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ok Não somos cronos, somos kairós* Joel Martins 1- Minha preocupação nesta manhã , no início deste seminário, é com o humano enquanto humano, não importa o seu status físico, social ou mental. O humano será sempre humano. 2- A idéia de Velhice, Terceira Idade ou Ancião, tem-se resolvido em substantivos e até mesmo em adjetivos para deisgnar a postura do humano numa sociedade de classes que o vê de uma determinada forma. Responsável por essa percepção é o trabalho das “ciências” ônticas, isto é, aquelas ciências que se ocupam de dimensões físicas que restingem o mental às possibilidades físicas- são elas as ciências naturais, e as humanas que se utilizam da metodologia empírico-científica dessas ciências. 3- Há, necessariamente, uma diferença entre o humano e os objetivos da natureza. Estes últimos estão simplesmente presentes no nosso aparelho perceptual. A existencialidade porém é que é, em si mesma, a estrutura essencial do ser humano. 4- É minha intenção olhar o humano na sua existencialidade como sendo seu tempo vivido. Porque o tempo é o sentido da vida. Sentido como o de um curso d’ água, sentido de uma frase, sentido de um valor ou sentir um perfume, como diria Claudel em “Art Poétique” 5- O sujeito não pode ser uma série de eventos psíquicos, isto é - ser criaça, ser adolescente, ser adulto, ser velho, como um conjunto segmentado de eventos, por isso mesmo é que ele não é eterno. Resta para este sujeito que sou eu, que é você- ser temporal. 6- O homen sempre permanece relacionado com o tempo. Mas o que é o tempo? Precisamos sair da concepção popular de tempo para conceber o sujeito humano e o tempo, como que se comunicando de dentro para fora. Poderiamos, então, dizer que a existência não pode ter qualquer contingente externo ou atributo (ser visto como criança, adulto, velho). Não pode ser algo especial, mental, cronológico, sem ser isso tudo numa totalidade, sem assumir e levar para diante seus atributos e transformá-los em várias dimensões de seu ser. Resulta daí que qualquer análise de um desses elementos encontrar-se-á com a subjetividade. 7- Não há problemas principais assim como não há problemas subordinados, todos os problemas humanos são concêntricos. Analisar-se o tempo não é seguir as consequências de uma concepção pré-estebelecidas de subjetividade, mas é ter acesso, através desse tempo, à sua estrutura concreta. 8- Quando procuramos compreender uma pessoa, essa compreesão nunca se dá de forma pura, mas somente através das intersecções das suas várias dimensões. Precisamos, então, pensar na idéia do tempo propriamente dito, e é sómente acompanhando a sua dialética interna, o homem não está no tempo, é o tempo que está no homem, que seremos então levados a compreender a idéia do sujeito humano. 9- Quando nos encontramos com uma pessoa que não vemos há muito tempo, ou quando respondemos a uma carta que está muito atrasada, dizemos, comumente, que o tempo passa ou que o tempo voa. Falamos ainda assim, quando nos referimos à nossa vida, ao curso do tempo, tudo passou. 10- A água que vejo correndo num riacho nasceu provavelmente, há alguns dias atrás, nas montanhas ou numa fonte. Ela está agora diante de mim e caminha para outro riacho ou para o mar onde deságua. 11- Se o tempo fosse semelhante a esse rio, ele correria de um passado para um presente e para um futuro; neste caso, presente seria uma consequência do passado e o futuro uma conseqência do presente. Esta metáfora, porém, gera bastante confusão. Olhando-se para as coisas mesmas, para o nascer da água na fonte, ou para o derreter das neves nas montanhas e o que resulta disso, não são acontecimentos sucessivos, sucesssão de eventos. Não há lugar para idéia de eventos isolados no mundo objetivo. Porque a idéia de “eventos” ou acontecimentos, são formas recortadas por um observador finito de uma totalidade espaco- temporal do mundo objetivo. Um observador objetivo precisará estar alí ao nascer da água na fonte, acompanhá- la em seus vários momentos segmentados. 12- Dentro de tal conceituação, a data do aniversário, ou do nascimento, por exemplo, são recorrentes da totalidade espaço-temporal do ser. É muito bom que se celebre alguma coisa neste mundo vivido. O aniversário é um momento de alegria para o sujeito, mas não deve ser um recorte na totalidade do tempo, o ser não deve ficar mais velho por isso. 13- Quando se considera o próprio mundo em si há, simplesmente, um ser idivisível e imutável nele. A mudança pressupõe uma certa posição que se assume e que permite ver as coisas se sucederem.Não há eventos ou acontecimentos se não houver alguém para quem tais eventos ou acontecimentos aconteçam e cujo recorte e a perspectiva não sejam finitos. http://www.portaldoenvelhecimento.org.br/psico/psico73.htm Página 1 de 5

Não Somos Kronos, Somos Kairós

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Texto de Joel Martins

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Não somos cronos, somos kairós*

Joel Martins

1- Minha preocupação nesta manhã , no início deste seminário, é com o humano enquanto humano, não importa o seu status físico, social ou mental. O humano será sempre humano.

2- A idéia de Velhice, Terceira Idade ou Ancião, tem-se resolvido em substantivos e até mesmo em adjetivos para deisgnar a postura do humano numa sociedade de classes que o vê de uma determinada forma. Responsável por essa percepção é o trabalho das “ciências” ônticas, isto é, aquelas ciências que se ocupam de dimensões físicas que restingem o mental às possibilidades físicas- são elas as ciências naturais, e as humanas que se utilizam da metodologia empírico-científica dessas ciências.

3- Há, necessariamente, uma diferença entre o humano e os objetivos da natureza. Estes últimos estão simplesmente presentes no nosso aparelho perceptual. A existencialidade porém é que é, em si mesma, a estrutura essencial do ser humano.

4- É minha intenção olhar o humano na sua existencialidade como sendo seu tempo vivido. Porque o tempo é o sentido da vida. Sentido como o de um curso d’ água, sentido de uma frase, sentido de um valor ou sentir um perfume, como diria Claudel em “Art Poétique”

5- O sujeito não pode ser uma série de eventos psíquicos, isto é - ser criaça, ser adolescente, ser adulto, ser velho, como um conjunto segmentado de eventos, por isso mesmo é que ele não é eterno. Resta para este sujeito que sou eu, que é você- ser temporal.

6- O homen sempre permanece relacionado com o tempo. Mas o que é o tempo?

Precisamos sair da concepção popular de tempo para conceber o sujeito humano e o tempo, como que se comunicando de dentro para fora. Poderiamos, então, dizer que a existência não pode ter qualquer contingente externo ou atributo (ser visto como criança, adulto, velho). Não pode ser algo especial, mental, cronológico, sem ser isso tudo numa totalidade, sem assumir e levar para diante seus atributos e transformá-los em várias dimensões de seu ser. Resulta daí que qualquer análise de um desses elementos encontrar-se-á com a subjetividade.

7- Não há problemas principais assim como não há problemas subordinados, todos os problemas humanos são concêntricos. Analisar-se o tempo não é seguir as consequências de uma concepção pré-estebelecidas de subjetividade, mas é ter acesso, através desse tempo, à sua estrutura concreta.

8- Quando procuramos compreender uma pessoa, essa compreesão nunca se dá de forma pura, mas somente através das intersecções das suas várias dimensões. Precisamos, então, pensar na idéia do tempo propriamente dito, e é sómente acompanhando a sua dialética interna, o homem não está no tempo, é o tempo que está no homem, que seremos então levados a compreender a idéia do sujeito humano.

9- Quando nos encontramos com uma pessoa que não vemos há muito tempo, ou quando respondemos a uma carta que está muito atrasada, dizemos, comumente, que o tempo passa ou que o tempo voa. Falamos ainda assim, quando nos referimos à nossa vida, ao curso do tempo, tudo passou.

10- A água que vejo correndo num riacho nasceu provavelmente, há alguns dias atrás, nas montanhas ou numa fonte. Ela está agora diante de mim e caminha para outro riacho ou para o mar onde deságua.

11- Se o tempo fosse semelhante a esse rio, ele correria de um passado para um presente e para um futuro; neste caso, presente seria uma consequência do passado e o futuro uma conseqência do presente.

Esta metáfora, porém, gera bastante confusão. Olhando-se para as coisas mesmas, para o nascer da água na fonte, ou para o derreter das neves nas montanhas e o que resulta disso, não são acontecimentos sucessivos, sucesssão de eventos. Não há lugar para idéia de eventos isolados no mundo objetivo. Porque a idéia de “eventos” ou acontecimentos, são formas recortadas por um observador finito de uma totalidade espaco-temporal do mundo objetivo. Um observador objetivo precisará estar alí ao nascer da água na fonte, acompanhá-la em seus vários momentos segmentados.

12- Dentro de tal conceituação, a data do aniversário, ou do nascimento, por exemplo, são recorrentes da totalidade espaço-temporal do ser. É muito bom que se celebre alguma coisa neste mundo vivido. O aniversário é um momento de alegria para o sujeito, mas não deve ser um recorte na totalidade do tempo, o ser não deve ficar mais velho por isso.

13- Quando se considera o próprio mundo em si há, simplesmente, um ser idivisível e imutável nele. A mudança pressupõe uma certa posição que se assume e que permite ver as coisas se sucederem.Não há eventos ou acontecimentos se não houver alguém para quem tais eventos ou acontecimentos aconteçam e cujo recorte e a perspectiva não sejam finitos.

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14- O tempo pressupõe uma concepção do tempo; não é, portanto, um rio que corre nem o fluir de uma substância.

O tempo não é um processo real, uma sucessão de eventos que nos dá prazer em registrar. O tempo origina-se das relações com as coisas em si mesmas. Há um futuro e há um passado que estão em um estado de pré-existência eterna e de sobrevivência. Veja, a água do rio que correrá amanhã, está também neste momento, na sua fonte, lá na sua origem. Aquela água que passou diante de nós está alí mais adiante na corrente, no campo, ou no vale.

Mas o que é passado ou o que é futuro é também, o presente no mundo. Nas coisas em si mesmas porém, o futuro não existe ainda e o passado não está muito longe, enquanto que o presente, falando-se estritamente, é infinitesimal; neste caso, quando segmentado em momento cronológico a idéia de tempo entra em um colapso. Esclarecendo esta idéia: se o mundo objetivo, ese mundo que está aí diante de nós, fosse incapaz de sustentar o tempo, isto só seria possível porque ele é de certa maneira limitado, ou porque será necessário adicionar ao tempo um passado e um futuro? Tal passado e tal futuro existem, inconfudivelmente no mundo, mas eles existem também na totalidade do presente, isto porque tudo o que é, em si mensmo, precisa de uma ordem temporal, de estar num lugar, e de ser anteriormente e posteriormente.

15- O mundo é um repertório cheio de coisas, para poder ele ser tempo. O passado e o futuro retiram-se e movem-se para a subjetividade numa busca,não de sutentação real, mas ao contrário, da possibilidade de ser, que esteja de acordo com sua natureza.

Se olharmos para nosso relógio podemos perguntar que horas são e verificar que são quatro e meia. Quando dizemos isso, pensamos que agora, neste momento, são as quatro e meia. Logo mais, digamos dez minutos mais tarde, olhamos outra vez e vemos que são vinte minutos para as cinco , agora. Sempre que dizemos agora temos a experiência de algo que compartilhamos com os outros. Entretanto o agora que já foi não é o mesmo agora como este novo agora. Entretanto, o tempo para nós é real e tem um caráter paradoxical, e que ele é , ou é real à medida que passa, que desaparece.

16- A conceituação de tempo que está implícita na concepcão assumida pelo senso comun, e que é formulada como uma sequência de agoras, não tem apenas a desvantagem de tratar o passado e o futuro como presente, ela é inconsistente, uma vez que destroi a verdadeira idéia de agoras como totalidades.

17- Nada ganhamos se assumirmos o tempo como sendo pertencente às coisas, se repertirmos o êrro de definir o tempo como uma sucessão de exemplos de agoras.

Entretanto isto é o que os psicólogos, e os educadores têm feito quando procuram explicar a consciência do passado em termos de situações, aprendizagens ou perspectivas de futuro como se fossem projeções que estão lá adiante de nós.

18- Porque devemos rejeitar a idéia de preservação em termos fisiológicos, isto é, sermos jovens, velhos etc., e também a idéia de preservação psicológica do tempo? a razão é que nenhuma preservação fisiológica ou psíquica do passado pode assumir a consciência do passado, são apenas momentos explicativos.

19- Há, em minha casa uma mesa de jantar que todos chamamos de muito antiga. No meio dela a mancha de um tinteiro que foi derrubado, quando uma criança fazendo suas lições, derrubou esse tinteiro. Hoje essa criança já não está mais lá, cresceu e se foi. Prém, essa mancha de tinta não é passado, não se refere ao passado, mas é presente, a mancha de tinte está aí. Mesmo quando se fale sobre a tinta derramada, como um signo, como um evento prévio, que está derivando o sentido de passado de outro lugar e não da própria mancha. Carregamos esta significância particular dentro de nós. Mesmo considerando os canais nervosos e os impulsos que passam por tais canais, reavivando minha percepção, cada vez será sempre uma nova percepção que, ainda que fraca e desgastada, nunca estará apontando para um passado. Uma percepção preservada será sempre uma percepção, ela persiste no presente e não se abre atrás de nós numa fuga ou ausência que chamamos passado.

20- Uma memória preservada, ou um fragmento de um passado vivido, pode ser, no máximo, uma ocasião para se pensar um passado, mas não é o passado que compele ao reconhecimento pois qualquer reconhecimento, quando derivado de um conteúdo, já deve preceder a esse conteúdo. Uma reprodução, entretanto, pressupõe um reconhecimento só pode ser compreendida como reprodução quando se tem em primeiro lugar, uma espécie de contato com o passado na sua própria maneira de ser. Não é possível construir um futuro à força, a partir de conteúdos da consciência: nenhum conteúdo real pode ser tomado como evidência no que se refere ao futuro, uma vez que o futuro não exisste ainda e não pode, como o passado determinar marcas sobre os indivíduos.

21- A única forma de conhecer, ou de tentar explicar a relação de futuro com o presente, sería colocá-lo num mesmo continum, estou sendo como aquele que existe entre presente e o passado.

Ao considerar minha trajetória no passado, vejo que meu presente está sempre passando. Passo a tratar meu passado como algo remoto, que foi um presente vivido, e o meu presente vivido é o meu presente que é o meu presente que está acontecendo como um presente que está passando: estabelece-se diante disso um vácuo que precisa ser pensado, este vácuo é o futuro.

Olhar para frente podería parecer, neste caso, ser retrospectivo, e o futuro uma projeção do passado. Mas raciocinando por absurdo, ou impossibilidade, se pudessemos raciocinar construíndo uma consciência do passado como uma transferência para o presente, isto ainda certamente, não se abriria para o futuro.

22- Se eu quiser formar uma idéia de futuro auxiliado por aquilo que tenho visto,permaneceria ainda o fato de que, para projetar para frente seria necessário, em primeiro lugar, um sentido, um significado de futuro. Se uma visão para frente prevê uma restropecção isso já é, de qualquer forma, uma restropecção anticipatória. Como seria possível antecipar se não se sabe o que é futuro?

23- Por analogia supomos que este presente esteja passando, mas para se fazer qualquer analogia entre presentes que passaram e o presente que está passando, este último não deve ser tratado apenas como

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presente mas, deve anunciar-se como aquilo que a um certo tempo vai ser passado. Sobre este presente que está aí há uma pressão para superação ou perda. O curso do tempo deve ser em primeiro lugar não apenas um presente que passa e constitui um passado mas, também, um futuro que pressiona o presente. Toda a visão do passado é também uma visão perspectiva futural.

24- Passado e futuro não podem ser simples abstrações ou conceitos abstratos que têm origens nas nossas percepções e memórias como simples denominações para uma série de fatos psíquicos, como faz a psicología científica.

25- Há outra idéia verdadeira de tempo que nos ensina sobre a natureza do fluxo e de sua própria transitoriedade. É verdade que nem sempre se é capaz de perceber um ponto sem que haja um antes e um depois, e que para se estar alertos para as relações entre tais termos, não se pode estar absorvido em nenhum desses pontos, pois o tempo necessita de uma síntese. Esta sintese precisa estar sempre sendo re-feita e qualquer pressuposição sobre o fato dessa síntese estar em qualquer lugar possível de um completamento, envolve já uma negação da própria idéia de tempo.

26- Foi preocupação dos filósofos pensar uma possibilidade a idéia de uma eternidade da vida, onde a produtividade do tempo fosse pensada de maneira elevada; entretanto, uma consciência dogmática do tempo, que se situe acima dele e que o envolva simplesmente, destroi o fenômeno do tempo. Qualquer contato com uma espécie de eternidade, constitui a essência ou coração de nossas experiências de tempo e não a idéia de um sujeito a-temporal cuja função é conceber e propor o tempo e a eternidade.

27- O grande problema é tornar o tempo explícito à medida em que ele se realiza e torná-lo evidente, ter essa idéia de tempo não como objeto do nosso conhecimento, mas como uma dimensão do ser de cada um de nós.

É na cotidianeidade da vida, naquilo que fazemos, que vivemos, no nosso trabalho, no horizonte do día que terminou, no día e na noite, é aí que se estabelece o contato com o tempo e , então aprende-se a conhecer o seu curso.

28- O passado, ainda que tenha uma ordem temporal e uma posição no tempo em relação ao presente, se dá só porque já foi presente, já esteve no seu tempo e, através da vida caminhou a partir desse momento.O passado tem a sua importância. Porém, ao remontar-se a esse passado, está-se abrindo o tempo vivido e projetando-se de volta a um momento em que havia um horizonte que está lá, um horizonte de um passado imediato que hoje é remoto.

Tudo leva a um campo de presença que foi uma experiência primária na qual o tempo e suas dimensões mostram um surgimento puro, sem a intervenção da distância e com uma auto-evidência absoluta.

29- Nesse contexto é que surge um futuro que se esboça e se anuncia no presente e no passado. Estas três dimensões não se apresentam através de atos independentes, discretos eventos segmentados. Não se tem, por exemplo, uma idéia ou representação mental do dia, ele está alí e eu o estou vivendo, e o tenho diante de mim. Da mesma forma não estou pensando na noite que está para chegar com suas consequências, entretanto, ela está aí para chegar. Nosso futuro não é constituído de adivinhações e de sonhos. Diante daquilo que eu vejo e percebo, está o meu mundo que continua a ser através de linhas intencionais que traçaram anteriormente o estilo que está para vir.

30- O presente em si mesmo, num sentido estrito, não se define ou postula. Os objetos ao meu redor estão alí para mim, ao meu dispor, diante dos olhos, ou prontos à mão, isto não quer dizer que eu os perceba explicitamente a todos. Não percebo os objetos como se eles estivessem num ambiente. Busco afirmação nos meus utensilos, nos objetos com que realizo meu trabalho mais do que lutando contra eles.

31- Dessa forma, uma idéia de temporalidade originária, isto é, que se conserva desde a origem, deriva-se da concepção que tenho de que o passado não é passado, e o futuro não é futuro. Um passado e um futuro passam a existir quando se os busca. Neste momento, não estamos aquí como corpos sentados, ouvindo, pensando, mas estamos nesta manhã e seremos nesta noite e, ainda que meu presente, se assim desejarmos pensar, seja este momento, é também este dia, este ano ou a minha vida toda. Não há necessidade de uma síntese externa ligando ou pondo junto vários tempos ou “tempora” num único tempo, porque cada um dos tempos, já é um todo, além de sí mesmo, além dessa série aberta de outros tempos estando em comunicacão interna. E por causa da coesão da vida dá-se o que Heidegger chama de ek-stasis, ou seja, o fenômeno de estar em direção a... ou para... ou junto de... e que torna a temporalidade manifesta. O acesso a uma temporalidade genuína exige uma reavaliação do passado, presente e futuro que conduz a nossa vida. O futuro, o caráter de ter sido, assim como o presente, é que Heidegger denomina “ek-stasis” da temporalidade. Nesse estado de ek-stasis, o futuro é a forma primordial e autêntica da temporalidade.

Qual é a importância destas idéias, deste pensar o pensado?

Em primeiro lugar está uma chamada ao Ser para sua própria identidade. A idéia de metamorfose, em que passado, presente e futuro juntam-se. O futuro constitui um passado e um presente.

A passagem de um presente para o próximo presente não pode ser concebida se fosse uma coisalidade, ou substância que se desloca numa dimensão, ela também não pode ser constituída. Já me encontro em um pressente, isto é, em progresso, pois eu sou o tempo, um tempo que eu habito e que não flui simplesmente ou se modifica no dizer de Kant, em vários lugares, esta idéia de tempo que se antecipa e que flue e que passa, é a visão do senso comum, do cotidiano na linguagem comum. Todo mundo fala sobre tempo usando-o como sustantivo próprio com letra maiúscula. Algumas vezes este tempo é atá personalizado como uma criança que nasce e se transforma par a indicar o ano novo ou velho, um ser concreto, presente na sua totalidade com suas manifestações. Nesse caso falamos do tempo como falamos na água que corre, na árvore que cresce.

A metáfora da água que corre em um rio.

32- Se tornarmos agora à metáfora da fonte e do rio que corre e que flui como uma obejtivação, passamos a fazer a mesma coisa que faz o senso comum que tematiza e objetiva a idéia de tempo. Isto leva a uma perda de

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vista do tempo.

33- Gostaria de poder focalizar bem o fato de poder dizer “tempo para alguém”; o que seria uma forma de imobilizar esse tempo. Mas, podemos dizer que alguém é o seu tempo, ou a sua dimensão temporal, neste caso o tempo superpõe-se, sustenta-se, tornando explícito aquilo que está implícito.

34- Precisamos conceber e comprender tempo como sendo o sujeito humano sendo tempo, Deve-se tornar claro que não se trata de uma justaposição de acontecimentos externos, uma vez que o tempo é a força que mantem os eventos juntos, num continuum, e não segmentados.

35- Enquanto estamos vivos, enquanto vivemos no nosso presente, se conseguirmos sentir o tempo enquanto o estamos vivendo, com tudo aquilo que ele implica, temos então o ek-stase, a direção para um futuro, asim como uma direção ao passado, que revela a dimensão do tempo não conflitante.....Ser agora, é ser a partir de um ser sempre e de um ser para sempre.

36- Não estou falando em termos de uma eternidade, mas estou tentando dizer que pertencemos ao nosso passado e, por meio de uma relação constante de memórias, não retenção, preservo minhas experiências vividas, exatamente como elas foram vividas.

37- Estamos analisando tempo e vemos que há uma nova idéia de significação e de compreensão. Se pensarmos o tempo da mesma forma como pensamos, em uma ótica semalhante, aquela com que olhamos um objeto, seremos obrigados a dizer do tempo o mesmo que se poderia dizer dos outros objetos. O tempo, porém tem um significado, somente porque “somos tempo” . Podemos designar algo por méio deste termo porque estivemos em um passado, estamos no presente e apontamos para um futuro. O tempo é literalmente o sentido da vida e do mundo. Só é acessível à pessoa que tem o seu lugar nele e que segue s sua orientação.

38- A análise do tempo ilumina todas as outras análises porque ela des-vela o sujeito e o objeto como momentos de uma estrutura peculiar que é a presença, um estar presente. O ser só pode ser concebido por meio do tempo, porque é na relação sujeito- sujeito que podemos compreender também as relações entre sujeito e mundo.

39- A importância da ligação que se dá e que produz a idéia de relacionabilidade entre passado, presente e futuro, no momento é a temporalização ou temporalidade.

40- Tenho um corpo e isto é inegável para qualquer um de nós. Somos nosso corpo e esta é minha essência. Da mesma forma que tenho um corpo essência tenho um futuro que é, também, a essência de um presente. Nada é estático ou parado. Nem uma tematização científica, nem um pensamente objetivo podem des-velar uma função corporal que seja estritamente independente das estruturas corporais, assim como não podemos pensar no mental, no espiritual, que não estejam fundamentados em infra-estruturas corporais.41- Um ponto importante que é essencial para qualquer um de nós pensar é que não apenas temos um corpo, mas que este corpo é nosso corpo. Isto deve ser pensado na existência real e existencial do corpo, pois isto é também essencial para minha consciência do mundo.

42- A importância de se conceber que somos esse corpo, e que somos nosso corpo, está no fato de que nossa existência pessoal é aberta, repousa num fundamento essencial adquirido e estabilizado. Não poderia ser de outra forma, se admitirmos que somos temporalidade, pois é esta dialética entre aquisição e futuro que constitui tempo.

43- Não há mundo sem uma existência que sustente a sua estrutura. Tem sido proclamado algumas vezes que o mundo antecede o homem, que a terra com todos os seus aspectos e visões é o único planeta habitado. Tudo isto é intelectualismo e abstração. a discussào sobre a origem do universo não seria um ponto importante a ser apresentado aquí, ainda que seja muito importante de ser pensado. O que deve ser pensado aquí é a pergunta sobre o que queremos significar quando dizemos que não há mundo sem um “ser-no-mundo”. Queremos dizer que a consciência sempre se encontra trabalhando no mundo. Há uma natureza que não é a natureza dos cientistas naturais. Heizemberg, um físico pós-modernista concorda com esta idéia que não é a da física clasica, que há uma Natureza que a percepção nos apresenta e que essa Natureza existe porque há o homem que dela se ocupa.

44- É possível ainda que as outras pessoas nunca existam para nós da mesma maneira como nós existimos para nós mesmos e para os outros. Mas duas temporalidades não são mutuamente exclusivas, como duas consciências, pois uma pessoa só pode projetar-se na presença de outras com as quais convive.45- Sou uma pessoa com um passado que jamais será vivido outra vez e com um futuro que não vivi ainda. Posso abrir-me para a temporalidade fora de minha experiência vivida e entrar num horizonte social. Meu mundo expandira a dimensão de uma história que eu sou e que também é coletiva. Uma história daqueles com que convivo e com quem convivi.

Por que a importância de ser e tempo como abertura de seminário?

1- O importante é descobrirmos que “somos”; temos um corpo que é nosso e que vive as suas próprias experiências.

2- É importante pensar que tempo não é uma dimensão cronológica, medida em dias, meses e anos, mas sim um horizonte de possibilidades do Ser.

3- É importante saber que não sou Kronos, isto é, um tempo delimitado por mesurações provenientes das pesquisas da ciência ôntica que se esquece do Ser e das suas possibilidades.

4- É importante saber que somos Kairós, isto é, um tempo vivido em uma determinação consciente e efetiva de nossa existência. Uma consciência que é tempo o que indica novas direções.

5- Dessa forma, não envelhecemos na PUC-SP. Nem a PUC-SP envelhece, pois, em cada aspecto de sua maneira de ser está sempre a marca do tempo vivido de cada um de nós e um futuro a a chegar.

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6- Não envelhecemos na PUC-SP, assim como não envelhecemos em lugar algúm sempre que estivermos consciêntes de que somos o tempo.

Ao pensar no envelhecimento lembro-me dessa extraordinária tragicomédia em dois atos de Samuel Beckett “Esperando Godot”, nesta tragicomédia, um drama do absurdo, atores caracterizam-se por estarem alienados. Relacionam-se ums com os outros d euma forma paratáxica, isto é, usando os elementos gramaticais apenas como frases ou cláusulas, sem o uso de elementos coordenativos, como conjunções, por exemplo, os discursos caminham paralelos entre si, onde o contato de um com outro e com o mundo é profundamente perturbado.

Wladimir e Estragon conversam mas, na maior parte do tempo, não se ouvem. A especialidade ou as coisas do mundo tornam-se inacessíveis aos dois seres, eles acham difícil reconhecer o lugar onde estão para encontrar Godot.

7- todavia, o ponto crucial da situação parece ser uma relação de tempo em distúrbio, onde o futuro torna-se inacessível. Ao haver perdido a acessibilidade ao futuro, o passado torna-se, também, confuso e mostra praticamente um nada que possa ser útil no presente. O passado parece ser tão absurdo sem objetivo e sem futuro.

8- Estragon precisa ser lembrado continuamente que ambos recisam permanecer nesse lugar porque eles estão esperando Godot. Todavia, a natureza do contato prévio com Godot, a não ser o de estarem apenas esperando algo, nunca se tornou clara.

9- O mais próximo que ambos chegaram de um futuro acessível foi quando Wladimir diz; “Hoje possivelmente dormiremos com Godot, aquecidos e secos, com um estómago cheio, sobre a palha. Então haverá uma recompensa por esperar, não acha?

10- Mesmo nessa passagem não há segurança alguma sobre o futuro, não há espera por alguma coisa ou antecipação de um futuro no sentido de que esse futuro esteja aberto para a vida de alguém e para uma ação, exceto em situações de privações. O passado pode ser um passado ordenado somente quando o fututo é acessível. Portanto, parece-me adequado o mensageiro de Godot que chega e transpira que não conhece Wladimir. Num certo momento Wladimir diz então que o tempo parou

11- Num segundo encontro com Pozzo, Wladimir diz “não estamos mais sozinhos esperando a noite, esperando Godot, esperando.... esperando.... esperando.... A noite toda lutamos sem assistência. Agora acabou, pois já é amanhã....outro dia. O tempo voa já outra vez. O sol logo vaise por e a lua vai surgir e nós...longe daquí”.

12- A peça continua. Num certo momento Wladimir, diz pondo as suas botas: “Isto é bom, uma boa coisa (o que estou fazendo), porque ajuda a passar o tempo. O vazio do tempo, uma forma de privação do tempo. Onde o futuro não é acesível e o passado não é significativo. Trata-se apenas de um tempo que passa.

13- Estragon diz, então, de forma até lógica “sempre encontramos alguma coisa não é Didi, que nos dá a impressão de que existimos.” Ao que Wladimir responde impacientemente: “Sim, sim, somos mágicos...mas vamos preservar aquilo que resolvemos, antes que esqueçamos”.

14- Bem... Não. Não envelhecemos na PUC-SP , ao contrário, estamos no nosso presente um passado apontado para um futuro, para o ano dois mil, para a PUC do séc. XXI, com coragem, ânimo, confiança e dedicação. Espero encontrá-los lá no séc. XXI.

(*) Este texto foi apresentado sob a forma de palestra no ciclo de eventos O SER E O TEMPO, no seminário sobre “A Universidade e o Envelhecimento” em 23 de abril de 1991. Kairós: há uma variedade de significados para o termo grego. Entre tais está aquele que usamos neste texto: “todas as estações do ano”. Refere-se, porém, a um tempo próprio para a ação. É um tempo ou movimento de prosseguimento além da razão. Ao nível de uma filosofia da existência Paul Tillich descreve “Kairós” como o momento em que a eternidade toca o tempo, ou seja, o tempo vivido. Cronos: refere-se ao tempo cronológico, diferente do tempo vivido.

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