49
1 NAPOLEÃO BONAPARTE IMPERADOR DOS FRANCESES DUZENTOS ANOS 1804 - 2004 RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ INSTITUTO DE GEOGRAFIA E HISTÓRIA MILITAR DO BRASIL. PROFESSOR E MÉRITO DA ECEME. UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA. RIVE 2001@AOL. COM Em 2 de Dezembro de 1804 o general Napoleão Bonaparte (1769-1821), que exercia as funções de Primeiro Cônsul Vitalício da República Francesa, colocou sobre a sua cabeça a coroa de Imperador dos Franceses, tendo dado início ao regime absolutista que, ao longo dos dez anos seguintes, mudaria a feição da França republicana emergida das sombras da Revolução e alteraria substancialmente a configuração geopolítica da Europa, ao instaurar uma monarquia sobranceira às demais, numa espécie de Bloco Continental, como o próprio Napoleão gostava de definir o novo sistema por ele implantado. Não poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, diga-se de

NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

  • Upload
    ngoanh

  • View
    218

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

1

NAPOLEÃO BONAPARTEIMPERADOR DOS FRANCESES DUZENTOS ANOS 1804 - 2004

RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZINSTITUTO DE GEOGRAFIA E HISTÓRIA MILITAR DO BRASIL.

PROFESSOR EMÉRITO DA ECEME.UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA.

[email protected]

Em 2 de Dezembro de 1804 o general Napoleão Bonaparte (1769-1821), queexercia as funções de Primeiro Cônsul Vitalício da República Francesa, colocou sobre a suacabeça a coroa de Imperador dos Franceses, tendo dado início ao regime absolutista que, aolongo dos dez anos seguintes, mudaria a feição da França republicana emergida dassombras da Revolução e alteraria substancialmente a configuração geopolítica da Europa,ao instaurar uma monarquia sobranceira às demais, numa espécie de Bloco Continental,como o próprio Napoleão gostava de definir o novo sistema por ele implantado. Nãopoderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, diga-se de

Page 2: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

2

passagem, reforçou na cultura luso-brasileira a velha herança pombalina do despotismoilustrado. Porque se bem é certo que Pombal antecedeu com a sua aritmética política aosistema napoleônico de poder unipessoal alicerçado na ciência, o Imperador dos Francesesconsolidou o modelo de ditadura regeneradora que seria adotado como ideal político porHenri-Claude de Saint-Simon e pelo seu discípulo Augusto Comte, os quais, pela sua vez,deram início ao arquétipo de ditadura científica que polarizou o debate antimonarquista noBrasil do século XIX, tendo passado a inspirar diretamente as nossas InstituiçõesRepublicanas.

Victor Hugo, em discurso pronunciado na Academia Francesa em 3 de junho de1841, caracterizou da seguinte forma a grandeza e a força de Napoleão 1o : “No início desteséculo, a França constituía para as nações um magnífico espetáculo. Um homem a enchiaentão e a tornava tão grande que chegava a ocupar a Europa. Esse homem, saído dassombras, tinha atingido, em poucos anos, a mais alta realeza que talvez jamais tenhaassombrado a história. Uma revolução tinha-o gerado, um povo tinha-o escolhido, um Papatinha-o coroado. A cada ano, ele alongava as fronteiras do seu Império... Tinha apagado osAlpes como Carlos Magno e os Pirineus como Luís XIV; tinha construído o seu Estado nocentro da Europa como uma cidadela fortificada, dando-lhe como bastiões e fortificaçõesavançadas dez monarquias que ele tinha feito entrar ao mesmo tempo dentro do seu Impérioe dentro da sua família. Tudo nesse homem era sem medida e esplêndido. Ele pairava porcima da Europa como uma visão extraordinária”.

Napoleão repete, na sua gesta, o caráter superlativo das realidades e das idéiaspolíticas na Europa continental, fato que levou a que a sua influência fosse mais decisivasobre as nações latino-americanas do que a temperada experiência inglesa de monarquiaconstitucional. A propósito dessa força das novidades históricas no mundo germano-românico, escreveu Guizot: “Nos Estados do Continente, cada sistema, cada princípio,tendo desfrutado do seu momento e dominado da maneira mais completa, mais exclusiva, oseu desenvolvimento produziu-se em muita maior escala, com mais grandeza e brilho. Arealeza e a aristocracia feudal, por exemplo, comportaram-se na cena continental com maisaudácia, amplitude e liberdade. Todos os experimentos políticos, chamemo-los assim,foram mais exteriores e mais acabados. Daí resultou que as idéias políticas – falo das idéiasgerais e não do bom senso aplicado à direção dos negócios – elevaram-se a maior altura edesenvolveram-se com maior vigor racional. Cada sistema, pelo fato de ter-se apresentado,de certa forma, sozinho e de ter permanecido durante muito tempo em cena, pôde serconsiderado no seu conjunto, pôde-se remontar aos princípios, descer até as últimasconseqüências e estabelecer plenamente a sua teoria” [Guizot, 1864: 383-384].

A gesta napoleônica foi superlativa, como foram superlativos também a Revoluçãode 1789 e o Terror que a seguiu. Talvez esse caráter extraordinário, presente na história daFrança e no seu primeiro Imperador é o fator que mais chamou a atenção de um pensadorcomo Nietzsche, que escrevendo no final do século XIX, frisava: “O século que está parachegar seguirá as pegadas de Napoleão, o maior homem e o mais destacado empreendedordos tempos modernos. Para os problemas do próximo século, a publicidade e oparlamentarismo não são as instituições mais apropriadas. As condições da Europa nopróximo século favorecerão as virtudes varonis, porque viver-se-á em constante perigo (...).Há boas perspectivas: preparam-se grandes emoções. Coloco na balança o que produziu a

Page 3: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

3

Revolução francesa; sem ela não conceberíamos nem Beethoven nem Napoleão”[Nietzsche, 1967: 571-573].

Duas guerras mundiais e a formação, no final do século XX, dos grandes Blocoseconômicos e estratégicos, certamente fazem-nos pensar na atualidade de um estadista queimaginou a política como alargamento revolucionário de fronteiras e que entendia o seuImpério como uma única realidade na Europa por ele unificada. Não é por acaso que abibliografia hoje existente sobre Napoleão ultrapasse de cem mil o número de livros eensaios escritos ao seu respeito, tornando praticamente impossível compulsar sequer umamínima parte do que se escreveu.

É meu propósito, neste artigo, apresentar a vida e a obra do primeiro Imperador dosFranceses sob três ângulos, sem a menor pretensão de abarcar de forma exaustiva o que sepoderia estudar sobre ele. Os três aspectos propostos são os seguintes: o Homem, o Generale o Imperador. Destacarei, a seguir, três abordagens críticas do pensamento político deNapoleão, as ensejadas, nas primeiras décadas do século XIX, pela obra de Jacques Necker,da sua filha Madame de Staël e de Benjamin Constant, que constituem, hoje, junto com osescritos de Guizot, “o mais valioso que houve na política do Continente” nesse século, naspalavras de Ortega y Gasset [apud Díez, 1984: 19].

I – O HOMEM

Destacarei, de entrada, quatro itens que me parecem fundamentais para ilustrar apersonalidade de Napoleão: as suas relações familiares, a sua posição em face da religião, asua atitude crítica em relação à society parisiense e o seu sentido da honra. Tratarei emquinto lugar, de forma muito resumida, acerca das etapas da sua formação intelectual.

1) Relações familiares

Napoleão devotava grande dedicação à vida familiar. Nela sobressai, antes de tudo,a paixão por uma viúva fidalga, Josefina viscondessa de Beauharnais, o seu grande amor,de quem faria a primeira Imperatriz da França e de quem, por razões de Estado (não tevefilhos com ela), divorciou-se em 1810 para casar com a arquiduquesa Maria Luísa daÁustria, que seria mãe do filho de Imperador, o chamado Rei de Roma. Eis o trecho de umacarta endereçada pelo futuro Imperador à sua namorada, quando ele ainda era um jovemgeneral comandante das forças do Diretório em Paris: “Acordo-me inundado de ti. Teuretrato e a embriagadora noite de ontem não deram descanso aos meus sentidos: doce eincomparável Josefina, que influência estranha exerces sobre meu coração! Se te aborreces,se te vejo triste e inquieta, minha alma parte-se de dor, e não há sossego para o teu amigo; eeu, por acaso, poderia tê-lo quando, entregando-me ao sentimento profundo que medomina, sorvo de teus lábios, de teu coração a chama que me queima? Ah, foi nesta noiteque notei que o teu retrato não é tu mesma. Partes ao meio-dia, ver-te-ei dentro de trêshoras. Esperando-te, mio dolce amor, um milhão de beijos, mas não m’os dês, pois elesqueimam meu sangue” [Lévy, 1943: 55].

A sedutora Josefina, quatro anos mais velha que Bonaparte, com aquele seupreguiçoso e insinuante sotaque antilhano, tinha-se aproximado dele quando a estrela do

Page 4: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

4

jovem oficial começou a brilhar. O general corso não era, certamente, o tipo de latin loverque seduziria as damas nos elegantes salões parisienses. Retraído, magricelo, era chamadode “gato com botas” pelas meninas vizinhas da guarnição de la Fère (onde iniciou os seustrabalhos como segundo-tenente de artilharia). O jovem Bonaparte, em contrapartida, nãotinha grandes projetos românticos, a julgar por estas palavras escritas no seu Diálogo sobreo amor: “Acho o amor nocivo à sociedade, à felicidade individual dos homens. Enfim,creio que o amor faz mais mal do que bem” [apud Lévy, 1943: 18]. Palavras proféticas queirão marcar a triste senda de amores conjugais não correspondidos do futuro Imperador.

Josefina, nascida na Ilha Martinica, lia as cartas e era, no dizer de um dos seusbiógrafos, “apaixonada devota do sortilégio” [Belloc, 1958: 97-98]. A sedutora morenapreviu o sucesso do desajeitado oficial, mas queria dele não propriamente a exclusividadeda paixão, mas um lugar seguro na instável sociedade da época, a fim de poder continuar adesfrutar o luxo dos salões parisienses. O general Bonaparte, ao contrário, invejava, já aesta altura da sua vida, a sorte de quem achava a meia-laranja para formar uma família ecaiu perdido de amores por Josefina, com quem casou em março de 1796. Essadiscrepância de expectativas trouxe-lhe muitos aborrecimentos, na medida em que,comandante dos exércitos republicanos na Itália, e posteriormente Imperador à testa daGrande Armée na Europa Central, teve de se ausentar por longo tempo e começou aperceber primeiro a falta de dedicação da sua esposa e depois as suas infidelidades.

Eis as invectivas de amante não correspondido que o general, vítima de naturaisciúmes, dirige à sua amada desde o front italiano: “Eu desejaria que você me dessepermissão completa de ler suas cartas: assim eu não teria mais remorsos, nem receio...Mandei chamar o mensageiro; declarou-me que passou pela sua casa, e que você lhe dissenada ter para mandar. Oh, má, ruim, cruel, tirana, bela ferazinha! Você se ri das minhasameaças e das minhas tolices! Ah! Se eu pudesse, você bem o sabe, fechá-la-ia em meucoração e a prenderia dentro dele”. Alguns dias depois, o desiludido Ulisses corso dá rápidanotícia das suas heróicas ações à amada infiel, para se deter nas queixas doloridas do seucoração ciumento: “Escrevo-lhe, minha boa amiga, muitas vezes, e você poucas. Você é máe feia, muito feia, tanto quanto é leviana. É pérfido enganar um pobre marido, um ternoamante. Ele deve perder os seus direitos só porque está longe, sobrecarregado de trabalhos,de fadigas e de sofrimento? Sem a sua Josefina, sem a certeza do seu amor, que lhe resta naterra? Que fará ele ainda na terra? Tivemos ontem uma batalha muito sangrenta, o inimigoperdeu muita gente e foi completamente derrotado. Conquistamos os subúrbios de Mântua.Adeus adorável Josefina; numa dessas noites, as portas de seu quarto abrir-se-ão,fragorosamente, e como um ciumento, atirar-me-ei nos seus braços”. Em 1809, do frontalemão, o General-Imperador escrevia assim, ameaçador, à sua infiel amada: “Irei a Parisassim que o julgar conveniente. Aconselho-a a precaver-se contra os fantasmas: um belodia, às duas da madrugada...” [apud Lévy, 1943: 73; 93].

Durante a campanha da Áustria, que terminaria com a grande vitória de Wagram, oImperador escrevia assim à Imperatriz Josefina (nos anos de 1807 e 1808), misturandonotícias de Estado com estados de espírito, numa espécie de conversa familiar em que ociúme e uma ponta de humor estão presentes: “Minha amiga: acabo de conversar com oimperador Alexandre, e estou satisfeito com ele: é bonitão, bom e jovem, é um espíritomuito acima do vulgar (...). Tudo vai muito bem. (...) O imperador da Rússia se interessa

Page 5: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

5

com grande amabilidade pela saúde da minha imperatriz. Todos os dias, ele e o rei daPrússia jantam comigo (...). A rainha da Prússia jantou ontem comigo. Tive que lutarbravamente, pois ela queria obrigar-me a fazer novas concessões ao marido; portei-me comgrande elegância, mas defendi minha política. Ela é muito amável. Quando você ler estacarta, já estará assinada a paz com a Prússia e a Rússia”. Em outra missiva do mesmoperíodo, Napoleão escreve: “Minha amiga, cheguei ontem às cinco horas da tarde emDresde, sentindo-me muito bem, embora tivesse viajado cem horas sem sair da carruagem.Estou aqui, hospedado pelo rei de Saxe, com quem me sinto imensamente contente. Assimsendo, acho-me metade do caminho mais próximo de você. Talvez aconteça que numadestas belas noites eu irrompa aí em Saint-Cloud, como um ciumento; estou prevenindo-a...”. Algum tempo depois, em outubro de 1808, o Imperador escrevia: “Minha amiga,escrevo-lhe pouco porque estou muito ocupado. Tenho conferências durante todo o dia, nãoconsigo melhorar-me do defluxo. Entretanto, tudo vai bem. Estou satisfeito com Alexandre,e ele o deve estar comigo: se ele fosse mulher creio que o tornaria meu amante... Dentro empouco, achar-me-ei aí em sua casa. Continue cuidando da saúde, de modo que eu a encontreforte e jovem [apud Lévy, 1943: 92-93].

O perfil da vida familiar de Napoleão, após o tumultuoso começo do seu casamentocom Josefina, entrou, nos últimos anos de sua relação com ela, numa espécie de tranqüilolago em que se destacava a dedicação do marido e o carinho para com os enteados Eugênioe Hortênsia. Contribuiu muito para isto o fato de a Imperatriz perceber que decaía o seupoder sobre o marido, notadamente após o tórrido affaire dele com a princesa polonesaMaria Walewska. Ouçamos o testemunho de um dos biógrafos do Imperador, Artur Lévy:“Napoleão foi um marido cordato, que buscava antes de mais nada a tranqüilidade na suavida íntima. Ele próprio o disse a Roederer: Se eu não tivesse um pouco de alegrias naminha vida doméstica, seria então muito infeliz!. - Uma vez extintas as brigas dosprimeiros anos, era em tudo, diz-nos Thibaudeau, um lar muito bom. - O imperador,escreve a senhorita Avrillon, era com efeito um dos melhores maridos que jamais conheci;quando a imperatriz se achava adoentada, Bonaparte passava junto a ela o tempo que lheera possível furtar às suas obrigações. - Cheio de atenções, diz (o criado imperial)Constant, de cuidados e de abnegação para com Josefina, o imperador divertia-se emabraçá-la pelo pescoço, segurar-lhe o rosto e lhe dar leves palmadas, chamando-a de´minha fera terrível´ ” [Lévy, 1943: 96-97]. “Fera terrível” de Napoleão foi, aliás, tambémo cãozinho de Josefina, Fortune, que teve a audácia de morder ao apaixonado general nanoite de núpcias. Essa dedicação à família, Napoleão teve também para com a sua segundamulher, a imperatriz Maria Luísa, e para com o seu filho, o Rei de Roma. Maria Luísa,aliás, não teve para com o Imperador a mesma dedicação. Caído em desgraça, após aabdicação de Fontainebleau, foi abandonado por ela e não teve mais contato com o filho. Arespeito desse aspecto, frisa o biógrafo Artur Lévy: “Ele teve duas esposas, e a ambascumulou de uma igual afeição. Napoleão procurava, por meio de cuidados amáveis, nasmínimas coisas, torna-las felizes, e, entretanto ambas lhe foram infiéis, com a diferença queJosefina não demorou muito a traí-lo, enquanto Maria Luísa só o traiu anos depois docasamento. Nesses dois infortúnios conjugais, seguindo a regra comum, um espesso velocobria os seus olhos. (...) Em resumo, nem os esplendores de uma carreira prodigiosa, nemo orgulho supremo de ser majestade imperial, influíram no seu caráter de esposo e de pai.Napoleão nunca desprezou os princípios comuns que lhe tinham sido inculcados na suaprimeira educação” [Lévy, 1943: 138].

Page 6: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

6

A dedicação à família manifestou-se, também, na preocupação constante deNapoleão para com a sua mãe, Letícia (regiamente instalada em Paris, nas proximidades daCorte Imperial) e para com os seus numerosos irmãos: José, Luciano, Carolina, Paulina,Elisa, Luís e Jerônimo. Nenhum deles foi esquecido pelo todo-poderoso Imperador, quecuidou de lhes garantir o futuro mediante a concessão de honrarias, na nova nobreza queinstaurou, cuidadosamente entrelaçada com representantes do Ancien Regime europeu.Assim, José recebeu, sucessivamente, os títulos de Rei de Nápoles e de Rei da Espanha;Luciano foi nomeado príncipe imperial e membro da Câmara dos Pares; Carolina foicoroada como Rainha de Nápoles, tendo sido o seu marido, o traidor Murat, guindadotambém à dignidade real; Paulina, “a bela Paulete” (no dizer de Cânova) recebeu o título deprincesa de Guastalla e casou com o príncipe romano Camilo Borghese; Elisa, casada como fidalgo corso Felix Bacciochi, recebeu os títulos de princesa de Piombino e de Luca e deduquesa da Toscana; Luís foi coroado rei da Holanda e Jerônimo, por sua vez, foi coroadocomo rei da Westfalia, tendo casado com a princesa Catarina de Wurtemburgo. É evidenteque todos esses casamentos e honrarias inseriam-se na política napoleônica de construir umsistema unitário de poder monárquico continental. Mas, por cima das preocupaçõespolíticas e estratégicas, havia no Imperador uma grande preocupação com o bem-estar dosseus.

A retribuição que recebeu deles foi, no entanto, problemática. Com exceção da mãe(que conservou os seus costumes ancestrais de uma vida austera e que nunca chegou a falarcorretamente o francês, para desespero da Corte Imperial), os irmãos de Napoleãoconstituíram o que chamaríamos literalmente hoje de uma família do barulho.Orçamentívoros, irresponsáveis, indolentes, ingratos. Nenhum deles esteve à altura dasresponsabilidades que o Imperador lhes confiara e no final, quando foi banido do poder eficou preso na Ilha de Elba e depois deportado em Santa Helena após as jornadas dos CemDias e de Waterloo, todos o abandonaram. A única exceção dessa fraternal traição foiPaulina, que o visitou, junto com a mãe, na Ilha de Elba. A respeito, escreve Artur Lévy:“A infelicidade dos irmãos e irmãs de Napoleão vem de uma fonte que lhes era comum:todos eles se acreditavam reis por direito divino, e todas elas se julgavam rainhas de sangueazul. O estado de espírito de todos é bem sintetizado numa frase do próprio Napoleão, ditaa Burrienne, quando o imperador se queixava das recriminações dos seus: Quem derouvidos a eles, acreditará que abocanhei a herança deixada por nosso pai. E essasrecriminações não eram passageiras. Eram constantes, intoleravelmente persistentes,submetendo assim à prova mais irritante uma generosidade fraternal que levara umcontemporâneo a dizer: Napoleão tinha mais dificuldade em governar sua família do que oimpério. Na verdade, era-lhe extremamente difícil contentar todo mundo: Lucianoreclamava do exílio que nada podia ser; José queixava-se de ser seu rei; Luís fazia-se derei-mártir, destronado de direitos dos quais voluntariamente abdicara, e Jerônimodeclarava-se infeliz por dispor de um orçamento muito limitado para seus gastosalucinados. Se Elisa considerava seu ducado bem mesquinho para sua natureza orgulhosa,Carolina aspirava a coisa mais alta que seu reino de Nápoles, e enfim Paulina sofria por nãopoder dar vazão aos seus caprichos de toda espécie, enquanto a própria mãe do imperadorse lamentava de não poder fazer tanta economia quanto desejava” [Lévy, 1943:141].

Page 7: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

7

Bonaparte e Josefina

2) Posição de Napoleão em face da religião

Quais os sentimentos de Napoleão em face da religião? O Imperador dos Francesesfoi, antes demais nada, um homem saído da Ilustração e da Revolução de 1789, apaixonadopelo ideal da igualdade burguesa e portador dos seus valores: amor ao trabalho, disciplina,cientificismo, culto à vida familiar. Mas, ao mesmo tempo, Napoleão encarna a reaçãoromântica que aspira ao heroísmo, que recrimina aos philosophes o seu menosprezo emface da religião popular e que busca a superação da dimensão puramente utilitária numprojeto de vida que ultrapassa os interesses individuais, numa gesta identificada com oespírito do tempo. Em que pese o fato de o jovem oficial (que fora promovido a primeiro-tenente de artilharia em 1791), ser um ardente defensor da Revolução de 1789, não abjuroudos princípios de uma prática religiosa herdada de seus ancestrais, o que o levou, porexemplo, a cuidar pessoalmente da preparação de seu irmão caçula, Luís, para a primeiracomunhão. É bem verdade que o Imperador de 1804 terá da religião católica uma visãopuramente funcional: ela é a base sobre a qual se deve enraizar a moralidade pública. Mas

Page 8: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

8

trata-se de uma religião galicana, quer dizer, submetida ao domínio absoluto do PoderImperial. Essa é a interpretação que Napoleão tem da Concordata assinada com Roma. “Énecessário que o clero seja, como a magistratura, um instrumento do reino”, frisava oImperador [apud Larousse, 2002: 113].

Esse caráter instrumental refletia-se na carta que Napoleão encaminhou, de Colônia,ao Papa Pio VII, por intermédio do seu tio materno, o cardeal Joseph Fesch (1763-1839),recentemente nomeado arcebispo de Lyon. O texto da missiva era do seguinte teor:“Santíssimo Padre, o feliz efeito que experimentam a moral e o caráter do meu povo pelorestabelecimento da religião cristã, leva-me a pedir à Vossa Santidade para que me dê umaprova do interesse que manifesta pelo meu destino e pelo desta grande nação, numa dascircunstâncias mais importantes que oferecem os anais do mundo. Peço a Vossa Santidadepara que queira dar, no mais eminente grau, o caráter da religião à cerimônia da sagração eda coroação do primeiro imperador dos Franceses. Essa cerimônia revestir-se-á de maiorlustre se for feita por Vossa Santidade mesma. Ela atrairá, sobre a minha raça e sobre o meupovo, as bênçãos de Deus, cujos decretos moldam, segundo a sua vontade, a sorte dosimpérios e das famílias. Vossa Santidade conhece os sentimentos afetuosos que lhe dedicodesde há muito tempo e, em virtude disso, saberá julgar acerca do prazer que me ofereceráesta circunstância de lhe oferecer novas provas”. As provas que foram oferecidas ao Papaforam, realmente, as da posição sobranceira do Imperador sobre a Igreja. O caráterinstrumental das suas palavras ficou claro quando, contrariando o Cerimonial no ato dacoroação, Napoleão tirou a coroa das mãos do Papa e a colocou sobre a sua cabeça,procedendo de forma semelhante na coroação da Imperatriz Josefina.

Passados os anos, quando se aproximava já o fim dos seus dias em Santa Helena,Napoleão apresentará uma concepção mais aberta do fenômeno religioso (numa espécie demeio-caminho entre o otimismo leibniziano, o imanentismo espinosano e o pietismokantiano), como testemunha Thiers na sua obra Histoire du Consulat et de l’Empire: “Namedida em que o tédio e a inação destruíam a sua saúde, ele via a morte se aproximar e seocupava mais freqüentemente de filosofia e de religião. Deus, dizia, é visível em todas aspartes do Universo e são bem cegos ou bem fracos os olhos que não percebem isso. Do meuponto de vista, eu o descubro na natureza inteira, sinto-me sob a sua mão todo-poderosa enão busco duvidar da sua existência, pois eu não tenho medo d’Ele. Creio que Ele é tãoindulgente quanto grande e estou convencido de que, tendo regressado ao seu vasto seio,encontraremos aí confirmados todos os pressentimentos da consciência humana e que aíserá bom ou ruim o que os espíritos verdadeiramente esclarecidos tiverem considerado bomou ruim na terra. Deixo de lado os erros dos povos, que se caracterizam pelo fato de que oerro de um não é o erro de outro; mas aquilo que os grandes espíritos de todas as naçõestiverem declarado bom ou mau, ficará como tal no seio de Deus. Não duvido disso e, apesardos meus erros, aproximo-me tranqüilamente da soberana justiça. Passo a ficar menosseguro quando entro no domínio das religiões positivas. Aí eu encontro, a cada passo, amão do homem e amiúdo ela me ofusca e me choca... Mas é preciso não ceder a estesentimento, no qual entra muito de orgulho humano. Se deixarmos de lado as tradiçõesnacionais com as quais todos os povos têm complicado a religião, encontramos neles anoção de Deus, a noção de bem e de mal firmemente professados, e isso é o essencial.Quanto a mim, tenho estado nas mesquitas, tenho visto ali homens ajoelhados diante dopoder eterno e apesar de que meus hábitos nacionais fossem às vezes melindrados, no

Page 9: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

9

entanto jamais experimentei o sentimento do ridículo. A calúnia, deformando os meus atos,tem dito que no Cairo eu professei o islamismo enquanto que em Paris, diante do Papa, eume apresentava como católico. Há, no entanto, parte de verdade nessa afirmação, poismesmo nas mesquitas eu encontrava algo respeitável e, sem me emocionar como nas igrejascatólicas onde se desenvolveu a minha infância, eu via ali o homem ajoelhado, humilhandoa sua fraqueza diante da majestade de Deus. Toda religião que não seja bárbara tem odireito ao nosso respeito e nós, cristãos, temos a vantagem de ver nela uma que está voltadapara as fontes da moral mais pura. Se devemos respeita-las todas, temos mais razão aindapara respeitar a nossa e cada um, por princípio, deve viver e morrer naquela em que a suamãe lhe ensinou a adorar a Deus. A religião é uma parte do destino. Ela forma com o solo,as leis, os costumes, esse todo sagrado que chamamos pátria e do qual jamais podemosdesertar. No que tange a mim, quando, na época da concordata, alguns velhosrevolucionários me falavam para tornar a França protestante, eu ficava revoltado, como seme tivessem proposto abdicar da minha qualidade de Francês para me tornar inglês oualemão” [apud Larousse, 2002: 111-113].

3) Atitude crítica em relação à society parisiense

Napoleão, proveniente de famílias corsas de pequenos gentis-homens falidos, teveuma infância e uma juventude vividas na mais estrita limitação econômica. Daí o seupendor pelo trabalho disciplinado e pela moderação nos gastos. Irritava-o sobremaneira afalta de ordem nas despesas domésticas. Já Imperador, vemo-lo vociferando no palácio dasTuilheries contra os gastos desregrados da Imperatriz Josefina. Essa morigeração foitransferida para a administração da coisa pública. A racionalidade econômica era a virtudeque mais destacava um contemporâneo seu, que o acompanhou como sub-oficial deDragões do Exército na campanha da Itália, o desconhecido escritor Marie-Henri Bayle(que depois assinaria as suas obras com o pseudônimo de Stendhal) [cf. Stendhal, 1996]. Ojovem oficial Bonaparte era avesso à vida dos salões, em decorrência da sua mediocridadeeconômica e do interesse pelo estudo. A respeito, escreve um dos seus biógrafos: “Oscuidados que consagra à instrução do irmão deixam-lhe muito pouca folga, e convémacrescentar que, sendo dois a viver de um mesmo soldo, não sobrava grande coisa parafazer figura nos salões. Alguns sous disponíveis eram empregados na assinatura de livros(...). E os raros momentos de distração são destinados a escrever a tese destinada aoconcurso da Academia de Lyon, e cujo tema era: Determinar as verdades e os sentimentosque mais importa incutir nos homens para faze-los felizes” [Lévy, 1943: 19].

Quando o nosso herói conquista o posto de general-comandante das tropas doDiretório em Paris, vemo-lo de novo à margem da vida dos salões, embora o seu cargo oobrigue a freqüentá-los. Se dependesse dele, não compareceria às animadas reuniões efestas que neles se celebravam. Napoleão pensava, mesmo no meio do luxo citadino, no seuofício de guerreiro. Eis o que o jovem general escreveu ao seu irmão José em 1795,relatando a vida numa capital que tentava se reerguer das desgraças do Terror jacobino: “Oluxo, o prazer e as artes ressurgem aqui de maneira espantosa; ontem apresentaram a Fedra,na ópera, em benefício de uma velha atriz; a assistência era imensa desde duas horas datarde, embora os preços fossem triplicados. As carruagens, os elegantes reaparecem, e maisdo que depressa se esquecem de tudo, como de um longo sonho, em que nunca deixaram debrilhar. As mulheres aparecem em toda parte: nos espetáculos, nos passeios, nas

Page 10: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

10

bibliotecas. Nos gabinetes dos sábios, vêm-se belas criaturas. Entre todos os lugares daterra é somente aqui que elas merecem ter o governo; também os homens daqui são unsloucos, não pensam senão nelas e não vivem senão para e por elas. (...) Tudo estátranqüilo... Este grande povo entrega-se ao prazer: as danças, os espetáculos e as mulheresque aqui são as mais belas do mundo tornam-se a grande preocupação. A abastança, o luxo,o bom tom, tudo voltou; não se recorda mais o terror senão como um sonho. Apresentaramhoje uma peça nova chamada Fabins, que mandarei a você assim que for publicada. Vive-se aqui muito bem, com muita preocupação de alegria; dir-se-ia que cada um procuradescontar o tempo de sofrimento e que a incerteza do futuro leva a nada poupar dosprazeres do presente. (...) Quanto a mim, estou satisfeito; não me falta senão poder entrarnalgum combate; é preciso que o guerreiro conquiste os louros ou morra no campo daglória. Esta cidade é sempre a mesma: tudo para o prazer, para as mulheres, os espetáculos,os bailes, os passeios, os ateliês dos artistas” [Lévy, 1943: 35].

Nesse contexto de futilidade social, Napoleão conheceu Madame de Staël, queestava na mira do Diretório pelas suas relações com membros da antiga nobreza e emdecorrência, também, das suas idéias liberais. A brilhante escritora quis se aproximar donosso herói, tentando seduzi-lo com a sua inteligência. Eis o diálogo que se passou entre ajovem senhora e o general, segundo o testemunho de um dos presentes, Arnault: “É difícilabordar-se o seu general, me disse ela, preciso que o senhor me apresente a ele. – Elacumulou Napoleão de galanteios; mas Bonaparte, deliberadamente, deixava a palestraesfriar. Madame de Staël, desapontada, procurava todos os assuntos possíveis: - General,qual é a mulher que o senhor mais amaria? - A minha. – Isto é natural, mas qual é a que osenhor mais quereria? – A que melhor soube cuidar do lar. – Ainda estou de acordo com osenhor. – Mas, finalmente, qual é, na sua opinião, a primeira entre as mulheres? – A queproduz mais filhos. Dito isto, Bonaparte deu-lhe as costas, deixando-a estarrecida” [Lévy,1943: 262]. Anotemos um detalhe que põe de relevo, de um lado a agressiva personalidadedirigente do Imperador e, de outro, o seu especial sentido de honra que aprofundaremos nopróximo item: depois de ter considerado a grande escritora “um verdadeiro corvo (...) quese multiplicou em conspiratas e loucuras” [apud Lévy, 1943: 263], depois de tê-la banidodurante dez anos da França, obrigando-a a peregrinar pela Europa afora como ela própriatestemunha em Dix années d’exil, depois de ter mandado destruir a edição do clássico livrodela intitulado De l’Allemagne, o outrora feroz guerreiro não deixou de reconhecer osméritos da sua pior inimiga, no retiro de Santa Helena, ao afirmar: “Madame de Staël é umamulher de grande talento, especialmente singular, possuidora de muita força interior: elapermanecerá” [apud Las Cases, 1968: 521]. O Imperador sabia valorizar os que rivalizavamcom ele!

4) Sentido da honra

Napoleão cultivou, desde a sua juventude, um particular sentido da honra, que olevava não a brigar afoitamente com aquele que o ofendesse, mas a lhe dar uma resposta àaltura, no decorrer do tempo.Vejamos alguns exemplos desta peculiar forma de reagir, quedenota mais a atitude de quem, cônscio do seu valor e da sua força, calcula meios e fins,daquele que não quer comprometer os planos longamente traçados por causa de umavingança afoita em face de provocações. Às meninas que o apelidaram de “gato de botas”quando jovem segundo-tenente em La Fère, Bonaparte deu uma resposta no mínimo

Page 11: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

11

original. Escutemos o testemunho de um de seus biógrafos: “Obedecendo à ordem de partir,alegre como o pode ser um segundo-tenente de 16 anos, Napoleão enverga o uniforme,despido de elegância, pois suas posses lhe impõem a mais severa economia. Suas botaseram tão singularmente grandes que as pernas, muito finas, desapareciam inteiramente.Orgulhoso do novo uniforme, Napoleão vai à casa dos seus amigos Permon. Ao vê-lo, asduas filhinhas do casal, Cecília e Laura (esta última tornou-se mais tarde duquesa deAbrantes), não podem conter o riso, e o apelidam em sua presença de Gato de Botas. Ojovem tenente não se aborreceu, ao que parece, pois, segundo nos diz uma delas, levou-lhealguns dias depois o conto de Perrault e um carrinho com um gato de botas” [Lévy, 1943:10-11]. Lembremos que o título de duquesa de Abrantes foi concedido pelo Imperador aLaura, com o que se revela uma segunda faceta de uma “vingança com luva de pelica”,praticada vinte anos depois.

Um outro exemplo da peculiar forma de Napoleão viver o seu sentido da honra. Em1794 Robespierre, o Jovem, seu protetor, incumbiu-o de uma missão secreta na Suíça.Alguns meses depois, o mandante foi destituído e guilhotinado. O comissário Salicettiordenou então a prisão do jovem Bonaparte, que foi encarcerado no forte Carré, perto deAntibes. O prisioneiro rejeitou a ajuda dos seus companheiros de armas para tira-lo daprisão pela força, preferindo se submeter aos aborrecimentos e riscos do processo jurídiconormal. Na sua defesa, alegou apenas razões processuais e lembrou os serviços prestados àRepública. Eis as palavras da intervenção do oficial, cheias, aliás, de dignidade militar:“Servi em Toulon com algum mérito, e obtive no exército da Itália uma parte dos louroscom que ele se cobriu durante a tomada de Saorgio, d´Oneille e de Tanaro. Por quedeclarar-me suspeito sem me ouvir? Declaram-me suspeito e embargam os meusdocumentos. Deveriam fazer o inverso: embargar os meus documentos, ouvir-me, pediresclarecimentos, e em seguida declarar-me suspeito, se houver motivos para isso”. Ocomissário Dennié examinou os papéis apreendidos e, não encontrando mérito para aacusação, colocou o jovem Bonaparte em liberdade. Em 1795, um ano depois dessesacontecimentos, o flamante general achava-se à frente do exército republicano da Itália eencontrou, escondido na casa dos seus amigos Permon, o famigerado Salicetti, que tinhacaído em desgraça perante a Convenção. Em lugar de prende-lo, Bonaparte deixou-o fugirbem disfarçado. E como resposta à sua passada vilania enviou-lhe a seguinte nota:“Salicetti, você bem vê que eu poderia ter pago o mal que me fez e, se eu tivesse agidodessa forma, estaria apenas me vingando, ao passo que você me prejudicou sem que eu otivesse ofendido. Vá, procure em paz um asilo em que você possa voltar a ter melhoressentimentos para com a sua pátria” [Lévy, 1943: 28].

Um outro exemplo. Em 1796, tendo sido feitas as proclamas do casamento,Napoleão, completamente feliz pela conquista, fazia visitas com a noiva Josefina. Esta,hesitante, quis visitar o tabelião Raguideau para receber um último conselho, e solicitou aBonaparte que ficasse na sala de espera. Eis o teor do conselho do tabelião, segundotestemunho de Bourrienne: “Por que casar com um general que não tem senão a capa e aespada, e que só possui uma casinhola? Um generalzinho sem nome, sem futuro, abaixo detodos os grandes generais da República! Era melhor casar com um fornecedor doExército!” [Lévy, 1943: 57]. Napoleão, que escutou a conversa por uma porta semi-aberta,não falou nada. Oito anos mais tarde, no entanto, na véspera da coroação, fez chamar àsTulherias o burguês Radigueau e lhe deu um lugar na primeira fila da Catedral de Notre

Page 12: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

12

Dame, para assistir à cerimônia, a fim de que o reles tabelião pudesse ver com os própriosolhos o lugar onde o generalzinho sem futuro tinha colocado a sua antiga consulente.

Ressalta, no comportamento de Napoleão, a gratidão para com os seus mestres eantigos servidores. O padre Dupuis, que foi professor do nosso herói quando da suaprimeira formação em Brienne (de abril de 1779 a setembro de 1784), veio a serconselheiro de Napoleão, tornando-se depois bibliotecário em Mailmason, a residência doPrimeiro Cônsul. Sabedor da morte de seu velho mestre, em 1807, o Imperador escreveu deOsterode à Imperatriz: “fale-me da morte desse pobre Dupuis; mande dizer ao irmão deleque o protegerei”. O padre Carlos, capelão, e que lhe havia administrado a primeiracomunhão, quando menino, jamais foi esquecido. Em 1790, Napoleão, tenente de artilhariaem Auxonne, não deixa, cada vez que vai a Dôle, de visitá-lo. O velho Dupré foi professorde história sagrada de Napoleão em Brienne e apareceu um dia em Saint-Cloud paralembrar ao ilustre ex-aluno esse fato; recebeu do Imperador, imediatamente, uma pensão de1.200 francos. O padre Patrault, seu professor de matemática, viveu em companhia deNapoleão em 1795 e foi um dos seus secretários no exército da Itália. Os próprios porteirosdo colégio de Brienne, Hauté e sua mulher, tornaram-se mais tarde porteiros da residênciado Primeiro Cônsul. A velha professora Madame de Montesson, que lhe colocou na cabeçaa primeira coroa de prêmio escolar, é chamada pelo Imperador às Tulherias e recebe devolta todos os bens que lhe tinham sido confiscados pelos jacobinos. Seria longa a lista dosantigos mestres e servidores beneficiados pelo ilustre ex-aluno. Terminemos este relatolembrando talvez o mais importante de todos eles, o grande físico Pierre-Simon de Laplace(1749-1827), que foi professor e examinador de matemáticas do jovem Bonaparte naEscola Militar em Paris, em 1785. Laplace foi nomeado ministro do interior por Napoleão,depois senador e, finalmente, conde do Império. Bem é verdade que o sábio ficou poucosdias no gabinete (6 semanas), tendo o Imperador alegado o seguinte motivo para afastar oseu antigo mestre do ministério: “Geômetra de primeira linha, Laplace não tardou em serevelar um administrador mais do que medíocre. Desde o início percebemos que tínhamosnos enganado. Laplace não tomava decisões senão com o seguinte critério: ele procuravasubtilezas em tudo, não tinha mais do que idéias problemáticas e introduzia, enfim, oespírito dos infinitamente pequenos na administração” [Unicaen, 2004: 9].

Napoleão – o homem

Page 13: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

13

5) Etapas da formação intelectual de Napoleão

Três grandes etapas podemos distinguir na formação intelectual do nosso herói: A -Primeira formação (entre 1779 e 1785), obtida nas Escolas Militares de Brienne e doCampo de Marte, em Paris, onde deita as bases da sua formação humanística (estuda latime lê Plutarco), e familiariza-se com os fundamentos da matemática sob a orientação devários mestres, sendo o mais importante deles o grande sábio Laplace. B – Formação comooficial artilheiro (entre 1785 e 1789), nos regimentos de La Fère, Valence, Lyon, Douai eAuxonne, onde estuda os princípios básicos da tática militar, da história militar e daartilharia, sob a orientação do barão du Teil e onde completa a sua formação humanística epolítica com a leitura das obras de autores representativos da cultura antiga (Platão, Cícero,Cornélio Nepote, Tito Lívio, Tácito), bem como de escritores modernos (Rousseau,Montesquieu, Montaigne, Corneille, Maquiavel, Guibert, Mably, Voltaire, Mirabeau,Raynal, Jacques Necker, etc.). Interessa-se, neste período, outrossim, pela história de outrasculturas como a dos povos Árabes, da Inglaterra, da Prússia, da Suíça, da República deVeneza, etc. Interessa-se também pelo estudo do Direito Romano. Completa a suaformação com o aprofundamento dos conhecimentos científicos nos terrenos damatemática, da física, da química e da astronomia. C – Complementação da sua formaçãomilitar como oficial revolucionário (entre 1790 e 1795), inicialmente partidário dosjacobinos (influenciado por Robespierre, o jovem), mas logo contrário a eles (sob ainfluência de Barras). Bonaparte teve oportunidade, nesta etapa da sua formação, deconfrontar os seus conhecimentos teóricos com a ação guerreira na Córsega, onde lutou,com a patente de Coronel, na defesa dos princípios da Revolução e com o cerco e a tomadade Toulon à armada inglesa, em dezembro de 1793, tendo sido o plano militar obra dorecém-formado artilheiro. Esta etapa de formação termina com a brava defesa que o jovemgeneral faz da Convenção em Paris, em 1795, contra um levante monarquista.

As obras escritas por Napoleão são mais numerosas do que se imagina. Escreveumuito, antes de assumir o poder, escreveu muito também estando nele, e ditou muitoquando saiu da atividade política. Os seus escritos cobrem uma variadíssima gama deassuntos, indo desde a história, passando pelas ciências naturais, a política, a crítica teatral,a teoria do Estado e do direito público, a crônica, a agricultura, as relações internacionais, ahistoriografia militar, a educação, as matemáticas, a religião, o romance e o conto, echegando até os estudos estratégicos e de táctica guerreira que são, evidentemente, os quemais se destacam. O estilo do Imperador era claro, simples, mas pouco elaborado emdecorrência, provavelmente, das circunstâncias agitadas por ele vividas, sendo o lugar detrabalho não propriamente o elegante despacho imperial em Paris, mas a improvisada tendano front.

Dentre os vários ensaios e obras literárias que integram a produção intelectual doImperador, podemos salientar os seguintes, em ordem cronológica de publicação [cf.Larousse, 2002: 223-228]: Memorando de um curso de mineralogia (sem data), Plano dereforma das Escolas Militares (1785), Memória acerca da educação dos jovens Maniotes(1785), Máscara vidente (conto oriental, 1786-1787), Romance Corso (obra literária,1786-1787), O Conde de Essex (romance, 1786-1787), Pesquisas sobre a ciclóide(Auxonne, 1788), Memória sobre o cultivo da amoreira (Auxonne, 1788), Memóriaacerca da maneira de distribuir as peças de canhão para o lançamento das bombas

Page 14: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

14

(Auxonne, 1788), Dissertação sobre a autoridade real (Auxonne, 1788), Memória sobre aCórsega (1788), História da Córsega (1788), Carta acerca do juramento constitucionaldos sacerdotes (1790), Manifesto do corpo municipal de Ajaccio (1790), Cartas sobre aCórsega dirigidas ao Abade Raynal (1790), Dissertação sobre o amor (Valence, 1791),Discurso sobre esta questão proposta em 1791 pela Academia de Lyon: “Determinar asverdades e os sentimentos que é necessário inculcar mais nos homens para a suafelicidade” (Lyon, 1791), Plano de organização das Milícias corsas (1792), Informeacerca da necessidade de conquistar as ilhas da Madalena (1792), Projeto para a defesado golfo de Ajaccio, para a defesa de Mortella, etc. (1792-1793), Memória ao ministro daguerra acerca do plano de ataque de Toulon (Ollioules, 1793), Souper de Beaucaire(Avignon, 1793), Petição à Convenção Nacional (1793), Planos para a segunda operaçãopreparatória para o início da campanha do Piemonte (Nice, 1794), Compilação dematérias históricas e militares do exército da Itália, ou Memória das operações desteexército (Colmar, 1794), Compilação sobre a história (1794-1796), Memória e itensdiversos relativos à colocação em estado de defesa das costas do Mediterrâneo (Marselha,1794), Disposições da força armada para o seu serviço em Paris (1795), Memória sobre oaperfeiçoamento da artilharia turca (1795), Nota sobre os meios de aumentar o poder daTurquia contra a invasão das monarquias européias (1795), Projeto para fechar comuma muralha dentada os fortes que dominam Marselha (1795), Entrevista de Bonapartecom muitos muftis e imãs no interior da grande pirâmide chamada de Queóps (1798),Comunicado da municipalidade de Ajaccio a Paoli (1799), Boletins da campanha deMarengo (1800), Allocuzione fatta dal primo console, dirigida aos sacerdotes de Milão(1800), Coleção geral e completa das cartas, proclamas, etc., de Napoleão o Grande,publicadas no Moniteur (Leipzig, 1808-1813, 2 volumes), Ordens-do-dia do exército daAlemanha (1809), Compilação de manifestos, proclamas, etc., extraídos do Moniteur(Londres, 1810), Boletins da Grande Armée aparecidos no Moniteur (Paris, 1812-1814),Cartas escritas em Longwood, ou Cartas do Cabo da Boa Esperança (1817), Confissõesdo imperador Napoleão (Londres, 1818), Correspondência inédita, oficial e confidencialde Napoleão Bonaparte com as cortes estrangeiras (organizada pelo general Beauvais,Paris, 1819-1821 7 volumes), Correspondência de Bernardotte com Napoleão, de 1810até 1814 (Paris, 1819), Correspondência inédita de Carnot com Napoleão durante os CemDias (Paris, 1819), Conselhos do Imperador ao seu filho (1821), Compêndio de peçasautênticas acerca do cativo de Santa Helena, de memórias e documentos escritos ouditados pelo imperador Napoleão (Paris, 1821-1825, 12 volumes), Testamento deNapoleão (1822), Napoleão no exílio ou O Eco de Santa Helena (traduzido do inglês porMme. Collet, Paris, 1822), Memórias para servir à história da França sob Napoleão,escritas em Santa Helena pelos generais que compartilharam do seu cativeiro epublicadas de acordo aos manuscritos corrigidos pela mão de Napoleão (Paris, 1823, 8volumes), Os Bourbons em 1815; Manuscrito da Ilha de Elba ditado por Napoleão epublicado pelo general-conde Bertrand (Bruxelas, 1825), Discursos de NapoleãoBonaparte, oficial de artilharia, escritos em 1791 (Paris, 1826), Acerca da importânciadas praças fortes (1826), Máximas de guerra de Napoleão (Paris, 1830), Opiniões deNapoleão sobre diversos assuntos de política e de administração (obra organizada porPelet de la Lozère, Paris, 1833), Napoleão, compilação em ordem cronológica de suascartas, proclamas, etc. (organizada por Kermoysan, Paris, 1833-1853, 3 volumes),Compêndio das guerras de César (Estrasburgo, 1836), Correspondência e relatórios de J.Fiévée com Bonaparte (Paris, 1836, 3 volumes), Napoleão, as suas opiniões e

Page 15: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

15

julgamentos sobre os homens e sobre as coisas, organizados em ordem alfabética (obrapreparada por Damas-Hinard, 1838, 2 volumes), Informe sobre a jornada de 13vendimiário ano IV (1840), Cópia de um manuscrito da mão de Napoleão Bonaparte,com a ortografia que existe no mesmo manuscrito (Paris, 1841), Fragmentos religiososinéditos; Sentimentos de Napoleão sobre a divindade, pensamentos recopilados em SantaHelena por Montholon e publicados pelo cavalheiro de Beauterne (Paris, 1841),Sentimentos de Napoleão sobre o cristianismo, conversações religiosas recopiladas emSanta Helena por Montholon (Paris,1843), Guerra de Oriente, campanhas de Egito e daSíria (Paris, 1847, 2 volumes), Guerras de Oriente; Campanhas do Egito e da Síria;Memórias para servir à história de Napoleão, ditadas por ele mesmo em Santa Helena epublicadas pelo general Bertrand (Paris, 1847, 2 volumes), Notas do Imperador Napoleãosobre a história da Inglaterra (Paris, 1850), Pensamentos e máximas do imperadorNapoleão, recopilados das suas memórias e da sua correspondência (obra organizada porE. Alex Husson, Paris, 1852), Giulio, conto sentimental improvisado por Napoleão (Paris,1852), Os poloneses em Somo-Sierra em 1808, seguido das opiniões de Napoleão 1o.sobre a Polônia (Paris, 1855), Máximas, pensamentos e reflexões de Napoleão 1o. (obraorganizada por A. D. Mariotti, Bastia, 1857), Correspondência de Napoleão 1o. (Paris,1858-1869, 32 volumes), Alésia (Paris, 1859), Testamento religioso de Napoleão 1o., a suaprofissão de fé sobre Deus, sobre Jesus Cristo e sobre os principais dogmas docristianismo (Paris, 1861), Regulamento interno do regimento de La Fère, composto em1788 por Napoleão Bonaparte (1862).

As Obras Completas de Napoleão conheceram uma primeira edição entre 1822 e1823, em Sttutgart, em 5 volumes organizados por Linder e Lebret, tendo sido editadastambém em Paris, em 5 volumes, em 1822. Tratava-se, evidentemente, de ediçõesincompletas, devido ao fato de muitos escritos do Imperador terem visto a publicidade anosmais tarde.

II – O GENERAL

Bonaparte foi, antes de tudo, um convicto defensor da Revolução Francesa.Considerava que a grande gesta tinha marcado o início para a libertação definitiva da suapequena pátria, a Córsega, do jugo dos Bourbons. A sua fé nos princípios inspiradores daRevolução era inamovível. Essa atitude o acompanhou já desde a sua formação na EscolaMilitar de Paris. Como frisa um de seus biógrafos, “Era grande o ardor de Napoleão pelaRevolução. Bonaparte também secretariava o clube da Sociedade dos Amigos daConstituição, cujos membros conservavam durante muito tempo a recordação de seuscalorosos e vibrantes discursos. Suas opiniões avançadas o tornavam mal visto pelos chefese camaradas que continuavam fiéis ao antigo estado de coisas” [Lévy, 1943: 19].Desenvolverei três itens: Horror ao desgoverno e ao populismo, Lineamentos gerais daestratégia de Bonaparte e As fontes da estratégia napoleônica.

Page 16: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

16

Bonaparte General

1) Horror ao desgoverno e ao populismo

Mas se o general Bonaparte era defensor da Revolução, tinha ficado impressionadocom os desmandos cometidos, em nome dela, pelo Terror. Diríamos que Napoleão, filho daRevolução, queria garantir as conquistas que ela trouxe à sociedade francesa: o fim daservidão do Ancien Regime, a igualdade de todos os cidadãos perante a Lei, o término daMonarquia alicerçada em razões religiosas. Discípulo de Rousseau, Bonaparte quisregenerar a sociedade francesa (e a Europa, a partir dela), inserindo um componente deordem, que teremos oportunidade de ampliar na III Parte desta exposição. De momento,destaquemos com Artur Lévy o horror que o jovem general sentia em face da demagogia edas agitações populares: “Durante sua permanência em Paris, Napoleão presenciou osgrandes acontecimentos que marcaram o ano de 1792. Passeando com Bourrienne, viu amultidão dirigir-se dos subúrbios para as Tulherias, no dia 20 de junho. Acompanhemosessa gentalha, disse Napoleão. Foi ao ver essa multidão de cinco a seis mil homens,esfarrapados, irrisoriamente armados, berrando os mais grosseiros insultos à realeza, queBonaparte sentiu, em todo o seu ser, aversão pela demagogia. Quando o rei, cercado peloscabeças da desordem, e com um gorro vermelho na cabeça, se mostrou àquela turba devagabundos, Napoleão não pôde conter-se e exclamou: Che coglione, como deixaram queessa gentalha entrasse? Devia-se metralhar a canhão quatrocentos ou quinhentos deles,que o resto correria” [Lévy, 1943: 21].

Page 17: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

17

Foi mais ou menos o que o até então desconhecido general fez na noite de 13 para14 vindimiário (5 a 6 de outubro de 1795): chamado pelo acuado Barras para defender aConvenção contra mais um levante popular patrocinado pelos monarquistas, na qualidadede vice-comandante do exército, Napoleão responde: “Aceito, mas previno-o que,desembainhada a minha espada, eu só a guardarei depois de restabelecer a ordem”. Ojovem oficial de artilharia desestruturou o movimento revolucionário, posicionandoestrategicamente os canhões nas principais vias de acesso à sede do governo. Após aprimeira descarga, os revoltosos fugiram em disparada, sabendo que havia um comandantedecidido. No dia seguinte, o jovem de 26 anos, agraciado com a patente de general dedivisão, assim contava ao seu irmão José a ação da noite anterior: “Enfim, tudo terminou; omeu primeiro gesto é pensar em lhe dar minhas notícias. A convenção ordenou odesarmamento da seção Lepeletier, e esta repeliu as tropas (...). A Convenção nomeouBarrras para comandar a força armada; os Comitês me nomearam para o sub-comando.Nossas tropas tomaram posição, e os inimigos vieram atacar-nos nas Tulherias (...).Desarmamos as seções e tudo está calmo. Como de costume, não recebi nenhum ferimento”[apud Lévy, 1943: 48].

2) Lineamentos gerais da estratégia de Bonaparte

A partir desse momento, a estrela do jovem general não pararia de ascender nocenário francês, na campanha da Itália, no Consulado e, por fim, no Império por ele criado.Em dez anos, o nosso herói galgaria de maneira fulgurante todos os degraus do poder e daglória militar. Destaquemos rapidamente as linhas gerais da estratégia bonapartista na arteda guerra. O seu maior mérito consistiu em ter organizado e disciplinado um exército maldotado, imprimindo-lhe coesão e rapidez suficientes para ter sempre a iniciativa da ação epara saber com segurança como deveria agir no campo de batalha. Ao chamá-lo de gênioda guerra, os seus biógrafos certamente não exageraram, levando em consideração que onosso herói venceu os seus inimigos em quatorze batalhas consecutivas. As suas vitóriasem Lodi, Arcola e Rivoli são paradigmas da estratégia moderna, em decorrência dainteligente concepção do desenvolvimento das tropas e da audácia na execução dosmovimentos. Napoleão revolucionou a arte da guerra e modernizou a organização doexército.

Ao longo do Ancien Régime tinha sido desenvolvida uma estrutura de exércitoarticulado, que devia se deslocar em fileira e que não conseguia, portanto, abarcar grandesextensões de terreno, nem obrigar o inimigo a enfrentar a batalha ou a executar manobrasdefensivas. Graças à Revolução Francesa e à instituição da conscrição obrigatória e dasrequisições compulsórias de bens, aumentaram os efetivos e os meios materiais do exércitoe teve início a denominada guerra de massas. Passou a ser necessário fragmentar oscontingentes em divisões, a fim de torna-los mais administráveis. Sob a férula do Diretóriofoi criada uma unidade denominada de corpo de exército, formada por uma massa queoscilava entre os 14 mil e os 40 mil homens, integrada por várias divisões. Na campanha deMarengo, Bonaparte organizou um corpo de exército integrado por duas ou três divisões,com uma cavalaria ágil e pouco numerosa (constituída geralmente por corposindependentes) e uma reserva de artilharia móvel que ficava sob o comando do chefemáximo da operação. O gênio militar de Napoleão revelou-se na forma em que ele passou amanobrar essa nova modalidade de exército. O general expandia os seus soldados de forma

Page 18: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

18

tal que impedia os movimentos rápidos do inimigo, conservando, ao mesmo tempo, apossibilidade de aglutinar prontamente as tropas no momento da batalha. Bonaparte dirigiavários corpos de tropa em direção a um ponto situado por trás do front inimigo, de forma talque, ao avançarem os soldados, a totalidade das forças terminavam envolvendo o exércitocontrário. A estratégia napoleônica não era, porém, rígida demais, deixando espaço para oimproviso e a ágil adaptação às condições novas do terreno. A surpresa no ataque era umadas cartas que Bonaparte guardava na manga. No desenvolvimento do confronto, o generalgostava de ir desgastando os seus adversários mediante rápidos ataques aos flancos ou àretaguarda, evitando perdas de homens. A artilharia era fundamental para ir quebrando omoral do inimigo. (Lembremos que a artilharia francesa era, na época, a mais avançada daEuropa). Quando considerava que o adversário se encontrava suficientemente desgastado,Bonaparte dava o bote final, concentrado o grosso das suas forças no ponto central doexército inimigo, de forma a acabar com ele. Essa era a essência da estratégia napoleônica[cf. Colin, 1901: 353-367; Belloc, 1958: 103-181].

As inovações pensadas e postas em prática por Napoleão no campo de batalhatornaram-no, certamente, um dos grandes formuladores da estratégia moderna, ao lado deVauban, Frederico o Grande, Guibert, Bülow, Jomini e Clausewitz. Os teóricos da guerrasão unânimes neste ponto. Um dos estudiosos contemporâneos mais acurados, Peter Paret,frisa a respeito o seguinte: “Napoleão reconheceu todo o potencial da revolução na guerra,descobriu como seus componentes poderiam ser levados a trabalhar em conjunto – naspalavras de Clausewitz, ele corrigiu os defeitos técnicos das inovações, que até entãotinham limitado sua eficácia – e, colocando os recursos da França a serviço do novosistema, por algum tempo deu a ela a superioridade absoluta. (...) A repartição do exércitoem comandos com bastante auto-suficiência, o que, nas guerras da Revoluçãofreqüentemente significou dispersão de esforços, foi mantida por Napoleão, que, noentanto, impôs controle centralizado muito mais firme aos comandos dispersados e nelesincutiu sua fé no movimento rápido e na ofensiva. O resultado foi nova mobilidade, quetornou possível a concentração de força superior no ponto decisivo” [Paret, 2002: I, 180-181].

3) As fontes da estratégia napoleônica

A Guerra dos Sete Anos (1756-1763) fez com que se modernizasse de maneiravisível a estratégia e a organização do Exército Francês. A principal mudança técnicaocorreu por força da melhora significativa da capacidade de fogo da artilharia. Outrasreformas viriam na trilha desse avanço técnico, como a referente à quebra da uniformidadede ordem dos batalhões no campo de batalha. Se os infantes podiam contar com uma maiseficaz e ágil proteção da artilharia, não era necessário manter a ordem unida e em certamedida estática apregoada pelas doutrinas antigas. Era possível imprimir aos corpos detropa mais agilidade de movimentos, mais agressividade e maior ousadia. Nas campanhasque se efetivaram ao ensejo da Revolução Francesa e, ulteriormente com o advento doImpério, esses avanços foram aperfeiçoados e neles Napoleão teve um papel importante.

Os autores que inspiraram a estratégia de Napoleão foram o barão du Teil (sob cujocomando o jovem oficial estagiou em Auxonne), Guibert e Bourcet. Deles o General tirou oconceito fundamental de concentração de esforços da sua estratégia, como frisa com

Page 19: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

19

propriedade o mais importante historiador da formação militar de Bonaparte, o capitão JeanColin: “No meio de todas as suas meditações, ele é dominado pelas idéias que inspiraram adu Teil e em parte a Guibert, por essas idéias simples que ele assimilou ao longo dos seusprimeiros anos como artilheiro. São elas ainda que dominam a sua doutrina e as suas obras:concentração de esforços, mobilidade, atividade, eis o fundo da doutrina napoleônica, e quenão é outra coisa do que o princípio tirado de todos os trabalhos do século XVIII. Se lermosa obra do cavalheiro du Teil e os capítulos que Guibert consagrou à artilharia, o princípioda concentração de esforços aparece em primeiro plano. Quer leiamos em Guibert ou emBourcet os capítulos relativos à grande tática, à disposição das diferentes partes de umexército, o que ressaltará de entrada é a necessidade de combinar os movimentos e garantira ligação entre as divisões. É, pois, natural admitir que o princípio da concentração deesforços e o da ligação entre as partes de um exército foram inspirados a Napoleão, sejapela leitura de du Teil, Guibert e Bourcet, seja pelas lições de oficiais imbuídos das idéiasdesses três autores. Sendo esses dois princípios o fundamento de todo o sistema de guerrade Napoleão, é natural concluir que ele se formou na escola de du Teil, de Guibert e deBourcet” [Colin, 1901: 141-142].

III – O IMPERADOR

Napoleão, como Júlio de Castilhos ou Getúlio Vargas, não foi um teórico dapolítica. Foi mais um político pragmático. Como frisa Touchard [1972: 366], “o Império éuma época de ação, não de doutrina. Napoleão detesta os ideólogos, e atribui à ideologia aresponsabilidade por todas as desgraças sofridas pela França”. O Imperador considerava aideologia “como essa tenebrosa metafísica que, ao procurar com sutileza as causasprimeiras, quer fundar sobre essas bases a legislação dos povos, em lugar de adequar as leisao conhecimento do coração humano e às lições da História” [apud Touchard, 1972: 366-367]. Daí por que, diante da necessidade de caracterizar a política napoleônica, devemosprestar atenção aos mecanismos mediante os quais ele pretendeu consolidar, de formaprática, a sua obra. Se bem é certo que o Imperador dos Franceses rejeitava a teoriaabstrata, dava grande valor, no entanto, ao sustentáculo cultural que, do ângulo daimaginação popular, dava alicerce à política real.

Nesse pragmatismo, duas variáveis passavam a jogar um aspecto importante: areligião e o teatro. A primeira seria, para ele, o sustentáculo da ordem social. “Não vejo nareligião – frisava– o mistério da Encarnação, mas o mistério da ordem social”. Ela satisfazo nosso “amor pelo maravilhoso (...). Os sacerdotes valem mais do que os Cagliostro, osKant e todos os sonhadores da Alemanha”. O teatro, por sua vez, garantiria o reinado daimaginação que é, para os povos, o alimento do espírito. O Imperador considerava que “ovício das nossas instituições consiste em não ter nada que fale à imaginação. Somente como seu concurso pode-se governar o homem. Sem a imaginação, ele é um bruto” [apudTouchard, 1972: 367]. Daí a grande importância que o Imperador conferiu ao teatro, comoteremos oportunidade de mostrar um pouco mais adiante. Napoleão insere-se, assim, nocontexto da reação ao Iluminismo, embora também receba a influência desta corrente.Irmana-se, destarte, com a tendência da época e com autores que, no contexto do

Page 20: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

20

Romantismo, irão fazer uma crítica radical aos excessos dos philosophes do século XVIIIcomo Madame de Staël, Royer-Collard, Constant de Rebecque, Guizot, etc.

O cerne pragmático da estrutura do poder institucionalizado, segundo Napoleão,seria o Conselho de Estado que, ligado diretamente ao Imperador, teria como finalidadeessencial auxilia-lo na confecção das Leis de que a Nação carecia para sua organizaçãopolítica e administrativa. Napoleão entendia o Estado como um Sistema de engrenagensmatematicamente sincronizadas entre si. Tratarei de mostrar este aspecto no presente itemda minha exposição. Desenvolverei, para isso, cinco pontos: o Conselho de Estado; aRepresentação Política; o Clero, a Literatura e o Teatro; a Universidade e, por último, oExército e o alargamento do Império ao resto da Europa.

Napoleão Bonaparte - Imperador

1) O Conselho de Estado

Entre 1800 e 1814, foi justamente o Conselho de Estado o órgão que seresponsabilizou pela legislação e que deu ensejo, portanto, à institucionalização do EstadoFrancês. O Papel da Magistratura seria o de preservar o conjunto de leis ensejado peloImpério e fazer com que a máquina governamental e administrativa funcionasse a contento.Em primeiro lugar, valha salientar um aspecto essencial do Império napoleônico: o valorque o Soberano conferia à formulação da Lei e à sua aplicação. “A minha glória, disseNapoleão em 1818, não consiste em ter vencido quarenta batalhas. O que ninguém apagará,o que viverá eternamente, é o meu Código Civil e os processos verbais do Conselho deEstado”. Sobre essa base legal nova, a ação da Magistratura seria racional e justa, no sentirdo Imperador.

O cerne do Império napoleônico, o coração do que o Imperador chamava deSistema, era constituído pelo Trono e pelo Conselho de Estado. Esse Sistema foi

Page 21: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

21

progressivamente preparado por Bonaparte já no período do Consulado. O Império só veioa desvendar o que já era uma realidade: tudo girava ao redor do Primeiro Cônsul Vitalício.Napoleão agia inspirado pelo rousseauismo, em sentido diferente da Convenção e dosJacobinos: ao passo que tal inspiração, neles, traduziu-se no assembleísmo e naimpossibilidade de governar, o Imperador fez uma interpretação rigorosamentecentralizadora e unipessoal da busca dos melhores: o representante da Nação era somente oSoberano.

Valha a pena salientar, aqui, que Napoleão tinha lido os escritos de Jacques Necker(1732-1804), que foi o último ministro de Finanças de Luís XVI. O jovem oficial tinha sedirigido ao ministro para que levasse em consideração as peculiares condições da Córsega,na formulação da política econômica do Reino, poucos anos antes de eclodirem osacontecimentos de 1789. Necker, aliás, tinha apresentado ao Soberano, na véspera daRevolução, um plano de salvação da França, alicerçado na iniciativa que o Monarca deveriadecididamente assumir para garantir o abastecimento de gêneros de primeira necessidadeao povo (impedindo a especulação que grassou no final do Ancien Regime, fazendoexplodir as tensões sociais) e instaurar a Monarquia Representativa, sem contudo ceder àschantagens dos mais exaltados. O projeto de Monarquia Moderada de Necker talvez tenhaservido de ponto de meditação para Bonaparte. O jovem general terminou concluindo quesomente uma Monarquia salvaria a França. O rousseauismo de Bonaparte levou-o a pensar,contudo, como vimos, numa Monarquia absoluta. De qualquer forma, os escritos do ex-ministro de Luís XVI eram conhecidos pelo jovem general. Seis obras sintetizavam opensamento de Necker: Traité de l’Administration des Finances de France (1784), Del’Administration de Monsieur Necker par lui-même (1791), Du pouvoir exécutif dans lesgrands États (1792), Réflexions offertes à la Nation française (1789), Cours de moralreligieuse (1800) e Dernières vues de politique et de finances (1802).

Voltemos à análise do que constituía o cerne do modelo napoleônico. Cabia somenteao Imperador elaborar as leis e organizar o Estado, fazendo girar ao seu redor todas asinstituições públicas e até a própria sociedade. Era isso o que Napoleão entendia como seuSistema. Inspirado no mestre Laplace, o Imperador considerava, de outro lado, que a Naçãotoda devia ser arregimentada e racionalizada pelo centro único de Poder, que agiria, nouniverso político, como os astros giravam ao redor do Sol, no Sistema de Newton. E assimcomo Laplace conseguiu elaborar uma equação que possibilitasse situar com precisãomatemática os movimentos dos diversos elementos do Sistema cosmológico, com igualprecisão seria possível prever e regular o comportamento dos diversos agentes sociais aoredor do centro único, no Sistema político. O próprio Laplace, aliás, tinha assinalado essecaminho na sua obra intitulada Ensaio filosófico sobre as probabilidades, com as seguintespalavras: “Apliquemos às ciências morais e políticas o método fundado na observação e nocálculo, método que nos tem servido tão bem nas ciências naturais” [apud Rosanvallon,1985: 22].

É curioso notar que Napoleão entendia o seu Sistema num contexto teodiceico quefuncionava mais ou menos assim: de forma semelhante a como Deus está presente nocosmo newtoniano através do espaço absoluto, que era definido pelo físico inglês comosensorium Dei, da mesma forma, no universo político, tudo gira ao redor do Imperador.Napoleão ficou muito chateado com o seu mestre Laplace, porque este não reconhecia a

Page 22: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

22

validade da hipótese da presença de Deus no Universo físico, traduzido matematicamentepelas suas famosas equações [cf. Vianna, 1971: 1-2]. A propósito, relata Victor Hugo:“Arago tinha uma anedota favorita. Quando Laplace publicou sua Mecânica celeste,contava, o Imperador o fez comparecer à sua presença. O Imperador estava furioso e ointerpelou da seguinte forma: – Como é possível que o senhor imagine todo o sistema domundo, formule as leis de toda a criação e no seu livro não fale uma única vez da existênciade Deus? – Sire, respondeu-lhe Laplace, eu não tinha necessidade dessa hipótese” [apudUnicaen, 2004: 9]. Hipótese que, por sinal, certamente era básica para o Sistema deNapoleão.

O rousseauismo de Bonaparte propendeu para a centralização do poder na sua mãode forma exclusiva, ao passo que essa filosofia, nos momentos anteriores (da Revolução edo Terror) tentou encontrar, ora nas massas amotinadas, ora no Diretório, ora naConvenção, ora no Comitê de Salvação Pública, a estranha encarnação dos denominadospuros, habilitados moralmente para formatar as virtudes republicanas no resto. Houve emNapoleão, portanto, uma leitura à la Maquiavel e à la Hobbes dos princípios dodemocratismo de Rousseau, justamente como depois do Imperador passaram a fazer essaleitura outros líderes inspirados no seu exemplo, como é o caso de Simón Bolívar, naNueva Granada, e de Castilhos ou Getúlio Vargas, no Brasil. A própria filosofia políticapassou a elaborar os seus arquétipos à maneira napoleônica: a ditadura científica de Saint-Simon e de Comte, não é outra coisa do que uma elucubração ao redor do que já existia naFrança entre 1800 e 1814.

Mas voltemos à ação do Conselho de Estado no seio do Sistema napoleônico [cf.França – 1o. Império – Conselho de Estado]. O Conselho, criado em 1799, foi o responsávelpela efetivação das grandes reformas e era muito freqüentemente presidido pelo próprioNapoleão, na qualidade de Primeiro Cônsul (desde a sua criação até 1804) e na deImperador (a partir de então até 1814). O mencionado Corpo estava integrado por 40membros escolhidos pelo Imperador. Na escolha, Napoleão olhava, sobretudo, para aformação jurídica dos seus conselheiros, embora levasse em consideração, também, oconhecimento que eles tivessem das realidades do país, nas suas várias especialidades. OImperador justificava assim o seu critério de escolha: “Governar por um partido é secolocar, cedo ou tarde, na sua dependência. Partido nenhum vai me controlar; eu sounacional. Sirvo-me de todos aqueles que têm a capacidade e a vontade de marchar juntocomigo. Eis por que tenho integrado o meu Conselho de Estado com Constituintes queeram chamados de moderados ou flexíveis como Defermon, Roederer, Regnier, Regnaud,Realistas como Devaisne e Dufresne; enfim, Jacobinos como Brune, Réal e Berlier. Gostodas pessoas honestas de todas as cores”. Napoleão gostava de ver no seu Conselho homensprovenientes dos países anexados à França pelas suas conquistas. Entre 1802 e 1811incorporou ao dito Colegiado seis Italianos, um Renano, quatro Holandeses e um Alemão.Lembremos que um outro importante conselheiro, Benjamin Constant, era suíço.

Os Conselheiros, de outro lado, figuravam entre os burocratas melhor remuneradosdo Império. Cada conselheiro recebia um soldo anual que oscilava entre os 25 mil e os 30francos, além é claro das gratificações suplementares, que eram bastante generosas. Asdecisões do Conselho abarcavam todas as áreas da administração do Estado e se estendiamdas finanças à religião, passando pelos aspectos jurídicos propriamente ditos, e pelas

Page 23: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

23

questões culturais, educacionais e administrativas. O Conselho de Estado cumpria trêsmissões principais: legislativa (mediante a preparação das leis e dos códigos, préviadeliberação do Conselho); jurisdicional (em matéria de assuntos contenciosos) eadministrativa (com assuntos diversos) [Cf. França – 1o. Império - Conselho de Estado].

O papel legislativo do Conselho era assim descrito pelo auditor Luís Comenin, em1810: “imensa fábrica de pareceres, de interpretações, de decretos e de leis disfarçadas soba forma de decretos e de regulamentos da administração pública”. Comenin refere-se àprática corriqueira no Império de regulamentar por decreto as matérias que, pela suanatureza, deveriam ter sido objeto de legislação. A atividade legislativa do Conselhoabarcava não só a preparação dos cinco Códigos e das grandes leis sobre a organizaçãoadministrativa, financeira e judiciária, mas também lhe concernia a elaboração de algunssenatus consultus, de numerosas leis de interesse local, de regulamentos, de decretos, etc. Aúnica matéria do Conselho de Estado que não estava sob sua jurisdição era a elaboração detratados com outras Nações. Alguns membros do Conselho eram encarregados deapresentar os projetos de lei aos Corpos Legislativos e ao Tribunado que, sem deliberar,deveriam votar a favor ou contra. Convenhamos que pela forma vertical em que se dava aprovisão de vagas nos Corpos Legislativos e no Tribunado, praticamente em poder doImperador, o Soberano terminava vendo aprovados os projetos que lhe interessassem. Aessência da crítica de Necker ao modelo napoleônico será, como veremos, essa.

O papel legislativo mais visível do Conselho consistiu na preparação, em temporecorde, dos cinco grandes Códigos napoleônicos: o Código Civil (1804), o Código deProcesso Civil (1806), o Código de Comércio (1807), o Código de Instrução Criminal(1808) e o Código Penal (1810). O movimento de codificação tinha como finalidadeintegrar, num todo coerente, o cipoal de leis e regulamentos antigos, muitos deles deorigem medieval, a fim de que as novas leis exprimissem as necessidades e os interesses danova sociedade emergente da Revolução. Tal empresa jurídica de grande envergadura foipossível graças à conjunção de dois fatores históricos: de um lado, o rompimento da velhaordem decorrente da Revolução de 1789 e, de outro, a férrea vontade do Imperador, ligadaà sua forma ampla de entender o panorama político da época, tentando preservar o que, doseu ponto de vista, seria essencial à sociedade francesa.

2) A representação política

Napoleão entendia de forma bastante original o processo da representação política.Como o Imperador era o único representante da Nação, ele podia delegar parcelas dessarepresentação nas instâncias estamentais do Estado. Os tradicionais Corpos Legislativos e oTribunado, previstos na complicada Constituição Francesa de 1800, poderiam refletir oCentro do Poder de uma forma bastante importante para a Nação: espalhando, pelasociedade afora, os raios da magnificência da Monarquia. Essa seria, notadamente, a funçãodo Senado, no qual tomavam assento figuras de prol da antiga nobreza feudal. AssinalavaNapoleão, assim, à tradicional representação (e à antiga nobreza) uma função litúrgica,despida de qualquer poder legislativo. O Corpo Legislativo e o Tribunado tomavamconhecimento dos projetos de lei elaborados pelo Conselho de Estado, mas não tinhammuita margem de ação, afora a aprovação desses projetos sem deliberação. A legislaçãoficava, por tanto, concentrada no Soberano e no seu Conselho de Estado, para o qual seriam

Page 24: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

24

chamados os melhores, não importando coloração ideológica nem origem de proveniência:poderiam ser plebeus ou nobres. O importante é que fossem úteis à Nação, representativosde alguma área do conhecimento e das ciências, que fossem os melhores na suaespecialidade e, acima de tudo, incondicionalmente fiéis ao Imperador. Foi assim comoNapoleão cooptou intelectuais de renome, sendo o caso mais conhecido o do grandepensador liberal e precursor dos doutrinários, Benjamin Constant de Rebecque. Pretenderpensar à margem do poder estabelecido seria um suicídio político, como foi o caso deMadame de Staël, que amargou duradouro e cruel exílio ao longo do ciclo napoleônico(entre 1804 e 1814). Pretender competir com o poder soberano seria, simplesmente,suicídio físico, como aconteceu com o duque de Enghien, em cujo fuzilamento sumário oImperador eliminou qualquer tentativa da nobreza de voltar atrás, instaurando a Monarquiatradicional ou um projeto de Monarquia Constitucional, à la inglesa [cf. Madelin, 1945].

3) O Clero, a Literatura e o Teatro

No terreno do imaginário popular, Napoleão dava grande importância a duasinstâncias legitimadoras, no âmbito cultural, do poder estabelecido: o culto católico e oteatro. A figura do Soberano estava estreitamente ligada à defesa do Cristianismo. OImperador pretendia instaurar uma quarta dinastia, a Napoleônica, após as dinastias dosMerovíngios, dos Carolíngios e dos Capetos. Tão convicto estava de ser a continuidade daTradição Monárquica Francesa que, entre 2 e 11 de Setembro de 1804, alguns meses antesda sua coroação e já tendo sido eleito Imperador pelo Senado, Napoleão recolheu-se emAix-la-Chapelle (antiga Aquisgrã), no túmulo de Carlos Magno, a fim de refletir sobre atradicional dignidade que passaria a encarnar. As referências carolíngias vão se multiplicarao longo das semanas que antecedem à sua sagração na Catedral de Notre Dame, em 2 deDezembro de 1804. Para o Clero católico só haveria, portanto, uma função: assim como aMagistratura, os bispos e padres deveriam ser instrumentos do Império. Napoleãoconsiderava, sem nenhuma modéstia, que a sua dinastia seria a definitiva manifestação dagrandeza da França e do espírito humano, porquanto se trataria não já de uma Coroa aserviço da tradição religiosa, mas justamente porque se alicerçaria na ciência e satisfariaplenamente a imaginação popular, reconciliando a inteligência com o sentimento. Não setratava, como posteriormente pensou Comte, de banir o mito, como definitivamentesuperado pela ratio scientifica. Tratava-se, sim, de fazer entrar a França e o GêneroHumano no estágio mais desenvolvido da cultura humana, aquele que, à luz das ciências,abarcaria todas as outras manifestações do espírito, sem banir a emoção e o sentimento.Quem garantiria toda essa realização seria o Imperador e ninguém mais do que ele [cf.Hicks, 2004: 1-5].

Em decorrência dessa visão unipessoal de Napoleão como Messias da França e daHumanidade, as Letras, em geral, sofreram bastantes restrições durante o seu longo reinado.No Império, efetivamente, a Literatura foi objeto de uma ciosa vigilância por parte daCensura e da Polícia, que limitaram bastante o número de jornais e de teatros. Sem dúvidaque a Restauração favoreceu de novo a circulação das idéias, com a retomada da vida dosSalões (como os de Madame Duras e Madame Récamier). Lembremos, em contrapartida,as agruras sofridas por Madame de Staël e pelo Grupo de Coppet, na tentativa de estimulara criação literária independente, no ciclo napoleônico. A crítica literária e de idéias foidominada, assim, ao longo deste período, pela oposição liberal e pelos denominados ultras.

Page 25: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

25

Os ideólogos, herdeiros de Condorcet e leitores de Condillac (como Destutt de Tracy,Volney, Bichat, Cabanis), pretendiam fundar uma ciência das idéias e do homem, umaciência humana. Freqüentadores do Salão de Madame Helvétius e depois do de Destutt deTracy, eles prolongaram o Enciclopedismo das Luzes e influenciram em liberais declaradoscomo Benjamin Constant e Madame de Staël. Os doutrinários vão continuar nessa trilha demaneira crítica com Royer-Collard, e depois com Victor Cousin, Jouffroy, François Guizote Villemain. Por sua vez, a Contra-Revolução espiritualista rejeita a Revolução, através daobra de Joseph de Maistre e de Luís de Bonald e reforça a idéia do fundamento divino dasociedade e do poder monárquico. O catolicismo, aliás, encontrará também doutrinas maismoderadas como as propostas por Ballache, Lamennais e Maine de Biran. A presençacentrípeta do Imperador Napoleão I foi, portanto, uma pausa nesse contexto de diversidadeque eclodiria logo após a sua saída do poder.

Napoleão gostava do teatro. Durante o Consulado e o Império, assistiu a nadamenos do que 374 peças, sendo que repetia algumas dessas apresentações, de forma que,segundo calculam os estudiosos, foi ao teatro ao redor de 682 vezes, uma vez por semana,ao longo dos quinze anos que permaneceu no poder. O Imperador dispunha de um teatroem cada um dos seus lugares de residência. Tinha verdadeira admiração por Corneille (aquem faria príncipe da França, dizia ele, se tivesse tido a sorte de ser seu contemporâneo).O Imperador gostava mais do gênero trágico e desenvolveu grande amizade com o maisimportante ator da época, François-Joseph Talma (1763-1826) que era, aliás, muitoparecido fisicamente com ele. O teatro serviria, no sentir do Imperador, para fazer surgir nasociedade sentimentos de admiração em face do poder imperial e da gesta desenvolvidapelo Império. A arte deveria reforçar o Sistema. Embora o teatro francês tivesseexperimentado um grande crescimento ao ensejo da Revolução, Napoleão limitou o númerode teatros credenciados, a fim de melhor exercer o controle oficial sobre as peçasapresentadas. A propósito, frisa Peter Hicks: “Em tanto que instrumento político, o teatrodeveria estar em boas mãos. Depois da expansão acontecida entre o final da Revolução e oinício do Consulado, Napoleão Io. tomou a decisão de limitar o número de teatros em Paris.Em 8 de junho de 1806, um decreto limitou o seu número a 12. (...) Depois, novamente, em1807, o número foi reduzido para 8: 4 teatros principais (o Teatro Francês, a Ópera, aÓpera Cômica e a Ópera Bufa), e quatro teatros secundários (Vaudeville, fundado em 1792,Variedades, fundado em 1777, o Ambigu-Comique, fundado em 1769 e la Gaîté, fundadoem 1760). Teatro nenhum podia apresentar uma peça diferente das aprovadas no seurepertório e ninguém podia erigir palcos sem a sua autorização. A Censura seguia muito deperto o repertório dos teatros” [Hicks, 2004: 4].

No contexto de rigorosa centralização que Napoleão impôs no mundo da cultura,vale a pena salientar a importância representada pela Bibliographie de la France ouJournal General de l’Imprimerie et de la Librairie, que passou a ser publicada no final doPrimeiro Império e que constituiu base informativa fundamental para tudo quanto sepublicava na França relacionado com a cultura do país. A Bibliothèque National de Franceorganizou, aliás, ao longo da última década, uma magnífica biblioteca virtual em que épossível consultar, on line, os números preservados dessa publicação, que foram salvos doincêndio de 1871.

4) A Universidade

Page 26: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

26

Em 10 de maio de 1806, Napoleão instaurou a lei que criava a UniversidadeImperial. O primeiro artigo da mencionada lei rezava assim: “O ensino público, em todo oImpério é confiado exclusivamente à Universidade”. O Imperador reuniu todo o pessoaldocente do país numa única corporação que tinha o monopólio do ensino: a UniversidadeImperial. A direção da mesma foi entregue a um Grande Mestre nomeado pelo próprioImperador. O cargo foi desempenhado pelo poeta Louis-Marcelin de Fontanes (1757-1821),que teve também a incumbência de reorganizar a Academia Francesa nos moldes dalegislação imperial.

A nova lei que criou a Universidade Imperial implantava uma administraçãocentralizada de todo o ensino na França, de forma que a iniciativa particular praticamenteera banida. Foi estabelecido um Conselho Superior com atribuições administrativas,disciplinares e pedagógicas. Foi prevista, também, a criação de 28 Academias, pelo paísafora, que seriam as entidades representativas da Universidade Imperial nas várias regiões,e que teriam à sua frente um reitor assistido por um conselho e dois inspetores acadêmicos.À Universidade Imperial cabia fixar os graus necessários ao ensino, bem como prover oscorrespondentes títulos. O sistema de ensino era abarcado, na sua totalidade, pelaUniversidade napoleônica, nas suas variantes de ensino primário, secundário e superior. Asantigas Faculdades foram restabelecidas (teologia, direito e medicina), mas inseridas notodo criado pela lei imperial, e foram criadas novas faculdades de ciências e letras, a fim degarantir a formação de mestres e pesquisadores. Nada, no universo educacional, escapava,portanto, aos controles do Império.

Como destaca Guy Neave, “O modelo napoleônico é um dos exemplos mais antigosde utilização, por parte do Estado, da Universidade como instrumento de modernização dasociedade, através de um estreito controle financeiro da instituição e, também, mediante asnomeações e uma legislação que garantia a distribuição eqüitativa de recursos nacionais noconjunto do território. Sob a sua forma clássica, a Universidade napoleônica é oinstrumento de afirmação de uma identidade nacional própria, fundada nos princípios domérito e de uma igualdade formal, princípios mantidos por uma poderosa administraçãonacional” [Neave, 1998: 1]. Esse modelo, casado com o herdado das reformas pombalinas,passou a inspirar o funcionamento do ensino no Brasil, bem como em outros países comoEspanha, Itália, Argentina e os pertencentes à África francôfona.

5) O Exército e o alargamento do Império ao resto da Europa

Ao longo da consolidação do Império Napoleônico, o Exército passou a ter missõesmais ambiciosas do que a simples defesa das instituições republicanas emergidas daRevolução de 1789. Certamente o General Bonaparte iniciou a sua carreira de armasdefendendo a Revolução no interior das fronteiras da França. Mas, na medida em que assuas conquistas e o seu gênio militar se tornaram algo indiscutível, o homem de armasterminou polarizando o homem das leis e a cabeça visível do Império. A expansão domesmo tornou-se uma necessidade. O Exército virou a Grande Armée que garantiria, já nãoapenas a estabilidade das fronteiras da França, mas a sua supremacia no cenário europeu,chegando a constituir o que o próprio Napoleão identificou como Bloco Continental. Estenão seria outra coisa mais do que a reencarnação do Império dos Césares e de CarlosMagno. A proposta napoleônica já não era apenas a conquista do poder na França. Uma vez

Page 27: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

27

coroado Imperador dos Franceses, Napoleão quis se tornar o Soberano da Europa. Era issoque ele pretendia com o Bloco Continental e com o tratado de Tilsit. Foi isso que levou aque se mudassem as fronteiras de toda Europa, na fase mais agressiva do imperialismonapoleônico, entre 1808 e 1814. Foi isso que condicionou a união dos monarcas europeusao redor da empresa de derrubar o novo Imperador.

A Grande Armée virou o instrumento dessa ampliação das fronteiras. Constituíauma força espetacular, de aproximadamente 600 mil homens, distribuídos em sete grandesexércitos, que passaram a agir aplicando a mesma estratégia que Napoleão tinha posto emprática na Itália. As dificuldades começaram a se apresentar quando foram invadidasprimeiro a Espanha e depois a Rússia. O Imperador não contava com a heróica resistênciadessas nações, profundamente enraizadas no sentimento religioso e num cristianismo decruzada, que fez com que a rejeição à presença das forças do Império fosse tão brava esanguinolenta. De outro lado, a estratégia napoleônica de que a “ocupação alimenta aguerra”, ou seja, de tirar dos países ocupados as riquezas necessárias para a manutenção dastropas, tornou-se difícil num cenário de grandes extensões vazias e submetidas aos rigoresdo clima: o decorrente da prolongação dos desertos africanos na Espanha, de um lado, e oensejado pela vizinhança das estepes siberianas, no caso russo.

IV – TRÊS ABORDAGENS CRÍTICAS DO PENSAMENTO DENAPOLEÃO: JACQUES NECKER, BENJAMIN CONSTANT EMADAME DE STAËL

Sintetizarei, aqui, a crítica dos liberais franceses ao projeto napoleônico. Essa críticafoi efetivada por três figuras precursoras do Liberalismo Doutrinário e que terminaramsendo perseguidas por Napoleão: Jacques Necker, Benjamin Constant de Rebecque eMadame de Staël.

1) A crítica de Jacques Necker (1732-1804) ao absolutismo napoleônico

Jacques Necker, pai de Germaine Necker de Staël-Holstein, a conhecida Madame deStaël, analisou detalhadamente a Constituição de 22 Frimário, ano VIII (1800), que sagrouum modelo de República autoritária, presidida pelos três Cônsules, sendo Bonaparte o quede fato exercia o poder [cf. Chevallier, 1977: 105-108] e que preparou o terreno para oadvento do Império. O pai de Germaine considerava que, não tendo sido estabelecida nessaConstituição uma verdadeira representação dos interesses populares no Parlamento, aeleição não tinha nenhum sentido e as instituições republicanas careciam de autenticidade.A propósito, escrevia Necker: "A primeira circunstância que chama a atenção ao examinaresta Constituição é que, num Governo denominado de Republicano, nenhuma porção dospoderes políticos, nenhuma, realmente, foi confiada à Nação. No entanto, não apenas nasRepúblicas mistas ou puramente democráticas, mas também nas Monarquias moderadas, opovo concorre à nomeação do Corpo Legislativo, à nomeação das autoridades quedeterminam os seus sacrifícios. Vemos na Inglaterra os Membros da Câmara dos Comunseleitos pela Nação. Vemos na Suécia uma ordem de Burgueses, uma ordem dosCamponeses comporem o Poder Legislativo; e sob a Monarquia Francesa o Terceiro Estado

Page 28: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

28

nomeava Deputados às Assembléias Nacionais. Uma tal prerrogativa, a mais importante detodas, foi substituída por uma ficção no novo código político da França. Concede-se aoPovo um direito de indicação que não significa nada para ele e que aborrecerá ao Governose esse direito for respeitado" [Necker, 1802: I, 1-2].

Ora, nenhuma estabilidade institucional poderia advir de um tal regime. Tratava-sede uma República de faz-de-conta, modelo da que, no final do século XIX, os Castilhistasinstaurariam no Rio Grande do Sul. Tudo girava ao redor do único poder verdadeiramenteforte: o general Bonaparte. A feição dessa pseudo República foi resumida perfeitamente porJean-Jacques Chevallier, com as seguintes palavras: "Uma fachada de sufrágio universal(simples direito de apresentação). Uma fachada de assembléias: o Senado, o Tribunado, oCorpo Legislativo. No governo uma fachada de três cônsules, sendo que o poder repousavarealmente no Primeiro Cônsul. Na tarde em que o texto constitucional foi solenementepromulgado nas ruas de Paris, as pessoas perguntavam: O que há na Constituição? E aresposta era a seguinte: Há Bonaparte. O referendum sobre um texto constitucional tinhafatalmente virado um plebiscito sobre um homem" [Chevallier, 1977: 107]. A propósitodessa enorme encenação, escreveu Necker: "Mostraremos agora que toda essa organizaçãoé ao mesmo tempo motivo de irritação para a massa geral dos Cidadãos, bem como umatentado aos seus direitos, um estorvo para o Governo e um constrangimento prejudicialpara o bem do Estado" [Necker, 1802: I, 4-5].

O modelo de representação previsto pela Constituição bonapartista do ano VIIIconstituía uma caricatura da prática do verdadeiro parlamentarismo. Os cidadãoshabilitados para votar segundo as normas oficiais (cinco milhões, calculava Necker, sobreuma população de mais de vinte milhões de Franceses), nos seus respectivos cantõesindicariam as pessoas que, segundo o seu critério, pudessem desempenhar cargos públicos.Daí sairia uma massa de cinco mil homens aptos para receberem do Senado Conservador,formado à revelia da Nação, a responsabilidade de administrar a máquina do Estado. Seriauma representação às avessas, que personificaria os interesses de Bonaparte e da suaburocracia, deixando de lado os reais interesses dos cidadãos. "Essas listas de elegibilidade- frisava Necker [1802: I, 10-11] - teriam pouca credibilidade, ao reduzir cinco milhões dehomens a cinco mil, sem nenhuma das precauções que garantem ao menos um sentimentode interesse, um grau formal de atenção a essa grande ação política".

O resultado de tudo isso não poderia ser outro: o crescente descontentamentopopular, a instabilidade da República e a porta aberta para novas revoluções. A própria mãede Bonaparte, Letícia, tinha dito a respeito das novas instituições emergentes daConstituição do Ano VIII (1800) que colocou o seu filho na cúpula do poder, fazendo deleum ditador: "Isso não durará! Isso não pode durar" [apud Chevallier, 1977: 109]. Neckerprevia a mesma catástrofe: "Nós veremos ainda o resultado, no momento em que o espíritorepublicano se reanimar. A exclusão de tão grande número de Cidadãos das listas deelegibilidade, essa exclusão duradoura e eficaz será recebida como uma grande ofensa,como um justo motivo de irritação. As pessoas sentir-se-ão postas de lado por um pequenonúmero de felizardos, tornados os únicos elegíveis por escrutínios praticados comindiferença. E ninguém estará disposto a aturar pacientemente uma barreira colocada diantede si, logo nos primeiros passos da carreira política".

Page 29: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

29

O próprio Estado tornar-se-ia ingovernável, pois o centralismo desvairado, aliado àexclusão dos Cidadãos, impediria que os governantes conseguissem nomear os mais aptospara os cargos públicos. Assim enxergava Necker mais essa contradição da Carta do AnoVIII: "Consideremos agora, de um novo ângulo, a disposição constitucional relativa aoselegíveis. Resultará daí, para o Governo, para a República inteira, um entrave bizarro cujaexperiência servirá de lição. É a partir de um número de cinco mil Cidadãos ativos que seránecessário, de agora em diante, escolher os principais Funcionários públicos, os Cônsules,os Tribunos, os Legisladores, os Ministros e os Conselheiros de Estado, os Juizes decassação, os Comissários de contas. Ora, como todos esses cargos exigem qualidadesdiferentes, não é seguro que os grandes Eleitores, o Governo e o Senado, encontrem umaquantidade suficiente de homens para escolher, com segurança, a partir de um número decinco mil Cidadãos, indicados uns por amizade, outros por intriga e os melhores por umareputação genérica de honestidade" [Necker, 1802: I, 26-27]. Destacando a impossibilidadede pôr em prática as disposições de tão maluca Constituição, o pai de Germaine concluíacom uma ponta de ironia: "Enfim e por cima de todas as outras dificuldades, são osCônsules também os que será necessário escolher entre os elegíveis. Convenhamos que émuita modéstia de Bonaparte ter considerado que o seu equivalente poderia ser encontradoentre cinco mil pessoas" [Necker, 1800: I, 28].

A instituição do Senado Conservador constituía mais do que uma instância derepresentação da Nação, uma roda solta do sistema, absolutamente ignorante dasnecessidades da administração e que ainda por cima tinha a alta responsabilidade denomear o Chefe do Estado. A respeito, escrevia Necker: "Um corpo político, absolutamenteseparado do movimento da Administração e que não participa da confecção das leis, umaespécie de solitário na ordem social, não poderia conservar o direito de nomear o Chefe doEstado, mesmo se ele se equivocasse uma única vez. Seria necessário que vivendo nassombras e no silêncio, como os oráculos, tivesse a ciência e a infalibilidade destes"[Necker, 1800: I, 32].

Quanto ao Poder Legislativo instaurado pela Carta do Ano VIII, Necker consideravaque se tratava de uma instância vazia, pois a iniciativa de propor as leis corresponderiaexclusivamente ao Governo, sendo que as duas Assembléias Políticas (Tribunado e CorpoLegislativo), somente poderiam votar os projetos de lei sem discussão alguma. A propósito,escrevia: "Este Poder é atribuído, pela Constituição, a duas assembléias políticas, umadesignada com o nome de Tribunado e a outra com o de Corpo Legislativo. A primeira éintegrada por cem pessoas, com idade mínima de vinte e cinco anos; a segunda por 300pessoas com idade mínima de trinta anos. O Governo deve propor todas as leis, oTribunado as examina, as aceita ou as rejeita. O Corpo Legislativo se pronuncia unicamentepor escrutínios, sem nenhuma discussão pública, nem secreta, sem jamais pedir umesclarecimento, sem pronunciar palavra. Uma interdição tão especial e da qual não há ummodelo existente, manterá o desejo contínuo de se ver atado por um vergonhoso laço. E aNação, que ama ouvir falar dos seus negócios e que tem direito a isso numa República,apoiaria o voto dos Legisladores desde que as circunstâncias o permitissem. O seu silêncio,o seu absoluto silêncio, mesmo que ordenado pela Constituição, prenuncia, mais do quequalquer outro indício, a presença de um dono do poder" [Necker, 1802: I, 50-51].

Page 30: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

30

Essa absoluta passividade do Corpo Legislativo considerava Necker, erasobremaneira nociva especialmente no que tange à tributação. A Carta do Ano VIIIestabelecia, nessa matéria, uma verdadeira orgia orçamentívora, uma vez que ninguémpoderia objetar a generosidade do gasto público. Em matéria tributária, frisava, "depois deum certo tempo, geralmente, temos amiúde uma opinião diferente, bem por causa das liçõesda experiência, bem por causa das mudanças que ocorrem nas necessidades do Estado"[Necker, 1802: I, 56].

Inoperante a representação política, a Nação ficou sem instrumentos para exigir dosmembros do Governo a mínima responsabilidade. Os Cônsules e os seus Ministros viraramespécies de semideuses, irresponsáveis perante a sociedade e inatingíveis. A Françacaminhava na contramão da história dos países onde houve um amadurecimento darepresentação, como a Inglaterra. A respeito, Necker escrevia: "A responsabilidade dosMinistros na Inglaterra é algo real e bem concreto. Mas tudo é diferente na França. Hoje,tudo caminha em sentido contrário. Nada de Câmara dos Pares, que se imponha pelo seucaráter hereditário. Nada de assembléia política representativa da Nação. Nada deParlamento, enfim, enraizado no espírito e no coração do povo. E além do mais, nenhumaliberdade para escrever, para opinar sem pautas e sem tutores. Como, com uma taldistribuição política, com uma desproporção tão marcante entre a autoridade Executiva etodas as outras autoridades, ousaria alguém acusar um Ministro! Essa seria uma empresatão vã quanto perigosa" [Necker, 1802: I, 84].

No meio dessa falta de controles sobre o poder, a burocracia miúda tornou-se todo-poderosa, à sombra do Primeiro Cônsul e dos seus Ministros. A respeito frisava Necker[1802: I, 92]: "A autoridade no seu imenso círculo de influência pode ter agentes ordináriose agentes extraordinários. A carta de um Ministro, de um Prefeito de um Subtenente daPolícia é suficiente para transformar alguém em agente. E se no exercício de suas funçõesestão todos fora do alcance da Justiça, a menos que haja uma especial permissão doPríncipe, o Governo terá na sua mão homens que tal privilégio tornará suficientementeaudaciosos como para não temer a desonra, graças à sua proteção pela autoridade suprema.Que instrumentos para optar pela tirania!".

O efeito de tudo isso será a morte da liberdade e o fortalecimento do absolutismo.Todos terão medo, menos o tirano. Todos ficarão reféns do seu poder sem freio. Eis osombrio quadro traçado por Necker: "Que acontecerá com a liberdade no meio de todosesses dispositivos políticos? O que o Cônsul quiser. O Tribunado poderá lhe dirigir apalavra. Mas está previsto que não é obrigado nem a escutá-lo, nem a responder-lhe. OSenado Conservador está investido do direito de anular os atos inconstitucionais. Masousará tal coisa? (...) E todo mundo, em determinado momento, terá medo, exceto oCônsul" [Necker, 1802: I, 85].

Da crítica de Necker ao regime instaurado pela Carta do Ano VIII depreende-seuma conclusão: a França estava longe de constituir uma verdadeira República. Esta, àsombra da experiência americana, é fundamentalmente o reino da liberdade da Nação, darepresentação de seus interesses, da salvaguarda dos seus direitos fundamentais à vida, àliberdade, às posses. O pai de Germaine preocupava-se por dar à palavra povo um sentidodiferente do que terminou sendo usado pelo democratismo revolucionário e pelo

Page 31: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

31

bonapartismo. Povo deveria ser entendido como conjunto de Cidadãos que se distinguemda minoria que exerce o poder.

Eis a forma em que o nosso autor entendia essas noções, bem como o espírito deuma Constituição autenticamente republicana: "Apuremos de entrada o sentido da palavrapovo, com a qual se faz o que se quer na língua francesa. Esse termo converte-se em algoterrível quando o utilizamos para designar as últimas classes da sociedade, os homensdespidos de educação e entregues, sem limitações, à impetuosidade do seu caráter. Apalavra retoma a sua dignidade quando, sinônimo do termo Nação, serve para lembrar auniversalidade dos Cidadãos, e algumas vezes para distingui-los do pequeno número dehomens que compõem o Governo. O espírito de uma Constituição republicana éindubitavelmente o de atribuir ao povo, assim definido, todos os direitos políticos que podeexercer ordeiramente. E se for verdade que este não existe dessa forma, se for verdade quena França a extensão do país ou o caráter dos habitantes se opusessem a isso, a boa féexigiria que se chegasse a um acordo sobre o particular, exigiria que deixássemos de dar onome de República a uma forma de governo na qual o povo não seria nada, nada mais doque uma ficção. Esse povo pode ser feliz sob o abrigo exclusivo das leis civis. Pode sê-losem direito político. Pode sê-lo, ainda, segundo os seus mestres, sob um Monarca absoluto,sob um Ditador, sob uma aristocracia hereditária, sob uma aristocracia burguesa mais oumenos dissimulada. Mas as honras do nome republicano não mais lhe pertenceriam"[Necker, 1802: I, 8-9].

Está enunciado, aqui, um Leitmotiv que encontraremos em Constant de Rebecque,nos doutrinários, em Tocqueville e em Aron: o povo francês, preso ao seu bem-estar etrancafiado na sua vida privada, poderá em muitos momentos abrir mão da liberdade e daluta na defesa da sua dignidade como Nação. Mas, nesses instantes, estará se afastando doideal republicano. O alerta vale, segundo Tocqueville, inclusive para o povo americano, tãosensível à conquista do bem-estar material. Uma tentação que se desenhará sempre nohorizonte da democracia americana é a de abrir mão da luta pela liberdade, em prol damanutenção do conforto.

A República, como lembraria mais tarde Tocqueville, é o reino tranqüilo do povosobre si mesmo, o estreito laço que existe entre a Nação e as instituições. Já Necker tinha seantecipado a essa concepção, quando frisava que a vantagem da representação na vidarepublicana é o estreitamento de laços entre os cidadãos ativos e os seus Governantes. Apropósito, o pai de Germaine escrevia: "Temo-lo já dito, a intervenção do povo na escolhados homens públicos não é essencialmente necessária à bondade dessa escolha, nem é umagarantia disso. E pode ser possível que se chegasse ao mesmo objetivo de forma igualmentesegura, sem colocar em movimento cinco milhões de Cidadãos ativos. A primeira utilidadeda participação do povo na nomeação dos seus Magistrados, dos seus Legisladores, consisteem estabelecer uma ligação contínua, um vínculo mais ou menos estreito entre os Chefesdo Estado e a massa inteira dos Cidadãos. Destruamos essa ligação, seqüestremos ao povoo único direito político que pode exercer, troquemos esse direito por algo semelhante,adotando uma simples ficção, e não haverá mais República, ou ela só existirá no papel"[Necker, 1802: I, 16-17].

Page 32: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

32

Necker considerava que a Constituição do Ano VIII pretendeu imitar a praxeinglesa de liberar de toda responsabilidade o Chefe do Estado. Essa providência, que fariasentido numa Monarquia Constitucional, seria de todas maneiras inconveniente numaRepública, onde o Chefe do Estado foi eleito, como no caso da França. Ora, o PoderSupremo sendo eleito e gozando de imunidade, os seus Ministros passarão a se sentirimunes também. Constant de Rebecque aprendeu esta lição de Necker, pois encontraremosarrazoado semelhante nos Principes de Politique.

A propósito do equilíbrio de poderes existente na Inglaterra, eis o que afirmavaNecker, destacando - como Constant fará também - o papel importantíssimo da imprensacomo divulgadora do quarto poder, o da opinião: "Há, na Inglaterra, um tal equilíbrio entreos três poderes, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, que eles se respeitammutuamente. E um quarto poder, não menos imponente, vigia sobre a sua união, sobre osseus mútuos direitos. Quero falar do poder da opinião pública, poder enraizado, estimulado,tornado quase imperativo pela liberdade de imprensa" [Necker, 1802: I, 82]. Este é, comoveremos, outro ponto em que Constant recebeu influência definitiva de Necker.

2) A crítica de Benjamin Constant (1767-1830) ao absolutismo napoleônico e aoespírito de conquista

Constant, junto com Madame de Staël, foi o precursor dos liberais doutrinários naFrança. A sua meditação trilhou o caminho de moderação e de construção das instituiçõesdo governo representativo, que caracterizaria aos demais liberais franceses ao longo doséculo XIX. Mas o ponto central da reflexão e da pregação política do nosso autor foi a suadecisiva defesa da liberdade, num meio, como o da França pós-revolucionária, que custavaa fazer uma opção por esse ideal. Acerca da marca deixada por ele no seio da culturapolítica francesa, eis o que, em 1872, escrevia Édouard Laboulaye no prólogo à segundaedição do Cours de Politique Constitutionnelle de Constant [Laboulaye, 1872: vol I, I-II]:

"Em 1872, como em 1861, sob a República provisória como sob o Império, aFrança busca as condições da verdadeira liberdade. Ela quer fundar um governo quegaranta a paz pública, dando uma sólida garantia a todos os interesses, a todos os direitos.Acerca de todos esses pontos encontrar-se-ão em Benjamin Constant soluções decisivas econfirmadas por uma experiência de cinqüenta anos. Inimigo do arbítrio e da violência sobtodos os regimes, Benjamin Constant converteu-se no mestre da ciência política para osamigos da liberdade. O seu Curso de Política Constitucional é o manual mais completo, oguia mais seguro para o estudante, o publicista, o legislador. Na escola de BenjaminConstant sempre se aprende. Ninguém pode se afastar impunemente dela. O tempoconsagrou o equilíbrio das suas idéias. Ele cresceu e crescerá ainda mais na estima doshomens, porque sempre defendeu a justiça, a moderação, a verdade. Nestes tempossentimos grande necessidade das suas lições e ouso dizer que jamais a publicação dos seusescritos chegou em melhor momento. Tomara que possamos aproveitar os seus conselhos eatingir enfim essa terra prometida que sempre nos escapa!".

Constant, como Madame de Staël, encarnou um outro aspecto que seria caraterísticodos doutrinários: ser testemunha da razão contra a opressão. O nosso autor apregoava autilização, na defesa da liberdade e das luzes, de todos os meios de que a civilização

Page 33: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

33

poderia fazer uso para multiplicar o alcance da sua voz. No caso concreto dos intelectuaisdo século XIX, tratava-se de utilizar sobretudo a imprensa. Eis o que Constant escreviaacerca da missão esclarecedora que tinham os intelectuais (chamados por ele demissionários), na defesa da liberdade contra a opressão, na obra De l'esprit de conquête etde l'usurpation (escrita contra o militarismo bonapartista): "Por mais ativa que seja ainquisição, quaisquer que sejam as suas precauções, os homens esclarecidos conservamsempre mil meios para se fazerem entender. O despotismo somente vinga quando a razão seestiola na sua infância; então ele pode frear o progresso da espécie humana e mantê-larefém de uma duradoura imbecilidade. Mas, quando a razão é posta em marcha, ela se tornainvencível. Somente há um momento para proscreve-la com sucesso; passado essemomento, todos os esforços são vãos. Uma vez iniciada a luta intelectual, a opinião sesepara do poder e a verdade clareia em todos os espíritos. Missionários dessa verdadeeterna, se o caminho for interceptado, renovai os esforços, redobrai o zelo. Que a luzapareça em todas partes! Apagada, que ela brilhe de novo! Afastada, que ela volte! Que elase reproduza, se multiplique, se transforme! Que ela seja tão infatigável quanto aperseguição! Que uns marchem com coragem! Que outros se introduzam com habilidade!Que a verdade se expanda, tanto apregoada em alto e bom som, quanto repetida em vozbaixa! Que todas as razões se coadunem, que todas as esperanças se reanimem, que todostrabalhem, que todos sirvam, que todos vigiem. Não há prescrição para as idéias úteis, dizum homem ilustre (Necker); não há, pois, prescrição para a liberdade" [Constant, 1986:230-231].

Mas essa missão de ilustrar que os intelectuais têm, deveria estar vinculada,segundo Constant, à inserção corajosa e real deles na vida pública. O doutrinário nãopoderia ser jamais um homem de gabinete, um philosophe trancafiado na sua torre demarfim. O intelectual que iria transformar as instituições deveria se inserir na corrente dopoder para, a partir dela, civilizá-la. Emerge aqui um aspecto importante, que será retomadopela tradição doutrinária e que chegará até os nossos dias na meditação de Aron: o ideal deintelectual engajado. Eis a forma em que Todorov ilustra esse importante aspecto dameditação constantiniana: "Constant, e aí reside uma das suas grandes originalidades, nãoquer renunciar a nenhuma dessas duas vias (a teórica, inspirada em Rousseau e a histórica,tributária de Montesquieu). A sua reflexão não é deduzida a partir de postulados abstratos;melhor, tendo ele mesmo participado da vida política, busca teorizar o real vivido. Nãohaverá pois lugar nele para essas ficções que Rousseau considerava úteis, o estado denatureza ou o contrato social. A história é aqui objeto de pensamento, não repertório deexemplos. Mas não se trata, no entanto, de renunciar aqui aos princípios: só num certo nívelde abstração, pensa Constant, o debate será fecundo; e o seu livro (Principes de Politique)não é um programa de ação política, mas uma meditação que permite compreender e julgaro mundo. Não a teoria de um lado e a prática de outro; mas uma prática teorizada, umateoria submetida constantemente ao teste do real. Constant não é daqueles que se deixaminebriar pelas palavras. A história e os princípios intemporais devem pois permanecerpresentes, ambos, o que nem sempre é fácil. Mas algumas das idéias mais fecundas deConstant, como aquela do seu célebre confronto entre a liberdade dos Antigos e a dosModernos, levam consigo esse confronto" [Todorov, 1997b: 6].

Um libertário de tempo integral. A atualidade de Constant justamente decorre dessasua defesa incondicional da liberdade contra o estatismo. A propósito deste aspecto, escreve

Page 34: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

34

Todorov [1997a: 16-17]: "A teoria constantiniana da limitação do poder representa a últimaetapa antes do anarquismo. O salário estatal se converte no mínimo possível antes da suaextinção. Os únicos domínios que o autor reconhece à autoridade pública são a segurança(exército), a ordem (polícia) e os recursos necessários para pagar essas duas funções vitais(impostos). O exército e a polícia devem, por sua vez, serem reduzidos, para evitar que sepossam converter no instrumento do abuso estatizante. Constant enxerga no Estado umaespécie de hidra cujas cabeças, tão logo são cortadas, ressurgem com mais força ainda; opoder segue por uma pendente natural em direção ao seu alargamento infinito e prejudicial.A metáfora da torrente é recorrente, contra a qual os diques e os tapumes nunca serãoresistentes o bastante, segundo o autor. Que barreiras suficientemente sólidas podem serprevistas contra o agigantamento da onda estatizante? Constant responde: a opinião e asgarantias constitucionais. Quanto mais limitada for a parte do poder, mais fácil é o seucontrole, mais eficaz também o peso da opinião. Isso pode parecer ridículo, mas Constanttem, por assim dizê-lo, fé na força das idéias e, conseqüentemente, do escritor comoeminência parda do poder".

O jovem Constant de Rebecque trabalhou durante vários anos como funcionário dacorte do duque de Brunswick. Casou com uma jovem pertencente a essa nobre família,Minna von Cramm, tendo-se divorciado dela em 1793. Trasladou-se a seguir a Lausanneonde conheceu, em 1794, Madame de Staël, com quem teve, nos anos seguintes, umaintensa relação amorosa que em muito influenciou o seu pensamento político e da qualnasceu uma filha, Albertine, em 1797. O nosso autor acompanhou Madame de Staël a Paris,onde publicou o ensaio intitulado De la force du gouvernement actuel de la France et dela nécessité de s'y rallier. Tratava-se de uma declaração de apoio ao Diretório, motivo peloqual o mencionado escrito foi inserido na publicação oficial do governo francês, oMoniteur. Constant estabeleceu contatos com políticos importantes como Riouffe, Chénier,Daunou e Louvet, não tendo seguido, no entanto, a orientação deles. Pertencia ao círculo deMadame de Staël, o denominado "Clube do Hotel de Salm", do qual formavam partetambém figuras como Talleyrand, o abade Sieyès e outros políticos que professavam ideaismoderados, favoráveis ao estabelecimento na França da monarquia constitucional,inspirada no modelo inglês. Dessa época datam alguns escritos combativos: Des réactionspolitiques e Des effets de la Terreur. Estes opúsculos foram reunidos, posteriormente, em1829, numa única publicação que levou o título de Mélanges littéraires et politiques.

Secretário do "Clube de Salm", o nosso autor converteu-se logo num dos maisimportantes expoentes dessa associação. Constant de Rebecque e os seus amigos aprovaramo golpe de estado do 18 Fructidor, que deitou por terra a instituição monárquica.Naturalizou-se francês em virtude da lei de 15 de dezembro de 1790, que reconhecia osdireitos civis aos protestantes expulsos da França por motivos religiosos. Após algumastentativas mal sucedidas, o nosso autor elegeu-se para o Corpo Legislativo, tendoingressado nele depois do golpe de estado de 18 Brumário, que guindou Bonaparte aopoder como primeiro Cônsul. Indisposto com este em decorrência da oposição queConstant lhe fazia dentro do governo, foi demitido em 1802 do cargo de tribuno (ao qualtinha ascendido recentemente, em virtude da influência de Madame de Staël sobre o novoregime). O "Clube de Salm" converteu-se, a partir desse momento, no refúgio para osopositores ao militarismo bonapartista em ascensão. Ali encontraram acolhida atores

Page 35: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

35

políticos de diversas tendências contrárias ao establishment, como os antigos monarquistasconstitucionais, Narbonne, de Broglie, Barante e Jaucourt.

O "Clube de Salm" terminou sendo fechado por ordem de Napoleão e Constant foibanido junto com Madame de Staël. O nosso autor tinha publicado recentemente o ensaiointitulado Suites de la contre-révolution de 1660 en Anglaterre. Constant de Rebecquepartiu com a sua amiga para a Alemanha e fixou residência na corte de Weimar, onde tevetempo e tranqüilidade suficientes para se ocupar da tradução do Wallenstein de Schiller,bem como da escrita da obra que o nosso pensador acalentava há anos, De la réligionconsidérée dans sa source, ses formes et ses développements. A relação amorosa deConstant com Madame de Staël terminou quando ela decidiu voltar ao castelo de Coppet,na Suíça. Em 1808 o nosso autor casou com uma parente do príncipe de Hardenberg,Charlotte, com a qual viveu tranqüilamente em Gottingen. Do período do seu exílio, que seestende até 1814 (quando regressou à França em companhia de Bernardotte, de quem tinhase tornado amigo), datam as seguintes obras: o seu romance Adolphe, duas autobiografiasintituladas Journal Intime e Ma Vie (denominada esta última de Le Cahier rouge), a sátiraque levou o título de Florestan ou le sage des soissons e o ensaio intitulado De l'esprit deconquête et de l'usurpation dans leurs rapports avec la civilisation européenne, de 1813,que constitui sem dúvida a sua mais importante obra do período e que conheceu sucessoimediato ao mostrar, de forma clara, o perigo de aplicar o regime militar para solucionarquestões civis, bem como a impossibilidade de dar alicerces sólidos a um governo fundadona conquista. Tratava-se, sem dúvida, de uma crítica radical ao bonapartismo, que tinhasemeado a insegurança pela Europa afora, tendo mudado as fronteiras políticas depraticamente todos os países por onde passaram as tropas napoleônicas.

Constant de Rebecque tornou-se figura central da política em Paris, após a saída deBonaparte do poder. Em maio de 1814, o nosso autor defendeu a indicação do amigoBernardotte como regente e publicou as suas Réflexions sur les Constitutions.Contrariamente às expectativas de Constant e seus amigos, Luís XVIII assumiu a coroa nadenominada Restauração e outorgou a Carta Constitucional de 4 de junho de 1814, na qualforam inseridas as reivindicações liberais mínimas veiculadas pela burguesia. O prestigiosoJournal des Débats abriu as suas páginas ao nosso autor que, em rápida cambalhotapolítica, passou a defender a causa dos Bourbons, em artigos memoráveis. Na véspera doretorno de Napoleão à capital francesa (em 19 de março de 1815), Constant publicou nessejornal violenta filípica contra o "usurpador", que era caracterizado como "esse homemtingido de sangue, mais odioso do que Átila" e prometia jamais se juntar a ele. No diaseguinte, o "usurpador" entrou nas Tuilleries e rapidamente o nosso autor, que já tinhaprovidenciado um passaporte para América, mudou de idéia e aceitou o convite deBonaparte para se tornar conselheiro de Estado. O imperador buscava um ponto de apoiono Partido Liberal, ao qual pertencia Constant. Fazendo gala de paradoxal pragmatismoescreveu, a pedido de Bonaparte, o famoso Acte aditionnel aux Constitutions de l'Empire,que constituiu a base da obra conhecida com o título de Principes de Politique, publicadaem 1º de junho de 1815. A respeito das idas e vindas do nosso autor no conturbado cenárioda política francesa de então, escreveu Larousse [1865: 1017] com uma ponta de ironia:"Essa foi uma das mil cenas da grande comédia que encenaram perante o mundo a maiorparte dos homens públicos e os dignitários da época".

Page 36: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

36

Em que pese as agitadas circunstâncias em que foi escrito, o livro Principes dePolitique foi considerado pela crítica posterior, junto com De l'esprit de conquête et del'usurpation, como uma das obras principais de Constant. Eis o que escrevia, em 1872,Édouard Laboulaye: "Os Princípios de Política, publicados em 1815, (...) têm um duplomérito: de um lado, é a exposição mais completa das idéias do autor; de outro, é a provamais clara da continuidade dessas idéias. O conselheiro de Estado imperial fala da liberdadecomo o escritor independente de 1814 e de 1820. Uma coleção dos panfletos de BenjaminConstant em que faltem esses dois ensaios, não possui verdadeiramente nenhum valor"[Laboulaye, 1872: vol. I, V].

Pouco antes da sua morte, o nosso autor pronunciou o que talvez tenha sido o seuúltimo discurso na Câmara, em 13 de setembro desse ano. O tema, a liberdade de imprensa,resumia os seus ideais liberais, acalentados ao longo da vida. Eis as suas palavras:"Senhores, seria inútil destacar, perante homens tão esclarecidos quanto vós, a influênciasalutar da imprensa. Ela tem sido, ao longo dos últimos dezesseis anos, a nossa únicagarantia contra um governo opressor (quando podia sê-lo), ou hipócrita (quando não ousavaser opressor). Quando numa Câmara, triste produto de eleições fraudulentas, uma minoriainsignificante defendia os direitos da nação, a imprensa, deixada livre por não sei quefatuidade inconseqüente de um ministro presunçoso, foi a nossa única salvaguarda. Elatransmitiu as sãs doutrinas até o momento em que a França soube aproveitar umaimprudência inexplicável para quebrar os grilhões por meio de eleições novas. Enfim,depois do ultraje de 8 de agosto, a imprensa foi a única que livrou o combate à morte contraum poder armado de fraude e maquinador do assassinato. E quando os dias de perigopassaram, foi ainda a imprensa que nos precedeu no campo de batalha, atraindo sobre ela,antes que sobre nós, a proscrição e a morte. Ao seu apelo, o povo tem-se armado. Seguindoo povo nós viemos, e a imprensa, o povo e nós temos, em virtude de um triunfo miraculoso,derrotado a tirania. Se nos dermos conta do que é a imprensa, encontraremos este simplescaminho: ela é a palavra alargada, é o meio de comunicação no seio do grande número,assim como a palavra é o meio de comunicação entre alguns. Ora, a palavra é o veículo dainteligência e a inteligência é a soberana do mundo material. Tais vantagens colocam-napor cima de quaisquer desvantagens. É necessário, sem dúvida, diminuir os possíveisinconvenientes por meio de boas leis. Mas não se deve jamais sacrificar a imprensa, sem aqual uma nação não é mais do que um agregado de escravos. Com a imprensa, há desordemàs vezes. Sem a imprensa, sempre há escravidão. E nessa servidão também há desordem,pois o poder ilimitado vira louco" [apud Larousse, 1865: 1017].

Constant de Rebecque considerava que a única forma de dar estabilidade política àFrança pós-revolucionária consistiria em organizar a representação em duas Câmaras queespelhassem os interesses da sociedade, uma Câmara alta, a dos Pares, representativa danobreza e que serviria de ponte com o trono, e uma Câmara baixa, a dos interessespopulares. De outro lado, o nosso autor cuidava de imaginar, em detalhes, a forma em quedeveria se proceder a organizar territorialmente os distritos eleitorais, a fim de atrelar arepresentação a circunscrições em que os cidadãos se sentissem representados. Boa parte daobra Princípios de Política é dedicada a esse debate. Constant defendia o voto direto,porquanto somente a partir dele poderiam surgir autoridades com peso moral,profundamente "enraizadas na opinião" [Constant, 1970: 42].

Page 37: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

37

A grande vantagem do sistema representativo, considerava Constant, consistia emque possibilitava a aproximação entre as diferentes classes sociais, impedindo o surgimentode odiosas oligarquias. A respeito, o nosso autor frisava que uma das grandes vantagens dogoverno representativo consistia em que estabelecia "relações freqüentes entre as diversasclasses da sociedade". Ora, essa vantagem somente poderia ser conseguida mediante aseleições diretas. "Esse tipo de eleição, frisava Constant, exige que as classes poderosas seinteressem constantemente pelas classes inferiores. Obriga à riqueza a dissimular a suaarrogância e ao poder a moderar a sua ação, fazendo do sufrágio do grupo menos opulentodos proprietários uma recompensa para a justiça e para a bondade, um castigo para aopressão. Não se deve renunciar gratuitamente a esse instrumento cotidiano de felicidade ede harmonia, nem menosprezar tal causa de beneficência, que não sendo, no início, mais doque um cálculo, logo se converte numa virtude habitual" [Constant, 1970: 48].

Em relação à França pós-revolucionária, Constant registrava, com as seguintespalavras, a precária situação em que ficou o país após o ciclo das conquistas napoleônicas:"Numerosos exércitos levantam-se contra nós. Tanto os povos quanto os seus chefesparecem cegos pelas suas lembranças. Os restos do espírito nacionalista que os animava hádois anos, tinge ainda com certo aspecto nacional o esforço que deles se exige" [Constant,1970: 4]. Ora, arrazoava o nosso autor, a França só queria, nesse momento, se organizarpacificamente ao redor do monarca por ela escolhido e com o governo que ela queria sedar, como tinham feito as modernas nações européias. "Hoje, - afirmava - já não é a suaprópria pátria que esses povos defendem; atacam uma nação fechada nas suas fronteiras eque não quer ultrapassá-las, uma nação que só reclama a sua independência interior e odireito a se dar o seu próprio governo, como a Alemanha o tem feito ao eleger Rodolfo deHabsburgo, Inglaterra ao chamar a casa de Brunswick, Portugal ao dar a coroa ao duque deBragança, Suécia ao eleger Gustavo Vasa; numa palavra, da mesma forma que todas asnações européias têm exercido (esse direito) numa determinada época, geralmente a maisgloriosa da sua história" [Constant, 1970: 4].

Parte da animosidade das nações européias contra a França, no sentir de Constant,decorria da profunda alteração que a Revolução de 1789 ensejou nos hábitos políticos,fazendo afundar o Ancien Régime, cujas sombras ainda pairavam nos céus de algumasdelas. A respeito desse aspecto, escrevia: "Na verdade, os nossos inimigos têm poucamemória. A linguagem que de novo utilizam derrubou os seus tronos há vinte e três anos.Então como agora, atacavam-nos porque queríamos ter um governo nosso, porque tínhamoslibertado do dízimo o camponês, da intolerância o protestante, da censura o pensamento, daprisão e do exílio arbitrários o cidadão, dos ultrajes dos privilegiados o plebeu" [Constant,1970: 5]. O nosso pensador deixava clara a sua inspiração liberal, mas ao mesmo tempodestacava-se como um patriota, defensor dos interesses de seu país no contextointernacional. Patriotismo e liberalismo, duas notas que aparecem no ideário desteprecursor dos doutrinários, e que serão também leitmotivs de doutrinários como Guizot edos liberais que prolongaram essa tradição de reflexão-ação na cultura política francesa,como Tocqueville e Aron.

O nosso pensador considerava que só havia dois poderes: a força (ilegítimo) e avontade geral (legítimo). Era fundamental conceber de forma correta a natureza destaúltima, a fim de determinar de forma clara a abrangência da mesma. Se isso não fosse feito,

Page 38: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

38

a tentativa de defesa da liberdade poderia simplesmente suprimi-la. A propósito, escreviaConstant: "O reconhecimento abstrato da soberania do povo não aumenta em nada a somade liberdade dos indivíduos, e se lhe for atribuída uma abrangência indevida, pode-seperder a liberdade apesar e contra esse mesmo princípio" [Constant, 1970: 8].

A delimitação da soberania, pensava Constant, não podia ficar nas mãos dos queexercem o poder, pois a tendência de todo governo constituído é a sua auto-preservação. Asoberania, portanto, deve ser limitada desde fora do poder pela própria sociedade. Ora, asoberania jamais pode ser entendida como ilimitada. Esse era, para o nosso pensador, ogrande defeito dos que a criticavam no Ancien Régime, identificando-a com o absolutismomonárquico. Foram atacados os reis, mas não a fonte do despotismo, que radicava naconcepção inadequada de soberania, como algo sem limites. Assim, o absolutismo de umou de poucos foi substituído pelo de muitos, sem que mudasse a forma de se entender asoberania. O nosso autor deixou clara a forma limitada em que entendia a soberania, com asseguintes palavras: "Numa sociedade fundada na soberania do povo, é evidente quenenhum indivíduo, classe nenhuma, tem o direito a submeter o resto à sua vontadeparticular; mas é falso que a sociedade, no seu conjunto, possua sobre os membros umasoberania sem limites" [Constant, 1970: 9].

A soberania deve ser limitada em si mesma. Ela abarca parcialmente o ser doscidadãos, ficando do lado de fora da mesma o que diga relação à independência e àexistência do indivíduo. Ultrapassar esse limite torna a soberania ilegítima. Nem interessase esse abuso é cometido por uma pessoa, um grupo, ou a maioria dos homens nasociedade. Será sempre algo ilegítimo. A respeito, frisava Constant: "O assentimento damaioria não basta em todos os casos para legitimar os seus atos; há atos que é impossívelsancionar. Quando uma autoridade pratica atos semelhantes, não importa a fonte da quepretenda provir, não importa que se chame indivíduo ou nação. Faltar-lhe-ia legitimidade,mesmo se tratando de toda a nação e havendo um único cidadão oprimido" [Constant,1970: 10].

O grosseiro erro de Rousseau consistiu, frisava Constant, em ter imaginado umaVontade Geral como poder ilimitado, que terminava sacrificando, em nome da democracia,a liberdade que pretendera defender. O filósofo de Genebra, considerava o nosso pensador,ignorou esta simples verdade: "o assentimento da maioria não basta (...) para legitimar osseus atos". Vale a pena citar completa a crítica efetivada por Constant ao democratismorousseauniano, pois ela servirá de base para as que serão levantadas no seio do liberalismofrancês, no decorrer do século XIX (com Guizot, Tocqueville e outros) e ainda no séculoXX (com Aron, Peyreffitte, Revel, etc.).

Poderíamos terminar a exposição deste item destacando um aspecto dialético nopensamento de Constant sobre a soberania: esta deve contemplar, ao mesmo tempo, osindivíduos e a coletividade, tentando estabelecer um liame entre a defesa dos interessesindividuais e o interesse público. Difícil conciliação. Mas essa constitui a essência, paraConstant, da vida democrática. Em relação a este aspecto, escreve Todorov: "Constant, dasua parte, endereça ao poder uma dupla exigência: ele deve ser legitimado tanto pela suainstituição como pelo seu exercício. O povo permanecerá soberano; qualquer outraalternativa levaria a se submeter simplesmente à força; mas o seu poder será limitado: deve

Page 39: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

39

se deter nas fronteiras do indivíduo que será, no seu foro íntimo, o único soberano. Umaparte da sua existência submeter-se-á ao poder público; uma outra permanecerá livre. Nãose pode pois regulamentar a vida em sociedade em nome de um princípio único; o bem-estar da coletividade não coincide forçosamente com o do indivíduo. O melhor regime nãose satisfaz somente nem com a democracia, nem com o princípio liberal que exige aproteção do indivíduo. Ele deve reunir essas duas condições: essa é pois a democracialiberal. O equilíbrio é difícil, e é por isso que o pensamento de Constant permanece sempreatual: o Estado moderno mesmo é constantemente tentado a usurpar a liberdade dosindivíduos" [Todorov, 1997b: 7].

Para Constant, era necessário que houvesse, na estruturação do Estado, um poderneutro. A razão para postular esse poder radicava na imperfeição humana. A propósito,frisava: "Dado que os homens não obedecem sempre ao seu interesse bem compreendido, énecessário ter a precaução de que o chefe do Estado não possa substituir na sua ação osoutros poderes. Nisso radica a diferença entre a monarquia absoluta e a constitucional"[Constant, 1970: 20].

Ora, seguindo a lição do seu mestre Necker, Constant considerava que essa funçãode caráter moderador deveria corresponder ao monarca. "A monarquia constitucional temesse poder neutral na pessoa do chefe do Estado. O verdadeiro interesse de tal chefia nãoconsiste, de maneira nenhuma, em que um dos poderes destrua o outro, mas em que todosse apóiem, se entendam e ajam de acordo" [Constant, 1970: 20]. Levando em consideraçãoa prática da monarquia constitucional na Inglaterra, Constant achava que a função real era,nesse contexto, eminentemente moderadora. A respeito, escrevia: "Na Inglaterra, não podese fazer lei nenhuma sem o concurso da câmara hereditária e da câmara eletiva. Não podeser executado ato nenhum sem a assinatura de um ministro, nem ser proferida sentençanenhuma sem o concurso exclusivo de tribunais independentes. Mas uma vez que se tomoua precaução de que falo, vejamos de que forma a Constituição inglesa faz uso do poder realpara pôr fim a toda luta perigosa e restabelecer a harmonia entre os demais poderes. Se aação do poder executivo resultar perigosa, o rei destitui os ministros. Se a da câmarahereditária resultar funesta, o rei imprime-lhe uma nova tendência mediante a instituição denovos pares. Se a da câmara eletiva se apresentar ameaçadora, o rei faz uso de seu veto, oudissolve essa câmara. Enfim, se a própria atividade do poder judiciário se mostrar acintosa,pelo fato de aplicar a atos individuais penas gerais demasiadamente duras, o rei a moderamediante o exercício de seu direito de graça" [Constant, 1970: 20].

3) A crítica de Madame de Staël (1766-1817) ao absolutismo napoleônico

A variável política, para Madame de Staël, era suscetível de duas abordagens:intuitiva e racional. O ponto de partida seria o primeiro. A nossa autora acreditava numaespécie de "lógica emocional" que lhe possibilitaria pressentir o rumo dos acontecimentos.Seria uma espécie de inteligência sentiente, à maneira zubiriana. A nossa autora vinculavaessa modalidade de conhecimento ao senso comum da filosofia escocesa. Eis o queafirmava em Dix années d'exil (obra escrita por Madame de Staël entre 1803 e 1813),quando se aproximava a guinada napoleônica rumo ao absolutismo imperial: "Eu estava nacasa do meu pai em Coppet, quando soube que o general Bonaparte tinha passado em Lyonregressando do Egito, e que tinha sido acolhido com entusiasmo. Experimentei nessa

Page 40: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

40

notícia uma impressão de dor que me faria crer nesse instinto do futuro, nessa segunda viade que falam os Escoceses, e que não pode ser mais do que a luz do sentimento,independente daquela do raciocínio" [Staël, 1996: 67].

Esse sentimento, que crescia com o passar do tempo, era o de uma tirania à espreita,que se aproximava passo a passo, galgando progressivamente o poder e ameaçando aliberdade e a dignidade moral. A respeito, escrevia a nossa autora: "Como jamais conseguipensar em nenhum interesse político desvinculado do amor à liberdade, cada dia eu estavamais aflita com a revolução de 18 Brumário, cada dia eu apreendia mais um traço dearrogância ou de astúcia naquele que se apossava gradualmente do poder. Pensava comigomesma para tentar combater, na medida do possível, o sentimento que me dominava, masele renascia sempre, apesar de mim. Eu via se aproximar a tirania ora a passos de lobo, oracom a cabeça erguida, mas parecia-me que de uma hora para outra estaríamos maisoprimidos e que bem cedo toda a vida moral estaria encadeada" [Staël, 1996: 75].

Incomodava particularmente a Madame de Staël a retórica bonapartista, compostapor um discurso populista alicerçado na ameaça das armas. A Revolução de 1789 tinhanivelado a Nação francesa, quebrando os elos entre as antigas ordens, e era mais fácil agoraao futuro amo da Europa tomar posse daquela. Em relação a esse ponto, a nossa autoraescrevia: "A Revolução tinha feito tabula rasa em face de Bonaparte e ele só tinharaciocínios para combater, espécie de arma com a qual ele se sentia muito à vontade e àqual ele opunha, quando lhe convinha, uma espécie de imbróglio veemente, que pareciamuito lúcido com o auxílio das baionetas, nas quais ele poderia se apoiar" [Staël, 1996: 76].

Não deixava de destacar Madame de Staël a responsabilidade dos teóricos liberaistradicionais, como o abade Sieyès, autor do famoso panfleto que fez deslanchar omovimento revolucionário de 1789, intitulado: Qu'est-ce que le Tiers État? (O que é oTerceiro Estado?) [cf. Sieyès, 1973]. Ora, eles seriam os diretos responsáveis pelaascensão napoleônica, tendo lhe servido pronto o arrazoado de que o general e futuroPrimeiro Cônsul necessitava para se firmar no poder absoluto. Em relação a este ponto,escrevia a nossa autora: "O general Bonaparte tomou bem rápido do sistema de Sieyèsaquilo de que ele precisava, ou seja, a anulação da eleição de deputados pela nação. Sieyèstinha imaginado listas de elegíveis, nas quais o Senado poderia escolher os representantesdo povo, sob o nome de tribunos e legisladores. Sem dúvida, Sieyès não tinha pensadonessas instituições para estabelecer a tirania na França. Ele tinha oposto contrapesos quepoderiam talvez fazê-la balançar, mas Bonaparte, sem se incomodar com os contrapesos,apoderou-se da palavra decisiva: nada de eleição. A metafísica de Sieyès servia de véu, oumelhor de cortina de fumaça para ocultar a força positiva que Bonaparte queria adquirir.Sieyès tinha dito: nada de eleição. Não era pois o militar, mas o filósofo mesmo quecondenava esse direito, o único com ajuda do qual podemos fazer entrar a opinião públicano governo. São as águas novas que vivificam este, enquanto que os corpos permanentes seassemelham aos estanques cujas águas estagnadas podem mais facilmente seremcorrompidas. É preciso numa monarquia e talvez numa república também, que hajamagistrados hereditários, sábios vitalícios, toda uma aristocracia conservadora, mas umaparte do governo, aquela que aprova os impostos, deve emanar diretamente da nação"[Staël, 1996: 76-77].

Page 41: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

41

Chateaubriand sintetizou as críticas que um intelectual independente poderiaendereçar ao regime de Napoleão: ele governava para a sua glória, não para o seu povo. Asua administração só se preocupava com números, não com pessoas. Bonaparte teria sido,talvez, a primeira encarnação do tecnocrata frio, misturado ao guerreiro implacável. Apropósito, frisava Chateaubriand: "A administração de Bonaparte tem sido elogiada: se aadministração consiste em números, se para bem governar é suficiente saber quanto trigo,quanto vinho, quanto azeite produz uma província, qual é o último cêntimo que pode serroubado, o último homem que pode ser preso, certamente Bonaparte era um excelenteadministrador. É impossível organizar melhor o mal, colocar mais ordem na desordem. Masse a melhor administração é a que deixa o povo em paz, que alimenta nele sentimentos dejustiça e de compaixão, que é zelosa em preservar o sangue dos homens, que respeita osdireitos dos cidadãos, as propriedades e as famílias, certamente o governo de Bonaparte erao pior de todos os governos" [Chateaubriand, 1966: 76].

De forma semelhante a Chateaubriand, Madame de Staël reconhecia um únicoponto positivo na administração napoleônica: aumentou as riquezas da França. Mas afinalidade é que era ruim: para melhor se apossar do que era de todos! A respeito, escreviaa nossa autora: "O que havia de evidente era, de longe, a melhora das finanças e a ordemrestabelecida em muitas áreas da administração. Napoleão era obrigado a passar pelo bemda nação para chegar à desgraça dela. Era preciso que ele juntasse as forças da nação a fimde melhor se servir delas para a sua ambição pessoal" [Staël, 1996: 101]. De positivo odéspota só tinha a aparência. Se buscava acrescer a riqueza da França era para melhorroubar os cidadãos mediante o confisco e os impostos esmagadores. A sua norma decomportamento era a negação da moral e se pautava unicamente pela vontade de poderesmagando a dignidade das pessoas. "O seu grande talento consiste em amedrontar osfracos e tirar proveito dos homens imorais. Quando ele encontra a honestidade em algumlugar, poder-se-ia dizer que os seus artifícios sofrem um grande desconcerto, como quandoo diabo é derrotado nas suas maquinações mediante o signo da cruz" [Staël, 1996: 99].

A estratégia bonapartista para a conquista total do poder seguiu esse imperativo deutilizar a fraqueza ou a falta de caráter dos outros. Isso se manifestou na forma em queBonaparte dominou, durante o Consulado, os dois colegas que junto com ele exerciam opoder, os Cônsules Cambacérès e Lebrun. A propósito da forma como cooptou o primeiro,escrevia Madame de Staël, salientando, outrossim, a engenhosidade do déspota, queconseguia pôr a seu serviço a inteligência alheia: "Ele escolheu com sagacidade notável osdois cônsules que lhe tinham sido dados de presente para mascarar a sua unidade despótica.Um, Cambacérès, tinha aprendido a se submeter durante a Convenção. Jurisconsulto denotável erudição, tinha redigido os decretos arbitrários dos facciosos de forma tãometódica, como se tivesse a pretensão de consolidar a código mais justo e amadurecido.Disse-me um dia: Quando foi proposto na Convenção o estabelecimento do Tribunalrevolucionário, vi em seguida os males que daí decorreriam e no entanto o decreto foiaprovado por unanimidade. Ele era então membro da Convenção e contribuiu com o seusufrágio para essa mesma unanimidade (...). Bonaparte o identificou em seguida como oseu colega de trapaças e como o seu instrumento apropriado. Tudo quanto ele buscava enão cessou de buscar nos homens, é o talento e a ausência de caráter" [Staël, 1996: 77-78].

Page 42: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

42

Uma vez submetidos os mais diretos colaboradores na cúpula do poder, só restavaao déspota escravizar o resto da Nação. Como? De forma semelhante a como Max Weberconsiderava que se reforça o poder do governante nos Estados patrimoniais: destruindosistematicamente todo sentimento de dignidade presente na sociedade. A respeito, escreviaMadame de Staël: "O exército político de Bonaparte compunha-se de trânsfugas dos doispartidos. Uns lhe sacrificavam as suas obrigações para com a família dos Bourbons e osoutros o seu amor à liberdade. Em todos os casos, não deveria estar presente em seu reinadouma forma independente de pensar, pois ele podia ser o rei dos interesses, mas jamais o dasopiniões e, pela sua situação assim como pelo seu caráter, ele sufocava ao mesmo tempotudo que houvesse de nobre na realeza e na república, pois aviltava ao mesmo tempo nobrese cidadãos. Quando todo o seu estabelecimento constitucional foi completado, um grandehomem pronunciou acerca dessa ordem de coisas uma dessas palavras que ecoam pelosséculos afora: É uma monarquia - frisou Pitt - à qual só faltam a legitimidade e os limites.Ele poderia adicionar que não havia monarquia verdadeiramente legítima senão aquela quetem limites" [Staël, 1996: 78-79].

Madame de Staël considerava que Napoleão desenvolvera uma estratégiaverdadeiramente moderna - forma mais agressiva de maquiavelismo - tendo dado ensejo aum processo que contava com cinco variáveis: A - cênica ou estetizante (em que odespotismo montava o seu próprio palco, que realçava as figuras que aceitassem aparecercomo atores a serviço do tirano), B - cultural (que tinha como finalidade o controle sobre aopinião pública, mediante o amordaçamento da imprensa e a censura sobre as publicações),C - política (mediante o terror policial que esmagava qualquer resistência civil), D -religiosa (mediante a submissão da estrutura da Igreja aos seus anseios absolutistas), E -imperial (através da submissão imposta às nações estrangeiras, mediante as guerras deconquista). Essas cinco variáveis foram estudadas por Madame de Staël na sua obra Dixannées d'exil. A nossa autora ergue-se assim, como precursora da obra de Aléxis deTocqueville, na parte que corresponde à análise crítica do absolutismo (que o autor de De ladémocratie en Amérique desenvolveu na sua última obra L'Ancien Régime et laRévolution). Destaquemos apenas alguns exemplos de cada uma das variáveis apontadas.

A - Variável cênica ou estetizante.- A nossa autora considerava que o despotismonapoleônico inseriu-se no complexo cultural estetizante que já existia no imagináriofrancês, tornando os atores políticos comediantes que desempenhavam uma função nopalco. O segredo da teatralidade bonapartista consistiu em democratizar as expectativas deter intimidade com o poder, no sentido de que cada cidadão poder-se-ia considerar apto aser confidente do déspota. A respeito dessa manobra culturológica, escrevia Madame deStaël: “Eram distribuídos folhetos nos quais se dizia que Bonaparte não queria ser nemMonk, nem Cromwell, nem sequer César, porque esses eram, afirmava-se, papéis járepresentados, como se os acontecimentos deste mundo pudessem ser consideradosassuntos de tragédia que não é preciso imitar dos antepassados. Mas o que interessava nãoera persuadir realmente, mas sugerir àqueles que queriam ser enganados uma frase quepudessem repetir a qualquer um. A doutrina de Maquiavel fez tais progressos na Françadepois de um certo tempo, que toda a vaidade francesa se transporta ao terreno dahabilidade política. Pode-se colocar a nação toda inteira, por assim dizer, no segredo dacomédia: ela sentir-se-á orgulhosa de se sentir confidente. Um cabeleireiro dizia, quandoBonaparte tratava com o Papa: Eu não acredito em nada, mas é necessária a religião para

Page 43: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

43

o povo. Cada indivíduo goza ao se considerar parte do embuste que é feito a todos” [Staël,1996: 80].

B - Variável cultural.- Bonaparte pôs em execução uma sistemática política decensura à imprensa e às obras literárias. O peso da repressão desabava, impiedoso, sobretodo aquele que ousasse transgredir, ou seja, esboçar uma crítica ao déspota e aos seusrepresentantes. Madame de Staël sofreu em carne própria essa repressão, ao publicar o seulivro De L’Allemagne. O ditador sabia que a obra da nossa autora não se limitava ao estudoespeculativo do pensamento alemão. O significado desta era muito mais profundo. Se aalma das nações é a sua cultura, uma obra acerca da cultura alemã significava que odéspota, ao invadir os principados ao norte do Reno, não tinha conseguido submeter oespírito altivo desse povo. Daí a sanha com que a polícia do Imperador destruiu, em 1810, amencionada obra de Madame de Staël. Em relação à censura imposta à imprensa, escrevia anossa autora: “O grande número de jornais que existia na França foi reduzido, de ummomento a outro, a quatorze por uma simples portaria do Conselho de Estado e, a partir deentão, estabeleceu-se esse poder terrível das folhas periódicas que repetiam todas a mesmacoisa cada dia e que não sofriam a mais mínima sombra de crítica de nenhum gênero. Adescoberta da imprensa passava como a salvaguarda da liberdade, posto que até entãojamais tinha sido vista a serviço da autoridade de um déspota. Mas, assim como as tropasregulares têm sido bem menos favoráveis que as milícias à independência européia, serianecessário lamentar a descoberta da imprensa, se daí se seguissem a subserviência dosjornais e a vigência do princípio de que os jornalistas deveriam ser empregados e pagospelo governo” [Staël, 1996: 82]. O Imperador antecipou-se, aliás, aos grandescomunicadores do século XX, ao encarar a nação como massa que poderia ser formatada deacordo com as informações (certas ou erradas, pouco importava), que lhe fossem repetidasdia e noite. Certamente Bonaparte ficaria ao lado de Goebbels nessa empresa, como oprecursor deste. A respeito deste ponto escreveu a nossa autora: “O sistema de Bonaparteera avançar mês a mês, passo a passo, na carreira do poder. Ele fazia espalhar comestardalhaço decisões que gostaria de tomar, a fim de sondar e ir preparando desse modo aopinião. De ordinário, preferia que se carregasse as tintas nas decisões que pretendia tomar,a fim de que, quando estas se tornassem concretas, aparecessem como mais brandas aopúblico do que se temia” [Staël, 1996: 100].

C - Variável política.- O terror policial foi a grande arma de que Bonaparte fez usopara quebrar os laços de solidariedade na França e assim governar absolutamente, semnenhuma oposição. A nobreza recebeu um recado quando o Imperador mandou fuzilar, semprévio aviso, o duque de Enghien, um dos mais tradicionais representantes da aristocracia.O longo exílio a que foi submetida nossa autora foi, de outro lado, uma advertência aosintelectuais provenientes da burguesia. Se a filha de um ministro que foi adorado pelo povopodia ser banida, ninguém no meio intelectual estaria seguro! A respeito do despotismosem limites que se abateu sobre os franceses no período napoleônico, escreveu Madame deStaël: “Os mais pobres como os mais ricos, os mais desconhecidos como os mais célebres,as mulheres, as crianças, os velhos, os sacerdotes, os conscritos tinham alguma coisa apedir ao novo governo e essa alguma coisa era a vida, pois não se tratava de dizer: Eurenunciarei em favor de um déspota. Mas era necessário se resolver a jamais rever a pátria,a não achar a menor parte das suas posses, se alguém caísse na desgraça do governo, quetinha se reservado o direito de traçar a sorte de cada um, ou de quase todos os habitantes da

Page 44: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

44

França. Essa situação escusa muito a nação, parece-me, mas ela coloca a nu o torpecomportamento desses magistrados que, para conservar o seu cargo, entregaram o destinode todos os seus concidadãos ao Primeiro Cônsul” [Staël, 1996: 81].

D - Variável religiosa.- Neste terreno, como, aliás, no concernente à vida política, aestratégia napoleônica consistiu em ir lentamente colocando a religião na órbita do podertemporal. Ao ensejo da negociação da Concordata que se seguiu à Constituição de 1800, oPrimeiro Cônsul simplesmente iniciou um processo de cooptação da religião católica, quepassou a girar ao redor dele como mais um sustentáculo do seu poder absoluto. Se dizendocatólico, fez, no entanto com que a religião passasse a lhe servir. Já no ato de coroação doPrimeiro Cônsul como Imperador dos Franceses em 1804 ficou clara essa dimensão decooptação do elemento religioso, quando na basílica, na cerimônia religiosa que o sagraria,tirou a coroa das mãos do Papa e a colocou na própria testa. A propósito dessa cooptação,escreveu a nossa autora: “A religião tinha ficado na França numa grande anarquia depois daRevolução. O partido revolucionário a considerava como destruída. O partido aristocráticoa adotava como bandeira e, o que era mais importante, um grande número de pessoasesclarecidas e golpeadas pelas desgraças da Revolução buscavam reacender os raios da fénos seus corações.. O Primeiro Cônsul, que jamais deixou de considerar nenhuma coisadeste mundo senão em relação a ele, examinou a religião do ponto de vista da autoridadeque ela poderia lhe dar e sobretudo do obstáculo que ela poderia oferecer, se ele não seimpusesse para sufocar qualquer entusiasmo que ela pudesse fazer nascer. Ele começoupois a negociação dessa Concordata que deveria socavar lentamente toda religião sinceraentre os homens. Ele percorria neste terreno o mesmo caminho que seguiu em relação aosreinos que ele quis arruinar. Não os destruiu como poderia fazê-lo, mas deixou cravado omachado na árvore, a fim de fazê-los morrer com o passar do tempo. Exatamente issoaconteceu com a religião da forma como ela foi restabelecida pela Concordata. Eralembrada a ordem nas práticas religiosas como se se tratasse de um negócio maladministrado. Mas o princípio da religião, ou seja, a sua independência em face do podertemporal, era atacado radicalmente” [Staël, 1996: 334-335].

E - Variável imperial.- O projeto napoleônico foi o de unificar toda a Europa aoseu redor, exercendo sobre os vários países submetidos uma autoridade de ferro queimpedia a expressão das liberdades ou a manifestação das culturas nacionais. Daí aagressividade do Primeiro Cônsul e logo do Imperador, em relação a uma mulher escritoraque ousava desafiá-lo no seu poder tirânico, escarafunchando nas fontes da culturaelementos que poderiam fazer pensar na vitalidade das várias tradições européias, a partirdas quais poder-se-ia acender o fogo do Volkgeist, do espírito dos povos. O imperadormudou realmente a geografia da Europa, a ponto de que, como confessava Madame deStaël, para escapar da sua polícia, era necessário ir até os confins do Continente, nos limitesda Ásia. Eis o testemunho que dava a nossa autora, em relação à viagem que se viuobrigada a empreender para fugir da perseguição napoleônica, indo até os confins daRússia: “A geografia da Europa napoleônica só se aprende de forma adequada na desgraça.As voltas que era necessário dar para evitar o seu poder eram já de quase duas mil léguas eagora, passando pela mesma Viena, era necessário ganhar o território asiático para escaparpor ali” [Staël, 1996: 242-243]. Em relação aos países dominados, frisava a nossa escritora:“Napoleão possui a arte de tornar a situação dos países que se consideram a si próprios empaz de tal forma infeliz, que toda mudança lhes é agradável e que, uma vez forçados a dar

Page 45: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

45

homens e dinheiro à França, não sentem quase o inconveniente de serem reunidos ao redordela. Eles se dão mal, no entanto, pois nada há pior do que perder o nome de nação e, comoos males da Europa são causados por um só homem, é necessário conservar com cuidadoaquilo que pode renascer quando ele já não mais exista” [Staël, 1996: 236]. A nossa autoraera consciente do preço que os seus concidadãos tiveram de pagar para erguer omonumento ao despotismo napoleônico. A propósito, contava a seguinte anedota: “Alguémme falou certa vez: Eis tudo restabelecido como antes da Revolução. – Sim, respondi-lhe,tudo exceto dois milhões de homens que morreram pela liberdade. Essas palavrasimpressionaram um general que as repetiu como se fossem dele. O Primeiro Cônsul mereconheceu nessa expressão e em algumas outras que foram repetidas pelo mesmo general,que conversava freqüentemente comigo. Deixando escapar expressões as mais violentas,ele disse com a sua delicadeza ordinária para com as mulheres, que ele me faria cortar oscabelos e me trancaria num convento” [Staël, 1996: 335-336].

BIBLIOGRAFIA

ANTOMMARCHI, F. Docteur. Les derniers moments de Napoléon (1819-1821).(Introdução e notas de Désiré Lacroix). Paris: Garnier, 1898, 2 volumes.

BAECQUE, Antoine de e MÉLONIO, Françoise. Histoire culturelle de la France –3. Lumières et liberté, les dix-huitième et dix-neuvième siècles. (Edição coordenada porJean-Pierre Rioux e Jean-François Sirinelli). Paris: Seuil, 1998.

BELLOC, Hilaire. Napoleón. (Tradução ao espanhol de Pedro Ibarzábal). BuenosAires: Editorial Sudamericana, 1958.

CHATEAUBRIAND, Francis de. De Buonaparte et des Bourbons. (Apresentaçãoe notas de Olivier Pozzo di Borgo). Utrecht: Jean-Jacques Pauvert, 1966.

CHEVALLIER, Jean-Jacques. Histoire des Institutions et des Régimes Politiquesde la France de 1789 à nos jours. 5a. Edição revista e aumentada. Paris: Dalloz, 1977.

COLIN, J. L’éducation militaire de Napoléon. Paris: Librairie Militaire Chapelot,1901.

CONSTANT DE REBECQUE, Henri Benjamin. De la force du gouvernementactuel de la France et de la nécessité de s’y rallier (1796) – Des réactions politiques deseffets de la terreur (1797). (Prefácio e notas de Philippe Raynaud). Paris: Flammarion,1988.

CONSTANT DE REBECQUE, Henri Benjamin. De l’esprit de conquête et del’usurpation, dans les rapports avec la civilisation européenne. Paris: Flammarion, 1986.

Page 46: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

46

CONSTANT DE REBECQUE, Henri Benjamin. Principes de politique applicablesà tous les gouvernements (version 1806-1810). (Prefácio de Tzvetan Todorov; organizaçãodo texto e introdução de Etienne Hofmann). Paris: Hachette, 1997.

CONSTANT DE REBECQUE, Henri Benjamin. Principios de política. (Traduçãoao espanhol de Josefa Hernández Alonso; introdução de José Álvares Junco). Madrid:Aguilar, 1970.

DÍEZ del Corral, Luis. El Liberalismo doctrinario. 4ª. Edição. Madrid: Centro deEstudios Constitucionales, 1984.

FRANÇA. 1o. IMPÉRIO. Bibliographie de la France ou Journal Général del’Imprimerie et de la Librairie. – Tome quatrième. Paris: Pillet, 1814.

FRANÇA. 1o. IMPÉRIO. CONSELHO DE ESTADO. Code Civil des Français.(Édition originale et seule officielle). Paris: Imprimerie de la République, 1804.

FRANÇA. 1o. IMPÉRIO. CONSELHO DE ESTADO. “Imprimés de travail duConseil d’État (1800-1814)”. In: http://www.napoleonica.org/ce/index.html. [Siteconsultado em 05/09/2002].

FRANÇA. 1o. IMPÉRIO. CONSELHO DE ESTADO. “Imprimés de travail duConseil d’État (1800-1814) – Les membres du Conseil d’État de 1799 à 1815”. In:http://www.napoleonica.org/ce/ce_membre.html. [Site consultado em 05/09/2004].

FRANÇA. 1o. IMPÉRIO. CONSELHO DE ESTADO. “Imprimés de travail duConseil d’État (1800-1814) – Présentation de la collection originale”. In:http://www.napoleonica.org/ce/ce_coll_ori.html. [Site consultado em 05/09/2004].

FRANÇA. 1o. IMPÉRIO. CONSELHO DE ESTADO. “Projet de Décret relatif àl’organisation de l’Université Impériale de France”. In:http://www.napoleonica.org/gerando/GER01732.html. [Site consultado em 05/09/2004].

FRANÇA. 1o. IMPÉRIO. CONSELHO DE ESTADO. “Rapport, projets de décret etmémoires concernant le Régime de l’Université”. In:http://www.napoleonica.org.GER02423.html [Site consultado em 05/09/2004].

GODECHOT, Jacques. “Introduction”. In: Madame de Staël, Considérations sur laRévolution française. 2a.edição, Paris: Tallandier, 2000, pg. 7-41.

GUIZOT, François. Histoire de la Civilisation en Europe, depuis la chute del’Empire Romain jusqu’a la Révolution Française. 8ª. Edição. Paris: Didier, 1864.

HICKS, Peter. “Napoléon et le theâtre”. In:http://www.napoleon.org.fr/TemplatePrint/article.asp?idPage=457483. [Site consultado em04/09/2004].

Page 47: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

47

LABOULAYE, Édouard. “Avertissement de la première édition”.In: BenjaminConstant de Rebecque, Cours de politique constitutionnelle. (Introdução e notas de E.Laboulaye). 2a. Edição. Paris: Guillaumin, vol. I pg. III-VI, 1872.

LABOULAYE, Édouard. “Introduction”. In: Benjamin Constant de Rebecque,Cours de politique constitutionnelle. (Introdução e notas de E. Laboulaye). 2a. Edição.Paris: Guillaumin, vol. I pg. VII-LI, 1872.

LABOULAYE, Édouard. “Avertissement de la presente édition”.In: BenjaminConstant de Rebecque, Cours de politique constitutionnelle. (Introdução e notas de E.Laboulaye). 2a. Edição. Paris: Guillaumin, vol. I pg. I-II, 1872.

LAROUSSE, Pierre. “Constant de Rebecque, (Henry-Benjamin)”. In: GrandDictionnaire Universel du XIXe. Siècle. Paris: Larousse, vol. 5, pg. 1016-1017, 1865.

LAROUSSE, Pierre. Napoléon. (Prefácio de Maurice Aguillon). Paris: Mémoire duLivre, 2002.

LAROUSSE, Pierre. “Staël-Holstein (Anne-Louise-Germaine Necker, Baronnede)”. In: Grand Dictionnaire Universel du XIXème. Siècle. Paris: Imprimerie Larousse,1865, vol. 14, pg. 1046-1048.

LAS CASES, Emmanuel de. Mémorial de Sainte-Hélène. (Prefácio de Jean Tulard;apresentação e notas de Joël Schmidt). Paris: Seuil, 1968.

LÉVY, Artur. A vida íntima de Napoleão. (Tradução de Emil Farhat). São Paulo:Companhia Editora Nacional, 1943.

MADELIN, Louis. L’Avènement de l’Empire. Paris: Hachette, 1945.

MADELIN, Louis. La Crise de l’Empire – 1810-1811. Paris: Hachette, 1945.

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe, com comentários de Napoleão Bonaparte.(Consultoria editorial de Marcio Scalercio; tradução de Mônica Baña Álvares). Rio deJaneiro: Elsevier Editora, 2003.

MÉLON, Pierre. O general Hogendorp, soldado de Frederico, o Grande,governador em Java, ajudante-de-campo de Napoleão Bonaparte, eremita no Rio deJaneiro. (Tradução de Ítalo Campofiorito). Niterói: Casa Jorge Editorial, 1996.

NAPOLEÃO 1o., Imperador dos Franceses. “Lettre au Pape Pie VII, adresée, depuisCologne, le 15 Septembre 1804”. Archives Secrètes du Vaticain. In:http://www.napoleonica.org [Site consultado em 11/09/2004].

NAPOLEÃO 1o., Imperador dos Franceses. Máximas e pensamentos. (Seleção eprefácio de Honoré de Balzac; tradução de José Dauster). Rio de Janeiro: Topbooks, 1995.

Page 48: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

48

NEAVE, Guy. “Les quatre modèles”. In: Correio da Unesco (Edição eletrônica). In:http://www.unesco.org/courier/1998_09/fr/dossier/txt12.htm. [Site consultado em08/09/2004].

NECKER, Jacques. Dernières vues de politique et de finance, offertes à la NationFrançaise par M. Necker. Paris: Bibliothèque de France, 1802, 2 volumes.

NIETZSCHE, Federico. Obras Completas. Vol. II – Aurora – Tratados Filosóficos– Filosofia General. (Tradução ao espanhol, introdução e notas de Eduardo Ovejero yMaury). 6a. Edição. Buenos Aires: Aguilar, 1967.

NICOLLE, Paul. La Révolution Française. Paris: Presses Universitaires de France,1956.

PARET, Peter. “Napoleão: revolução na guerra”. In: Peter Paret (organizador).Construtores da estratégia moderna. (Tradução de Joubert de Oliveira Brígida). Rio deJaneiro: Biblioteca do Exército Editora, 2001, vol. 1, pg. 176-200.

PARET, Peter (organizador). Construtores da estratégia moderna. (Tradução deJoubert de Oliveira Brígida). Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2001, 2volumes.

ROSANVALLON, Pierre. Le moment Guizot. Paris: Gallimard, 1985.

ROSANVALLON, Pierre. L’État em France de 1789 à nos jours. Paris: Seuil,1993.

SAINT-VICTOR, Jacques de. “L’Essence de l’Empire”. In: Figaro Littéraire.Paris, (edição eletrônica), In:http://www.lefigaro.fr/cgi/edition/genimprime?cle=20040610.LIT0004. [Site consultadoem 12/06/04].

SIEYÈS, Emmanuel. ¿Qué es el Tercer Estado? (Introdução, tradução ao espanhole notas de Francisco Ayala). Madri: Aguilar, 1973.

STAËL HOLSTEIN, Germaine Necker Madame de. Considérations sur laRévolution française. 2a. Edição. (Introdução, Bibliografia, cronologia e notas de JacquesGodechot). Paris: Tallandier, 2000.

STAËL HOLSTEIN, Germaine Necker Madame de. De L’Allemagne. (Cronologiae introdução de Simone Balayé). Paris: Garnier-Flammarion, 1968, 2 vol.

STAËL HOLSTEIN, Germaine Necker Madame de. Dix années d’exil. (Ediçãocrítica preparada por Simone Balayé e Mariella Viannello Bonifácio). Paris: Fayard, 1996.

STENDHAL, Marie-Henri Beyle. Napoleão. (Apresentação de Renato JanineRibeiro; tradução de Eduardo Brandão e Kátia Rossini). São Paulo: Boitempo Editorial,1996.

Page 49: NAPOLEÃO BONAPARTE - ecsbdefesa.com.br£o.pdf · poderíamos deixar passar em brancas nuvens tão importante acontecimento que, ... então e a tornava tão grande que chegava a ocupar

49

TOCQUEVILLE, Alexis de. Oeuvres I. (Introdução e cronologia de A. Jardin, coma colaboração de F. Mélonio e L. Queffélec). Paris: Gallimard, La Pléiade, 1991.

TOCQUEVILLE, Alexis de. Oeuvres II. (Edição publicada sob a direção de A.Jardin, com a colaboração de J. C. Lamberti e J. T. Schleifer). Paris: Gallimard, La Pléiade,1992.

TODOROV, Tzvetan. Benjamin Constant la passion démocratique. Paris:Hachette, 1997.

TODOROV, Tzvetan. “Préface – Benjamin Constant, penseur de la démocratie”. In:Benjamin Constant de Rebecque, Principes de politique applicables à tous lesGouvernements (version 1810-1810). (Introdução de Etienne Hofmann). Paris: Hachette,pg. 5-8, 1997.

TOUCHARD, Jean. Historia de las ideas políticas. (Tradução ao espanhol de J.Pradera). 3a. Edição, Madrid: Tecnos, 1972.

UNICAEN. “Pierre-Simon Laplace”. In:http://www.math.unicaen.fr/~reyssat/laplace/. [Site consultado em 24/08/04].

VÉLEZ Rodríguez, Ricardo. “O gigantismo estatal francês: aspecto político”. In:Ubiratan Macedo (org). Avaliação crítica da social democracia – O exemplo francês. SãoPaulo: Instituto Tancredo Neves – Massao Ohno, 2000, pg. 15-36.

VIANNA, Felippe. Transformação de Carson-Laplace – (Cálculo operacional).Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1971.