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Naturais das vilas e cidades
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Dimenses, vol. 31, 2013, p. 56-76. ISSN: 2179-8869
Naturais das vilas e cidades: reformulaes de identidades
na Amrica Portuguesa (1740-1802)*
DENISE MOURA
Universidade Estadual Paulista
Resumo: Este texto discute a importncia alcanada por novas definies de
identidade relacionadas ao nascimento e histrico de famlia e servios nas
vilas e cidades do Brasil. Esta questo foi investigada na escrita pblica de
genealogistas, peties e requerimentos de moradores da Amrica portuguesa
no sculo XVIII. A construo destas novas definies foi associada, na
anlise, s transformaes urbanas e demogrficas vividas pelo atlntico neste
perodo. Estas novas auto percepes conviveram com percepes de
pertencimento macro-polticas e contriburam para os habitantes da colnia
se auto-definirem diante de um ambiente marcado pela diversidade de
naturalidades e transformaes polticas.
Palavras-chave: Identidade regional; Imprio Portugus; Emigrao.
Abstract: This text discusses the importance that new identities definition
associated with birth and family and service historical in the villages and cities
of Brazil. This topic was investigated by the public writings of genealogists,
petition and resquests of the inhabitants of the Portuguese America in the
18th century. The construction of the new definitions was linked, in this
analysis, to the urban and demographic changes in the Atlantic in this time.
This new self-perception was overlaping with perceptions of to be part of
macro-political and gave support to the self-definition of the inhabitants
* Artigo recebido em 8 de novembro de 2013. Aprovado para publicao em 19 de dezembro de 2013.
57 UFES Programa de Ps-Graduao em Histria
from colony face an environment characterized by diversity of birth and
political changes.
Keywords: Regional identity; Portuguese Empire; Emigration.
ste texto apresenta resultados de uma pesquisa que identificou
definies de identidade na Amrica portuguesa, entre os anos
1740-1802, associadasa tpicos de nascimento, histrico de servios
locais ou formao de famlia nas cidades ou vilas. Assim, paralelamente aos
tpicos de identidade que vinculavam os moradores da colnia Coroa
portuguesa e que os definia como vassalos fiis cumpridores de uma srie de
servios rgios, outras definies ganharam evidncia e podem ser explicadas
luz da expanso das cidades, aumento da populao nascida ou emigrada
para a Amrica a partir da segunda metade do sculo XVIII.
O tema das identidades ou do modo como se auto definiam os
nascidos ou os que passaram a viver na Amrica portuguesa algo que
desperta grande interesse entre os historiadores. Desde os avanos terico-
metodolgicos da histria atlntica, dos conceitos de rede e Imprio e das
perspectivas de anlise e metodologias da abordagem do antigo regime nos
trpicos, a historiografia chegou a importantes concluses sobre a percepo
de pertencimento dos nascidos na Amrica a unidades poltico-sociais mais
largas, cujas instituies como o rei ou o parlamento estavam na Europa e a
princpio acenavam-lhes, por vias consuetudinrias ou de concesso de
mercs por servios prestados ao rei, com perspectivas de alcanar o mesmo
status dos nascidos nas metrpoles europeias (CANNY & PAGDEN, 1987;
FRAGOSO & GOUVA, 2010; FRAGOSO, GOUVA, BICALHO,
2000).
Em virtude disto a sedimentao de identidades contrapostas entre
nascidos na Amrica e nos reinos europeus foi um processo demorado e que
avanou em muito no sculo XIX, especialmente no caso do Brasil. Alm
disto, outros motivos podem explicar esta questo, como a intensa emigrao
de europeus para a Amrica, especialmente no sculo XVIII ou o
compartilhamento do mesmo idioma nos Imprios modernos do atlntico.
E
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Para o caso dos nascidos nas colnias britnicas, um historiador concluiu que
todos percebiam suas identidades provinciais como variaes de uma
macro identidade inglesa ou britnica. Estas identidades, segundo ele,
sobreviveram por muito tempo ao desmembramento do Imprio Britnico
nos anos de 1780 (ENTREVISTA, 2010, p. 10; ANDERSON, 2008;
GREENE, 2006).1
No cerne destas noes de identidade marcadas pela vinculao a
uma entidade poltica maior, comearam a surgir percepes de tonalidade
essencialmente local. Nos escritos genealgicos setecentistas ou peticionrios
de moradores de partes do Brasil percebe-se que a condio de natural, com
histrico de servios ou formao de famlia no local, ou seja, nas vilas e
cidades, tornou-se um tpico de valor, A modificao da estrutura de uma
fonte censitria importante para a histria do Imprio portugus, como os
Maos de Populao da capitania de So Paulo, revelador desta importncia
alcanada pelo local de nascimento no Brasil. At 1801 esta fonte no
registrava a naturalidade dos moradores da cidade de So Paulo. A partir de
1802 este dado passou a ser registrado, identificando o nascido na cidade de
So Paulo e aquele nascido em qualquer outra vila da capitania de mesmo
nome, como Jacare, Santos, Paranagu, etc.
Em virtude de constataes como estas, o tema da reformulao de
identidades na Amrica portuguesa que ser discutido neste texto
compartilha do conceito de identidades provinciais de Jack Greene, que o
desenvolveu atravs da reflexo e investigao em torno de quatro colnias
inglesas Virginia, Jamaica, Carolina do Sul e Barbados. Este conceito est
relacionado maturao de diferentes auto definies dos habitantes destas
colnias atravs do acmulo de suas experincias coletivas na colonizao da
Amrica e no contato com as populaes nativas.
Segundo Greene se os colonos compartilhavam de uma identidade
britnica comum, ela existia em toda parte em simbiose com outra identidade
que tinha base regional e social (GREENE, 2006, p. 16). A aplicao desta
1 ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexes sobre a origem e a difuso do nacionalismo. So Paulo, Companhia das Letras, 2008, especialmente captulos 3 e 10.
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ideia no contexto da Amrica portuguesa, leva concluso de que a condio
de natural, com histrico de servios ou formao de famlia na vila ou
cidade estava alcanando a dimenso de uma identidade regional ou local,
mas como variao de uma identidade macro de pertencimento a uma
Monarquia, cuja figura do rei, servios prestados e fidelidades tambm eram
invocados e, portanto, preservados, na escrita pblica.
Na historiografia brasileira, autores como Adriana Romeiro,
trouxeram importante contribuio para uma problemtica como esta das
identidades no Imprio portugus. Atravs do conceito de experincia de E.
P. Thompson, esta autora mostrou como os sertanistas de So Paulo
construram uma identidade de servios prestados Coroa portuguesa no
desbravamento dos sertes e descobertas de metais e pedras preciosas que os
fizeram arrogar direitos de administrao das regies aurferas. Evaldo Cabral
de Mello tambm demonstrou o surgimento de uma identidade provincial
ligada s experincias das guerras de restaurao portuguesa nas capitanias do
norte. Outros autores tambm contriburam com suas pesquisas para indicar
as experincias especficas dos habitantes das reas de fronteira da Amrica
portuguesa que invocaram seu histrico de lutas contra os espanhis
(ROMEIRO, 2008; JESUS, 2011; MELLO, 1986).
Diante das concluses de autores como estes, mais do que concordar
com a ideia de Jack Greene de que as identidades provinciais mudam ao
longo do tempo (GREENE, 2006, p. 11) acredito que elas agregam novas
percepes e este o caso da importncia atribuda a certas experincias
locais, como as de nascimento, servios e constituio de famlia. A
invocao do local de nascimento no Brasil leva a pensar, inclusive, que esta
era uma maneira dos prprios nascidos no Brasil estabelecerem novas
hierarquizaes que visavam lidar com a diversidade de naturalidades
vivendo em um mesmo local, tendo em vista os deslocamentos humanos
internos na colnia, fomentados por circunstncias histricas novas como o
declnio da minerao, a importncia poltica e econmica alcanada pelo
centro-sul da Amrica, a militarizao do Brasil meridional e a intensificao
da atividade porturia da costa sul do territrio, dentre outros fatores
(MOURA, 2013).
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Na lgica administrativa do Imprio portugus vilas ou cidades no
eram apenas demarcaes territoriais-poltico-administrativas, mas um ttulo
concedido pelo rei. Cidades eram hierarquicamente superiores em relao s
vilas (DAMASCENO, 2003). So Paulo, por exemplo, alcanou o ttulo de
cidade em 1711, algo que pode ser interpretado tanto como estratgia poltica
da Coroa portuguesa para apaziguar os nimos de sua elite municipal diante
da derrota na guerra dos emboabas, como por recompens-la pelos servios
prestados na expanso da fronteira do Imprio em direo s reas minerais
do interior do territrio do Brasil.
As identidades de naturais, com histrico de servios ou
reconhecimento nas vilas e cidades foi forjada em um contexto de expanso
dos ambientes urbanos porturios ou de suas hinterland que diversificaram seu
quadro populacional, atravs de emigraes da Europa, frica, variao e
intensificao de suas atividades econmico-mercantis-urbanas no contexto
das tenses e das revolues liberais e de independncia do atlntico.
Apesar da inexistncia de um controle racional da emigrao
espontnea no atlntico, o que impe limites a uma historiografia que queira
medir este fluxo com consistncia, alguns autores reconhecem que no sculo
XVIII houve uma onda de emigrantes de diversas nacionalidades europeias
em direo ao atlntico e mesmo de deslocamentos internos na Amrica.
John Russell-Wood afirma que aps 1720 a tendncia foi entrarem no Brasil
de 3.000 a 4.000 portugueses por ano. A este nmero devem ser somados
ainda os imigrantes de origem e descendncia africana, em torno de
1.891.400 entre 1701 e 1810 e os imigrantes das ilhas atlnticas (CARVILLE
& HOFFMAN, 1976, p. 50-55; RUSSELL-WOOD, 1998, p. 98-99).
Certamente que fenmenos demogrficos como estes contriburam
para a emergncia de novas percepes de identidades. No caso da Amrica
portuguesa, a emergncia destas percepes vinculadas ao nascimento,
servios prestados nas instituies pblicas, como a cmara municipal ou o
matrimnio e constituio de prole poderiam ser mecanismos de
enfrentamento dos potenciais de risco de subalternizao que a presena de
imigrantes europeus poderia representar.
61 UFES Programa de Ps-Graduao em Histria
Em especial a definio de identidade ligada condio de natural
da cidade pode ter sido um ingrediente a mais na histrica rivalidade que
marcou a convivncia entre nascidos no reino e no Brasil. Estou
considerando, inclusive, que esta definio em especial foi uma maneira dos
nascidos no territrio demarcarem uma distino em relao aos imigrados
nascidos no Reino que viviam em todas as cidades da Amrica portuguesa,
inclusive em So Paulo.
Para os emigrados, por sua vez, adotar a formulao de cidado da
vila ou cidade, ou seja, evidenciando um histrico de prestao de servios ao
local ou de reconhecimento pela populao local ou autoridades rgias
poderia ser uma forma de assegurar insero social e tambm evitar
potenciais ameaas de subalternizao provocadas pelo volume de nascidos
no Brasil e pelo status que esta condio passava a representar.
Neste contexto, portanto, de intensificao dos fluxos humanos e
expanso das cidades, novos sentidos de identidade contribuam para um e
outro grupo, nascido na Amrica ou proveniente do reino, justificar o acesso
a posies de precedncia e direitos na ocupao de cargos pblicos, obter
reconhecimento de suas patentes militares, quando as solicitavam, garantir
insero social no local da Amrica portuguesa escolhido para viver ou
mesmo se auto definirem,
Ao associar as modificaes urbano-demogrficas que ocorriam no
atlntico do perodo formao de uma nova formulao de identidade
estou me apoiando na perspectiva metodolgica de autores como Adriana
Romeiro e Evaldo Cabral de Mello. Ambos autores associaram o tema da
auto percepo dos habitantes da colnia, em Pernambuco ou Minas Gerais-
So Paulo ao ambiente poltico maior da restaurao portuguesa no sculo
XVII.
Neste texto em especial, o tema das identidades est sendo pensando
tanto a partir do contexto local, como do contexto mais largo das
transformaes vividas pelo atlntico portugus mais acentuadamente desde
o final da Guerra dos Sete anos, quando houve intensificao dos fluxos
humanos para a Amrica ibrica e da urbanizao.
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Com isso, apresento uma nova auto percepo que ir compor as
identidades provinciais na Amrica portuguesa, o que contribui para mostrar
sua variedade, algo que estar na esteira das tenses que emergiram aps a
separao poltica e formao do Estado Nacional no Brasil (PIMENTA,
2000).
Para desenvolver as ideias aqui apresentadas este artigo est
estruturado em duas partes. Na primeira mostro como as referidas definies
de identidade foram esboadas na escrita genealgica dos anos 1740-1770.
Em seguida acompanho suas ressonncias em algumas peties de
moradores da cidade de So Paulo.
Germes de uma conscincia de vassalos nascidos e com histrico de
servios nas vilas e cidades
O realce que comeou a ser dado na escrita pblica condio de
nascido e com histrico de servios nas vilas e cidades da Amrica
portuguesa tem relao com as rivalidades existentes entre os nascidos nos
domnios e no Reino. Vrios autores na historiografia do Brasil apontaram
ou esmiuaram a existncia desta competio. Charles Boxer identificou
momentos cruciais neste processo, como os anos de 1709, 1711 e 1714.
Segundo este autor, a Coroa, atendendo s solicitaes dos filhos do reino,
foi obrigada a emitir decretos contra a postura da Cmara do Rio de Janeiro,
que exclua deliberadamente reinis do funcionalismo municipal, mesmo se
casados com mulheres nascidas no Brasil. Os constrangimentos impostos
pela nobreza da terra a entrada de negociantes reinis nas cmaras municipais
de fato algo comprovado na histria do Brasil-colnia (BOXER, 2002, p.
294; GOUVA, 2004) Evaldo Cabral de Melo identificou esta questo em
Pernambuco, mostrando a disputa travada entre estes dois grupos em torno
do que ele chamou de topos da lealdade na relao com a Coroa portuguesa.
Ambos almejavam provar a condio de maior fidelidade ao rei, tendo em
vista o princpio contratual que mediava a relao sditos-rei no antigo
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regime portugus, garantindo precedncias, direitos e tratamento privilegiado
(MELLO, 1986, p. 118-130).
Rivalidades entre nascidos na terra e reinis estiveram por toda a
parte do Imprio portugus. Angela Xavier mostrou que escritos pblicos,
como a Relacin Defensiva, de autoria do franciscano Frei Miguel da
Purificao, expressavam nesta poca uma atitude defensiva de uma elite
colonial estabelecida com antiguidade em Goa, os casados, ciosa por
defender suas posies sociais de precedncia em relao aos provenientes
do reino e outra parcela da elite colonial, os brmanes e charados, recm
convertidos ao cristianismo.
Ou seja, uma escrita pblica como a Relacion teria significado o eco da
afirmao de uma identidade que resistia s ameaas de subalternizao
impostas pela presena de outros grupos, pois, a elite dos primeiros
conquistadores e evangelizadores de Goa visava defender posies
alcanadas at ento na administrao imperial e na economia do poder local
(XAVIER; CANNY & PAGDEN, 1987).
Acredito que os textos genealgicos Setecentistas produzidos na
Bahia, Pernambuco e So Paulo possam ter cumprido este mesmo papel, ao
anunciarem em seus verbetes a condio de naturais de vilas, cidades ou
capitanias (LEME, 1740-1760; FONSECA, 1748; CATLOGO, 1768).
Tendo em vista as tenses que sempre existiram no Imprio entre nascidos
no reino e nos domnios, esta no uma questo que possa ser simplesmente
associada ao fato de no sculo XVIII a populao do Brasil j estar na sua 5
gerao, portanto em boa parte formada por nascidos no local.
Por outro lado, a segunda metade do sculo XVIII, especialmente
aps o final da Guerra dos Sete Anos (1763) foi caracterizada pela projeo
das cidades porturias e expanso de suas hinterland, no contexto de
intensificao da concorrncia das naes europeias para alcanar o controle
dos mercados consumidores e os produtos coloniais gerados na economia do
atlntico (CARVILLE & HOFFMAN, 1976). Certamente esta questo teve
impacto sobre a intensssima, como afirma Nuno Monteiro, emigrao de
portugueses para o Brasil. Mesmo uma cidade como a de So Paulo, situada
na capitania de mesmo nome, que alguma historiografia costuma considerar
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que possuiu uma corrente migratria portuguesa menos intensa em virtude
de sua pobreza, ou seja, sem apelos do comrcio e da extrao aurfera,
possua uma populao proveniente de vrias partes de Portugal, ilhas e
frica, que merece ser levada em considerao na anlise do processo de
formao das identidades no perodo colonial tardio (BLAJ, 2002; ARAJO,
2006; BORREGO, 2010).2
Em estudo sobre a presena portuguesa na capitania de So Paulo,
Carlos de Almeida Prado Bacellar mostrou que a cidade de So Paulo estava
em segundo lugar, atrs portanto, apenas da vila de Santos, na recepo
destes emigrados (BACELLAR, 2000, p. 25). Os dados da tabela abaixo se
restringem cidade de So Paulo e fornecem uma aproximada e pequena
imagem deste fluxo humano para a regio:
Tabela 1: Populao livre nascida em partes de Portugal e residente na
cidade de So Paulo.
Lisboa 43
Braga 29
Porto 23
Senhora da Ajuda 10
Viseu 06
Guimares 03
Traz os Montes 02
Santa Maria de Vimiosa 02
Coimbra 02
Ponte de Lima 02
Mogege 01
Barcelos 01
Badajs 01
Leiria 01
Minho 01
Vila Viosa 02
2 Esta tese foi h muito derrubada por uma j vasta historiografia cujos autores cito apenas estes principais.
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Ponte de Lima 01
Santiago 01
So Silvestre 01
So Cristovo 01
Douro 01
Vila Real 01
Amarante 01
Vila de Albuquerque 01
Alenquer 01
Vila Pouca da Beira 01
Penafiel 01
Total 139
Fonte: Dados coletados em Maos de Populao, 1. 2 e 3 Companhia da Capital.
APESP, 1803, disco 1, filme 4.
Tabela 2: Populao livre nascida nas ilhas e residente na cidade de So
Paulo.
Ilha da Madeira 06
Cabo Verde 03
Ilha do Faial 02
Ilhas 02
Ilha Terceira 02
Ilha de So Miguel do Bispado de
Angra 01
Ilha Graciosa 01
Total 17
Fonte: Dados coletados em Maos de Populao. 1. 2 e 3 Companhia da Capital.
APESP, 1803, disco 1, filme 4.
Certamente essa presena de reinis nas cidades do centro-sul
incentivou o surgimento de percepes de identidade que invocavam o local
de nascimento no Brasil, especialmente quando este havia ocorrido em reas
prestigiosas, como as cidades.
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Deve ser considerado ainda que cidades porturias ou com
caracterstica de entreposto mercantil, como era o caso da cidade de So
Paulo, tendiam a atrair movimento migratrio interno. As oportunidades de
ganho e trabalho certamente eram foco de ateno destes migrantes de vrias
partes do centro-sul, colocando distintas naturalidades em convvio cotidiano
e, portanto fomentando novas definies de identidades.
Em 1803 possvel estimar, atravs dos maos de populao, esta
presena de migrantes na cidade. Os nascidos em torno da cidade (vilas de
Parnaba, Cutia, Bragana, Juquery, Santana de Mogimirim, Nazar, So Joo
de Atibaia) eram 117. Os naturais das vilas do sul (Curitiba, Lages, Apia,
Freguesia de Santo Antonio da Lapa, Castro) eram 21. Nascidos nas vilas do
norte (Jacare, Guaratinguet, Jundia, Lorena, Cunha, So Sebastio,
Ubatuba, Pindamonhangaba, Taubat) perfaziam um total de 53. De partes
de Minas Gerais vieram 54 e do Rio de Janeiro eram 45. Do litoral sul da
capitania de So Paulo (Iguape, Conceio de Itanham, Santos, Paranhagu,
Canania) vieram 118 indivduos, entre homens e mulheres.3
Diante deste mosaico de naturalidades, o realce da condio de
nascido na cidade de So Paulo alm de tpico de identidade era tambm
uma reao defensiva de um grupo de nascidos no local. Deve-se levar
tambm em considerao o prprio carter de qualificador social da condio
de nascido em um lugar com ttulo de cidade.
Esta formulao de natural da cidade, com histrico de servios
locais e formao de famlia est anunciada na escrita Setecentistas dos
genealogistas. A prpria genealogia destes genealogistas relevante para
compreender a valorao alcanada pelo lugar de nascimento no Brasil.
Pedro Taques nasceu na cidade de So Paulo em julho de 1714. Antonio Jos
Vitorino Borges da Fonseca era nascido em Recife e Frei Antonio de Santa
Maria Jaboato havia nascido na freguesia de Santo Amaro de Jaboato, na
capitania de Pernambuco. Segundo Evaldo Cabral de Mello, a carreira de
Borges da Fonseca, diferentemente da de seu pai, era toda local (MELLO,
3 Dados coletados em Maos de Populao. 1. 2 e 3 Companhia da Capital. APESP, 1803, disco 1, filme 4.
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1986, p. 189). De Pedro Taques pode-se dizer o mesmo. Em 1737 ocupou o
posto de sargento-mor do regimento de nobreza de So Paulo. Em 1750 foi
nomeado pelo Conde dos Arcos, responsvel pela instalao da capitania de
Gois, para o cargo de escrivo da Intendncia Comissria e Guarda-Moria
do Distrito do Pilar, com jurisdio sobre os arraiais de Crixs e Guarinos,
nas bandas de Gois. Na Intendncia exerceu tambm servios de tesoureiro,
foi provedor dos Defuntos e Ausentes e tabelio. Alcanou a merc de cargo
remunerado de tesoureiro-mor da Bula Cruzada nas capitanias de So Paulo,
Gois e Mato Grosso. Nesse mesmo perodo obteve outro alto e bom
remunerado cargo: o da guarda-moria das minas da comarca de So Paulo
(LEME, 1740-1770, p. 19).
A escrita destes genealogistas cientficos, para usar uma expresso de
Evaldo Cabral de Mello, porque assentada em mtodos de investigao que
incluam a busca da verdade atravs de documentos, como forma de repdio
a mera genealogia apologtica, no excluiu o gnero nobilirquico. As
ascendncias portuguesas e das ilhas, os livros das linhagens em Portugal, a
Corografia Portugueza (CATLOGO, 1768, p. 137), os bons servios que
fez na guerra dos holandeses (FONSECA, 1748, p. 32), os grandes riscos
de vida e despesas empreendidos a descobrir e povoar sertes como o
do Rio Grande (LEME, 1740-1770, v. 1, p. 98) ou os vastssimos sertes do
Rio Paraguay [...] conquistando brbaros ndios seus habitadores (LEME,
1740-1760. v. 1, p. 115) eram invocados, mas eram tambm anunciados o
histrico de servios na cidade ou no local de nascimento no Brasil. Sebastio
de Carvalho e Andrada fora sargento de ordenanas da cidade de Olinda e
nella servio de Vereador (FONSECA, 1748, p. 26), assim como Joo
Carneiro da Cunha, que serviu de vereador na mesma cidade (FONSECA,
1748, p. 201). Na escrita de Pedro Taques o histrico de servios na cidade
era mais pronunciado, como ser visto.
Entre fidalgos, naturais do reino, naturais da provncia do Alentejo,
naturais da vila de Viana, donatrios, fundadores, os que passaram para as
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capitanias4 comeam os discretos enunciados de nascidos em Pernambuco,
natural da freguesia da S da Bahia, natural da freguesia de Inhambupe, na
Bahia (CATLOGO, 1768, p. 120). Joo Carneiro, alm de nascido
tambm fora batizado na freguesia da Varzea, como fez questo de ressaltar
o genealogista (FONSECA, 1748, 201).
Nos verbetes da Nobiliarquia Paulistana de Pedro Taques percebe-se
o surgimento de uma formulao hierarquizadora, ou seja, a figura do nobre
cidado e natural de So Paulo (LEME, 1740-1770, vol. 1, p. 87 e 95) se
contrapondo ao apenas cidado de So Paulo que tinha apenas servido os
honrosos cargos da repblica, sem necessariamente ter nascido no local,
como foi o caso de Joo Franco Viegas, natural da Vila de Portel, comarca
de Evora apenas cidado republicano de So Paulo (LEME, 1740-1770,
vol. 1, p. 99) ou Inoccencio Preto, natural de Portugal cidado de So
Paulo. Seu filho, inclusive em posio invertida na escrita genealgica de
Pedro Taques, ou seja, curiosamente antecedendo o pai, era natural e
cidado de So Paulo (LEME, 1740-1770, vol. 1, p. 100).
Assim, ganha visibilidade na escrita Setecentista a condio de
nascido nos lugares do Brasil, com destaque para os locais com ttulo de
cidade. Na escrita de Frei Jaboato em meio a tantos nascidos em Portugal
ou outras partes da Europa, como Flandres, aparece Loureno Cavalcante de
Albuquerque natural de Goiania em Pernambuco, onde possua dois
engenhos (CATLOGO, 1768, p. 78). Na escrita deste genealogista a
imagem do engenho como smbolo do histrico local de servios aparece
com mais frequncia, em contraposio ao espao da cidade de Pedro
Taques.
Nos verbetes do genealogista de So Paulo era destacado ainda
quando a famlia era toda formada no local, como aconteceu no matrimnio
de D. Leonor Corra de Abreu e Jos Dias da Silva, do qual nasceram em
So Paulo nove filhos (LEME, 1740-1770, vol. 1, p. 77 e 1000). Ao longo
4 Exemplo desta expresso est em Frei Jaboato: D. Anna Cavalcante era descendente deste Simo Achioli e da dita ilha da Madeira, ou de outra parte passaria para Pernambuco, como fizeram muitos e outras pessoas nobres, p. 69.
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dos trs volumes da obra vrios outros casamentos tiveram este aspecto
destacado.
A vila ou cidade no Brasil como local onde era alcanado
reconhecimento por servios prestados tambm adquiriu relevncia nas
definies de identidade do perodo. Thom Moreira Velho fez assento na
vila Mog das Cruzes, onde sempre teve as rdeas do governo poltico da
repblica, gozando uma igual venerao e respeito, no s daqueles
moradores, mas tambm de todos os ministros e generais, que passavam por
aquela vila (LEME, 1740-1770, v. 3, p. 149).
A formulao de identidade evocando a cidade, como espao de
nascimento ou de realizao de servios pode ter se distinguido em relao
de Paulista, que poderia dizer respeito ao conjunto da capitania e estaria mais
diretamente relacionada referncia de pertencimento a uma ordem
monrquica, cujos vassalos desempenharam certos servios. Entre os ofcios
do General Franca e Horta h uma cpia de um edital em favor de um
donativo rgio que sugere esta ideia. Aps enumerar os vrios servios
prestados pelos de So Paulo contra os ndios, a dilatao do territrio serto
adentro, o governador dizia afim de que pelo Patriotismo gozem da
excelncia que anexa ao nome de Paulista, cujo nome quer dizer o mesmo
que vassalo fiel, valente, honrado e generoso.5 No h nenhuma associao
da expresso com servios de dimenso mais localizada, como acontece com
a definio de cidado da cidade. O que leva a crer, portanto, que neste
momento de redefinies de identidades Paulistas no devem ser
confundidos com os nascidos na cidade, embrra um mesmo indivduo
pudesse agregar as duas condies.
5 Documentos que a Carta escrita a SAR em 24 de 8br. De 1804, Regda a fil_Tendente ao donativo voluntrio exigido pela Carta Rgia de 6 de abril do mesmo ano. Documentos Interessantes para a Histria e Costumes de So Paulo. So Paulo, Ed. UNESP/Edies do Arquivo do Estado de so Paulo, v. 95, 1990, p. 298-299.
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Vassalos com histrico de servios locais
O lugar de nascimento e onde era formado histrico de famlia, prole
e servios ganha evidncia inclusive nas peties. Para os provenientes de
Portugal provar histrico de servios nas vilas e cidades tornava-se, portanto
um argumento para as suas solicitaes, mas tambm para obter
reconhecimento e insero social local. Estas definies de identidade no
Imprio portugus no sculo XVIII, levando valorizao de novas
referncias, como as locais, podem ter influenciando a prpria tendncia de
diminuio de certas solicitaes de ttulos de nobreza.
O caso dos familiares do Santo Ofcio parece exemplar neste sentido.
Aldair Rodrigues identificou que entre 1713-1785 houve sensvel diminuio
das solicitaes deste ttulo por toda a Amrica portuguesa. O autor associou
este problema ao fim da distino entre cristos novos e velhos, oficializada
por Pombal em 1773 e ao advento das ideias da ilustrao. Contudo, a
emergncia de novas valoraes de identidade deve ser levada em
considerao para explicar a reduo da solicitao de certas titulaes do
Imprio (RODRIGUES, 2007, p. 139-140 e 149).
A condio de nascido ou de filho de pais nascidos na cidade, o
histrico de servios na municipalidade adquirem status e tornam-se
argumentos frequentemente invocados nas peties, servindo tambm como
qualificadores sociais. Na escrita pblica estes argumentos aparecem como
variantes dos servios e lealdades prestados ao Rei, como se houvesse a
constituio de uma certa percepo de municipalidade, no sentido do local
imediato de vivncia cotidiana, coletiva, mas que tambm agregava
determinadas experincias histricas, como os vnculos de famlia e os
servios. Estes, portanto, passavam a ser formuladores de uma identidade.
No requerimento de patente para o Regimento de Cavalaria de
Milcias da Provncia de So Paulo do capito Francisco Gonalves dos
Santos Cruz, escrito por um outro oficial, foram destacadas sua condio de
filho de um capito-mor natural da cidade. Alm disto, ele era o primeiro
capito em antiguidade que tem todo o Regimento e que teve sempre servido
com distino ao comando de sua Companhia, he dos principais
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negociantes desta cidade e das boas famlias dela. Em um dos atestados de
sua idoneidade, o juiz de fora e oficiais da cmara ainda reforaram que
Francisco Cruz era Tenente de cavalaria miliciana desta cidade onde se acha
casado em uma das principais famlias e nela morador muito mais se tem
distinguido pelos cargos que tem ocupado na Republica com honra e aptido [...] tem se
mostrado um fiel e til vassalo de S. M. Fidelissima no s pelos servios
pessoais, como tambm concorrendo com o seu dinheiro com liberalidade para as obras
pblicas desta cidade.6
Para os provenientes do reino, o recurso ao argumento do histrico
de servios e vnculos na cidade era uma forma de qualificao, evitando os
riscos de subalternizao neste ambiente social de novas valoraes de
identidade, associadas condio de nascido no local.
Jos Vaz de Carvalho, natural do bispado do Aveiro, Portugal, um
exemplo destes provenientes do Reino que empregam este tipo de
argumentao j enunciada na escrita genealgica, como discutido acima.
Para obter remunerao por seus servios ele destacou que serviu de juiz de
demarcaes das terras de sesmarias da cidade, havia concorrido paras as
obras pblicas da cidade, que servira de juiz ordinrio da dita cidade de So
Paulo com tanta satisfao do pblico que nas devassas tiradas pelo ouvidor
do mesmo respeito nunca teve a menor culpa. Alm disso, ocupou este
cargo relacionado a um rgo pblico da cidade, como a Cmara, sem
embargo dos seus privilgios que o isentavam de servir. Jos Vaz ainda
havia voluntariamente doado 412$000 para a Legio da cavalaria de tropa
paga da referida cidade e servira por 5 anos o cargo de procurador da Santa
Casa de Misericrdia da cidade de So Paulo, sem receber ordenado algum.
O mais curioso que na retrica da petio de Jos Vaz de Carvalho
h uma distino entre os reais servios, pois ele trata separadamente
questes como o ter corrido sertes, arrematado contrato de dzimos,
demarcado terras na costa da capitania, dentre outros e os servios da cidade,
6 REQUERIMENTO de Francisco Gonalvesdos Santos Cruz ao rei [D. Joo VI], solicitando o posto de tenente-coronel Graduado do Regimento de Cavalaria de Milcias da provncia de So Paulo. AHU-So Paulo, cx. 29, doc. 28. Doc. 1379 no Projeto Resgate.
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que poderiam ser atestados pelos oficiais da Cmara, conforme era dito no
texto da petio.7
Ou seja, o sentimento de pertencimento a uma unidade poltica
maior, como a ordem rgia monrquica portuguesa passava a conviver com a
de cidado da cidade, cumpridor de deveres locais e que as autoridades
municipais poderiam reconhecer o seu valor e veracidade. Como um
proveniente do Reino, Jos Vaz de Carvalho incorporava as novas valoraes
de identidade em um contexto no qual o Brasil possua projeo poltica no
Imprio superior ao do prprio Reino. um consenso na historiografia o
processo de inverso da relao metrpole-colnia, desde o incio do sculo
XVIII, quando vrios estadistas admitiram a importncia do Brasil para a
sobrevivncia do Imprio portugus. Os reordenamentos poltico-
administrativas deste sculo, que levaram concentrao de poderes no
centro-sul do territrio, regio que ainda abrigava uma poderosa elite
mercantil ligada ao trfico negreiro e ao comrcio de mercadorias coloniais e
europeias (ALDEN, 1973; LYRA, 1994; FRAGOSO, 1998) faziam com que
o histrico de servios nas vilas e cidades do territrio do Brasil alcanasse
status e se tornasse um elemento de identidade.
Quando Jernimo Martins Fernandes, que se apresentava como
morador na cidade de So Paulo provavelmente no era um natural, pois
esta condio no era invocada na sua escrita - precisou recuperar sua
reputao, aps uma srie de maus comportamentos de seu filho, uma das
atestaes pblicas de sua moral dizia que ele tem sido juiz ordinrio e
servido outros empregos honrosos da repblica8. mais um caso, portanto,
7 PARECER do Conselho Ultramarino sobre o requerimento do Coronel de Milcias da cidade de So Paulo, Jos Vaz de Carvalho, solicitando remunerao de seus servios. 1806,AHU-So Paulo, cx 16, doc 24. Doc. n. 1223 no Projeto Resgate. 8 OFICIO do governador e capito general da capitania de So Paulo, Antonio Jos da Franca e Horta, ao [secretrio de estado da Marinha e Ultramar] visconde de Anadia, Joo Rodrigues de S e Melo Menesses e Souto Maior sobre o pedido de perdo do coronel Jernimo Martins Fernandes, para que seu filho possa servir nas tropas da ndia. AHU So Paulo, cx. 21, doc. 16. Doc 1031 no Projeto Resgate.
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de no nascido na cidade de So Paulo, mas que se apoia no histrico de
servios prestados ao lugar para sustentar uma identidade de morador que o
permitisse se equiparar aos que podiam estampar a condio de nascido.
Concluso
Este texto apresentou resultados de uma pesquisa que identificou
novas definies de identidade que passaram a fazer parte de alguns escritos
pblicos produzidos na Amrica portuguesa entre a dcada de 1740 do
sculo XVIII e o inicio do XIX e que diziam respeito condio de nascido,
filho de pais, constituidor de famlia ou com histrico de servios em uma
dada localidade.
A intensificao dos fluxos humanos, de mercadorias e ampliao do
potencial de oportunidades e servios das cidades do atlntico neste perodo
contribuiu para o desenvolvimento de novas valoraes de identidade,
entendidas como variaes de uma macro identidade vinculada ao rei. Neste
sentido, as concluses deste artigo concordaram com autores como Nuno
Monteiro, Evaldo Cabral de Mello, Adriana Romeiro e Jack Greene, cujas
posies interpretativas ou trabalhos dizem respeito percepo dos
habitantes dos domnios da Amrica sobre si e no contexto mais amplo dos
Imprios modernos, inclusive em sua fase final.
A precedncia alcanada pelo territrio do Brasil no Imprio
portugus, desde o incio do sculo XVIII influenciou a valorizao da
condio de nascido ou com histrico de servios nas vrias partes deste
territrio, em suas vilas, freguesias ou cidades. Valoraes de identidade
como estas serviram como preventivo para os riscos de subalternizao que
os nascidos no Brasil sempre sofreram em relao aos nascidos ou
provenientes do Reino. Por outro lado, os provenientes do reino tambm
passaram a manusear o argumento de histrico de servios locais, como meio
de se qualificar e afirmar uma identidade que minimizasse conflitos e
constrangimentos com os nascidos no lugar.
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Estas novas auto definies puderam ser rastreadas na escrita
genealgica ou nos textos das peties e requerimentos Setecentistas. Estas
definies de identidade ao chamarem ateno para aes locais, como
nascimento, formao de famlia e servios remetem para o desenvolvimento
de uma conscincia municipal, como lugar imediato de acmulo de
experincias histricas, no mais essencialmente vinculadas Monarquia, mas
como uma de suas variantes. Ou seja, ao lado das vinculaes e obrigaes
prestadas ao rei, de acordo com as circunstncias histricas de cada lugar,
comeam a surgir aquelas relativas cidade ou local de nascimento.
Certamente estas novas auto definies estiveram na raiz do processo de
formao do Estado e das identidades nacionais no Brasil oitocentista.
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