qual aquelasduas espécies de humanos moder-nos jamais se haviam cruzado ou re-lacionado.

O assunto ainda hoje não é con-sensual. Entre os defensores dateoria da miscigenação está João Zi-lhão que, juntamente como o ame-ricano Erik Trinkanaus, dirigiu asequipas que estudaram o Menino doLapedo. “É o fóssil em que, pela pri-meira vez, foi possível documentarde forma paleontologicamente ine-quívoca que as primeiras popula-ções 'modernas' do continente eu-ropeu mantinham traços herdados

dos neandertais e que, portanto, àépoca do contacto na Europa, hácerca de 40.000 anos, modernos eneandertais se tinham entrecruza-do”, diz João Zilhão, actualmente li-gado à Universidade de Barcelona.

Desde 2003, não houve qualquerprospecção no Vale do Lapedo, quepermitisse perceber se existem ou-tros achados arqueológicos. Em de-clarações ao JORNAL DE LEIRIA,João Zilhão admite que esta situaçãopossa estar relacionada com aspec-tos de conservação do local, umavez que “o processo de escavaçãoarqueológica consiste numa des-truição controlada, mas que nãodeixa de ser uma destruição”. Mas,“se se relaciona com a falta de meiospara continuar o estudo de aspectosque permanecem em aberto e porresolver, parece-me uma vergo-nha”, afirma, considerando“umavergonha nacional que quem dedireito não dê à jazida e ao fóssil avalorização e divulgação públicaque se impõem”.

Gonçalo Lopes, vereador da Cul-tura da Câmara de Leiria, nota que“em relação ao Lapedo compete aoGoverno Central a tutela sobre a in-vestigação e aprofundamento do es-tado do património arqueológico epaleolítico, assim como a respecti-va estratégia de valorização”. O au-tarca diz ainda que o município“irá continuar a promover a divul-gação deste património através do

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centro de interpretação, da reali-zação dos percursos Visit Leiria e nofuturo Museu de Leiria, onde teráum destaque assinalável”.

Maior trilho de pegadas de dinossauros do mundoA paisagem do lugar que é hoje aSerra de Aire era, há cerca de 175milhões de anos, uma planície li-toral, pejada de zonas inundadaspor lençóis de água. O clima eraquente e húmido e a vegetaçãoexuberante. A habitá-lo estariam,entre outros seres vivos, dinos-sauros. O testemunho dessa vi-vência ficou marcado na laje cal-cária da antiga Pedreira do Galinha,que deixou de ser explorada depoisda descoberta, em 1994, de pegadasde dinossauros saurópodes, umdos maiores animais que algumavez povoaram a terra.

No local, hoje classificado comomonumento natural, podem serobservados cerca de 20 trilhos oupistas, uma delas com 147 metrose outra com 142 metros de com-primento, que se conservaram aolongo de 175 milhões de anos. “Seráo maior trilho de pegadas de di-nossauros herbívoros do mundo”,diz Vanda Santos, paleontólogaque tem se tem dedicado ao estu-do de pegadas de dinossauros e queconsidera o local “um extraordi-nário registo do Jurássico Médio”,que “traz muita informação sobrea dinâmica de movimentação dosdinossauros”. “É muito difícil en-contrar trilhos que se propaguempor dezenas de metros, tão bemmarcados e conservados comoaqueles que encontramos na Pe-dreira do Galinha”, nota a paleon-

tóloga, que lamenta que o “poten-cial” deste património não esteja aser “valorizado como merece”.

Uma grutaconhecidamundialmenteTambém pouco conhecido fora dacomunidade científica está a desig-nada Mina da Guimarota, onde, du-rante o Jurássico Superior viveram osmais antigos machimosaurus, ani-mais do grupo do qual descendem oscrocodilos. Em declarações recentesao JORNAL DE LEIRIA, Octávio Ma-teus, que integrou a equipa que es-tudou o maior crocodilo do Jurássi-co e que inclui material encontradona Mina da Guimarota, coloca estelocal, situado junto a uma das prin-cipais entradas da cidade de Leiria,no lote dos “dez lugares mais im-portantes” da paleontologia em Por-tugal. “É quase impossível falar daevolução dos mamíferos do Jurás-sico do mundo sem falar da Guima-rota”, afirma, explicando que osfósseis encontrados na mina in-cluem espécies importantíssimas,que ajudam a compreender a evo-lução dos mamíferos e a sua explo-são evolutiva”.

Na década de 60 do século pas-sado, um grupo de investigadoresda Universidade Livre de Berlimpercebeu a importância da jazida efez prospecções no local, que per-mitiram extrair milhares de fós-seis. Parte desses achados está hojedepositada no Museu Geológico,em Lisboa. Entre eles, encontra-se o primeiro esqueleto de um ma-mífero do Jurássico (henkelothe-rium guimarotae), identificado em1976 na Guimarota. A fauna identi-ficada na antiga mina, inclui, entreoutros, tubarões, crocodilos, tarta-rugas, dinossauros, mamíferos e

Na freguesia de São Bento(Porto de Mós) foramdescobertos vestígios de umfundo marinho com 168 a 170milhões de anos;

Menino do Lapedo (fotomostra a mandíbula) éconsiderado um dos achados arqueológicos maisimportantes do século XX

aves primitivas. O futuro Museu de Leiria irá exi-

bir temporariamente alguns mate-riais, cedidos pela Sociedade deHistória Natural, de exemplaresde animais associados à Mina daGuimarota. Bruno Camilo Silva,da direcção daquela sociedade,adianta que, entre o espólio a cederestá uma placa de uma tartaruga se-lenemys lusitanica, uma espéciede água doce identificada em Tor-res Vedras, mas também presentena Guimarota, assim como réplicasde um dente e uma unha de di-nossauro carnívoro allosauroide,do qual se conhece material iden-tificado na Guimarota. Será aindacedido temporariamente um tron-co de árvore fóssil. “Todos esteselementos servirão para comporuma reconstituição ambiental decomo seria a Guimarota no Jurás-sico Superior”, acrescenta.

Paraíso para osamantes da geologiaPara os amantes de praia, São Pedrode Moel e Peniche destacam-sesobretudo pela sua beleza e quali-dade enquanto estâncias balneares.Mas os afloramentos rochosos dassuas arribas exibem uma enormi-dade de fósseis com grande valorcientífico. A esses locais e dando-

-lhe uma importância similar, LuísDuarte, do Departamento de Ciên-cias da Terra da Faculdade de Ciên-cias e Tecnologia da Universidadede Coimbra, junta as formaçõescarbonatadas do Jurássico Inferiore Médio do Rabaçal, presentes naregião entre Ansião e Condeixa-a--Nova.

“São Pedro de Moel, Rabaçal e Pe-niche constituem três locais de ine-gável valor patrimonial, nos do-mínios da geologia sedimentar e dahistória da Terra, cujo interessecientífico excede as fronteiras na-cionais”, afirma o investigador, quetem desenvolvido trabalho sobreaqueles locais e que não tem dúvi-das em afirmar que se trata de “au-tênticos paraísos para todos osamantes da geologia”. Em causaestá, segundo o especialista, “oelevado valor científico do registogeológico, associado ao excepcionalenquadramento paisagístico decada local”, que configura “cenáriosideais para actividades educativase de divulgação da geologia, inde-pendentemente do público--alvo”.

Datados de há 175 a 200 milhõesde anos, os afloramentos rochososde São Pedro de Moel, junto ao fa-rol, exibem aqueles que são con-siderados os melhores fósseis deamonites de Portugal. “Constituium paraíso para os amantes dapaleontologia, dada a abundânciae diversidade de fósseis, desde in-vertebrados marinhos, peixes, ict-yossaurios, icnofósseis e constru-ções microbianas”, diz Luís Duar-te, frisando que há outros pontosde interesse na geologia de São Pe-dro de Moel. O especialista desta-ca as “construções estromatolíticasobservadas na praia Velha”, queconsidera “um verdadeiro monu-mento sedimentar, pelo impres-sionante estado de conservação

dos corpos microbianos”. Além de constituir a “secção

mais contínua e das mais comple-tas do Lias [Jurássico Inferior] emPortugal”, a península de Penicheapresenta “outros episódios e re-gistos geológicos de extraordináriabeleza e grande interesse pedagó-gico no domínio paleoambiental eambiental”. “Estas falésias calcá-rias (…) assumem um valor cientí-fico inigualável, já que mostramexemplos únicos da histórica geo-lógica jurássica de Portugal”, notao investigador, que frisa que o es-tudo do local permite retirar in-formações “preciosas do ponto devista paleoceanográfico”, comodemonstrar as “variações do níveldo mar” ocorridas durante o Ju-rássico .

Quanto às singularidades da pai-sagem geológica do afloramento doRabaçal, Luís Duarte destaca aocorrência de bioconstruções deespongiários. “Estas esponjasconstituem as únicas referênciasexistentes para o Toarciano, [Ju-rássico Inferior] diz o investigadorque lamenta que “não exista emPortugal uma legislação que pro-teja alguns dos locais, como é ocaso de S. Pedro de Moel, dos ca-çadores'de fósseis ou mesmo dossimples curiosos”, que “além doassalto ao património natural, es-tragam os afloramentos”.

Afloramentos rochosos de SãoPedro de Moel apresentamaqueles que são consideradosos melhores fósseis deamonites em Portugal;

A mais recente descoberta defósseis de dinossauros naregião teve lugar em Junqueira(Pombal);

FOTOS: DR

“Uma vergonha nacional”Sem referir nomes de entidades, João Zilhão, antigopresidente do Instituto Português de Arqueologiaque esteve envolvido no estudo do Menino doLapedo, considera “uma vergonha nacional quequem de direito não dê à jazida e ao fóssil avalorização e divulgação pública que se impõem”.