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NARRATIVAS VISIONÁRIAS E HERMESIANAS NA PÓS-MODERNIDADE: APOMETRIA, IMAGINÁRIO E ESPIRITUALIDADE Adilson S Marques

Narrativas visionárias e hermesianas na pós-modernidade: Imaginário, Apometria e Espiritualidade

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Novo livro de Adilson Marques, com previsão de lançamento para maio de 2014. Aqui você pode acessar a introdução do livro.

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NARRATIVAS VISIONÁRIAS E HERMESIANAS NA PÓS-MODERNIDADE:

APOMETRIA, IMAGINÁRIO E ESPIRITUALIDADE

Adilson S Marques

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Prefácio

Entre os anos de 2008 e 2010, com o apoio do Programa Homospiritualis, mantido pela ONG Círculo de São Francisco, na cidade de São Carlos/SP, realizei uma pesquisa denominada Imaginário e Transcendentalismo: imagens e imaginário do invisível, entrevistando 20 médiuns residentes nas cidades de São Carlos, Araraquara, Ribeirão Preto e Piracicaba. A pesquisa, utilizando os recursos da História Oral, teve como objetivo compreender como a mediunidade afetava o cotidiano dessas pessoas que afirmam ver, ouvir, conversar ou “dar passagem” para seres incorpóreos. Alguns depoimentos foram reunidos e publicados no livro “Gênero e Espiritualidade: uma introdução ao estudo das imagens e do imaginário do invisível” (2011), enfatizando as narrativas dos entrevistados que afirmavam ter vivenciado algumas encarnações como homens e outras como mulheres, procurando compreender uma possível dinâmica espiritual neste processo.

Para realizar este estudo sobre espiritualidade e o imaginário do invisível, optei em chamar estes depoimentos de “narrativas visionárias”, utilizando o termo utilizado por Emmanuel Kant (1724-1804) em seu estudo sobre a mediunidade de Emmanuel Swedenborg (1668-1772), também conhecido no século XVIII como o “vidente de espíritos”.

No âmbito da mitocrítica, heurística criada por Gilbert Durand (1921-2012), inferimos que tais narrativas também podem ser identificadas como hermesianas, se entendermos que Hermes é um mito psicopompo, ou seja, condutor de almas. Como arquétipo que religa o céu e a terra, ou os deuses e os mortais, podemos encontrar em Hermes o mito diretor destes depoimentos desconcertantes para nossa imaginação cartesiana.

Com a intenção de aprofundar este tema, resolvi revisar dois livros escritos por mim na primeira década do século XXI (“Educação após a morte” e “Apometria no contexto da animagogia”, publicados, respectivamente, em 2004 e em 2006), unificando-os nesta obra que busca compreender a dinâmica das narrativas visionárias e hermesianas que são tecidas durante os atendimentos de Apometria, uma técnica de tratamento psicoespiritual criado por um médico brasileiro chamado José Lacerda (1919-1997), em meados do século XX, e que é utilizada nos trabalhos de Animagogia e também, com menor frequência, nos trabalhos de desobsessão em alguns centros espíritas heterodoxos.

Em tais narrativas visionárias e hermesianas encontramos referências a supostas vidas passadas, a outras formas de relacionamento com o tempo e o espaço (diferentes da que estamos acostumados em nosso estado de vigília), e também a influências de seres incorpóreos em nosso cotidiano.

É importante salientar que não entendemos as narrativas visionárias e hermesianas como simples produtos da imaginação fértil do sapiens. Não se parte do pressuposto que são formas de alucinação ou o produto de uma fantasia mental. Não se descarta esta hipótese, mas elas podem estar relacionadas também com o que Henry Corbin (1903-1978) chamou de “imaginal”. Elas podem se referir a um mundo real, ontologicamente falando, assim como é o mundo dos sentidos ou o mundo do intelecto. Um mundo cheio de imagens e de representações, mas distinto daqueles formados pela percepção sensível e pelas imagens mentais. Em muitos casos, o mundo

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presente nestas narrativas parece influenciar, quando não determinar, a formação destes dois últimos.

O imaginal, enquanto potência imaginativa, não se confunde com a imaginação, no sentido pejorativo desse termo, ou seja, no sentido de ilusão. O imaginal, como um referencial hermesiano, é uma mediação entre o visível e o invisível, entre o mundo material dos seres humanizados e o imaterial dos espíritos, os seres incorpóreos que estão no espaço sem o preenchê-lo, segundo afirmava Emmanuel Kant, em seus estudos “idealistas”.

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Introdução

Espiritistas, hinduístas, ocultistas, terapeutas de vidas passadas, entre outros religiosos e estudiosos, procuram demonstrar em seus estudos que a reencarnação é um fato, faz parte das Leis numinosas (divinas) ou naturais que regem a vida na Terra. Excluindo os materialistas que, por convicção, não concebem a existência de um princípio não material no ser humano, as correntes religiosas ou espiritualistas que não aceitam a lei da reencarnação costumam utilizar passagens bíblicas para legitimar suas convicções. Assim, para, teoricamente, afirmar que os espíritos (desencarnados, seres incorpóreos) não podem fazer nada conosco (como ajudar ou prejudicar), recorrem ao Salmo 145:4. Outros, para afirmar que a alma morre junto com o corpo físico buscam argumentos em Ezequiel (18:4).

E no caso da suposta comunicação com os espíritos, prática que seria rea-lizada por médiuns espiritistas ou de outras correntes medianímicas, assim como por xamãs, oráculos etc., os espiritualistas que não aceitam o fenômeno buscam em Isaías (8:19) argumentos para mostrar que se trata do “demônio” se passando pelo espírito de um morto.

Mesmo assim, há aqueles que aceitam, em casos excepcionais, que Deus permitiria o contato de um vivo com um morto, como supostamente aconteceu com Samuel, segundo a Bíblia, quando este conversou com o espírito do rei Saul através de uma pitonisa, fato narrado no livro Samuel 1, capítulo 28.

A possibilidade da reencarnação e da comunicação com os espíritos existir é assunto tratado com naturalidade nos chamados “romances espíritas”, livros de ficção supostamente escritos por desencarnados através de médiuns. Porém, alguns estudos considerados científicos começam a se debruçar sobre o tema, seja no âmbito da ciência tradicional cartesiana (psicologia anomalística) ou holonômica (psicologia transpessoal).

O nosso objetivo com este livro, como já foi salientado, é compreender as imagens e o imaginário do invisível presente nos trabalhos de “educação após a morte”, também chamados de “desobsessão”, “doutrinação” ou “evangelização de espíritos” no meio espiritista, através do estudo das narrativas visionárias e hermesianas coletadas com os recursos da Observa-ção Participante e da Pesquisa-ação em centros que praticam a Apometria, uma técnica de tratamento espiritual usada na Animagogia e também em alguns centros espíritas heterodoxos.

O interesse pelo tema surgiu após uma experiência insólita, em 2001, quando conheci o intercâmbio mediúnico através de dois jovens estudantes de química na USP de São Carlos. Um deles “incorporou” um suposto espírito que se identificou como dr. Felipe e afirmou atuar na equipe espiritual de Bezerra de Menezes, e me convidou para assistir aos trabalhos de “desobsessão” que o médium realizava. Pediu-me, também, para escrever um livro a respeito daquele trabalho.

Gostei da ideia e, enquanto terminava o meu doutorado na Faculdade de Educação na USP, acompanhei por cerca de dois anos o trabalho mediúnico daqueles jovens. Após reunir os dados para escrever o livro, perguntei ao “dr. Felipe” se eu precisava fazer apologia ao Espiritismo ou se poderia escrever da minha maneira. Ele respondeu que eu era filósofo e não espírita e que, por

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isso, eu escreveria o livro como filósofo e não como espírita.

A resposta do suposto espírito, através do médium, me tranquilizou e tive, inclusive, a ideia de transformar aquele material em uma pesquisa de pós-doutorado que não vingou, uma vez que nenhum dos professores que contatei na época achou o tema adequado para um estudo acadêmico. Com a inviabilização da pesquisa no meio universitário, transformei o material em um livro denominado Educação após a morte: princípios de animagogia com seres incorpóreos, publicado em 2004, e reeditado em 2009 e em 2011.

Ainda em 2004, após a publicação do livro, outro provável espírito que, segundo o médium que transmitia a comunicação, se identificava com o nome Flor de Lótus e usava um turbante branco com uma turmalina presa nele, pediu para eu estudar a Apometria, pois esta técnica seria usada em breve nos trabalhos de Educação após a morte realizados na ONG Círculo de São Francisco que, desde 2003, já se identificava como de Animagogia.

Sem saber do que se tratava, fui pesquisar o assunto em livros, com praticantes e, entre os anos de 2004 a 2007, montei com alguns sensitivos residentes em São Carlos um grupo de pesquisa experimental. O resultado dessas experiências foi publicado no livro chamado “A apometria no contexto da animagogia”, editado na forma de e-book, em 2006, e publicado em 2011 na coleção Cultura de Paz e Mediunidade, editada pela Editora Rima em parceria com o Programa Homospiritualis com o título: “Apometria: a mediunidade e o poder da mente a serviço da regeneração da Terra”.

Em 2014, a primeira edição do livro “Educação após a morte” completou 10 anos. Inicialmente, pensei em reeditá-lo. No entanto, ao reler o livro, senti que havia chegado o momento de escrever outra obra, integrando os dois livros apresentados acima, já que são complementares, e aprofundar o estudo do que há alguns anos venho chamando de Imaginário do invisível.

Assim, ao invés de continuar estudando os principais processos de “educação após a morte”, resolvi compreender a dinâmica das imagens e do imaginário do invisível presente nas narrativas visionárias e hermesianas manifestadas durante os tratamentos espiritualistas que utilizam a técnica da Apometria.

A Apometria, como salientamos, é utilizada nos atendimentos de Animagogia, que possui uma base teórico-doutrinária universalista, e que busca respaldo nas pesquisas da Psicologia Transpessoal, como se pode verificar em nosso estudo Educação, saúde e espiritualidade a partir de um enfoque transpessoal, disponível na internet na forma de e-book e é um dos vetores do processo que identificamos como sociagogia do (re)envolvimento, uma antropolítica educativa que visa (re)envolver o sapiens com o seu corpo, com sua comunidade, com o meio ambiente e, sobretudo, com sua dimensão espiritual.

Em menor escala, a Apometria também é utilizada nos trabalhos kardecistas de doutrinação, principalmente nos centros não-ortodoxos, quase sempre não ligados às federações espíritas e que aceitam manifestações mediúnicas de espíritos que usam a forma de pretos-velhos, índios, orientais etc.

Por ser uma proposta educativa que mantém relações ora

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complementares, ora antagônicas e ora concorrenciais com a doutrina espírita, é importante, mesmo que de forma resumida, compreender melhor as semelhanças e diferenças entre o Espiritismo e a Animagogia.

Para os adeptos da Animagogia o espírito não precisa evoluir, como afirma a doutrina espírita, mas despertar quando se encontra encarnado e iludido pelo ego. Além disso, antes de encarnar, para a Animagogia, é necessário que o espírito passe por um processo de humanização. Assim, para vivenciar uma nova existência na Terra, o ser incorpóreo necessitaria ter sua consciência espiritual velada para começar a se relacionar no mundo material através de uma consciência humanizada (ego) que reduz sua capacidade de compreensão e de entendimento da realidade, fazendo com que facilmente se iluda, acreditando, assim, nas verdades que essa falsa consciência lhe incute: por exemplo, que é homem ou mulher, brasileiro ou estrangeiro, branco ou preto, que se apega a esta ou aquela religião, raça, grupo étnico etc.

Em suma, todas essas verdades relativas não pertenceriam ao espírito, mas formam o ego (a mente do ser humanizado). Este processo, porém, é necessário, segundo a Animagogia, para que o espírito possa passar pelas vicissitudes da experiência humanizada, de acordo com o gênero de existência que supostamente escolheu antes de encarnar.

Assim, o ego seria esta consciência humanizada necessária para mais uma aventura reencarnatória, porém ela é uma falsa-consciência, uma vez que o ego não permite ao espírito viver a Realidade, colocando-o em contato com uma realidade relativa, um simulacro criado para viver as provações que solicitou quando gozava de sua consciência plena ou as suas expiações. É nesse sentido que o pai Joaquim de Aruanda1 chama o espírito preso ao ego, esteja ele encarnado ou não, de “ser humanizado”.

Este ser humanizado, em tese, não conseguiria viver plenamente os atributos do espírito, entre eles, a felicidade incondicional, o amor universal e a fé plena. Em outras palavras, ao se humanizar, o espírito passa a ter dificuldades para vivenciar o amor por tudo e todos, sem julgamentos, críticas ou condicionamentos e também deixaria escapar sua felicidade inerente, passando a buscar a felicidade fora, no mundo da impermanência, esquecendo-se que ela está dentro dele. Somente com o despertar espiritual é que aumenta a capacidade de ser feliz, não importando mais o que acontece no mundo de “provas e expiações”, um mundo que não possui substancialidade e é impermanente, como afirmam praticamente todas as psicosofias orientais e também a ciência contemporânea, que cresce a partir das referências da chamada Física quântica, que estuda o que acontece no interior dos átomos.

Na perspectiva da Animagogia, ao acreditar nas verdades criadas pelo ego, o ser humanizado passa a sofrer com as vicissitudes negativas ou fica eufórico com as positivas, perdendo assim a chance de agir com equanimidade. E a humanização seria um processo mais importante que a

1 Entre os anos de 2005 e 2009, realizamos 9 encontros públicos com este espírito, através da

mediunidade inconsciente de Firmino José Leite, coletando mais de 30 horas de depoimento em vídeo. O fruto desta pesquisa foi o livro “História Oral, Imaginário e Transcendentalismo: mitocrítica dos ensinamentos do espírito pai Joaquim de Aruanda”, divulgado na forma de e-book em 2009 e impresso pela editora Rima em 2011.

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encarnação porque, segundo a Animagogia, mesmo após o desencarne, muitos espíritos podem permanecer presos ao ego, acreditando naquelas verdades relativas e passar o tempo “do outro lado” sofrendo ou perseguindo aqueles que acreditam ser seus algozes, tornando-se o que o Espiritismo chama de “espíritos obsessores”. Em outras palavras, não bastaria desencarnar para o espírito se desumanizar, recuperando sua consciência real. Segundo a Animagogia, o espírito pode continuar humanizado no mundo astral, que seria um mundo intermediário entre o material e o espiritual, que seria o mundo real. Iludido ainda pelo ego, o espírito humanizado vive no astral em um ambiente que ainda possui tempo e espaço, mas que é criado e alimentado por sua mente ainda iludida.

Estes seriam os espíritos que se são trazidos para serem auxiliados nos atendimentos espirituais de Apometria, seja em um centro espírita ou em um trabalho de Animagogia. Neste último, os trabalhos de educação após a morte visam ajudar o “espírito humanizado” a “ressuscitar”, ou seja, a recuperar sua consciência espiritual plena. O objetivo do trabalho é contribuir para uma mudança de sensibilidade e de consciência do ser incorpóreo que ainda se encontra iludido pelo ego, ajudando-o a concluir a sua metanoia, o processo necessário para a “desumanização do espírito”, ou seja, de desidentificação com o ego e, consequentemente, para a recuperação plena de sua consciência.

Sabemos, porém, que, independentemente da orientação adotada, espiritista ou animagógica, é necessário um exercício mental hercúleo para conceber e aceitar as narrativas visionárias e hermesianas nas quais o espírito pode existir sem a necessidade de um corpo físico, pelo menos para nós Ocidentais, não importando se somos ateus ou religiosos.

Nestas narrativas todos nós somos apresentados como seres incorpóreos. E seja no Espiritismo ou na Animagogia, defende-se a tese de que antes de mais uma existência corporal já tínhamos uma vida ativa. E apesar do Espiritismo não compartilhar da teoria sobre o ego, não fazendo a distinção espírito/ego, seja durante ou após a encarnação, esta doutrina também afirma que, antes de uma nova encarnação, o espírito escolhe um “gênero de provas”.

Provavelmente, este é o ensinamento central da doutrina espírita, pois ele vai orientar toda a vida humanizada do espírito. Segundo Kardec, com frequência, as escolhas feitas durante a erraticidade vão de encontro com as escolhas após a encarnação. Por exemplo, encontramos expresso em O livro dos espíritos que o espírito escolhe a riqueza para aprender com as vicissitudes que ela gera. Enquanto isso, o ser humano quer a riqueza para gozá-la.

Aqui é importante ressaltar uma diferença fundamental entre o Espiritismo e a Animagogia. Na visão espiritista, a escolha do espírito no mundo espiritual pode ser diferente daquela que vai adotar após encarnar, mas continuaria sendo a mesma consciência. Por sua vez, na visão da Animagogia teríamos uma consciência real, que é a do espírito, e o chamado ego, a consciência humanizada criada necessariamente para vivenciar uma nova humanização/encarnação. Tal consciência seria reduzida ou relativa, e capaz de criar uma realidade falseada, como se fosse uma miragem. A lógica é a mesma da caverna de Platão. Através do ego não enxergaríamos a Realidade,

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mas um simulacro dela.

Dentro dessa perspectiva, a Animagogia visa ajudar no processo de desidentificação com a consciência humanizada, que sabemos ser a consciência considerada normal pelas psicologias tradicionais ocidentais que tem como meta “desenvolver a personalidade”. É por isso que o trabalho da Animagogia, como todas as experiências místicas obtidas através de práticas orientais milenares, costuma ser pensada como psicopatológica pelas psicologias e pedagogias tradicionais.

E voltando as similitudes e diferenças entre o Espiritismo e a Animagogia podemos dizer que a encarnação teria objetivos distintos para cada uma delas: para o espírito “evoluir”, na visão espiritista, ou para o espírito aprender a libertar-se das verdades criadas pelo ego, na Animagogia, já que o espírito já traz em si vários atributos como a felicidade, o amor, a paz interior etc., mas carece de experiência. Ao longo das encarnações, o espírito vai adquirindo experiência. Todo o resto já se encontraria dentro dele. Por isso não haveria necessidade de evoluir, mas de despertar do “sono hipnótico” da humanização.

Na dimensão imaginária ou arquetipológica, no Espiritismo são as imagens ascensionais que predominam, transmitindo uma ideia de evolução linear e verticalizante, sempre para cima; e na Animagogia encontramos o predomínio das imagens de penetração, de interiorização, de lapidação. Para permitir que sua luz brilhe em sua vida humanizada, o espírito precisa fazer um mergulho para dentro de si, tirando as “cascas” que formam o ego, um agregado ou um invólucro que impede o seu brilho, afirma a Animagogia.

Porém, nos dois casos, o caminho para “evoluir” ou para “brilhar” é o mesmo: a prática do amor universal. Parece que esta é a regra de ouro que aproxima todas as doutrinas espiritualistas e religiosas e está presente também na Animagogia. Assim, apesar de partirem de estruturas de imaginário distintas: “diurna” com o Espiritismo e “noturna” com a Animagogia, o caminho para alcançar o objetivo de ambas é semelhante.

E o resultado desse processo também é similar. No Espiritismo se acredita que ao atingir certo grau de “evolução”, o espírito não precisaria mais reencarnar. Este mesmo fato aconteceria também na visão da Animagogia, uma vez que, ao conseguir silenciar as verdades criadas pelo ego ainda encarnado (após o desencarne, mais cedo ou mais tarde, o processo teria que acontecer para uma nova encarnação ser planejada), o espírito não precisaria mais encarnar nos chamados “mundos de provas e expiações”, como se vencesse um jogo similar aos de videogame, quando o jogador domina todas as fases e se desinteressa daquele jogo.

E tanto para o Espiritismo como para a Animagogia não haveria um número limitado de encarnações. O processo dependeria do livre-arbítrio de cada um. Pai Joaquim de Aruanda, o preto-velho que entrevistamos afirma que, em média, cada espírito demora cerca de sete mil anos para vencer o jogo chamado “provas e expiações”. E isso explicaria, segundo ele, o porquê de estarmos na iminência de um expurgo, de um exílio planetário. Como a Terra será em breve um “mundo de regeneração”, mudando as regras do jogo e a programação do sistema, quem ainda não aprendeu a dominar as regras do jogo “provas e expiações” continuaria seu processo em outro planeta e não mais na Terra. Aqui só encarnariam os já aptos a começar a nova aventura, um

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novo jogo cujas regras seriam outras, sem a necessidade da energia do egoísmo, atualmente a energia que nutre os chamados mundos de “provas e expiações”, afirma este preto-velho.

Em nosso livro “Educação e Espiritualidade: introdução à Animagogia” aprofundamos um pouco mais a concepção da Animagogia que afirma que nenhum espírito é egoísta, mas, iludido pela humanização, deixaria de emanar amor em todos os seus atos e com isso não silenciaria o ego. Aqui, porém, vamos nos deter um pouco mais no ponto central desta prática educativa que não acredita na necessidade de evolução do espírito.

Para a Animagogia, há uma relação horizontal entre todos os espíritos e não mais vertical, como aparece no Espiritismo, no qual os seres incorpóreos são classificados em dez ordens, indo dos mais “inferiores” (que seriam como sombras) aos “superiores” (que teriam o brilho do rubi).

Na perspectiva da Animagogia todos os espíritos foram criados com a mesma quantidade de luz, ou seja, já teriam o “brilho do rubi”. Mas seria possível não apresentar esse brilho em função da “sujeira” que está em volta, o chamado ego. O ego, assim, é descrito como um agregado que não pertence ao espírito, mas que o impede de brilhar. Esta visão é semelhante a do taoismo que afirma que só podemos nos tornar aquilo que já somos. Ou seja, se um dia vamos nos transformar em luzes é porque já somos luzes; e se um dia nós seremos perfeitos, é porque, enquanto espíritos, já somos perfeitos; e se um dia vamos ser felizes, é porque a felicidade já se encontra em nossa essência. E o mesmo ensinamento vale para todos os atributos do espírito.

Pai Joaquim de Aruanda costuma usar uma metáfora em suas palestras públicas que ilustra bem essa concepção. Ele afirma que cada espírito é semelhante a uma lâmpada de 100 watts. Todos os espíritos criados por Deus possuem a mesma quantidade de luz. Porém, os que possuem mais “sujeira” em volta, tem o seu brilho ofuscado. Por outro lado, os mais limpos nos daria a impressão de brilhar mais e, portanto, serem mais “evoluídos”.

Esse processo nos faria pensar que há espíritos “superiores” e “inferiores”, com mais ou com menos “luz”, como afirma o Espiritismo, mas todos, em tese, seriam essencialmente iguais. Assim, ao invés de “evoluir”, o espírito precisaria silenciar o ego (a consciência humanizada), limpando a sujeira que o impede de brilhar plenamente. O ego seria como uma cortina que impede o sol de entrar em uma casa, iluminando-a.

Outra metáfora da Animagogia é comparar a humanização do espírito com um jogo de videogame. Por ser necessário se ligar a um ego para viver uma nova encarnação, o espírito agiria antes de encarnar como um jogador que prepara o seu avatar escolhendo suas características antes de iniciar o jogo. Dependendo das provas escolhidas, este avatar terá certas características, podendo ter mais aptidões para algumas atividades e menos para outras. Poderá ser mais ou menos extrovertido, ter tendências para determinados vícios e assim por diante.

Assim, o espírito após escolher as provas e criar seu avatar, com um corpo e uma personalidade adequada para enfrentar as provas, vivenciará a humanização (ligação a esse avatar) e, em seguida, a encarnação.

Neste processo, enquanto o espírito não despertar dessa ilusão, mais

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facilmente será enganado pelo ego, deixando ser levado pelos valores da personalidade e, como acontece nos jogos de videogame, enquanto não dominar as regras do jogo, poderá ser “derrotado” e ter que começar uma nova partida.

Na ótica da Animagogia, o espírito será “derrotado” em sua nova encarnação quando não consegue silenciar o ego na situação em que foi colocado na vida humanizada, não conseguindo vivenciar sua humanização com habilidade espiritual. Assim, ao deixar o ego o conduzir, permite que outros sentimentos como o egoísmo, o orgulho, a vaidade etc. se sobressaiam ao amor universal. Se vier a desencarnar ainda iludido, somente após o seu despertar poderá pedir uma nova encarnação, seja para repetir aquela experiência ou ser colocado do outro lado, vivendo aquela situação de outro ponto de vista. Por exemplo, se teve um ego preconceituoso em relação aos homossexuais, poderia vir com um ego homossexual para aprender a lidar com o preconceito. Ou se cegou pessoas, poderia vir como oftalmologista, e assim por diante. Mas é possível que o espírito vivencie várias encarnações dentro de uma mesma humanização. Esse processo é o que os espíritas chamariam de expiação. No caso, ao desencarnar e ter que drenar, no astral, as toxidades energéticas acumuladas durante a encarnação, os mentores daquele espírito podem optar por uma nova encarnação, uma vez que, na Terra ou em outro planeta de “provas e expiações” seria mais fácil e rápido fazer tal drenagem energética. Assim, uma “encarnação compulsória” seria realizada com aquele espírito. Dessa forma, não houve a desumanização necessária para que o espírito pudesse escolher uma nova provação.

Uma hipótese tem se levantando entre os adeptos da Animagogia. Será que a recordação de vidas passadas, fato que muitos descrevem, acontece com mais facilidade entre os espíritos que reencarnam compulsoriamente, uma vez que eles ainda estão presos a uma mesma humanização? Essa é uma questão em aberto entre os adeptos da Animagogia.

Um fato, porém, é que, a cada nova tentativa, sempre fica mais fácil para o espírito passar por determinadas fases, como acontece em um videogame, conforme nos familiarizamos com a dinâmica do jogo e dominamos suas regras. Ou seja, a experiência faz com que cada nova partida se torne mais fácil. Assim, com mais habilidade se consegue passar pelos desafios que são colocados diante do avatar, mesmo com o espírito iniciando sua nova encarnação como se estivesse adormecido ou em transe, e tendo as ações de seu avatar conduzidas pela programação pré-estabelecida no ego.

Porém, através dos “choques” que as vicissitudes positivas e negativas lhe dão, e com base nas experiências vividas em encarnações anteriores, nas quais foi aprendendo a dominar as regras do jogo, sabendo lidar melhor com certas situações, o espírito começa a assumir as rédeas de seu destino. E esse despertar gradual não ocorre sem conflitos, uma vez que o ego seria programado para produzir formações mentais opostas à vontade e ao pensamento do espírito. Assim, um embate cada vez maior entre o espírito e o ego começa a acontecer, afirma a Animagogia.

O objetivo do jogo chamado “encarnação nos mundos de provas e expiações” seria, portanto, colocar em prática as habilidades espirituais, ou seja, agir com os atributos do espírito no cenário da vida material e não mais

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através do ego, a consciência humanizada que é nutrida e se retroalimenta com a energia do egoísmo.

Com o predomínio das habilidades espirituais, maior a presença da consciência espiritual e menores as probabilidades do espírito perder sua paz interior, não importando o que acontece, aconteceu ou acontecerá. Em outras palavras, a vitória ou a derrota do avatar não acaba com sua equanimidade e mais facilmente um “algoz”, por exemplo, é perdoado.

Um espírito consciente não se transformaria, em tese, em obsessor após a desencarnação. Ele compreenderia que o outro foi apenas um instrumento para o seu aprendizado e age com indulgência. Podemos dizer, como em uma antiga metáfora hindu, que aquilo que antes nos assustava por parecer uma serpente (verdade criada pelo ego), não passava de uma simples corda.

Como já salientamos, esta distinção entre o espírito e o ego é, talvez, a principal diferença entre a interpretação espiritista e a proposta pela Animagogia, gerando o principal antagonismo entre as duas perspectivas, e que se reflete também na aceitação ou não do uso da Apometria como técnica de tratamento psíquico-espiritual, uma vez que, a forma de conduzir o diálogo e o tratamento vai ser diferente, causando certo estranhamento para quem não está acostumado com ela.

Por exemplo, não encontraremos na Animagogia alguém dizendo que o espírito J.K. se manifestou através de um médium e falou de sua indignação com a política brasileira. Na Animagogia não haveria no mundo espiritual um ser chamado J.K., mas um que, entre os mais diferentes egos que vivenciou na Terra, um deles foi chamado J.K. e que viveu a experiência de ser presidente da república no Brasil. E este ego também precisaria ser abandonado, como foram os anteriores, para o espírito recuperar sua consciência plena, liberta de todo condicionamento humano. Este espírito, caso ainda se confunda com a última consciência humanizada vivida na Terra, precisaria passar por um atendimento de Animagogia para recuperar sua consciência plena. Ele pode, obviamente, usar essa postura de forma simbólica, para ser reconhecido. Mas se ainda se confunde com o ego, então ele se encontra iludido, não estando plenamente desperto, afirma a teoria animagógica.

Na visão espiritista o ser incorpóreo utiliza a forma, nome e idiossincrasias de sua última vida na Terra, tanto os esclarecidos como os que são trazidos para serem ajudados. Para a Animagogia, os espíritos esclarecidos sabem que representam um papel, que usam uma postura simbólica quando se apresentam como pretos-velhos, médicos, índios, orientais etc. E podem, ainda, usar posturas diferentes em trabalhos diferentes. Por exemplo, se manifestando como dr. Bezerra de Menezes em um centro espiritista e como um preto-velho em um terreiro de umbanda.

Porém, apesar destas diferenças, e que não são apenas conceituais, há relações complementares entre as duas propostas. Em ambas, por exemplo, não seríamos frutos de um acaso ou de um destino cego, pois, apesar de existir certa fatalidade nos atos materiais, em função das escolhas feitas antes da encarnação, sempre teríamos o livre-arbítrio no âmbito dos sentimentos, ou seja, das atitudes (ações interiores). Em outras palavras, enquanto a ação material e o contexto social dependeriam dos gêneros de prova escolhidos voluntariamente, e dos quais não nos lembraríamos ao encarnar, ainda assim o

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livre-arbítrio sempre estaria existindo, de forma que seríamos livres para amar ou agir com apego, compreender ou se revoltar, além de sermos felizes ou infelizes diante das vicissitudes da vida humanizada, inclusive perdoando ou não nossos algozes ou inimigos do passado ou do presente.

As duas perspectivas também valorizam muito mais a intenção com que um ato é vivenciado e não o fato em si. E esta é uma concepção quase universal no meio espiritualista. Este ensinamento também está presente na psicosofia de Lao-Tsé (Tao Te Ching), de Buda (Darmapada) e de Krishna (Baghavad Gita) e pode ser encontrada em passagens do Antigo Testamento. Da mesma forma que quase todas seguem a “regra de ouro” que diz ser importante fazer ao próximo o que gostaríamos que fizessem conosco, a maioria das doutrinas espiritualistas dá mais valor à intenção do que ao fato acontecido.

Nas narrativas visionárias e hermesianas que vamos apresentar neste livro, obtidas através de atendimentos de Animagogia utilizando as técnicas da Apometria, com frequência encontramos a própria consciência do espírito arrependido agindo como o seu próprio algoz. Ou seja, assim que resgatam sua consciência espiritual, afirmam que apesar de não terem mais o corpo físico, ainda sentiam dores e concluem que eram, sobretudo, morais. Assim, não teria sido Deus (ou o nome que queiramos dar para essa força transcendental), Jesus ou outro ser que os castigaram. Ao contrário, afirmam que Deus sempre oferece àquele que não soube aproveitar sua passagem pela Terra (deixando de amar) outras oportunidades de aprendizagem e de aprimoramento, mas nunca puni ou castiga.

Outra informação desconcertante em tais narrativas é que, ao se desvincular das ilusões que os faziam pensar que, mesmo no mundo espiritual, ainda eram pais, médicos, brasileiros, aleijados etc. para viver apenas como espíritos eternos, deixa de existir a relação de “superior” e de “inferior”, e também todo e qualquer vínculo com nações, grupos étnicos ou culturais, de gênero etc. E todos os demais espíritos humanizados com quem se relacionaram, amaram ou brigaram na Terra voltam a ser apenas “irmãos espirituais” vivenciando suas “provas”, “expiações” ou “missões”.

Assim, tanto no meio espiritista, de modo geral, como na Animagogia, reencarnar seria a expressão da justiça e do amor de Deus para com aqueles que, supostamente, se arrependeram de não emanar amor em seus atos materiais e que desejam saldar seus “débitos”, não com Deus, mas com sua própria consciência. Na Animagogia, ao agir assim, o espírito provaria para si mesmo e a mais ninguém que pode ser mais forte que o ego, a consciência humanizada necessária para uma encarnação.

Em outras palavras, nestas narrativas visionárias e hermesianas, o ser incorpóreo que não aproveitou o estágio na carne para “evoluir” ou se “iluminar”, libertando-se das verdades criadas pelo ego, pode, em tese, ser auxiliado por diferentes grupos espiritualistas, seguidores de diferentes doutri-nas reencarnacionistas e que adotam as mais diversas técnicas mediúnicas, entre elas, a Apometria.

E tal ajuda necessitaria de pessoas que servem de intermediários entre o plano invisível e o visível: os médiuns, uma espécie de Hermes da pós-modernidade, os novos psicopompos dispostos a ajudar nesse processo

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metanoico que, em alguns casos, são chamados de Animagogia, como neste que ora estudamos.

De forma resumida, a Animagogia é uma proposta educativa, que possui como objetivo ajudar no processo metanoico de seres incorpóreos ou de encarnados. No caso dos primeiros, costuma utilizar, fundamentalmente, as técnicas apométricas que permitem, em tese, realizar regressões de memória com os seres incorpóreos, quando estão incorporados em médiuns, para que possam lembrar como foram suas supostas vidas passadas ou até mesmo a escolha das “provas” que fizeram antes da encarnação.

Com este procedimento, acredita-se que é mais fácil despertar a real consciência do espírito, desidentificando-se rapidamente da última humanização.

Durante os atendimentos, os seres incorpóreos narram o que estão vendo ou fazendo e, muitas vezes, falam do motivo que os levou a perseguir alguém, se transformando em obsessores.

Mas um trabalho espiritual só pode ser classificado como animagógico se houver uma relação horizontal entre o que ajuda e o que é ajudado. Ou seja, o suposto espírito que necessita de auxilio não é considerado um “ser do mal”, “inferior” ou “primitivo”. Ele só se encontra iludido. Portanto, a proposta da Animagogia consiste apenas em despertá-lo dessa ilusão. A Animagogia não pode ser confundida com as técnicas de exorcismo praticadas por alguns grupos religiosos e que consiste em “expulsar o demônio”, considerado com um ser eternamente do mal.

A Animagogia considera que os atributos do espírito são doze: a vontade (intenção), a consciência, a capacidade de amar, a de ter fé e a de ser feliz, além da humildade, da paciência, da equanimidade, da paz interior, entre outras. Estes atributos ficariam adormecidos enquanto o ego (consciência humanizada) predomina em nossas existências. E o objetivo da encarnação seria despertá-los nos embates do espírito humanizado com as vicissitudes próprias dos “mundos de provas e expiações”. Ou seja, passar a valorizar e colocar em prática as habilidades espirituais durante a vida humanizada do espírito.

Quando os seres incorpóreos se manifestam nos trabalhos de Animagogia, através das técnicas apométricas, e recuperam sua consciência espiritual plena, deixam, em tese, de acreditar nas verdades (formações mentais) que o ego incutia, mesmo após a morte. Despertos, não encontram mais razão para continuar agindo como obsessores ou sofrer. Pelo menos é o que se pode averiguar através dos relatos visionários e hermesianos que os médiuns narram durante esta prática espiritualista.

Os diálogos com os supostos espíritos são variáveis e dependem do contexto em que ocorrem. Mas, de forma geral, a Animagogia possui cinco pressupostos básicos para orientar este diálogo que é realizado entre o animagogo, chamado de doutrinador no espiritismo, e o suposto espírito incorporado em um médium. São eles:

A existência de Deus

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Como prática educativa espiritualista a Animagogia parte do pressuposto de que existe Deus. Mas, como o budismo, ela é não-teísta, o que não quer dizer que seja ateia. Um movimento ateu é aquele que não acredita na existência de Deus. Por sua vez, um movimento não-teísta não vê Deus como alguém que possui eleitos ou que interfere em nossas escolhas, punindo ou premiando alguém.

Apesar de muitos considerarem o budismo ateu, o que sabemos é que Buda acreditava na inexorabilidade do “carma” e, por isso, não adiantava fazer pedidos a Deus. Assim, a existência ou não de Deus não faz diferença, uma vez que cada um colheria sempre o que plantou.

Na Animagogia, por enfatizar a importância da intenção amorosa em todos os atos, não tem porque se preocupar se os fatos em que somos colocados foram criados por Deus, pelo acaso ou pelo nosso próprio livre-arbítrio. O importante é sempre colocar em prática os atributos do espírito, ou seja, viver com habilidade espiritual uma experiência humanizada, seja ela “positiva” ou “negativa”.

Para a Animagogia, a definição espírita de Deus como “inteligência suprema e causa primária de todas as coisas” parece ser suficiente, apesar de sabermos que esta definição não é autoevidente. Em uma rápida pesquisa por livros espiritistas que comentam esta resposta, é possível notar que não há consenso na interpretação do que significa “inteligência suprema” ou “causa primária” de todas as coisas. Alguns autores consideram-nas, respectivamente, como representando a “onisciência” e a “onipotência” de Deus. Outros argumentam que Deus criou o Universo e suas leis e não interfere em nada, nem julgando, nem punindo e nem premiando. Sem esta interferência divina, o espírito “evoluiria” através de seu próprio livre-arbítrio, plantando o que deseja, mas sempre colhendo o resultado dessa semeadura, em uma visão muito semelhante a do budismo que, como salientamos, é não-teísta, mas não é, necessariamente, ateia.

Apesar das tentativas de alguns escritores para se compreender Deus, a questão 10 de O Livro dos Espíritos apresenta uma afirmação significativa: “os encarnados não possuem o sentido necessário para compreender Deus”. E, na questão 14, nos é transmitido que o mais importante seria aceitar que Deus existe, mas deixar de lado qualquer sistema; Ou seja, o ideal seria nos ocupar com as nossas imperfeições, ao invés de querer penetrar no que é impenetrável.

E no caso dos que seguem as orientações do preto-velho Pai Joaquim de Aruanda, cuja psicosofia estudamos no livro “Imaginário, História Oral e Transcendentalismo: mitocrítica dos ensinamentos do espírito Pai Joaquim de Aruanda”, apesar de acreditarem que Deus é a “causa primária de todas as coisas”, afirmam que Ele seria o responsável pela criação tanto das coisas que nos agradam como também daquelas que nos desagradam. E as coisas que nos desagradam seriam criadas por Deus não para nos punir ou como castigo, mas apenas para aprendermos a purificar o coração, amando incondicionalmente. Ou seja, para estes espiritualistas, quem compreende que Deus é a “causa primária de todas as coisas”, deixaria, teoricamente, de julgar ou de culpar outro espírito humanizado pelo que nos acontece, já que o nosso livre-arbítrio teria sido exercido antes da encarnação, durante a escolha do

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gênero de provas e, após a humanização do espírito, nosso livre-arbítrio seria apenas moral.

Da mesma forma, o orgulho e a vaidade também diminuiriam quando se aceita que aquilo que conquistamos na vida (casa, emprego etc.) também foi o fruto da permissão divina. Da mesma forma, para estes espiritualistas, ter essa compreensão seria importante para deixarmos de lamentar ou de nos fazer de vítimas quando algo que não está de acordo com a nossa vontade acontece.

Mas, ao contrário de uma visão fatalista, como é, por exemplo, o shivaísmo, no qual Deus se diverte controlando nossos pensamentos, sentimentos e ações, para pai Joaquim de Aruanda a vontade de Deus consiste em realizar o nosso livre-arbítrio, ou seja, fazer com que aconteça exatamente aquilo que, supostamente, solicitamos ao escolher o nosso gênero de provas. Nesse sentido, ele afirma em suas palestras que ao invés de acusar o governo, a religião rival, os pais, o bandido etc. de não terem feito a coisa “certa”, já que Deus seria a “causa primária de todas as coisas”, ele aconselha perdoar, não se ofender e compreender que a pessoa que nos fez algum “mal” não deixou de ser um instrumento nas mãos de Deus, mesmo que inconscientemente.

Esta psicosofia parece vir ao encontro do que também ensinava Mahatma Gandhi. Este, por exemplo, costumava dizer que Deus estava em todas as coisas, tanto na arma de um bandido, como no bisturi de um médico, mas quem mataria ou salvaria uma vida seria Deus e não o bandido ou o médico. E para a Doutrina Espírita “ninguém morre antes da hora, não importa o perigo”, ensinamento presente na questão 853 de O livro dos Espíritos. Ou seja, para estas três psicosofias somente Deus teria permissão para tirar a vida de alguém2.

Em todas as psicosofias acima também podemos inferir que haveria certa fatalidade nos atos materiais, ou seja, a arma de um bandido, em tese, só vai “matar” alguém se estiver na hora daquela pessoa morrer e o médico vai “salvar” aquele paciente que ainda precisa permanecer encarnado, pois sua hora de partir da Terra ainda não teria chegado. E, não importando se um ato é “positivo” ou “negativo”, para que ele aconteça se faz necessário um instrumento. Assim, a justiça divina, segundo tais psicosofias, aconteceria a cada segundo, onde cada um receberia o que necessita, de acordo com o “gênero de provas” que, supostamente, escolheu antes de encarnar.

Porém, a Animagogia, apesar de compreender que Deus existe e que é a inteligência suprema e causa primária de todas as coisas, não se preocupa em saber se Deus dirige cada um de nossos passos, definindo inclusive o que vamos pensar ou falar; se Ele tem um megacomputador que processa todos os “gêneros de provas” e cria os fatos que vivenciamos, como se estivéssemos dentro de uma Matrix; se tudo é regido pelo fatalismo (o maktub dos muçulmanos) ou se existe espaço para o acaso, para o contingente e, portanto, para imprudências e acidentes; também não importa se é o “carma” que define cada ato que praticamos ou recebemos. E por que não?

2 Alguns espiritistas escrevem que este ensinamento não vale para o suicido ou para a eutanásia. Nestes

dois casos, o espírito, em tese, teria desencarnado antes da hora, contradizendo, assim, a psicosofia presente em O livro dos espíritos.

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Porque a Animagogia vai se concentrar no como devemos agir em cada situação, não importando se ela é positiva ou negativa, prazerosa ou desprazerosa, agradável ou desagradável. O importante sempre é agir com equanimidade, com benevolência e amor. Em suma, a Animagogia sugere que coloquemos em prática duas das virtudes ensinadas por Lao Tsé, no Tao Te King: a “não-ação” e o “não-lutar”. Em outras palavras, não importa se agimos ou se reagimos, o importante é manter a equanimidade diante das vicissitudes.

Nesse sentido, não importando como foi criada, cada experiência vivida durante a humanização é sempre importante para se libertar das verdades criadas pelo ego. Sendo ou não criada por Deus, pelo “carma” ou pela imprudência de alguém; não importando também se tal experiência foi agradável ou desagradável, dolorosa ou prazerosa, o que importa é aceitar que ela serve para que possamos praticar o “Bem” (a vivência do amor universal, um dos principais atributos do espírito) ou o “mal” (o agir motivado pelo ego-ísmo, com a consciência humanizada).

A Animagogia compartilha do ensinamento presente na questão número 913 de O livro dos Espíritos que afirma o seguinte: “o maior dos males da humanidade é o egoísmo”. Esta também é a opinião dos universalistas que seguem as orientações de pai Joaquim de Aruanda, que enfatiza ser a intenção o que importa e não, necessariamente, os fatos.

Este preto-velho costuma dizer que um prato de comida pode ser dado para quem passa fome tanto com amor ou com egoísmo (por exemplo, o desejo de aparecer, de se mostrar caridoso etc.). Mas afirma também que Deus já sabia, antecipadamente, quem daria o prato de comida e quem receberia, mas nos deixa sempre livre para escolher a intencionalidade, o sentimento com o qual vivenciaremos esse ato: o amor ou o egoísmo. Para o pensamento universalista de pai Joaquim de Aruanda o “Bem” e o “mal” não estariam no mundo exterior, pois este seria criado por Deus, a “causa primária de todas as coisas”, em função do nosso livre-arbítrio, mas dentro de cada um de nós.

A Animagogia, como salientamos, também vai focar na intenção, afirmando que devemos emanar energia amorosa em todos os atos que vivenciarmos, tanto nos positivos como nos negativos. Isso seria agir com habilidade espiritual no cenário da vida humanizada. Nesse sentido, vai ao encontro do ensinamento do espírito pai Joaquim de Aruanda quando afirma que o papel do espírito na co-criação do mundo é colocar amor ou não em seus atos, mas não entra no mérito da discussão se todo “o resto seria fruto do trabalho de Deus, que não para um só segundo de criar e não assina nenhuma de suas obras”, como ele também afirma.

Como salientamos, para os universalistas que seguem pai Joaquim de Aruanda, compreender que Deus é a causa primária de todas as coisas, é aceitar que nossos atos são guiados por Deus para cada um receber sempre, a cada segundo, o que necessita para viver suas provas, escolhidas voluntariamente antes da encarnação. A partir desta premissa, sempre seríamos o instrumento necessário para Deus criar a “prova” de outro espírito humanizado. Para pai Joaquim de Aruanda nós só falamos ou fazemos aquilo que o outro precisa ouvir ou receber. De forma alguma teríamos condições de intervir na encarnação do outro. Se isso viesse a acontecer, Deus seria

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“injusto”, ele afirma.

Apesar de afirmar que existe um fatalismo nos atos da vida material, pai Joaquim de Aruanda enfatiza que nosso livre-arbítrio após a encarnação se resume a escolher entre ser um “instrumento amoroso” ou não, de acordo com a intenção que manifestarmos em nosso coração. Assim, aquele que tem a intenção de ajudar o próximo seria levado por Deus até aquele que precisa de ajuda. Da mesma forma, aquele que deseja prejudicar o próximo, também será um instrumento nas mãos de Deus para aquele que necessita, em função de suas escolhas, ser “prejudicado” naquele momento.

A Animagogia não é a favor ou contra esse ensinamento, mas prefere sempre enfatizar a liberdade que temos de agir com amor, dando inclusive “a outra face”, ou não. Para a Animagogia somente o agir motivado pelo amor (a benevolência, a indulgência e o perdão) ajuda a silenciar um pouco mais o ego, independentemente da situação em que nos encontrarmos ter sido fruto da ação de Deus, do acaso ou do livre-arbítrio de alguém.

É por isso que a Animagogia é uma prática educativa e espiritualista não-teísta. Para a Animagogia Deus existe, mas não se preocupa em explicar como Ele realmente atua ou gerencia o funcionamento do universo. A Animagogia não tem como responder se o ato que acontece agora, neste exato momento, seja ele positivo ou negativo, é o que tinha que ser, ou se poderia ter sido diferente. O importante, na Animagogia, é enfatizar que o importante é silenciar o ego, o que se faz colocando em prática as habilidades espirituais.

Como o objetivo da Animagogia se concentra em ajudar o ser incorpóreo a se libertar das verdades do ego, silenciando-o para que sua essência espiritual (amor, felicidade e fé) se manifeste plenamente, o foco dos diálogos travados com os seres incorpóreos enfatiza que Deus existe e que temos condições de exercer nosso livre-arbítrio não se exaltando com as vicissitudes positivas e não se decepcionando com as negativas, aproveitando todas as oportunidades para exercer o amor universal e as demais habilidades espirituais. Tendo como centro da atenção sempre o presente, o aqui e agora, nos atendimentos de Animagogia os diálogos vão enfatizar que todos os nossos atos podem ser amorosos ou egoístas. Qualquer que seja o fato ocorrido, teríamos sempre a liberdade de agir com amor ou com revolta; com benevolência e perdão ou com o desejo de vingança, e assim por diante. Ou seja, enfatizar a liberdade moral é o foco principal da Animagogia.

Assim, existindo ou não a fatalidade nas provas materiais, ninguém estaria fadado a uma existência apenas de infelicidades, uma vez que a felicidade seria um atributo do espírito e este pode escolher ser feliz mesmo diante de uma vicissitude negativa. Enfim, nos atendimentos de Animagogia, o importante é afirmar sempre que a experiência não é o que acontece conosco; mas o que fazemos com aquilo que acontece conosco.

A administração de nosso mundo interior está em nossas mãos, estejamos encarnados ou não. A dor pode até ser inevitável, mas o sofrimento é sempre opcional. Esta famosa frase é compartilhada também na Animagogia.

O mundo material sem substancialidade e impermanente

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O segundo pressuposto é a aceitação de que o mundo material não possui substancialidade. Ele é como uma “miragem” criada dentro do cérebro a partir das ondas energéticas captadas pelos sentidos. Portanto, ele existe, mas não é “real”.

Tanto os espíritas como os universalistas que seguem pai Joaquim de Aruanda afirmam que só há dois elementos gerais no Universo, o assunto do capítulo II de O Livro dos Espíritos, principalmente, a partir da questão 27. Um deles é o princípio material, o chamado “fluido cósmico universal”, hoje em dia chamado também de “energia cósmica universal” ou “energia escalar”, segundo Tesla, cientista do século XIX. O outro elemento, em tese, é formado pelo princípio inteligente do universo, de onde se originariam os espíritos. E, acima de tudo, Deus, o criador de todas as coisas.

Em outras palavras, se pudéssemos nos desligar momentaneamente dos órgãos de percepção que criam as formas materiais e as sensações, por exemplo, deixaríamos de enxergar todos os objetos que nos rodeiam e os ditos espaços vazios, para “mergulharmos” na energia cósmica ou escalar.

Essa já é uma hipótese aceita pela ciência materialista, após a famosa descoberta de Albert Einstein: E=MC² (energia é igual a massa, vezes a velocidade da Luz ao quadrado), ou seja, que a matéria não passaria de “energia condensada”. Como salientamos, hoje em dia, a ciência já aceita que a energia é a base de toda matéria que existe, não importando a forma como ela se manifesta.

O que diferencia um objeto material de outro é apenas a diferença vibratória. Pai Joaquim de Aruanda, em uma de suas palestras, afirma que a diferença entre um coração e um fígado, por exemplo, é a vibração. Quando os cientistas descobrirem a vibração exata de cada órgão, poderão criar órgãos para transplantes em laboratórios usando a mesma energia.

Até o século XIX se acreditava que a energia era a força que movimentava os corpos materiais. Mas, com as descobertas no âmbito da Física Quântica, já se aceita que a energia é a base de toda matéria. Assim, hoje a discussão não é mais entre materialistas e espiritualistas, mas entre energistas (que acreditam que tudo é energia em transformação, sem a existência de um princípio espiritual por traz deste processo) e espiritualistas (que acreditam que a consciência, a intenção entre outros atributos são espirituais, manifestos por uma individualidade capaz de manipular a energia).

O Espiritismo, desde o século XIX, defende que imersos nesse campo energético se encontram os espíritos, tanto os encarnados como os desencarnados. E a Animagogia, sem desmerecer o enfoque do espírito pai Joaquim de Aruanda e o do Espiritismo, afirma que a intenção, a consciência e a capacidade de amar seriam atributos dos espíritos que manipulariam esta energia cósmica através destes atributos, interferindo, de forma positiva ou negativa, nos vários campos vibracionais existentes.

O espírito humanizado e encarnado se manifestaria no plano material, o mais denso. Porém, o seu corpo astral (na bacia semântica do universalismo) ou perispírito (na bacia semântica do espiritismo) seria capaz de transmitir para o cérebro físico as manifestações vibratórias do próprio espírito, de outros encarnados e até dos seres incorpóreos, tanto dos esclarecidos como dos

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ainda humanizados (estes últimos seriam os responsáveis pelas obsessões, possessões etc.).

A tendência natural do espírito seria “evoluir”, para o Espiritismo, ou desligar-se do ego pra despertar e conseguir manifestar seus atributos plenamente. Porém, o espírito preso ao ego, ou humanizado, sofre a influência da força centrífuga do mundo material, e pode se iludir ficando apegado a ele. O mundo material seria maya, uma espécie de realidade ilusória. Em outras palavras, o mundo material que nos rodeia, incluindo nosso corpo, as florestas, as construções etc. não passaria de “miragem” nesse cenário uniforme de energia cósmica.

Na questão 32, de O livro dos espíritos, quando Kardec pergunta: “diante disso, os sabores, os odores, as qualidades venenosas ou salutares dos corpos não seriam mais que as modificações de uma só e mesma substância primitiva?” E a resposta do Espírito Verdade é: “sim, sem dúvida, e que não existem senão pela disposição de órgãos destinados a percebê-los”.

Pela resposta acima, se não fossem os órgãos dos sentidos, estaríamos diante de uma só e mesma substância primitiva, a “energia cósmica universal” ou o “nada” dos budistas.

Esta resposta que Kardec ouviu se assemelha aos ensinamentos que Buda, há mais de dois mil e quinhentos anos, transmitia aos seus discípulos: que o ego é composto por cinco atributos responsáveis pela criação das formas materiais ilusórias. Assim, o ego seria o instrumento destinado a fazer com que o espírito humanizado passasse a ter percepções de algo que, na essência, não existiria: os sabores, os odores, as formas, as sensações, etc. O mesmo afirma hoje alguns adeptos da ciência quântica e holonômica, concluindo que todo o mundo material é uma miragem criada dentro do cérebro, a partir das diferentes ondas vibratórias captadas pelos sentidos. O mundo material não estaria fora, mas dentro do cérebro. E como os sentidos trabalham com faixas energéticas específicas, somente algumas ondas visuais, olfativas, sonoras etc. seriam transformadas em realidade para nós e não todas. Por isso não enxergaríamos os espíritos que estão a nossa volta e outros objetos materiais que vibram em outra frequência.

Mas, independentemente do mundo material ser real ou uma miragem, é fato que ele é um dos motivos de sofrimento, já que o ego teria como tendência se apegar àquilo que considera agradável, querendo que tal situação permaneça eterna, ou manifesta aversão a tudo que considera desagradável. Em ambos os casos, o apego ou a aversão é causa de sofrimento. Nesse sentido, a Animagogia não condena absolutamente nada, apenas orienta para não se ter apego ou aversão aos bens materiais. Tanto a pessoa que se apega ao dinheiro como aquela que tem aversão a ele sofrem. O primeiro passa mal quando não tem dinheiro e o segundo quando tem, sentindo-se culpado, por exemplo.

Para pai Joaquim de Aruanda, o mundo material só existiria dentro da nossa mente, na forma como nosso ego teria sido programado para enxergar a manifestação da energia cósmica universal. Assim, ele afirma que existem as decodificações coletivas (caso contrário um enxergaria mesa onde o outro enxergaria cadeira, apesar dessa ilusão ser facilmente estimulada com a hipnose) e as decodificações individuais (que são frutos do gênero de provas

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que cada um escolheu para passar), de forma que uns não manifestem medo de sangue e outros desmaiem ao ver o menor sinal desse líquido, por exemplo.

E o Espírito Verdade, na questão 22 de O Livro dos Espíritos, afirma que existe matéria em estados que não percebemos. Ou seja, existiria matéria que não produziria nenhuma impressão em nossos sentidos. Enfim, essa seria a razão para não enxergamos a vida em outros planetas do sistema solar, por exemplo, e também os espíritos que nos rodeiam e, provavelmente, interferem em nossa vida.

Na questão 55 de O Livro dos Espíritos encontramos a afirmação de que nenhum mundo está despovoado, ou seja, sem espíritos vivenciando suas ex-periências humanizadas. Assim, por que não enxergamos a vida que se desenrola na Lua ou em Marte? A resposta seria simples, segundo pai Joaquim de Aruanda: por não termos em nosso ego a programação necessária para enxergar o que nestes mundos está acontecendo neste exato momento. Assim, talvez a sonda que anda no solo de Marte até consiga captar informações, mas o nosso cérebro não se encontraria apto para processar na forma de imagem o que a sonda registraria.

Pai Joaquim de Aruanda costuma dizer em suas palestras que, enquanto os astronautas da Terra andavam sobre a Lua, maravilhados com aquela façanha, eles estavam, sem perceber, sendo uma atração para os habitantes da Lua que assistiam às suas peripécias, uma vez que, segundo este preto-velho, o ego do “lunático” teria sido programado por Deus para ver os espíritos encarnados na Terra. Este preto-velho corrobora com a ideia daqueles que afirmam ser ingênuo, do ponto de vista holonômico, acreditar que a realidade consiste somente naquilo que o nosso “olho” é capaz de enxergar. Nessa perspectiva, o olho apenas recebe luz, pois quem cria as imagens que vemos é o cérebro. E por mais maravilhoso que seja o cérebro humano, esse pedaço de carne que não passa também de energia cósmica, teria sido programado por Deus para decodificar algumas ondas visuais, olfativas e sonoras que criam aspectos da realidade e não a Realidade.

Pai Joaquim de Aruanda, com base nesta informação, vai dizer que existe um único mundo, e este é dividido em diferentes dimensões energéticas. Nós, os encarnados, não vemos os espíritos, mas estes nos rodeiam, enxergam o que fazemos, sabem o que pensamos etc. Esta mesma informação é transmitida pelo espiritismo, na questão 87 de O Livro dos Espíritos. E na questão 91, do mesmo livro, encontramos que a matéria não constitui obstáculo a eles, que seriam capazes de penetrar em tudo: o ar, a água e mesmo o fogo lhes são igualmente acessíveis.

Corroborando com estes ensinamentos a Animagogia considera que os espíritos humanizados e encarnados vivenciam um mundo fictício, como se estivessem dentro de um imenso “Big Brother”. Estes estaríam confinados na “casa”, enquanto os seres incorpóreos, iludidos ou não, acompanham tudo o que fazemos, para o “Bem” ou para o “mal”. Ou seja, nada poderia ser feito do “lado de cá” sem que ninguém ficasse sabendo. Enfim, nada passaria de forma impune pelo olhar crítico ou compreensivo dos espíritos.

A Animagogia, dentro dessa reflexão mais profunda, acredita que o cérebro seria um redutor de realidade; seria como um transformador que faz com que a energia que sai de uma usina hidrelétrica chegue até nossas casas

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com apenas 110 volts. Assim, muitas ondas visuais, olfativas, sonoras etc. estão no universo, mas não sensibilizam o cérebro e não se tornam reais para nós. Porém, algumas pessoas, os sensitivos e os médiuns, seriam capazes de interagir com algumas dessas vibrações construindo uma realidade muito mais ampla do que aquela que nosso ego ou nossa consciência humanizada considera como normal.

Porém, não bastaria desencarnar para se libertar dessa “matrix”. Muitos, como já salientamos, parecem permanecer humanizados. Estes precisariam de um tempo maior para se desligar do ego ou se desumanizar. E, mesmo não tendo mais o cérebro físico, parecem continuar vendo e se relacionando com o mundo material, como aparece nos romances espíritas e nas narrativas visionárias e hermesianas que serão estudadas neste livro.

O papel da encarnação

O terceiro pressuposto já foi apresentado, mas vamos aprofundá-lo um pouco mais: é o entendimento de que a existência foi programada antes da encarnação, seja para a evolução do espírito (Espiritismo) ou para silenciar o ego (Animagogia).

Pai Joaquim de Aruanda, uma das principais referências dos universalistas, sempre afirma que não somos seres humanos tendo experi-ências espirituais esporádicas, mas que somos espíritos eternos vivenciando uma experiência humana. E se isso for verdade, podemos questionar: por que necessitamos encarnar? Por que não ficamos no mundo dos espíritos eterna-mente? A resposta, segundo a doutrina espírita, está na questão 115 de O Livro dos Espíritos: “para o nosso aperfeiçoamento espiritual”. E se o objetivo é o aperfeiçoamento espiritual, o mundo fenomênico seria o palco desse aperfeiçoamento. Ou seja, antes de encarnar, em tese, estudaríamos o que precisaríamos aprender. No plano espiritual se encontrariam as escolas. E a encarnação serviria para colocar em prática o que foi estudado naquela dimensão.

Em suma, a encarnação seria o momento das provas que, para pai Joaquim de Aruanda, são sempre morais e nunca materiais. Por exemplo, segundo este preto-velho ninguém vai se aperfeiçoar estudando medicina, aprendendo uma língua estrangeira ou passando a vida pintando quadros ou escrevendo livros, por exemplo. Tudo isso não passaria de programações necessárias para a criação das provas. Porém, se tudo isso for feito com amor e não por vaidade, por exemplo, aí sim o espírito se aperfeiçoaria.

Em outras palavras, se dedicaria à medicina quem se preparou antes de encarnar para essa atividade. Assim como vai se interessar por arte quem se preparou para ter uma personalidade ou um ego artístico. Porém, o espírito que encarna para viver o papel de médico ou de artista só se aprimoraria espiritualmente de acordo com o grau de amor colocado em suas atividades. Em tese, o amor seria o termômetro que mediria o aprimoramento do espírito. Pai Joaquim de Aruanda usa a parábola dos talentos, presente na Bíblia, para explicar sua psicosofia. Em função das experiências passadas, encarnaríamos com uma quantidade de talentos (capacidade de colocar amor em algumas situações da vida) e teríamos que aumentar estes talentos na vida atual

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(repetindo as experiências nas quais não fomos capazes de amar ou perdoar). Cada talento duramente conquistado jamais se perderia. Passando a ser um patrimônio indelével do espírito.

Dentro desta perspectiva, o médico salvaria quem precisa ser salvo e não conseguiria salvar aquele que estaria na hora de desencarnar, pois Deus, como sendo a causa primária de todas as coisas, é quem definiria isso. Porém, o espírito que vivenciaria o papel de médico teria sempre o livre-arbítrio para exercer sua profissão com amor (servindo a Deus) ou visando apenas dinheiro, vaidade etc. (servindo ao ego). A visão de Pai Joaquim de Aruanda, que fun-damenta a prática de vários universalistas, vem ao encontro do que também ensina o Espírito Verdade ao dizer que passamos por provas que Deus nos impõe. Mas, enquanto alguns aceitam essas provas com equanimidade e amor, outros as suportam murmurando, permanecendo, assim, distanciados da perfeição, segundo a psicosofia que forma Doutrina espírita. E a questão 117 de O Livro dos Espíritos afirma que apressaríamos o nosso progresso sendo “submissos à vontade de Deus”.

Como já salientamos, para pai Joaquim de Aruanda a “vontade de Deus” seria realizar o nosso livre-arbítrio, exercido antes de encarnar. Nesse sentido, nada aconteceria em nossa vida humanizada que não esteja de acordo com tais escolhas. Assim, ele nos recomenda sempre amar a situação vivida, não importando se a mesma é prazerosa ou não, agradável ou desagradável, alegre ou triste. Em outras palavras, escolheríamos um “gênero de provas” e Deus criaria as provas, usando sempre o sentimento emanado por outros espíritos humanizados para que todos, em tese, recebam o que necessitam a cada momento de sua existência. Por isso, afirma Pai Joaquim de Aruanda, lamentar, culpar o outro, blasfemar etc. são atitudes que não purificam o coração e não promovem a “reforma íntima”.

E esse processo valeria para todos os acontecimentos. Manter a equanimidade diante das vicissitudes positivas e negativas seria a atitude “perfeita” e que permitiria viver a “felicidade prometida” desde já e não em uma suposta vida futura. A felicidade dever ser vivida hoje, no momento presente, ele afirma. E para isso basta se libertar das três raízes do sofrimento, que segundo pai Joaquim de Aruanda foram ensinadas por Buda são: o apego e a aversão aos bens materiais, aos bens sentimentais e aos bens culturais (que incluem as religiões).

Pai Joaquim de Aruanda afirma que, em nenhum momento, os espíritos fazem apologia do sofrimento. Em nenhum momento afirmam ser necessário “sofrer hoje para ser feliz amanhã”. Uma coisa seria ter que passar por uma vicissitude negativa por “prova” ou “expiação”; outra seria sofrer por causa disso. A primeira pode ser uma fatalidade, algo programado para acontecer na vida humanizada do espírito, mas a segunda sempre será do âmbito do livre-arbítrio.

Para a Animagogia, a encarnação serve para o espírito provar a si mesmo que pode ser mais forte que o ego, a consciência humanizada. Seus atributos são adormecidos e é através do ego que vai se relacionar com as vicissitudes da vida. Enquanto não viver com habilidade espiritual, a probabilidade de sofrer aumenta. Por outro lado, quando mais consegue despertar seus atributos, mas fácil manter sua paz interior e felicidade mesmo diante de qualquer experiência,

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por mais dolorosa que ela possa ser.

Enfim, em tese, as vicissitudes, positivas ou negativas, criadas ou não por Deus, podem ser vivenciadas a partir do ego ou a partir dos atributos do espírito. Quanto mais desperto o espírito, menos importa o que acontece em nossa vida humanizada.

Como já salientamos, na visão universalista de pai Joaquim de Aruanda, a encarnação é a “maior aventura do Espírito”. E a encarnação, para a Animagogia, é um jogo onde o objetivo é despertar os atributos do espírito, vivenciando com habilidade espiritual nossa vida humanizada. Neste sentido, seria equivocado acreditar que vamos nos aprimorar adquirindo conhecimentos do mundo material, que seria subordinado ao espiritual. Assim, fazer uma faculdade, formando-se médico, engenheiro etc. servirá para o nosso “aprimoramento espiritual” se nossa intenção for “servir ao próximo”. Enquanto a intenção for egoística, todo esse esforço não teria valor algum para o espírito, seja para ele “evoluir” ou para silenciar o ego, deixando sua luz plena brilhar na Terra.

Para exemplificar esta psicosofia que fundamenta a Animagogia, vou narrar um fato que vivenciei em 2004, quando lancei a primeira edição do livro “Educação após a morte”. Após o lançamento, em uma reunião mediúnica, perguntei para o espírito que se identificava como Dr. Felipe (quem me pediu para acompanhar o trabalho e escrever a respeito) se ele tinha gostado do resultado. Ele disse que o mesmo ajudaria as pessoas que o lessem, mas para mim ele não teve nenhum valor. Eu, sem entender, perguntei o porquê, e ouvi como resposta: “você o escreveu com orgulho”.

Em outras palavras, poderíamos dizer, na visão de pai Joaquim de Aruanda, que Deus já sabia que eu seria o instrumento para escrever aquele livro, como deve saber quantas edições o mesmo terá, pois Ele seria a “causa primária de todas as coisas”. Enquanto isso, eu teria o livre-arbítrio, em tese, para escrevê-lo com amor ou com orgulho (egoísmo). Naquela ocasião, como salientou corretamente o dr. Felipe, eu escolhi a segunda alternativa. E, no caso da Animagogia, estando ou não escrito que eu escreveria aquele livro, eu estava diante de duas possibilidades: escrevê-lo iludido pelo ego ou com os atributos do espírito. Por ter escrito com orgulho, estava, obviamente, iludido pelo ego.

Enfim, naquela ocasião, eu deixei de praticar a vivência do “não-saber” e da “não-ação”, duas das virtudes ensinadas por Lao-Tsé no famoso livro Tao Te Ching. O objetivo delas é trazer simplicidade ao coração, nos capacitando para vivermos toda e qualquer vicissitude com o mais nobre dos sentimentos: o amor. Quando agimos com amor, purificamos o coração; quando agimos com egoísmo, permanecemos estacionados.

Talvez seja por isso que os verdadeiros mestres espirituais de todos os tempos afirmaram que devemos sempre fazer o “Bem” pelo “Bem”, ou seja, desinteressadamente. Porém, como ainda costumamos fazer o “Bem” pelo “mal”, ou seja, motivados pelo orgulho, pela vaidade etc., nos preocupando com os frutos do nosso trabalho e, assim, deixando de nos aprimorar, já que tudo indica que não é o que fazemos o que mais conta, mas sim como fazemos.

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Ainda sobre essa questão, encontramos na psicosofia de Krishna, presente no clássico Baghavad Gita, que aquele que desconhece esse ensinamento, acredita que ele é quem faz os atos materiais e, por isso, sente prazer ou sofre por algo que não foi o real artífice. Em suma, quando aquele ato que já estava escrito para acontecer, segundo esta psicosofia, se realiza, e o vivenciamos interiormente com vaidade, com o desejo de receber uma recompensa, seja na Terra ou no Céu etc., não o aproveitamos para o nosso aprimoramento espiritual. Enquanto estivermos iludidos pelo ego, ao invés de amar a situação, ou seja, emanarmos amor incondicionalmente, nós alteraremos prazer e desprazer com as coisas que acontecem. Também vamos nos orgulhar com aquilo que acreditamos ter feito ou vamos nos lamentar e culpar alguém, ou nos fazer de vítimas quando algo que não gostamos acontece.

É por isso que Krishna ensina a Arjuna que o “senhor da mente” é aquele que pelo poder do espírito alcança perfeito domínio sobre seus atos externos, ficando internamente desapegado deles. O espírito esclarecido, segundo a Baghavad Gita, compreende que a fonte dos atos é Deus e realiza seu trabalho sem apego ou interesse. Porém, aqueles que trabalham por lucro pessoal (motivados pelo ego) procedem “mal”, afirma Krishna, e colherão o fruto dos seus “maus” atos.

Para Krishna, quem não tem essa consciência não purifica seu coração. Assim, iludido por maya, deixa de amar Deus, a causa primária de todas as coisas, para sentir prazer ou regozijo quando acontece algo que lhe agrada, ou sente desprazer com algo que seu ego considera desagradável.

Pai Joaquim de Aruanda complementa este ensinamento de Krishna afirmando que podemos optar em sermos “instrumentos amorosos” ou “instrumentos nervosos” de acordo com a energia que escolhemos emanar. Como salientamos, na Animagogia não há uma preocupação em afirmar se os atos são ou não escritos por Deus, mas como o foco é colocar em prática os atributos do espírito em todas as situações, podemos entender a fala do Dr. Felipe quando disse que escrever aquela primeira edição do livro não teve nenhum valor para mim. Teria faltado amor (um atributo do espírito) no ato de escrevê-lo e sobrado orgulho.

Mas voltando ao tema da encarnação, se ela serve para nosso aperfeiçoamento, como é executada? Segundo a Doutrina Espírita, é através da “expiação”. E o que o Espírito Verdade entende por expiação? Na questão 132 de O Livro dos Espíritos encontramos que é “passar pelas vicissitudes da existência corporal”. Muitos espiritistas interpretam a palavra vicissitude como significando a vivência de fatos ou situações desagradáveis ou sofrer. Assim, costumam interpretar que a expressão “passar por vicissitudes” significa passar por sofrimento.

Porém, se atentarmos à definição que os dicionários trazem para a palavra vicissitude, nós compreenderemos que ela significa apenas “alternância”. Ou seja, vicissitude seria a alternância entre os “altos” e “baixos” da vida, entre os momentos “alegres” e “tristes”, entre os momentos de “prazer” e de “desprazer”. Diante dessa definição, expiar não seria sofrer, mas passar pelos “altos” e “baixos” da vida humanizada. E qual seria a melhor maneira de passar pelas vicissitudes? A resposta está em praticamente todos os mestres do Oriente: com equanimidade. Ou seja, com igualdade de ânimos. Assim, quem

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opta em passar pelas vicissitudes sofrendo, está fazendo uso do seu livre-arbítrio.

Na psicosofia oriental, seja em Lao-Tsé, como em Krishna ou Buda, aquele que consegue vivenciar com equanimidade as vicissitudes da vida está muito mais preparado para ser feliz, uma vez que consideram a felicidade como um “estado de espírito”, portanto, não condicionado a nada exterior. Mas é importante lembrar que para Buda a felicidade não se confunde com a alegria ou com a euforia. Felicidade é o estado de paz interior, uma sensação de plenitude ou de graça vivido interiormente. É justamente o que ele chamou de Nirvana, um estado de paz que é para ser vivido agora, no presente, e não em uma suposta vida após a morte. E, na Animagogia, a equanimidade, a felicidade incondicional e a paz interior são também atributos do espírito. Portanto, viver a vida humanizada com habilidade espiritual pressupõe deixar estes atributos se manifestar em todas as situações, positivas ou negativas.

Nesse sentido, quem consegue passar pelas vicissitudes com equanimidade não tem motivos para sofrimento quando uma situação for desagradável ou dolorosa, e nem motivos para ficar eufórico quando o fato for agradável e alegre.

Assim, a encarnação na Terra acontece, segundo o Espiritismo, para que possamos vencer nossas “imperfeições”, que nascem todas do egoísmo: a inveja, o ciúme, a avareza, a vitimização etc., ou seja, os “tormentos” que nos fazem sofrer quando passamos por vicissitudes negativas. E, para pai Joaquim de Aruanda, o orgulho, a vaidade, a ambição etc. também são “tormentos” egocêntricos que nos fazem esquecer que foi graças a Deus, a causa primária de todas as coisas, que passamos também por vicissitudes positivas em nossa existência.

E, para a Animagogia, vence a “imperfeição” quem consegue silenciar o ego e deixa de emanar egoísmo nos atos para somente emanar amor. Ou como afirma Lao-Tsé, ser benevolente em todas as situações.

E além de passar por vicissitudes, outro objetivo da encarnação também é discutido na questão 132 de O Livro dos espíritos: “colocar o espírito em condi-ções de cumprir sua parte na obra da criação”. E como isso acontece? O Espírito Verdade responde: “Tomando um aparelho em harmonia com a matéria essencial desse mundo, cumprindo aí, daquele ponto de vista, as ordens de Deus, de tal sorte que, concorrendo para a obra geral, ele próprio se adianta”. Para pai Joaquim de Aruanda, todos, em tese, são instrumentos de Deus. Em suma, a partir do conjunto de verdades relativas que está gravado em nosso ego, em nossa consciência humanizada, vamos apresentar uma forma singular de perceber, sentir e pensar o mundo e, assim, estabelecer nossas relações com outros espíritos humanizados. E, apesar de dirigidos pelos nossos sentimentos e pensamentos, nossos atos teriam que ser guiados por Deus, pois somente assim poderíamos cumprir Suas ordens, fazendo aquilo que precisaria ser feito.

Assim, para este preto-velho sempre seríamos instrumentos (conscientes ou não) da prova que o outro precisaria vivenciar. Podemos compreender melhor este ensinamento a partir da informação presente na questão 159 de O Livro dos Espíritos: ao desencarnar o espírito se sente envergonhado se fez o mal com a intenção (desejo) de cometê-lo. E na questão 244 encontramos a

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seguinte informação: se uma coisa não deve ser feita ou uma palavra não deve ser dita, uma força superior impede tanto os espíritos como nós, os encarnados, de fazermos ou falarmos.

Enfim, seja na Doutrina Espírita ou no Universalismo de Pai Joaquim de Aruanda, o ensinamento é que só teríamos como fazer ou falar o que Deus permitisse em função da necessidade daqueles que vão sofrer o impacto, positivo ou negativo, das nossas ações.

Mas se este processo acontece, por que a reencarnação, segundo o Espírito Verdade, na questão 178 de O Livro dos espíritos, “é somente para aqueles que falharam em suas missões ou provas”? Como seria possível falhar na missão ou na prova, se só fazemos ou falarmos o que o outro precisa?

Na lógica universalista de Pai Joaquim de Aruanda, não seria por este ou por aquele fato, mas pela intenção com a qual vivenciamos nossas vicissitudes. Assim, a falha acontece quando o espírito deixa de amar o que lhe aconteceu ou quando tirou vantagens (egoísmo) de um ato em que foi um mero instrumento de Deus. Ou seja, a falha acontece no âmbito do sentimento, no mundo interior, na atitude e não nos atos exteriores. A falha estaria em não vivenciar com equanimidade aquilo que Deus criou para acontecer. É por isso que o ser humanizado não seria um autômato para tais psicosofias. Apesar de não haver o livre-arbítrio no ato, ele sempre estaria presente no aspecto moral (mundo interior), pois seriamos sempre livres para decidir amar ou agir com egoísmo diante de qualquer situação.

A proposta da Animagogia é similar, sem discutir se tudo que acontece foi ou não escrito por Deus. E, para a Animagogia, após a desumanização do espírito, quando o mesmo recupera sua consciência plena, o espírito vai avaliar se foi ou não mais forte que o ego, se conseguiu ou não amar e ser feliz ao passar pelas vicissitudes da vida etc. Somente após fazer tais avaliações é que o espírito estará preparado para planejará uma nova encarnação.

A Animagogia tem uma visão semelhante ao que Lao-Tsé chamou de “não-lutar”, uma das virtudes ensinadas no Tao Te Ching. “Não-lutar” é reagir a todas as ações do mundo exterior sempre com atitude amorosa, com benevolência, sendo indulgente e perdoando sempre. Em suma, nunca criticando ou vendo erro na ação alheia. E o “não-lutar” deve ser colocado em prática não apenas nos momentos positivos, mas, sobretudo, naqueles em que nossa tendência é a de se passar por vítima ou como alguém injustiçado. O que não significa que não podemos encaminhar para a justiça terrena quem agride idosos, violenta crianças etc., mas fazer isso com paz no coração, entendendo que o “algoz” não deixa de ser um espírito em “provação” e que merece nosso perdão, lembrando o ensinamento de Chico Xavier quando afirmou que o “bom samaritano é aquele que ajuda o que precisa, não critica o que não ajuda e ainda estende a mão para o agressor”.

Há muita semelhança entre o ensinamento de Lao-Tsé, a proposta da Animagogia e aquele ensinamento que a doutrina espírita prega na questão 886 de O livro dos espíritos, quando afirma que o caridoso é aquele que é benevolente para com todos, indulgente para com as imperfeições alheias e que perdoa as ofensas.

E na questão 224 encontramos a informação de que os espíritos podem

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prolongar o período entre as encarnações para continuar seus estudos, o que só pode ser feito com proveito no estado de espírito, afirmou o Espírito Verdade. Em tese, se essa informação for verdadeira, somente quando estamos em pleno domínio de nossa consciência espiritual é que podemos escolher o que estudar e planejar nossas encarnações futuras. Aqui na Terra estaríamos apenas para provar se aprendemos a lição ou não. E como afirma o Espírito Verdade na questão 230: “é na existência corporal que colocaremos em prática as novas ideias adquiridas na espiritualidade”. Ou seja, não é aqui que aprenderíamos alguma coisa. As novas ideias são adquiridas no estado de espírito esclarecido, liberto do ego. Aqui seria o palco para exercitar ou colocar em prática o que foi aprendido.

Em suma, ninguém viria para a Terra para passear ou para estudar. O estudo já teria sido feito, e aqui estaríamos para provar, não para Deus ou para Jesus, mas para nós mesmos, se conseguiremos amar ou não dentro de determinadas situações impostas pela vida humanizada. Em tese, o espírito consciente sabe que o ciúme é um sentimento negativo que nos distancia do amor universal e pode pedir uma encarnação para colocar em prática se consegue se libertar desse sentimento presente no ego. Em função dessa escolha, o espírito humanizado terá um ego ciumento e vai conviver com pessoas que serão instrumentos dessa provação, “criando” os atos que ele precisa vivenciar para se libertar do ciúme. Em outras palavras, o ciúme não estaria nos atos dos outros, mas na mente do espírito em prova.

Da mesma forma, o espírito que deseja vencer a vaidade pode encarnar com um ego de artista. Assim, a prova deste espírito não seria encarnar para aprender a cantar afinado ou interpretar bem, mas vencer a vaidade que esta profissão costuma estimular. E mesmo que seja verdade a afirmação de certos cientistas de que nosso comportamento já estaria pré-determinado geneticamente, isso apenas demonstraria que a partir da escolha do gênero de provas se definiria uma carga genética para aquela humanização. Ou seja, a genética também seria um instrumento para as provas escolhidas pelo espírito.

Assim, se ele escolhe, em tese, vencer o vicio do álcool, sua carga genética pode estar pré-programada para viver como um ser humanizado alcoólatra. A programação genética não seria causa, mas o efeito da escolha que o espírito, em tese, escolheu para provar para ele mesmo que pode ser mais forte que o ego que o condiciona para o vício. Se ele, durante a humanização, vencer essa tendência, passará na prova que escolheu; se não vencer, vai ter que se preparar melhor antes de tentar novamente esta ou outra prova.

A Animagogia, como instrumento para a metanoia, a mudança de consciência e sensibilidade, não entra em choque nem com o Espiritismo e nem com o universalismo de pai Joaquim de Aruanda, mas enfatiza que o papel da encarnação consiste em despertar as habilidades espirituais (capacidade de amar universalmente, ser feliz de forma incondicional e não perder a fé, entre outras), colocando-as em prática durante a humanização/encarnação do espírito ou, nos trabalhos de educação após a morte, despertando-as no ser incorpóreo para que se desumanize e recupere sua consciência espiritual plena.

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A escolha do gênero de provas

O quarto pressuposto, e que já foi constantemente abordado ao longo deste texto, se refere a escolha do gênero de provas. Este é um ensinamento comum no Espiritismo e no Universalismo de pai Joaquim de Aruanda e a Animagogia também aceita esse ensinamento como um pressuposto básico.

Como já salientamos, segundo os ensinamentos do Espírito Verdade, na questão 258, o livre-arbítrio foi exercido, fundamentalmente, antes da encarnação quando, em tese, escolhemos um gênero de provas. Após a encarnação, a escolha seria no âmbito moral. Ou seja, poderíamos escolher entre o “Bem” (amor) e o “mal” (egoísmo). Podemos compreender a partir desta informação que o livre-arbítrio foi exercido pelo espírito (a individualidade) enquanto gozava de sua plena consciência.

Para pai Joaquim de Aruanda, a partir do ensinamento acima, Deus nunca escuta o ser humanizado, ou seja, o espírito ligado a um ego (a personalidade) para uma nova encarnação. Este, segundo afirma, é motivado pelo egoísmo, o sentimento que nutre os planetas de “provas e expiações”. Assim, ele tende a escolher vivenciar uma situação diferente ou oposta àquela escolhida quando gozava de sua consciência plena.

Na questão 266, Kardec pergunta se não seria natural o espírito escolher provas não penosas e ouve como resposta: “para vós (encarnados), sim; para o espírito, não. Quando ele está liberto da matéria, cessa a ilusão, e a sua maneira de pensar é diferente”. Ou seja, é exatamente o que pai Joaquim de Aruanda afirma. Sendo o ego (a consciência humanizada) programado para pensar de forma diferente do espírito, surgem, inevitavelmente, vários conflitos mentais e emocionais. Por exemplo, o espírito pode escolher passar por uma enfermidade dolorosa para tirar algum aprendizado dessa experiência, mas o ego pode se revoltar, não aceitando aquela doença que lhe tira a liberdade ou que o faz sofrer.

A única solução para esse conflito, segundo pai Joaquim de Aruanda, é a “ressurreição”, em suas palavras, o ato de vivenciar a vida humanizada com consciência espiritual. É o que na Animagogia chamamos de metanoia, processo que acontece quando as habilidades espirituais silenciam o ego. Essa é a porta estreita para o espírito humanizado ser capaz de passar por vicissitudes negativas sem sofrimento, compreendendo a necessidade daquela vicissitude e buscando força interior para superá-la, ao invés de se fazer de vítima ou ter outra atitude que não ajuda em seu processo de aprimoramento ou iluminação.

Talvez seja por isso também que sempre encontramos o Espírito Verdade, em O livro dos espíritos, afirmando que Deus julga a intenção e não os fatos ou que o “mal” só é prejudicial ao espírito quando praticado com o desejo de cometê-lo. E para pai Joaquim de Aruanda o livre-arbítrio, após a encarnação, estaria no sentimento, no mundo interior, nas atitudes morais.

O Espiritismo parece concordar com pai Joaquim de Aruanda, pois, na questão 258, o Espírito Verdade afirma: “se um perigo vos ameaça, não fostes vós que criastes, mas Deus; contudo, pela própria vontade, a ele vos expondes porque vedes um meio de adiantar-vos e Deus o permitiu”. No ensinamento acima, temos a informação de que o perigo é criado por Deus e que Ele

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permite aos espíritos participarem dele por livre escolha. Assim, seria através da vontade de nos aprimorar, não como seres humanos, mas como espíritos, que, em tese, nos expomos aos perigos da vida humanizada. Em suma, o mundo em que vivemos seria, ao mesmo tempo, fatalista e livre. Teríamos a liberdade de escolher um gênero de provas, porém, para que tudo aconteça de forma sincronizada e perfeita, os atos materiais, perigosos ou não, seriam criados por Deus, a inteligência suprema e causa primária de todas as coisas, segundo a psicosofia do Espírito Verdade, enfatizada veementemente por Pai Joaquim de Aruanda.

Para pai Joaquim de Aruanda não existe acaso ou contingências e nenhum inocente seria vítima de “balas perdidas”, queda de aviões etc., se estes fatos não estivem contemplados no gênero de provas de quem vivencia estes fatos. E este preto-velho costuma enfatizar que os “perigos” não são materiais. Eles seriam as tentações morais: a vaidade para o artista, o orgulho para o médico, o apego às verdades para o professor etc. Assim, se após a encarnação (humanização), o espírito optar pelo “Bem” (o amor incondicional) vai se aprimorar; se optar pelo “mal” (o egoísmo), permanecerá estacionado, não importando o que faça.

Ao encarnar, este espírito teria as condições necessárias para provar a si mesmo e a mais ninguém que pode ser mais forte que o ego, mais forte que a matéria, resistindo à tentação por bebidas, drogas, sexo promíscuo etc. Essa interpretação ajudaria também a entender o porquê de muitos desencarnados permanecerem viciados, como se lê rotineiramente nos romances espíritas. Tratar-se-ia de desencarnados ainda presos ao ego que vivenciaram na Terra. Ou seja, que ainda não recuperaram sua real consciência. É por isso que o desencarne (o libertar-se da carne) não é suficiente para libertar imediatamente o espírito da consciência provisória criada para ser vivenciada na Terra, afirma pai Joaquim de Aruanda.

Por sua vez, a Animagogia vai afirmar que o espírito consciente, no gozo pleno de seus atributos, mas ainda sem muita experiência, planeja sua futura encarnação ainda no mundo espiritual, com a ajuda de seus mentores e instrutores. Após escolher o gênero de existência, ele terá que criar um ego, uma mente humanizada que trará algumas programações ou formações mentais. O ego vai definir as características básicas da personalidade, adequadas para as provas escolhidas. Além do ego (mente) se faz necessário um corpo energético, que vamos chamar de corpo astral. Este será o modelo para o desenvolvimento do corpo físico, após a encarnação. A união do ego com o corpo astral pode ser chamado de alma ou de perispírito.

Somente após a escolha do gênero de provas ou de existência é que o ego poderá ser criado. E, após a encarnação, o ego se torna o instrumento para o espírito colocar em prática o que aprendeu no mundo espiritual. Em outras palavras, um espírito que deseja vencer a impaciência ou a intolerância, emanando paciência e amor universal, será estimulado pelo ego a ser impaciente e intolerante. Somente quando o espírito despertar e silenciar o ego é que conseguirá colocar em prática a paciência e a tolerância, fruto da humildade, um dos principais atributos do espírito. E não importa se os acontecimentos são criados por Deus, pelo carma, pelo livre-arbítrio ou até mesmo pelo acaso. Para a Animagogia o importante sempre é a intenção com a qual um ato é vivenciado.

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A influência dos seres incorpóreos

Abordaremos agora o último pressuposto da Animagogia: a aceitação da influência dos seres incorpóreos (iludidos ou não) no mundo material.

Considerando que Deus existe, mesmo não sabendo como Ele age e que o livre-arbítrio foi exercido antes da encarnação, na escolha do gênero de provas, podemos compreender que os seres incorpóreos agem como contra-regras desse processo, atuando de diferentes formas para que o “teatrinho”, como pai Joaquim de Aruanda se refere à vida na Terra, aconteça sem improvisos.

E um ensinamento polêmico de pai Joaquim de Aruanda é que ninguém, esteja encarnado ou desencarnado, consegue interferir na encarnação de outro espírito, sem que este necessite. Ou seja, se “estiver escrito” que alguém precise passar por uma determinada vicissitude negativa, alguém precisaria ser o instrumento para aquela ação acontecer e, inevitavelmente, alguém seria escolhido para realizá-la, seja pela “lei da atração”, “lei das afinidades” ou outra qualquer. Em outras palavras, todos nós sempre seríamos instrumentos, conscientes ou não, para a provação dos demais espíritos humanizados, mas, em tese, não poderíamos interferir na prova escolhida pelo outro.

Por exemplo, se uma pessoa necessite ter a perna quebrada para vivenciar uma determinada provação, aquele que foi o instrumento poderá colher o fruto dessa ação se teve a intenção de cometer aquele ato. Porém, ninguém, por mais boa vontade que venha a ter, teria como evitar aquele fato de acontecer caso ele seja necessário para a prova escolhida voluntariamente pelo espírito que sofreu a ação.

Para pai Joaquim de Aruanda, após a escolha do gênero de provas, não é possível que haja a interrupção do processo. Se isso fosse possível, Deus não seria justo e não respeitaria o livre-arbítrio de cada espírito, afirma.

Na questão 336 de O Livro dos Espíritos, por exemplo, o Espírito Verdade também faz uma afirmação similar. Ele diz que “uma criança, quando deve nascer para viver, tem sempre uma alma predestinada.” Ou seja, só será abortado o espírito que precise passar por essa experiência, como prova ou expiação. Mas, se os pais tiverem a intenção de interromper uma gravidez, eles serão “culpados” devido à atitude (ação sentimental interior), mas não pelo fato, pois se era para a criança viver, Deus utilizaria como instrumentos para gerar o corpo físico daquele espírito outros pais que não fariam um aborto voluntário, afirma também pai Joaquim de Aruanda.

Nesse sentido, até mesmo aqueles espíritos que chamamos rotineiramente de “obsessores”, e que se manifestam frequentemente nos atendimentos de Animagogia, seriam instrumentos (na maior parte das vezes inconscientes) para a provação daquele que está sendo a “vítima”, ou seja, o obsediado. Em outras palavras, a obsessão, a “magia negra” ou qualquer outra coisa que possa “prejudicar” alguém só acontece se Deus permitir, e caso esse fato contemple o gênero de provas escolhido e a necessidade daquele Espírito que será a “vítima”.

Isso está evidente na questão 274 de O livro dos espíritos quando o

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Espírito Verdade afirma que é irresistível a autoridade dos Espíritos “superiores” sobre os “inferiores”. Ou seja, se a Doutrina Espírita afirma que tal autoridade é irresistível, só podemos concluir que, em tese, qualquer ato dos espíritos ditos “inferiores” só acontece com a permissão daqueles que são classificados como “superiores”.

Em outras palavras, se um espírito obsessor faz “mal” a alguém é porque os espíritos “superiores” a ele estão permitindo que isso aconteça. Por alguma razão, naquele momento, eles não vão interferir no processo enquanto o espírito humanizado que estiver sendo a “vítima” precisar dessa provação, dessa expiação ou ter essa necessidade em função de algum aprendizado.

Em suma, ninguém seria inocente ou coitadinho nessa história. Até o espírito “mau” seria utilizado como instrumento, mesmo que isso aconteça inconscientemente, para a provação de outro. E pai Joaquim ainda brinca, afirmando: “o obsessor é um amigo de fé e um irmão camarada”, pois o obsessor e o obsediado vibram na mesma frequência, manifestando semelhantes pensamentos e sentimentos.

Pai Joaquim de Aruanda afirma que o obsessor pode até achar que está fazendo sua própria justiça, como normalmente se lê nos livros psicografados, nos quais espíritos “trevosos” escravizam outros e os usam em trabalhos de “magia negra”, por exemplo. Porém, o fato só aconteceu porque sua “vítima” necessitava viver aquela experiência. Quando o aprendizado se completa, a ajuda pode vir de um centro espiritista, de um terreiro de umbanda, de um trabalho de Animagogia ou até mesmo de práticas de exorcismo em uma igreja católica ou em uma sessão de “descapetamento” em uma igreja evangélica.

Segundo pai Joaquim de Aruanda, os trabalhos espirituais não acontecem por mérito daqueles que foram os instrumentos do ato na Terra, mas pela autoridade irresistível dos “espíritos superiores”, fazendo com que o obsessor se liberte da ilusão, dos valores do último ego que vivenciou sobre a Terra.

Por isso, para este preto-velho, não faz sentido brigar por verdades, dizendo que a desobsessão kardecista é melhor que a Animagogia, ou vice-versa. E nem em relação ao culto evangélico ou a gira de umbanda. Para ele, todas as práticas espiritualistas foram permitidas por Deus para que os mais diferentes casos sejam atendidos e, no fim das contas, é sempre Deus quem cura ou liberta o espírito humanizado da “obsessão”. Por isso, afirma pai Joaquim de Aruanda, os espíritos estão em todos os trabalhos, mesmo naqueles que negam suas existências ou os chamam de demônios.

Por estarmos sempre amparados, teríamos que buscar sempre agir com boa vontade e colocar amor em tudo o que fazemos. É a intenção amorosa que nos capacitaria para sermos instrumentos para o “carma positivo” dos outros espíritos humanizados. E, ao sermos escolhidos, iluminaríamos um pouco mais nossa alma eterna. Porém, em função da intenção, também podemos vir a ser o instrumento para o “carma negativo” de alguém e, neste caso, teríamos que receber de volta essa mesma energia no futuro, se comprometendo, negativamente, com a chamada lei de “causa e efeito”.

Apesar de muitos espiritistas chamarem pai Joaquim de Aruanda de “espírito mistificador”, podemos notar que seu ensinamento é similar àquele presente na questão 466 de O Livro dos Espíritos. Segundo o Espírito Verdade,

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Deus permitiria que os Espíritos “maus” (presos ao egoísmo) nos excitem: “os Espíritos imperfeitos são instrumentos destinados a experimentar a fé e a constância dos homens no bem”. Ou seja, também o Espírito Verdade afirma que os “maus” são também instrumentos que Deus se utiliza para nos provar. Em suma, nada, absolutamente nada, aconteceria sem a permissão de Deus. Assim, até a obsessão acontece, em tese, se a “vítima” tiver necessidade de passar por esta experiência, nem que seja para provar sua fé.

O obsessor não seria um “missionário”, um espírito esclarecido que tem consciência de estar servindo a Deus, porém, por se encontrar ainda humanizado, apesar de desencarnado, pode servir de instrumento inconsciente para as provas de outros. E essa ação é realizada sob o olhar compassivo dos chamados “espíritos superiores”.

E como o espírito humanizado que vivencia esse processo se liberta da obsessão? Na questão 467 de O Livro dos Espíritos está a resposta: “mudando os pensamentos. Eles (os obsessores) se ligam aos que os solicitam por seus desejos ou os atraem por seus pensamentos”. Em tese, quanto menos egoísmo manifestarmos, menor a influência desses espíritos sobre nós. Em suma, o espírito “mau” ou “imperfeito” também é um instrumento de Deus. E por agir sem consciência de estar servindo de instrumento é que podemos compreender o ensinamento espírita que diz: “nunca o espírito recebe a missão de fazer o mal” (questão 470 de O Livro dos Espíritos). Ou seja, ele não é um missionário, mas, por ser imperfeito, ele o faz por sua própria vontade (segue aos impulsos do ego) e Deus permite que isso aconteça como prova para a “vítima”.

Nesse sentido, pai Joaquim de Aruanda afirma que nascer, por exemplo, em uma favela não é fruto do acaso, culpa dos poderes públicos ou do destino. Isto seria fruto do livre-arbítrio do espírito e sua fala está de acordo com a questão 334 de O livro dos espíritos que afirma o seguinte: “o espírito escolhendo a prova que deve suportar, pede a encarnação. Ora, Deus que tudo sabe e tudo vê, sabe e vê antecipadamente que tal alma se unirá a tal corpo”.

Em outras palavras, se um espírito humanizado na forma de mulher engravida em uma favela, não será o acaso que fará um espírito que vai se humanizar ser ligado àquele corpo que está em gestação, mas o gênero da prova que escolheu. Mas pode ocorrer, como também afirma o Espírito Verdade na questão 337, que a união de um espírito a um determinado corpo seja imposta por Deus, sobretudo quando o espírito não está ainda apto para fazer uma escolha com conhecimento de causa. Em suma, em um caso ou no outro, não seria o acaso que fez um determinado espírito vivenciar a personalidade de um favelado, por exemplo, mas o livre-arbítrio do espírito.

Ainda sobre esse tema, a questão 338 de O livro dos espíritos nos mostra como, segundo a Doutrina Espírita, o destino do personagem, ou seja, do ego ao qual o espírito será ligado ao encarnar já estaria pré-traçado. Kardec pergunta o que aconteceria se vários espíritos se apresentarem para um mesmo corpo em formação? Como seria feita a escolha? Segundo o Espírito Verdade “Deus julga qual deles é o mais capaz para desempenhar a missão à qual a criança está destinada”. Ou seja, a criança já teria uma “missão” para cumprir, um papel para representar como se fosse um ator, poderíamos dizer.

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E, como no processo de escolha de um ator para representar um papel em uma peça de teatro ou em uma novela, será escolhido o que melhor dá vida ao personagem. Na resposta acima, o Espírito Verdade explicita que Deus escolherá o espírito que melhor pode vivenciar a história daquela criança. Enfim, o ator que mais “talento” tiver para “representar” aquele papel será o escolhido.

A Animagogia, como já salientamos, não está preocupada se há ou não certo fatalismo nos atos materiais. Sua ênfase está no despertar da consciência espiritual. Por isso, a Animagogia realça que sempre teremos o livre arbítrio para amar (agir com habilidade espiritual) ou não (presos ao ego) qualquer acontecimento da vida humanizada.

E, independentemente do que acontece, estaríamos sempre sendo assistidos pelos espíritos, sejam os “superiores” ou os “inferiores”, na linguagem kardecista, cuja autoridade dos primeiros sobre os últimos seria sempre irresistível. Na ótica da Animagogia, os espíritos esclarecidos nos intuem e também os ainda presos ao ego, ou humanizados.

Na questão 526 temos um exemplo interessante que nos ajuda a compreender como a Doutrina Espírita pensa essa problemática. Kardec pergunta o seguinte: se alguém precisa desencarnar caindo de uma escada, os espíritos a quebrarão? E a resposta do Espírito Verdade é muito elucidativa: os espíritos não quebrariam a escada, mas intuiriam a pessoa a subir em uma que esteja carcomida pelo tempo. Dessa forma, ela se romperá com o peso da pessoa, gerando o desencarne.

Em outras palavras, na visão do Espírito Verdade, é como se os espíritos atuassem como “contra-regras” dessa “peça teatral” chamada encarnação. Enfim, é como se estivessem com o “livro da vida” de cada um nas mãos e dirigindo sua ação para que tudo aconteça conforme o que está escrito, sem percalços que estraguem o “espetáculo”. Na questão 527 temos outro exemplo paradigmático de como se processa, em tese, nossa vida humanizada. Kardec pergunta se os espíritos poderiam dirigir um raio até a pessoa que precisa desencarnar dessa maneira. E a resposta é similar a anterior: sabendo que o raio cairá em uma árvore, os espíritos podem intuir a pessoa a se proteger embaixo dela. Assim, parecerá um acidente aquele desencarne que já estava programado para acontecer.

Para o Espiritismo, os espíritos não teriam poder para dirigir o raio até a pessoa, mudando as leis da natureza, mas poderiam intuir o espírito humanizado para se proteger embaixo da árvore que será explodida pelo raio se for hora do desencarne daquele espírito. Em suma, segundo os ensinamentos do Espírito Verdade, vivemos rodeados por uma multidão de espíritos que conhecem nossos pensamentos, mesmo os mais secretos, e os atos que vamos realizar. Aliás, como ele afirma na questão 459, são os es-píritos que, frequentemente, nos dirigem, como instrumentos da vontade divina.

E pai Joaquim de Aruanda apresenta um exemplo irônico de como seria essa direção, em uma de suas palestras públicas. Ele conta que o nosso mentor (anjo da guarda) anda com o nosso “livro da vida” nas mãos e se o protegido tem que ser assaltado no dia seguinte pergunta para outros mentores: “ei, alguém aí tem um ladrão para aproximar deste aqui que precisa ser assaltado?”

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Enfim, seja através da seriedade apolínea do Espírito Verdade ou através da ironia dionisíaca de pai Joaquim de Aruanda, todos nós seríamos instrumentos para as provas dos demais espíritos humanizados. Porém, enquanto uns agem com consciência, outros são instrumentos cegos. E, neste sentido, absolutamente nada aconteceria sem que Deus permitisse. Na questão 584 de O livro dos espíritos esta tese fica evidente, mostrando que é a intenção a parte do espírito na co-criação do Universo. Kardec pergunta sobre o conquistador, a pessoa cuja vida está em satisfazer a sua ambição. E a resposta do Espírito Verdade é a seguinte: “ele não é, na maioria das vezes, mais do que um instrumento de que Deus se utiliza para o cumprimento de seus desígnios.”

Em suma, o conquistador, em tese, vai conquistar quem precisa ser conquistado, vai exterminar quem precisa ser exterminado e assim por diante. Porém, vai colher o fruto desses atos, não pelo fato em si, mas pela intenção egoísta de conquistar e pela ambição que alimenta. Em outras palavras, está evidente que, tanto para a Doutrina Espírita como para pai Joaquim de Aruanda e sua psicosofia universalista, faremos sempre aquilo que precisa ser feito, mesmo quando agimos motivados pelo egoísmo ou pela ambição.

Assim, qualquer que seja a intenção, seríamos o instrumento do qual Deus se serviria para o cumprimento de seus desígnios. E o mesmo valeria para os desencarnados. É por isso que pai Joaquim de Aruanda vai dizer que este é um mundo regido pela intencionalidade, pois cada um será recompensado positivamente segundo o “Bem” que quis fazer (amor incondicional) e a retidão de suas intenções; ou negativamente, em função do egoísmo manifestado. Ou seja, o nosso livre-arbítrio após a encarnação estaria nas atitudes (os atos mo-rais ou sentimentais) e não nos atos exteriores.

Mesmo assim, é preciso deixar claro que esta questão é secundária para a Animagogia. Sendo os espíritos instrumentos ou não de Deus, o importante é a intenção que teremos em cada um de nossos atos, tenhamos ou não livre-arbítrio nos atos materiais, o que contradiz a explanação acima.

Mesmo no espiritismo, que valoriza o livre-arbítrio nos atos materiais, encontramos o Espírito Verdade afirmando que se houve a intenção, há a responsabilidade sobre o ato e colheríamos os frutos dessa ação. É o caso da questão 746 de O livro dos espíritos. Ao ressaltar que a intenção é tudo, o Espírito Verdade afirma que o desejo de tirar a vida de outro ser em um homicídio é o que geraria o “débito” espiritual ou o “crime aos olhos de Deus”.

A questão fica mais evidente na questão 851 e nas seguintes, ao abordar o tema da fatalidade. E o próprio Kardec conclui que: “a fatalidade, entretanto, não é uma palavra vã. Ela existe na posição que o homem ocupa sobre a Terra e nas funções que ele aí cumpre por consequência do gênero de existência que seu espírito escolheu como prova, expiação ou missão. Ele sofre, fatalmente, todas as vicissitudes dessa existência, e todas as tendências boas ou más que a ela são inerentes. (...) a fatalidade, pois, está nos acontecimentos que se apresentam, visto que são a consequência da escolha da existência feita pelo espírito. Ela pode não estar no resultado desses acontecimentos, posto que pode depender do homem modificar-lhes o curso pela prudência. Ela não está jamais nos atos da vida moral.”

Na Animagogia, podemos sofrer influências tanto dos espíritos

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esclarecidos, libertos do ego, que vivem no plano espiritual, como dos que se encontram ainda iludidos, e que vivem no plano astral até recuperar sua consciência plena.

Os primeiros podem nos ajudar através da intuição, captada de espírito para espírito ou em trabalhos mediúnicos tomando posturas simbólicas, ou seja, através de uma humanização provisória, realizada apenas para aquele trabalho. Os demais espíritos, por estarem ainda iludidos, podem entrar em contato de várias formas. Alguns por indução espiritual e outros através da obsessão espiritual. No primeiro caso, há uma afinidade vibracional entre espíritos humanizados, sendo que um se encontra encarnado e o outro desencarnado.

No segundo caso, o problema é mais grave, uma vez que o desencarnado, porém ainda humanizado, age motivado pelo ego. Neste caso, ele deseja prejudicar o encarnado que ele enxerga como um inimigo, como um algoz. Por estar com sua consciência real adormecida, não é capaz de perdoar e ser feliz.

Normalmente, são estes dois tipos de espíritos humanizados que são trazidos para serem auxiliados nos trabalhos de Apometria, o tema do próximo capítulo.