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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA JULIANA LUISA CAPPI Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e organização de narrativas em um banco de dados interativo SÃO PAULO 2013

Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e ... Luisa Cap… · k-film 7 Sons (2003) p. 48 Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação 7 Sons (2003) no Goethe-Institut,

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

JULIANA LUISA CAPPI

Narrativas não-lineares do Korsakow System:

criação e organização de narrativas em um banco de dados interativo

SÃO PAULO

2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

JULIANA LUISA CAPPI

Narrativas não-lineares do Korsakow System:

criação e organização de narrativas em um banco de dados interativo

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Estudos

Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica (COS), linha de

pesquisa 3 – Análise das Mídia, da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo (PUC-SP) para a obtenção do grau de

Mestre em Comunicação e Semiótica.

Orientador: Professor Doutor Arlindo Ribeiro Machado Neto

SÃO PAULO

2013

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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio

convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Catalogação da Publicação

Programa de Comunicação e Semiótica

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo– PUCSP

Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica

Mestrado em Comunicação e Semiótica

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a dissertação de Mestrado

Narrativas não-lineares do Korsakow System:

criação e organização de narrativas em um banco de dados interativo

elaborada por

Juliana Luisa Cappi

Como requisito parcial para obtenção do grau de

Mestre em Comunicação e Semiótica

COMISSÃO EXAMINADORA:

______________________________

Dr. Arlindo Ribeiro Machado Neto (PUC/SP)

Presidente/ Orientador

______________________________

Dra. Jane Mary de Almeida (PUC/SP)

Primeiro membro

_______________________________

Dr. Gilberto dos Santos Prado (USP)

Segundo membro

São Paulo, 14 de outubro de 2013.

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AOS AMIGOS E FAMILIARES QUE ME APOIARAM

AO LONGO DO PERÍODO DE ELABORAÇÃO DESTE TRABALHO.

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CAMINANTE, SON TUS HUELLAS

EL CAMINO Y NADA MÁS;

CAMINANTE, NO HAY CAMINO,

SE HACE CAMINO AL ANDAR.

AL ANDAR SE HACE EL CAMINO,

Y AL VOLVER LA VISTA ATRÁS

SE VE LA SENDA QUE NUNCA

SE HA DE VOLVER A PISAR.

CAMINANTE NO HAY CAMINO

SINO ESTELAS EN LA MAR.

ANTONIO MACHADO

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP

Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica

Mestrado em Comunicação e Semiótica

Título: Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e organização de

narrativas em um banco de dados interativo.

Autor: Juliana Luisa Cappi

Orientador: Dr. Arlindo Ribeiro Machado Neto

RESUMO

Esta dissertação visa investigar os aspectos formais e poéticos referentes ao programa

de criação de narrativas não-lineares interativas organizadas em um banco de dados, o

Korsakow System. A pesquisa baseia-se em artigos e entrevistas publicados pelo

criador do programa, Florian Thalhofer, que explicitam o contexto no qual o

programa foi criado, o objetivo buscado com a sua criação e as justificativas das

escolhas de divulgação e distribuição do programa. Esses objetivos consistem no

desenvolvimento de um banco de dados interativo formado por objetos audiovisuais

organizados em uma montagem temporal realizada pelo espectador, que seleciona

esses objetos a partir de ligações propostas pelo programador. A pesquisa também

realiza um levantamento das aplicações mais criativas deste programa, realizadas pelo

criador e por outros pesquisadores. Esse levantamento foi organizado em uma

classificação que delimita a produção em quatro categorias criadas na pesquisa e que

definem os objetivos mais populares de utilização do programa: artístico, documental,

cinematográfico e educacional. Ao finalizar esta contextualização, desenvolvemos um

texto crítico sobre a utilização do programa, incluindo os apontamentos das

problemáticas estruturais e conceituais que impedem a criação de narrativas que

alcancem a proposta inicial de Thalhofer. A metodologia desta pesquisa é

estabelecida a partir das teorias sobre as relações entre as novas mídia e o cinema dos

pesquisadores Arlindo Machado e Lev Manovich e pelas discussões sobre criação em

rede e internet propostas por Lucia Leão e Janet Murray. As discussões propostas por

esta pesquisa estão relacionadas à produção contemporânea nas artes visuais e no

cinema interativo na internet, na apropriação de conceitos de interatividade, autoria e

criação de projetos colaborativos presentes em projetos experimentais online.

Palavras-chave: novas mídias, linguagem audiovisual, banco de dados, interatividade,

Korsakow.

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP

Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica

Mestrado em Comunicação e Semiótica

Title: Nonlinear narratives of Korsakow System: creation and organization of

narratives in a interactive database.

Author: Juliana Luisa Cappi

Adviser: Dr. Arlindo Ribeiro Machado Neto

ABSTRACT

The purpose of this research is to investigate the formal and poetic aspects concerning

to the program of creation of non-linear narratives, organized in a database system,

the Korsakow System. The research is based on articles and interviews published by

the creator of the program, Florian Thalhofer, and it shows the context on which it

was created, its purpose and the reasons of the choices made for broadcasting and

distribution of the program. These purposes consist of the development of an

interactive database system formed by audiovisual objects organized in a time

schedule by the spectator, who chooses such objects from the connections set by the

programmer. This work also shows a list of the most creative applications of this

program, done by its creator and other researchers. This list was organized according

to a classification that limits the production into four categories that define the most

popular aims of the uses of the program, which are: artistic, documental,

cinematographic and educational. At the end of this explanation, we developed a

critical text about the uses of this program, including on it the structural and

conceptual problems that unable the creation of narratives that reach Thalhofer’s

initial proposal. Our methodology was established based on Arlindo Machado and

Lev Manovich’s theories of the connections between the new media and the cinema

as well as the discussions upon web and internet creation proposed by Lucia Leão and

Janet Murray. This research present a series of issues related to the contemporary

production in visual arts, in the movies and in the internet, and explain the notions of

interactivity, authorship and creation of shared experimental online projects.

Key words: new midia, audiovisual language, database, interactivity, Korsakow.

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Lista de Imagens

Imagem 1. Interface principal para programação do Korsakow

System

p. 37

Imagem 2. Interface de produção de um SNU p. 38

Imagem 3. Interface de visualização das palavras-chave p. 39

Imagem 4. Programação da interface de interação de um k-film p. 40

Imagem 5. Imagem ilustrativa de um objeto e suas palavras-chave

de entrada e saída

p. 44

Imagem 6. Imagem ilustrativa de objetos e suas ligações p. 44

Imagem 7. Imagem ilustrativa de objetos e suas ligações II p. 45

Imagem 8. Reproduções de três telas de narrativas do filme Small

World (1997)

p. 46

Imagem 9. Reproduções de três telas de narrativas do filme

Korsakow Syndrom (2000)

p. 48

Imagens 10 e 11. Documentação do processo de filmagem e still do

k-film 7 Sons (2003)

p. 48

Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação 7 Sons (2003)

no Goethe-Institut, Cairo, Egito

p. 49

Imagem 14. Reprodução da interface de interação do k-film

ForgottenFlags (2006)

p. 49

Imagem 15. Reprodução de imagens do k-film Planet Galata (2010) p. 50

Imagem 16. Reprodução de imagens do k-film Money and the

Greeks (2012) I

p. 51

Imagem 17. Reprodução de imagens do k-film Money and the

Greeks (2012) II

p. 51

Imagem 18. Documentação do Korsakow Show Freedom and

Money (2009)

p. 52

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Sumário

Introdução p. 11

1 – Novas mídia e a linguagem audiovisual p. 13

1.1 – Histórico – sobre o surgimento do conceito de novas mídia p. 13 1.2 – O cinema e as novas mídia p. 22

2 – O Korsakow System e montagem aberta p. 33

2.1 – FlorianThalhofer e o projeto original p. 33 2.2 – Estrutura e possibilidades p. 41 2.3 – K-films p. 45

3 – O Korsakow System e sua utilização p. 55

3.1 – Korsakow e a obra de arte p. 56 3.2 – Korsakow e a educação p. 59 3.3 – Korsakow, cinema e o documentário p. 61 3.4 – Korsakow e a experimentação p. 64

4 – O Korsakow System na rede p. 70

4.1 – A criação processual p. 70 4.2 – O interator colaborador p. 73 4.3 – O potencial do pensamento em rede p. 75

5 – Repensando o Korsakow System p. 78

Considerações finais p. 84

Bibliografia p. 86

Documentos eletrônicos p. 87

Anexo p. 90

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INTRODUÇÃO

Quando usamos o conceito de “mídia interativa” exclusivamente

em relação às mídias computacionais, existe o perigo de que

iremos interpretar “interação” literalmente, equiparando-a com a

interação física entre um usuário e o objeto midiático

(pressionando um botão, escolhendo um link, movendo o corpo),

em detrimento da interação psicológica. Os processos psicológicos

de autopreenchimento, formação de hipóteses, recordação, e

identificação, os quais são necessários para nós compreendermos

qualquer texto ou imagem, são erroneamente identificados como

uma estrutura de ligação interativa objetivamente existente. 1

(MANOVICH, 2001, p. 57, tradução nossa)

As novas mídia são essencialmente interativas e dão ao espectador a

oportunidade de se relacionar com os objetos comunicacionais de formas cada vez

mais conscientes. O pesquisador Lev Manovich discute ponto a ponto as

características das novas mídia e como elas estão influenciando as outras linguagens.

Mas, ao pensar no ponto mais reconhecido dessa nova mídia, a interação, surgem

alguns questionamentos: o que é esta interação e como ela influencia o autor e o

espectador?

Esta dissertação pretende identificar o funcionamento e os conceitos por trás

do Korsakow System, um programa de computador criado e desenvolvido para

promover e facilitar a criação de narrativas não-lineares em bancos de dados

interativos. Este programa foi selecionado para ser analisado pois ele apresenta

aspectos interessantes em relação aos processos de construção poética envolvendo

programadores e interatores, de organização formal e processual e no modo como ele

é divulgado e distribuído na rede.

1 When we use the concept of “interactive media” exclusively in relation to computer-based media, there is the

danger that we will interpret “interaction” literally, equating it with physical interaction between a user and a

media object (pressing a button, choosing a link, moving the body), at the expense of psychological interaction.

The psychological processes of filling-in, hypothesis formation, recall, and identification, which are required for us

to comprehend any text or image at all, are mistakenly identified with an objectively existing structure of

interactive link. MANOVICH, Lev. The language of new media. (Cambridge: MIT Press.2001), p. 57, tradução

nossa.

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Para isso, este trabalho será dividido em cinco capítulos. O primeiro será uma

retrospectiva histórica e cronológica das novas mídia, apresentando suas

características e relações com o audiovisual. Em um item, será analisada a

configuração das novas mídia como algo gerado a partir da linguagem

cinematográfica.

No segundo capítulo discorreremos sobre o Korsakow System, tratando

primeiramente do projeto inicial do criador, o alemão Florian Thalhofer, depois da

organização e programação do objeto e finalizando o capítulo com os primeiros

experimentos de Thalhofer e os relatos dos processos de criação.

O terceiro capítulo será o levantamento e a identificação das diferentes

intenções de usuários que utilizaram o Korsakow System: como criação e organização

de obras de arte; para fins de pesquisa e educação; para a produção de filmes e

documentários e como apropriação para o desenvolvimento de projetos

experimentais.

O quarto capítulo é a construção de uma análise sobre o Korsakow System

como um objeto que indica as possibilidades de criação aberta e colaborativa

potencializadas pelas novas mídia.

O quinto capítulo é uma análise crítica sobre as aplicações menos criativas do

programa, em apontamentos sobre o programa percebido como uma ferramenta

limitante ao processo criativo em oposição a um possível despreparo ou

desconhecimento dos programadores em relação ao potencial do Korsakow System.

Outro apontamento é referente aos processos criativos em relação a uma nova mídia,

em uma análise sobre a criação de uma reflexão sobre a criação dentro do próprio

programa ou a possibilidade de apenas reverter uma narrativa estruturalmente linear

em um filme não-linear.

A pesquisa foi desenvolvida com base na investigação dos conceitos que

formam o que entendemos por novas mídias, situando o Korsakow System e sua

entrutura nos meios comunicacionais. Partindo-se dos aspectos formais, a criação

poética neste programa é relacionada às formas de construção de narrativas não-

lineares sugeridas por Janet Murray e Lucia Leão.

A finalização desta dissertação é revelada nas Considerações Finais, que

aponta as conclusões sobre as relações entre forma e conceito do programa Korsakow

e os projetos criados nele, além de indicar os possíveis desdobramentos futuros para

esta pesquisa.

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1 –NOVAS MÍDIA E A LINGUAGEM AUDIOVISUAL

As novas mídia estão em pleno desenvolvimento desde a segunda metade do

século XX. Este rápido desenvolvimento ocorre pelo crescimento da indústria que

cria programas de computador, o aumento da oferta de produtos que suportam a

utilização desses novos meios e a popularização do acesso a computadores, celulares

e máquinas fotográficas digitais. Assim, em um movimento cíclico, a busca e o acesso

a essas novas mídia incentivam a adaptação e a criação.

Proponho neste capítulo uma forma de arqueologia das novas mídia a partir

das características levantadas pelo pesquisador Lev Manovich, com o intuito de expor

as origens, a configuração e a relação com sua linguagem-irmã: o cinema.

1.1 – Histórico – sobre o surgimento do conceito de novas mídia

Definir o momento ou data específica do surgimento de linguagens ou de

fenômenos culturais é um trabalho árduo e muitas vezes frustrante. Essa frustração

pode ser amenizada quando se compreende como esses fenômenos e linguagens se

desenvolvem. No caso das novas mídia, esse desenvolvimento não é linear e se

assemelha mais a uma imagem de ramificação do que à de uma linha que liga o ponto

inicial ao ponto final.

Se pesquisarmos sobre o termo “novas mídia” na internet, perceberemos que

ele é, na maioria das vezes, associado a aparelhos ultratecnológicos, que agem como

mediadores entre o homem e o mundo, exemplificado através de aplicativos criados

para facilitar a vida do homem e, ao mesmo tempo, potencializar os meios de

comunicação comuns, permitindo que empresas interajam com seus consumidores de

forma mais direta e, consequentemente, mais eficaz. Como Manovich pontuou:

“Como pode ser visto a partir destes exemplos, o entendimento popular de o que seria

uma nova mídia a identifica com o uso de um computador para distribuição e

exibição, em vez de produção” (2001, p. 19) 2.

2 “As can be seen from these examples, the popular understanding of new media identifies it with the use of a

computer for distribution and exhibition rather than production”. MANOVICH, Lev. The language of new media.

(Cambridge: MIT Press, 2001), p. 19, tradução nossa.

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Esse modo de perceber as novas mídia é resultado de um processo que teve

início em meados do século XIX, quando o que entendemos hoje por novas mídia

seguia por dois caminhos paralelos.

O primeiro caminho surge com a fotografia e a possibilidade de produzir

imagens que reproduzem o visível. O daguerreótipo, considerado o primeiro processo

de captar imagens e reproduzi-las, foi inventado por Louis Daguerre em 1839 e

apresentado em Paris no mesmo ano. Segundo Manovich (2001, p. 21) “Dentro de

cinco meses, mais de 30 descrições diferentes da técnica tinham sido publicadas em

todo o mundo - Barcelona, Edimburgo, Nápoles, Filadélfia, São Petersburgo,

Estocolmo” 3.

O daguerreótipo foi patenteado, mas era tarde: muitos outros inventores já se

haviam apropriado da ideia e desenvolvido suas próprias câmeras, muitas delas com

algumas diferenças no formato, material, quantidade de lentes, definição da imagem,

etc. Muito rapidamente a fotografia tornou-se parte do cotidiano dos grandes centros

europeus e americanos. A fotografia reinou como linguagem de duplicação do real e

construtora do fantástico até 1895, quando uma nova versão da linguagem fotográfica,

que ainda estava se desenvolvendo em relação às técnicas e poéticas, causou mais

uma onda de frenesi: a fotografia em movimento (Manovich, 2001, p. 23).

O segundo caminho também surge por volta de 1830. Em 1833, Charles

Babbage desenvolveu um dispositivo chamado “mecanismo analítico”. Este

mecanismo consistia em cartões perfurados, que eram usados para inserir dados e

instruções na memória do mecanismo. Para isso, Babbage criou uma unidade de

processamento, chamada por ele de Moinho (idem, p. 22). Este proto-processador de

dados realizava operações matemáticas seguindo a programação dos cartões

perfurados e também decidia por outros caminhos a seguir, ao se deparar com

resultados intermediários. O mecanismo criado por Charles Babbage não despertou

tanto espanto e frenesi quanto a máquina de Daguerre, indicação de uma possível

predileção humana pelos produtos prontos, visuais, em detrimento do processo de

produção. Temos, então, no mecanismo de Babbage, uma das primeiras tentativas

documentadas do processo computacional, de criação de dados, leitura,

processamento (transformando cartões perfurados em informação), armazenamento,

3 “Within five months more than thirty different descriptions of the technique had been published around the

world – Barcelona, Edinburgh, Naples, Philadelphia, St. Petersburg, Stockholm”. MANOVICH, Lev. The

language of new media. (Cambridge: MIT Press.2001), p. 21, tradução nossa.

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seleção de informações armazenadas e reprodução, pois o mecanismo imprimia os

resultados dos cálculos em papel.

Não é de estranhar que a mídia moderna e as primeiras invenções cujos

processos são proto-computacionais tenham seu início no século XIX. A busca pela

informação acessível e a velocidade na produção são reflexos da Revolução

Industrial. Este período provocou mudanças sociais, econômicas e comportamentais,

modificando não apenas a velocidade da produção, mas aumentando a circulação de

produtos midiáticos, desenvolvendo a publicidade e disseminando informação visual

e sonora.

Ainda no início do século XX, de acordo com Manovich (ibidem, p. 24), o ano

mais importante para a história das mídia foi o ano de 1936. Neste ano, o matemático

Alan Turing escreveu um artigo intitulado “On Computable Numbers”, em que

descrevia o funcionamento de seu computador, que posteriormente foi nomeado a

partir de seu inventor. Essa máquina era capaz de apenas quatro operações, mas

conseguia realizar qualquer cálculo que pudesse ser feito por uma pessoa, além de

também conseguir imitar qualquer outra máquina computacional da época. O

funcionamento consistia na gravação de números em uma longa fita, que era

rebobinada a cada novo comando, para que o processador pudesse ler a informação e

imprimir o resultado.

A possibilidade de armazenar dados, sendo eles imagens, sons ou códigos, é a

principal similaridade entre o cinema e o computador. De acordo com Lev Manovich:

Se acreditamos que a palavra cinematógrafo, que significa

“escrevendo o movimento”, a essência do cinema está em gravar e

armazenar dados visíveis em uma forma material. Uma filmadora

registra dados (informações) em filmes: um projetor de filme o lê.

Este aparelho cinemático é semelhante a um computador em um

aspecto fundamental: um programa e os dados de um computador

também devem ser armazenados em algum meio.

(MANOVICH, 2001, p. 24). 4

4 “If we believe the word cinematograph, which means ‘writing movement’, the essence of cinema is recording

and storing visible data in a material form. A film camera records data on film; a film projector reads it off. This

cinematic apparatus is similar to a computer in one key respect: a computer’s program and data also have to be

stored in some medium”. MANOVICH, Lev. The language of new media. (Cambridge: MIT Press, 2001), p. 24,

tradução nossa.

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Não demorou muito para que o cinema e o computador convergissem e se

tornassem uma nova mídia. O engenheiro alemão Konrad Zuse criou, em 1936, um

computador digital em pleno funcionamento (ibidem, p. 25). Sua invenção consistia

em uma máquina que armazenava códigos binários5. Esses códigos, à maneira de

Babbage, eram perfurações em uma superfície. A diferença estava no suporte dessas

perfurações: Zuse utilizou uma película de filme 35mm, cinematográfico, no lugar de

um papel comum. Os fragmentos desse filme cinematográfico mostram uma cena:

dois personagens em um ambiente fechado, em ação. Assim, temos informação digital

(o código binário) armazenada em um suporte usualmente cinematográfico. Embora o

processo realizado por Zuse ainda não fosse o que as novas mídia são hoje, uma

formação quase orgânica entre o digital e outras linguagens, ele já indicava a

condição primordial das mídia modernas: portadoras de informação. Como

“moderna”, estamos nos referindo à primeira metade do século XX e a produção de

mídia informativa representada pelo crescimento de publicações periódicas e pelo

alcance do rádio e posteriormente da televisão. A questão a ser definida a seguir é: se

a mídia moderna é um sistema que cria, armazena e reproduz informação, o que torna

uma mídia “nova” hoje?

As características das novas mídia foram enumeradas por Lev Manovich

(2001, p. 27) e nos auxiliam a compreender o que torna uma mídia nova. Podemos, a

partir de agora, definir os limites entre as novas mídia e a moderna. Os princípios das

novas mídia são: a representação numérica; a modularidade; a automação; a

variabilidade e a transcodificação. Algumas mídia dispõem de dois ou mais princípios

dos listados acima, mas esta classificação não deve ser percebida como absoluta, pois

nem todas as novas mídia contêm essas características:

5 O código binário é um sistema de numeração que possui apenas dois algarismos: o “1” e o “0”. É como o

sistema de numeração arábico (usado por nós), que quando chega ao 9, retorna ao 0, mas como o código binário só

possui dois algarismos, quando se aumenta 1 ao valor 1, volta-se ao 0.

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Representação Numérica

Os objetos midiáticos, sejam eles criados no ambiente digital ou transferidos

de mídia analógicas para as novas mídia, passam por um processo de codificação

digital. São representados numericamente. Para Manovich (2001, p. 27), a

representação numérica tem duas consequências:

1. Um objeto das novas mídia pode ser descrito formal e matematicamente.

2. Um objeto das novas mídia está sujeito à manipulação algorítmica. Ou

seja, podemos interferir no objeto utilizando algoritmos, modificando-o, o

que torna possível a programação digital desta mídia.

A programação de objetos das novas mídia está relacionada à “composição”

deste objeto. Esta composição é a estrutura do objeto. Uma fotografia tradicional, em

papel, é um suporte papel que contém uma imagem. Podemos cortá-la, rasgá-la e até

queimá-la, mas não é possível separar manualmente os componentes que formam a

imagem impressa no papel. Já os objetos das novas mídia são compostos de outro

modo: são informações digitais, em camadas associadas que podem ser

reconfiguradas e reordenadas. Podemos exemplificar esse pensamento através da

manipulação de uma fotografia. Selecionamos uma fotografia produzida de modo

analógico e a convertemos ao digital, inserindo-a em um computador. Para modificá-

la, podemos utilizar meios próximos ao “mundo analógico”, como recortar a imagem

ou colá-la em outra. O meio digital permite uma outra lógica de modificação: por

camadas. O digital compreende as informações de modo descontínuo, com espaços

entre as características que formam o objeto. É neste quadrante, dos espaços, que o

meio digital opera.

Os espaços, citados acima, podem ser erroneamente entendidos como

“vazios”. Na realidade, todos os objetos digitais são repletos de informação e a ideia

de vazio não existe. Há sempre uma informação.

A representação numérica das imagens digitais, por exemplo, nos é

apresentada na tela do computador por meio dos pixels. Pixels são pequenos pontos

de informação que formam a imagem. Quanto mais pixels, maior a resolução da

imagem. Isso significa que a imagem contém mais dados, tornando-amais completa e

complexa em termos informacionais. Mas e se compararmos as imagens digitais com

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as fotografias analógicas? As fotografias analógicas sofrem processos químicos,

composições sensíveis à luz, que gravam (ou “queimam”) imagens em camadas,

dispostas na película fotossensível dos rolos de filmes. Quando ampliamos uma

dessas imagens e a transformamos na fotografia, essa ampliação necessita de mais

elementos químicos para formar a imagem, como por exemplo o nitrato de prata. Se

examinarmos uma fotografia utilizando um microscópio, poderemos ver claramente

os pequenos sais do nitrato de prata. E quando observamos a mesma imagem a olho

nu, não conseguimos ver os pontos de prata, e sim manchas mais escuras ou claras

que formam a imagem. A diferença entre a imagem de pixels em um computador da

imagem pontilhada por sais de prata de uma fotografia analógica é a representação

numérica da primeira.

Modularidade

A modularidade é a principal característica referente à estrutura dos objetos

das novas mídia e não deve ser entendida como um conceito de divisão ou separação,

e sim considerando que um único objeto é feito de camadas que podem ser

manipuladas, trocadas e duplicadas sem que as características gerais sejam perdidas.

Como Manovich exemplifica:

Outro exemplo de modularidade é o conceito de “objeto” usado em

aplicativos do Microsoft Office. Quando um “objeto” é inserido em

um documento (por exemplo, uma imagem ou símbolo inserido em

um documento do Word), ele continua a manter a sua

independência e sempre poderá ser editado com o programa usado

originalmente para criá-lo. 6

(MANOVICH, 2001, p. 30)

A modularidade permite que objetos sejam “manipulados” mais facilmente,

pois cada característica deste objeto está contida em pequenos módulos. Assim, o

6 Another example of modularity is the concept of “object” used in Microsoft Office applications. When an

“object” is inserted into a document (for instance, a media clip inserted into a Word document), it continues to

maintain its independence and can always be edited with the program originally used to create it. MANOVICH,

Lev. The language of new media. (Cambridge: MIT Press, 2001), p. 30, tradução nossa.

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processo de subtrair ou adicionar novas informações se torna mais simples, pois é

possível escolher de modo mais objetivo o que se deseja modificar.

Automação

A automação é um processo que opera apenas quando o objeto foi criado sobre

uma codificação numérica e modular. O processo de automação está conectado à

presença de um algoritmo. O algoritmo é uma operação, que pode ser automática ou

iniciada por um comando e que se assemelha a uma receita: o algoritmo é programado

para executar uma ação específica. A complexidade de automação de um programa

pode ser medida pela quantidade de algoritmos e relações entre eles, e pela divisão

modular. Os algoritmos podem ser codificados para que modifiquem imagens por si

só, façam medições, criem objetos em 3-D ou completem palavras digitadas pela

metade.

Deve-se compreender que a presença de automação em um programa não

significa que ele aja ou decida a próxima ação sozinho, mas sim que a automação só é

possível pela criação de uma programação complexa o suficiente para que o programa

consiga, por si só, identificar problemas e encontrar as melhores soluções dentro da

programação.

Atualmente os jogos eletrônicos são os programas de automação complexa

mais acessíveis ao consumidor. Em desenvolvimento desde os anos 1950, os jogos

eletrônicos (ou video games) são extremamente complexos, pois seus algoritmos

funcionam independentes ou em conjunto, movimentando personagens modulares que

são modificados a cada interação do jogador e que, ao serem manipulados, não

interferem no restante da interface, nem na programação geral. A interação acontece

dentro de uma programação prevista, ampla o bastante para que o jogador possa

explorar todas as possibilidades da programação para que o jogo consiga entreter e

estimular o jogador.

Variabilidade

Assim como a automação, a variabilidade é uma consequência da codificação

numérica e da modularidade.

A variabilidade consiste em um objeto das novas mídia que pode ser

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reproduzido de diferentes formas. Essa variabilidade está no potencial de criar versões

a partir de um único objeto. Por exemplo, uma película do início do século XX. Ela

poderia ser copiada e reproduzida para que fosse exibida em outras cidades. Teríamos

então uma película matriz, copiada de modo que não houvesse nenhuma mudança em

relação à original.

Nas novas mídia as cópias não precisam ser fiéis à matriz. De um filme

produzido por um grande estúdio podemos copiar apenas o áudio, uma cena

específica, retroceder, transformar em fotografia, em uma animação, gravar em um

DVD para apresentação ou distribuir na internet.

O fato de digitalizarmos tudo (de jornais antigos a livros inteiros) permite que

os objetos sejam modificados quase que automaticamente, pois foram criados

programas para cada espécie de interferência que desejarmos provocar. É importante

salientar que essa facilidade também está no suporte: o mesmo aparato usado para

transformar objetos é o aparato para distribuí-lo, tornando as modificações mais

rápidas e potencializando as trocas, permitindo que um objeto já modificado por nós

seja modificado por outros.

Transcodificação

De acordo com a categorização das características das novas mídia, realizada

por Lev Manovich, a transcodificação é a característica mais influente nos processos

comunicacionais. A transcodificação é o processo de converter o formato de arquivos

digitais. A simplicidade de transcodificar está em apenas modificar a extensão de um

arquivo de um inicial para outro final. Já a complexidade está no momento em que

percebemos que o ambiente digital tem uma estrutura diferente do ambiente natural.

Se observarmos uma fotografia na tela do nosso computador pessoal, conseguimos

identificar a imagem, pois ela é um momento capturado. Esses elementos

identificáveis são representações e são parte da cultura. O outro ponto dessa

identificação é que essas representações também são matemáticas, digitais, e

consistem em números e códigos que representam valores de cor.

A discussão de Manovich (2001, p. 46) está no fato de que uma mesma

imagem digital tem, de um lado, um efeito comunicacional comum às imagens

fotográficas analógicas e tem, por outro lado, uma significação própria do ambiente

computacional em que está inserida. Isto posto, a ação de transcodificar (converter)

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uma imagem digital alcança dois pontos distintos: a possível permanência da

identificação sígnica da imagem (já que ela permanece similar à imagem analógica,

no caso da fotografia) e a total modificação em valores digitais dela. A imagem

ganha, então, espectros de significados, que alcançam ambientes semióticos

diferentes.

Em relação às novas mídia criadas, arquivadas e distribuídas em e por

computadores, o autor indica a possibilidade de que a forma tradicional com que

lidamos culturalmente com as linguagens seja influenciada, provocando mudanças em

relação ao nosso entendimento dos processos de representação e significação. O

reverso também é uma possibilidade, já que utilizamos linguagens e meios

tradicionais transpostos para o meio digital. Os exemplos estão em programas como

os editores de texto e de imagem, a leitura ocidental ou oriental, a utilização do

alfabeto, os ícones, etc.

A transposição de meios tradicionais para o ambiente digital era, no início do

desenvolvimento do computador, um indicativo da tendência de adaptar o que

conhecemos e convivemos cotidianamente para um novo “espaço”. Com o rápido

interesse e pesquisa das possibilidades que o meio digital possui, a troca de ambientes

também foi invertida. O computador pôde começar, com as novas mídia, a modificar

antigos meios e influenciar o ambiente real, analógico. A influência recíproca

alimenta os ambientes, diminuindo as diferenças entre o que é do meio real e o que

está em um espaço digital, como comenta Manovich:

Na linguagem das novas mídia, “transcodificar” algo é traduzi-lo

em outro formato. A informatização da cultura gradualmente realiza

transcodificações semelhantes em relação a todas as categorias

culturais e conceitos. Ou seja, categorias culturais e conceitos são

substituídos, no nível de significado e / ou de linguagem, por novos

que derivam da ontologia, epistemologia e pragmática do

computador. A nova mídia, portanto, atua como um precursor do

processo de reconceituação cultural mais geral.

(MANOVICH, 2001, p. 47)7

7 In new media lingo, to “transcode” something is to translate it into another format. The computerization of

culture gradually accomplishes similar transcoding in relation to all cultural categories and concepts. That is,

cultural categories and concepts are substituted, on the level of meaning and/or language, by new ones that derive

from the computer’s ontology, epistemology, and pragmatics. New media thus acts as a forerunner of this more

general process of cultural reconceptualization. MANOVICH, Lev. The language of new media. (Cambridge: MIT

Press. 2001), p. 47, tradução nossa.

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As características que formam as novas mídia, delineadas neste capítulo,

foram expostas utilizando corriqueiramente exemplos analógicos e suas versões

digitais. É prudente utilizar o termo “versão” pois os computadores e,

consequentemente, os meios digitais, são ambientes em que é possível produzir e

reproduzir versões das linguagens analógicas. As mídia digitais, produtos do século

XX, seguem um movimento sincrônico de criação: antigas e novas linguagens

ocupam espaços paralelos ao mesmo tempo, não existindo um pensamento evolutivo

ou o descarte de mídia anteriores8. Estar presente no mesmo espaço e tempo implica

um movimento contínuo de influências que disseminam estéticas híbridas. Em relação

às estéticas visuais, o espaço digital vem absorvendo as formas de representação

tradicionais da fotografia e do cinema e desenvolvendo outras formas de relação com

o espectador. As cinco características das novas mídia estão revendo a forma com que

interagimos com elas, desde a produção dos objetos até a edição, divulgação e

distribuição. No item seguinte, vamos expor as relações entre cinema e novas mídia.

1.2 – O cinema e as novas mídia

A experiência do cinema tradicional é de tempo e espaço: ela implica que o

espectador escolha um filme, uma sala de exibição, se disponha a se locomover,

esperar e assistir ao filme9. O tempo do filme tradicional também está na organização

de todo o desenrolar da narrativa em um espaço de tempo delimitado. Mas o que seria

um cinema tradicional? De acordo com André Parente (2011, p. 39) não podemos

pensar no cinema como uma forma (ou fórmula) fechada. O autor aponta experiências

diversas, de tentativas de repensar a experiência cinema: filmes sem projeção ou

projetados em outros espaços que não a sala de cinema e filmes sem narrativas,

experimentais.

Todos os processos que acontecem neste “tempo cinema” ganharam um

potencial de modificação a partir do momento em que o cinema e o vídeo foram

conectados à informática. As características da experiência tradicional de assistir a um

8 Lucia Santaella discorre sobre a criação de novas versões da fotografia e do cinema, a partir das influências das

novas mídia. SANTAELLA, Lucia. Linguagens líquidas na era da mobilidade. (São Paulo: Paulus), 2011, p. 264.

9 André Parente comenta o modelo hegemônico de espetáculo da “forma cinema” N.R.I (narrativo-representativo-

industrial). PARENTE, André. Cinema em trânsito: cinema, arte contemporânea e novas mídias. (Rio de Janeiro:

Azougue Editorial), 2011, p. 13.

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filme estão sendo repensadas sob a ótica das novas mídia, que propõe novos

procedimentos e relações. Esses novos procedimentos ganharam uma nomenclatura,

expanded cinema10

, criada por Gene Youngblood, a partir de suas observações sobre

as influências da pintura, do teatro e da música no cinema (Machado, 2011, p. 192).

A seguir, o texto será dividido em dois segmentos do desenvolvimento do

cinema expandido: os procedimentos técnicos e a experiência do espectador. Essa

divisão é uma tentativa de apontar as motivações técnicas e poéticas do ato de fazer

cinema, que por sua vez modificaram a forma com que o espectador, nas novas mídia,

se relaciona com as narrativas.

Procedimentos técnicos

Os cineastas experimentais do cinema expandido das décadas de 1960 e 1970

procuravam novos procedimentos, instigados pelas possibilidades técnicas surgidas

com a televisão e a câmera de vídeo portátil. Para eles, o processo criativo não estava

apenas na construção da narrativa e nos aspectos formais da imagem, mas se

encontrava também nos procedimentos técnicos da linguagem.

A produção experimental em vídeo pode ser observada, por exemplo, nos

artistas Nam June Paik11

e Bill Viola, pioneiros em explorar possibilidades de criação

adicionando efeitos de som e imagem em vídeo. Devemos observar que esses artistas

buscavam se aproximar das novidades técnicas e também desenvolver métodos de

trabalho próprios. Muito do experimentalismo da época já havia sido sinalizado nos

filmes de Dziga Vertov no início do século XX:

(...) a estética do vídeo não faz senão dar consequência a um

conjunto de atitudes conceituais, técnicas e estéticas que remonta às

experiências não narrativas ou não figurativas do cinema de René

Clair e Dziga Vertov no começo do século e às invenções do

10 André Parente utiliza o termo expanded cinema com a intenção de relacioná-lo ao “processo de desocultamento

do dispositivo do cinema e da produção de uma imagem processual, aberta, que envolve o espectador”.

PARENTE, André. Cinema em trânsito: cinema, arte contemporânea e novas mídias. (Rio de Janeiro: Azougue

Editorial), 2011, p.31.

11 John G. Hanhardt, atualmente curador do Smithsonian American Art Museum, comenta a contribuição da

produção de Nam June Paink, segundo a qual o artista “transformou a própria instrumentalidade do meio de vídeo

através de um processo que expressa seus profundos insights sobre a tecnologia eletrônica, e sua compreensão de

como repensar a televisão para "transformá-la de dentro para fora" e torná-la inteiramente nova”. HANHARDT,

John G. http://www.paikstudios.com/essay.html. Acesso em 01 de julho de 2013.

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underground americano (Deren, Brakhage, Jacobs, etc.)

posteriormente.

(MACHADO, 2011, p. 193)

Se na videoarte os artistas dos anos 1970 ainda exploravam a estética de

cineastas experimentais do início do século, no cinema os processos já seguiam outros

caminhos. De acordo com Arlindo Machado, “A incorporação da eletrônica pelo

cinema vem se dando de forma lenta, sobretudo a partir dos anos 70, em geral para

dar resposta a determinados problemas insuperáveis dentro da especificidade da

cinematografia stricto sensu” (2011, p. 193). Foi a computação gráfica a responsável

pela entrada de imagens digitais ou modificadas por computador no cinema. Cineastas

inovadores como Peter Greenaway ou o cinema comercial de George Lucas e sua

franquia Star Wars nos anos 1970, e James Cameron com Terminator 2, já em 1991,

utilizaram os chamados efeitos especiais (Machado, 2011, p. 194). Logo, a utilização

de computação gráfica se popularizou principalmente como alternativa técnica, mas

igualmente trabalhosa, de produzir imagens sofisticadas como a batalha de naves

espaciais nas trincheiras da estrutura da Deathstar de Star Wars (1970), ou os créditos

de abertura de Superman (1978). A simulação da realidade e o potencial de criação

visual e animação, de formas abstratas e imaginadas, são os triunfos da computação

gráfica.

Atualmente, alguns longa-metragens são quase que inteiramente filmados em

estúdio, diante de imensas telas de um verde ou azul intensos, parte de um processo

conhecido como chroma key12

. O chroma key permite que na pós-produção os

cenários sejam inseridos, onde “os mais recentes algoritmos de computação gráfica

prometem simulações absolutamente ‘realistas’, a ponto de poder substituir objetos do

mundo real, cenários naturais e até mesmo atores de carne e osso (...)” (Machado,

2011, p. 211).

Podemos dizer que a entrada da computação gráfica modificou o método de

produzir filmes, pois a pós-produção, antes inteiramente tomada pela inserção da

12 O chroma key é uma técnica de adição de imagens na fase de pós-produção de um objeto audiovisual. Essa

adição de imagens acontece quando, por meio de softwares específicos, uma paisagem é adicionada na imagem

previamente capturada. Com essa técnica, os especialistas podem simular um espaço geográfico, sem que haja

necessidade de que a equipe de filmagem e os atores se desloquem para realizar a captura da imagem in loco.

Atualmente, esta técnica também substitui outros objetos nas cenas de ação, inclusive o corpo humano em cenas

perigosas e custosas. Manovich comenta sobre essa técnica em MANOVICH, Lev. The language of new media.

(Cambridge: MIT Press, 2001), p. 137.

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sonoplastia e dublagem dos atores, passou a ter mais um processo: a criação de

imagens. Se anteriormente o cinema consistia em parte na captura e reprodução da

realidade, de situações e lugares previstos e selecionados pelo roteiro, atualmente o

cinema é a geração de imagens.

As imagens geradas por computação gráfica não são apenas reproduções de

objetos reais no ambiente virtual, são também textos animados, animações com

fotografias e símbolos. Assim, o mesmo computador pode produzir diferentes tipos de

informação visual. Segundo Manovich (2006e, apud Santaella, 2011, p. 265) “Unidas

dentro de um ambiente comum de software, a cinematografia, a animação

computacional, os efeitos especiais, o design gráfico e a tipografia formam uma nova

metamídia”13

.

A metamídia seria a simulação dos aspectos originais de mídia que foram

transpostos para o meio digital. Esta é uma das problemáticas das novas mídia: os

objetos visuais que temos no computador, embora similares em aparência com os

objetos reais, em sua essência são códigos e fórmulas matemáticas. Esses objetos são

simulacros daquilo que aparentam, dividindo com o cinema o potencial de duplicar e

copiar realidades (Machado, 2011, p. 25). Como Arlindo Machado comenta:

(...) a computação gráfica responde com uma paisagem sóbria,

matematicamente ordenada, em que os jogos de luzes, sombras e

reflexos não passam de dados puramente teóricos, elementos de

uma gramática, de uma sintaxe ou de uma retórica a priori

estabelecidas.

(MACHADO, 2011, p. 211)

A rapidez notável com que o cinema absorveu as possibilidades de criação

estéticas do meio digital deve-se também ao fato do anseio do público por

experiências que os estimulassem, experiências que fossem similares aos sonhos. É

interessante imaginar que os efeitos causados pela computação gráfica no público

atual sejam similares àqueles que os filmes de temática ilusionista e fantástica do

francês Méliès causaram no espectador do início do século XX. Ao contrário do

trabalho criativo quase que autoral de Méliès, a partir dos anos 1970 microempresas

especializadas em animação digital e efeitos especiais surgiram para atender à procura

13 MANOVICH, Lev. “After effects, or velvet revolution in modern culture”. Part 1, 2006e. In: SANTAELLA,

Lucia. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2011, p. 265.

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de cineastas como Steven Spielberg e George Lucas, que fundou sua própria empresa,

a Lucasfilm Ltd.

Se o cinema absorveu as técnicas do meio digital14

, podemos dizer que os

computadores e seus objetos audiovisuais absorveram a estética cinematográfica. Essa

estética pode ser encontrada tanto na essência dos computadores quanto nos produtos

produzidos a partir deles.

Um dos produtos criados em computador que mais se utilizam da estética de

construção de imagem do cinema é o video game. O video game é, independente do

estilo, uma ação que ocorre em um espaço de tempo. Variável, o preenchimento desse

espaço de tempo pode ser com simulações de combate em artes marciais em que cada

luta dura cerca de 60 segundos (as séries Street Fighter ou Tekken, por exemplo), ou

como nos RPGs15

(como a série Final Fantasy), com narrativas elaboradas que podem

ultrapassar 75 horas de jogo. Especialmente nos RPGs, a estética cinematográfica

parece quase completamente transportada para os games. Jogos de câmera, luz e

sombra, a movimentação dos personagens, enquadramento, montagem e trilha sonora

são similares a um filme. Embora esses games tenham uma programação fechada, as

possibilidades de movimentação do jogador são amplas, além da presença de muitos

personagens paralelos que interagem com o personagem do jogador. Os games, então,

assimilaram características do cinema e também dos quadrinhos, dos desenhos

animados, do vídeo e da televisão16

.

O movimento cíclico de influências é reflexo da contemporaneidade, momento

de busca pelo novo, como explica André Parente:

14 André Parente expõe o pensamento de teóricos de cinema contemporâneos, como Deleuze, Foucault e Lyotard,

que veem no cinema um dispositivo onde as imagens estão além da representação e do discurso e que, ao se

encontrar com as imagens eletrônicas e digitais, cria-se o conceito de “entre-imagens”, ou seja, um novo campo

surgido com as novas relações entre o cinema e o digital. PARENTE, André. Cinema em trânsito: cinema, arte

contemporânea e novas mídias. (Rio de Janeiro: Azougue Editorial), 2011, p. 35.

15 O termo “role-playing-games” (jogo de interpretação de personagens) teve sua origem em jogos de cartas e

dados, em que os jogadores escolhiam um personagem e suas características, para jogar nas missões propostas por

um mestre. No caso dos video games, os RPGs são jogos com um personagem principal, controlado pelo jogador,

e envolvido em uma série de acontecimentos e missões, com uma missão central e muitas outras paralelas, que

podem ser acessadas ou não. SANTAELLA, Lucia. Linguagens líquidas na era da mobilidade. (São Paulo:

Paulus), 2011, p. 409.

16 Lucia Santaella comenta o processo de tradução intersemiótica vivida por linguagens que foram assimiladas

pelos video games. SANTAELLA, Lucia. Linguagens líquidas na era da mobilidade. (São Paulo: Paulus), 2011, p.

408.

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A contemporaneidade nasce da crise da representação justamente

porque surge com ela, em primeiro plano, a questão da produção do

novo. Este é o que escapa à representação, mas também o que

significa a emergência da imaginação no mundo da razão e,

consequentemente, num mundo que se liberou dos moldes da

verdade. A razão disso é muito simples: o tempo da verdade

(verdades e formas eternas de que o moderno ainda é tributário) é

substituído pela verdade do tempo como processo de produção do

novo.

(PARENTE, 2011, p. 45)

A busca pelo novo, como pensamento contemporâneo, influencia diretamente

as artes visuais. Além da recepção do vídeo como uma nova linguagem, os artistas

dos anos 1970 também quebraram paradigmas da relação do público com a arte. A

nova proposta era a participação do espectador, que perderia a sua atitude passiva e

contemplativa em relação à obra, ganhando incentivo para interagir com ela. A

interatividade com a obra de arte abrangia desde a movimentação do corpo do

espectador pela obra, como a instalação penetrável de Tropicália (1967)17

do

brasileiro Hélio Oiticica, ou as proposições de Lygia Clark, como Baba

Antropofágica (1973)18

.

A interatividade presente nas artes visuais, principalmente a partir dos anos

1970, é um dos indicativos da expansão do espaço e da participação do público nas

artes e no cinema, fato que seria potencializado com as estruturas digitais. André

Parente19

cita a produção do artista australiano Jeffrey Shaw20

, nas décadas de 60 e

70, época em que o artista iniciou propostas artísticas de expansão do cinema, criando

espaços em que o público era inserido em situações imersivas. As situações, além de

imersivas, eram interativas.

Os espaços criados por Jeffrey Shaw indicavam aspectos fundamentais das

novas mídia: a liberdade de circular por um espaço antes engessado, a participação

não mais contemplativa e sim ativa do espectador e a geração de um espaço

convidativo para que toda a ação ocorresse.

17 Informação acessada no site http://www.heliooiticica.org.br/obras/obras.php?idcategoria=4, em 11 de março de

2013.

18 Informação acessada no site http://www.lygiaclark.org.br/biografiaPT.asp, em 11 de março de 2013.

19 PARENTE, André. Cinema em trânsito: cinema, arte contemporânea e novas mídias. (Rio de Janeiro: Beco do

Azougue, 2011). p. 32.

20 Site oficial do artista Jeffrey Shaw: http://www.jeffrey-shaw.net/. Acesso em 20 de agosto de 2013.

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Experiência do espectador

A experiência de ir ao cinema é uma experiência passiva. Nós, como público,

nos dispomos a participar da projeção como observadores. Nós nos encontramos ali,

entre o “filme e a imagem projetada, entre a realização do filme e o filme pronto”21

.

Assistimos ao filme, conhecemos a narrativa e, ao final, nos retiramos da sala e da

experiência. A palavra “espectador”, de acordo com o dicionário Houaiss, significa:

1 aquele que assiste a um espetáculo

‹ os e. aplaudiram calorosamente ›

2 aquele que presencia um fato; testemunha, presente

‹ o crime foi na rua, em meio a dezenas de e. ›

3 aquele que observa ou examina (algo); observador.

‹ o ator era observado com muita atenção pelo e. ›

A nomenclatura “espectador” não sustenta as novas relações propostas pelas

novas mídia. Além de modificar os processos de produção de imagens, tanto no

cinema quanto nas artes e na publicidade, o computador propõe outra natureza de

relações entre pessoas e objetos provindos do ambiente digital.

Para pensar nestas relações, devemos primeiramente compreender que as

novas mídia estão inseridas em tecnologias que criam espaços. Espaços para serem

explorados, criados e modificados. Portanto, o termo “espectador”, aquele que

calmamente observa, não é suficiente para nomear este novo público, que é

investigativo e intuitivo.

A palavra interator é o termo mais utilizado para denominar o usuário que se

relaciona ativamente com alguma mídia. Deve-se levar em conta que essa ação

necessita de uma resposta do programa, resposta que indicará a necessidade de mais

uma ação do interator. De acordo com o dicionário Houaiss, a palavra interação

21 André Parente, ao comentar as contribuições da videoarte para o cinema, exemplifica as diferenças de

experiência, citando a situação de “entre-imagens” do espectador. PARENTE, André. Cinema em trânsito:

cinema, arte contemporânea e novas mídias. (Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2011). p. 30.

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significa “atividade ou trabalho compartilhado, em que existem trocas e influências

recíprocas”22

.

O interator é o principal sujeito das novas mídia, pois é ele quem dispara as

ações que ocorrem nos objetos deste ambiente. Dessas ações, podemos ressaltar dois

aspectos.

O primeiro é o potencial interativo do usuário, pois as propostas de interação

das novas mídia propiciam que ele, agente ativo, modifique o ambiente onde ocorrem

as ações. Este ambiente está em constante mudança23

, pois ele é resultado das ações

do interator somadas ao ambiente original.

O segundo aspecto está na “multidimensionalidade do dispositivo: os

estímulos que envolvem o visitante são intensos e reforçam a sensação de presença e

de integração do seu corpo ao ambiente” (Parente, 2011, p. 54). Assim, se

transportarmos todos os aspectos físicos do mundo real para o mundo virtual, não

existem muitas diferenças entre viver uma experiência em qualquer um dos dois

espaços. Evidentemente, uma das diferenças é a própria característica sensória de se

relacionar com algo real, aspecto que o ambiente virtual ainda não consegue simular.

A interação reorganiza a relação público-objeto. Essa reorganização se

encontra nas possibilidades criativas da participação ativa do interator. Antes, quando

espectador, o público absorvia as ideias e indicações conceituais dos produtores dos

objetos. Toda a significação do que foi visto, lido e observado era guardada na

intimidade do público. A resposta do espectador estava nos comentários acerca do que

foi visto. Atualmente, com as novas mídia, o espectador tornou-se um co-criador de

ideias e informações. Lucia Santaella (2011, p. 79) comenta que “o espaço aberto para

o receptor é também o espaço da inclusão, quando, por exemplo, o artista convida seu

público a remixar sua proposta na espera curiosa das mutações que podem resultar do

papel performático que o público passa a desempenhar”. A partir do momento em que

na programação de um objeto fruto das novas mídia foi aberta a opção de um

interator/usuário inserir informações, essa ação passa a modificar o ambiente inicial.

De acordo com André Parente:

22 Pesquisa realizada no dicionário Houaiss online, no link

http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=intera%25C3%25A7%25C3%25A3o. Acesso em 12 de março de 2013.

23 André Parente define os dois principais aspectos da interação do usuário como ambientes digitais. PARENTE,

André. Cinema em trânsito: cinema, arte contemporânea e novas mídias. (Rio de Janeiro: Beco do Azougue,

2011). p. 30.

Page 30: Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e ... Luisa Cap… · k-film 7 Sons (2003) p. 48 Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação 7 Sons (2003) no Goethe-Institut,

30

Nesses termos, o espaço digital se configuraria com um campo de

possíveis, em que o sujeito-enunciador fornece elementos e o

sujeito-atualizador realiza parte de suas possibilidades, podendo o

usuário ser encarado como co-autor de uma obra digital, já que

contribui, de maneira efetiva, para sua formação.

(PARENTE, 2011, p. 55)

Os espaços digitais que comentamos aqui são espaços onde meios diversos se

encontram. Imagens, sons e textos estão no mesmo ambiente, enchendo a tela de tipos

diferentes de informação. É onde todos os meios comunicacionais se encontram, onde

todas as máquinas podem ser simuladas. O cinema, como linguagem construída ao

longo do século XX, foi absorvido e remodelado. As imagens, em movimento ou

fotográficas, sons e textos são dispostos, sobrepostos, transpostos em uma edição

criada em conjunto: proposta pelo programador e acionada pelo interator.

O caráter participativo das novas mídia estimulou cineastas e artistas a criarem

obras/filmes que indicavam possibilidades de mudança da própria linha narrativa. Se

na experiência passiva da sala de cinema o espectador não pode interferir na narrativa

ali apresentada, no cinema das novas mídia o processo é outro: o interator é

convidado a escolher seus próprios caminhos dentro da narrativa.

A interatividade requer a apresentação de possibilidades de interação. Essas

possibilidades podem ser encontradas em um ambiente fechado, chamado de closed

interactivity, ou aberto, chamado de open interactivity24

. A interatividade em

ambiente fechado se refere à opção de selecionar objetos em uma estrutura fechada.

Já a interatividade aberta é mais complexa, e significa a ação construtiva de um

interator que não só seleciona os objetos que já estão em uma estrutura, como também

aciona mudanças na estrutura inicial e nos objetos prévios, ao mesmo tempo que gera

outras organizações de objetos no decorrer da interação.

Um exemplo desse cinema interativo é o projeto Soft Cinema: Navigating the

database, criado por Lev Manovich em 2005. Esse projeto consiste em um DVD que

mantém três filmes em linguagem cinematográfica. A diferença entre o Soft Cinema e

os filmes tradicionais está nas possibilidades de visualização das narrativas: através de

um programa criado pelo próprio autor, as imagens e textos dos filmes foram

organizados em um banco de dados. Esse banco de dados é acessado de uma forma

diferente a cada inicialização, provocando recombinações na sequência de imagens,

24 MANOVICH, Lev. The language of new media. (Cambridge: MIT Press, 2001), p. 40.

Page 31: Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e ... Luisa Cap… · k-film 7 Sons (2003) p. 48 Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação 7 Sons (2003) no Goethe-Institut,

31

apresentações e narrativas. O resultado é sempre inesperado, pois as combinações são

infinitas. Já em Soft Cinema: Ambient Narrative, de Manovich e Andreas Kratky25

,

projeto posterior, as combinações acontecem entre as escolhas da programação, das

imagens cinematográficas e da arquitetura do espaço. Neste projeto, os autores

propõem a construção de instalações que funcionam como ambientes de convivência,

em que o espectador poderia caminhar, conversar, descansar e acompanhar a

narrativa, dividida em imagens projetadas em múltiplas telas espalhadas pelo espaço.

De acordo com Manovich e Kratky, o projeto está relacionado às novas formas de

representação surgidas com o “cinema de software”, que apresentam outros meios de

significação a partir do formato rizomático das tecnologias de informação.

Outro artista que também realiza instalações em que as imagens projetadas são

construídas de modo arquitetônico é o britânico Isaac Julien26

. Julien é cineasta e

fundou sua primeira produtora no início dos anos 1980. Já no final dos anos 1990,

iniciou sua pesquisa em videoinstalações. Isaac Julien constroi espaços desejando que

o público caminhe por entre as telas espalhadas por ele. Os vídeos são divididos em

diferentes telas e são programados de modo a combinar momentos-chave dos filmes

com o acender ou apagar de algumas ou de todas as telas. Assim, ele provoca uma

atenção redobrada do espectador, que percorre a instalação observando e procurando

as telas que mostram as imagens. Essas imagens são captadas em película e depois

digitalizadas para exibição, passando pelos processos indicados por Manovich de

transição de referências analógicas para referências digitais.

Os exemplos de Soft Cinema de Manovich e das videoinstalações

cinematográficas de Isaac Julien são indicativos das novas linguagens que se formam

diante do uso da tecnologia e do pensamento interativo. Sendo esse pensamento de

uma interatividade direta, em que o interator aciona um dispositivo, ou uma

interatividade processual, em que o espectador é transformado em interator subjetivo,

ao precisar preencher por si só as lacunas que surgem entre-imagens, as novas mídia

indicam um novo posicionamento do público.

Os processos de significação realizados pelo público, ao ser convidado a

interagir com uma instalação ou com um software em um computador, são

25 O projeto Soft Cinema pode ser encontrado online pelo link http://www.softcinema.net/?reload. Acesso em 12

de março de 2012.

26 Isaac Julien: Geopoéticas. Associação Cultural Videobrasil. São Paulo: Edições SESCSP, 2012.

Page 32: Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e ... Luisa Cap… · k-film 7 Sons (2003) p. 48 Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação 7 Sons (2003) no Goethe-Institut,

32

potencializados quando esses espaços têm em sua arquitetura uma grande quantidade

de oportunidades de escolhas ou caminhos. A interação torna-se mais produtiva

quando existem mais opções, transformando o ato de interagir em algo mais aberto e

complexo.

As opções de imagens e informações que se abrem ao espectador, como vistas

no projeto Soft Cinema de Lev Manovich e nas videoinstalações de Isaac Julien, são

exemplos de como objetos criados entre o cinema e as novas mídia ganham o espaço

real. Mas e no espaço virtual, espaço este de domínio da internet? No capítulo

seguinte conheceremos um programa de computador desenvolvido para criar um

cinema interativo, em que a interatividade acontece como uma espécie de editor dos

objetos audiovisuais pertencentes a um banco de dados.

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33

2 – O Korsakow System e montagem aberta

O Korsakow System27

é um programa de computador desenvolvido por

Florian Thalhofer28

em 2000, na Universidade de Artes de Berlim. Na época,

Thalhofer estava interessado em conhecer e pesquisar sobre formas diferentes de se

contar histórias. No mesmo período, o artista estava descobrindo possibilidades de

programação de computadores e, movido por esses dois interesses, criou o programa

Korsakow. O nome, Korsakow, é proveniente da síndrome de Korsakoff, um tipo de

amnésia que causa danos em memórias de curto prazo. Embora o nome do programa

remeta a uma ausência ou à perda de algo, isto não é o que acontece. A intenção de

Thalhofer, como veremos a seguir, é construir histórias com fragmentos que

possibilitem combinações.

2.1 – Florian Thalhofer e o projeto original

Florian Thalhofer nasceu em 1972 na Bavária, e vive e trabalha em Berlim. É

artista e documentarista, tendo realizado aproximadamente 15 filmes com o

Korsakow, quatro instalações-Korsakow e 25 Korsakow-shows. Além das

experimentações e filmes produzidos com o programa, Thalhofer realizou um longa-

metragem29

.

Florian Thalhofer era aluno da Universidade de Berlim quando definiu o seu

projeto para o trabalho de conclusão do curso: um filme não-linear e interativo sobre

alcoolismo. Com o intuito de realizar o filme, chamado de The Korsakow Syndrom, o

então estudante percebeu as dificuldades de realizar o projeto. Movido por interesses

recentes em programação de computadores, Thalhofer decidiu, mesmo sem saber ao

certo como tornar viável seus anseios, produzir um programa de computador que

27 Site oficial do Korsakow System. http://korsakow.org/ .Acesso em 02 de julho de 2013.

28 Florian Thalhofer, nascido em 1972, é documentarista e artista. Recebeu um prêmio Literatur.Digital, um Red

Dot Design Award, uma Werkleitz Award e outros prêmios por seu trabalho. Thalhofer estudou na Universidade

de Artes de Berlim, onde trabalhou por vários anos como professor depois de se formar. Foi professor convidado

da Deutsche Literaturinstitut Leipzig e leciona no Instituto Mediamatic em Amsterdã. GOETHE – INSTITUT,

http://www.goethe.de/uun/bdu/en7654604.htm . Acesso em 02 de julho de 2013.

29 Biografia do artista Florian Thalhofer em seu site oficial, http://www.thalhofer.com/data/03content/bio.html.

Acesso em 04 de julho de 2013.

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34

tornasse possível alcançar seus desejos como cineasta. Com muitas dificuldades

durante o processo, o programa e o filme finalizados e apresentados chamaram a

atenção do professor Willem Velthoven, que convidou Florian para lecionar em uma

nova disciplina, chamada “Narração Interativa”30

. Embora o foco de Florian fosse o

filme finalizado, o professor sugeriu que os alunos utilizassem o programa criado por

Thalhofer em seus projetos pessoais, e assim o programa, originalmente uma

ferramenta, foi nomeado tal qual o filme. O programa tem sido atualizado e os

projetos propostos por Thalhofer recebem a supervisão do professor Matt Soar, da

Universidade Concordia em Montreal, Canadá, desde 2008.

Essencialmente, o programa Korsakow é uma ferramenta para a criação de

narrativas não-lineares, como explica Thalhofer:

É um software para fazer filmes baseados em regras, não-lineares e

interativos. Parece complicado, mas é muito simples: O autor

descreve as cenas individuais de um filme Korsakow. Com base

nessas descrições, as cenas são, então, re-arranjadas de uma forma

significativa para cada visualização. Normalmente o telespectador

pode escolher a próxima cena a partir de uma série de sugestões.

Mas há também filmes Korsakow que são executados

automaticamente, onde o computador escolhe a próxima cena. Um

filme como este não pode mais ser visivelmente diferenciado de um

filme “normal”.

(THALHOFER, Florian, 2011)31

A estrutura de um filme criado com o Korsakow, chamado de k-film, se

distancia do conceito de cinema linear. O cinema linear, o tradicional, é construído

por meio de processos de montagem e edição que alinhavam as cenas para sempre.

Para Manovich (2001, p. 143), as antigas mídia baseavam-se na montagem, enquanto

as novas mídia substituem essa estética pela continuidade. Essa continuidade está na

30 Informações sobre o processo de criação do programa Korsakow retiradas do site oficial do artista.

http://thalhofer.com/_data/PAGES/xOther_2000_korsakow_system.html. Acesso em 04 de julho de 2013.

31 It is software for making rule-based, non-linear and interactive films. It sounds complicated but is very simple:

The writer describes the individual scenes of a Korsakow film. Based on these descriptions, the scenes are then re-

arranged for each viewing in a meaningful way. Usually, the viewer can choose the next respective scene from a

series of suggestions. But there are also Korsakow films that run automatically, where the computer chooses the

next scene. A film like this can then no longer be visibly differentiated from an “ordinary” film. Entrevista

realizada em 2011 por Anne-Kathrin Lange, do Goethe-Institut, com Florian Thalhofer, em 21 de maio de 2011.

http://www.goethe.de/uun/bdu/en7654604.htm. Acesso em 04 de julho de 2013, tradução nossa.

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forma multimídia com que os k-films trabalham, em que pequenos complexos são

interligados de modo não-linear. Para criar um filme não-linear, Thalhofer precisou

repensar a não-linearidade de modo que a ferramenta criada com esse objetivo

conseguisse unir, de forma simples, um programa fácil de ser utilizado a um conceito

elaborado. O discurso de Thalhofer sobre sua criação permeia um sentimento de

frustração em relação ao cinema tradicional. Para o artista, o cinema tradicional tenta

inserir conceitos e direcionar impressões e sentimentos aos espectadores. Essa

observação surge quando o artista compara o cinema às histórias contadas por seu pai

durante a infância de Thalhofer:

Quando eu era criança e meu pai lia histórias de ninar para mim, ele

sempre terminava com a mesma pergunta: “E qual é a moral desta

história?”. Então, ele geralmente respondia a pergunta ele mesmo.

Suspeitosamente, a moral da história era mais frequentemente

relacionada a coisas que vinham acontecendo em nossa família ou

na escola: para ter sucesso na vida, tem que ser bom para os irmãos,

fazer o dever de matemática e ajudar a mãe a lavar a louça.

(THALHOFER, Florian, 2011)32

Florian Thalhofer considera que a moral da história é um truque para que o

narrador consiga com que o espectador (ou leitor) faça ou acredite em algo que ele

mesmo considera válido ou importante. Essa sensação ainda está presente na fala do

artista, que resulta nos caminhos tomados por Florian. Embora ele se considere um

contador de histórias, proclamação utilizada por muitos cineastas, a dificuldade em

aceitar uma possível influência desejada por cineastas sobre seus espectadores fez

surgir em Florian o desejo de produzir filmes que percorressem outros caminhos.

Como documentarista, Florian procurava histórias e entrevistava os protagonistas

dessas narrativas reais. O documentário seria um meio interessante para contrapor

pontos de vista, leituras de acontecimentos e observar fatos, mas o caráter de um

filme finalizado em um tempo fechado, com imagens editadas e combinadas também

32 When I was a child and my father read bedtime stories to me, he always finished with the same question: “And

what is the moral of this story?” Then he usually answered the question himself. Suspiciously, the moral of the

story was most often related to stuff that had been going on in our family, or in school: To succeed in life, one has

to be nice to one’s brothers, do one’s math homework, or help one’s mother do the dishes. Parte de texto

produzido por Florian Thalhofer para o site oficial do programa Korsakow, em 18 de setembro de 2011.

http://korsakow.org/master-vs-medium/. Acesso em 04 de julho de 2013, tradução nossa.

Page 36: Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e ... Luisa Cap… · k-film 7 Sons (2003) p. 48 Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação 7 Sons (2003) no Goethe-Institut,

36

desagradava o artista. Ele questiona “Então, por que eu deveria – o sem-noção – ser o

único a explicar a uma audiência como as coisas funcionam?”33

. Florian concluiu que

o ponto que permite uma interpretação aberta das imagens de seu filme não está na

natureza das imagens ali apresentadas, mas sim na forma como elas são exibidas. Se a

leitura e compreensão das imagens está no espaço invisível em que uma cena se liga a

outra, e que o entendimento ou conclusão de um filme depende muito da forma como

as cenas são alinhavadas, como seria então um filme em que essas mesmas cenas

pudessem ser reorganizadas, tornando possível que a cada vez que o espectador

assistisse a esse filme, ele mudasse completamente? Baseado nesta questão, Florian

desenvolveu a programação do Korsakow.

A programação do Korsakow é realizada da seguinte forma:

1a. Fase: A escolha dos objetos audiovisuais que comporão o banco de dados.

2a. Fase: A importação desses objetos para o banco de dados.

3a. Fase: A denominação de palavras-chave que vão organizar esse banco de

dados.

4a. Fase: A organização das palavras-chave em palavras-chave de entrada e

palavras-chave de saída.

5a. Fase: A combinação de cada objeto audiovisual com a sua respectiva

palavra-chave de entrada e palavra-chave de saída.

6a. Fase: Definição se cada objeto audiovisual terá ou não mais de uma

palavra-chave de entrada ou de saída.

7a. Fase: Definição de quantas vezes cada objeto audiovisual pode ser

visualizado em um mesmo acesso – de uma vez a infinitas (∞) vezes.

8a. Fase: Definição do layout da interface que dá acesso ao banco de dados/

objetos audiovisuais.

As fases podem ser visualizadas nas imagens abaixo:

33 So why should I – the clueless one – be the one to explain to an audience how things work?. Parte de texto

produzido por Florian Thalhofer para o site oficial do programa Korsakow, em 18 de setembro de 2011.

http://korsakow.org/master-vs-medium/. Acesso em 04 de julho de 2013, tradução nossa.

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37

Imagem 1. Interface principal

para programação do Korsakow System.

Na imagem acima, podemos identificar dois momentos da programação. Em

azul, no lado esquerdo inferior, os objetos audiovisuais como foram originalmente

importados para o programa. Acima deles, acompanhado da imagem de um cubo azul

e vermelho, os mesmos objetos audiovisuais já finalizados, com suas respectivas

palavras-chave de entrada e saída. Ao transformar o objeto audiovisual comum em

um objeto audiovisual programado, Thalhofer renomeia este objeto como um SNU:

Um SNU é uma “Menor Unidade Narrativa”. Por aqui nós

pronunciamos “snoo”. Trata-se de um bloco de construção

fundamental de um filme Korsakow. Com o Korsakow, você está

essencialmente pegando suas mídia (em geral, peças de vídeo

editado, com duração de 20 segundos a 2 minutos) e as SNU-

ficando. Isto é, aplicando palavras-chave e outras regras para cada

peça de mídia que irá aparecer no seu k-film.

(THALHOFER, Florian)34

34 A SNU is a ‘Smallest Narrative Unit’. Around here we pronounce it ‘snoo’. It is the fundamental building block

of a Korsakow Film. With Korsakow, you’re essentially taking your media assets (typically, pieces of edited video

with durations of 20 secs to 2 minutes) and SNU-ifying them. That is, applying keywords and other rules to each

piece of media that will appear in your K-Film. Parte de texto produzido por Florian Thalhofer para o site oficial

do programa Korsakow. http://korsakow.org/learn/faq/#snu. Acesso em 05 de julho de 2013, tradução nossa.

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38

O SNU é editado em uma janela especial, como podemos ver abaixo:

Imagem 2. Interface de produção

de um SNU.

A imagem número 2 demonstra as possibilidades de edição de um objeto

audiovisual no Korsakow. Quando ele é editado, recebe o nome de SNU. Essas

possibilidades são: renomear o arquivo; escolher a palavra-chave de saída e a de

entrada; escolher uma imagem ou um frame para ser a imagem de “apresentação” do

vídeo; definir se esse objeto será o objeto inicial de todo o k-film, o final ou nenhum

deles; definir a duração do objeto na tela (incluindo aí a possibilidade de um looping);

inserir ou não um texto na imagem; as dimensões do objeto na interface final e a

possibilidade de haver uma trilha sonora específica para este objeto. Todas essas

especificidades são reconhecidas por Thalhofer como “regras”. São essas regras que

formam o k-film final. Assim, quanto maior a aproximação do programador (ou

criador) com as possibilidades criativas do Korsakow, mais complexo o k-film poderá

ser.

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A imagem número 3 refere-se a uma outra interface, a interface das palavras-

chave:

Imagem 3. Interface de

visualização das palavras-chave.

Na imagem acima, a interface apresenta a organização das palavras-chave

criadas e organizadas em cada SNU. O cubo vermelho representa as palavras-chave

de entrada e o cubo azul, as palavras-chave de saída. Assim, no primeiro exemplo, a

palavra-chave “couple” é a palavra-chave de entrada do objeto SNU “couple.mov” e a

palavra-chave de saída dos objetos “man04.mov” e “woman04.mov”. Já no segundo

exemplo, a palavra-chave “family” é a palavra-chave de entrada do objeto SNU

“family.mov” e a palavra-chave de saída do objeto “couple_naked.mov”. Nas abas

seguintes, a palavra-chave “kids” é vinculada como palavra-chave de entrada de dois

SNUs e como palavra-chave de saída de um SNU. Já a palavra-chave “man” é a

palavra-chave de entrada de quatro SNUs e a palavra-chave de saída de cinco SNUs.

Essa imagem é um bom exemplo da quantidade de conexões que podem

existir entre diferentes objetos dentro de um mesmo k-film. Essa quantidade define a

complexidade e a dinâmica do filme. Um k-film com poucos objetos e poucas

conexões será mais rapidamente visualizado e finalizado pelo interator. Já um k-film

com maior número de objetos e maiores possibilidades de conexões resulta em mais

caminhos a seguir dentro do k-film. Isto posto, a duração de um k-film é

extremamente variável e resulta de uma operação matemática que envolve a

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quantidade de objetos no k-film, a quantidade de palavras-chave, a quantidade de

ligações entre um SNU e o outro e o variável: o caminho escolhido pelo interator ao

selecionar o próximo objeto. Essa seleção acontece através de uma interface, também

programada pelo programador, como demonstra a imagem seguinte:

Imagem 4. Programação da interface

de interação de um k-film.

A imagem 4 exibe a estrutura da interface de um k-film. Dividida em quatro

partes, sendo uma de formato maior no topo e outras três de formato menor, a tela

representa o formato do objeto em exibição (o maior) e as três opções seguintes,

sugeridas para que o interator escolha uma. Com a escolha, torna-se impossível que o

interator retorne à tela anterior, e, caso ele deseje visualizar algum objeto que não foi

escolhido anteriormente, este mesmo objeto só poderia reaparecer como possibilidade

se a palavra-chave de entrada dele for a mesma palavra-chave de saída de um objeto

selecionado pelo interator. A falta proposital de um retorno para a tela anterior

somada às relações entre palavras-chave são pontos muito importantes para que a

interação ocorra de modo interessante e instigante. Outro ponto também está no fato

curioso pensado por Thalhofer: se a escolha da interface de interação for como a da

imagem 4, por exemplo, e um dos objetos visualizados contiver mais de três objetos

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41

interligados a ele (como é o caso dos objetos que têm como palavra-chave de saída

“man”35

), o k-film selecionará, de forma randômica, apenas 3 dos 5 SNUs

relacionados a ele. Essas duas escolhas, a impossibilidade do retorno e as escolhas

randômicas, são responsáveis também pela complexidade dos k-films, pois se torna

muito difícil percorrer um mesmo caminho duas vezes e, portanto, assistir ao mesmo

filme duas vezes.

2.2 – Estrutura e possibilidades

O Korsakow System foi concebido primeiramente como ferramenta para a

criação de um filme específico. O potencial do programa foi percebido e suas

características repensadas. Não mais como uma ferramenta, mas como uma

linguagem. O modo de criar dentro do Korsakow segue uma estrutura básica, mas, tal

qual outras linguagens, mudanças são permitidas e estimuladas. Pensando em um

público heterogêneo, de estudantes a diretores de cinema, para uso pessoal e para o

mercado, Florian Thalhofer disponibiliza o Korsakow para download gratuito. Em sua

página oficial, o programa está disponível para usuários de sistemas operacionais

Windows e Mac OS X, e é sinalizado como um programa open source. Ser open

source significa que a programação original do Korsakow System pode ser

modificada. Um usuário experiente pode modificar as configurações do programa,

inserindo ações e recriando o programa conforme as suas necessidades.

Para Thalhofer, o programador e o interator têm igual importância dentro do

conceito que cerca o programa. Pensado para o público, a programação de um k-film

deve ser instigante, para que a descoberta de cada elemento seja assimilada com

cuidado. Comparando o papel do programador de um k-film ao de um diretor de um

filme linear tradicional, Thalhofer diz que “o autor predefine e antecipa a experiência

do espectador. Em um filme linear, o autor não pode evitar ser o dono da história

porque, no final, um filme linear tem uma - e apenas uma - ordem concreta, e o autor

tem que assumir a total responsabilidade por isso”36

. A proposta de Thalhofer se

35 Ver imagem 3, p. 39.

36 The author predefines, and pre-thinks the experience of the viewer. In a linear film, the author cannot avoid

being the master of the story because, in the end, a linear film has one – and only one – concrete order, and the

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distancia do cinema tradicional quando o autor do k-film deixa de ser o “mestre da

história” e passa a ser a “mídia da história”. Aqui, o Korsakow atua como a

ferramenta que tornará possível as ideias do autor. O autor/artista/programador de um

k-film prepara o material que será exibido. Ele seleciona e edita esse material, tal qual

um diretor o faz em um filme convencional. A diferença de um k-film está no fato de

que o autor cria regras de como esse material será exibido, mas não consegue prever o

filme em si. Os diferentes rumos que um k-film pode tomar, a partir da interação,

configuram experiências que podem inspirar diferentes modos de perceber e lidar com

o filme, mas de maneira alguma os k-films apresentam mensagens delimitadas pelo

autor:

Durante a apresentação, os projetos em Korsakow podem se alterar

dinamicamente em reação às escolhas do usuário, tornando-se

verdadeiramente interativos. (...) O usuário pode decidir livremente

qual deles seguir.

(MEIBERGEN, Deborah)37

A liberdade de interagir com um k-film e construir filmes únicos, frutos de

cada interação, se assemelha aos processos de interação com a internet. Assim como

nos k-films, usuários de internet visitam páginas construídas e preenchidas com

conteúdos específicos, definidos por programadores. A alternância entre a atividade e

a passividade, ao nos relacionarmos com um k-film, é, segundo Manovich, “uma

característica estrutural da sociedade moderna” (2001, p. 209). Quando o usuário

inicia uma busca ou visita o seu site preferido, ele está iniciando um processo de

navegação consciente. O seu ponto de partida, na maioria das vezes, já é definido. As

opções de conexões entre sites e conteúdos instigam o usuário a percorrer e conhecer

diferentes pontos da internet, com conteúdos diversos que são interligados por

palavras-chave, assuntos, formatos, etc. Segundo Braga, citado por Santaella:

author has to take full responsibility for it. Parte de texto produzido por Florian Thalhofer para o site oficial do

programa Korsakow. http://korsakow.org/master-vs-medium/. Acesso em 10 de julho de 2013, tradução nossa.

37 During the presentation, Korsakow projects can change dynamically in reaction to user choices, making them

truly interactive. (...) The user can freely decide which one to follow. Trecho de artigo escrito por Deborah

Meibergen sobre o Korsakow System para o site Mediamatic, de Amsterdã. http://www.mediamatic.net/9276/en/

the-korsakow-system. Acesso em 11 de julho de 2013, tradução nossa.

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43

O usuário entra em um sistema de co-autoria do material que é

exposto a ele. Ainda que ele não tenha o controle do conteúdo

interno, a maneira com que é definida a sequência dos tópicos,

interligando um conteúdo a outro em diferentes ordens, define e,

por vezes, altera o próprio contexto.

(SANTAELLA, 2011, p. 306)

O contexto da internet, como um imenso banco de dados alimentado e

multiplicado segundo a segundo, se assemelha em possibilidades ao funcionamento

do Korsakow System. Embora a internet sustente a opção de que o usuário também

adicione conteúdo a ela, seja por meio de comentários em sites com essa opção ou por

links entre blogs ou redes sociais, o Korsakow ainda não dá está possibilidade ao

interator/usuário. Ao entrar em contato com um k-film, o interator está dialogando

com um banco de dados fechado para a inserção de novos conteúdos, mas “aberto” o

suficiente para que a experiência se transforme a cada nova interação. Embora, no

geral, a aceitação do público com a experiência de um k-film seja positiva, alguns

espectadores não se tornam entusiastas. Sobre isso, Thalhofer diz que “alguns

criticam que os filmes são chatos e não explicam o que deveríamos pensar. Mas essa é

a força do Korsakow: eu não digo ao público o que pensar, eles têm de pensar por si

mesmos”.38

Formalmente, a programação de um k-film se assemelha a uma ideia de rede,

similar à internet. Florian Thalhofer incentiva os autores que buscam o Korsakow a

não tentar controlar ou desenhar essa rede. Os autores são instruídos a organizar o

programa como um banco de dados, mas não devem tentar visualizar previamente

como se dará essa programação dentro do Korsakow. A estrutura de ligações entre

objetos audiovisuais dentro de um k-film acontece da seguinte forma:

38 Some criticize that the films are boring and don't explain what you've supposed to think. But, that's the strengh

of Korsakow: I don't tell the audience what to think; they have to think for themselves. Trecho de entrevista

concedida por Florian Thalhofer para o Goehte-Institut, em 21 de março de 2011.

http://www.goethe.de/uun/bdu/en7654604.htm. Acesso em 16 de julho de 2013, tradução nossa.

Page 44: Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e ... Luisa Cap… · k-film 7 Sons (2003) p. 48 Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação 7 Sons (2003) no Goethe-Institut,

44

Imagem 5. Imagem ilustrativa de um objeto

e suas palavras-chave de entrada e saída.

A imagem acima, retirada do site oficial do Korsakow System, faz parte de um

vídeo tutorial que explica, de forma bastante didática, como as palavras-chave

escolhidas pelo programador podem interligar os objetos gerando uma rede complexa

e que se modifica a cada escolha do interator.

Na imagem número 6, um exemplo da expansão de possibilidades:

Imagem 6. Imagem ilustrativa de objetos

e suas ligações.

A percepção da importância das palavras-chave dentro dos k-films é o grande

triunfo do programa. É através do encontro dessas palavras-chave que a rede de

possibilidades é construída. Thalhofer nomeou esse encontro de palavras-chave de

entrada e saída de POCs (pontos de contato). Quanto mais POCs de diferentes

objetos, maiores as possibilidades de se ciar narrativas únicas a cada interação.

Page 45: Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e ... Luisa Cap… · k-film 7 Sons (2003) p. 48 Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação 7 Sons (2003) no Goethe-Institut,

45

Imagem 7. Imagem ilustrativa de objetos

e suas ligações.

A proximidade do Korsakow System com a internet ultrapassa a similaridade

com a construção em rede. É através da internet que o Korsakow System é divulgado

e disponibilizado para download. Thalhofer tem na internet a principal plataforma de

distribuição do seu trabalho e um modelo de comunicação não-linear.

2.3 – K-films

Os k-films de Florian Thalhofer seguem uma linha evolutiva da simplicidade

para a complexidade. Os primeiros k-films do autor eram de organização simples,

pois foram desenvolvidos ao mesmo tempo que o programa era repensado e

aperfeiçoado. Conceitualmente, o Korsakow System tem em seu início o objetivo de

ser um programa que possibilite a criação de narrativas não-lineares, baseadas em um

banco de dados, de forma a representar formalmente o que estava sendo desenvolvido

conceitualmente. O desenvolvimento conceitual do programa foi um incentivo para

que o autor se aprofundasse nas possibilidades do programa, criando k-films que

apresentam de forma expandida questões sociais, econômicas e culturais. Neste item,

selecionei alguns projetos que considerei importantes para exemplificar o

desenvolvimento do programa e os k-films do autor.

Page 46: Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e ... Luisa Cap… · k-film 7 Sons (2003) p. 48 Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação 7 Sons (2003) no Goethe-Institut,

46

Small World (1997)

O projeto Small World39

é o primeiro filme produzido por Thalhofer. Small

World é um documentário em que o autor revê a cidade de 27 mil habitantes onde

passou a infância. A cidade alemã de Schwandorf fica próxima à fronteira com a

República Tcheca e era separada deste país pela chamada Cortina de Ferro, uma

divisão territorial do continente europeu durante a Guerra Fria (de 1945 a 1991).

O projeto conta com 54 histórias sobre viver em uma cidade pequena, todas

criadas pelo autor. Baseadas em experiências e lembranças, as histórias são narradas

pelo irmão de Thalhofer, que acrescenta um tom de ironia às narrativas.

O autor se distancia das histórias ao usar lembranças como disparadores

criativos, para depois modificar os acontecimentos acrescentando detalhes e pontos de

vista críticos sobre como é viver em pequenas cidades. Sobre a opção de transformar

lembranças em histórias ficcionais, ele diz “Nós não somos tão responsáveis por

escrever a verdade. Se eu tivesse dito que esta é a verdade, então as pessoas poderiam

me culpar e dizer: 'isso não é verdade’ou ‘ isso é errado’40

.”

Small World participou do Festival Internacional de Linguagem Eletrônica

(FILE), em São Paulo, na edição de 2005.

Imagem 8. Reproduções de três telas

de narrativas do filme Small World (1997).

39 Site oficial do projeto Small World: http://www.kleinewelt.com/.

40 We’re not that responsible for writing the truth. If I’d have said that this is the truth, then people could have

blamed me and said ‘this is not true’ or ‘this is wrong’. Trecho de entrevista concedida por Florian Thalhofer para

Matt Soar, em 18 de julho de 2010. http:// http://nomorepotlucks.org/site/langsamkeit-telling-stories-in-a-small-

world. Acesso em 14 de julho de 2013, tradução nossa.

Page 47: Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e ... Luisa Cap… · k-film 7 Sons (2003) p. 48 Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação 7 Sons (2003) no Goethe-Institut,

47

Korsakow Syndrom (2000)

O primeiro k-film realizado por Thalhofer ainda não poderia ser chamado de k-

film. Foi durante a produção de um filme pensado com uma estética de hipermídia

que Florian desenvolveu o programa. A produção, tanto do filme quanto do programa,

foi paralela: enquanto filmava e produzia o material audiovisual, criava-se o

programa. Ao partir do tema do próprio filme, a síndrome de Korsakoff, Florian

experimenta formalmente os aspectos que especificam essa síndrome.

No filme Korsakow Syndrom41

, o autor compila materiais audiovisuais

diversos com um tema em comum: o alcoolismo. As entrevistas foram realizadas em

bares, festas, galerias de arte, salas de concerto e em transportes públicos, em Kuala

Lumpur, Berlim, Nova York e na Finlândia. Quando perguntados sobre bebidas

alcoólicas, todos os entrevistados tinham histórias para compartilhar.

Ao ser questionado sobre a escolha do tema, o autor explica que a síndrome de

Korsakoff é um termo médico para uma consequência cerebral do consumo abusivo

de álcool. Esta consequência é a perda da memória de curto prazo. Os pacientes com

essa síndrome tendem a compensar seus esquecimentos com a criação de histórias que

substituem as lembranças ausentes. Ao descobrir o elo do consumo alcoólico com

formas de construir histórias, o autor relacionou esta condição com o formato de um

banco de dados que contivesse pequenas histórias, e que seria acessado de forma não-

linear, tal qual o funcionamento cerebral de um paciente que necessita conectar

lembranças cujos elos foram perdidos. Foi baseado nesta associação que o autor deu

início ao desenvolvimento do programa Korsakow, para que ele conseguisse uma

aproximação do conceito do vídeo com a forma como ele seria apresentado.

Assim como Small World, Korsakow Syndrom também participou do Festival

Internacional de Linguagem Eletrônica (FILE), em São Paulo, na edição de 2005.

41 Site oficial do k-film Korsakow Syndrom: http://thalhofer.com/korsakow/syndrom/.

Page 48: Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e ... Luisa Cap… · k-film 7 Sons (2003) p. 48 Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação 7 Sons (2003) no Goethe-Institut,

48

Imagem 9. Reproduções de três telas

de narrativas do filme Korsakow Syndrom (2000).

7 Sons (2003)

O k-film 7 Sons42

foi realizado por Florian Thalhofer em parceria com o

egípcio Mahmoud Hamdy. Originalmente pensado como uma videoinstalação de duas

telas, foi apresentado pela primeira ver no Cairo, Egito, em outubro de 2003.

Os autores visitaram uma tribo de beduínos no Sinai, uma península

montanhosa, e conheceram o xeque Suellim, a família dele e o seu cotidiano. O título

da obra faz referência aos sete filhos homens do xeque.

No diálogo travado em pequenos filmes, os beduínos apresentam seu mundo e

comentam suas inquietações e dúvidas em relação à sociedade moderna e distante da

qual Thalhofer e Hamdy fazem parte. Essa distância entre mundos é diminuída pelas

pontes de diálogo construídas pelos autores e seus entrevistados.

Este k-film também participou da edição de 2005 do Festival Internacional de

Linguagem Eletrônica em São Paulo.

Imagens 10 e 11. Documentação do processo de

filmagem e still do k-film 7 Sons (2003).

42 Site oficial do k-film 7 Sons: http://www.7sons.com/.

Page 49: Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e ... Luisa Cap… · k-film 7 Sons (2003) p. 48 Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação 7 Sons (2003) no Goethe-Institut,

49

Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação

7 Sons (2003) no Goethe-Institut, Cairo, Egito.

Forgotten Flags (2006)

O k-film Forgotten Flags43

foi realizado em 2006, mesmo ano da Copa do

Mundo de futebol, na Alemanha. Motivado pela onda patriota nas cores vermelho,

preto e amarelo, Thalhofer viajou pela Alemanha acompanhado pela artista Juliane

Henrich. Nos 2526 quilômetros percorridos, Thalhofer conversou com alemães que

mantiveram bandeiras em suas casas após 6 meses do término da Copa do Mundo.

Durante os 11 dias do mês de dezembro em que viajaram, Thalhofer e Henrich

pediram que os entrevistados explicassem as motivações pelas quais escolheram

colocar as bandeiras durante a Copa e mantê-las depois, incluindo em seus relatos as

opiniões de familiares, amigos e vizinhos e os custos das bandeiras simples até a

aquisição de mastros para bandeiras náuticas.

Imagem 14. Reprodução da interface

de interação do k-film Forgotten Flags (2006).

43 Site oficial do k-film Forgotten Flags: http://www.forgotten-flags.com/.

Page 50: Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e ... Luisa Cap… · k-film 7 Sons (2003) p. 48 Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação 7 Sons (2003) no Goethe-Institut,

50

Planet Galata: a bridge in Istanbul (2010)

O k-film Planet Galata44

é uma parceria de Florian Thalhofer e do cineasta

turco Berke Baş. Filmado em 2010 em Istambul, o filme documenta o cotidiano de

pessoas que vivem e trabalham nos arredores da ponte de Gálata. Essas entrevistas

incluem comerciantes, moradores e turistas. Thalhofer considera esta região da cidade

um microcosmo que reflete a rica diversidade cultural de Istambul. A ponte tem dois

níveis, sendo o superior para pedestres e carros e o inferior para o comércio e

restaurantes.

Para a realização deste k-film, Thalhofer optou pela produção de um filme

linear tradicional, no qual os lucros com a venda do projeto patrocinado seriam

utilizados para a produção de um k-film.

A realização de um filme tradicional com poucos profissionais envolvidos

levou muito tempo e enfrentou muitos problemas, o que dificultou a produção

paralela do k-film, que foi terminado às pressas.

Imagem 15. Reprodução de imagens

do k-film Planet Galata (2010).

Money and the Greeks (2012)

O k-film Money and the Greeks45

é uma parceria de Thalhofer e Elissavet

Aggou. O projeto teve seu início em 2011, quando os autores viajaram pela Grécia

com o objetivo de descobrir como os gregos estavam lidando com a grave crise

44 Site oficial do k-film Planet Galata: http://planetgalata.com/.

45 Site oficial do k-film Money and the Greeks: http://geld.gr/.

Page 51: Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e ... Luisa Cap… · k-film 7 Sons (2003) p. 48 Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação 7 Sons (2003) no Goethe-Institut,

51

econômica. Enquanto viajavam, Thalhofer e Aggou escreveram um blog sobre a

experiência.

Ao final da viagem, eles haviam coletado mais de 30 horas de entrevistas.

Com o apoio do Goethe-Institut de Atenas, todo o material foi traduzido e pré-editado

em 203 clipes com 4 ½ horas de duração. Este material, ainda bruto, foi apresentado

publicamente em Berlim e Atenas com o objetivo de que o público participasse do

processo de edição, avaliando e comentando o material exibido. Baseados nos

apontamentos do público, formado por alemães, gregos e gregos que vivem no

exterior, os autores perceberam que esses grupos tinham opiniões muito diferentes

sobre cada clipe. A controvérsia de cada clipe foi registrada em valores, de acordo

com a opinião específica de cada grupo. A seleção final dos clipes deu ênfase aos

depoimentos mais polêmicos, que agora fazem parte do k-film final, disponibilizado

na internet.

Imagem 16. Reprodução de imagens

do k-film Money and the Greeks (2012) I.

Imagem 17. Reprodução de imagens

do k-film Money and the Greeks (2012) II.

Page 52: Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e ... Luisa Cap… · k-film 7 Sons (2003) p. 48 Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação 7 Sons (2003) no Goethe-Institut,

52

Korsakow Show

O Korsakow Show46

é um evento público com formato interativo e

participativo, no qual clipes de vídeo são exibidos e discutidos por especialistas e pelo

público. O formato foi criado por Thalhofer em 2008, em uma série de oito shows em

Munique. Esta série foi bem sucedida e se estendeu por mais sete mostras, produzidas

em 2009 e 2010.

Florian Thalhofer criou mais três shows neste formato, em mostras em Berlim,

Caracas e Praga.

Este show é um acontecimento organizado de forma que o tema da discussão é

dado, clipes de vídeo estão à disposição para serem escolhidos pelo público e dois

especialistas são convidados para dar corpo às discussões. O público participa

selecionando o próximo vídeo a ser discutido, questionando-o e comentando-o. Os

especialistas são convidados pelo público a participar da discussão. No Korsakow

Show, Freedom and Money (2009), o público também participava enviando

mensagens de texto que entrariam em pauta como questões ou comentários. Além do

tema, Thalhofer dá apenas outra direção ao público: “Pense de forma produtiva”47

.

Na imagem seguinte, a organização de um Korsakow Show:

Imagem 18. Documentação do Korsakow Show

Freedom and Money (2009).

46 Para visualizar a estrutura de um Korsakow Show, acesse http://vimeo.com/37592016. Acesso em 15 de julho

de 2013.

47 Think productively. Trecho de entrevista concedida por Florian Thalhofer para Matt Soar, em 6 de janeiro de

2013. http://korsakow.org/interview-with-florian-about-his-korsakow-show-was-ist-geld-gr-athens-greece-

102212/. Acesso em 15 de julho de 2013, tradução nossa.

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53

A organização de um evento como este necessita dos seguintes participantes:

os vídeos; o público que assiste e seleciona os vídeos a serem assistidos; os

especialistas convidados e o mediador de toda a ação, papel corriqueiramente

desempenhado por Florian Thalhofer. As participações são totalmente democráticas.

Para a escolha do próximo clipe a ser assistido ou para que um dos especialistas

comente o assunto, eles devem ser escolhidos pela maioria do público presente, que

está munido por canetas a laser ou controles. O público é convidado a escolher o

próximo passo, e o clipe ou participante mais “votado” é o eleito para seguir adiante.

O Korsakow Show torna-se um projeto Korsakow colaborativo, pois neste

acontecimento os limites de um k-film original desaparecem. A grande peculiaridade

de um k-film é o grande volume de possibilidades de histórias, mesmo sendo a

programação por palavras-chave um ponto fechado. No Korsakow Show, o diálogo

existente entre o público presente que seleciona os vídeos e comenta, o público que

participa com mensagens de texto e os especialistas que colocam suas próprias

questões em contato com o tema proposto expandem o k-film em forma e conteúdo.

Assistir a um k-film e discuti-lo em um auditório torna a experiência coletiva e

próxima a um simpósio, em que as questões surgidas sobre o tema ganham

proporções além do contato pessoal com o vídeo. Assistir a um k-film disponibilizado

na internet e selecionar os vídeos sozinho é um processo mais íntimo e autoral, no

qual o que pode surgir da experiência são os resultados de conexões e lembranças

pessoais colocadas em diálogo com os clipes.

Como forma primordial de divulgação de seu trabalho com o Korsakow

System, Florian Thalhofer disponibilizou a sua criação na internet desde a primeira

versão, para que o público pudesse também utilizar e ajudar a desenvolver o

programa. Quando um interator decide tornar-se autor e instala o programa em seu

computador, a proximidade com o meio da programação pode abrir novos caminhos,

pois o programa permite que sejam feitas mudanças em sua programação inicial. O

programa é grátis, mas Thalhofer pede para que produções que custarem mais de

R$6000,00 sejam informadas a ele.

A disponibilidade na rede abriu caminhos para que usuários de diferentes

partes do globo se tornassem também autores. O Korsakow encontrou muitos

profissionais que viram em suas qualidades uma possibilidade de utilização. O

Korsakow tornou-se ferramenta em aulas de criação em hipermídia, meio para a

produção de documentários, banco de dados para armazenamento de arquivos há

Page 54: Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e ... Luisa Cap… · k-film 7 Sons (2003) p. 48 Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação 7 Sons (2003) no Goethe-Institut,

54

muito perdidos e linguagem para a criação de obras de arte. No capítulo seguinte,

essas diferentes formas de se utilizar o programa serão apresentadas.

Page 55: Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e ... Luisa Cap… · k-film 7 Sons (2003) p. 48 Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação 7 Sons (2003) no Goethe-Institut,

55

3 – O Korsakow System e sua utilização

A internet é um meio que abre possibilidades. A fácil comunicação entre

usuários e o caráter de constante expansão de um repertório quase infinito são o

grande atrativo para uma geração que tem na internet o principal meio de divulgação

de suas ideias. Um dos triunfos da rede é a liberdade de divulgar um trabalho sem a

necessidade de um interlocutor. É possível criar um site próprio onde o conteúdo ali

colocado é de seleção única e exclusiva do autor, ficando a cargo do próprio um

processo curatorial do que será disponibilizado ou não. Essa liberdade também coloca

o autor em contato direto com interessados pelo conteúdo do site, criando diálogos e

fóruns atualizados rapidamente.

Ao disponibilizar o Korsakow System na internet, Florian Thalhofer criou

uma rede paralela: artistas, educadores e curiosos que usaram o programa como

ferramenta para projetos diversos. Os projetos desses usuários, que estão localizados

em diferentes partes do globo, são também disponibilizados no site do Korsakow.

Thalhofer divulga os projetos para que a circulação do programa continue agregando

mais autores e fortalecendo as discussões propostas pelo autor do programa.

A abertura que Thalhofer promove está relacionada às ideias que estimularam

a criação do programa e também à sua atuação como educador. Como ele comenta:

Podemos aprender muito com pontos de vista de outras pessoas

porque os olhos de outros povos veem as coisas de um ângulo

diferente. Outra pessoa pode ver as opções e possibilidades que

você - do seu ponto de vista - não consegue ver. Isto é ainda mais

forte quando você conversa com pessoas de outras culturas ou

experiências. Quanto mais alguém está longe de seu próprio

pensamento, mais radicais são as formas com que você recebe essas

opções em sua própria vida, mas também é mais difícil obter uma

imagem clara do que a pessoa “realmente” quer dizer.

(THALHOFER, 2011)48

48 We can learn so much from other peoples’ views because other peoples’ eyes see things from a different angle.

Another person might see options and possibilities that you—from your point of view—cannot see. This is even

more so, when you talk to people from another culture or background. The further that somebody is away from

your own thinking, the more radical the options you get for your own life, but also the more difficult it is to get a

clear picture of what the person “really” means. Trecho de entrevista concedida por Florian Thalhofer para o

Goethe- Institut, em 21 de maio de 2011. http://www.a-r-c.ca/2010/10/interview-florian-thalhofer-on-his-creative-

approach/. Acesso em 19 de julho de 2013, tradução nossa.

Page 56: Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e ... Luisa Cap… · k-film 7 Sons (2003) p. 48 Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação 7 Sons (2003) no Goethe-Institut,

56

O olhar do outro está na base da criação do programa Korsakow, e é essa a

busca de todos os projetos selecionados para serem apresentados neste capítulo.

Apenas no site do Korsakow System são apresentados 66 projetos enviados por

diferentes autores. Pela internet, em sites pessoais, é possível encontrar facilmente

mais uma centena de projetos. Destes foram selecionados 7 para apresentação e

discussão. Essa seleção foi baseada em quatro categorias criadas pela mestranda, que

consistem em: obras de arte; educação; cinema e documentário e experimentação.

Esta categorização é uma tentativa de abranger os objetivos poéticos mais populares

de quem utiliza o programa Korsakow e esta escolha, de selecionar apenas 7 projetos,

foi baseada especificamente na qualidade audiovisual e estrutural destes projetos, que

sobressaíram nesta rede de experiências. Embora seja possível relacionar estes

projetos a outros temas ou formas, esta escolha é organizacional para que seja

possível perceber as formas diferentes de criar narrativas com uma mesma

ferramenta.

3.1 – Korsakow e a obra de arte

A primeira categoria apresentada está relacionada ao Korsakow System como

ferramenta de construção de obras de arte. As intenções dos autores escolhidos neste

item diferem-se de outros principalmente na fundamentação poética da criação desses

projetos.

No primeiro, Archiving R69, a proposta é dar continuidade a um projeto

iniciado em 1969, cujo objetivo inicial era de documentar os processos criativos do

artista canadense Charles Gagnon.

No segundo, O Tempo Não Recuperado, a proposta é transpor imagens de um

arquivo pessoal para formatos de narrativa não-linear, permitindo novos sentidos e

configurações às imagens existentes.

Archiving R69 (2011)

O projeto Archiving R6949

(Arquivamento R69) é uma produção canadense

realizada em 2011 por Monika Kin Gagnon. Monika Kin é filha de Charles Gagnon,

49 Site oficial do projeto Archiving R69. http://www.archivingr69.ca/. Acesso em 22 de julho de 2013.

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57

artista canadense que faleceu em 2003. Em 1969, Charles Gagnon começou a

produzir um filme, documentando a produção do artista Yves Gaucher, exposições e

galerias. Depois da morte de seu pai, Monika Kin encontrou este material, que

consistia não só em filmes mas também anotações e gravações de sons e decidiu

reorganizá-lo. O k-film Archiving R69 é um registro sobre a arqueologia de Monika

Kin do espólio de seu pai.

O título deste k-film é referente a uma obra do pintor canadense Yves

Gaucher, com o título de R#69. A letra “R” se refere à palavra red, ou “vermelho”. O

processo de produção desta obra de Yves Gaucher está nas documentações de Charles

Gagnon presentes no k-film.

O filme de Charles Gagnon, produzido de 1969 a meados de 1970, apresenta

experimentos com a câmera, como iluminação, ângulos e efeitos, entrevistas de Yves

Gaucher, a presença em segundo plano de personagens na vida dos artistas,

fotografias, músicas e anotações. De modo experimental e sem um objetivo

específico, Charles Gagnon documentou tudo aquilo que lhe parecia interessante e

que estivesse dentro do contexto artístico da época. A opção de Monika Kin de

utilizar o Korsakow System para organizar o trabalho de seu pai indica a vontade de

deixar a leitura da obra em aberto. Se escolhesse traduzir todo este material em um

filme linear, Monika Kin precisaria reorganizar a pesquisa, criando um método e uma

narração para que este material, capturado de forma aberta, fizesse sentido em uma

construção linear. A escolha do Korsakow System resolve a vontade de não significar

os objetos audiovisuais pelo olhar de Monika Kin, permitindo que o

espectador/interator perceba as ligações entre tantos objetos por si só.

O Tempo Não Recuperado (2003)

A obra O Tempo Não Recuperado é um trabalho em Korsakow System

realizado por Lucas Bambozzi, artista brasileiro, em 2003, através da Bolsa Estímulo

do 4o. Prêmio Sergio Motta.

De acordo com Lucas Bambozzi, a obra O Tempo Não Recuperado é

(...) o resultado de uma busca de imagens videográficas em um

arquivo pessoal transpostas para formatos de narrativa não-linear e

interativa. Na forma de videoinstalação e em formato DVD, o

trabalho foi conduzido de forma a permitir novos sentidos e

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58

configurações às imagens existentes, resgatando vestígios dos

propósitos originais que motivaram a captação dessas imagens.

(BAMBOZZI, 2013)50

O título da obra é uma referência ao capítulo final do livro Em busca do tempo

perdido, do escritor francês Marcel Proust. No capítulo citado, intitulado O tempo

recuperado,

(...) o autor compõe um retrato da corrupção trágica de todas as

coisas. As pessoas que o narrador julgara amar voltaram a ser

simplesmente nomes, como outrora e os objetos que buscara

tinham-se desfeito. Constata-se que ‘a vida não passa de tempo já

desaparecido’.

(BAMBOZZI, Idem)

O entendimento de que acontecimentos passados não podem ser revividos da

mesma forma é o mote desta obra. A retomada de imagens antigas, capturadas pelo

artista em diversas mídia como películas de 16mm, fitas Betamax, VHSs e MiniDVs

seriam tentativas de possibilitar que as memórias ali guardadas pudessem ser também

revividas. A coleção de imagens especiais inclui todo tipo de evento e acontecimento,

de devaneios a situações íntimas.

Como no projeto Archiving R69, Bambozzi reencontrou essas imagens e as

digitalizou. Com a digitalização e reorganização destas imagens em um banco de

dados, Bambozzi propõe ao espectador um “percurso imersivo e analítico no universo

visual do autor, proporcionando uma experiência de vasculhamento de emoções,

sentimentos e conceitos impressos nas imagens arquivadas”.51

Bambozzi reorganizou os achados em pequenas coleções, deixando para o

espectador a reinvenção dos sentidos dessas imagens. Para o artista, o espectador

percorre processos subjetivos de edição ao associar, intimamente, os planos,

50 Site oficial do artista Lucas Bambozzi. http://www.lucasbambozzi.net/projetosprojects/o-tempo-nao-

recuperado. Acesso em 23 de julho de 2013.

51 Ibidem.

Page 59: Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e ... Luisa Cap… · k-film 7 Sons (2003) p. 48 Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação 7 Sons (2003) no Goethe-Institut,

59

sequência e ideias organizados no banco de dados. Bambozzi, em seu artigo para o

livro Transcinemas52

, explicita que foi

Motivado pela experiência supostamente proporcionada pela

“revisita” a essas imagens, e não por saudosismo ou afirmações

egocêntricas, procurei estabelecer conexões que se perderam.

Buscaria o propósito de determinadas imagens, refazendo percursos

e processos. Daria finalidade a esboços mal traçados, tiraria o mofo

que impede o fluxo da memória.

(BAMBOZZI, p. 343)

Jorge La Ferla, em seu livro Cine (y) digital, comenta a poética de Bambozzi

nesta obra como uma “fina ironia sobre os atos de leitura, de memorizar e recordar

através de traços visuais, sons e imagens gravados com sua própria câmera de vídeo

(...)”53

.

Bambozzi caminha pelo mesmo percurso de Florian Thalhofer, ao perceber

que “dada a natureza subjetiva e íntima das imagens, não se fazia necessário incorrer

num discurso” (ibidem). Para o artista, não há “moral da história”: as sugestões dadas

por ele e a intuição do interator são os elementos que constroem e reconstroem as

memórias.

3.2 – Korsakow e a educação

Esta segunda categoria apresenta dois projetos que utilizam o Korsakow

System em sala de aula, com propósitos educativos. A facilidade em obter o programa

e desenvolver a programação, que obedece quase a uma ordem intuitiva, é o fator

principal para a utilização do Korsakow em disciplinas de estudos básicos de

comunicação, cinema e arte.

52 Katia Maciel organizou uma série de artigos que tratam da expansão do cinema para outros campos, como as

artes visuais e as novas mídia. O artigo de Lucas Bambozzi é uma reflexão sobre os processos poéticos e formais

de sua obra O Tempo Não Recuperado, p.343.

53 Sin embargo, Bambozzi plantea una fina ironía con respecto a los actos de leer, memorizar y recordar a través

de los vestigios audiovisuales, sonidos e imágenes registrados con su propia cámara de video (...).FERLA, Jorge

La. Cine (y) digital. Buenos Aires: Manantial Texturas. 2009, p. 104, tradução nossa.

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60

Teaching with Warez: Korsakow and the Database Documentary

O primeiro objeto aqui apresentado é desenvolvido por Jennifer Cool,

presidente executiva e articulista do blog CASTAC.ORG54

, criado para discutir e

trocar estudos de antropologia da ciência e tecnologia. Este blog está ligado ao

Comitê para a Antropologia da Ciência, Tecnologia e Informática, da Associação

Americana de Antropologia.

Jennifer Cool leciona para graduandos em arte digital e em antropologia visual

e teve seu primeiro contato com o Korsakow em 2010, quando utilizou o programa na

disciplina de “Interdisciplinaridade Digital”, com o intuito de desenvolver projetos

focados em criação de redes de mídia digitais. Neste primeiro encontro com o

Korsakow, Cool aplicou o programa em suas aulas sem tê-lo experimentado

previamente, assumindo o risco de aprender o programa junto a seus alunos.

A conclusão de Jennifer Cool sobre o Korsakow está na compreensão de que o

valor de um projeto realizado com o programa está mais no processo do que no

produto final. Durante a experimentação com a programação do Korsakow e com a

exportação de k-films para diferentes sistemas operacionais e navegadores,

descobriram-se muitas falhas no sistema que foram depois organizadas e enviadas a

Florian Thalhofer para serem solucionadas.

Outro ponto salientado por Cool está no entendimento das dificuldades e

limitações em desenvolver programas com pouco ou nenhum orçamento,

principalmente de estudantes de arte que desejam criar seus próprios programas e que

encontram complexidades como a criação de interfaces, usabilidade, acessibilidade e

estruturas e processos específicos da linguagem digital.

Com os estudantes de cinema etnográfico, Jennifer Cool introduziu conceitos

de mídia interativa e não-linear e utilizou como exemplo o projeto de Thalhofer,

Planet Galata. Os estudantes produziram seus próprios objetos audiovisuais, como

entrevistas e filmes, e praticaram técnicas de edição de textos. Nestes projetos, Cool

salientou a oportunidade de obter novas perspectivas sobre o material produzido e

novos caminhos possíveis.

54 Artigo publicado no blog CASTAC.ORG. http://blog.castac.org/tag/korsakow/. Acesso em 24 de julho de 2013.

Page 61: Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e ... Luisa Cap… · k-film 7 Sons (2003) p. 48 Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação 7 Sons (2003) no Goethe-Institut,

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Classworks - interactive online video work by media undergrads

O projeto Classworks foi criado por Adrian Miles55

, conferencista sênior em

Novas Mídia e atualmente o diretor do programa do Bacharelado em Mídia e

Comunicação do Royal Melbourne Institute of Technology em Melbourne, Austrália.

Em sua pesquisa acadêmica, Miles investiga vídeos interativos em rede e foi desse

modo que entrou em contato com o Korsakow System.

Miles propõe a criação de k-films para seus alunos do curso de Bacharelado

em Comunicação desde 2010. Em sua proposta, sugere a introdução de tecnologias

simples para a produção de mídia multilineares, que por sua vez permite aos alunos

“desenvolver uma série de competências e habilidades, e fazer alguns experimentos

preliminares em vídeo em torno de narrativas alternativas (e não narrativas), formas

de ficção e não-ficção”.56

Os alunos são encorajados a experimentar e a utilizar tecnologias simples ou

de uso pessoal, como câmeras, serviços de internet e programas de computador, para

aproximar a pesquisa de um público menos especializado, que representa a maior

parte dos usuários de tecnologia e novas mídia hoje. Miles explica que as escolhas

práticas de suas aulas, em termos de ferramentas e tecnologias, está nos últimos

lançamentos disponíveis no mercado, que as discussões giram em torno da velocidade

com que o mercado de novas mídia se modifica e se recria, e como essas mudanças

influenciam as práticas, as narrativas e as maneiras de fazer e ver filmes.

Em relação aos k-films, Miles diz que os produzidos por seus alunos têm

qualidade variável. Desde 2010 foram produzidos 52 k-films no curso de Adrian

Miles.

3.3 – Korsakow, cinema e o documentário

O Korsakow é uma plataforma para produção de objetos audiovisuais e foi

criado especialmente para o desenvolvimento de narrativas em que o modo de contar

55 Site oficial do pesquisador Adrian Miles. http://vogmae.net.au/. Acesso em 26 de julho de 2013.

56 (...) develop a range of competencies and literacies and to make some preliminary experiments around

alternative narrative (and non narrative) forms for fiction and non fiction video making. Trecho do prospecto de

Adrian Miles sobre a utilização do Korsakow em projetos educacionais no ambiente universitário.

http://vogmae.net.au/classworks/. Acesso em 26 de julho de 2013, tradução nossa.

Page 62: Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e ... Luisa Cap… · k-film 7 Sons (2003) p. 48 Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação 7 Sons (2003) no Goethe-Institut,

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uma história é não-linear e a interatividade faz parte da experiência. O Korsakow

repensa o modo tradicional de se fazer cinema e documentário, e é utilizado por

diretores/autores que procuram enfatizar a participação do interator como um agente

construtor de significados que são apresentados de modo sugestivo ou com sentido

aberto. Dos projetos apresentados no site oficial do Korsakow, foram escolhidos dois:

Gaze, como cinema, e The Border between Us, um documentário.

Gaze (2010)

O k-film Gaze57

(contemplação) foi realizado em 2010, pelos canadenses

Sarah Barrable-Tishauer e Sean Fraser. Em Gaze temos uma personagem feminina

que caminha por uma cidade sob os olhares de alguns moradores. De acordo com os

autores, o enredo de Gaze está no olhar curioso sobre pessoas que não conhecemos,

quando

(...) andamos pelo mundo escondidos daqueles que nos rodeiam,

passando por estranhos sem saber a história deles, os seus

pensamentos ou suas experiências. Podemos nunca realmente

conhecer uma pessoa a partir de um olhar e nunca conseguiremos

nos colocar no lugar dela. Mas isso não nos impede de olhar com

curiosidade para aqueles que nos rodeiam.58

O k-film Gaze contém 20 pequenas narrativas que são as percepções de cada

personagem que observa a passagem da personagem feminina. Ao escolher a próxima

pequena narrativa, o usuário constroi um significado que é baseado na linha narrativa

formada por suas escolhas. A abstração apresentada no filme permite uma maior

interatividade, tanto física quanto mental, para que cada espectador experimente o

filme de uma forma diferente.

A inspiração para Gaze foi o conceito de “conexão não encontrada”, relatada

pelos autores como um tipo de mensagem on-line associado ao site craiglist.com. Este

site é uma página de “classificados” on-line, muito similar aos “classificados” dos

jornais. Na página de “conexões não encontradas”, usuários deixam mensagens para

57 Site oficial do k-film Gaze. http://gazekfilm.com/index.html. Acesso em 28 de julho de 2013.

58 (...) we walk through the world hidden from those around us; passing strangers without knowing their story,

their thoughts or their experiences. One can never truly know a person from a glance and can never quite walk in

their shoes. But that does not stop us from gazing curiously upon those around us. Trecho da sinopse oficial do k-

film Gaze. http://gazekfilm.com/about.html. Acesso em 28 de julho de 2013, tradução nossa.

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pessoas que não conhecem ou com quem nunca conversaram, esperando uma

mensagem de retorno da pessoa para quem foi “endereçada” ou de outro usuário

qualquer que tenha se interessado. Assim, o usuário que redigiu a mensagem espera

que ela encontre, de algum modo, o endereçado.

Os personagens de Gaze que observam a protagonista são todos homens e

cada um a vê de um modo. Alguns comentam sua aparência e outros relatam histórias

do passado que a presença dela os fez relembrar. Alguns a desejam e outros apenas a

admiram e a percebem passar. O título, de acordo com os autores, faz alusão ao

trabalho teórico de Laura Mulvey, crítica de cinema britânica. Barrable-Tishauer e

Fraser dizem que

As teorias de Mulvey sugerem que o espectador e o olho

cinematográfico são sujeitos masculinos que olham para as

mulheres no cinema como “prostitutas” ou “madonas”. Este sistema

patriarcal de cinema, presente especialmente nos filmes de

Hollywood, torna impossível distanciar-se deste “olhar masculino”.

Nosso filme faz referência a essa metáfora, colocando o espectador

dentro dos pensamentos de homens ao contemplar a nossa

protagonista feminina como objeto.59

O k-film é um bom exemplo de narrativa simples em que as qualidades do

Korsakow foram empregadas de modo convincente. A trama de pequenos filmes pode

ser acessada em qualquer ordem, sem que a ideia geral seja perdida. Uma rede de

ligações é construída, entre o objeto “principal” (a protagonista) e os outros objetos,

ligados a ela. Entre os objetos masculinos, relacionamos a fala à imagem, levantando

também interpretações acerca dos indícios que as falas e as imagens constroem.

Questões como a aparência, a idade, a classe social e os sentimentos em relação à

protagonista formam as redes de possibilidades que a presença dela pode invocar.

59 Mulvey's theories suggest that the viewer and cinematic eye are masculine subjects who gaze upon women in

films as "whores" or "madonnas". This patriarchal system of filmmaking, especially present in Hollywood films,

makes it impossible to distance oneself from this "male gaze." Our film makes reference to this metaphor by

placing the viewer inside the thoughts of men as they gaze upon our objectified female protagonist. Trecho do

relato sobre o processo de realizar o k-film Gaze. http://gazekfilm.com/about.html. Acesso em 28 de julho de

2013, tradução nossa.

Page 64: Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e ... Luisa Cap… · k-film 7 Sons (2003) p. 48 Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação 7 Sons (2003) no Goethe-Institut,

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The Border between Us (2012)

O projeto The Border between Us60

foi concluído em 2012 pela canadense

Nicole Robicheau. Robicheau desenvolveu este k-film como parte de sua dissertação

de mestrado sobre fronteiras e como a divisão de espaços e territórios afeta as

comunidades envolvidas. Ao descobrir o remapeamento entre as cidades de Stanstead

(Quebec, Canadá) e Derby Line (vila incorporada à cidade de Derby, Vermont, EUA),

Robicheau idealizou este documentário. Realizando entrevistas com 11 diferentes

moradores de ambas as cidades, ela mapeou a nova rigidez na fiscalização da

fronteira depois do evento de 11 de setembro de 2001 em Nova York, EUA.

Jornalista e radialista, Robicheau escolheu o modo de construção do

Korsakow; pois acredita que o tipo de arquitetura do programa equilibra61

as vozes de

uma história como a que ela desejou investigar. Caminhamos neste k-film pelas vozes

dos entrevistados, acompanhadas pelos retratos dos próprios personagens, moradores

destas duas cidades divididas. Essas vozes são exibidas de modo independente, a fim

de serem ouvidas e compreendidas em qualquer ordem de seleção.

Como forma, The Border between Us se aproxima do projeto Planet Galata,

de Florian Thalhofer. Um tipo de jornalismo investigativo, em que os entrevistados se

relacionam por estarem em um mesmo espaço. As questões levantadas por Nicole

Robicheau guiam as respostas dos entrevistados, para que eles, com seus relatos,

alcancem os pontos-chave que ela deseja apontar em seu documentário. Embora ela

tenha uma linha de construção poética que deseja seguir, a “forma documentário” é

um segmento de cinema que recebe bem as leituras pessoais dos envolvidos. Essa

pessoalidade também está presente na própria Nicole, que se insere no k-film final

como a 12a. entrevistada.

60 Site oficial do k-film The Border between Us. http://www.theborderbetweenus.org/. Acesso em 29 de julho de

2013.

61 Em entrevista para Matt Soar, Nicole Robicheau explica por que escolheu o Korsakow System como mídia para

seu documentário. http://korsakow.org/interview-robicheau/. Acesso em 29 de julho de 2013.

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65

3.4 – Korsakow e a experimentação

Assim como existem muitas formas de contar histórias, também existem

diferentes maneiras de utilizar o Korsakow System. Seja para criar narrativas de

banco de dados como obras de arte, como ferramenta educacional para instigar alunos

a repensar e experimentar processos de criação de narrativas ou ainda como puro e

simples cinema e documentário não-linear, o formato simples do Korsakow abre

possibilidades. Este item é dedicado a um projeto que repensa a ferramenta do

Korsakow para além da criação de filmes.

Saindo do escopo inicial do Korsakow, que consiste em criar narrativas não-

lineares, Noah Springer62

decidiu utilizar o conceito de banco de dados do Korsakow

de outra forma. Essa forma é uma experiência, uma tentativa de aplicar a ferramenta

Korsakow para outros fins.

Springer é doutorando em Estudos de Mídia no Programa de Jornalismo e

Comunicação de Massa da Universidade de Colorado-Boulder, EUA. No início de

2013 criou um projeto em Korsakow com a intenção de questionar o posicionamento

da pesquisadora dra. Marie-Laure Ryan. A área de atuação de Ryan é a

“narratologia”, que consiste no estudo das relações entre narrativas através de suas

diferenças estéticas63

. Na opinião de Ryan, embora o público muitas vezes consiga

construir narrativas vindas de bancos de dados, a narrativa ainda não é percebida

como partes independentes. Pelo contrário, o banco de dados é mediado por uma

interface pela qual os usuários o acessam, sendo essa organização identificada por

eles como um todo. Springer decidiu realizar um projeto que vai de encontro às

colocações de Ryan: “picar” a narrativa em partes e redistribuí-las sob a lógica do

Korsakow.

O projeto foi focado em uma rede social chamada reddit.com64

. Esse site é

uma rede social de entretenimento. Os usuários inserem conteúdos que podem ser

textos, imagens ou links que levam a outras páginas. Outros usuários podem votar

62 Site oficial de Noah Springer, com o relato dos processos que envolveram a sua tentativa de produzir um

projeto em Korsakow System. http://noahspringer.com/?s=korsakow&submit=Search. Acesso em 29 de julho de

2013.

63 Idem.

64 Endereço eletrônico do site. http://www.reddit.com/. Acesso em 29 de julho de 2013.

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66

positiva ou negativamente quanto ao conteúdo. Esses votos são somados e realocam

os conteúdos em um ranking. Quanto mais votos positivos um conteúdo tiver, mais

chances de ele ser colocado na página inicial, ou seja, os conteúdos considerados mais

interessantes têm mais chance de serem visualizados por outros usuários. Esses

conteúdos são organizados por áreas de interesse em aproximadamente 24 temas.

Cada tema é considerado um subreddit, isto é, uma categoria dentro do reddit. Dentro

de cada conteúdo os usuários também podem inserir comentários. E esses

comentários, por sua vez, também podem ser comentados.

Neste projeto, o subreddit escolhido por Springer foi o r/hiphopheads (r/hhh).

Atualmente esta categoria mantém 15 moderadores que acompanham os conteúdos de

7 diferentes páginas onde os usuários podem inserir conteúdos, organizados por

subtemas. Dentro deste subreddit, o autor do projeto planejou usar o Korsakow para

reorganizar o sistema de comentários que os usuários podem deixar em cada

conteúdo, podendo assim interligar os comentários aos conteúdos e não um

comentário ao outro, modo proposto pelo site. A pergunta de Springer é: “o Korsakow

pode fornecer um método de análise de sistemas de comentários? Se, como Florian

Thalhofer diz, a “linearidade é supervalorizada”, lógicas não-lineares podem fornecer

insights dentro de sua própria natureza?”65

.

Para responder a essas perguntas, o autor definiu uma estrutura cujo primeiro

passo foi estabelecer quantos videoclipes, entre os mais populares da r/hiphopheads,

seriam utilizados. Primeiramente selecionou 40 vídeos e, ao perceber a dimensão que

o projeto tomaria, diminuiu para 30 e finalizou o projeto com 10 vídeos selecionados.

Em cada um dos vídeos selecionou o comentário que mais havia sido votado como

positivo e recebido, por sua vez, mais respostas. Com esta seleção, o autor pôde ter a

dimensão dos tópicos mais discutidos em cada videoclipe. A seguir, definiu a

popularidade de cada comentário baseado em um ranking que foi delineado a partir da

quantidade de respostas que cada comentário obteve. Esse ranking ia de -20 pontos

até 200 pontos.

65 Can Korsakow provide a method for analysis of comment systems? If, as Florian Thalhoffer says, “linearity is

over(rated),” can non-linear logics provide insight into their nature? http://noahspringer.com/tag/korsakow/.

Acesso em 31 de julho de 2013, tradução nossa.

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67

A programação em Korsakow deste projeto está na forma com que o autor

reuniu todas essas informações. Ao inserir os videoclipes na programação, ele criou

três palavras-chave para cada um: o título do videoclipe, o nome do

músico/cantor/artista e uma palavra-chave específica de marcação na primeira página.

Quando um outro rapper surgia como convidado no videoclipe, novas opções de

visualização para comentários relacionados ao rapper surgiam. Se o interator

assistisse ao clipe até o final, as novas opções de visualização que apareciam eram de

comentários que estivessem no mesmo ranking que os comentários originais do

videoclipe assistido, ou seja, o comentário original. Cada comentário contém três

áreas de visualização: uma dedicada aos artistas do videoclipe ao qual o comentário

remetia; uma à própria música e a outras músicas relacionadas que já tinham sido

mencionadas; e a última de comentários que tinham a mesma quantidade de pontos

que o comentário que estava originalmente ligado ao videoclipe.

A complexidade desta programação causou problemas no funcionamento do

k-film, que apresentou diversos erros quando foi exportado. O autor aponta que erros

primários, como a escolha da dimensão da interface, o formato dos vídeos e a

animação que substitui a seta do mouse poderiam ter sido evitados, se ele tivesse

primeiramente testado todas essas escolhas. Ao reiniciar o projeto, o autor testou

novamente toda a programação, mas com menos conteúdo: três videoclipes e três

comentários aleatórios.

O projeto final repensado consiste em 8 vídeos interligados a uma seleção

limitada de comentários. Nesta versão, os comentários seguem a lógica de serem

escolhidos pela maior quantidade de respostas. Os comentários e suas respostas foram

relacionados por temas e por “importância” dentro do ranking. Nesta versão final, o

ranking foi pensado de forma diferente: se no reddit um comentário de 30 pontos for

seguido (em uma organização linear) por um de 10 pontos, no Korsakow este

comentário abrirá todas as opções de visualização de comentários que tiveram de 10 a

20 respostas. Esse tipo de organização é centrada mais na importância desses

comentários-respostas dentro do reddit do que em sua organização linear original.

Springer conclui o relato desta experiência formalizando dois aspectos do

Korsakow. O primeiro está no sentimento de frustração de Springer como

programador, pois o Korsakow requer uma flexibilidade constante do autor, que

precisa adequar suas ideias às limitações do programa. O segundo está no fato de que,

quando um objeto é transformado em um SNU, ou seja, “catalogado” com palavras-

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chave de entrada e saída, ele desafia o interator a entender como o discurso (ou ideia)

foi construído. De acordo com Springer, “ao desenroscarmos os comentários e

reorganizá-los baseando-se em artistas, músicas e ranks relacionados através do

Korsakow, produzimos novos modelos de entendimento”.66

Finalizando, o autor

aponta a necessidade de expandir o projeto novamente, para que se chegue à

conclusão de que o programa Korsakow poderia ser utilizado para reorganizar

discursos de base narrativa linear, tornando visível a não-linearidade como discurso e

sentido de um mesmo objeto de origem linear.

O Korsakow foi concebido como uma ideia simples: um programa para a

criação de narrativas não-lineares. Como visto neste capítulo, a poética de uma

narrativa-linear pode ter várias formas. Dentro do Korsakow, essas narrativas podem

ser a reorganização de um documentário não finalizado no passado, como no caso do

k-film Archiving R69. Podem ser uma obra de arte que coloca o interator/espectador

como um re-significador de imagens pessoais de arquivo, como em O Tempo Não

Recuperado. Em Teaching with Warex, essas narrativas podem se construídas em

grande quantidade por estudantes que pesquisam a arte digital e a antropologia visual.

Já em Classworks, de Adrian Miles, os alunos experimentam a criação de narrativas

alternativas dando continuidade à pesquisa em vídeos interativos do professor. Essas

narrativas não-lineares também são a recriação de um cinema em que o quebra-cabeça

de cenas é escolhido pelo interator e o sentido do filme torna-se íntimo daquele que

observa, como em Gaze. O cinema documentário é mostrado em The Border between

Us, no qual a forma não-linear auxilia a autora a enfatizar o quanto a quantidade de

perspectivas é proporcional à situação complexa de duas cidades antes unidas. E,

como último exemplo, o ato de experimentar o conceito de narrativa não-linear em

uma tentativa de reorganizar um conteúdo gerado por usuários que complementam o

conteúdo publicado na internet.

As apropriações do Korsakow mostram que a simplicidade do programa pode

ser rearticulada em diferentes formas de contar histórias. Essas formas, das mais

simples como em Classworks, às mais complexas como no projeto de Noah Springer,

66 Unthreading the comments and reorganizing them based on relational artists, songs, and ranks through

Korsakow provides a new patterns of understanding. http://noahspringer.com/tag/korsakow/. Acesso em 01 de

agosto de 2013, tradução nossa.

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são um indicativo dos desdobramentos que podem surgir de objetos criados nas novas

mídia. A forma e o conceito que resultaram na criação do Korsakow e na sua

consequente distribuição estão inseridos no universo da internet. A rede é o ambiente

onde o Korsakow circula, e é nela que podemos encontrar a base do pensamento não-

linear do Korsakow. Obviamente o pensamento não-linear está presente em outras

linguagens, como na literatura e no cinema, mas é no ambiente hipermidiático que ele

se mostra mais presente. Forma e conteúdo não-linear, construídos em um caminhar

(ou navegar), encontraram na internet um ambiente fértil, onde a construção de ideias

por meio de trechos e informações interrompidas é dominante. Portando, a

aproximação conceitual do Korsakow com a internet não se resume apenas à

divulgação e distribuição. No capítulo seguinte, essas aproximações serão expostas e

clareadas.

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70

4 – O Korsakow System na rede

O Korsakow System está ligado ao pensamento de rede em sua forma e

conceito. Formalmente, a ideia rizomática de objetos interligados em um ambiente

flutuante e moldável está em consonância com a organização de informações na

internet. Essa aproximação deve-se ao fato de que a ideia de construção poética do

primeiro k-film realizado por Florian Thalhofer foi acompanhada de seu recente

interesse por programação e pela própria internet. Já no caráter conceitual, a

interpretação de pequenos trechos que ganham sentido quando são realocados em uma

ideia mais ampla também está relacionada ao ato de percorrer a internet, unindo doses

de informação que estão espalhadas pela rede, construindo-se o próprio caminho.

Essas relações podem ser expandidas para três pontos-chave entre o Korsakow

e a internet: a criação processual, a figura do interator colaborador e o potencial

estimulante do pensamento em rede.

4.1 – A criação processual

Podemos dizer que uma das maiores características de um k-film é a sua

criação processual. O processo criativo de criar um filme nesta plataforma envolve o

entendimento de três diferentes aspectos: a ramificação, o multiforme e a pluralidade.

A ramificação está no desenho formado pelos caminhos percorridos pelo

interator dentro de um k-film. Se a interação com um k-film for mapeada,

perceberemos que as propostas mais complexas dentro deste programa têm uma

lógica rizomática, segundo a qual linhas narrativas se desdobram simultaneamente,

formando pequenos eixos conceituais tangenciados por um grande número de objetos

relacionados e relacionáveis. A internet, por sua vez, também é construída de modo

rizomático, onde diferentes propostas, conceitos, ideias e interesses estão dispostos

em um ambiente comum, mais ou menos distantes uns dos outros, e interligados por

proximidade conceitual. Assim como no Korsakow, a interação com a internet pode

construir caminhos “sem saída” e de esgotamento de ideias, ou seja, chegar a um

limite onde nada mais relacionado pode ser encontrado.

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71

A programação rizomática67

de um k-film resulta em narrativas multiformes.

Os caminhos escolhidos dentro de um k-film são determinantes para a nossa

impressão final sobre a narrativa. Esses caminhos perpassam objetos audiovisuais que

estão inseridos em uma plataforma específica, a qual permite a interação com o

conteúdo ali exposto mas não possibilita a inserção de conteúdo por parte do interator.

A ausência da opção de inserir conteúdo no k-film é um dos pontos que aproxima essa

experiência da navegação na rede, especialmente na época em que o Korsakow foi

concebido.

Em 2000, ano em que o Korsakow foi criado, a internet era acessada por

conexão discada de baixa velocidade com imagens em baixa resolução, e era utilizada

mais especificamente para pesquisa, navegação em páginas de notícias e sites de

conversa online. Ainda não existiam meios populares de troca de conteúdo

audiovisual e a plataforma para troca de músicas em mp3 “Napster”, por exemplo, foi

criada apenas em 1999. Isto posto, no final dos anos 1990 a rede era popularmente

utilizada para a leitura de conteúdos em sites especializados e a opção de criação de

sites pessoais ainda estava distante. Talvez as dificuldades técnicas da época

indiquem o caráter simples de programação e funcionamento do Korsakow.

Em sua forma, as opções de navegação fazem de um k-film um objeto

multiforme e complexo, pois apresenta variações de navegação e conteúdo, ao mesmo

tempo que o banco de dados de onde surge um k-film é também visto como uma

unidade, pois todo o conteúdo ali inserido não pode ser modificado. Como Janet

Murray (2003, p. 135) comenta, “(...) as histórias multiformes que oferecem várias

releituras de um mesmo acontecimento frequentemente desembocam numa única e

‘verdadeira’ versão”. Essa “verdadeira” versão é o conjunto de objetos ali dispostos

onde independentemente da ordem em que sejam visualizados, a compreensão geral

será a mesma, pois será sempre o mesmo conteúdo apenas visualizado em ordens

distintas.

67 Janet Murray cita o temo “rizoma”, do filósofo Gilles Deleuze, com a intenção de explicar a organização de um

“hipertexto narrativo pós-moderno”. Ela diz: “Sua visão estética é geralmente identificada com o ‘rizoma’ do

filósofo Gilles Deleuze, um sistema de raízes tuberculares no qual qualquer ponto pode estar conectado a qualquer

outro ponto. Deleuze utilizou o sistema de raízes do rizoma como um modelo de conectividade nos sistemas de

ideias; os críticos aplicaram esse conceito a sistemas de textos alusivos não-lineares (...)”. MURRAY, Janet.

Hamlet no Holodeck : O futuro da narrativa no ciberespaço. Tradução Elissa Khouri Daher, Marcelo Fernandez

Cuzziol. São Paulo: Itaú Cultural: UNESP, 2003. p. 132.

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Para que um k-film de caráter cinematográfico se torne uma experiência mais

complexa, as ramificações e a forma do filme deveriam ser constituídas por uma

grande quantidade de desvios, desdobramentos e finais possíveis. Essas escolhas

acarretariam em processos de criação difíceis e demorados, “por demais densa e

confusa para ser escrita, uma vez que os escritores teriam de trabalhar cada

ramificação separadamente” (idem, p. 189). Essas organizações complexas e

dinâmicas se relacionam aos websites atuais, que indicam o conteúdo específico e

central ao mesmo tempo que abrem opções de expansão baseadas em assuntos

correlatos ao conteúdo principal, dentro do próprio site e para além dele. Essas opções

são colocadas à vista durante toda a interação e estimulam o interator a continuar

navegando.

A criação de desvios e desdobramentos que dinamizam as formas como as

histórias serão construídas também está relacionada a uma qualidade plural de

intenções e significações dos k-films. O programador de um k-film deve,

primordialmente, realizar escolhas poéticas e organizacionais que sejam próximas do

conceito por trás do Korsakow System. Ao observarmos as ideias que resultaram na

criação deste sistema, perceberemos um estímulo à criação de hipóteses e jogos de

interpretação, características de “sistemas de discurso que admitam a pluralidade de

significados” (idem, p. 132). A internet, como espaço aberto, acolhe discursos que se

utilizam de outros discursos, citações e referências, interligando conceitos dentro e

fora de um autor, uma página e até mesmo uma mídia. Isto posto, um k-film deve ser

gerado como um ambiente complexo e plural, que permita que o interator tenha

espaço e liberdade de se relacionar com toda a informação ali disponibilizada. Para

que haja variação nessas interpretações, o sistema deve conter objetos que acionem

níveis de interpretação, que podem partir da presença ou ausência de um sentido de

hierarquização, ideias conflitantes, muitos pontos de vista sobre um mesmo objeto,

dinâmica visual e sonora e detalhes que sejam pontos de conexão entre todos esses

objetos. A pesquisadora Lucia Leão comenta como se dá a organização da

complexidade de websites, mas que cabem perfeitamente no processo de criação de

um k-film:

Assim, as noções de organização e de complexidade dos sistemas

representam momentos de um percurso circular infinito. Ou seja,

para que a complexidade dos sistemas hipermidiáticos seja

operacionalizável e vivida, o sistema deverá ser concebido como

uma organização. Quando falamos em hipermídia, estamos no

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campo das inter-relações e a organização possibilita que elas

ocorram.

(LEÃO, 2005, p. 71)

É nas interligações que as interpretações começarão a se formar, sendo preciso

que elas conectem ideias ao mesmo tempo que não as limitem, estimulando o

interator a se envolver e percorrer os caminhos abertos, construindo a sua própria

narrativa.

4.2 – O interator colaborador

Como visto no item anterior, é preciso compreender o Korsakow System sob

uma ótica de criação processual. A organização de conteúdos em um banco de dados,

interligados por palavras-chave que podem indicar aproximações e/ou afastamentos,

necessita da presença de um terceiro elemento, além do programador e do objeto em

si. Neste processo, o interator se faz presente como um colaborador. É desejado, ao

realizar um k-film, que o interator se disponha a agir, perceber e repensar o que está

sendo visto e ouvido, desenvolvendo em si mesmo um outro processo de costura de

ideias, surgidas na medida em que se caminha dentro de um k-film. Essa costura de

ideias é um processo de estruturação, no qual “o navegador pode se fazer autor de

maneira mais profunda do que percorrendo uma rede preestabelecida: participando da

estruturação do hipertexto, criando novas ligações” (Levy, p. 47). Pierre Levy

comenta também que

(...) quem atualiza um percurso ou manifesta este ou aquele aspecto

da reserva documental contribui para a redação, conclui

momentaneamente uma escrita interminável. As costuras e

remissões, os caminhos de sentido originais que o leitor inventa

podem ser incorporados à estrutura mesma do corpus. A partir do

hipertexto, toda leitura tornou-se um ato de escrita.

(LEVY, 2011, p. 46)

Levy está comentando sobre o usuário que, ao percorrer caminhos próprios

dentro da internet, acaba se transformando em um escritor. Podemos levar em

consideração que a internet e o Korsakow são hipermídia, ou seja, herdeiros da forma

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e dinâmica do hipertexto, e portanto são ambientes onde nos tornamos criadores a

partir dos caminhos que percorremos.

A criação a partir da leitura, delineada acima, torna-se mais complexa quando

consideramos que essa leitura é uma rede de interpretações. Na internet e nos k-films

essas interpretações surgem em um ambiente que está em movimento e que se renova.

Cabe ao interator de ambas as plataformas percorrer seus próprios caminhos e

desenvolver significações singulares.

O espaço aberto da internet e o banco de dados de um k-film convidam o

usuário a torna-se um interator, a agir, criar e compartilhar conteúdos. Lucia

Santaella, em Linguagens líquidas na era da mobilidade, explica que

O espaço aberto para o receptor é também espaço de inclusão,

quando, por exemplo, o artista convida seu público a remixar sua

proposta na espera curiosa das mutações que podem resultar do

papel performático que o público passa a desempenhar. Além disso,

trabalhos colaborativos e generativos engajam não apenas

indivíduos, mas comunidades inteiras, que projetam suas existências

nas redes por meio de agenciamento coletivo.

(SANTAELLA, 2011 p. 79)

A inclusão do interator como personagem que “remixa” as propostas do

programador demanda atenções físicas, conceituais e sensíveis, que transformam o

interator. Essa transformação é dita por Santaella como “o princípio que rege a

interatividade nas redes, seja em equipamentos fixos, seja em móveis, é o da

mutabilidade, da efemeridade, do vir-a-ser em processos que demandam a

reciprocidade, a colaboração, a partilha” (2011, p. 80). Os k-films são regidos pela

mutabilidade, pois os caminhos sempre são diferentes, e pela efemeridade, já que em

uma interação nem sempre teremos a oportunidade de rever um ponto específico do

caminho.

Sobre o “agenciamento coletivo” que a pesquisadora cita, podemos dizer que

foi criada uma rede de k-films na internet onde pesquisadores, cineastas e entusiastas

de todo o mundo podem criar seus próprios k-films e disponibilizá-los para interação

na rede. Thalhofer organizou em seu site os principais projetos desenvolvidos em

Korsakow System, tanto para que seja mais simples encontrá-los organizados em um

mesmo lugar quanto para dar a nós, usuários/interatores/interessados, uma ideia das

formas com que o programa foi absorvido pelos programadores.

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Podemos concluir este item afirmando a simbiose que existe entre um

pensamento k-film e o interator. Esses processos de relação invocam o discurso de

Mikhail Bakhtin acerca do sentido de pensar. Para Bakhtin, pensar sobre um

pensamento, sobre algo e estar disposto a pensar sobre, está inserido na ideia de ato.

Já um comportamento mecânico ou impensado diante de um pensamento ou uma

ideia é a ação. Marilia Amorim comenta que “o ato é um gesto ético no qual o sujeito

se revela e se arrisca inteiro” (Brait, 2012, p. 23). Assim, a todo momento, em

qualquer interação, podemos escolher o modo como nos relacionaremos com o que

está posto. Podemos realizar o “ato”, e realmente nos envolvermos com o que estamos

nos relacionando, ou podemos simplesmente agir, e selecionar o próximo passo pois é

isto que o objeto nos indica a fazer. O conteúdo dos pensamentos é estável. Ele só é

modificado e adquire um sentido quando ele é apropriado pelo sujeito. Assim,

perceber as nuances de cada ponto da interação com um k-film é delinear um

processo de construção de sentido, tornando os pensamentos ali colocados pelo

programador, em pensamentos singulares e reais. Portanto, para que o processo de

criação de um k-film se torne completo, a narrativa precisa ser criada a partir do

envolvimento do sujeito com os objetos dispostos no banco de dados em questão. Isto

posto, temos dois momentos de construção de sentido de um k-film. Temos o

momento do pensamento do programador/autor e o interator, que completam um ao

outro os sentidos ali colocados. E temos o momento do todo, que é perceber que todas

essas vozes colocadas em um k-film conferem um sentido complexo do todo, onde

suas pequenas partes são indissociáveis. Adail Sobral complementa “que o autor está

na unidade da obra, não no trecho isolado, mas que, ao mesmo tempo, cada parte do

todo orgânico, de sua unidade de sentido, traz holograficamente, hipertextualmente,

esse todo – que assim permanece maior que suas partes” (Brait, 2012, p. 184).

4.3 – O potencial do pensamento em rede

Este último item é uma reflexão sobre como o desenvolvimento da internet e

do computador como meio comunicacional pode despertar um interesse por uma meio

como o Korsakow System.

O computador pessoal tornou-se um aparelho doméstico que sintetiza muitos

aspectos de nossa vida real. Através de um computador com acesso à internet,

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podemos realizar uma infinidade de ações utilizando um único dispositivo, novidade

que modificou desde a nossa noção espacial, já que para muitas atividades como

realizar transações bancárias simples ou fazer compras não precisamos mais nos

locomover, até uma noção temporal, pois todos os estímulos visuais e interesses

podem ocupar muito tempo sem que se perceba a passagem dele. Esta nova maneira

de alcançar objetivos, tendo a interface do programa em questão como um mediador

que muitas vezes substitui a outra parte humana, está criando formas de se relacionar

corporal e intelectualmente com os meios comunicacionais. Existe uma busca pela

modificação do que estamos vendo, pela opção de voltar atrás, trocar rapidamente de

assunto e interesse, poder realizar uma pesquisa ao mesmo tempo que outra atividade.

De acordo com Janet Murray, as formas de contar histórias também estão sendo

influenciadas por essas novas tecnologias. Para ela,

(...) no computador, podemos reiniciar a história e vivenciar mais de

uma vez a mesma simulação. Podemos encenar todos os papéis,

esgotar todos os efeitos possíveis. Podemos construir uma visão

composta do mundo narrativo que não se esclarece numa história

única, mas, ao invés disso, compõe-se num sistema coerente de

ações inter-relacionadas. Porque, cada vez mais, vemos o mundo e

até nossa própria identidade como sistemas tão complexos,

descentralizados e com finais em aberto, precisamos de um

ambiente de história que nos permita compreendê-los seduzindo-nos

a explorar um denso mundo narrativo de todas as perspectivas

possíveis.

(MURRAY, 2003, p. 175)

A criação de um programa como o Korsakow System é um indício dessa

busca por narrativas que se relacionem de modo formal e poético com as mudanças na

esfera da comunicação. A internet, principalmente em relação à divulgação e

distribuição de objetos, impulsiona e estimula novas formas de se aproximar e

interagir com objetos como os k-films.

As novas propostas tornam o leitor um agente ativo, que se transforma e

modifica o meio onde está inserido. Talvez a popularidade do Korsakow System seja

um reflexo dessa busca da sociedade atual por algo que estimule a participação ativa,

e Thalhofer simplifica essa ação corporal, transformando o interator em um agente

que seleciona o próximo vídeo. Para Thalhofer, o Korsakow foi criado para ir além da

questão física de apenas acionar um dispositivo para que a história continue a ser

mostrada. A ideia do autor é que seu programa seja um estímulo à percepção e à

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criação de um olhar. Em uma metáfora durante uma entrevista para o site da

Universidade de Concórdia, Montreal, o autor comenta sobre o que considera

interessante em seus k-films e na proposta de criação do Korsakow System:

Trocar ideias sobre a realidade é uma necessidade humana. É como

olhar para uma escultura: você vê o que você vê a partir do seu

ângulo. Quando você fala com alguém ao seu lado sobre o que ele

vê, você pode imaginar muito bem. Mas quando você fala com

alguém do outro lado da escultura e ele descreve o que vê, é difícil

para você imaginar exatamente o que ele vê. Mas é claro que a

visão do outro lado lhe diz muito mais sobre a escultura.68

Poder observar um objeto de vários ângulos e assim desenvolver a sua própria

percepção da narrativa é o objetivo do Korsakow. Essa percepção modificável

também foi facilitada com a expansão da internet. Assim como os meios de

comunicação como o rádio e a televisão apresentam tendências discursivas conforme

a estação ou canal escolhido, a internet é o ambiente onde essas diferenças foram

multiplicadas. Sites saem do pensamento binário em que só existiriam duas

possibilidades de verdade para um assunto e expandem para uma rede de opiniões

pessoais, grandes empresas, páginas de jornais e fóruns onde todo e qualquer assunto

pode ser discutido e visto sob muitos ângulos. Constantemente existe um embate entre

oposições que, ao mesmo tempo que enriquecem as discussões, podem também

exauri-las rapidamente. Thalhofer deseja que os k-films estejam em um movimento

crescente de ressignificações, movimento no qual as aparências e opiniões são

remodeladas conforme nos inserimos mais profundamente nas relações ali colocadas.

68 It is a human need to exchange ideas about reality. It is like looking at a sculpture: you see what you see from

your angle. When you talk to someone right next to you about what he sees, you can imagine it quite well. But

when you talk to someone at the other side of the sculpture and he describes what he sees, it is hard for you to

imagine exactly what he sees. But of course the view from the other side tells you so much more about the

sculpture. Trecho de entrevista retirada do site http://www.a-r-c.ca/author/m-e/. Acesso em 15 de agosto de 2013,

tradução nossa.

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5 – Repensando o Korsakow System

Como observado em alguns k-films criados por estudantes no projeto

Classworks69

e também na narrativa Gaze70

, projetos muito simples em sua

concepção poética e na disposição de poucos objetos para visualização não

possibilitam a complexidade que o objetivo proposto por Thalhofer institui. É comum

se deparar com k-films repetitivos, com narrativas pouco imaginativas ou

estimulantes. Nota-se rapidamente que em alguns k-films, principalmente naqueles

em que a proposta é a de criação de histórias por meio da não-linearidade, houve

pouco cuidado em definir os objetos audiovisuais, o que eles comunicariam, o que

poderia surgir da combinação deles e como eles seriam organizados em um banco de

dados. De antemão, encontrar um k-film na internet nos provoca a interagir, mas

muitas vezes o “labirinto é traiçoeiro, cheio de becos sem saída, incertezas, perguntas

sem respostas” (MURRAY, p. 168).

O contexto em que o Korsakow System foi criado é atualmente o ponto

principal de divulgação para produtos de outros meios, como o cinema e os video

games. A intersecção de linguagens promovida pelas novas mídia e a internet como

ponto de contato entre esses meios é também um estímulo para o interesse nas

novidades surgidas nestas esferas. Assim, a popularidade do Korsakow como meio

para a criação de obras de arte, documentários e instrumento educacional seria um

reflexo desse interesse crescente sobre tudo o que surge na rede? Como apontado por

Manovich, os problemas que acontecem no discurso sobre o Korsakow, ou seja, como

meio para criação de narrativas não-lineares interativas, inserem-se na ideia de que

“narrativas interativas” são aquelas onde é possível percorrer mais de uma trajetória

através das ligações entre bancos de dados” (MANOVICH, p. 228).

Para Manovich, essas possíveis trajetórias não são suficientes para definir o

que de fato é uma narrativa interativa. Para ele, “o autor também tem que controlar a

semântica dos elementos e a lógica de suas conexões para que o objeto resultante

69 Ver página 61.

70 Ver página 62.

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cumpra os critérios da narrativa”71

. Assim, embora a simplicidade de criar um k-film

e interagir com ele seja estimulante, é preciso que esses projetos sejam longamente

avaliados e repensados antes de serem distribuídos.

Manovich aponta outra problemática relacionada a trajetórias e interatividade:

o mito da narrativa pessoal única, pois “se o utilizador simplesmente acessa elementos

diferentes, um após o outro, geralmente em uma ordem aleatória, não há razão para

supor que estes elementos formem uma narrativa de todo” (2001, p. 228).

Embora Manovich não esteja se referindo aos k-films, seus apontamentos

evidenciam os principais problemas encontrados nesta pesquisa, principalmente em

relação a histórias que apresentam um caráter mais narrativo do que documental. Nos

documentários, o formato de banco de dados do Korsakow facilita a percepção de

diferentes pontos de vista de uma história, assim como testemunhos e contextos

apresentados ao público. Mas e em relação a histórias contadas através de bancos de

dados interativos? O que precisa ser pensado para que a proposta de criar diferentes

histórias a partir de um único banco de dados tenha resultados criativos? Segundo

Janet Murray,

(...) o autor deve ser capaz de especificar todos os elementos da

estrutura abstrata: as prerrogativas de participação – como um

interator se move, age, conversa; a segmentação da história em

temas ou morfemas – os tipos de encontros, desafios, etc. que

compõem os blocos de construção da história: todos os elementos

de substituição – instâncias de categorias de personagens, perigos,

recompensas, lugares, experiências de viagens, etc. – e todos os

modos pelos quais cada instância variará.

(MURRAY, 2003, p. 194)

Realizar um longa-metragem comum para as telas do cinema ou organizar

minifilmes em um banco de dados como o Korsakow requerem uma busca por

maneiras mais eficazes para que se alcance o objetivo final desse filme, seja ele qual

for. O que Janet Murray propõe é que as narrativas multiformes apresentem a maior

quantidade de variação possível, para que o interator tenha informação suficiente para

alinhavar sua narrativa no momento em que os elementos são recombinados. Para que 71 “(...) the author also has to control the semantics of the elements and the logic of their connection so that the

resulting object will meet the criteria of narrative as outlined above.” MANOVICH, Lev. The language of new

media. (Cambridge: MIT Press, 2001), p. 228, tradução nossa.

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a narrativa seja minimamente plausível, cada elemento deve poder ser lido de formas

diferentes, enriquecendo a interação e adicionando conteúdo à narrativa que está

sendo criada.

A forma complexa com que um k-film pode ser olhado indica a presença de

informações em grande quantidade. Podemos comparar um k-film bem estruturado a

uma enciclopédia que guarda não todo o conhecimento humano, mas sim tudo o que

há para ser lido, observado e repensado sobre aquela narrativa. Mas, diferentemente

das antigas enciclopédias em livros ou mesmo as disponibilizadas em CD-ROMs no

início dos anos 1990, a enciclopédia que forma um k-film se modifica. Se modifica

pois os espaços “vazios” entre-imagens são preenchidos pelo interator, que adiciona a

essa “enciclopédia” suas próprias informações.

É nos espaços “entre-imagens” que as significações acontecem, já que a linha

narrativa é criada pelo interator nesses espaços abertos. E é também nesses espaços

que reside a melhor qualidade e a maior falha de alguns k-films. A qualidade está na

abertura deste espaço, capaz de receber todo e qualquer interator, especialista ou não,

conhecedor ou não. Ali, o interator cria seu próprio lugar dentro da narrativa,

tomando-a para si, conceitual e sensivelmente. O que pode surgir é amplitude e, para

um projeto que se propõe a agregar, essa é a sua maior qualidade. Mas essa grande

qualidade também é um problema. Como a estrutura é modificada continuamente,

ideias e percepções são esquecidas ou recicladas a todo o momento, permitindo que o

interator se perca totalmente tanto dentro da estrutura do k-film quanto dentro da

narrativa que ele mesmo está criando. Corre-se então o risco da inconclusão, que é

chegar ao final de uma interação sem que tivesse sido possível criar, por parte do

interator, uma narrativa baseada na combinação de suas interpretações pessoais com

os objetos audiovisuais ali dispostos. A inconclusão, por um lado, pode ser positiva

quando convida a uma ideia ou reflexão que será “resolvida” fora do k-film ou em

outro momento além da interação. O problema está na inconclusão que nada constroi,

que termina em um k-film onde se percebe que não houve uma pesquisa bem

fundamentada por parte do programador em relação à estrutura, às ligações entre os

objetos ou na qualidade dos objetos dispostos.

Outro problema percebido em alguns k-films está na tentativa de criar k-films

deliberadamente, sem que houvesse antes uma análise do Korsakow como uma

linguagem. Partindo-se do princípio de que o Korsakow está inserido no contexto das

novas mídia, e que as novas mídia, por sua vez, estão modificando as linguagens e os

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modelos comunicacionais, utilizar o Korsakow para reorganizar imagens em uma

não-linearidade é trabalhar aquém do potencial como linguagem do programa. Assim,

identifiquei que em muitos k-films o Korsakow foi utilizado para a replicação de

objetos audiovisuais cujos “trechos” narrativos não apresentavam uma poética bem

desenvolvida. Isso demonstra a necessidade de perceber o Korsakow como uma

linguagem, para que as narrativas sejam criadas a partir dele. Os projetos menos

criativos demonstram uma tentativa de adaptar o programa a uma história, em vez de

criar narrativas que exploram o formato do programa.

Acredito que o que torna o Korsakow interessante é realmente a experiência

de programar um k-film, sendo cuidadoso em relação a cada etapa, encarando-o como

uma grande estrutura que precisa ser bem organizada, para que daí possa surgir o

objeto final, um k-film elaborado e aplicado criativamente. André Parente, em

Tramas da rede, identifica essa visão das novas tecnologias como algo “artístico” e

indica a necessidade de se perceber as novas mídia como “um novo campo estético,

do sublime tecnológico, que será necessário, nos anos futuros, conhecer e explorar”

(2010, p. 252).

Também devemos observar que em seus 13 anos de desenvolvimento, os

autores que criaram filmes através do Korsakow se concentraram mais em criar k-

films documentários do que em narrativas não-lineares propriamente dias. Assim, é

visível a diferença dos níveis de qualidade entre os k-films desenvolvidos pelo

próprio criador do programa, Florian Thalhofer, e estudantes que estavam em contato

com o programa pela primeira vez.

Acredito que o formato do Korsakow facilita a criação de documentários, pois

uma ideia de continuidade não é imprescindível para se entender uma ideia geral de

algo que está sendo discutido. Em relação a narrativas mais romanceadas, em que é

preciso identificar personagens e ações para que uma história seja construída, o

Korsakow ainda está caminhando. Isto posto, percebo que os k-films que apresentam

um movimento de repetição de imagens pouco construtivas nos passam a impressão

de que o programa talvez limite os processos criativos.

Artistas e diretores precisam encontrar os caminhos de construção narrativa de

modo não-linear formado por objetos que construam histórias independentemente da

ordem em que serão vistos, pontuando que esses objetos devem ser complementares e

suplementares, para que seja possível então essa construção de histórias propriamente

ditas, renováveis a cada interação.

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Em O Chip e o Caleidoscópio, série de artigos organizada por Lucia Leão, o

pesquisador Peter Lunenfeld desenvolve um texto intitulado “Os Mitos do Cinema

Interativo”. O autor aproxima cinema e computador desde a publicidade, aos CD-

ROMs interativos, a filmes cujas imagens respondem à presença de um espectador e

ao trabalho nas artes de Sam Taylor-Wood e das irmãs Jane e Louise Wilson, e de

forma crítica desmistifica o cinema interativo ao exemplificar o uso tecnológico como

aparato para o deslumbre visual. Ao finalizar o seu texto, ele diz:

Escrevi em outra ocasião que foi justamente porque o vídeo como

meio passou por sua fase utópica que os artistas de instalações da

década passada puderam ser considerados por direito próprio; eles

foram libertados dos fardos psicológicos impostos pelas

expectativas impossivelmente grandiosas dos primeiros anos dos

vídeos. Da mesma maneira, quando os tecnólogos, artistas e

luftmenschen hollywoodianos esgotarem os mitos do “cinema

interativo”, sínteses instigantes entre o cinema e o digital poderão

surgir. (LUNENFELD, in LEÃO, 2005, p. 383)

O que Lunenfeld nos diz é que é preciso existir um afastamento temporal do

que é novo. Existe um desejo de que a tecnologia possibilite a realização de todos os

nossos sonhos, torne possível a nossa vontade de controlar o que vemos e o que

sentimos. No Korsakow, este desejo transparece na fala de Thalhofer, que anseia

libertar poeticamente o interator ao mesmo tempo que o próprio autor seleciona e

organiza o todo, ambiente de onde o interator vai apenas escolher algumas pequenas

partes. É preciso repensar o que essa liberdade que o Korsakow proporciona ao

interator e o que realmente essas escolhas poéticas significam acerca dos objetos

audiovisuais e das possibilidades de interpretação. O que pode neste caso ser visto

como interação e qual o conteúdo que estes k-films devem ter para que realmente seja

possível criar algo com eles?

Como citado acima, a palavra luftmenschen72

significa “pessoa sonhadora com

a cabeça nas nuvens, mais preocupada com ideias do que com as praticidades da

vida”, e pode ser parcialmente aplicável aos autores de k-films. Ainda que estejam nas

72 Do iídiche, luftmenschen é o plural de luftmensch. Pesquisado no dicionário online Merriam-webster.

http://www.merriam-webster.com/dictionary/luftmensch. Acesso em 19 de agosto de 2013.

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nuvens de ideias e desejos da união entre cinema e tecnologia, os k-films aqui

mostrados já indicam caminhos a serem percorridos com atenção.

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Considerações finais

Esta dissertação de mestrado teve como objetivo principal a investigação de

um programa de criação de narrativas não-lineares hipermidiáticas interativas

chamado Korsakow System. Dentro desta investigação, os seguintes objetivos:

contextualizar o programa como uma linguagem das novas mídia; realizar um

levantamento das motivações e processos de criação do autor do programa, Florian

Thalhofer; apresentar os principais projetos de Thalhofer criados com o seu programa;

selecionar aplicações diferentes e criativas de outros autores, que pudessem

demonstrar as possibilidades criativas dentro do programa e finalizar a pesquisa com

uma leitura crítica sobre as descobertas acerca das aplicações.

Consideramos que esta pesquisa alcançou seu objetivo de investigação e

compilação de informações sobre o programa em questão, organizando em um

mesmo volume as intenções do autor, seus projetos, criações de outros autores e uma

análise crítica. Esta organização é importante, pois permite encontrar em uma mesma

pesquisa as informações que estão distribuídas de modo disperso em diferentes pontos

da internet, em sites de língua estrangeira, fator que pode dificultar o acesso de alguns

pesquisadores.

Durante a pesquisa do discurso do autor do programa, Florian Thalhofer, e de

autores que criaram k-films, foram levantadas duas questões pertinentes para a

reflexão sobre a utilização do Korsakow.

A primeira consiste nas inquietações resultantes da interação com k-films que

apresentam narrativas frágeis e repetitivas, gerando o questionamento de um potencial

limite criado pelo Korsakow System como ferramenta debilitante, indicando também

um possível desconhecimento dos autores sobre a própria linha construtiva do

programa. Sobre esta hipótese, concluiu-se que ainda é preciso exercitar a construção

de narrativas complexas, baseando-se na proposta inicial do Korsakow, construções

que não ocorreram de modo produtivo por uma imaturidade de percepção dessas

possibilidades, impossibilitando experimentações mais criativas.

A segunda questão se refere ao processo criativo efetivo dentro deste

programa, considerando-o como ponto inicial de todo o processo ou apenas

utilizando-o para reverter uma narrativa originalmente linear. Em relação a essa

hipótese, foi concluído que é preciso perceber o Korsakow System como linguagem e

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meio comunicacional, com características próprias que indicam a estrutura do

processo criativo e, consequentemente, a concepção de um k-film dentro dessas

características não-lineares ricas em interpretações.

Esta pesquisa foi finalizada ao mesmo tempo que instiga a criação de projetos

paralelos, relacionados às áreas de conhecimento aqui apresentadas. O Korsakow

invoca questões do processo cinematográfico como edição e montagem,

conceitualmente próximos às experimentações de cineastas russos do início do século

XX, como Dziga Vertov e Lev Kuleshov. O programa também pode ser relacionado à

pesquisa de Mikhail Bakhtin, no conceito de polifonia e na percepção do “eu” a partir

do “outro”. A experiência de realizar um k-film poderá indicar outros pontos do

processo criativo não explorados, sugerindo discussões sobre a metodologia mais

eficaz a ser aplicada, dificuldades técnicas e depoimentos qualitativos de interatores

entrevistados.

A pesquisa persiste nos interesses em relação à forma e à poética de se contar

histórias por meios não-lineares, construindo narrativas que convidam a participação

do outro.

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BIBLIOGRAFIA

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Associação Cultural Videobrasil. Isaac Julien: Geopoéticas. São Paulo: catálogo.

Edições SESCSP, 2012. Catálogo da exposição individual do artista Isaac

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2012.

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Paulo: Senac, 2005.

___________. O labirinto da hipermídia: arquitetura e navegação no ciberespaço.

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LÉVY, Pierre. O que é virtual? Rio de Janeiro: Editora 34, 2011.

MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas & pós-cinemas. 6. ed. Campinas: Papirus, 2011.

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PARENTE, André. Tramas da rede: novas dimensões filosóficas, estéticas e políticas

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SANTAELLA, Lucia. Linguagens líquidas na era da mobilidade. 2. ed. São Paulo:

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DOCUMENTOS ELETRÔNICOS

Artigo na revista Mediamatic sobre o Korsakow System. Disponível em

<http://www.mediamatic.net/9276/en/ the-korsakow-system>. Acesso em 11

de julho de 2013.

Artigo sobre as dúvidas mais frequentes em relação à produção de SNUs, as pequenas

unidades narrativas dentro do Korsakow System. Disponível em

<http://korsakow. org/learn/faq/#snu>. Acesso em 05 de julho de 2013.

Biografia do artista Florian Thalhofer no seu principal parceiro e patrocinador, o.

Goethe- Institut. Disponível em

<http://www.goethe.de/uun/bdu/en7654604.htm>. Acesso em 02 de julho de

2013.

Depoimentos do artista Florian Thalhofer sobre os conceitos envolvendo a criação do

Korsakow System. Disponível em <http://korsakow.org/master-vs-medium/>.

Acesso em 04 de julho de 2013.

Entrevista com Florian Thalhofer sobre seus projetos com o Korsakow System.

Disponível em <http://www.goethe.de/uun/bdu/en7654604.htm>. Acesso em

16 de julho de 2013.

Entrevista concedida por Florian Thalhofer sobre seu processo criativo, para o

Goethe- Institut, em 21 de maio de 2011. Disponível em <http://www.a-r-

c.ca/2010/10/interview-florian-thalhofer-on-his-creative-approach/>. Acesso

em 19 de julho de 2013.

Entrevista realizada em 2011 por Anne-Kathrin Lange, do Goethe-Institut, com

Florian Thalhofer, em 21 de maio de 2011. Disponível em

<http://www.goethe.de/uun/bdu/en7654604.htm>. Acesso em 04 de julho de

2013.

Entrevista realizada por Matt Soar, parceiro de Florian Thalhofer em alguns projetos

com o Korsakoe System, com o mesmo. Disponível em

<http://nomorepotlucks. org/site/langsamkeit-telling-stories-in-a-small-world>

. Acesso em 14 de julho de 2013.

Site oficial do artista Florian Thalhofer. Disponível em <http://www.thalhofer.com/

data/03content/bio.html>. Acesso em 04 de julho de 2013.

Page 88: Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e ... Luisa Cap… · k-film 7 Sons (2003) p. 48 Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação 7 Sons (2003) no Goethe-Institut,

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Site oficial do artista Helio Oiticica. Disponível em

<http://www.heliooiticica.org.br>. Acesso em 11 de março de 2013.

Site oficial do artista Jeffrey Shaw. Disponível em <http://www.jeffrey-shaw.net/>.

Acesso em 20 de agosto de 2013.

Site oficial da artista Lygia Clark. Disponível em

<http://www.lygiaclark.org.br/biografiaPT.asp>. Acesso em 11 de março de

2013.

Site oficial do artista Nam June Paik. Disponível em <http://www.paikstudios.com/>.

Acesso em 01 de julho de 2013.

Site oficial do programa Korsakow System. Disponível em <http://korsakow.org/> .

Acesso em 02 de julho de 2013.

Site oficial do programa Korsakow System, contendo informações sobre o processo

de criação do programa. Disponível em

<http://thalhofer.com/_data/PAGES/xOther_2000 _korsakow_system.html> .

Acesso em 04 de julho de 2013.

Site oficial do projeto Soft Cinema. Disponível em <://www.softcinema.net/?reload>.

Acesso em 12 de março de 2012.

Site oficial do projeto em Korsakow, Forgotten Flags. Disponível em

<http://www.forgotten-flags.com/>. Acesso em 20 de agosto de 2013.

Site oficial do projeto em Korsakow, Money and the Greeks. Disponível em

<http://geld.gr/>. Acesso em 20 de agosto de 2013.

Site oficial do projeto em Korsakow, Planet Galata. Disponível em

<http://planetgalata.com/>. Acesso em 20 de agosto de 2013.

Site oficial do projeto em Korsakow, Small World. Disponível em <

http://www.kleinewelt.com/>. Acesso em 20 de agosto de 2013.

Site oficial do projeto em Korsakow, Korsakow Syndrom. Disponível em

<http://thalhofer.com/korsakow/syndrom/>. Acesso em 20 de agosto de 2013.

Site oficial do projeto em Korsakow, 7 Sons. Disponível em

<http://www.7sons.com/>. Acesso em 20 de agosto de 2013.

Site contendo um vídeo explicativo da estrutura de um Korsakow Show. Disponível

em <http://vimeo.com/37592016>. Acesso em 15 de julho de 2013.

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Site contendo um vídeo explicativo da estrutura de um Korsakow Show e entrevista

com o criador, Florian Thalhofer. Disponível em

<http://korsakow.org/interview-with-florian-about-his-korsakow-show-was-

ist-geld-gr-athens-greece-102212/>. Acesso em 15 de julho de 2013.

Page 90: Narrativas não-lineares do Korsakow System: criação e ... Luisa Cap… · k-film 7 Sons (2003) p. 48 Imagens 12 e 13. Documentação da videoinstalação 7 Sons (2003) no Goethe-Institut,

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ANEXO

Neste DVD-R podemos encontrar a seleção de projetos de narrativas não-

lineares criadas no Korsakow System que foram citados na dissertação. Esta seleção

está organizada na ordem em que os k-films foram citados.

A lista inclui os k-films:

- 7 Sons (2003)

- Money and the Greeks (2012)

- Archiving69 (2011)

- Gaze (2010)

- The Border Between Us (2012)

- Forgotten Flags (2006)

- Planet Galata (2010)

- Classworks – Lego Man (2010)

- Classworks – Nostalgia (2010)

- Classworks – Exquisite corpse (2011)

- Classworks – Dreamcatcher (2011)

- Classworks – Life is a musical (2012)

- Classworks – Kitchen stories (2012)

Este DVD-R não inclui os seguintes projetos:

- Small World (1997) e The Korsakow Syndrom (2000) – o autor, Florian

Thalhofer, não disponibiliza estes projetos na internet.

- O tempo não recuperado (2003) – o artista Lucas Bambozzi não

disponibiliza esta obra na internet.

- Teaching with Warez – os projetos dos alunos não estão disponíveis na

internet.

O projeto de Noah Springer, que utiliza o reedit.com como base para a

programação de um k-film, não está disponibilizado na internet para visualização.