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N ECESSIDADES HUMANAS DE SALVAÇÃO E MEDIUNIDADE DE J ESUS C RISTO Dr. Jaci Rocha Gonçalves - 1999 Apostila adaptada para o Curso Magister de Ciências da Religião - UNISUL. SC

Necessidades Humanas de Salvação

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Dr. Jaci Rocha Gonçalves - 1999Apostila adaptada para o Curso Magister de Ciências da Religião - UNISUL. SC

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NECESS IDADES HUMANAS DE SALVAÇÃO

E MEDIUN IDADE

DE JESUS CR ISTO

Dr. Jaci Rocha Gonçalves - 1999

Apostila adaptada para o Curso Magister de Ciências da Religião - UNISUL. SC

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ÍNDICE Primeira Parte Necessidades humanas de salvação. ......................................................................................................... 3 Introdução à primeira parte ........................................................................................................................ 4 1. O que é mediação. ................................................................................................................................ 4 Nas culturas: mediador como intermediário 2. Mediação e conceito de salvação nalgumas religiões ........................................................................ 5 “Coisas do diabo?”. A postura católica do Vaticano II: o diálogo. Hinduismo: a ignorância

obriga ao ciclo do nascer-renascer. Redenção para o Hinduismo como libertar-se da lei do karma?. Budismo: a libertação vem de dentro. Pós-budismo: “a precariedade existencial”. Nirvana: redenção para o budismo. Islamismo: redenção é submissão a Alá. Todo ser tem necessidade de salvação. Meios para a salvação. Outras religiões.

3. As mediações de salvação e ideologias do mundo moderno ............................................................. 8 Auto-redenção humana. Pós-modernidade: a salvação externa. Desafios para a doutrina da

redenção. Um inconsciente desejo de salvação. Redenção e esperança. Segunda parte Mediação na Bíblia e Jesus Cristo único mediador ................................................................................. 10 Introdução à segunda parte ...................................................................................................................... 11 1. Mais que necessidade e busca humana: salvação é iniciativa e dom de Deus .............................. 11 Mediação ascendente. Mediação descendente. Em Jesus a unicidade medianeira perfeita: do ascendente e descendente. Tendências hermenêuticas sobre a mediação de Jesus: nem

tanto ao mar, nem tanto à terra. 2. A mediação no Antigo Testamento ................................................................................................... 13 Antigo testamento: mediação e aliança. Salvação é libertação. A mediação sacerdotal. A

mediação simbólica do sangue. A mediação representativa regal. O profetismo e o messias mediador. Textos com expressões centrais dos profetas para o discernimento de Jesus: O mediador será um messias sacerdote. Ezequiel: o mediador será um messias pastor. Jeremias: educa para a nova aliança. Isaías: o messias Servo de Javé. A insistência com a salvação universal. O servo assume o caminho paradoxal do sofrimento. O texto paradigmático de Isaías.

3. Uns parênteses para a noção de pecado ........................................................................................... 18 Pecado e cristianismo. Pecado como relação danosa à nossa própria humanidade. Pecado e

humanidade atual. Pecado como relações ditadas pelo coração. Diferença entre cristianismo e outras religiões: salvação não se consegue sozinho!. São Paulo: Lei e pecado, esforço humano versus fragilidade. Só a Justiça de Deus é poderosa para extirpar o pecado pela raiz

4. A mediação no Novo Testamento ..................................................................................................... 21 Mediação em Mateus: as figuras do AT se contretizam em Jesus - Figura do Pastor, Figura

do Rei, Ritual do sangue. Mediação em Marcos: Figuras do Reino, conversão interior, resgate e sangue. Mediação em Lucas: A remissão dos pecados para todos os povos. Salvação em João é vida. Mediação em Paulo: É reconciliação e justificação. Somos “embaixadores de salvação”.

5. Jesus: único mediador, segundo Paulo ............................................................................................. 24 Na pessoa de Jesus: unicidade de Deus, de homem e de oferta. Em Jesus Cristo: um só

corpo, um só Senhor, uma só fé, um só Deus, um só batismo. Jesus, Moisés e a nova Aliança. 6. Carta aos hebreus: Jesus único sumo sacerdote ............................................................................. 26 Em Jesus, o movimento ascendente perfeito, em Cristo a glorificação total da graça

descendente, Jesus não é intermediário. Jesus é único em relação aos sacrifícios antigos. Jesus derrama seu sangue pela remissão de todos: media e é a nova aliança.

Conclusão ................................................................................................................................................ 30 Bibliografia ............................................................................................................................................. 31

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Primeira parte

Necessidades humanas de salvação.

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Introdução à primeira parte

A humanidade anseia por salvação porque se sente oprimida por duas

experiências ameaçadoras à sua vida: o mal moral e o sofrimento. A tradição do pensamento ocidental cristão latino afirma que esta realidade é fruto de nosso ser limitado pessoalmente e coletivamente. Denomina-os “malum culpae”, isto é, o mistério do pecado - fonte do mal da morte - e “malum poenae” mistério da dor, do sofrimento.

Elas aparecem desafiando a história de cada pessoa quando esta se esbarra com a dificuldade de manter o equilíbrio pessoal interno e de manter relação adequada na convivência coletiva.

Neste sentido, basta analisar a nível comunitário o saldo de incontáveis vítimas em nossa história de guerras, com requintes de crueldade e horror, inadmissíveis à nossa própria avaliação sensível e racional. As estatísticas o comprovam. E sentimos ainda um terceiro elemento: a experiência da incapacidade de bem convivermos com a natureza, cujos estragos vemos no atual desequilíbrio do ecossistema.

Enfim, diante das provações da vida, com uma freqüência que parece ser sempre mais acentuada, a suspeita de que a existência humana esteja fadada à falência, à falta de sentido. Nós nos descobrimos nesta realidade de busca da paz incompleta, impedida pelo pecado como um fato que se nos impõe e nos parece ser omnipersuasivo.

A pergunta fundamental que nos encaminha neste estudo nasce desta

situação humana. E é esta: Jesus Cristo é de fato o único mediador de salvação para a humanidade, diante desta realidade de mal e do sofrimento em nossa história? Como? Existem outros mediadores e mediações? Como encarar a existência de mediadores religiosos como Buda, Krishna, Maomé? Ou mediadores políticos como Mao, Che Guevara e tantos outros? Ou rituais e símbolos de ligação homem e divindade?

1. O que é mediação? Façamos antes de tudo uma clarificação terminológica. O que

entendemos por mediação? A etimologia desta palavra vem do grego “mesitées”: mediador, garante, coisa ou pessoa que dá garantia a um contrato. É também uma palavra ligada a testemunho, a negociação, até mesmo a agente de serviços.

Nas culturas: mediador é intermediário

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A mediação é um comportamento comum nas culturas, a figura do mediador é um fato comum tanto na vida política, econômica, jurídica como religiosa. Nas mais diferentes sociedades se dá a esta palavra um sentido religioso de ligação entre o homem e Deus. Assim todo culto é uma forma de mediação. Esta se mostra por uma figura e atividade sacerdotal que intermedia, num sentido cúltico, litúrgico. Mas mesmo na atividade medianeira de caráter religioso encontramos o uso de linguagens e de símbolos variados: linguagem jurídica, sociológica, histórica, moral, etc. Outro dado freqüente nestas experiências de mediação é uma espécie de relação triádica: Deus(1) - mediador(3) - homem(2); bem como o templo, o altar e a vítima.

2. Mediação e conceito de salvação nalgumas religiões.

“Coisas do diabo?” Nosso comportamento cristão com mediações e formas de salvação

noutras religiões, desde os Padres da Igreja no sexto século até hoje, foi permeada, com raras e ousadas exceções, por uma postura redutiva, exclusivista e excludente. Não é verdade que era norma para nós considerá-las “coisas do diabo”?

Hoje, após quatorze séculos, podemos, finalmente, aceitar com seriedade, consideração, discernimento e nos níveis adequados, a importância de presenças mediadoras como Confúcio, Tao, Maomé, Krishna e Zoroastro, como outrora Abraão e Moisés. Eles também tiveram importância no tempo devido, ou seja, nos tempos que constituíram as etapas pré-cristãs da descoberta do Deus que se autorevelou plenamente em Jesus Cristo.

A postura católica do Vaticano II: o diálogo O Concílio Vaticano II na Constituição dogmática sobre a Igreja no

mundo contemporâneo “Lumen Gentium” (LG) n.5-16 e no Decreto conciliar sobre a atividade missionária da Igreja “Ad gentes” n 3, insiste na necessidade de proclamar Jesus Cristo como único mediador no seu sentido próprio. Pede, ao mesmo tempo, uma postura atenta de diálogo com todas as demais buscas humanas de ordem religiosa, bem como, em nível de outras expressões culturais, filosóficas e ideológicas.

Na mesma Constituição “Lumen Gentium” (LG) se reconhece que todos os que vivem segundo a própria consciência tem a salvação, até o não crente (ateu). O Decreto sobre a atividade missionária da Igreja “Ad gentes” 1,23 e a Declaração sobre as relações da Igreja com as religiões não-cristãs

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“Nostra Aetate” 1,2,3 trazem o reconhecimento por parte da Igreja, das religiões como caminhos de mediação em vista de Cristo.

Os termos e ritos soteriológicos mais comuns que encontramos nas religiões em geral são sacrifício, culto dos antepassados, bem como, o conceito de “incarnações divinas” que aparecem para combater as forças do mal quando elas se tornam potentes.

Para bem da honestidade dialogal, vamos fazer um percurso resumido ao essencial no universo das grandes religiões da terra hoje, ou ditas religiões mundiais. Vamos detectar qual conceito de redenção ou salvação que apresentam diante dos mistérios do mal, do sofrimento e da morte.1

Hinduismo: a ignorância obriga ao ciclo do nascer-renascer

A pessoa humana para o hinduismo é uma centelha do divino, alma encarnada (atman) por causa da ignorância (avidya), isto é, um tipo de ignorância metafísica da verdadeira natureza do Uno ou uma espécie de ignorância original. A conseqüência desta situação é que o ser humano se encontra submetido à Lei do Karma ou renascimento. O ciclo nascimento-renascimento é conhecido como “Karma-samsara”, ou seja, lei da retribuição.

Isto quer dizer que o desejo egoísta que conduz à ignorância espiritual (avidya) é a fonte de todo mal, miséria e sofrimento no mundo.

Redenção para o Hinduismo: como libertar-se da lei do karma?

A redenção para o hinduismo é o “moksha mukti”, ou seja, a libertação da lei do karma. Para chegar a esta libertação, o ser humano possui três caminhos: a ação desinteressada, intuição espiritual e devoção total ao amor de Deus - só se atinge este nível com o auxílio da “graça” de Deus.

Budismo: a libertação vem de dentro O budismo refuta a autoridade dos Vedas, a utilidade dos sacrifícios;

não vê vantagens na metafísica sobre Deus e existência da alma em relação ao mistério do sofrimento no mundo.

Buda busca a libertação do sofrimento na interioridade do próprio homem. Sua intuição mostra que a raiz de todo mal e miséria está no desejo humano. É este que origina a ignorância (avidya) e é esta a razão última, a causa do ciclo nasce-renasce.

Pós-budismo: “a precariedade existencial” Após a morte de Buda, nascem escolas que aprofundam sua intuição: a

doutrina do karma como tendência implícita na ação do renascer. A vida 1 Cf. Il Regno 3(1996) pg. 71 “Relações com as religiões mundiais”.

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humana na história não tem fio condutor pessoal, real e existencial. São fragmentos existenciais sem ligação: nascer, crescer, decadência e morte.

Daí a doutrina da “anicca”, isto é, “não-permanência de toda a realidade”: esta é a idéia central para o budismo. A noção de precariedade existencial admite a possibilidade da existência da (atman) alma, e autoriza Buda a silenciar sobre a existência de Deus ou da alma. Para ele tudo é (maya) aparência. Nada se pode dizer sobre a realidade, positiva ou negativamente.

“Nirvana”: redenção para o budismo A redenção para o budismo é o “nirvana”, quer dizer, estado de

libertação deste mundo de aparência (maya). Libertada tanto da natureza fragmentária como desta existência precária, graças à supressão de todo desejo e de toda a consciência, passa para o estado puro, indeterminado e vazio.

Assim, o “nirvana”, realidade radicalmente diferente deste mundo transitório e cheio de tormentos (maya), - “nirvana” literalmente significa extinção, apagamento de todo desejo, como a luz de vela que se apaga quando a cera terminou - escapa a toda definição - mas ao mesmo tempo não é total extinção.

O “nirvana” não é tampouco uma fruição intelectual mas experiência não definível. É libertação dos desejos (brame) e do ciclo nascer-renascer-dor (dukkha).

Como chegar a este caminho de libertação (nirvana)? Basta seguir as oito pistas da retidão: Reto discernimento, reta intenção, reto modo de falar, reta conduta, reto emprego, reto esforço, reta contemplação, reta concentração (vinayama pitaka).

É bem clara a acentuação nos esforços humanos. Na perspectiva do budismo todos os outros caminhos religiosos são imperfeitos e secundários.

Islamismo: redenção é submissão a Alá

todo ser tem necessidade de salvação À semelhança do hebraismo e cristianismo, o Islã é monoteista, de

aliança com o Deus criador. A redenção está na fé, confiança e total submissão à vontade do Deus “grande e todo misericordioso”. O Islã se considera a religião da “submissão” à aliança de Alá. Ela vem desde os primórdios da humanidade, confirmada nas alianças sucessivas de Noé, Abraão, Moisés e Jesus. O Islã se considera o complemento de todas as alianças anteriores.

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O Islamismo não tem conceito de pecado original nem de redenção no sentido cristão. Para ele, todo ser tem necessidade de salvação. Esta se obtém pela fé absoluta em Deus. Assim salvação é sucesso, prosperidade. E mais, salvação é segurança e proteção. Deus é a segurança definitiva. Ele é a plenitude da salvação (gozo das delícias materiais e espirituais). Esta plenitude (gena - jardim de suprema felicidade) só acontece no juízo final e no além (akhira). A predestinação está na escolha que se faz. Com uma vida de boas obras e a fé se consegue o paraíso, do contrário, se escolhe o “nar”, isto é, o sofrimento no fogo infernal.

Meios para a salvação no Islã O Islamismo apresenta os seguintes meios para a salvação: a fé

professada, a oração ritual, esmola legal, jejum de Ramadã, peregrinação à casa de Deus e a Meca. Algumas tradições seguem a Jihad (luta, guerra santa) em defesa do Islã ou como luta espiritual pessoal.

Outras religiões Existem muitas outras religiões tradicionais, antigas e tribais. Também

chamadas de religiões naturais, com origem na antigüidade. Elas se tem sustentado por tradição oral com crenças, cultos e códigos morais.

Elas apresentam notas características como crer num Deus Supremo, criador, com nomes diversos mas com a nota predominante de ser incriado e eterno. Em geral, este ser supremo delega a divindades menores, chamados espíritos que interferem no bem estar ou desventura dos seres humanos. Diante deles o ser humano deve buscar favores.

Outra nota importante para as religiões tradicionais é o sentido de comunhão com os antepassados. Esta lembrança se faz numa postura de honra e não de adoração, como às vezes se difunde.

Há ainda outras formas de busca de salvação em muitos povos mostradas nos mitos e lendas épicas. Aparecem com freqüência os elementos de busca do estado de felicidade com Deus, a queda de uma situação ideal, expectativa de salvador, redentor. Em geral a salvação se processa na forma de reconciliação e harmonia com os antepassados defuntos, com os espíritos mediadores e com Deus.

3. As mediações de salvação, ideologias do mundo moderno Nosso mundo moderno tem mostrado insaciável sede de salvação.

Nota-se tal busca pela multiplicação dos novos movimentos religiosos e cultos modernos sob a etiqueta de “new age”; o aparecimento de ideologias propondo autonomia e emancipação com estilos de vida alternativos, bem como o cultivo do caráter revolucionário.

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Modernidade: auto-redenção humana O homem e a mulher contemporâneos parecem defrontar-se com duas

ofertas antagônicas: de um lado, a modernidade que por décadas estimulou nossa possibilidade de engendrar nossa própria segurança, sugerindo a certa altura a possibilidade de auto-redenção humana. Os frutos que temos colhido em relação aos dramas da dor, do sofrimento, do mal difuso contra a vida tem despertado o sentimento oposto, uma reação de desencanto na chamada pós-modernidade que desespera das possibilidades humanas e passa a crer numa espécie de salvação externa.

Pós-modernidade: a salvação externa Sempre em base à análise da condição humana, a pós-modernidade

oferece um pluralismo cultural e intelectual com fugas em diversões agradáveis, atrações efêmeras de hedonismo, e a oferta de novas mitologias e ideologias.

Vivemos situações de protesto contra a redução dos seres humanos e ambientes ao “self-service” da exploração e ditadura mercadológica; protesto também contra a desvalorização e banalização do lado escuro e misterioso da existência humana.

Para o homem e a mulher contemporâneos, a condição humana concreta está cheia de ambigüidade. Podemos observar também aqui duas componentes. A primeira é de que todo homem mostra um inestirpável desejo de vida, felicidade, realização. Para exemplificar, basta ver o imenso progresso da ciência e da tecnologia; a difusão dos Meios de Comunicação Social (MCS), os passos avançados do Direito privado, público e internacional.

A segunda componente é que vivenciamos constantemente a experiência do limite, da falência e do sofrimento. É uma experiência de âmbito individual e coletivo. Vemos as catástrofes e corrupção no mundo resultando um número incontável de pessoas que padecem terrível opressão, exploração, vítimas indefesas de um destino cruel. O sereno otimismo diante da tecnologia se esvai sempre mais.

Desafios para a doutrina da redenção É a este contexto de injustiça difusa e falta de esperança que a doutrina

da redenção deve anunciar Jesus Cristo como único mediador. Como fazê-lo? Qualquer que seja a abordagem da fé cristã, ela jamais se expressa com juízos apressados tipo refutação “in toto” ou acolhimento acrítico. A tendência é acolher sabiamente algumas “intuições fundamentais” sobre a verdade profunda da existência humana.

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Uma intuição fundamental é esta tendência do ser humano a ultrapassar o limite em vista da realização de sua vida. É próprio do ser humano crer que o mal e o sofrimento experimentados sejam “anormais”. O próprio protesto é sinal de busca de “algo melhor”, “algo mais”, “alguém maior”.

Um inconsciente desejo da salvação O homem e a mulher contemporâneos parecem não contentar-se tanto

em explicar sua condição mas parecem desejar, esperar - mesmo quando não o admitam explicitamente - uma libertação efetiva do mal, uma confirmação e realização de tudo o que é positivo na sua vida: o desejo do bem e do melhor.

Mas mesmo constatando toda esta voracidade epocal de busca do positivo, a Igreja não pode deixar de servir ao fundamental sobre a condição humana, que está na base dos problemas e das propostas de solução. É a questão: “qual é a verdade, o significado da existência humana?”

Redenção e esperança O que os seres humanos, de fato, podem esperar de definitivo? À

carência de esperança, aspecto mais crucial para a humanidade de hoje, é que a doutrina da redenção deve responder. Porque a redenção é a única realidade suficientemente profunda para persuadir as pessoas de que coisa existe de verdade dentro delas e de seu existir.2

2Idem no. 34.

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Segunda Parte

Mediação na Bíblia e

Jesus Cristo único mediador

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Introdução à segunda parte 1. Mais que necessidade e busca humana: salvação é iniciativa e

dom de Deus. O que vimos acima a respeito da satisfação das necessidades e

respostas às buscas humanas através de várias mediações de pessoas, cultos, ideologias, doutrinas religiosas e toda uma lista inumerável de filosofias e religiões, mitos e teogonias pode ser resumido na expressão de alguns teólogos como mediação ascendente.

Mediação ascendente A mediação ascendente descreve bem todos os esforços humanos em

busca de “algo melhor”, de enfrentamento e superação dos dramas inevitáveis à condição humana frutos do mal e geradores de sofrimento. E para atingir mesmo a raiz desta realidade ambígua devemos descrevê-la como realidade fruto do pecado humano.

Sem desmerecer todo este esforço humano, ao contrário, o estimula, a mediação bíblica e cristã, apresenta um tipo de mediação única e irrevogável, ou seja, a busca do homem e de todo o criado da parte de Deus cujo ápice de atuação explode em Jesus, o Cristo, o “esperado das nações” no dizer bíblico.

Mediação descendente A esta mediação querida e vivida pela Santíssima Trindade a teologia

tem designado como mediação descendente. Nesta parte de nosso estudo nos dedicaremos em profundidade a pesquisar o mistério do desígnio deste Deus obstinado na caminhada de libertação de e com suas criaturas.

Em Jesus a unicidade medianeira perfeita: do ascendente e descendente

A cada passo do seguimento deste estudo veremos o cruzamento das propostas de Deus (mediação descendente) com as respostas humanas ( mediação ascendente), atentos sempre à forma como Jesus, o crucificado ressuscitado, realiza de modo único sua resposta de amor a Deus e como Deus se realiza em sua revelação de amor pleno em Jesus Cristo. Assim, nele acontece a unicidade perfeita das duas mediações.

Tendências hermenêuticas sobre a mediação de Jesus: nem tanto ao mar, nem tanto à terra.

No esforço de reflexão teológica sobre a forma de mediação “ascendente e descendente” em Jesus, um certo número de teólogos católicos contemporâneos está procurando manter em tensão os temas “ascendentes” e “descendentes” da soteriologia clássica. Muitas vezes,

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pendendo para uma teologia narrativa ou dramática, estes autores tem recuperado temas importantes nos textos bíblicos, em Irineu, Agostinho e Tomás de Aquino. Nosso estudo se baseia em material tirado de uma multiplicidade de autores recentes que procuram rever a fundo e dar sustentação teológica ao clima de diálogo com outras religiões retomado pela Igreja.

É acentuado ainda entre os católicos o comportamento fruto de várias

teorias com forte acento legalístico, onde a mediação de Jesus aparece com grande peso reparador ou substitutivo de nossa pena e responsabilidades.3

Como alternativa a esta visão há, felizmente outras teorias de autores recentes que acentuam em vez, o que definem como mediação de primado representativo.

A teoria do primado representativo de Jesus Cristo A teoria do primado representativo entende a redenção como

intervenção misericordiosa de Deus na situação humana de pecado e de sofrimento. O Verbo encarnado se torna o ponto de encontro para a constituição de uma humanidade reconciliada e salva. Toda a vivência de Jesus, incluído os mistérios de sua vida escondida e pública, é redentora, mas alcança o cume no mistério pascal, por meio do qual Jesus, com sua submissão plena de amor à vontade do Pai, fruto de uma obediência voluntária e livre, realiza um novo pacto de aliança entre Deus e a humanidade.4

A morte de Jesus, que deriva inevitavelmente da sua corajosa oposição ao pecado humano, constitui o ato supremo de seu dom sacrificial, e sob tal aspecto é agradável ao Pai, porque repara de modo eminente a desordem do pecado. Sem ser pessoalmente culpado ou ser punido por Deus pelos pecados dos outros, Jesus se identifica por amor com a humanidade pecadora e experimenta o sofrimento de sua separação de Deus.

Na sua mansidão Jesus permite aos seus inimigos descarregar sobre si o seu rancor. Revidando ao ódio com amor e aceitando sofrer como se fosse culpado, Jesus torna o amor misericordioso de Deus presente na história e abre um canal através do qual a graça redentora pode fluir no mundo.

A obra da redenção se completa na vida ressuscitada do Salvador. Ao ressuscitar Jesus dos mortos, Deus o constitui fonte de vida para muitos. A ressurreição é a efusão do amor criador de Deus no espaço vazio criado pelo sacrifício “kenótico” (esvaziamento de si) da parte de Jesus. Através de

3Idem no. 37 4idem no. 39ss.

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Cristo ressuscitado que age no Espírito Santo, o processo de redenção continua até o fim dos tempos, na medida que novas pessoas são “inseridas” no corpo de Cristo.

Os pecadores são remidos quando se abrem ao dom generoso de si feito a Deus em Cristo; quando, com o auxílio da graça, imitam a sua obediência e quando recolocam a própria esperança de salvação na incessante misericórdia de Deus em seu Filho. Ser salvos, em resumo, significa entrar em comunhão com Deus através da solidariedade com Cristo. No corpo de Cristo, os muros da divisão vão aos poucos sendo derrubados e se atingem a reconciliação e a paz. Para o acolhimento deste primado representativo de Jesus por parte da humanidade a preparação pedagógica de Deus foi longa e paciente.

Nosso trabalho agora vai beber na fonte bíblica desta água da vida que

é Jesus Cristo como torrente de salvação. Com este procedimento vamos aprendendo com Deus qual o nosso procedimento junto às outras mediações humanas respeitando-lhes as etapas de acordo com a orientação do Espírito Santo.

2. A mediação no Antigo Testamento Antigo testamento: mediação e aliança

Não se pode pensar em mediação vetero-testamentária sem a referência-chave ao termo “diateke”, ou seja, a experiência da aliança. Assim, na mediação soteriológica, isto é, de história da salvação, aparecem como noutras religiões três elementos: Deus (1), intermediário(3), homem (2). O intermediário media a aliança. Assim, em Israel Javé dá a sua lei a Moisés. Deus dá aos homens a sua bondade através de seu mediador.

Mediação é libertação O próprio nome Javé significa o Deus que dá a vida e liberta a vida

aprisionada. Na experiência do povo hebreu a mais profunda lembrança é de que Ele é o Deus da libertação tendo como paradigma a memória do Êxodo, da escravidão no Egito. Javé liberta seu povo pela mediação de Moisés. A liberdade é sinônimo de salvação.

A mediação sacerdotal A aliança se faz e se refaz também pelos ritos sacerdotais na caminhada

da libertação do Egito (Araão), e ainda antes ao tempo dos patriarcas (Melquisedeque). Araão é sumo sacerdote, Israel gera uma tribo sacerdotal, a de Levi. Entre eles, com a instituição do sumo sacerdócio, a linguagem litúrgica se torna mediadora.

A mediação simbólica do sangue

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“Depois o sacerdote consagrado pela unção tomará um pouco de sangue deste novilho e o levará à Tenda da Reunião.” (Lev 4,5ss).

Assim o sangue e todos os elementos rituais de sacrifício se tornam purificação simbólica.

“Porque a vida da carne está no sangue. E este sangue eu vo-lo tenho dado para fazer o rito de expiação sobre o altar, pelas vossas vidas; pois é o sangue que faz expiação pela vida.” (Lv. 17,11ss).

Portanto, o sangue é usado como elemento fundamental de mediação, purifica e restaura a comunhão, reconcilia e refaz a aliança.

A mediação e a regalidade Outro tipo de mediação aparece na época da monarquia: o rei se torna o

intermediário entre Javé e seu povo. É uma forma de mediação “representativa” bem própria do judaísmo já desde os tempos de Noé e dos patriarcas. Com a queda da monarquia é que aparece a necessidade de um novo libertador.

Os profetas se sentem impelidos a serem intermediários da aliança e falam pela força de Javé. O profetismo acorda uma época de futuro, de esperança, de expectativa pela vinda de um futuro messias.

O profetismo e o messias mediador

Isaías será o maior dos expoentes na elaboração da figura do messias mediador.

“Pois sabei que o Senhor mesmo vos dará um sinal: Eis que a jovem concebeu e dará à luz um filho e por-lhe-á o nome de Emanuel” (Is 7,14).

O próprio nome simbólico Emanuel que quer dizer “Deus conosco” aponta para uma salvação onde Deus vai proteger e abençoar.

Isaías encaminha para uma salvação futura a partir de um anúncio messiânico imediato diante do Rei:

“Porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado, ele recebeu o poder sobre seus ombros, e lhe foi dado este nome: Conselheiro maravilhoso, Deus-forte, Pai-eterno, Príncipe da Paz, para que se multiplique o poder, assegurando o estabelecimento de uma paz sem fim sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, firmando-o, consolidando-o sobre o direito e a justiça. Desde agora e para sempre, o zelo de Javé dos Exércitos fará isto.” (Is 9,5-6).

Textos com expressões centrais dos profetas para o discernimento messiânico

A elaboração profética da figura do messias se desenvolve de tal maneira que se tornará chave de leitura para a mediação única de Jesus da

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parte dos evangelistas e de todo o novo testamento. Vejamos as características mais determinantes para a cultura hebraica.

O mediador será um messias sacerdote O mediador será um messias sacerdote: além do que já vimos acima

respeito à característica sacerdotal própria da tribo de Levi, o profeta Ezequiel numa situação de iminente destruição de Israel apresenta a figura de um messias sacerdote que num gesto litúrgico utiliza símbolos e linguagem própria do culto.

“...Isto será um sinal para a casa de Israel. Deita-te sobre o teu lado esquerdo e toma sobre ti a culpa da casa de Israel. Levarás a culpa de Israel durante todos os dias em que ficares deitado sobre o teu lado.” ( Ez 4,1-4).

Ezequiel: o mediador será um messias pastor O mediador será um messias escatológico, pastor. Essa imagem é rica e

das mais profundas onde Javé assume o comportamento de pastor zeloso de seu povo, para além de suas múltiplas infidelidades. O tema é caro aos profetas sobretudo Ezequiel e Jeremias.

Vejamos dois textos paradigmáticos: o primeiro é de Ezequiel 34. Todo o capítulo é uma descrição do amor pastoral de Javé em comparação ao desleixo dos pastores humanos que em vez de cuidar do bem das ovelhas, “apascentam apenas a si mesmos” (v.1b.8b.).

“Não restaurastes o vigor das ovelhas abatidas, não curastes a que está doente, não tratastes a ferida da que sofreu fratura, não reconduzistes a desgarrada, não buscastes a perdida, mas dominastes sobre elas com dureza e violência” (Ez 34,4).

Javé questiona os seus mediadores e confirma sua resolução de amor

zeloso e ciumento pelas ovelhas: “Eu mesmo cuidarei do meu rebanho e o procurarei...” (Ez 34,ll). E o profeta anuncia um novo elemento onde Deus se declara Javé-

pastor e anuncia um messias pastor: “Suscitarei para elas um pastor que as

apascentará, a saber, o meu servo Davi: ele as apascentará” (Ez 34,23); ... “concluirei com elas uma aliança de paz”... (Ez 34,25); ... “e saberão que eu sou Javé, quando eu quebrar as varas do jugo e as libertar da mão dos que as sujeitavam” (Ez 34,27)... “E vós, minhas ovelhas, vós sois o rebanho humano do meu pasto e eu sou o vosso Deus, oráculo do Senhor.” (Ez 34,31).

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São verbos fortes que denotam o comportamento de Deus que

obstinadamente mantém sua fidelidade à aliança feita com seu povo: Eu procurarei..., reconduzirei...; repousarão;...eu as salvarei; ...apascentarei...; concluirei nova aliança. Deus repropõe a salvação como aliança de paz, recuperando as imagens dos tempos de Noé e dos patriarcas.

Jeremias: educa para a nova aliança O profeta Jeremias anuncia a profundidade da relação de aliança

desejada por Javé, uma aliança espiritual. “Eis que virão dias - oráculo de Javé - em que selarei com a casa de

Israel uma aliança nova. Não como a aliança que selei com seus pais, no dia em que os tomei pela mão para fazê-los sair da terra do Egito - minha aliança que eles mesmos romperam... Eu porei a minha lei no seu seio e a escreverei em seu coração. Então eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo. Eles não terão mais que instruir seu próximo ou seu irmão, dizendo: ‘Conhecei a Javé!’ Porque todos me conhecerão, dos menores aos maiores, - oráculo de Javé - porque vou perdoar sua culpa e não me lembrarei mais de seu pecado.” (Jer 31,31-34).

Isaías: o messias Servo de Javé É na escola de Isaías que se elaboram as características messiânicas do

personagem mais misterioso e completo aplicado a Jesus Cristo pelos evangelhos e os escritos do Novo Testamento. Trata-se do canto do Servo de Javé.

“Eis o meu servo que eu sustento, o meu eleito, em quem tenho prazer” (v.1)... “não vacilará nem desacorçoará até que estabeleça o julgamento na terra; na sua lei as ilhas põem a sua esperança” (v.4)... “Assim diz Javé que criou os céus e os estendeu; fez a imensidão da terra e tudo o que dela brota; fez o sopro de vida aos que se movem sobre ela. Eu, Javé, te chamei para o serviço da justiça, tomei-te pela mão e te modelei, eu te pus como aliança do povo, como luz das nações, a fim de abrir os olhos dos cegos, a fim de soltar do cárcere os presos e da prisão os que habitam nas trevas.” (Is. 42, 1-9).

A insistência com a salvação universal O Espírito de Javé anuncia seu servo como o libertador não apenas para

Israel mas para todos os povos. Esta libertação atinge tudo e todos. O caráter de salvação universal é rebatido com insistência pelos profetas, sobretudo Isaías. O Servo e Javé se apresentam como luz de salvação para todos os povos.

Exemplo desta insistência são os versos do canto do Servo de Javé.

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“Ilhas, ouvi-me! Povos distantes, prestai atenção! Desde o seio materno Javé me chamou, desde o ventre de minha mãe pronunciou o meu nome. De minha boca fez uma espada cortante, abrigou-me na sombra de sua mão; fez de mim uma seta afiada, escondeu-me na sua aljava. Disse-me: ‘Tu és meu servo, Israel, em quem me gloriarei.’ Mas eu disse: ‘Não foi em vão que me fatiguei, debalde, inutilmente, gastei minhas forças.’ E no entanto meu direito e meu salário estão com Javé” ...Também te estabeleci como luz da nações a fim de que minha salvação chegue até as extremidades da terra.” (Is 49,1-7).

O servo assume o caminho paradoxal do sofrimento A glorificação e prosperidade do servo de Javé segue um caminho

absurdo de sofrimento e de desprezo. Ele traz a salvação pelo caminho paradoxal do sofrimento. O quarto canto do Servo inicia em Is 52, 13-14.

“Eis que o meu Servo há de prosperar, ele se elevará, será exaltado, será posto nas alturas. Exatamente como multidões ficaram pasmadas à vista dele - tão desfigurado estava o seu aspecto e a sua forma não parecia a de um homem”.

Este modo de salvação provoca reações de espanto em todos os povos. Mas a tentação de exclusão de qualquer povo é afastada mais uma vez.

“Agora numerosas nações ficarão estupefatas a seu respeito, reis permanecerão silenciosos, ao verem coisas que não lhes haviam sido contadas e ao tomarem consciência de coisas que não tinham ouvido.” (Is 52,15).

O servo sabe que sofre pela “nova justiça”, isto é, relação justa Os sofrimentos do Servo são descritos de forma forte e clara, chega a

ferir nossa sensibilidade e provoca arrepios. Sua reação silenciosa, entretanto, mostra uma personalidade de quem está consciente das razões do próprio sofrimento. Os sofrimentos do Servo tem como causa uma nova “justiça” universal - uma “justificação” universal.

Como mediador, como “certificado de garantia” de salvação, este deve realizar toda a “justiça” (justiça==relação justa). Justiça significa no contexto bíblico exatamente a realização de relações adequadas com Deus da parte de um homem, e da realização da relação radical do amor de Deus por nós.

O Servo percorre uma estrada de mão dupla. Ele vivencia a estrada da relação de justiça, de amor, de entrega. Ele consegue viver, um nível de reciprocidade e obediência entre o divino e o humano e entre o humano e o humano com jeito inédito, como um servidor sofredor de Javé. O servo é o

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anúncio da maior esperança para os homens de todos os tempos, ou seja, ele vive a experiência da possibilidade de superação do pecado e da morte.

Em Jesus, esta vivência será única e irrepetível porque em sua pessoa toda esta “justiça” será revelada. Jesus amadurecerá a consciência de Servo de forma radical, por isso, irá decepcionar desde pessoas íntimas de seu aconchego familiar até distantes, em sua roda de convivência cultural e epocal. Vai continuar sendo sinal de contradição em todos os tempos e culturas, porque escolheu obedecer os caminhos destinados ao “Servo de Javé”, radicalmente, sendo solidário na dor e no sofrimento até o fim, para extirpar o mal e o pecado.

O texto paradigmático de Isaías É certamente por isso que a profecia de Isaías 53, 1-12 tornar-se-á

cerca de duzentos anos mais tarde, o referencial culminante das descrições messiânicas aplicadas a Jesus pelo novo testamento. O texto além do conteúdo, se apresenta com roupagem de poesia comovente.

“Quem acreditou naquilo que ouvimos, e a quem se revelou o braço de Javé?

Ele cresceu diante de Javé como um broto teimoso, como raiz que brota de uma terra seca;

não tinha beleza nem esplendor que pudesse atrair o nosso olhar, nem formosura capaz de nos deleitar. Era desprezado e abandonado pelos homens, um homem sujeito à dor, familiarizado com a enfermidade, como uma pessoa de quem todos escondem o rosto; desprezado, não fazíamos caso nenhum dele. E no entanto, eram as nossas enfermidades que ele levava sobre si, as nossas dores ele carregava. Mas nós o tínhamos como vítima e castigo, ferido por Deus e humilhado. O Servo foi trespassado por causa das nossas transgressões, esmagado em virtude de nossas iniquidades. O castigo que havia de trazer-nos a paz, caiu sobre ele, sim, por suas feridas fomos curados. Todos nós como ovelhas, andávamos errantes, seguindo cada um o seu próprio caminho, mas Javé fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós. Foi maltratado, mas livremente humilhou-se e não abriu a boca, como um cordeiro conduzido ao matadouro;

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como uma ovelha que permanece muda na presença de seus tosquiadores ele não abriu a boca. Após a detenção e julgamento, foi preso.

Dentre os seus contemporâneos, quem se preocupou com o fato de ter ele sido cortado da terra dos

vivos, de ter sido ferido pela transgressão do seu povo? Deram-lhe sepultura com os ímpios, o seu túmulo está com os ricos, se bem que não tivesse praticado violência nem tivesse havido engano

em sua boca. Mas Javé quis feri-lo, submetê-lo à enfermidade. Mas, se ele oferece a sua vida como sacrifício pelo pecado, certamente verá uma descendência, prolongará seus dias, e por meio dele o desígnio de Deus há de triunfar. Após o trabalho fatigante de sua alma ele verá a luz e se fartará. Pelo seu conhecimento, o justo, meu Servo, justificará a muitos e levará sobre si nossas transgressões. Eis por que lhe darei um quinhão entre as multidões; com os fortes repartirá os despojos, visto que entregou a sua alma à morte e foi contado entre os

transgressores, mas na verdade levou sobre si o pecado de muitos e pelos

transgressores fez intercessão.” 3. Um parênteses para a noção de pecado.

Pecado e cristianismo Somos obrigados nesta altura de nosso estudo a fazer um parênteses

sobre a noção de pecado. Desde o início desta reflexão temos falado do pecado. Sobretudo nesta

última análise do conceito de mediação no Antigo Testamento que insiste em apresentar o messias mediador com a consciência de Servo de Javé “que levava sobre si o pecado de muitos”. Na verdade o conceito de pecado é fundamental na Bíblia e no cristianismo para entender e enfrentar a raiz do mal no mundo. Por isso não podemos continuar tratando um tema como teologia da redenção sem deixar claro os aspectos básicos deste fato determinante, embora seja tema misterioso e controvertido, mas que para o cristianismo é o gerador de todo o processo de mal no mundo: o pecado.

Pecado como relação danosa à nossa própria humanidade

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A nossa noção de pecado tem sido muito reduzida ao racional, jurídico e moralístico. Nosso Deus é antropomórfico, é projeção de nossos pensamentos, de nosso modo de ser e de agir. Dizemos, por exemplo, que Deus “fica brabo”. Isto é projeção de nossas emoções e sentimentos porque na verdade Deus não pode ficar nervoso. Numa relação injusta o ofendido não é Deus mas a humanidade do homem. Deus jamais se ofende com nossos pecados. A lei está dentro das coisas, dos seres. Uma árvore, por exemplo, não pode abdicar de sua “arboricidade”.

O homem também não pode abdicar de sua transcendência. O homem é homem porque é transcendente. Se não o é, se reduz. Como nos explica São Paulo aos Romanos 1,18ss.

“Pois tendo conhecido a Deus, não o honraram como Deus nem lhe renderam graças; pelo contrário, eles se perderam em vãos arrazoados, e seu coração insensato ficou trevas. Orgulhando-se de possuir a sabedoria, tornaram-se tolos e trocaram a glória do Deus incorruptível por imagens do homem corruptível, de aves, quadrúpedes e répteis”.

Assim, o homem sem Deus se reduz a animal. Pecado e humanidade atual

De outro lado, para o pensamento moderno, secularizado e científico este assunto de pecado não interessa. É só um problema de educação, programação da vida humana, valores humanos e sociedade, dizem muitas correntes de opinião.

Na verdade, pecado é antes de tudo uma relação negativa com Deus e com o próximo. É um modo de ser “menos humano”. É toda relação que destrói parte da minha humanidade, que diminui meu jeito de ser verdadeiramente humano. Assim, pecado é antes de tudo toda relação desumanizadora. É não chegar à verdadeira humanidade, é nos destruir por dentro, é diminuir nosso dinamismo existencial. Não é lei positiva de fora do homem, mas é sua própria estrutura existencial que está em jogo, sua estrutura interna, estrutura de seu próprio coração. O ofendido não é Deus mas a humanidade do homem.

Pecado como relações ditadas pelo coração Quando a bíblia fala em coração, quer descrever esta realidade interna

que constitui o homem: inteligência, liberdade, ego, espírito, centro de nossa existência. E para a bíblia esta realidade é pecaminosa; o coração do homem é dificilmente curável e precisa da graça de Deus. É neste sentido que se expressa o salmo 139, 23:

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“Sonda-me, ó Deus, e conhece meu coração! Prova-me, e conhece minhas preocupações! Vê se não ando por um caminho fatal e conduz-me pelo caminho eterno.”

O pecado é toda esta relação que arruina o coração da pessoa humana. Não é um fato ou uma transgressão externa, mas íntima porque atinge o ontológico, nega a transcendência e todas as próprias potencialidades da pessoa.

Em Jer 18,12: “Mas eles dirão: ‘É inútil! Nós seguiremos nossos planos; cada um

agirá conforme a obstinação de seu coração malvado.’” E Deus sonda os corações: “Javé dos Exércitos, que julgas com justiça, que perscrutas os rins e o

coração” (Jer 11,20). A etimologia grega da palavra pecado já expressa bastante este seu

significado: , , isto é, errar o alvo, perder a meta, perder o horizonte, falhar na hora agá.

Diferença entre cristianismo e outras religiões: salvação não se consegue sozinho!

O anti-pecado é recriar-se à imagem de Deus. Não é sobretudo expiação de culpa e propiciação. Mas ultrapassagem e desenvolvimento da capacidade de superar-se. Todo homem sente o pecado. A fragilidade é uma experiência universal. Mas a experiência já do Antigo Testamento bíblico mostra que a recriação, salvação, não se consegue sozinho. O homem precisa de Deus.

Aqui se pode perceber uma diferença grande entre as religiões do Oriente e o Cristianismo. Para elas, o homem pode libertar-se sozinho, para o cristianismo em vez, não é possível a libertação sem Deus. O homem precisa de mediador, de modelo. Um longo e precioso texto bíblico, aprofunda tanto o conceito desta nossa situação de pecado, de nossa fragilidade ontológica, quanto o de lei. Dando a esta palavra o significado de todo esforço humano em qualquer cultura ou religião.

São Paulo: Lei e pecado, esforço humano versus fragilidade

O texto é da carta de Paulo aos romanos e nos capítulos 1,18-3,20. Paulo valoriza todo esforço humano em qualquer religião, e mesmo nos sem-religião ou conhecimento. Segundo Paulo, a lei, isto é, todo esforço humano, a consciência da pessoa, já vem com a natureza:

“Eles, os gentios, mostram a obra da lei gravada em seus corações, dando disto testemunho sua consciência e seus pensamentos que

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alternadamente acusam ou defendem... no dia em que Deus - segundo o meu evangelho - julgará, por Cristo Jesus, as ações ocultas dos homens”.

E explica ainda que esta lei, o esforço humano, porém, não consegue libertar-nos de nossa fragilidade estrutural, não nos consegue salvar do pecado, apenas nos torna conscientes de nossa condição pecadora.

“Porque diante dele ninguém será justificado pelas obras da lei (esforço humano), pois da lei vem só o conhecimento do pecado” (Rm 3,20).

Só a Justiça de Deus é poderosa para extirpar o pecado pela raiz

Aí entra o conceito de redenção não como satisfação de um Deus ofendido, mas recriação do homem na imagem originária de Deus, segundo o modelo de Cristo. Neste caso redenção é revelação: revelação da “justiça”.

“Agora, porém, independentemente da Lei, se manifestou a justiça de Deus, testemunhada pela Lei e os Profetas, justiça de Deus que opera pela fé em Jesus Cristo...são justificados gratuitamente, por sua graça, em virtude da redenção realizada em Cristo Jesus” ( Rm 3,21ss).

Portanto, só Deus nos torna justos, com relações justas, positivas, de crescimento dinâmico e permanente na relação com Ele e com o próximo.

4. A mediação no Novo Testamento Os evangelhos, as cartas de Paulo como já pudemos observar, a carta

aos Hebreus, o livro da Revelação, partem do mesmo “a priori” visto acima de que o pecado é uma experiência universal e que o homem é incapaz de se salvar sozinho, de superar sozinho sua realidade pecadora. Mas em Jesus toda promessa se cumprirá, isto é, a salvação se realizará.

Mediação em Mateus: as figuras do AT se contretizam em Jesus

Assim em Mateus aparece Jesus (Ieshuá=Deus salva): “Ela dará à luz um filho e tu o chamarás com o nome de Jesus, pois ele

salvará o seu povo de seus pecados” (Mt 1,21). Em cumprimento das promessas antigas de Javé como vimos acima.

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Figura do Pastor Nele se realiza a mediação como messias pastor anunciado por

Ezequiel 34 e Miquéias. “E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és o menos entre os clãs de

Judá, pois de ti sairá um chefe que apascentará Israel, o meu povo” (Ez 2,6 = Miq 5,1).

Figura do Rei A palavra mágica do tempo de salvação é o “reino dos céus=de Deus”,

um reino de justiça, ou seja, de relações adequadas entre Deus e o homem pela sua conversão.

“A partir deste momento começou Jesus a pregar e a dizer: ‘Arrependei-vos, porque está próximo o Reino dos Céus”.

A realeza de Deus sobre o povo eleito e por meio dele sobre o mundo, ocupa o centro da pregação de Jesus, como ocupava no ideal teocrático do AT.

Essa realeza, comprometida em virtude da revolta do pecado, deve ser restabelecida por uma intervenção soberana de Deus e do seu Messias, não por um triunfo guerreiro e nacionalista como a maioria o imaginava, mas à maneira do “Servo” como “filho do homem”. De outro lado alcançará as profundezas espirituais das pessoas humanas, isto é, os seus corações.

Ritual do sangue No final de seu evangelho, Mateus desenvolve o tema do sacrifício no

“sangue de Jesus”. “Bebei dele todos, pois isto é o meu sangue, o sangue da Aliança, que é

derramado por muitos para a remissão dos pecados” (Mt 26,28). Notemos a expressão “por muitos ou por vós”. Ela mostra a causa da

morte de Jesus, pela nossa salvação, isto é, de todas as pessoas. O tema do sangue que significa vida, ocupava lugar de destaque no culto de Israel, na oferta dos sacrifícios.

Mediação em Marcos Figuras do Reino, conversão interior, resgate e sangue

“Depois que João foi preso, veio Jesus para a Galiléia proclamando o Evangelho de Deus: Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho”.(Mc l, 14-15).

“Pois o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mc 10, 45).

“E disse-lhes: ‘Isto é o meu sangue, o sangue da Aliança, que é derramado em favor de muitos’.” (Mc 14,24).

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“E disse-lhes: ‘Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura. Aquele que crer e for batizado será salvo; o que não crer será condenado.” (16,15-16).

Mediação em Lucas A remissão dos pecados para todos os povos

“E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo; pois irás à frente do Senhor,, para preparar-lhe os caminhos, para transmitir ao seu povo o conhecimento da salvação, pela remissão de seus pecados.” (Lc 1,76-77).

“...porque meus olhos viram a tua salvação, que preparaste em face a todos os povos, luz para iluminar as nações, e glória de teu povo, Israel.” (Lc 2,29-32).

“...enviou-me para proclamar a remissão aos presos...”. (Lc 4,18). “...e que, em seu Nome, fosse proclamado o arrependimento para a

remissão dos pecados a todas as nações.” (Lc 24,47). Salvação em João é vida

O conceito de salvação se expressa na imagem da vida: vida em abundância, irrevogável, como redenção do pecado.

...“para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (Jo 3,16b).

“Esses, porém, foram escritos para crerdes que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome.” (Jo 20,31).

Em João o tema da salvação aparece ainda com várias outras imagens como centro da mensagem em cada bloco de seu evangelho:

cap. 1: salvação aparece como vida, iluminação. cap. 3: é o texto de Nicodemos - “nova vida”. cap. 4: é o texto da Samaritana - “água viva”. cap. 5: Jesus é o doador da vida. cap. 6: Jesus é o pão da vida. cap. 7: Jesus é água viva. cap. 10: Jesus é o Bom Pastor que dá a vida. cap. 11: Ele é vida e ressurreição. cap. 13-17: discurso final - sentido sacrificial de sua morte. Como podemos ver, cada evangelista sublinha uma linguagem e uma

imagem própria, de acordo com a comunidade à qual escrevem. O fundamental, no entanto, permanece. É preciso lembrar um destaque para a expressão “em meu nome”, que quer dizer “em minha pessoa”, lembrados de que o nome de Jesus significa “Deus nos salva”. É uma expressão freqüente e comum a todos os evangelistas.

Mediação em Paulo

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É reconciliação e justificação A teologia da redenção em Paulo apresenta a mediação como

reconciliação e justificação. Este conceito será mantido até Agostinho. Jesus é o mediador verdadeiro por causa da sua encarnação, vida, paixão, morte e ressurreição. Toda palavra escrita nos papiros ou nos corações, ou na própria criação encontra Nele a sua realização, o seu sentido completo.

Tanto a mediação ascendente como descendente se realizam plenamente em sua vida e em sua pessoa. Paulo escreve:

“Se alguém está em Cristo, é nova criatura. Passaram-se as coisas antigas; eis que se fez uma realidade nova. Tudo isto vem de Deus que nos reconciliou consigo por Cristo e nos confiou o ministério da reconciliação. Pois era Deus que em Cristo reconciliava o mundo consigo, não imputando aos homens as suas faltas e colocando em nós a palavra da reconciliação. Sendo assim, em nome de Cristo exercemos a função de embaixadores e por nosso intermédio é Deus mesmo que vos exorta. Em nome de Cristo suplicamo-vos: reconciliai-vos com Deus. Aquele que não conhecera o pecado, Deus o fez pecado por causa de nós, a fim de que, por ele, nos tornemos justiça de Deus.” (2Cor 5, 17-21).

Notamos neste texto os elementos básicos constitutivos da mediação única de Jesus. Deus o fez “pecado”, isto é, todas as conseqüências do pecado estavam nele, ele as carregou até a conseqüência maior: a morte. Ele se torna o primeiro destinatário da salvação: Deus o salvou da morte. Deus o libertou das conseqüências do pecado. Assim, ele se torna o “primeiro dos irmãos” ( 1Cor 15-20), o primeiro destinatário da salvação enquanto homem.

Aparece aqui ao mesmo tempo o mistério de Deus justo. A mediação cristã depende essencialmente do mistério de Deus, de sua essência, de seu modo de ser. Se Deus é trinitário isto significa que a mediação também é realizada em conjunto pelo Pai na sua relação de fonte e autoria da salvação; no Filho encarnado, qual Palavra tornada realidade e pelo Espírito Santo presença e graça constante na obra de Jesus. Nele a mediação trinitária se realiza nos seus desígnios de amor por nós e todas as criaturas. Deus reconciliou o mundo em Cristo. Na carta aos Colossenses em vez, Paulo aprofunda o tema da salvação como recapitulação e que será desenvolvido por Irineu.

Somos “embaixadores de salvação” No texto acima, Paulo apresenta ainda o fundamento de nossa

continuidade de sua missão medianeira a serviço de toda a criatura: “embaixadores de salvação”. Assim ele nos torna também “justiça de Deus”,

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isto é, capazes por Cristo de relação justa entre Deus e nós, e entre nós e Deus. Assim todo “esforço humano” não é vão na história e se torna elemento positivo de história de salvação.

É bom lembrar aqui dois aspectos importantes neste nosso estudo da unicidade medianeira ou mediúnica de Jesus Cristo diante da avalanche de problemas de nossa humanidade: o nosso trabalho não é de resolver todos os problemas teológicos do mundo, mas viver segundo o ensinamento de Jesus Cristo. Depois, é o fato de que não podemos esquecer que a mais profunda teologia é sempre a bíblia.

5. Jesus: único mediador, segundo Paulo Daí, continuarmos a inferir os aspectos da unicidade medianeira de

Jesus na teologia de Paulo, cuja aproximação com o mundo além-Israel lhe custou todos os sacrifícios e até a vida. Um texto forte sobre mediação de Jesus está na sua primeira carta escrita a Timóteo, jovem animador presbítero e bispo nas primeiras comunidades cristãs fora do mundo israelita. É carta da maturidade paulina. 1Tm 2, 3-7. Ele escreve de uma cadeia. Verso 3:

“Eis o que é bom e aceitável diante de Deus, nosso Salvador, que quer que todos os homens sejam salvos” (vv. 3-4a). Deus é autor da salvação e sua vontade salvífica é universal. Paulo recebeu do Senhor (v.7) a missão de pregar a salvação oferecida a todos. Deus manifesta a sua vontade única, embora seja trino, de salvar a todos, é uma resolução sem retorno, mostra ser uma espécie de constitutivo de sua identidade: Deus salvador. “..quer que todos os homens cheguem ao conhecimento da verdade” (v. 4b.): aqui se trata de um conceito bem diferente do que damos, nós os ocidentais, à palavra conhecimento, em geral ligado à fruição racional. Na bíblia em geral o termo conhecimento quer dizer experiência profunda, comunhão em todos os níveis: somático, psíquico e sobretudo espiritual. É saborear a “verdade”, ou seja, a presença do Deus Trinitário e salvador e curtir a alegria da revelação da verdade sobre nós mesmos: “libertos ao seu amor e destinados a ser filhos adotivos”.

Portanto, é um conhecimento que compromete o empenho de toda a vida.

Na pessoa de Jesus: unicidade de Deus, de homem e de oferta v.5: “Pois há um só Deus, e um só mediador, entre Deus e os homens,

um homem, Cristo Jesus, que se deu em resgate por todos.” Paulo atinge aqui outra diferenciação única da mediação cristã: a

unicidade de Deus que salva, do homem mediador e da oferta de si mesmo

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para o resgate de todos. Portanto, no homem Jesus que também é Cristo por que se deu a si mesmo. Unicidade de Deus, salvação, mediador e mediação.

Paulo insiste em seus escritos às comunidades sobre esta unicidade na pessoa humana de Jesus tornado o Cristo, Senhor, não apenas homem por que foi glorificado. Em Rm 1,3-4:

... “e que diz respeito a seu Filho, nascido da estirpe de Davi segundo a carne, estabelecido Filho de Deus com poder por sua ressurreição dos mortos, segundo o Espírito de santidade, Jesus Cristo nosso Senhor”...

Em Jesus Cristo: um só corpo, um só Senhor, uma só fé, um só Deus, um só batismo

Em Ef 4,4-6 no contexto de busca de unidade interna da comunidade se expressa a unicidade própria de Jesus Cristo:

“Há um só Corpo e um só Espírito, assim como é uma só a esperança da vocação a que fostes chamados; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; há um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio de todos e em todos.”

A unicidade jesuânica se mostra também na criação e salvação, Jesus Cristo preexistiu ao criado. “...há, de fato, muitos deuses e muitos senhores -, para nós, contudo, existe um só Deus, o Pai, de quem tudo vem e para quem nós vamos, e um só Senhor Jesus Cristo, por quem tudo vem à existência e por quem nós vamos para o Pai”. (1Cor 8, 5-6).

Portanto a criação e a salvação estão em Cristo Jesus. “O Pai nos arrancou do poder das trevas e nos transportou para o Reino

do seu Filho amado, no qual temos a redenção - a remissão dos pecados.” (Col. 1,13-14) Jesus (salvo de Deus), o Pai é autor da salvação e portanto, Jesus, o Filho de Deus e homem é o mediador. “tudo foi feito por Ele” (Jo 1,3).

Paulo e João Podemos comparar a visão paulina e joanina aproximando o que vimos

acima no texto de Paulo a Timóteo e aprofundando alguns elementos dos escritos de João tomando como base o início de seu evangelho.

“Ele estava no mundo e o mundo foi feito por meio dele, mas o mundo não o reconheceu. Veio para o que era seu e os seus não o receberam. Mas a todos deu o poder de se tornarem filhos de Deus: aos que crêem em seu nome, ele, que não foi gerado nem do sangue, nem de uma vontade da carne, nem de uma vontade do homem,, mas de Deus. E o Verbo se fez carne e habitou entre nós; e nós vimos a sua glória, glória que Ele tem junto ao Pai como Filho único, cheio de graça e de verdade.”

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Ambos apresentam termos certamente elaborados nas primeiras comunidades no diálogo não só com o judaísmo da primeira hora de evangelização, mas no convívio com as demais culturas. Assim os elementos da unicidade de Jesus são expressos com as categorias da natureza, da experiência humana em geral: “luz”, “verdade”, “graça”. É repetido também o conceito da autoridade da pessoa de Jesus na expressão “em seu nome”. A descrição do “conhecimento” como experiência de intimidade, fruição profunda. São todos símbolos que descrevem a mesma experiência humana de necessidade de “salvação”. Creio que seja oportuno observar o conceito de “mundo” em João e que define a abrangência cósmica, humana e em oposição ao mundo da “vida eterna”. É, pois, um discurso que quebra todo exclusivismo e se abre aos horizontes da universalidade da salvação.

Jesus, Moisés e a nova Aliança E para concluir nosso caminho da

soteriologia de Paulo, na sua elaboração diante dos judeus, é justo que retomemos a categoria principal sobre salvação que suas comunidades de judaizantes também na diáspora tem na memória: o conceito de aliança e a mediação de Moisés, a ela ligado estritamente. Paulo aos gálatas esclarece a unicidade de Jesus como mediador frente a Moisés e aos intermediários mesmo anjos: “Porque, então, a Lei? Foi acrescentada em vista

das transgressões - até que viesse a descendência, a quem fora feita a promessa - promulgada por anjos, pela mão de um mediador” (Gal 3,19). É preciso lembrar que as tradições judaicas mencionavam a presença de anjos no Sinai, quando foi dada a Lei. O “mediador” é Moisés (cf. At 7,38ss).

E Paulo continua: “Ora, não existe mediador quando se trata de um só, e Deus é um só”

(Gal 3,20). A intervenção de um mediador caracteriza a Lei , o “esforço humano” como já vimos acima, ao passo que a promessa de aliança emana só de Deus. E não há nenhuma possibilidade de aquisição a não ser acolher o “dom”. “Então a Lei é contra a promessa de Deus? De modo algum! Se tivesse sido dada uma lei capaz de comunicar a vida, então sim, realmente a

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justiça viria da Lei. Mas a Escritura encerrou tudo debaixo do pecado, a fim de que a promessa, pela fé em Jesus Cristo, fosse concedida aos que crêem.”

6. Carta aos hebreus: Jesus único sumo sacerdote A carta aos Hebreus tem uma característica sacerdotal, por isso usa

uma linguagem cúltica para expressar-se sobre salvação. Jesus é o sumo sacerdote único, e mediador único. A carta procura responder às dificuldades dos sacerdotes hebreus com respeito ao anúncio de Jesus Cristo. Ela mostra um exercício de diálogo respeitando a cultura própria dos descendentes da tribo de Levi.

Aparece um esclarecimento básico logo no capítulo 3,1-6, fazendo o discernimento entre o poder de Jesus e de Moisés, este como servo e Jesus como Filho.

“Considerai atentamente a Jesus, o missionário e sumo sacerdote ...é fiel a quem o constituiu como também o foi Moisés em toda a sua casa. Ele foi considerado digno de maior honra do que Moisés. Pois o arquiteto tem maior honra que a própria casa. Toda casa tem o seu arquiteto mas o arquiteto de tudo é Deus. Ora, Moisés era fiel em toda a sua casa, como servo, para ser testemunha das coisas que deveriam ser ditas. Cristo, porém, na qualidade de Filho, está acima de sua casa. Esta casa somos nós, se mantivermos a confiança e o motivo altaneiro da esperança, isto é, firmes até o fim”.

Assim com sabedoria, se de um lado esclarece sobre a unicidade da mediação de Jesus, de outro aponta Moisés na sua verdadeira missão: ser imagem do Cristo.

Em Jesus, o movimento ascendente perfeito, em Cristo a glorificação total da graça descendente

Mas o ponto alto da carta, como já dissemos, é a elaboração da mediunidade de Jesus como Sumo e eterno sacerdote, no qual se unem o movimento ascendente perfeito e o acolhimento total da graça descendente. A graça garantida pela revelação antiga quando diz:

“Também Cristo não se atribui a glória de tornar-se sumo sacerdote. Ele, porém, a recebeu daquele que lhe disse: ‘Tu és meu Filho, hoje eu te gerei....Tu é sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedeque’”.

É, portanto, uma mediação conferida por Deus e que alcança o auge da glória na sua ressurreição dos mortos. Jesus é assim nomeado pelo Pai e não pelos homens. Enfim, como resposta ao dom de si mesmo Ele atravessa o céu e não só o templo. Bem de acordo com a legenda de Melquisedeque:

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“O seu nome significa ‘rei da justiça’, depois, rei de Salém, o que quer dizer ‘rei da paz’. Sem pai, sem mãe, sem genealogia, sem princípio de dias nem fim de vida! É assim que se assemelha ao Filho de Deus, e permanece sacerdote eternamente” (Heb 7,2b-3).

O sacerdócio de Jesus Cristo é definitivo e permanente na sua intercessão por nós:

“A Lei nada levou à perfeição; e está introduzida uma esperança melhor, pela qual no aproximamos de Deus...neste sentido é que Jesus se tornou a garantia de uma aliança melhor...e visto que permanece para a eternidade, possui um sacerdócio imutável. Por isso é capaz de salvar totalmente aqueles que, por meio dele, se aproximam de Deus, visto que ele vive para sempre para interceder por nós”.(Heb 7, 24-27).

Jesus não é intermediário’ não é um “tertium quid”

Assim, Jesus não é intermediário porque não coloca duas partes entre si sendo um “tertium quid”, mas é muito mais: é Jesus Cristo - homem-Deus. Portanto na mesma pessoa estão representadas as duas partes da aliança.

Jesus é único em relação aos sacrifícios antigos Jesus é também único em relação ao conteúdo dos sacrifícios antigos

que incluíam o altar, o santuário e a vítima. E a carta aos hebreus reflete também este ângulo de unicidade medianeira no qual Jesus é altar vítima e santuário (Heb 9).

“Quanto mais o sangue de Cristo que, por um Espírito eterno, se ofereceu a si mesmo a Deus como vítima sem mancha, há de purificar a nossa consciência das obras mortas para que prestemos um culto agradável ao Deus vivo.” (v.14).

E não foi para oferecer-se a si mesmo muitas vezes, como o sumo sacerdote que entra no Santuário cada ano com o sangue de outrem. Pois, se assim fosse, deveria ter sofrido muitas vezes desde a fundação do mundo. Mas foi uma vez por todas, agora, no fim dos tempos, que ele se manifestou para abolir o pecado através de seu próprio sacrifício. E como é um fato que os homens devem morrer uma só vez, depois do que vem um julgamento, do mesmo modo, Cristo foi oferecido uma vez por todas para tirar os pecados da multidão”.

Então a aproximação de Deus não se realiza mais em teofanias ameaçadoras como no Sinai mas na cidade celeste. Nela todos os justos estão reunidos junto dos anjos em torno do Mediador triunfante:

“e de Jesus, mediador de uma nova aliança, e do sangue da aspersão mais eloqüente que de Abel.” (Heb 12,24b).

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Jesus derrama seu sangue pela remissão de todos: media e é a nova aliança

Jesus é mediador da nova aliança com as características originais de seu próprio sangue. A carta lembra as componentes rituais da antiga aliança e compara com o ritual da nova aliança. (v.21-28):

“Em seguida Moisés aspergiu com o sangue a Tenda e todos os utensílios do culto. Segundo a Lei, quase todas as coisas se purificam com o sangue; e sem efusão do sangue não há remissão. Portanto, se as cópias das realidades celestes são purificadas com tais ritos, é preciso que as próprias realidades celestes sejam purificadas com sacrifícios bem melhores do que estes! Cristo não entrou no santuário feito por mão humana, réplica do verdadeiro, e sim no próprio céu, a fim de comparecer, agora, diante da face de Deus a nosso favor.”

Na verdade, a salvação não será sobretudo fruto de perfeição moral, onde há grande valor a morte, o sacrifício de um mártir exemplar, mas nas elaborações teológicas das comunidades primitivas se chega mais longe. O significado decisivo de salvação não é a morte exemplar mas o derramamento do sangue de Cristo. Porque a morte não tem significado redentor em si mesma, mas o sangue sim, este tem conotação ativa de vida. O sangue de Cristo é eficaz para estabelecer a aliança nova e perfeita entre Deus e o Novo Israel. Esta eficácia de seu sangue atua como justificação, redenção, reconciliação, expiação; mas não tanto como efeito negativo, isto é, proteção de , neutralização do mal, mas positivo. Ele é oferta que fecunda novas relações. Sua oferta de sangue, de vida, é obediência, quer dizer, oferenda livre de si mesmo para criação de nova e eterna aliança. Assim todo cristão entra na Nova Aliança tendo como modelo a paciência, a solidariedade e a obediência de Jesus.

Enfim, como uma espécie de resumo dos elementos básicos a carta aos hebreus apresenta um convite:

“Jesus para santificar o povo por seu próprio sangue, sofreu do lado de fora da porta. Saiamos, portanto, ao seu encontro fora do acampamento, carregando a sua humilhação. Porque não temos aqui cidade permanente, mas estamos à procura da cidade que está para vir. Por meio dele ofereçamos continuamente um sacrifício de louvor a Deus, isto é, o fruto dos lábios que confessam seu nome. Não vos esqueçais da beneficência e da comunhão, porque são estes os sacrifícios que agradam a Deus”. (Heb 13,12-16).

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CONCLUSÃO

As duas partes deste nosso estudo sobre Necessidades humanas de salvação e Jesus Cristo Único Mediador procuraram mostrar-nos que é possível uma postura de diálogo positiva entre a evangelização de Jesus Cristo como único mediador de salvação sem ofender, diminuir ou desvalorizar as expressões culturais de busca ascendente de salvação.

Notamos, ao mesmo tempo, que não há uma contradição ontológica na busca humana em relação ao evento mediador Jesus Cristo. Sobretudo do ponto de vista pneumatológico no qual percebemos a ação permanente do Espírito Santo preparando com “pedagógica gradualidade” os corações das culturas para o acolhimento da graça das graças: Jesus Cristo plenitude de salvação.

Nosso percurso bíblico mostrou uma descrição de diálogo na revelação de Deus no qual, mais que propor uma salvação como quem vem satisfazer uma necessidade humana, ela aparece como dom inexorável do amor de Deus. É sua iniciativa, é sua decisão irrevogável redimir sua própria imagem ferida pelo pecado nas criaturas humanas.

A vivência de uma mediação plena ascendente e descendente em Jesus pelo caminho do sacrifício e sofrimento não substitui nossa caminhada de resposta livre e consciente ao amor, não nos acomoda. Ao contrário, é estímulo à nossa obediência à vontade de Deus que é também de nossa parte viver uma “relação de justiça com Deus e o próximo”, mesmo que para tal tenhamos que enfrentar as conseqüências do pecado: o mal, o sofrimento e a morte.

Jesus é nosso irmão solidário na resistência de amor mesmo no sofrer, na busca da libertação, esfera esta vivida por muitos exemplos de doação nas mais variadas culturas. E mais, vimos que Jesus ultrapassa qualquer outro exemplo e dimensão de sacrifício e verdade na entrega de si mesmo como dom de amor, sendo consciente de sua missão de tudo viver “por nós”, “por todos nós”.

Este aspecto pode concluir sinteticamente nosso estudo anotando nesta conclusão uma espécie de cerne da elaboração neo-testamentária que mostra todo o desenvolvimento da consciência obediente de Jesus à vontade do Pai de nos amar; Ele assume tudo “por nós”. Segundo os pesquisadores exegetas esta expressão faz parte do kerigma primitivo, isto é, da primeira formulação comunitária ainda em tradição oral do anúncio do nascimento, vida, paixão, morte, ressurreição e ascensão de Jesus Cristo. A expressão mostra a natureza mediadora de Jesus. As preposições Anti, ,

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significam “em favor de”, “por nós”: Gl 2,20: “vivo na fé do Filho de Deus...que se deu a si mesmo por mim (hyper)”; Gl 3,13: “Cristo nos resgatou, tornando-se ele mesmo maldição por nós. Em Rm 5,6-11: “enquanto éramos pecadores...morreu pelos ímpios.” Rm 5,8: “Deus demonstra o seu amor por nós...enquanto éramos pecadores, Cristo morre por nós!” Rm 5,9: “Agora somos justificados pelos seu sangue, ...por meio Dele.” Rm. 5,10: “Fomos reconciliados com Deus por meio da morte de seu Filho...mediante a sua vida.” Rm 5,11: “por meio de Jesus Cristo... obtivemos a reconciliação.” Assim em Rm 8,32.14,14; 1Cor 1,13.2Cor 5,15.5,21; Ef 5,2; Tit 2,14; Heb 5,1; Mc 10,45; 14,24; Lc 22,20; 1Pd 2,22 ocorre com insistência esta razão da escolha livre de Jesus de morrer “por nós”, para superar nossa situação de pecado, de fragilidade estrutural; em nosso lugar, no sentido de que Cristo fez o que e como deveríamos ter feito e o devemos ainda.

Mas não pára aí. Há outras três expressões que completam esta revelação. A primeira é “pelos nossos pecados”. Encontramos com menos freqüência mas parece ser o texto mais antigo ainda: Gl 1,3-4: “Cristo que se deu a si mesmo pelos nossos pecados.” Rm. 4,5; 1Cor. 15,3; Heb 5,1.10,12; 1Pd 3,18. Toda uma linguagem litúrgico-sacerdotal onde aparece a morte de Cristo como sacrifício pelo perdão dos pecados. As outras duas expressões “pela nossa salvação” e “pela nossa justificação” completam esta elaboração fundamental das primeiras comunidades sobre a mediação de Jesus.

Em sua mediação única, verdadeira, justa e eterna desembocarão, pela força do Espírito, todas as buscas humanas e cósmicas, quando Deus será glorificado em seu Filho que lhe entregará o mundo e a natureza redimidos. Ele, tudo em todos (Apc), isto é, quando será completada toda a justiça, em Cristo, já inaugurada mas ainda não concluída.

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BIBLIOGRAFIA 1. A bíblia de Jerusalém. São Paulo: Ed. Paulinas 1985, Brasil. 2. S. KAROTEMPREL. Jesus Cristo Único Mediador. Apostilas

resumidas do Curso. Trad. do aluno. 3. IL REGNO 3(1996) 764 p. 89-107. Comissão Teológica

Internacional sobre a Teologia da Redenção. Trad. do aluno. 4. AA.VV. Dicionários de Teologia com os verbetes: Mediação,

salvação, aliança, justiça, amor et alii. 5. Iconografia sacra ELLE DI CI Turim 1994.