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NATUREZA JURÍDICA DA CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO The Legal Nature of Public Service Concessions Revista de Direito Administrativo e Infraestrutura | vol. 12/2020 | p. 403 - 442 | Jan - Mar / 2020 DTR\2020\1805 Oswaldo Aranha Bandeira de Mello Professor Catedrático de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade Católica de São Paulo. Área do Direito: Constitucional; Administrativo 1 Sumário: I.Do serviço público - II.Da concessão de serviço público - III.Da natureza dos atos jurídicos - IV.Da natureza do ato jurídico – Concessão de serviço público I.Do serviço público A vida isolada do homem é, em regra geral, impossível. Pela própria natureza, são os entes humanos impelidos a viver em sociedade. Além disso, percebendo as vantagens que resultam da cooperação dos seus semelhantes, não podem deixar de desejá-la. Temos, portanto, que a vida social é uma resultante desses dois elementos: necessidade e liberdade. Daí o dever de colaboração recíproca, concretizado no princípio de solidariedade, não só imposto pela própria natureza, como, ainda querido, por verificar-se que convém à vida em comum. O meio exterior apropriado é fisicamente adequado ao desenvolvimento do nosso organismo, para este percorrer o ciclo natural da sua evolução. Por sua vez, o meio social apropriado é psicologicamente adequado aos nossos sentimentos e aos nossos pensamentos, para se manifestarem e se aprimorarem. Para que a vida em sociedade possa frutificar, exige a prática de certas atividades e, por outro lado, a abstenção de outras. Isto é, todas aquelas atividades que contribuem para a vida social próspera devem ser praticadas, bem como devem ser evitadas todas as que lhe forem prejudiciais. Eis aí, a conclusão imposta: a união dos esforços individuais para a realização de fim comum, constituidor do bem da coletividade. A expansão da personalidade humana exige – e isto é de senso comum – a formação de várias sociedades, algumas naturais e outras convencionais, sendo, consequentemente, necessárias as primeiras e voluntárias as segundas. Embora ambas constituam meios para o ser humano alcançar o fim, força é distingui-las como condição indispensável no primeiro caso, e, simplesmente, como fator aconselhável, no segundo. Aquelas compreendem as sociedades familiar, profissional, política e religiosa. Estas, enfeixam quantas sociedades privadas venham a ser constituídas por acordo de vontade entre os cidadãos e não sejam havidas como contrárias à natureza humana. 2. No campo social, é mister apreciarem-se as relações dos seres humanos entre si, destes com as sociedades, e das mesmas sociedades entre elas. Cada qual tem atribuição própria, como campo de ação exclusivo, em atenção a finalidades peculiares. Mas, além destas atribuições, outras existem, refulgindo ao circulo particular de cada qual, e, assim, surge a complexidade dos casos mistos, em que se faz preciso Natureza Jurídica da Concessão de Serviço Público Página 1

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NATUREZA JURÍDICA DA CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICOThe Legal Nature of Public Service Concessions

Revista de Direito Administrativo e Infraestrutura | vol. 12/2020 | p. 403 - 442 | Jan -Mar / 2020

DTR\2020\1805

Oswaldo Aranha Bandeira de MelloProfessor Catedrático de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da UniversidadeCatólica de São Paulo.

Área do Direito: Constitucional; Administrativo1

Sumário:

I.Do serviço público - II.Da concessão de serviço público - III.Da natureza dos atosjurídicos - IV.Da natureza do ato jurídico – Concessão de serviço público

I.Do serviço público

A vida isolada do homem é, em regra geral, impossível. Pela própria natureza, são osentes humanos impelidos a viver em sociedade. Além disso, percebendo as vantagensque resultam da cooperação dos seus semelhantes, não podem deixar de desejá-la.Temos, portanto, que a vida social é uma resultante desses dois elementos: necessidadee liberdade.

Daí o dever de colaboração recíproca, concretizado no princípio de solidariedade, não sóimposto pela própria natureza, como, ainda querido, por verificar-se que convém à vidaem comum.

O meio exterior apropriado é fisicamente adequado ao desenvolvimento do nossoorganismo, para este percorrer o ciclo natural da sua evolução. Por sua vez, o meiosocial apropriado é psicologicamente adequado aos nossos sentimentos e aos nossospensamentos, para se manifestarem e se aprimorarem.

Para que a vida em sociedade possa frutificar, exige a prática de certas atividades e, poroutro lado, a abstenção de outras. Isto é, todas aquelas atividades que contribuem paraa vida social próspera devem ser praticadas, bem como devem ser evitadas todas as quelhe forem prejudiciais. Eis aí, a conclusão imposta: a união dos esforços individuais paraa realização de fim comum, constituidor do bem da coletividade.

A expansão da personalidade humana exige – e isto é de senso comum – a formação devárias sociedades, algumas naturais e outras convencionais, sendo, consequentemente,necessárias as primeiras e voluntárias as segundas.

Embora ambas constituam meios para o ser humano alcançar o fim, força é distingui-lascomo condição indispensável no primeiro caso, e, simplesmente, como fatoraconselhável, no segundo. Aquelas compreendem as sociedades familiar, profissional,política e religiosa. Estas, enfeixam quantas sociedades privadas venham a serconstituídas por acordo de vontade entre os cidadãos e não sejam havidas comocontrárias à natureza humana.

2. No campo social, é mister apreciarem-se as relações dos seres humanos entre si,destes com as sociedades, e das mesmas sociedades entre elas. Cada qual tematribuição própria, como campo de ação exclusivo, em atenção a finalidades peculiares.Mas, além destas atribuições, outras existem, refulgindo ao circulo particular de cadaqual, e, assim, surge a complexidade dos casos mistos, em que se faz preciso

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estabelecer a proeminência entre duas posições em choque. Porém, é de bom aviso nãose confundirem competências concorrentes com competências privativas.

A solução do problema social está em solver-se a incógnita do justo equilíbrio a obter-sena relação estabelecida pela posição do homem em face da sociedade. A sociedade, cabeobservar, nada mais é que a reunião de homens para atingir o bem comum deles.Assim, a solução da incógnita consiste no estabelecimento de uma equação humana, quese resolverá pela prevalência dos atos do homem enquanto homem, sobre os atos dohomem enquanto animal.

Para se conseguir a eficácia desse “desideratum” é indispensável o aparecimento de umprincípio unificador, que dirija as atividades humanas na melhor coordenação possível, eassim surge a autoridade.

3. A autoridade constituída, na sociedade política, resulta da vida dos homens emsociedade e consiste na organização de poder unificador de um povo em dado território,tendo em vista o bem comum dos seus membros.

Existe para servir à coletividade e só se justifica a sua organização para salvaguardar ointeresse da comunidade, sendo as suas atividades condicionadas ao bem comum dosindivíduos que compõem a sociedade política.

O que distingue esta, ou melhor, o Estado das outras coletividades, é ser um podersupremo, isto é, possuir como qualidade essencial a soberania. Diz-se que um poder ésupremo quando tem não só a capacidade de autodeterminação como, também, a dedemarcar, ele próprio, o seu campo de ação, respeitando, entretanto, os princípios daciência jurídica. Convém não se confundir soberania com onipotência; daí a razão destaressalva. Além da restrição necessária, ora mencionada, pode sofrer as restriçõesvoluntárias que impuser a si mesmo.

Constituindo-se corporações políticas soberanas, são os Estados, em princípio, iguais e,por isso, considerados, uns em relação aos outros, comunidades independentes.

Num certo território e sobre o seu povo, em regra, portanto, só pode haver poderpúblico titular da soberania, quer dizer, competente para a totalidade dos assuntostemporais de ordem política.

E, embora, muitas vezes, o exercício deles se distribua entre outras entidades,unicamente o Estado fica com a capacidade de decisão em última instância, pois, asoberania é, por natureza, indivisível.

Entidade abstrata, ele se traduz por fatos materiais tangíveis ou intelectualmenteperceptíveis, constituindo uma unidade no espaço e no tempo, pois, é uma organizaçãocomposta de indivíduos, mas possui caráter mais duradouro, e independente deles,considerados “ut singuli”, e que visa a realizar o bem comum da coletividade.

Assim, embora dependa dos elementos humanos que o compõem, para existir em dadoterritório, forma um todo distinto deles e com escopo definido, especial e exclusivo. É onúcleo de convergência e o ponto de partida das atividades levadas a efeito em atençãoao bem comum dos componentes da comunidade e participantes do caráter deidentidade e permanência. Essa qualidade, de ser centro de atribuições e operações naordem moral e ser capaz de direitos e obrigações na ordem jurídica, o caracteriza comopessoa moral e jurídica, ou, melhor, como pessoa coletiva.

Como pessoa coletiva, o Estado distingue-se da pessoa física pois, ao contrário desta, édesprovido dos atributos próprios de inteligência e vontade, que lhe são peculiares. Ele,realmente, não é um ser consciente e livre, mas unidade composta de serem conscientese livres, isto é, união formada de seres com os atributos de inteligência e vontade sobum poder unificador, em dado território, ligados através de relações de interdependênciae solidariedade, visando ao mesmo fim. Em resumo, é um ser acidental constituído de

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relações entre seres substanciais para alcançar o seu bem comum.

4. Examinando-se a natureza das coisas, cumpre dar a cada um o que é seu: a César oque é de César e a Deus o que é de Deus – e daí termos a justiça nos seus múltiplosmatizes: quer nas relações comutativas igualitárias, quer nas relações institucionais,distributivas. E a justiça nada mais é que a expressão do Direito, o qual rege as relaçõeshumanas na sociedade, fixando as condições da conduta dos seres que a integram.

Mas, esse Direito não é o imposto pela vontade da maioria, em que o bem comum setransforma na soma das vontades particulares, nem é o imposto pela vontade de um só,em que o bem comum se transforma em entidade mitológica superior aos homens. ODireito, de que se fala, é o obtido pelo exame da natureza humana e pelo estudo dascondições necessárias para o homem atingir o seu fim. Destarte, as condições de vidasocial próspera são fornecidas pela própria natureza humana, considerando-se não oindivíduo, isto é, o ser animal, mas a pessoa, isto é, o ser racional. Não se sufoca ohomem pelo socialismo nem se anarquiza a sociedade pelo individualismo. Não hásequer a egolatria do anonimato, expresso no domínio democrático da maioria, ou doditador, manifestado na opressão da autocracia.

Excluindo-se o prestígio da autonomia da vontade, procura-se a solução no império danatureza das coisas e, por esse modo, se harmonizam os extremos, substituindo-se oegoísmo, de um ou de muitos, pelo solidarismo. Para tal, estabelece-se a seguinteproporção: o indivíduo está para a sociedade assim como a sociedade está para a pessoahumana. E, isso, porque a eclosão da sociedade se deu como razão de ser para ohomem, como ente racional, atingir o seu fim, pelo desenvolvimento da inteligência dapessoa humana e domínio dos sentidos do indivíduo.

A noção do bem comum – não é quantitativa, porém qualitativa – não se superpõe, masse subordina à natureza humana. Na verdade, a sociedade tem por objetivo facilitar aexpansão de todos os predicados humanos, e a coordenação do bem comum é feita como intuito único de servir à coletividade, ou seja, aos seres humanos que a constituem,enquanto tais.

O Direito, que se apregoa, enfim, é o direito natural, cujas raízes estão na própria moral,ou, melhor, é a própria moral social – o qual substitui o acaso arbitrário ou odeterminismo necessário, por uma ordem social natural, decorrente da finalidadeintrínseca dos seres que compõem a sociedade.

A concretização dos princípios abstratos da ciência jurídica exige esforço paciente,observação atenta e prolongada dos caracteres humanos, dos costumes da sociedade,do jogo das leis e do mecanismo das instituições.

Assim se concilia a imutabilidade dos princípios científicos fundamentais com a variaçãodos seus desenvolvimentos na aplicação através do tempo e do espaço. É o direitonatural, estável, presidindo, segundo as circunstâncias, a oscilação do conteúdo dospreceitos que lhe são complementares, e encerram o direito positivo, em constanteadaptação, atendendo a razões históricas e geográficas e à pressão do homem e domeio em cada época.

5. No Estado de Direito há a distribuição de atribuições específicas que competem aoPoder Público, uno, entre os vários órgãos pelos quais se atua. Daí a criação da chamadateoria da separação dos poderes, até há bem pouco tempo clássica no direitoconstitucional. Hoje em dia, entretanto, ela vem sendo objeto de justas críticas, pois, naverdade, o Poder Público é uno, sendo diversas apenas as suas manifestações,caracterizadas por funções fundamentais.

Assim, não se pode dizer que os três Poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário – sãoórgãos do Estado, mas, que o Poder Público soberano, com funções fundamentais, seespraia através de vários órgãos, as quais devem estar coordenadas por um órgão

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superior, a que compete unificá-las, firmando as diretrizes do conjunto.

Competências distintas não se misturam. Por isso, atribuições de natureza diversacabem a órgãos coordenadores independentes. E estes se integram no órgão supremoconstituinte, de onde dimanam todos os poderes que lhes são atribuídos. Entendem osautores, em divergência, que essas funções fundamentais ora compreendem a atividadelegislativa, coordenada pelo Parlamento, a atividade executiva, ou melhor,administrativa, coordenada pelo chefe do governo e a atividade judicial, coordenada pelomais alto tribunal do país; ora desdobram a atividade executiva em atividadegovernamental e administrativa, cabendo àquela os atos de direção e a esta os atos deexecução, ambas, entretanto, coordenadas afinal no mesmo órgão; ora consideram aatividade judicial e executiva como partes da mesma atividade administrativa e, daí, sóadmitirem duas competências fundamentais: a administrativa e a legislativa,respectivamente coordenadas pelo chefe da nação e parlamento.

Nenhuma dessas correntes dominantes no pensamento jurídico moderno está com arazão, ao classificar as funções fundamentais do Estado, pois, na verdade, elas sereduzem às seguintes: administrativa e judicial.

Pela atividade administrativa, o Estado integra os princípios necessários à consecução deseu fim, de realização do bem comum de seus membros, de modo direto.

Compreende o estabelecimento de normas de caráter geral e sua aplicação por todosque a concretizam em face das situações particulares, devidamente fiscalizados einformados, sempre tendo em vista a integração dos princípios julgados necessários àrealização do bem comum dos membros da comunidade política.

Pela atividade judicial o Estado reintegra os princípios considerados necessários àrealização do bem comum dos seus membros, resolvendo situação contenciosa,provocada no processo de exteriorização do direito, pelo estabelecimento, medianteinterpretação ou construção, do direito controvertido.

6. Em virtude de o Estado ser desprovido de atributos de inteligência e vontade, arealização das atividades necessárias à consecução de seu fim é confiada a indivíduos,considerados seus agentes, mas a ele imputadas, pois são praticadas em seu nome einteresse, isto é, no interesse coletivo, seu escopo especial e exclusivo.

Atinge pois, o Estado, em regra, o seu fim diretamente por agentes públicos, nocumprimento das respectivas atribuições. Os serviços levados a efeito de tal modo sãoexecutados em nome do Poder Público, e no seu interesse, e considerados, porconsequência, próprios da pessoa coletiva, política, a que são imputados.

Entretanto, há serviços que o Estado, muitas vezes, prefere não compreenderdiretamente, e então delega o seu cumprimento aos particulares, que os executam emnome deles (particulares) e no seu interesse, devendo-lhes, portanto, ser atribuídoscomo próprios. Porém, como tais serviços são de caráter público e os particularesapenas os exercem em virtude de delegação da Administração, cabe ao Estado velarpelo modo do seu exercício, salvaguardando o interesse da coletividade. Essesparticulares são considerados órgãos indiretos da atividade do Estado.

7. O serviço público compreende a prestação de atos de utilidade jurídica, pelosindivíduos para tal encarregados, o que corresponde ao exercício de ofício público; ou àprestação de verdadeira comodidade pela feitura de obra ou disposição de coisa, porrepartição para isso organizada, o que corresponde ao exercício de empresa pública.

O serviço público pode consistir em atividades que satisfaçam as pessoas componentesda comunidade, isoladamente consideradas, ou a comunidade em si, isto é,“pró-cidadão” e “pró-comunidade”. Em uma das hipóteses, o serviço é instituído ematenção a quem recebe as vantagens, enquanto na outra é criado tendo em vista,apenas, o bem comum, isto é, serviços para o cidadão e serviços para a comunidade.

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Os primeiros são, de qualquer forma, oferecidos ao público, e os segundos lhe são, decerto modo, impostos; aqueles são colocados à sua disposição, para que se utilize ounão deles, conforme lhe aprouver, ao passo que estes ele é obrigado a suportar, mesmocontra a sua vontade, mediante coação. Uns são condição de vida da sociedade política,enquanto outros são condição de aperfeiçoamento e de melhoria, apenas dela.

O serviço público pró-comunidade atende ao bem comum, ou seja, ao interesse coletivoda comunidade, sem dar relevância ao interesse individual. Isso porque não pode serindividualizado, como a defesa nacional, cujo interesse da coletividade se integra atécom o interesse do próprio Estado em si, embora este seja meio para realizar aquelefim; ou então porque não tem objetivos de satisfazer aos interesses individuais, mas,entretanto, reflexamente se satisfazem, por lhes convir, apesar de levados a efeito,apenas, tendo em vista a imediata conveniência da coletividade; “verbi gratia”, certasmedidas de polícia, de segurança pública ou de bem-estar geral. Os serviços públicospró-cidadão são aqueles que, atendendo ao bem comum, ou melhor, ao interessecoletivo da comunidade, visam a satisfazer o interesse individual dos cidadãos quecompõem essa comunidade, isoladamente considerados, seja porque esse é o seuescopo primário, como o caso do transporte; seja porque a satisfação de ambos osinteresses – individual e coletivo – se confundem, “verbi gratia”, as vias de comunicação.

8. No exercício de suas atividades para realização dos serviços públicos, o Estado seutiliza, quando necessário, do poder de império sobre as pessoas e do domínio eminentesobre as coisas, em regime jurídico especial de prerrogativas incontrastáveis de mando,resguardados, é certo, os direitos dos particulares, segundo a orientação jurídicadominante. Esses processos são de aplicação direta e imediata com referência aosserviços públicos pró-comunidade, uma vez que são impostos ao público, e de aplicaçãosimplesmente indireta e mediata nos serviços pró-cidadão, visto que são oferecidos aopúblico, concorrendo em tal hipótese para facilitar a execução do serviço, propriamentedito, ou para assegurar a sua boa gestão.

Além de atividades para cumprimento mediato ou imediato dos serviços públicos, realizao Estado outros, que devem ser havidos como de caráter particular, constituindo, naverdade, meios indiretos para atingir aqueles. Na realização de tais atividades o Estadose equipara aos súditos nas suas relações recíprocas.

Para consecução do seu fim, portanto, o Estado se utiliza de meios e modos adequadospara isso, sendo que esses meios e modos necessários e próprios para execução deserviços públicos são havidos como públicos, ao passo que são considerados comoprivados aqueles que servem para realização de sua atividade privada.

Ao Poder Público, no exercício das prerrogativas que lhe são próprias, como entesoberano, na consecução do bem comum, cumpre, sempre, alterar a organização e ofuncionamento dos serviços públicos e modificar o modo de desempenho dos atospúblicos. Trata-se de atribuição personalíssima e decorrente de sua própria razão deexistir, que jamais pode ser alienada, sob pena de considerar-se tal procedimentopolítica e juridicamente sem valor. Com referência à sua atividade privada, sujeita-se aodireito comum.

Os serviços públicos destinados a satisfazer imediata necessidade coletiva devem serorganizados tendo em vista especialmente a realização desinteressada de tal objetivo,sem o intuito de auferir rendas, pois, em princípio, não têm finalidade lucrativa. Nadaimpede, entretanto, que as despesas da prestação dos serviços públicos sejam cobertas,com margem, por seus beneficiários, havendo assim, a título de incentivo, uma parcelade proveito. Só a natureza do serviço é que permite seja ele explorado com lucro, pelocusto ou mesmo com prejuízo, o que é apreciado pelo governo, atendendo aconveniências político-administrativas.

Ao contrário, as atividades privadas do Estado podem ter objetivos comerciais, emboraseja desaconselhável exerça eles essas empresas, pois as atividades privadas do Estado

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só devem existir como elemento para consecução de suas atividades públicas.

9. Os meios de gestão são os procedimentos utilizados pela Administração Pública, paraconseguir os elementos julgados necessários para o serviço atingir o seu escopo, asaber: homens, materiais e dinheiro.

Os processos de gestão são os métodos utilizados pela Administração Pública narealização do próprio serviço, estabelecendo para tanto as condições havidas como maisconvenientes, a saber: “regie” e concessão.

10. Na realização de seu fim, o Estado exerce dupla ação: jurídica e social. A açãojurídica visa à consecução das atividades de defesa externa e manutenção da ordeminterna, para efetivação da paz na sociedade política, pela tutela do direito. A ação socialvisa à consecução das atividades tendentes a desenvolver as condições de bem-estar eaproveitamento coletivos, pela satisfação das necessidades físicas, econômicas eespirituais dos cidadãos.

A ação jurídica compreende atribuições privativas do Poder Público. A outorga da tutelado direito aos particulares acarretaria a sua falência virtual, em virtude de privá-lo dasua função precípua. A ação social é levada a efeito pelo Poder Público concorrentementecom os particulares, sendo que o primeiro age, somente, em caráter supletivo ecomplementar, isto é, com o objetivo de suprir a falta ou deficiência dos serviços afetosao último, salvo, é claro, os casos em que a natureza peculiar dos serviços ou razões deconveniência administrativa, tendo em vista interesse público, por motivoscompreensíveis, aconselhem a retirada de certos serviços, em princípio, da alçada livredos particulares, para serem avocados pelo Estado.

Assim, a ação social compreende duas ordens de atribuições distintas; as em que osparticulares concorrem com a Administração Pública, e as que devem ser avocadas poresta última. Com referência às primeiras, incumbe ao Poder Público, em regra, apenaszelar por sua execução, fomentando a atividade dos particulares, ao passo que, comreferências às últimas, como norma, há a substituição da atividade livre dos particularespelo Poder Público. São, respectivamente, serviços impróprios e próprios do Estado ou,melhor, serviços de utilidade pública e serviços públicos. Estes só podem ser exercidospelo Estado ou seus delegados e destinam-se ao público, mediata ou imediatamente;aqueles devem ser exercidos pelo Estado somente na falta ou deficiência deles porparticulares, incumbindo-lhe, em regra, apenas animá-los, incrementando eincentivando, senão mesmo exigindo, quanto possível, o seu exercício por terceiros.

Os chamados “serviços impróprios do Estado”, isto é, de utilidade pública, são serviçoscorrespondentes a prestações privadas, mas, dado o fim a que são dirigidos, e o númeroelevado de pessoas que neles são interessadas, pertencentes à coletividade, sãosubmetidos a disciplina jurídica especial, mesmo porque, na falta dos particularespoderem exercer tais serviços, deve o Poder Público provê-los. Tais serviços, por isso,são exercidos até mediante certa regulamentação do Estado. Constituem atividadesprivadas, sujeitas à sua ingerência.

A simples regulamentação, portanto, da prestação de determinada atividade, em algunsde seus aspectos, não significa em considerá-la pública, mas, apenas, de utilidadepública. A regulamentação, que implica em considerar o serviço como público, é a suaretirada do comércio comum, com o estabelecimento de sua exploração pelo Estado ouseus delegados. Enfim, é preciso que se enquadre nos processos de execução de direitopúblico.

Os casos cuja natureza peculiar indica que devem ser avocados pelo Estado são fáceis deserem discriminados. Enfeixam os serviços que, para seu cumprimento, exigem, aomenos mediatamente, o exercício do poder de império, próprio dos seres soberanos edos entes que constituem seus desdobramentos, ou o uso de bens do domínio dasentidades políticas.

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Os casos em que a conveniência administrativa, tendo em vista especial interessecoletivo, aconselha sejam alguns serviços avocados pelo Estado, são de difícilclassificação, pois só o exame das circunstâncias objetivas é que convence, ou não, danecessidade de retirá-los da ação livre dos particulares e sujeitá-los a regime decontrole. Considerar, por conveniência administrativa, certo serviço como público éatribuição discricionária do Estado.

As atividades dos particulares que devem ser, por conveniência administrativa,consideradas como serviços públicos, são as que afetam, de certa maneira, a defesanacional ou a ordem pública, exemplificativamente, pela sua posição estratégica oufacilidade de divulgação no estrangeiro, os serviços de telégrafo, rádio, etc.; ou, então,as que refletem diretamente no interesse da coletividade, nas suas condições debem-estar, pela circunstância de desfrutarem, de algum modo, de monopólio de fato, asaber: a) pela limitação de suas fontes de suprimentos; b) pela falta de concorrentes,em virtude do caráter do serviço, que exige grandes capitais e tem campo de açãorelativamente restrito; c) pela dificuldade de encontrar locais de depósito, estações, etc.,vantajosos para a instalação do serviço e para o público; d) pelas condições em que oproduto ou o serviço é usufruído ou prestado; e) pela inconveniência da concorrência; f)pela segurança coletiva; g) pelo abuso dos negociantes que, sem a evocação efiscalização na gestão pelo Estado, têm possibilidade de abusar e efetivamente o fazem.

11. As funções públicas da ação jurídica são, em princípio, indelegáveis, pois, pelaprópria essência, constituem atribuições exclusivas do Poder Público e, portanto, devemser executadas diretamente pelo Estado. As empresas públicas de ação social, emvirtude de serem as suas atividades exercidas pelo Estado em caráter supletivo ecomplementar ou em consequência de avocação, dada a natureza especial da forma deexercício de algumas delas ou motivos de conveniência administrativa, tendo em vistaespecial interesse público, podem ser conferidas pelo Estado a pessoas naturais oujurídicas de direito privado, quando não lhe parecer oportuno explorá-las diretamente.

Só se pode delegar a terceiros certos serviços da atividade social quando o particular, nasua exploração, possa auferir proventos, portanto, serviços industrializáveis e, demais,não sejam daqueles que são impostos aos indivíduos, mas simplesmente colocados à suadisposição, para que deles desfrutem, quando entenderem conveniente. Isso porque, noprimeiro caso, faltaria o fator fundamental para atrair a atenção de terceiro e harmonizaro seu interesse com o do Estado, de conseguir adequada organização e funcionamentotão perfeito quanto possível do serviço delegado. E, no segundo caso, haveria oinconveniente, perturbador da própria ordem social, e, em especial, da segurançaindividual, de entregar-se a terceiro o exercício de atividade cujo desenvolvimento diretoexige a constante coação sobre o particular, no cumprimento de competência peculiar deuma autoridade. Não devem, ainda, ser concedidos os serviços que se relacionam com adefesa nacional e a ordem pública, a saber: as estradas de ferro estratégicas, o serviçode correio.

O desenvolvimento de uma cidade depende, em grande parte, do sistema dessesserviços públicos industriais, organizados e funcionando em forma contínua, regular,sem discriminação pessoal de usuários e em condições satisfatórias. São serviçosnecessários para se levar vida consentânea com a civilização atual e dificilmentedispensáveis um dia sequer, pelos prejuízos de ordem econômica e social queacarretariam ao público. Tanto industriais como comerciantes, operários manuais comotrabalhadores intelectuais, servem-se deles.

Tais serviços são de vida estável, mudam de gerações em gerações e não de estaçõesem estações do ano, sendo relativamente lentas as suas transformações, pois o seuprogresso decorre dos marcos profundos assinalados nos avanços das ciências. Eles nãose alteram segundo os gostos ou as imposições da moda. Constituem instituições e nãoformas comerciais. Têm fim altruísta e não egoísta.

Esses serviços de caráter industrial compreendem, principalmente, as comodidades

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seguintes: a) transportes terrestres, através das ferrovias, ônibus, metrôs, bondes;aquático, marítimo e fluvial, por meio de embarcações apropriadas; aéreo, pelos aviõese balões; e pelo subsolo, utilizando-se de canalizações, para condução de água, óleo,gás e outras necessidades e escoamento de detritos; b) comunicações feitas em formade correspondência postal, telegráfica, radiográfica, telefônica; c) fornecimento de água,calor, frio, luz e energia pelas comodidades da água, gás e eletricidade; d) satisfaçãoadequada das necessidades alimentares fundamentais, como usinas pasteurizadoras,matadouros etc.

Há várias classificações a respeito feitas pelos escritores. Nenhuma, todavia, éabsolutamente satisfatória e completa, sendo de caráter enunciativo e não taxativo.Desenvolvem-se, dia a dia, esses serviços em virtude do crescimento da população e,consequentemente, das cidades, originando maior densidade de habitantes nas zonasurbanas, impelindo à divisão intensa do trabalho, forçando alterações da técnica da vidae dos processos de sua satisfação, impondo ainda a colocação, em diferentes locais, deprodutos cujo consumo é necessário à coletividade e, assim, as comodidades sãoproduzidas em larga escala, oferecidas ao público por organizações especializadas, quetêm por objetivo a prestação de serviços havidos como públicos, dadas as necessidadessentidas em determinada época, segundo o estado de cultura da sociedade, aferido esseestado pelos imperativos ambientes do homem e do meio.

Não existem e não podem existir contornos precisos estabelecendo a esfera tanto dosserviços públicos, como dos de utilidade pública, como, ainda, dos privados. À medida doevolver das sociedades políticas, esses serviços saem de uma zona para seremencaixados na outra. Sem dúvida, constituem conceitos fixos, mas de conteúdo variável.Variável segundo o grau de civilização e progresso do Estado, as necessidades do povo eas condições peculiares de cada local. Há mesmo uma zona crepuscular entre muitosdeles, em cuja linha de circunferência as esferas se tangenciam interpenetrando-se. Edaí as dúvidas nas classificações doutrinárias e legais existentes.

12. Enquanto os serviços públicos da atividade jurídica são executados, em princípio,pelo Poder Público, os serviços públicos da atividade social, que competem ao Estado,podem ser geridos pela própria Administração Pública ou pelos particulares, por via dedelegação do Poder Público para o exercício dessa atribuição. Na primeira hipótese –exploração do serviço diretamente pelo Poder Público – temos a socialização; e, nasegunda hipótese – exploração do serviço por particulares em virtude de delegação doPoder Público – temos a concessão.

Após a Revolução Francesa, sob a influência dos preceitos individualistas que ainformaram, predominou, em as nações civilizadas, a concepção de que o Estado deviase abster de gerir, diretamente, os serviços da atividade social, devendo, nas duashipóteses em que se justificava fossem avocadas para si tais atribuições, delegar o seuexercício aos particulares, mediante concessão de serviços públicos. Era a época em queimperava o princípio do “laissez-faire, laissez-passer”. A grande guerra acarretouprofunda transformação no pensamento contemporâneo, que se viu, então, imbuído dasconcepções socializantes do Direito e, por conseguinte, dominado pelas doutrinasfavoráveis à intervenção direta do Estado na ordem social. É o predomínio da economiadirigida.

Contra a administração direta do Estado nos serviços públicos se podem levantar váriasobjeções. Assim, se alega, em primeiro lugar, a sua incapacidade para explorá-los, emconsequência de faltar-lhe as necessárias doses de iniciativa e adaptação àscircunstâncias, que vão surgindo por ocasião do desempenho do serviço, o que exigeação rápida ante as situações objetivas aparecidas. Em segundo lugar, se argumentahaver, nas suas empresas, deficiência de interesse pessoal, pois ele age por intermédiode representantes, os quais não têm, nos negócios, o mesmo interesse que osparticulares, imediatamente atingidos por eles. Além disso, estão sujeitas tais empresasa influências políticas, sendo difícil, também, sua rigorosa fiscalização, a fim de seimpedirem abusos de diversas naturezas. E esses inconvenientes são mais sensíveis

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segundo o grau de complexidade do serviço e, principalmente, quando há inversão degrandes capitais.

Entretanto, por outro Indo, força é reconhecer, o serviço exercido por concessão, emregra, tem o seu fim deturpado pelo concessionário, que procura satisfazer quase queexclusivamente as suas ambições gananciosas, em detrimento do bem-estar coletivo –razão de ser do serviço. Demais, a fiscalização do Poder Público, contra os abusos dosconcessionários, é muito difícil e dispendiosa, pois estes procuram estabelecer o máximode transtornos à ação do Poder Público, procurando, por todos os meios, fugir à suainterferência controladora. Há serviços que convém sejam socializados, ao passo queoutros são mais interessantes quando exercidos por concessão. Na verdade, a escolhados métodos, quanto à forma de cumprimento pelo Estado, de determinada atividadesocial, varia em atenção às circunstâncias objetivas e à natureza dos empreendimentos.

Caberá à regulamentação de serviços públicos acautelar as críticas acima apontadascontra ambos os sistemas. Prescreverá que a execução de tais serviços, quandoexercidos diretamente pelo Poder Público, seja feita sob regime especial de autarquia e,portanto, independente das influências burocráticas e políticas e debaixo de ação depessoa interessada no êxito da empresa. Estabelecerá que a prestação desses serviços,quando desempenhados por concessão, seja feita mediante completa fiscalização doPoder Público, pela repartição competente, e os seus dirigentes sujeitos a severasmedidas punitivas nos casos de excessos da orientação da empresa ou na defesa dosseus interesses. Além disso, poderá, em ambas as hipóteses, optar pela sociedade deeconomia mista, que consiste em participar o Poder Público como sócio de empresaparticular, concessionária de serviço público, tendo maior ou menor ingerência, conformeo capital nela investido, quando poderá ocorrer preponderância da riqueza pública ouprivada, segundo a orientação político-administrativa julgada mais aconselhável, emfunção do objetivo que sugeriu a exploração do serviço público por concessionárioconstituído em empresa de economia mista. Em linhas gerais, portanto, a orientação noassunto poderá ser fixada. Porém, a solução definitiva deverá competir à entidadepolítica que tiver a atribuição do serviço, pelo exame cuidadoso dos casos concretos.

Dada a intervenção muito intensa, nos países latinos, dos políticos na atuação doGoverno, prejudicando os interesses coletivos em proveito das conveniências partidárias,nos parece preferível o regime de concessão ao de exploração direta pelo Estado,mesmo sob forma autárquica, dos serviços públicos de sua atividade social, de caráterindustrial. Mais fácil será se encontrarem nesses povos "equipes" de funcionáriosdedicados e hábeis, que exercerão convenientemente a fiscalização dos serviçosconcedidos, do que conseguir-se organização satisfatória do Poder Público paradiretamente gerir tais atividades, de forma que essas repartições fiquem alheias aobafejo da politicagem ou do emperramento burocrático. A socialização deve ser usadaapenas como último recurso, quando a fiscalização dos serviços concedidos vier de todoa falhar. Na verdade, preferimos constitua antes uma ameaça contra possíveis abusosdos concessionários, do que um processo normal de execução do serviço. A sua previsãoé imprescindível justamente para tais circunstâncias. Por Isso, de regra, cumpre ser empotência para se atualizar em casos excepcionais, somente.

A sociedade de economia mista, se adotada, também melhor atenderá ao Interessepúblico, ao nosso ver, se nela prevalecer o capital particular, não constituindo, portanto,uma força disfarçada de socialização, mas, ao contrário, empresa realmente de naturezaprivada. Em casos esporádicos, em que urge maior domínio do Poder Público, eleabsorverá, então, a empresa, utilizando-se dos processos de direito público cabíveis.

Sempre, a socialização, absoluta ou relativa, do serviço da atividade social de caráterindustrial, deve constituir medida de exceção, usada em casos excepcionais. O instituto,nessa eventualidade, vale mais como arma possível de ser empregada, portanto, comoatuação preventiva de coerção psicológica sobre concessionários.

II.Da concessão de serviço público

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13. Concessão é o ato administrativo pelo qual o Poder Público incumbe a uma pessoa,natural ou jurídica, de exercer um serviço público. Embora continue a ter o caráter deserviço público é ele exercido em nome e por conta e risco do concessionário.

14. Coloca-se o concessionário no lugar do concedente, pois o serviço é próprio doEstado, exercendo-o por delegação. Atendendo a razões de oportunidade política, aoinvés de gerir diretamente o serviço, o Estado o faz por intermédio do concessionário,havido como capaz de desempenhá-lo satisfatoriamente, o qual, afiança, mediante ascautelas julgadas necessárias, assim proceder. Há, na concessão, a outorga ao particulardo exercício de serviço público de competência do Estado. Portanto, tal outorga é, e nãopode deixar de ser, condicional, temporal e pessoal. A concessão, na verdade, é umsimples processo técnico de execução de serviço público, de acordo com as exigênciasdeste. O serviço público delegado deve ter, como o serviço público levado a efeito peloEstado, o objetivo principal de atender ao interesse coletivo, pois não seria admissívelessa forma de exploração, se tal garantia não existisse.

15. Ao concessionário são atribuídas as prerrogativas de exercer poderes peculiares aosentes políticos, necessários ao desempenho do serviço, e de cobrar taxas, denominadastarifas, dos usuários, como contraprestação dos serviços a eles fornecidos, tudo naforma e condições em que foram outorgadas essas faculdades.

16. Pelo fato de incumbir o concedente ao concessionário a execução de um serviçopúblico e, mais, deste aceitar tal incumbência, nascem desse ato jurídico – concessão deserviço público – direitos e obrigações recíprocos. Assim, cabe ao concessionário odireito de executar o serviço público, assegurada a seu favor uma equação financeiraestabelecida por ocasião da outorga da concessão, e cabe ao concedente o direito deobrigar o concessionário a executar o serviço público, no interesse da coletividade,segundo organização e funcionamento mais convenientes para se atingir tal fim.

17. Mas, o fato de criar a concessão direitos e obrigações, para as partes vinculadasjuridicamente, não constitui característico suficiente para extremá-la de outros institutosjurídicos de cujos atos decorrem, também, direitos para as partes, e não só direitoscomo obrigações.

Por não atentarem nisso, há autores que sentem dificuldades em especificar aconcessão, distinguindo-a de outros institutos jurídicos, estabelecendo, nesse terreno,verdadeira balbúrdia, dando conceito genérico ao instituto da concessão, dentro do qualcabem vários atos jurídicos que não devem ser compreendidos.

Os autores franceses e alemães oferecem noção mais restrita da concessão, pois adistinguem, apenas, em concessão de uso, obras e serviços públicos, ao passo que ositalianos e alguns espanhóis nela incluem, entre outras, a concessão de prêmios, defunção pública e de "status" jurídico.

No presente estudo só nos interessa a concessão de serviços públicos e neste sentido talexpressão vem empregada.

III.Da natureza dos atos jurídicos

18. A elaboração de regras jurídicas, com a consequente criação de situações jurídicas,pressupõe a prática de atos pelas pessoas de direito e havidos, portanto, como atosjurídicos, os quais consistem em manifestação de vontade daquelas pessoas,acarretando modificações diretas ou simplesmente declarações no ordenamento jurídicoexistente, para satisfação de determinados interesses, pela formação de relaçõesjurídicas.

Logo, o ato jurídico é manifestação de vontade, que, solicitada pelos motivos, delibera,ante a concepção e execução de certo assunto, para satisfação de determinadointeresse. É formado tendo em vista as causas que influem na exteriorização de qualquerato das pessoas a saber: causa eficiente, que é o sujeito manifestante da vontade,

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obedecida dada formalidade, causa instrumental; causa final, que é a meta pela qual oato solicitado pelos motivos (causa ocasional) foi praticado; causa material que é o bem,coisa ou prestação, objeto do ato, e causa formal, que é o modo pelo qual o bem, coisaou prestação se constitui objeto do ato, isto é, se torna o conteúdo da regra jurídica. Ascausas formal e material são elementos intrínsecos do ato jurídico, enquanto que ascausas eficiente e final são elementos extrínsecos do ato jurídico.

Todo ato jurídico pressupõe sujeito capaz, objeto possível, conteúdo legítimo e fimadequado do agente e do próprio ato.

19. A classificação dos atos jurídicos pode ser feita tendo em vista a relação jurídica emsi ou tomando em consideração os efeitos dela decorrentes.

20. Os atos jurídicos em si se dividem em atenção aos elementos intrínsecos, causasmaterial e formal, ou melhor, ao objeto e ao conteúdo da relação jurídica; ou ematenção aos elementos extrínsecos, causas eficiente e final, ou melhor, à vontade daspessoas jurídicas, físicas ou coletivas, que integram a formação de relação jurídica, e ameta que visam a alcançar, em virtude do motivo que solicita a vontade na formação darelação jurídica.

21. As regras jurídicas, em relação às causas intrínsecas, compreendem o objeto e oconteúdo dos atos jurídicos, pelo qual produzem determinado efeito, ocasionandomodificações no ordenamento jurídico existente e a consequente produção dedeterminada situação jurídica.

Essas alterações podem dizer respeito a preceitos objetivos ou subjetivos, isto é, apreceitos de caráter geral e impessoal ou especial e pessoal, que como elementosconstituidores de dado ordenamento jurídico acarretam imediatamente a criação desituações jurídicas correspondentes a eles, ou, podem dizer respeito, simplesmente, àatribuição de preceitos objetivos, não aplicáveis de "motu proprio", a determinadaspessoas, criando a favor delas situações jurídicas também objetivas. Assim,considerando-se as regras jurídicas em relação às causas intrínsecas, os atos jurídicos sedividem em atos objetivos, atos subjetivos e atos-condição.

O ato objetivo é o que formula regras de direito geral e impessoal e permite oestabelecimento, em consequência, de situações jurídicas gerais e impessoais, ambas decaráter abstrato. O ato subjetivo é o que formula regras de direito especial e pessoal eestabelece, consequentemente, situações especiais e pessoais, ambas de caráterconcreto. O ato-condição é o que atribui às regras objetivas, não executáveis de plenodireito, situações objetivas, tornando, assim, aplicáveis as regras objetivas, peloinvestimento de determinadas pessoas em situações objetivas decorrentes daquelas.Portanto, mediante ato de extensão especial e pessoal se estabelece aplicação de regrasgerais e impessoais e a consequente criação de situações jurídicas correspondentes paradeterminados sujeitos de direito, pela particularização de tais regras abstratas comrelação a eles.

O exemplo clássico de ato objetivo é a lei. Mas há outros atos objetivos, tais como osestatutos das sociedades privadas, que estão, com referência aos seus associados, naposição da lei, propriamente dita, com referência aos súditos de dada entidade política.

Característico de ato subjetivo é o contrato, cuja aplicação muito grande no direito civil ecomercial fez com que se pensasse constituir instituto alheio ao direito administrativo.Porém, há contratos de direito internacional e administrativo lavrados entre as entidadespolíticas entre si ou firmados entre entidades políticas e particulares. Como à lei dodireito civil e comercial se chamou de convenção e estatuto, ao contrato de direitointernacional e administrativo se denominou tratado e acordo.

A natureza das coisas, entretanto, se não altera pela mudança de nome.

O tipo de figura jurídica que explica o ato-condição é o casamento. Mediante acordo de

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ambas as partes, se institui a família nos termos da legislação em vigor, isto é, nosmoldes traçados pelo ato objetivo que regula a matéria, cuja aplicação aos cônjuges sedá pelo ato-condição do casamento. Outro exemplo é a nomeação dos funcionários, quepelo acordo de ambas as partes, governantes e particular, determinada pessoa seinveste em cargo público, para agir em nome e por conta do Estado, na participação daatividade dele de realizar o bem comum da sua população, tudo conforme os textoslegais imperantes, isto é, nos moldes traçados pelo ato objetivo que regula a matéria,cuja aplicação a certo particular se dá pelo ato-condição da nomeação.

22. As regras jurídicas, em atenção às causas extrínsecas, compreendem o agentemanifestante da vontade e a meta que se procura alcançar e, por isso, dá aso àquelamanifestação. A manifestação da vontade do agente, tendo em vista determinado fim,pode ser unilateral ou convencional.

A manifestação unilateral é singular, quando formada pela vontade de uma só pessoa, eplural quando formada pela vontade de várias pessoas. Em ambos os atos unilaterais,singular e plural, a vontade, como é óbvio, deve deliberar, solicitada pela causaocasional ou motivo para alcançar a causa final. Na hipótese do ato unilateral singular, ointeresse é uno, e na de ato unilateral plural deve ser idêntico, isto é, cumpre haverconjugação de interesses, e, por conseguinte, as causas material e formal, também, nãopodem ser diversas.

A manifestação convencional é aquela formada pela vontade de dois agentes, ou grupodeles, que concorrem para integração do ato, pelo acordo entre eles estabelecido parasatisfação de interesses opostos. A oposição pode existir apenas quanto ao fim do ato,sendo idênticas as causas intrínsecas dela, mas pode existir, ainda, não só quanto aofim, como, também, quanto às causas intrínsecas. A primeira hipótese configura ochamado ato-união, ato recíproco ou ato-acordo e, a segunda, contrato.

Como exemplo de manifestação unilateral singular, está o testamento e, como exemplode manifestação unilateral plural, está a lei nos regimes democráticos, elaborada pelasCâmaras e Ministérios e promulgada pelo Chefe da Nação. A figura típica de ato-união éo casamento, cujo objeto e conteúdo, isto é, causas material e formal, são idênticos paraambos, a saber: constituição de certa a família, embora possa ter sido levado a efeitopor interesses diversos, ou seja, por fins diferentes "verbi gratia": a mulher para obteramparo moral e o homem para consolidar situação financeira. Como tipo de contrato,salientamos a compra e venda, cujo objeto e conteúdo, isto é, causa material e formal,são distintos, diferentes para cada parte, pelo qual o comprador quer o objeto compradonos termos do conteúdo estabelecido na relação jurídica, e o vendedor quer o preço doobjeto vendido nos termos, também, do conteúdo estabelecido na relação jurídica, equerem esses bens destinados para a satisfação de interesses díspares, como sejam,para utilizar-se do objeto comprado em deleite pessoal e para empregar o preço doobjeto na ampliação da sua indústria.

Embora aparentemente possa parecer inexistir interesse na indagação da causa final dasrelações jurídicas, estudando-se mais a fundo o problema se verifica o interesse geralem se descobrir a causa final da vontade de cada um dos sujeitos da relação jurídica,bem como do próprio instituto jurídico. Pois, só pela sua apuração se pode verificar sehouve, ou não, abuso no exercício do direito por uma das partes integrantes da relaçãojurídica, discutindo-se, segundo concepção subjetiva, a ocorrência da má-fé no seudesempenho, com intuito de prejudicar a outrem, ou, segundo concepção objetiva, aocorrência de desvio do seu fim e dos motivos determinantes do ato pelo seu empregoirregular e anormal, mesmo quando inexistente a má-fé, desde que prejudicou a terceirosem apreciável proveito para o sujeito ativo.

O ato objetivo é de natureza simples e se apresenta na produção do direito a que sepropõe de forma pura. Já o ato-condição pressupõe ato-objetivo que ele particulariza. Eno ato-subjetivo a complexidade é maior, pois que, além das regras pessoais e especiaisque o caracterizam, ele traz, sempre, em seu bojo, como complemento, certas regras

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impessoais e gerais, particularizadas por ato-condição. Assim, além da situação jurídicaespecial e pessoal, ele envolve situação jurídica geral e impessoal, isto é, além depoderes e deveres de ordem concreta, há os de caráter abstrato.

As regras objetivas permitem o estabelecimento de regras subjetivas dentro de certamedida apenas, pois, há princípios por ela considerados como de ordem pública e bonscostumes que devem ser respeitados nos atos subjetivos, nos termos fixados pelos atosobjetivos; ademais existem outras regras objetivas que têm aplicação na falta de regrassubjetivas, como disposições supletivas. Por conseguinte, o campo de ação dos atossubjetivos se encontra limitado imperativamente por certas regras objetivasdenominadas cogentes e completado, subsidiariamente, por outras regras objetivasdenominadas dispositivas.

Qualquer contrato, além das regras subjetivas que criam tal relação jurídica,compreende as regras objetivas imperativas, regendo obrigatoriamente toda relaçãocontratual nos termos da legislação vigente, disciplinadora da matéria, e se completa porregras objetivas suplementares dispondo subsidiariamente, na falta de preceitocontratual, sobre certos aspectos da aplicação de tal relação jurídica.

23. Qualquer das modalidades das regras jurídicas, consideradas em si com referênciaao seu objeto e conteúdo, isto é, os atos objetivos, subjetivos e condição, pode serexpressa por atos unilaterais, singular ou plural, pois, estes têm aplicação genérica. Jácom os atos convencionais não se dá a mesma coisa, visto que eles têm aplicaçãoespecífica, assim, o ato-união só se manifesta como ato-condição, enquanto que ocontrato só se exterioriza como ato subjetivo.

24. Há atos unilaterais cuja manifestação da vontade fica subordinada à manifestação deoutras vontades unilaterais, que constituem pressuposto ou condição suspensiva ouresolutiva daquela. Como, porém, essas vontades não se integram, constituem atosjurídicos independentes, e de forma alguma se confundem com ato unilateral singular ouplural, ou com os atos convencionais: união e contrato. Nesta categoria podem sermencionadas a admissão e autorização, em que ao ato da Administração pressupõe atodo administrado requerendo a efetivação deles. Aquela consiste em ato administrativovinculado, pelo qual, reconhecidos no particular qualidades e requisitos prefixados, selhe outorga fruição de serviço público, e esta em ato administrativo discricionário, peloqual se permite ao particular exercer atividade que a lei declara proibida, salvoassentimento em contrário da Administração.

25. Os atos jurídicos inferiores constituem, na verdade, execução de regras jurídicassuperiores.

Essa execução se verifica pelo exame das escalas em que se encontram agrupadas asregras jurídicas. Os atos executivos são execuções de atos legislativos, como estes o sãode atos constitucionais. A execução material, entretanto, é o termo final da execuçãodas regras jurídicas e o estágio último da sua concretização, pois, que as manifestaçõesda vontade pressupõem, para sua efetivação, a prática de atos materiais que assegurama realização do direito.

Essa execução, entretanto, pode ser levada a efeito não só para exteriorização última deatos regras pessoais e especiais de caráter concreto, como também de atos regrasimpessoais e gerais de caráter abstrato e sem passar por aquela situação, quer dizer,diretamente do máximo de abstração ao máximo de concretização.

A atividade material, quando elemento para a execução dos atos jurídicos, éconsiderada, como este, atividade de realização do direito, entrosando-se, como parteessencial das regras jurídicas, isto é, como fator indispensável para sua completaexteriorização. Eles são o cumprimento de poderes e deveres contidos nas situaçõesjurídicas representantes das regras jurídicas. Assim, a realização do direito que se iniciacom o fenômeno psicológico interno da sua concepção, termina com o fato físico externo

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da sua realização material.

26. Os efeitos decorrentes dos atos jurídicos podem beneficiar, de forma direta, apenasa determinadas pessoas, particularmente por eles visadas, ou estender as suasvantagens, indeterminadamente, às pessoas que compõem certa coletividade. Assim,envolvem atos de caráter particular, cujo objetivo é satisfazer imediatamente osinteresses das pessoas em jogo, ou atos de caráter coletivo, cuja preocupação imediataé a de defender os interesses dos integrantes da comunidade social. Aqueles sãopróprios dos indivíduos e estes são peculiares dos entes políticos.

Em consideração, portanto, às partes beneficiadas nela relação jurídica, referente estaparticularmente ao sujeito ativo e passivo ou à coletividade, independente das pessoasque integram o ato jurídico, as regras jurídicas se dividem em públicas e privadas.Públicas são as relações jurídicas das entidades políticas entre si ou delas com osparticulares, tendo em vista imediatamente o bem comum da população emediatamente, apenas, o bem individual das partes relacionadas, relações cujo fim é arealização da justiça geral, mediante o emprego, se preciso, de método deconstrangimento, ou melhor, de processo de autoridade, que constitui, afinal, oelemento próprio do Estado para consecução da sua razão de ser. Privadas são asrelações jurídicas de particulares entre si ou deles com as entidades políticas, tendo emvista imediatamente o bem individual das partes relacionadas e mediatamente, apenas,o bem comum da população, relações cujo fim é a realização da justiça comutativa e,por conseguinte, mediante o exercício de poderes iguais ou equivalentes em processosde economia própria, para satisfação dos seus interesses peculiares.

De um direito público podem irradiar-se faculdades de direito público e de direitoprivado, segundo os interesses que são protegidos pela ordem jurídica.

A organização e funcionamento de um serviço público, exercido por terceiro, sãocondicionados ao interesse público, pois, o concessionário é um simples delegado doconcedente. Destarte, no concessionário se faculta o exercício de poderes peculiares dosentes públicos, para efeito de atingir a realização do serviço concedido, na suaorganização e funcionamento.

Por outro lado, pelo ato público da concessão se assegura ao concessionário, muita vez,a prerrogativa de exercer atividade comercial relacionada ao objeto da concessão, talseja a de venda de fogões por concessionário de serviço de fornecimento de gás. Ora, asrelações entre ele e terceiros, no desempenho de tais atividades comerciais, se regempelos princípios do direito privado.

IV.Da natureza do ato jurídico – Concessão de serviço público

§ 1°.Considerações preliminares

27. A natureza jurídica da concessão de serviço público tem sido objeto das mais vivaspolêmicas, e, até hoje, os autores discutem o assunto sem haverem conseguidoharmonizar as opiniões divergentes. A dissídia é de tal monta que o debate começaquando se procura catalogar as correntes doutrinárias dominantes, atendendo-se àsafinidades essenciais das opiniões emitidas na matéria.

A classificação dessas doutrinas se pode fazer tendo em vista o critério histórico do seuaparecimento ou tendo em atenção classificação sistemática dos seus elementosfundamentais. A classificação sistemática satisfaz melhor a exposição científica damatéria, porquanto considera no agrupamento das doutrinas básicas para a suaenunciação razões lógicas. Entretanto, nada impede, e, de certo modo, até éaconselhável, que, após a separação das correntes mestras, se faça, dentro de cadagrupo, a exposição das teorias, cogitando-se da ordem cronológica do seu surgimento nocenário jurídico.

28. Considerando que a concessão é ato jurídico, cuja manifestação é ato de vontade,

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considerando, ainda, que os atos jurídicos, sendo manifestação da vontade têmdeterminado conteúdo, e, considerando, finalmente, que pelo conteúdo os atos jurídicosse dividem em unilaterais e convencionais, podendo-se, pela combinação de ambos,formarem-se, ainda, os atos de caráter complexo, separamos as correntes sobre anatureza jurídica da concessão de serviço público em três categorias fundamentais: 1)doutrinas unilaterais; 2) doutrinas contratuais; 3) doutrinas complexas.

29. Os autores das teorias catalogadas na primeira corrente doutrinária dão maiorimportância à autoridade do Estado, ao passo que os autores das teorias catalogadas nasegunda corrente doutrinária conferem maior deferência à liberdade do particularenquanto que os adeptos das teorias da última corrente doutrinária procuram conciliar asoberania do Estado com a autonomia do particular. Assim, as propostas para solução daquestão se prendem, no fundo, a posições autoritárias ou libertárias ou estão emtentativa de possível harmonia entre elas.

Na primeira categoria doutrinária, há quatro teorias a se considerarem: a) do atounilateral imposto pelo Poder Público; b) a do ato unilateral do concedente admitido peloconcessionário, a princípio como condição resolutiva e depois suspensiva; c) a dos doisatos unilaterais: do concedente e do concessionário; d) a do ato unilateral pluralperfeito, pela simples manifestação conjunta da vontade do concedente econcessionário.

Na segunda categoria doutrinária, também, existem quatro teorias a serem examinadas:a) a do contrato de direito privado, entre concedente e concessionário; b) a do atoadministrativo do concedente e consequente contrato de direito privado entre ele e oconcessionário; c) a do contrato de direito misto: público e privado, acordado entreconcedente e concessionário; d) a do contrato de direito público, entabolado entreconcedente e concessionário.

Na terceira categoria doutrinária, finalmente, se encontram três teorias fundamentais: a)a do ato unilateral do concedente com contrato complementar anexo entre este e oconcessionário, regendo o aspecto patrimonial do negócio; b) a do contrato entreconcedente e concessionário, com ato unilateral daquele, dispondo sobre a organização efuncionamento do serviço; c) a do ato-união, entre concedente e concessionário,estabelecendo a concessão, completado pelo ato unilateral do concedente, regendo aorganização, funcionamento do serviço e contrato, entre ele e o concessionário,dispondo sobre o aspecto patrimonial do negócio.

§ 2°.As teorias unilaterais

30. Os prosélitos das teorias unilaterais entendem que a concessão se institui por ato doPoder Público, isto é, por simples manifestação de vontade do concedente. A vontade doconcessionário pode ser admitida, apenas, como ato complementar da concessão, sendopreponderante a vontade emanada do ato da Administração. Este outorga o serviçopúblico dentro de determinada forma e para ser exercido nos moldes e condições por elefixados, aquele, quando muito, aquiesce sobre o exercício do serviço, tendo em vistavantagens econômicas que pode obter da sua exploração.

31. A princípio, sustentou-se que ela decorria de simples ato de império e, dada aposição preponderante do ato de autoridade, fica o concessionário a ele vinculado,independentemente de qualquer manifestação de vontade, pró ou contra, em assumir asresponsabilidades do serviço, impostas pelo concedente. Em consequência, o ato daconcessão gerava, apenas, obrigações do concessionário para com o concedente, semlhe conferir qualquer direito. Trata-se de teoria baseada em concepção autoritária doEstado e, por isso, havida como teoria política. Afirmavam que cumpria a todos osparticulares prestar serviços ao Estado, no interesse da coletividade, quando nãoconviesse ao Poder Público prestá-lo diretamente.

Ao concessionário não seria, portanto, permitido reclamar cousa alguma, nem mesmo

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pedir qualquer indenização por alteração superveniente no regime da concessãodeterminada pelo concedente, porque o Poder Público, transformando, restringindo ourevogando a concessão, sempre age no exercício do direito de soberania que lhe deveser reconhecido, para, no seu alvedrio, dispor das concessões de serviço público. É e ateoria da coação legal.

32. Posteriormente, atendendo ao fato de que o Estado jamais impõe a quem quer queseja a concessão de serviço público, constituindo, portanto, a teoria política da coaçãolegal simples especulação no ar, sem base na realidade, facilmente conseguimos,independente de quaisquer requisições, atendendo ainda a que, nos Estados de Direito,não é lícito se exija somente de determinadas pessoas o exercício de certa atividade,prescrevendo normas restritivas a alguns particulares, sendo, apenas, admissível seeditem preceitos de polícia, de ordem geral, amoldando o exercício das liberdades, tantono interesse da coletividade como no do próprio Estado, conclui-se que, para que o atoadministrativo unilateral do concedente produza os seus efeitos, há necessidade deassentimento do concessionário, o que constitui condição de eficácia do ato.

A vontade do particular, pressuposto do ato unilateral, tem o alcance,consequentemente, de impedir que o ato de concessão produza os seus efeitos, isto é,tem função negativa. Ela consiste em mera condição resolutiva do negócio jurídico.Assim, não lhe dá vida; apenas se liga ou desliga pela aceitação tácita ou renúnciaexplícita.

Embora a vontade do concessionário não seja elemento constituidor do negócio jurídico,o qual é havido como criado pela manifestação unilateral do Poder Público, se reconheceser a aquiescência do concessionário elemento para que tal negócio produza seusefeitos, oferecendo por essa sujeição voluntária a condição conveniente a isso comoelemento formal para a eficiência do ato unilateral do Poder Público. Assim, salvodisposição expressa em contrário, a data da concessão é a do ato unilateral do PoderPúblico, outorgando a concessão. É a concepção da submissão voluntária, na teoria doato unilateral admitido.

33. Concordando em que na concessão o concedente não impõe obrigações aoconcessionário, no exercício de ato de império, pois, nessa relação jurídica este não seencontra em face daquele na posição de súdito e, sim, em estado de liberdade e, mais,que, para a eficácia do instituto jurídico, senão mesmo para a sua validade, éindispensável a manifestação autônoma da vontade do concessionário, entendem outrosque a fonte geradora da concessão decorre da manifestação de ambas as vontades: doconcedente e do concessionário.

A vontade do concessionário não deve ser havida, entretanto, como tendo simplesfunção negativa, consistente em submissão voluntária ao ato administrativo, porém,como elemento positivo e de interferência ativa na concessão. Assim, aparecem em talinstituto dois negócios jurídicos, com vida própria, se bem que não simultâneos: de umlado, manifestação da vontade do concedente, por ato administrativo; do outro,manifestação da vontade do concessionário, por ato privado ou público, segundo esteseja pessoa de direito privado ou público, isto é, particular ou autarquia, institucional outerritorial.

Os atos do concedente e concessionário se encontram, na frase dos adeptos dessateoria, ligados entre si, sendo que o ato do concedente constitui a causa da obrigação doconcessionário e o ato deste, condição de emanação do ato administrativo, quando lheprecede e condição da sua eficácia ou mesmo, da sua validade, quando lhe sucede.

Apesar de intimamente compenetradas, essas duas declarações de vontade não seintegram em um único negócio jurídico, permanecendo como dois negócios jurídicos àparte, embora ligados entre si, dada a diversidade de natureza das pessoas que osproduzem e o fim dos atos de cada qual. É a teoria dos dois atos unilaterais.

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34. Uma vez que a manifestação de vontade do concessionário constitui simplescondição da concessão, não deve ser havida como negócio jurídico, à parte do atounilateral do Poder Público que a confere, pois a manifestação da vontade doconcessionário, aquiescendo na delegação de serviço público, não intervém diretamentena elaboração da relação jurídica, criando, conjuntamente com a manifestação do ato doconcedente, a figura jurídica da concessão. Simplesmente não se opõe a tal situação eantes concorda com ela. De certo modo, corre o risco de se ver entre os adeptos dasteorias convencionais quem pretenda que, para surgimento de relação jurídica, se fazemmister dois atos unilaterais como partes integrantes necessárias.

O que se deve sustentar é que o ato do concessionário constitui condição suspensiva daeficácia ou, mesmo, da validade do concedente para surgir a concessão e não condiçãoresolutiva, mas sendo certo que a parte geradora da concessão é o ato do Poder Público.Assim, a manifestação de vontade do concessionário será fator formal, mas de ordemessencial, jamais acidental, como se afirmara, para a perfeição do ato. Portanto, amenos que exista disposição expressa em contrário, a data da concessão é a do ato deaceitação, pelo concessionário, da outorga que lhe foi feita. Eis a teoria do ato admitidoem seu último estágio de evolução, aproveitados os subsídios que lhe fornece a teoriados dois atos unilaterais. Constitui a concepção dominante entre os adeptos das teoriasunilaterais. É a concepção da vontade necessária como condição para a concessão deteoria do ato admitido.

35. Houve, ainda, quem sustentasse ser a concessão formada por dois atos unilaterais,respectivamente, do concedente e concessionário, que se fundem, entretanto, em umúnico negócio jurídico, constituindo ato unilateral, visto que ambas as vontades seunem, na constituição de um instituto jurídico cujo objetivo é o de realização de serviçopúblico, fim do ato jurídico e de ambas as vontades unilaterais que o compõem, as quaisse integram com o propósito de alcançar essa finalidade de interesse público. É a teoriado ato unilateral plural. Não teve grande difusão tal doutrina e pode ser havida como aprimeira etapa nas especulações de alguns autores, para chegarem posteriormente aarquitetar a teoria complexa do ato-união.

36. Sendo a concessão ato jurídico do concedente e constituindo a aceitação dela peloconcessionário pressuposto da sua eficácia, declaram os adeptos das teorias unilateraisadministrativas ser óbvio que desse negócio jurídico decorrem direitos e obrigações. Asobrigações emanadas do ato administrativo da concessão podem ser, em qualquerépoca, regulamentadas pelo concedente, modificando-se mesmo, por ato próprio, o seuconteúdo. Os direitos dizem respeito ao aspecto patrimonial previsto no atoadministrativo da concessão e aos elementos necessários para o concessionário levar atermo o serviço delegado. Ressalvado o equilíbrio financeiro do concessionário eoutorgados os elementos necessários para exercício das suas atividades, tudo mais cabeao concedente dispor livremente.

§ 3°.As teorias contratuais

37. O instituto jurídico da concessão, para os adeptos das doutrinas contratuais, surgede um acordo entre o Estado e o particular, cujas vontades se integram como elementosnecessários, para que esse acordo produza os seus efeitos. Aquele entrega ao particulara execução de serviço público que só por ele poderia ser exercido antes do ato dadelegação. Esse recebe o encargo de desempenhar serviço público no interesse dacoletividade.

Há, por conseguinte, fusão de vontades que gera relação jurídica contratual de direitos eobrigações recíprocos. Concedente e concessionário são, portanto, mutuamente credorese devedores de prestações em virtude de acordo feito sobre execução de serviço público,sob determinada forma e certas condições, o que estabelece entre eles contrato onerososinalagmático e comutativo.

38. A princípio se entendeu que essa relação jurídica era de direito privado, sob a

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alegação de que o Estado, quando contrata com o particular, a este se equipara, saindo,assim, da esfera do direito público para entrar no campo do direito privado, e, por isso,os vínculos estabelecidos se regem pelas normas do direito comum. Sustentou-se,enfim, que o contrato é a figura típica do direito privado como o tratado é instituto porexcelência, do direito público. É a chamada teoria civilista, a qual, ao definir a figurajurídica da concessão, se apresenta sob vários matizes e vai desde os que acharam quetal contrato de direito privado importava na transferência de um direito real do Estadopara o particular, até os que reconheceram nele simples criação de obrigação pessoal.Dada a dificuldade de se enquadrar a concessão em qualquer das modalidadescontratuais previstas pelos códigos civis, mas, entendendo-se que esse instituto só surgedo acordo entre o Estado e o particular e que o contrato é figura peculiar do direitoprivado, passou-se a designá-la como contrato "sui generis" de direito civil ou comocontrato inominado.

39. Reconhecendo que jamais os preceitos de direito privado poderão reger aorganização e funcionamento do serviço público e sequer o exercício de poderes que talatividade pressupõe, os quais são delegados pelo concedente ao concessionário, como osde polícia na esfera do serviço concedido e os de desapropriação de bens necessários ase integrarem no patrimônio da empresa concessionária para melhor consecução de seuprograma de ação e, ainda, a percepção de taxas como contraprestação de serviçooferecido a terceiro, houve autores que observaram ter a concessão a sua origem emato de império resultante de complexo procedimento administrativo, isto é, atoadministrativo unilateral, completado, no entanto, por ato de gestão, quer dizer,contrato de direito privado.

Ambos os momentos, entretanto, se integram para eles em um só ato para perfeição daconcessão e se vinculam com direitos e obrigações recíprocos, previstos pelo ato daautoridade e concretizados no contrato adjecto, o qual altera a índole do ato unilateral e,conciliando os interesses coletivos e individuais, faz com que a concessão se regule pelocritério da justiça comutativa. Surgiu assim a teoria mista do ato-contrato.

40. Outros autores verificaram que, embora a concessão derive de ato de autoridade,este, como reconhecem os expositores da teoria do ato-contrato, se reduz ao contrato esó nasce com a perfeição do acordo de vontades. Portanto, o ato administrativounilateral, na verdade, deve ser havido como manifestação da vontade do Poder Públicoque, fundindo-se com a vontade dos particulares no contrato de direito privado,disciplina relações jurídicas, obrigando as partes e lhes conferindo direitos. Logo, não háato-contrato mas, simplesmente, contrato. Porém, como o objeto desse contrato tem asua parte inicial em ato de império do concedente, cuja manifestação de vontadeentrega ao concessionário poderes que refulgem do campo do direito privado e, ainda,como o objeto mesmo da concessão envolve normas de direito público relativas àorganização e ao funcionamento do serviço, subordinadas à regência dos princípiosafetos a este ramo do Direito, sustentaram que o contrato de concessão participa dainfluência do direito público.

Ponderando, entretanto, que o contrato é instituto de direito privado para regulamentarrelações de utilidade econômica, mas atendendo, por sua vez, ser a utilidade pública omotivo primeiro que fundamenta tais relações e considerando, afinal, que a evolução doDireito vem rompendo com a rigorosa distinção entre o direito público e privado comocampos estanques de atividade e limites próprios de ação, pois que as relações jurídicashoje em dia dependem mutuamente da soberania do Estado e da autonomia dosparticulares, interessando de forma recíproca a eles, arrematam que, na verdade, o atode concessão deve ser havido como misto, não estabelecendo todavia um ato-contrato,mas um contrato de direito misto, público e privado.

41. Embora se aceite, a título de argumentação, se não tenha estabelecido princípio decaráter abstrato geral, distinguindo de forma absolutamente satisfatória os dois ramosfundamentais do Direito: público e privado, e se reconheça, ainda, a unidade científicado saber jurídico, força é convir abrangem aqueles ramos fundamentais do Direito

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situações diversas e permitem se prefigure regime diferente, formando duas provínciasnítidas nos trabalhos especulativos e práticos. E daí concluem os modernoscontratualistas pelo absurdo da sustentação de um contrato misto, o que implicaria emse criar, em vez de se abolir, como dizem os seus adeptos, a distinção entre o direitopúblico e privado, terceira categoria de direito misto. Inovação, aliás, sem fundamentológico, por não saberem os seus próprios inventores qual o conteúdo, compostos deelementos dos outros dois. No fundo, até há verdadeira contradição de termos, pois, seos dois ramos do Direito não se distinguem a ponto de desaparecerem as dúvidas, comoadmitir terceiro ramo, misto, formado de elementos próprios de cada um dos outrosdois, e misto justamente por envolver nas suas relações elementos peculiares de cadaum deles? Ora, se os outros têm elementos peculiares e se a relação acentua bempreceitos próprios de cada um daqueles ramos do Direito, é porque se distinguemperfeitamente, apesar de não se haver encontrado (admita-se para discutir) regra geralsatisfatória que enuncie, de modo justo, essa distinção, bem percebida pela intuiçãojurídica.

Entendem que o erro da concepção provém de duas razões fundamentais: a) suposiçãode que o contrato seja figura exclusiva do direito privado; b) defeituosa interpretação dofato de, nas relações do direito público, existirem preceitos iguais ou semelhantes aosdas relações de direito privado.

Uma vez que o contrato pode ser conceituado pelos seus característicos essenciais, deforma a distingui-lo de outras figuras de atos jurídicos, e já se chegou a umaclassificação satisfatória destes, não é crível se pretenda circunscrever aquele ao direitoprivado, como instituto próprio de tal ramo do saber jurídico. O contrato, em si, não éfigura peculiar nem do direito privado nem do direito público, mas uma das classesfundamentais de ato jurídico, cujos contornos abstratos e gerais são fornecidos pelateoria geral do Direito, ao proceder à classificação sistemática dos atos jurídicos.

Se a ciência jurídica não houvesse estabelecido o conceito do contrato e não o houvesseainda sistematizado como uma das classes fundamentais de atos jurídicos, mas, apenas,conhecesse figuras típicas de contratos definidos pelos seus característicos especiais,fixados em requisitos essenciais que os conceituavam, então, só seriam admissíveis asfiguras de contrato estritamente previstas e cada relação jurídica contratualnecessariamente cumpria se amoldar a um dos tipos padrões. E se esses tipos padrõessó fossem previstos no direito privado, então seria sustentável a tese de que o contratoera figura de direito privado e se justificaria o trabalho, aliás improfícuo, dosdoutrinários, de enquadrar os acordos de vontade, gerando direitos e obrigaçõesrecíprocos, em qualquer dos tipos padrões preestabelecidos.

A inteligência humana, porém, não se satisfaz com as soluções práticas em que os casossão resolvidos atendendo a razões puramente pragmáticas, ela, também, tempreocupações especulativas e visa a retirar, da série de casos concretos observados,conceitos gerais, ordenando o seu saber. Assim, na ciência jurídica, além das hipóteses,há as teses.

Portanto, onde há acordo de vontades gerando relações jurídicas opostas, surge a figurado contrato. E tal se dá tanto no direito privado, civil e comercial, como no direitopúblico, interno e externo. Na esfera externa ou internacional, contratam os Estadosentre si e com outras pessoas jurídicas, físicas e coletivas; na interna ou nacional,também, o Estado e as pessoas jurídicas de direito público, que são seusdesmembramentos, seja por descentralização territorial ou por descentralização deserviços, as quais constituem entes autárquicos, contratam entre si e com osparticulares, realizando acordos de vontade que os vinculam a relações jurídicas domesmo gênero das firmadas entre particulares, exclusivamente, nas suas relaçõesrecíprocas civis ou comerciais. Na primeira hipótese temos contratos de direito público,interno ou externo, e, na segunda, contratos de direito privado, civil ou comercial.

Por se encontrarem no direito público normas iguais ou semelhantes às de direito

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privado não se pode pretender, em absoluto, que as regras deste estão sendoempregadas em relações daquele, pois, o fato de distinguir-se a ciência jurídica em doisramos fundamentais não implica em exigir-se que eles tenham regras exclusivas. E,assim, se não deve conceituar como sendo ele relação mista de direito público e privado,àquelas em que concorrem preceitos havidos como próprios de cada um, por seencontrarem, em geral, classificadas, nas relações jurídicas, como deste ou daqueleramo.

O direito público, como o direito privado, é ramo da ciência jurídica, e, por isso, asrelações de ambos devem ir procurar no tronco de onde descendem as normas pararegência dos seus institutos. Nada há de estranhável que, em muitas relações de direitopúblico existam regras que se encontram em relações de direito privado, visto quesituações iguais ou semelhantes devem ser reguladas por preceitos iguais ousemelhantes. Atribui-se ao direito privado muitas normas porque se verificou ter sidoempregado em primeiro lugar nas relações entre particulares, mas essa circunstâncianão constitui base sólida para disciplinar-se o ato jurídico abstrato, que serve de"substratum" do instituto concreto, como pertinente ao direito privado, mas a regra quepermite essa relação, em princípio, não pertence privativamente a este ou àquele ramo,mas ao Direito em geral. Se a relação proposta visa a reger relações entre entespúblicos, entre si ou entre estes e particulares, na consecução de finalidades coletivas,ela é de direito público: se, ao contrário, rege relações entre particulares ou entre estese entes públicos, na realização de finalidades particulares, é de direito privado.

Assim, sendo a concessão de serviço público um ato jurídico pelo qual o Poder Público sedespoja de atribuição que lhe é peculiar e a confere a terceiro, no intuito de melhoratender ao interesse coletivo e não ao das partes em jogo, é de considerar-se que oacordo de vontades havido, vinculando as partes em direitos e obrigações recíprocas, éde direito público. Ao invés do Estado descer ao plano do direito privado, como queremos adeptos da teoria civilista, é de se pretender que o particular ascenda à esfera dodireito público, para contratar com o Poder Público. Presentemente, entre oscontratualistas, a teoria dominante é a do contrato de direito público.

§ 4°.Discussão das doutrinas unilaterais e contratuais

42. Embora a natureza jurídica da concessão venha sendo objeto de grande debateentre os mestres, eles reconhecem, presentemente, que ela deve ser regida pelosprincípios de direito administrativo. Estão em absoluto descrédito as concessões que,respectivamente, ficavam adstritas aos princípios de direito civil ou eram regidas pelasnormas de direito político. Assim, constituem mera reminiscência histórica as teorias deconcessão como contrato de direito privado e como ato de coação legal.

43. Conceituando a concessão como ato unilateral do Poder Público, os partidários destacorrente doutrinária esbarram em sérios entraves, ao contrário do que acontece aospublicistas que sustentam as teorias contratuais, quando procuram explicar asconsequências da doutrina, com relação aos vínculos entre concedente e concessionário,ou melhor, aos direitos e obrigações recíprocas. Por sua vez, os defensores das teoriascontratuais ficam em verdadeiro impasse para justificar a regulamentação daorganização e funcionamento do serviço pelo concedente.

Entretanto – afora os partidários das teorias privatistas, que sustentam ficam as partescontratantes presas aos dispositivos rígidos das cláusulas expressas do contrato, eestabelecem que as normas atinentes à concessão são exclusivamente as prescritas porele e dele constantes – os adeptos de todas as outras teorias, não só unilateralistas,como, mesmo, contratualistas, salvo o pronunciamento contraditório de certos autores,admitem a regulamentação da concessão pelo concedente, uma vez resguardada aestabilidade financeira do concessionário, sob o fundamento de ser regida pelosprincípios de direito administrativo e estar instituída para satisfação de interesse público.Por sua vez, excetuados os paladinos das teorias da coação legal, todas as outrasteorias, tanto contratualistas como unilateralistas, admitem que da concessão surgem

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direitos e obrigações recíprocos às partes: concedente e concessionário. Oscontratualistas fundamentam tais direitos e obrigações no contrato e os unilateralistasno argumento de que a relação é formada de atos jurídicos.

43-A. A concessão, embora outorgada por ato unilateral do concedente, tem a suaeficácia condicionada à vontade do concessionário, a qual se manifesta pró ou contra,segundo as suas conveniências, tendo em vista as vantagens econômicas que pelaexecução do serviço lhe são asseguradas pelo ato unilateral. Assim, a aceitação gira afavor do concessionário os direitos de ordem patrimonial oferecidos pelo concedente.Trata-se de ato jurídico do qual emanam direitos e obrigações, assegurando-se asposições das partes nele envolvidas.

44. Entendem os contratualistas que se o concessionário não se acha em posição deinferioridade em relação ao concedente e se lhe reconhece que a manifestação livre dasua vontade constitui elemento indispensável para validade, ou, ao menos, eficácia daconcessão, sendo que a efetivação dos direitos e obrigações do concessionário para oconcedente depende da sua declaração, como, também a dos direitos e obrigações destepara aquele, depende, também de sua declaração, é porque as vontades de ambos seintegram, assumindo direitos e obrigações recíprocos, mediante o consenso contratual.

Não padece dúvida que, concluem eles, dois consentimentos, por si sós, não sãoelementos suficientes para gerar contrato, mas se eles se fundem pela criação dedeveres e obrigações recíprocos, vinculando as relações entre as partes temos,inegavelmente, a figura jurídica do contrato.

45. Argumentam os unilateralistas ser impossível o contrato, dada a diversa naturezajurídica dos dois sujeitos na figura da concessão, pois a constituição de um serviçopúblico não pode ser formada por duas vontades que se contraponham com interessesdivergentes, visto que ele é instituído para servir o interesse coletivo, e, assim, acimados interesses das partes, cumpre, sempre, se tenha como objetivo principal o interessepúblico.

O contrato, continuam, tem como sua função específica a troca de utilidades econômicasem regime de liberdade e igualdade, ao passo que a delegação do exercício de umserviço público tem por principal objeto o próprio serviço público, o qual está fora docomércio e por conseguinte não pode constituir objeto daquela relação jurídica. Emregra, o regime da concessão e em particular a organização e funcionamento do serviçopúblico é ditado pelo concedente, com completa ausência de intromissão doconcessionário, ao qual é, muitas vezes, desconhecida a faculdade de discutir as normasda concessão, tanto na sua formação como na sua execução.

Atendendo-se, finalmente, a que o fim de qualquer serviço público é o de servir aosinteresses da coletividade, não se pode desconhecer o preceito máximo imposto pela suaessência, isto é, exigência de sua adaptação de forma a, cada vez mais, atingir o seuescopo e conseguintemente o direito de o Estado determinar o seu aperfeiçoamento,alterando as condições da sua exploração, sempre que julgado conveniente. Por haverdelegado o exercício de determinado serviço público a terceiro, ele não pode perder essaprerrogativa, que é característica dele, e nem a concessão do serviço se compreendetenha sido feita com outro objetivo que não o de servir o público satisfatoriamente.Logo, se o regime do serviço público está sujeito às regulamentações do Poder Público, aquem cumpre aquilatar as maneiras de como melhor resguardar o interesse coletivo,não se pode de forma alguma falar em contrato de concessão, pois, se este existisse, ascláusulas relativas à exploração do serviço não poderiam ser impostas e modificadas poruma das partes contratantes. De concluir, a concessão é ato unilateral do Estado.

46. Replicam os contratualistas que, para existir contrato, se exige apenas sejam aspartes pessoas capazes de direitos e obrigações, feito aquele na forma legal e comobjeto lícito. Por conseguinte, não requer igualdade quanto à natureza das pessoascontratantes, sendo pois admissível perfaçam os particulares contratos com o Estado, os

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quais serão de direito público ou privado, conforme a regência do conteúdo dele, isto é,as obrigações estipuladas se refiram a este ou àquele ramo da ciência jurídica. Negar-sea possibilidade de o Estado contratar com particulares, sob o fundamento de seremestes de natureza diversa, é desconhecer a realidade das coisas, visto quequotidianamente assistimos a contratos administrativos de empréstimos, medianteemissão de títulos, e contratos civis de locação de imóveis, para instalação derepartições públicas, entre o Estado e particulares. Aliás, a essência das pessoas édiferente, quanto à natureza, mesmo no direito privado, e daí classificarem-se empessoas privadas, físicas e coletivas.

A expressão “coisa fora do comércio” significa a impossibilidade de constituir o bem,assim classificado, objeto de contrato, ou, melhor, significa ser ele inalienável. Mas, naconcessão, não há alienação de serviço público, nem sobre ele se contrata apenas oexercício de determinada função que é delegada a terceiros, consistindo, portanto, emsimples contrato sobre a forma de prestação de certa atividade com a consequenteoutorga dos poderes necessários para que ela se efetive. O serviço público, a serinstituído, é consequência simplesmente do contrato que regula exclusivamente o modode seu exercício e confere os meios convenientes para isso. Aliás, a declaração deincomercialidade de certos bens e a proibição de serem alienados e consequentementede serem objeto de comércio visa a obstar que se perfaçam relações jurídicasprejudiciais ou mesmo contrárias ao seu destino. Não pretende, porém, impedir que seestabeleçam aquelas que estão em consonância com o destino desses bens e procuremlhes permitir o oferecimento de maiores utilidades e satisfação de melhores interesses.Nada impede por sua vez, dizem ainda, que em regra as cláusulas da concessão sejamprefixadas pelo concedente com absoluta ausência de ação do concessionário, ao qual énegada a liberdade de ajustar as condições do comércio. E isto porque, uma vez hajaacordo de vontades sobre elas, seja acertando em comum as suas teses, seja apenasaderindo às bases formuladas por uma das partes, integrando-se a respeito das relaçõesrecíprocas, há o contrato.

Finalmente, consideram que os serviços públicos se devem adaptar às novas condiçõessociais e se aperfeiçoar segundo as exigências públicas, entendendo que tal em nadaprejudica o contrato, embora a regulamentação do serviço seja prescrita, à medida dasnecessidades, livremente, pelo concedente, na defesa do interesse público, visto como ocontrato é de natureza pública (senão totalmente, ao menos, de forma parcial),sujeitando-se, na sua aplicação, a normas diferentes das dos contratos de direitoprivado. Aliás, se diversidade material não existisse entre os contratos públicos eprivados, nada justificaria a distinção feita. Assim, desde que assegure a estabilidadepatrimonial do concessionário, nada impede o Estado de exercer o seu império sobre aorganização e funcionamento do serviço, pois o contrato existiu formalmente paraperfeição do acordo de vontades e continuará a existir enquanto o seu aspectofundamental, isto é, de troca de utilidades econômicas, não for rompido ou burlado poruma das partes. O engano dos unilateralistas está em pretender que os contratos dedireito público ou, ao menos, sujeitos a normas próprias do direito administrativo, sesubmetam, na sua vigência, às mesmas condições previstas para a execução doscontratos de direito privado. Ademais, se a expressão “contrato de direito misto” oumesmo de “direito público” não satisfaz, que seja substituída pela de “ato bilateral”, noqual a vontade de duas partes acordantes e opostas se integram assumindo direitos eobrigações recíprocos, relativos à execução de serviços públicos.

47. Voltam à carga os unilateralistas afirmando que se não nega a possibilidade decontrato entre o Estado e o particular, mas se nega a possibilidade de existir contrato naconcessão, porque a natureza diversa das pessoas com relação ao instituto não permiteque se ajustem as duas vontades, em contrato, cujo objeto é o de satisfazer interessesdivergentes e, no caso, o que se procura é exatamente a conjugação das vontades parasatisfazer interesses convergentes – o bem da coletividade na instituição de um serviçopúblico.

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Demais, não é verdade que o serviço não seja objeto de concessão e somente o seja amaneira de seu exercício, pois pela concessão se estabelece, na verdade, a instituição deum serviço público, cuja execução deverá ser levada a efeito, de tal modo. Assim opróprio serviço é objeto de concessão e estando ele, pela própria natureza, fora docomércio, isto é, não sendo suscetível de transação ou troca de utilidades econômicas,não se compreende se classifique a concessão como contrato. É de notar-se, além disso,que se uma cousa é havida como inalienável, não há o que justifique a distinção ante apossibilidade de ser, ou não, objeto de relações jurídicas, segundo estas sãoestabelecidas em atenção ou não ao seu destino, pois, a inalienabilidade deve serabsoluta, isto é, ou o bem é alienável ou não o é, enquanto conserva determinadanatureza.

Ainda, falar em contrato de adesão é negar o contrato, pois, esses dois termos “hurlentde se trouver ensemble”. De fato, o contrato pressupõe integração de vontades comreferência à relação jurídica e tem por conteúdo e fim a satisfação de interesses opostos,em que as partes livremente debatem as suas cláusulas, o que, certamente, falta nopseudocontrato de adesão e falta porque não se fundem realmente suas vontades,havendo simples manifestação unilateral de duas vontades: a primeira, outorgando aconcessão e a segunda, aceitando-a. A adesão de um ato jurídico objetivo não ésuficiente para transformar essa relação em contrato, pois, nem todo acordo devontades deve ser havido como tal. Para que esse exista é necessário que as partes,acordando sobre os conteúdos opostos, cada um satisfazendo interesses próprios,estabeleçam, diretamente, situação jurídica subjetiva nova, seja ela modificação dasituação jurídica anterior ou, então, pela criação mesmo, de outra situação jurídica. Nãose pode mudar o conceito do contrato tradicional, desde o direito romano, paraenquadrar ou procurar enquadrar, dentro dele, a figura da concessão. Se esta não podeser havida como contrato, dentro do conceito clássico deste, o razoável não é modificaresse conceito, mas, enquadrar o instituto em outra figura jurídica.

Por fim, admitir que a concessão, sendo um contrato de direito público, seja suscetívelde regulamentação e, assim, seja lícito ao Poder Público adaptá-la segundo o interessepúblico, é, na verdade, negar a existência do contrato, pois se neste as duas vontades seintegram, não se pode permitir, após a fundição dessas vontades sobre determinadoobjeto por uma das partes. Aliás, o afirmar que os contratos de direito público devem sereger, apenas formalmente, por formas idênticas às de direito privado e materialmentepor normas diversas, é justamente aceitar que a concessão não se pode reger pelocontrato, pois, as normas fundamentais que regulam esse instituto jurídico devem ser,sempre, as mesmas, tanto no aspecto formal como material, visto que o seu conceito éfornecido pela teoria geral do Direito, sendo que a distinção entre contrato de direitopúblico e de direito privado deve estar, apenas, no objeto e fim da relação jurídica. Defato, certos autores, para evitar a crítica, chegam até a substituir a expressão “contrato”pela de ato bilateral.

Os direitos e obrigações que decorrem da concessão não têm a sua fonte direta noacordo de vontades entre concedente e concessionário, mas, na lei editadaunilateralmente pelo Estado e que pode ser por ele livremente modificada sem qualquerinterferência do particular, alterando o modo de organização e funcionamento doserviço, segundo as conveniências públicas. Não se pode, em absoluto, chamar decontrato o acordo de vontades sobre execução de determinado serviço público, pelo qualuma das partes entrega à outra tal atribuição e esta se obriga a executá-la, segundo asprescrições daquela, isto é, a submeter-se aos textos legais promulgados ou a sepromulgarem sobre a organização e funcionamento do serviço. Não é possível o contratosobre objeto indeterminado.

§ 5°.Teorias complexas

48. Pelo exposto, se verifica que ambas as correntes doutrinárias são deficientes e adiscussão continuaria, entre unilateralistas e contratualistas, sem resultado prático, senão aparecesse nova corrente doutrinária.

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Procurando solver esse impasse, criado pela divergência entre unilateralistas econtratualistas, e reconhecendo que ambos os lados tinham parcelas de razão, foiarquitetada a doutrina complexa, que procura harmonizar as duas posições em choque epôr termo ao debate existente entre os respectivos especialistas.

49. Sustentou-se, então, que a concessão é, na verdade, um instituto jurídico complexo,no qual há duas operações distintas e fundamentais: o ato unilateral regulamentando aorganização e funcionamento da concessão, e o contrato regendo o aspecto econômicodo negócio.

Essa teoria, é preciso esclarecer, não se confunde com a do ato-contrato, embora tenhaido, sem dúvida, beber na sua fonte a ideia da solução proposta, a qual foi, entretanto,completada com os elementos fornecidos pela discussão havida entre as correntesopostas: unilaterais e convencionais, em as suas recentes modalidades teóricas.

Dizemos que se não confunde com a teoria do ato-contrato, porque esta, na verdade,reduz a concessão a um verdadeiro contrato, como proclamam os seus adeptos, aopasso que a teoria em apreço entende que os dois atos jurídicos: unilateral e contratual,têm vida própria e campo de ação peculiar, com duas situações jurídicas distintas. Daí,afirmarmos que foi esclarecida pelos argumentos expendidos nas discussões havidasentre unilateralistas e contratualistas.

Distinguindo-se na concessão dois elementos essenciais, condicionados um ao outro,sem se fundirem, encontram os adeptos desta teoria dificuldade em explicar quandosurge a concessão.

50. Alguns entendem que ela surge com o ato unilateral e, apenas, se aperfeiçoa, paraefeito de execução, com o contrato complementar, anexo ao ato de concessão, o qualconstitui, assim, simples condição de eficácia do ato unilateral. O contrato é o meio peloqual se obtém a cooperação do concessionário e concerne ao arranjo financeiro daconcessão, sendo que aquele, ao firmá-lo, se dispõe à organização e funcionamento doserviço, desde que a sua estabilidade econômica fique assegurada nos moldescontratados, única cousa, aliás, objeto do contrato.

51. Outros pensam que a concessão surge do contrato, pelo que se acorda a instituiçãode um serviço público, mas, como o contrato só rege as relações de ordem patrimonial,respeitantes ao seu objeto, a Administração não perde a sua situação legal de PoderPúblico... Por isso, o contrato deve dispor somente sobre os assuntos da alçada que lheé própria e não sobre a matéria de ordem legal. Na hipótese, entretanto, de enfeixar nassuas cláusulas tais assuntos, não se pretende com isso fixá-los na rigidez do contrato,pois, pela sua natureza flexível, a ele não podem, em absoluto, estar sujeitos.Entender-se-á, em tais circunstâncias, como implícito nos termos do contrato – queregula a instituição de um serviço público e o seu aspecto financeiro – quando nãohouver dispositivo expresso, que as matérias de ordem legal são suscetíveis dealterações regulamentares, por não constituírem cláusulas contratuais.

A regulamentação da organização e funcionamento do serviço é feita unilateralmentepelo concedente, não pelo fato de ser a concessão contrato de direito público, e, porconseguinte, devam aquelas cláusulas contratuais ser amoldadas, pela Administração,segundo as necessidades e conveniências públicas, mas porque envolve a situação legaldo serviço matéria regulamentar fora do contrato.

52. Por não se haverem apercebido da “nuance” entre as concepções desses autores,que conceituam a concessão como ato complexo, mas explicam de forma diferente omomento da constituição da concessão, há escritores que, ao classificarem as doutrinassobre a concessão, colocam os primeiros como partidários da antiga e obsoleta teoria doato-contrato e os segundos como adeptos da teoria do contrato de direito público,quando, conforme expusemos, isso se não dá.

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De fato, para os partidários de ambas essas teorias, a concessão enfeixa dois atosjurídicos com vida própria, a saber: o ato do Poder Público, unilateral, que estabelece aorganização e funcionamento do serviço, a sua situação legal; e o contrato oriundo doacordo de vontades, que rege o aspecto patrimonial do negócio, a sua posiçãoeconômica individual.

Ambas as teorias, no entanto, não podem explicar como esses dois atos: unilateral,regendo a organização e funcionamento do serviço; e contratual, dispondo sobre oaspecto patrimonial dele, se condicionam um ao outro sem se fundirem, integrando-seno instituto complexo da concessão. É que, para estabelecer tal relação jurídica, hánecessidade de outro ato, ato esse que condiciona a aplicação das normas objetivas daorganização e funcionamento do serviço às situações subjetivas surgidas do acordo entreconcedente e concessionário. Daí a necessidade de nova teoria para solver a incógnita.

53. Então, surge a concepção daqueles que entendem que o ato jurídico instituidor daconcessão não é nem ato unilateral, nem um contrato, e sim ato-união pelo qual seacorda a instituição de um serviço público, que será explorado nos termosregulamentares prescritos por ato unilateral do concedente, garantida ao concessionárioa estabilidade econômico-financeira da empresa, nos moldes fixados pelo contratocomplementar ao ato de concessão, simples processo de execução desta.

O serviço público, cuja exploração por terceiros for acordada mediante ato-união, serálevado a efeito pelo concessionário, dentro das normas legais vigentes na matéria,editadas pelas entidades politicas competentes e na forma regulamentar estabelecidapelo concedente, com as modificações introduzidas, unilateralmente, no curso daexploração do serviço e exigidas pelo interesse coletivo, assegurada, sempre, noentanto, a equação econômico-financeira do concessionário, fixada pelo contrato,complementar ao ato jurídico pelo qual se acordou a concessão.

O contrato regula as cláusulas relativas ao quantum da renda a ser auferida pelaprestação do serviço, bem como as que reflexamente possam influir sobre ele, a saber:as que outorgam privilégios e regalias aos concessionários, fixam os prazos e forma deinício e extensão da concessão e regem as condições de indenização por atoregulamentar do concedente.

Pelo ato-união, as partes acordam a instituição ou, ao menos, a execução dedeterminado serviço público, assumindo direitos e obrigações. O concedente concordaem entregar ao particular certo serviço, com o fim de vê-lo desempenhado da melhorforma possível, sem desembolso de grandes capitais e, assim, se supre deficiência atéentão existente na vida administrativa e, por sua vez, se obriga a lhe conferir os meiospúblicos necessários para isso, e o concessionário concorda em executá-lo com o fim deobter certa remuneração, julgada satisfatória em função do capital empregado nainstalação e funcionamento do serviço e, por seu lado, se obriga a levá-lo a efeito nointeresse coletivo, como serviço público que é.

Assim, além do ato-união, que firma o acordo de execução do serviço público, há o atounilateral fixando a situação objetiva do serviço relativo à sua organização efuncionamento, e o ato contratual, regendo a situação subjetiva dele, a qual compreendeas relações de ordem patrimonial, bem como o modo, a forma e as condições deexecução do serviço que repercutem diretamente sobre a situação econômico-financeirada concessão. Cada um dos atos jurídicos referidos dispõe sobre os assuntos da alçadaque lhes é peculiar e, todos, com o campo de ação próprio, se encontram no institutojurídico complexo, que é a concessão. Embora materialmente a concessão pressuponhavários atos jurídicos, nada impede que, formalmente, eles se enfeixem em um únicodocumento, compreendendo o acordo havido para a execução do serviço público e osprincípios em que se acordou essa execução. O documento escrito pelo qual seexterioriza um ato jurídico não tem a faculdade de modificar a natureza dos elementosque o integram.

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A instituição do serviço público concedido se assemelha, na sua estrutura jurídica, àinstituição da família. Pelo ato-união, duas pessoas acordam em se casar e instituir umafamília, nos termos prescritos unilateralmente pelo Estado, sujeitando-se às alteraçõeslegislativas supervenientes. Querendo, porém, garantir a situação econômica do casal,podem contratar sobre o regime de bens, dispondo como melhor julguem ficaracautelados recíprocos interesses.

Portanto, a concessão se institui mediante o ato-união em que ambas as partesconcordam em estabelecer determinado serviço público, assumindo o concessionário aobrigação de levá-lo a efeito no interesse coletivo, satisfeita a sua situaçãoeconômico-financeira, fixada no contrato, e aceitando o concedente a obrigação deoutorgar ao seu delegado os elementos necessários à execução do serviço público egarantir a equação econômico-financeira, exercido aquele que segundo o bem públicoprescrito por ato regulamentar.

As obrigações que nascem do acordo estabelecido entre concedente e concessionário, afim de realizar o serviço público, se resumem em um compromisso de colaboração leal erecíproca, pelo qual ficam, ao mesmo tempo, reconhecidas, mediante atos jurídicoscompetentes, a garantia do equilíbrio financeiro do concessionário e a possibilidade dasprestações, segundo as normas regulamentares. A estabilidade econômica doconcessionário se assegura por preceitos rígidos e as condições de organização efuncionamento do serviço oscilam, conforme as conveniências públicas, adaptando-se àssuas necessidades variáveis.

Assim, as relações de ordem patrimonial, relativas à execução de determinado serviçoconcedido, regem a posição econômico-financeira do concessionário, com direitos eobrigações referentes ao serviço acordado; e as relações de ordem legal, relativas àorganização e funcionamento estável do serviço sobre bases tarifárias razoáveis, regema posição regulamentar do serviço acordado.

O Poder Público não se despoja das atribuições que lhe são peculiares e que justificam asua razão de ser, pelo só fato de outorgar a particulares, mediante acordo, a execuçãode determinado serviço público, cuja regência deve sempre ficar subordinada ao seu fimespecífico: satisfação do bem-estar da coletividade. O particular, por sua vez ao acordarexercer determinado serviço público, conforme o interesse coletivo ajuizado pelaAdministração Pública, não fica em posição de inferioridade, porque livrementeaquiesceu na execução de tal serviço, dentro da equação econômico-financeira por elecontratada.

54. Com a doutrina do ato complexo, na sua forma mais perfeita, isto é, que entende sera concessão instituída por ato-união, mas regida por regulamento unilateral doconcedente e completada por contrato patrimonial, se dissipam as dúvidas suscitadaspelas correntes unilaterais e convencionais, se conciliam as posições e se explicamperfeitamente todos os aspectos da concessão.

Realmente, o concedente e o concessionário, ao acordarem ambos a instituição doserviço público, têm as vontades solicitadas por idênticas causas intrínsecas, ou seja: arelação jurídica se firma, para se criar serviço público, pelo qual se satisfaçam osinteresses coletivos. A causa final, porém, é diferente: o concedente visa a dar melhorforma para se atingir a causa formal do acordo, o concessionário visa obter determinadaposição financeira, na execução da causa formal do acordo, satisfazendo, no entanto,ambos, tal conteúdo, que, como salientamos, é o de instituir um serviço público.

O interesse do concessionário se cifra em obter lucros na exploração do serviço e foitendo em mira esta causa final que acordou em aceitar a concessão de serviço público,enquanto o interesse do Estado é atender às necessidades coletivas na forma que lheparece mais conveniente e, considerando esta causa final, acordou em delegar a terceiroa concessão de serviço público. Assim, a concessão é originada de acordo, porconseguinte, convencional, mas não contratual. Para, porém, assegurar a sua posição

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financeira e atingir o fim pelo qual acordou em levar a efeito o serviço público, oconcessionário firma contrato que estabelece a sua equação econômica. Por sua vez, oserviço público, pelo fato de sua execução haver sido entregue a um particular, nãoperde o caráter de serviço público e, por conseguinte, não se despoja o Estado das suasprerrogativas de prescrever, unilateralmente, as normas mais aconselhadas para o seubom desempenho no interesse coletivo, como juiz, que é, desse interesse.

Fica perfeitamente explicada a razão da regulamentação e defendidos os direitos eobrigações das partes.

O objeto da convenção é instituir um serviço público, o qual precisa de ser levado aefeito dentro dos moldes mais convenientes ao interesse coletivo, competindo àAdministração, na qualidade de poder incumbido da vigilância daquele interesse,prescrever as normas julgadas mais aconselhadas a fim de se atingir tal objetivo.

O fim que tem em vista a Administração, ao firmar a convenção, é realmente este: o deescolher entidade capaz de realizar proficientemente determinado serviço público, aquem delega atribuição que lhe é peculiar e lhe assegura determinada vantagemeconômica. E isso precisa de ser respeitado. Por outro lado, o fim que tem em atenção oconcessionário ao aderir à concessão é o seguinte: executar certo serviço público,mediante a inversão de determinado capital e organização adequada de empresa, a fimde obter um lucro compensador pela prestação de tais atividades, satisfazendo, noentanto, o interesse coletivo nos moldes previstos pelo Poder Público. E isso, também,precisa de ser respeitado.

O direito de exercer a concessão constitui um direito único e não vários direitos, dosquais irradiam as faculdades que dos atos administrativos (legais ou regulamentares)promulgados ou ordenadas pelos órgãos competentes – seja antes da concessão, ao sefazer a concessão ou ainda depois dela – são atribuídas ao concessionário. Todas essasfaculdades são instrumentos conferidos ao concessionário para exercer o serviço públicoque, se por um lado é um direito dele, por outro, é uma obrigação que lhe incumbe, umavez que assumiu tal encargo. Assim, o concessionário possui tais faculdades enquantosão, pela Administração, julgadas úteis para ele cumprir o serviço público, como meromeio a se atingir aquele fim.

As alterações na organização e funcionamento do serviço não acarretam qualquer danoao concessionário, uma vez que se lhe assegure a equação financeira estabelecida pelocontrato e, entretanto, aquelas medidas permitem à Administração prover ao interessecoletivo, segundo as circunstâncias que se apresentam.

O interesse privado deve, sempre, ceder diante do interesse público. Sobre este sóprevalece o direito privado cuja segurança contra aquela está na reparação patrimonialdos danos sofridos. Ante o interesse coletivo, o titular de direito privado tem direito,apenas, à sua conversão em determinada expressão patrimonial. Esse o princípio querege o direito público, e, portanto, os serviços concedidos.

1 Artigo originalmente publicado na Revista de Direito Público, São Paulo, ano V, n. 19,p. 09-36, jan.-mar. 1972. A transcrição deste artigo foi realizada por Adilson NeriPereira, Bruna Versetti Negrão, Bruno Vieira da Rocha Barbirato, Guillermo Glassman,Isaac Villasboas de Oliveira, Isabelly Douglas Calil Assad, Juliana Salinas Serrano, PedroGabriel du Mont Santoro, Rebeca Spuch, Renan Marcondes Facchinatto e Thalles GomesCamêllo da Costa.

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