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NegóciosEstrangeiros
Nota editorial
O Conselho de Segurança e a libertação de Timor-Leste
António Monteiro
Portugal e o Tratado de Nice
Notas sobre a estratégia negocial portuguesa
Francisco Seixas da Costa
A dupla leitura de Nice
Maria Eduarda Azevedo
Política de Defesa Europeia
António Monteiro Portugal
Post-conflict peacebuilding:
Reflections on the United Nations experience in Guinea-Bissau
Youssef Mahmoud
Episódios da crise na Guiné-Bissau (1998-99)
Manuel Lobo Antunes
Day Trading ou a vida numa Embaixada não alternativa
António Martins da Cruz
RECENSÃO
Os suspeitos do costume
Jorge Roza de Oliveira
SÚMULA DE INTERVENÇÕES
Seminário Diplomático 2001
Intervenções de Jaime Gama e Louis Michel
Índice
04
05
40
71
84
117
114
101
90
77
NegóciosEstrangeirosPublicação do Instituto Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros
Conselho Editorial
Membros Natos
Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros
Embaixador João Salgueiro
Presidente do Instituto Diplomático
Embaixador José Stichini Vilela
Director-Geral de Política Externa
Embaixador António Santana Carlos
Membros Convidados
André Gonçalves Pereira
João Hall Themido
José César Paulouro das Neves
Pedro Ribeiro de Menezes
António Monteiro
António Martins da Cruz
Vasco Valente
Manuel Tomás Fernandes Pereira
Manuel Côrte-Real
Ana Gomes
José Júlio Pereira Gomes
Director
Nuno Filipe Brito
Director-Adjunto
Francisco Ribeiro de Menezes
Editora
Maria Madalena Requixa
Design Gráfico e Paginação
Risco - Projectistas e Consultores de Design, S.A.
Pré-impressão e Impressão
Grafispaço
Tiragem
2000 exemplares
Preço de capa
1500$00 e7.48
Anotação/ICS
N.º de Depósito Legal
ISSN
1645-1244 Os artigos reflectem apenas a opinião dos seus autores.
NegóciosEstrangeiros . N.º1 Março de 2001
4
“NEGÓCIOS ESTRANGEIROS” é uma publicação semestral que tratará, em primeira
linha, de temas ligados à acção do Ministério a que pertence. Este objectivo deverá
ser aqui referido sem qualquer ambiguidade.
Numa perspectiva mais ampla, a revista estará aberta ao tratamento de questões
de política internacional, embora se atribua prioridade àquelas mais relevantes para
a formulação e execução da política externa portuguesa. Neste contexto, procurará
reservar-se algum espaço para assuntos de história diplomática e para notas de cunho
biográfico ou autobiográfico associadas às áreas referidas.
Pretende-se também que esta nova revista tenha uma componente prática ou
operacional, contribuindo para divulgar acções de interesse público, cujo conheci-
mento fica muitas vezes confinado aos corredores do Palácio das Necessidades. Por
isso mesmo, “Negócios Estrangeiros” não será uma publicação de diplomatas, por
diplomatas e para diplomatas. Ela tentará obter contribuições reflectindo opiniões
políticas diversas, encontrando-se plenamente aberta à participação de empresários,
de académicos e universitários, da imprensa, de organizações não-governamentais e
de outros sectores da sociedade civil directamente interessados na actuação externa
de Portugal.
O ensaísta inglês Walter Bagehot observou que o tédio em matérias de governo
é um bom sinal e até mesmo uma indicação do seu sucesso. “Negócios Estrangeiros”,
uma publicação ligada a uma instituição governamental, ambiciona demonstrar
exactamente o oposto. Alguns dos artigos publicados neste número de lançamento
poderão, certamente, ser lidos como uma boa ilustração desta intenção. O mesmo
poderia dizer-se da ênfase atribuída às questões europeias, no rescaldo de Nice. Mas
caberá naturalmente ao público ajuizar se este desiderato encontra uma tradução
concreta nas páginas da revista.
Uma palavra final para reconhecer o impulso dado pelo Ministro de Estado e
dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, à concretização de um projecto que, espe-
ramos, venha a ser estimulante e útil.
A Direcção
Editorial
NegóciosEstrangeiros . N.º1 Março de 2001
5
NA TARDE DE 5 de Maio de 1999, os Ministros dos Negócios Estrangeiros de Por-
tugal e da Indonésia e o Secretário-Geral das Nações Unidas assinaram três acordos
nos termos dos quais o povo de Timor votaria, em 8 de Agosto seguinte, contra ou
a favor de um estatuto especial de autonomia para o Território, apresentado pelo
Governo indonésio. Em caso de rejeição, Timor-Leste iniciaria o caminho para a
independência.
Os dois Governos, com relações diplomáticas cortadas por Portugal na sequên-
cia da invasão de Timor-Leste em 7 de Dezembro de 1975, negociavam há muitos
anos, sob a égide do Secretário-Geral da ONU, “uma solução justa, global e inter-
nacionalmente aceitável para a questão de Timor-Leste”1. Mas, como noutros casos
similares, só a remoção do principal obstáculo a qualquer solução diferente da mera
consagração do status quo, isto é, a queda do ditador Suharto, abriu perspectivas reais
para uma solução daquele tipo. Mesmo assim, a rapidez com que se chegou à pos-
sibilidade de um (embora disfarçado) referendo sobre a independência não deixou
de surpreender.Tal só foi possível devido à súbita reviravolta do sucessor de Suharto
nesse sentido2.
Os acordos não significaram o fim das interrogações e receios quanto às ver-
dadeiras intenções de Jacarta. No fim de contas, caíra o “patrão”, mas o regime era
o mesmo, sobretudo no que respeitava ao verdadeiro detentor do poder: as Forças
Armadas. E essas eram as principais responsáveis pelo que se passava em Timor-Leste
* Foi o Representante Permanente de Portugal junto da ONU de 1997 até Fevereiro do corrente ano, tendo por
duas vezes desempenhado as funções de Presidente do Conselho de Segurança.1 A iniciativa de atribuir ao Secretário-Geral um mandato para levar os dois Governos à mesa das negociações foi
tomada por Portugal em 1982, numa tentativa de impedir que a deterioração do voto nas tradicionais Resolu-
ções condenatórias da Indonésia adoptadas pela Assembleia Geral desde a invasão consagrasse a tese da irrever-
sibilidade da ocupação do território. Coube-me nesse ano apresentar na 4.ª Comissão o projecto de resolução
que, depois de (dificilmente) adoptado pela Assembleia Geral, passou a constituir a Resolução 37/30.2 Declaração do Presidente Habibie de 27 de Janeiro de 1999. Até então, as delegações dos dois países negociavam
um amplo estatuto de autonomia para Timor-Leste que deveria vigorar por um período fixo, antes de haver
uma decisão definitiva quanto ao estatuto final do Território. A decisão de Habibie mudou as regras das nego-
ciações ao admitir a possibilidade de uma decisão a curto prazo sobre a questão da independência.
António Monteiro | Embaixador de Portugal em Paris*
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O Conselho de Segurança e a libertação de
Timor-Leste
Introdução
NegóciosEstrangeiros . N.º1 Março de 2001
7desde 1975. Mas a favor dos acordos militavam duas razões decisivas: as eleições
indonésias do mês seguinte, que deveriam abrir o caminho para a democratização
do país; e a oportunidade única, reconhecida também pelos principais dirigentes
timorenses, de facultar ao seu povo o cumprimento de uma promessa adiada da
“revolução dos cravos” em Portugal – decidir o seu próprio destino.
A relutância portuguesa em aceitar a responsabilidade exclusiva da Indonésia
quanto à segurança de Timor-Leste3 só foi vencida depois de o Secretário-Geral pro-
por, no dia anterior à assinatura, um memorandum4 sobre a matéria, que ficou como
apêndice essencial aos acordos. Embora secreto, a existência e o conteúdo do memo-
rando foram conhecidos no próprio dia da assinatura.
Dois dias depois, a 7 de Maio, o Conselho de Segurança adoptou a Resolução
1236, endossando os acordos e autorizando o Secretário-Geral a estabelecer “uma
presença das Nações Unidas em Timor-Leste” com vista à sua aplicação prática5.
Com a adopção daquela Resolução, o Conselho de Segurança reto-
mou um papel activo na questão de Timor-Leste. Fê-lo sem qualquer esforço inova-
dor: limitou-se a seguir as recomendações contidas no relatório que o Secretário-
-Geral lhe submeteu, logo após a conclusão bem sucedida dos seus esforços de me-
diação.
A questão de Timor-Leste “dormia” na agenda do Conselho desde Maio de
1976. O Território fora invadido e ocupado pela Indonésia, interrompendo o
processo de autodeterminação que tantas vezes o próprio Conselho procurara impor
ao regime português anterior a 25 de Abril de 1974. Não só ficara por cumprir a
descolonização, como o poder ocupante manteve, ao longo dos anos, um aparelho
repressivo particularmente violento e uma presença militar desmesurada, ambos
mesmo assim incapazes de dominar a resistência do povo e a guerrilha conduzida
pelas FALINTIL. Face ao desafio permanente que as autoridades indonésias lançaram
aos seus princípios e decisões, o Conselho de Segurança, órgão máximo responsá-
vel pela paz e segurança internacionais no mundo, tinha, por junto, aprovado por
3 Por sua vez elemento sine quo non da abertura de Jacarta, que não queria perder a face no que respeitava à ficção
legal interna de Timor-Leste constituir a 27.ª província do Estado unitário.4 Kofi Annan negociou pessoalmente os termos do memorandum com os Ministros Jaime Gama e Ali Alatas.5 O último parágrafo preambular dessa Resolução “toma nota das preocupações expressas no relatório do Secretário-
-Geral a respeito da situação de segurança em Timor-Leste”.
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6 unanimidade, em Dezembro de 1975, uma Resolução condenatória – na linha de
uma idêntica recomendação adoptada, por iniciativa de Portugal, alguns dias antes,
na Assembleia Geral – e decidido o envio de uma missão a Díli6. Em Abril de 1976
adoptou uma nova Resolução7, só que já não por unanimidade. Contou com doze
votos a favor e as abstenções do Japão e, sobretudo, dos Estados Unidos da América.
Como é sabido, não obstante a letra da Carta das Nações Unidas8, só o voto ne-
gativo de um membro permanente corresponde na prática ao veto. Mas no caso de
Timor-Leste, a abstenção americana simbolizou o “veto” a que a questão ficou sujei-
ta no Conselho nos vinte e três anos seguintes. Não mais fez parte da agenda activa
e, por isso, nunca foi tomada qualquer nova decisão sobre o assunto. Esta atitude não
tinha subjacente qualquer tipo de discriminação. Infelizmente, o caso de Timor-
-Leste está longe de constituir uma excepção. Ainda hoje o Conselho não escapa,
indevidamente, à tentação de não decidir, ignorando ou protelando a consideração
de matérias, embora haja uma nítida melhoria relativamente aos tempos da “Guerra
Fria”. Nessa época, o não decidir era também uma forma de manter o equilíbrio
entre os blocos. Por razões evidentes (basta analisar as questões em causa), em que
sobressaía a de não confrontar o interesse nacional directo dos detentores do pri-
vilégio (anti-democrático) do veto, desde que outro com igual força se lhe não
opusesse.
No caso particular de Timor-Leste, o consenso gradual das potências em torno
da inacção derivou do interesse estratégico de um país com a grandeza da Indonésia.
O regime de Suharto contava com o apoio integral dos Estados Unidos. Como prin-
cipal barreira à expansão do comunismo e parceiro cada vez mais importante de
negócios, foi sempre acarinhado pelos restantes países ocidentais a começar, natu-
ralmente, pelos dois outros membros permanentes: a França e o Reino Unido.
Pequim tinha razões válidas de queixa: a comunidade chinesa timorense fora
um dos alvos principais da repressão javanesa (e está hoje reduzida a uma percen-
tagem mínima da que existiu). Mas não lhe convinha tomar a iniciativa contra um
“aliado” asiático de tão grande envergadura dentro dos não-alinhados. Poderia, no
máximo, seguir na esteira da iniciativa de outros.
6 Resolução 384/75, de 22 de Dezembro. A missão, conhecida pelo apelido do seu chefe, Vittorio Guicciardi, vi-sitou a Indonésia, Timor-Leste e a Austrália, de 15 de Janeiro a 7 de Fevereiro de 1976.
7 Resolução 389/76, de 22 de Abril.8 Art.º 27, n.º3.
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A arte de não decidir
Neste longo “período de silêncio”, Portugal fez por duas vezes parte do Con-
selho de Segurança. A primeira, no biénio 79-80, ou seja apenas três anos depois de
o assunto ter sido por ele discutido. Teria sido possível ou vantajoso reactivá-lo
então? Não creio.
Já acima referi as condições especiais dos anos de “Guerra Fria” e as posições
dos cinco membros permanentes nesta questão. A delegação portuguesa12 com
poucos ou nenhuns apoios podia contar no Conselho. A eventual derrota de uma
iniciativa meramente voluntarista só contribuiria para reforçar a posição indonésia,
alargando o ciclo dos países que “de facto” iam reconhecendo a integração de Timor-
-Leste na Indonésia13.
O assunto foi sempre objecto de ponderação cuidadosa e de estudos, às vezes
secretos, de cenários possíveis. Havia que conciliar a necessidade de manter a
questão viva nas Nações Unidas, sem que fosse posta em causa a qualidade de
potência administrante de Portugal. Com o assunto “adormecido” no Conselho de
Segurança, era na Assembleia Geral que, todos os anos, a aprovação de uma reso-
lução reiterava a condenação da invasão indonésia e recordava o não exercício do
direito à autodeterminação e independência, que Portugal, a potência administran-
te, se obrigara a outorgar a Timor-Leste de acordo com o art.º 73 da Carta. Como já
referi, o número de países que apoiava a Resolução diminuía de ano para ano. Per-
dendo votos na Assembleia Geral, não havia qualquer hipótese de suscitar uma
“batalha” no Conselho com hipóteses de êxito. Fazer ressuscitar a questão da “agen-
da morta” implicava, no mínimo, demonstrar que a situação estaria a pôr em causa
a paz e a segurança, pelo menos regionais. Ora, os países vizinhos constituíam o
primeiro bloco apoiante de Jacarta e o regime de Suharto era visto pelos nossos alia-
dos como o principal estabilizador da região, sobretudo depois do êxito comunista
no Vietname.
eleições do ano passado o Sudão, apesar de endossado pela OUA, perdeu (e bem) a eleição para as Ilhas Maurí-
cias que avançaram para a candidatura fortemente pressionadas pelos Estados Unidos.12 Vasco Futscher Pereira era então o Representante Permanente, tendo sido o primeiro português a presidir ao Con-
selho de Segurança (Leonardo Mathias era o Representante Permanente Adjunto). Dois anos mais tarde, como
Ministro dos Negócios Estrangeiros, assumiu o risco político de convencer o segundo Governo de Pinto Balsemão
a propor na Assembleia Geral a mediação do Secretário-Geral. Fê-lo tendo em conta a recente nomeação para
o cargo de Perez de Cuellar, seu amigo pessoal.13 Só um país reconheceu de jure essa “integração”: a Austrália.
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Finalmente, a União Soviética. Suharto foi, em 1965, o carrasco implacável do
partido comunista indonésio. O seu regime, “vendido ao imperialismo”, não deve-
ria contar com qualquer espécie de simpatia soviética. E não creio que a tivesse, pelo
menos em 1975. Mas o pragmatismo soviético não era inferior ao chinês. A In-
donésia era (é) demasiado importante no mundo em desenvolvimento para poder
eternizar-se como “inimigo a abater”. O Conselho reflectiu, assim, de uma forma
até mais acentuada, a evolução que ocorreu a seguir a 1975 na Assembleia Geral. Nas
votações anuais, cada vez mais países do bloco soviético se foram juntando ao
“bloco abstencionista” até haver uma quase unanimidade nessa posição. Tudo or-
questrado, como era então hábito, pela máquina de Moscovo.
Silenciada a questão de Timor-Leste, a Indonésia pôde mesmo fazer parte do Con-
selho9. Não deveria ser assim. Aquele órgão goza de poderes e competências únicos
no sistema das Nações Unidas. Só as suas decisões podem ser obrigatórias e, em
princípio, só ele deve decidir o recurso à força10. Para que as suas decisões sejam
aceites, é imperativo que não haja dúvidas quanto à legitimidade dos seus membros,
cujas credenciais deveriam ser intocáveis em termos dos princípios das Nações Uni-
das. Caso contrário, a sua credibilidade é discutível.
Não é, no entanto, lamentavelmente, o que tem vindo a acontecer. Países en-
volvidos em contencioso com a própria Organização, por desrespeitarem os seus
princípios, violando nomeadamente direitos humanos elementares, não têm sido
impedidos de tomar assento no Conselho. Poucas vozes se têm levantado contra, a
nível de Governos. O argumento mais frequentemente invocado como justificação é
a necessidade de respeitar os arranjos regionais. É uma estranha forma de alargar o
(já por si suspeito) valor absoluto do conceito de soberania. Os grupos regionais nas
Nações Unidas são o mero resultado de um arranjo organizativo, certamente
necessário, mas as suas decisões não devem obviamente pôr em causa os interesses
e princípios da própria Organização11.
9 A Indonésia foi membro do Conselho de Segurança em 1995/96, isto é, nos dois anos imediatamente anterio-
res à segunda presença portuguesa.10 Art.º 42 e 53 da Carta das Nações Unidas.11 Recentemente, tem-se registado também uma evolução positiva neste campo. Resta saber se duradoura ou mera-
mente associada à firmeza de posição de um grande país, nomeadamente da (hoje) única superpotência. Nas
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Os anos de silêncio e as presenças de Portugal no Conselho de Segurança
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10 tário-Geral e dos Estados-membros que não podia prever; ou arranjar forma de o
aceitar, sem pôr em causa a “legalidade interna”, nem perder a face internacional-
mente. Optou, inteligentemente, por esta segunda solução17.
A segunda presença portuguesa no Conselho, em 1997/98, ocorreu em cir-
cunstâncias totalmente diferentes, no que à questão de Timor-Leste respeita.
Mantinha-se o impasse político das conversações tripartidas. Nada se havia adian-
tado quanto ao ponto essencial: a conciliação entre a procura continuada, do lado
indonésio, de uma fórmula que permitisse o reconhecimento internacional do acto
unilateral de integração e a defesa intransigente, por Portugal, de um acto genuíno
de consulta popular que viabilizasse uma opção livre do povo timorense quanto ao
futuro político do território.
Mas tudo o mais mudara. Os sucessivos Governos portugueses haviam, ao longo
dos anos, encontrado vias diplomáticas de apoio à causa timorense. O debate encon-
trara novas formas de expressão, centrando-se sobretudo em Genebra, em torno dos
direitos humanos e das condições de vida dos timorenses. Alargara-se o apoio das
ONG’s e dos meios académicos. Santa Cruz comovera o mundo e mobilizara activis-
tas. A prisão de Xanana Gusmão transformara-o internacionalmente no símbolo da
opressão do seu povo. A Igreja Católica, simbolizada no Bispo Belo, dava voz à iden-
tidade oprimida dos timorenses. E Ramos Horta, apoiado por outros dirigentes ti-
morenses exilados, tinha ampla audição e era uma figura reconhecida nos meios
internacionais. O Prémio Nobel atribuído às duas personalidades timorenses no
final de 1996 marcara definitivamente o fim dos anos de isolamento.
Poderia ser tomada uma iniciativa no Conselho de Segurança, a exemplo do que
já ocorrera, com bons resultados, na União Europeia? A possibilidade nunca foi
excluída, mas a sua concretização não se tornou necessária. Kofi Annan abriu, entre-
tanto, novos horizontes para o velho mandato de 1982.
O novo Secretário-Geral iniciou funções no mesmo momento em que Portugal
tomou assento no Conselho de Segurança. Logo na primeira conversa que teve co-
17 Esquivando-se a obedecer directamente ao estabelecido na Resolução 37/30, os indonésios mexeram-se no Se-
cretariado para “aceitar” um convite do Secretário-Geral com vista a um diálogo directo com Portugal. Anos
mais tarde repetiram um esquema similar de “disfarce” para concordarem com o referendo sobre a inde-
pendência. Curiosamente, a Resolução de 1982 só foi possível porque havia um novo Representante Perma-
nente indonésio, substituindo o que (debalde) tanto lutara contra a Resolução. Tratava-se de Ali Alatas que,
em Julho de 1983, iniciou o diálogo com o Representante Permanente de Portugal, Rui Medina. Era então
Ministro dos Negócios Estrangeiros Jaime Gama.
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Estava-se também longe, nessa época, de qualquer hipótese de intervenção,
mesmo apenas de carácter político, em prol da defesa dos direitos humanos (em
qualquer parte do mundo). Acrescia que a imprensa e os meios académicos inter-
nacionais, com raras excepções, ignoravam a realidade da política de ocupação
indonésia14. Passariam muitos anos até acontecer Santa Cruz15.
A situação podia resumir-se do seguinte modo: os interesses estavam do lado da
Indonésia, que tinha os membros mais influentes da comunidade internacional
prontos a preservar uma “política utilitarista” de salvaguarda de proventos políticos
e económicos; os princípios, esses estavam do lado de Portugal (e de Timor-Leste),
reconhecido legalmente o primeiro como potência administrante e o segundo “apoia-
do” por resoluções na Assembleia Geral e no Conselho de Segurança condenatórias
da invasão indonésia. Tratava-se de um “equilíbrio estável” que não punha nenhum
ónus à comunidade internacional. Como acontece frequentemente em situações
desse género, o primeiro que tomasse a iniciativa de romper esse equilíbrio podia
ser “punido”. Só isso, aliás, justificava a táctica de Jacarta: ir-se defendendo no voto
de uma resolução anual, procurando entretanto aliciar novos aliados que permitis-
sem, a prazo, fazer cair a questão no esquecimento. E esse era um risco para Portugal
e para Timor. A prazo, mesmo a iniciativa rotineira da Resolução condenatória podia
ser rejeitada. Na votação de 1981, esse risco assumiu uma proporção assinalável16.
Foi extremamente difícil e custoso obter a aprovação, pela 37.ª Assembleia Geral
das Nações Unidas, de um mandato de bons ofícios para o Secretário-Geral. A Re-
solução passou apenas por dois votos. Mas foi uma vitória essencial.
À Indonésia restavam dois caminhos, agora que a plataforma habitual do “equi-
líbrio” anterior desaparecera: recusar o mandato, sujeitando-se a reacções do Secre-
14 José Ramos Horta desenvolvia já um intenso trabalho de sensibilização a que, a nível governamental, quase só
os cinco países africanos de expressão portuguesa e Portugal prestavam inicialmente atenção. Ousando por ve-
zes impor-se onde não era convidado e invocando a qualidade não reconhecida de “representante da FRETILIN”,
foi traçando o caminho nos meios ligados à ONU que o levaria anos mais tarde a compartilhar com o Bispo
Belo o Prémio Nobel que consagrou universalmente a resistência do povo mártir de Timor-Leste.15 O massacre de Santa Cruz ocorreu em Novembro de 1991. Uma câmara testemunhou a barbárie da repressão
indonésia num cemitério de Díli. O vídeo correu mundo, “internacionalizando” definitivamente a questão.
Curiosamente, pouco mais de um ano depois, o Conselho de Segurança lançou a primeira intervenção da sua
história por razões puramente humanitárias, na Somália. Embora os resultados tenham sido catastróficos, ficou
aberta nova via para o futuro.16 A Resolução desse ano foi aprovada pela 36.ª Assembleia Geral da ONU com menos catorze votos a favor. A man-
ter-se a tendência a Resolução do ano seguinte não passaria. Daí que, de imediato, Portugal e os represen-
tantes timorenses, no exterior, começassem a encarar cenários alternativos.
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duziu aos acordos de Nova Iorque, o Conselho retomou assim, menos de quatro
meses depois da nossa saída, as deliberações sobre uma questão que silenciara vinte
e três anos antes.
A Resolução aprovada em 7 de Maio (1236/99) acolheu a intenção do Secre-
tário-Geral: estabelecer, tão breve quanto possível, “uma presença das Nações Unidas
em Timor-Leste”, destacando dois objectivos para o seu mandato – organizar a futu-
ra consulta popular, marcada para 8 de Agosto seguinte, e disponibilizar um certo
número de polícias internacionais para ajudarem os indonésios a cumprirem os
acordos, nomeadamente no que respeitava ao acto eleitoral.
A linguagem do texto adoptado, cuidadosamente calibrada, reflectiu uma preo-
cupação imediata dos membros do Conselho: não ferir as susceptibilidades indo-
nésias, evitando introduzir um elemento controverso na campanha eleitoral, então
já em marcha na Indonésia, com vista à realização das primeiras eleições democráti-
cas que o país iria realizar em 7 de Junho.
Na realidade, o processo de democratização da Indonésia constituía a priori-
dade para a grande maioria dos membros do Conselho de Segurança. Os acordos de
5 de Maio foram vistos como um passo positivo nessa via, e, por isso, creditados a
favor de Jacarta.
Não pôr em causa a “soberania” indonésia tornou-se uma constante nas toma-
das de posição do Conselho de Segurança, mesmo se Portugal nunca deixou de lem-
brar que, para as Nações Unidas,Timor-Leste se mantinha, legalmente, um Território
Não-Autónomo sob a nossa administração. A realpolitik do Conselho era, porém,
outra. A abertura democrática de Habibie facilitara a solução da questão e não havia
que questionar a “boa fé” indonésia na condução do processo, embora com a assis-
tência internacional que garantisse a imparcialidade e validade da consulta eleitoral.
Restava contudo a questão da segurança. As primeiras reacções aos acordos da
parte dos partidários integracionistas em Timor-Leste foram preocupantes. Genera-
lizavam-se os actos de violência e tornavam-se cada dia mais óbvias as ligações entre
os militares e paramilitares indonésios e as chamadas milícias timorenses. A cam-
panha de terror intensificara-se, de facto, desde os inícios de Abril.
Não era também possível ignorar a fragilidade do Presidente Habibie e a ausên-
cia de garantias quanto ao efectivo controlo das forças armadas indonésias pelo
poder central.
Por tudo isto, havia clara consciência de que a mera presença de uma força
internacional de polícia não correspondia às necessidades da situação vigente no
NegóciosEstrangeiros . N.º1 Março de 2001
13migo, afirmou convictamente a vontade de obter progressos nas conversações, no
estrito respeito dos princípios das Nações Unidas. Propunha-se, como primeiro
passo, nomear um “Enviado Especial” exclusivamente dedicado à questão18.
A serem aceites pelos indonésios as ideias, ainda que preliminares, de Kofi
Annan, não só se poderia antever, finalmente, algum progresso de ordem política,
como ficaria à partida garantida a abertura ao exterior do Território, como nunca
acontecera. Haveria assim, a curto prazo, a possibilidade de se concretizarem me-
lhorias nas condições de vida dos timorenses.
Creio que o enquadramento internacional da questão de Timor-Leste, que atrás
aflorei, não deixava a Jacarta grande margem de escolha. Acresce que, internamente,
o regime de Suharto começara a desmoronar-se, revelando uma total incapacidade
para responder à crise económica que assolava não só o país como toda a região.
Foi assim que se iniciaram as negociações com vista à elaboração de um estatu-
to de autonomia substancial para Timor-Leste, concordando os dois países que tal se
processaria sem prejuízo da definição do estatuto final do Território, a resolver pos-
teriormente19.
Estando o assunto finalmente encaminhado, de uma forma activa, no âmbito da
Resolução da Assembleia Geral, não faria sentido procurar levá-lo ao Conselho de
Segurança, a menos que surgisse uma crise. Nem tal seria possível sem o aval do
mediador, que, logicamente, defenderia a sequência lógica do road map por ele
próprio traçado. Era também óbvia a posição mais confortável de Portugal e dos
dirigentes timorenses (que foram sempre associados às negociações, embora não
tendo directamente lugar à mesa). Ao aceitar o formato, Jacarta não só abria mão do
dogma do Estado unitário, como reconhecia que Timor-Leste era uma entidade dis-
tinta do resto do país.
Portugal abandonou o Conselho de Segurança no final de 1998, o
que coincidiu praticamente com a decisão do Presidente Habibie de facilitar uma
consulta popular sobre a autodeterminação de Timor-Leste. Aberta a porta que con-
18 A escolha recaiu habilmente sobre um antigo Representante do Paquistão, Jamsheed Marker, Embaixador com
grande prestígio na ONU que, na reforma, lecciona numa Universidade da Florida.19 Foram designados altos funcionários dos dois Ministérios dos Negócios Estrangeiros para chefiar as delegações
às conversações tripartidas, presididas pelo Representante do Secretário-Geral. Do lado português, a tarefa
coube a Fernando Neves, actualmente Embaixador em Angola. Kofi Annan convocaria, como o fez, quando
necessário, encontros com os dois Ministros dos Negócios Estrangeiros, por ele presididos.
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A rotina das decisões
Procurámos sempre que o Departamento de Operações de Paz mostrasse inte-
resse pela questão, adoptando, no mínimo, uma atitude preventiva de intervenção.
E, por vezes, só não tornámos essa posição mais clara, para não parecer desautorizar
a (excelente) equipa que no DPA comandou a operação. À frente dela foi colocado
Francesc Vendrell23, certamente o funcionário do Secretariado que melhor conhecia
e mais apoio dera, ao longo dos anos, à busca de uma solução justa para o proble-
ma de Timor-Leste.
O Conselho de Segurança iniciou a discussão do relatório do Secretário-Geral,
em consultas informais, a 26 de Maio. No final desse primeiro debate, o Presidente
fez uma declaração à imprensa, apoiando o estabelecimento da UNAMET e anun-
ciando estar a ser preparado um projecto de resolução para lhe dar corpo. Expressou
ainda “profunda preocupação pela situação de segurança tal como descrita no rela-
tório do Secretário-Geral”.
A Indonésia acusou o toque. No dia seguinte, o seu Representante Permanente
enviou uma carta ao Presidente do Conselho, contestando os termos do relatório. Era
o primeiro indício de uma tentativa de manipulação dos factos, certamente ditada
pela ala militar do regime, que se iria agudizar durante o Verão e, sobretudo, depois
do acto eleitoral indonésio, cujo resultado fragilizou ainda mais a posição do
Presidente indonésio.
A constituição da UNAMET foi formalmente aprovada pelo Conselho a 11 de
Junho (Resolução 1246/99), numa sessão formal sem intervenções24, com o claro
intuito de evitar o pedido de participação de não-membros do Conselho num debate
aberto25.
Uma breve cronologia da actividade posterior do Conselho de Segurança é re-
veladora do modo como conduziu o assunto:
16 de Junho – Consultas informais, após briefing do Embaixador Jamsheed Marker.
Apesar de “notar com preocupação” o clima de insegurança descrito pelo Repre-
23 Actual Representante Especial do Secretário-Geral para o Afeganistão, onde continua a demonstrar as suas notá-
veis qualidades.24 O Brasil, então membro do Conselho, expressou entretanto, a nosso pedido, a vantagem de promover até ao final
do mês um debate aberto à participação de todos os Estados-membros. A Austrália e a Nova Zelândia apoiaram
também esta posição que o Conselho ignorou.25 Não podendo intervir no debate, a Missão de Portugal circulou no mesmo dia um comunicado à imprensa em
que o Governo português explicitava a sua visão do modo como se deveria desenrolar o processo democráti-
co de consulta para que as eleições pudessem ser consideradas livres e justas. As preocupações de segurança
aparecem logo em primeiro lugar (“Press Release – East Timor – Security Council Resolution Establishing UNAMET”) –
Nova Iorque, 11 de Junho de 1999.
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Território e, muito menos, ao previsível agravamento das acções de intimidação por
parte dos se opunham à mudança.
A 22 de Maio, o Secretário-Geral publicou o relatório propondo o estabeleci-
mento da UNAMET20, na sequência do envio de uma missão de averiguação das
Nações Unidas a Timor-Leste.
A situação de segurança era nele descrita em termos particularmente críticos
para as autoridades indonésias e as milícias (“a situação em Timor-Leste mantém-se
extremamente tensa e volátil”). Em consequência, Kofi Annan, de uma forma dis-
creta, propunha, além do contingente de polícia civil, o envio de um certo número
de observadores militares (military liaison officers) para manter contacto com os seus
contrapartes indonésios,“ dado o papel importante que as forças armadas indonésias
desempenham em Timor-Leste”.
Não tenho dúvida de que o Secretário-Geral, tal como o Governo português,
teria preferido obter autorização indonésia para a colocação imediata de uma força
internacional no Território. Jacarta recusou essa possibilidade. Daí a fórmula encon-
trada por Kofi Annan que, no fundo, indicava a consciência da necessidade de uma
verdadeira operação de paz. Foi o modo mais expedito da obter o apoio do Con-
selho, conciliando os imperativos de segurança com as susceptibilidades indonésias
(e dos seus apoiantes), quanto à questão da soberania21.
O carácter híbrido da UNAMET provocou também alguma fricção no próprio
Secretariado das Nações Unidas. O mandato definido no Conselho colocou a ope-
ração na dependência do Departamento dos Assuntos Políticos (DPA). Mas a enorme
(e crescente) importância dos aspectos ligados à segurança do Território e da
própria Missão aconselhava, pelo menos, um acompanhamento contínuo e atento
por parte do Departamento das Operações de Paz (DPKO). A cooperação entre os
dois departamentos esteve, desde o início, longe de ser a ideal, pondo em evidência
o desacerto da decisão de criar essa divisão de poderes no Secretariado22.
20 UNAMET, “United Nations Mission in East Timor”, proposta pelo Secretário-Geral no parágrafo 4 de relatório de 22 de
Maio (S/1999/595). O parágrafo 5 previa três condições iniciais para o sucesso do mandato da missão: con-
fiança e apoio do Conselho de Segurança; total cooperação das autoridades indonésias; e disponibilização
dos recursos necessários. Ian Martin foi designado chefe da Missão.21 James Traub num artigo publicado na Foreign Affairs, volume 79, n.º4, observa correctamente que “embora ne-
nhum país, excepto a Austrália, tivesse reconhecido a legitimidade da anexação de Timor-Leste pela Indonésia,
o Conselho de Segurança das Nações Unidas tratou sempre a questão como um problema interno indonésio”.22 Os dois Departamentos foram estabelecidos separadamente em 1996, gerando-se a convicção de que as verda-
deiras razões que motivaram essa decisão residem na forma como as respectivas chefias foram atribuídas: o
DPA ao Reino Unido e o DPKO à França.
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17sentante Especial, o Presidente do Conselho, em declaração à imprensa, manifesta o
seu agrado pela “boa cooperação de todas as partes” e apoia as “medidas tomadas
pela Indonésia para garantir uma situação de segurança estável”. É, no entanto, pela
primeira vez, levantada no Conselho a hipótese do adiamento do início do recensea-
mento eleitoral (embora não mencionada na declaração à imprensa).
22 de Junho – Novo relatório do Secretário-Geral. Agrava-se o clima de intimidação
em Timor-Leste: “Em muitas áreas, milícias pró-integração, segundo muitos obser-
vadores actuando com o apoio de elementos do exército, praticam actos de violên-
cia…”. Em consequência, Kofi Annan entende não poder certificar, como requerido
pelos acordos, a existência de condições de segurança para o início do recensea-
mento, adiando a sua decisão para daí a três semanas. Inevitavelmente, a data da con-
sulta eleitoral teria também de ser adiada.
28 de Junho – Consultas informais, no termo das quais o Presidente do Conselho in-
forma ter chamado o Embaixador indonésio, que lhe referiu “melhorias da situação”.
29 de Junho – Prosseguimento das consultas no Conselho de Segurança, com uma
extensa declaração à imprensa do seu Presidente, arduamente negociada. Portugal e
Indonésia desenvolvem intenso trabalho de corredores, naturalmente de sentido
contrário. O texto acaba por conter uma referência directa ao ataque ocorrido nessa
manhã contra o escritório da UNAMET, em Maliana. Mas a declaração está longe do
tom duro usado, na manhã desse mesmo dia, pelo porta-voz do Secretário-Geral e
do que Portugal pretendia. Acentua-se, no Conselho, uma tendência para diluir as
responsabilidades dos indonésios e das milícias, com referência a “todas as partes”
e a (pequenos) incidentes ocorridos com as FALINTIL.
6 de Julho – De novo consultas informais em que o representante do DPA relata o
ataque gravíssimo registado em Liquiçá. É impossível evitar a clara responsabiliza-
ção das milícias pela situação no território. Em mais uma declaração à imprensa, o
Presidente do Conselho “deplora” o ocorrido e “exige” uma imediata cessação das
práticas intimidatórias e violentas das milícias. Recorda ainda as responsabilidades
(exclusivas) indonésias no que respeita à manutenção da paz e da segurança em
Timor-Leste e anuncia que vai chamar de novo o Representante Permanente indoné-
sio. Nesse mesmo dia, Kofi Annan envia uma carta ao Conselho, informando sobre
a composição da componente de observação militar para Timor-Leste26.
26 É significativo o tempo que este assunto levou. Mantivemos intensos contactos com o DPKO e o DPA e pudemos
constatar os impasses burocráticos e os jogos de poder e influência, mesmo em matéria que não configurava
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16 10 de Julho – Como se tinha tornado inevitável, o Secretário-Geral comunica ao
Presidente do Conselho o adiamento do início do recenseamento para o dia 16 e,
portanto, do calendário eleitoral previsto nos Acordos. As responsabilidades in-
donésias neste atraso não podem ser mais claras.
13 de Julho – As consultas informais do Conselho confirmam a necessidade de
maior pressão sobre Jacarta. Mesmo os mais “tenazes” apoiantes da Indonésia, como
o Barhain e a Malásia, baixam o tom dos argumentos. A habitual declaração à
imprensa que se segue é, contudo, um texto fraco, face à gravidade dos aconteci-
mentos: “A situação em todo o Timor-Leste mantém-se séria. Em particular (os
membros do Conselho) exprimem preocupação pelo facto dos recentes incidentes
em Maliana,Viqueque e Liquiçá terem ilustrado um problema mais amplo da activi-
dade das milícias” (“the incidents…had highlighted a larger problem of militia activity”).
No mesmo dia, é circulada uma carta do MNE indonésio Ali Alatas expondo a
sua versão dos incidentes, para contrabalançar “relatórios que nem sempre seguem
regras estritas de objectividade e imparcialidade”…
14 de Julho – Kofi Annan, numa clara demonstração de capacidade de decisão,
informa, por carta, o Conselho de que o recenseamento terá início a 16, mas que
não pode certificar a existência de condições de segurança para a realização de um
acto eleitoral pacífico. Afirma-se determinado a seguir em frente, não se deixando
intimidar pelo clima de terror.
A posição do Secretário-Geral é imediatamente contrariada por uma carta do
Embaixador Wibisono27 que a considera “um retrato desequilibrado” da situação,
rejeitando a noção de “impunidade” com que é caracterizada a actuação violenta
dos pró-autonomistas.
16 de Julho – Perante este quadro, o Conselho de Segurança volta a discutir infor-
malmente o assunto, ouvindo mais uma vez o RESGNU Marker. O debate foi aceso,
crescendo as críticas a Jacarta, mas também aumentando as vozes que pedem à
UNTAET para “actuar com imparcialidade”, endossando assim as teses defensivas
indonésias. No final da reunião, o Presidente efectuou mais uma (seca) declaração
ainda uma operação de paz. Daí a necessidade de mudança, que veio agora à luz do dia, graças às recomen-
dações do chamado “Relatório Brahimi”.27 Então Representante Permanente da Indonésia com quem mantive sempre um relacionamento pessoal que ultra-
passou as sérias divergências das posições que defendemos. É agora Vice-Ministro para Assuntos Económicos
no Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Jacarta.
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18 A UNAMET foi sempre teoricamente apoiada pelo Conselho, que endossou, em
geral, as recomendações do Secretariado. Mas, na prática, a solicitação de Kofi Annan
de “full confidence and backing”, ficou aquém do exigível. O Conselho dividiu-se, não
ousou repudiar com energia as acusações indonésias de “falta de imparcialidade” ou
“menor objectividade” do Secretariado, procurando essencialmente acomodar os
pontos de vista de Jacarta, mesmo contra a evidência dos factos. Os poucos assomos
de firmeza foram descompensados pelas posições assumidas por alguns dos seus
membros, de que apenas nos chegaram ecos, dado os debates terem sido sempre
conduzidos à porta fechada. Os contactos diários que mantivemos com os quinze
países membros30 reforçaram a noção da cautela com que o Conselho se moveu para
não ferir o que entendia serem interesses indonésios. Claro que as posições não
foram uniformes e que, felizmente, a maioria dos países membros procurou pôr
alguma pressão sobre Jacarta. Mas foram neutralizados pela militância dos poucos
que assumiram a tarefa de encobrir as responsabilidades indonésias na gestação e
incitamento do clima de violência e intimidação, visando influenciar o acto eleitoral.
Em suma, o Conselho agiu:
a) De uma forma pouco transparente, privilegiando as consultas informais e fazen-
do ouvidos de mercador às solicitações de debates públicos;
b) Dentro de uma visão acentuadamente conservadora da utilização dos meios de
intervenção de que dispõe. As resoluções aprovadas limitaram-se a transcrever (para
menos) as recomendações do Secretário-Geral. O meio privilegiado de acção foram
as declarações à imprensa, o menor dos instrumentos ao seu alcance (nem sequer
recorreu à “declaração presidencial”31). Mesmo essas ficaram sempre muito aquém
das afirmações públicas do Secretário-Geral, do conteúdo dos seus relatórios e até
das posições expressas pelos seus porta-vozes;
c) E sem qualquer iniciativa inovadora que alertasse os responsáveis indonésios pela
violência para as consequências das suas acções. Houve chamadas de atenção, mas
sempre cuidadosamente formuladas por forma a evitar reacções negativas, sobretu-
do da parte de altas patentes militares indonésias, a nível nacional ou local. A preo-
30 A composição do Conselho de Segurança era a seguinte: Estados Unidos, Federação Russa, China, Reino Unido
e França, membros permanentes; Holanda, Canadá, Estónia, Brasil, Argentina, Gabão, Gâmbia, Namíbia, Bahrain
e Malásia, membros eleitos.31 A declaração presidencial é um texto formal lido em sessão pública. Tem de ser acordado por unanimidade. Isso
talvez justifique a ausência da sua utilização.
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à imprensa que se limita a saudar a decisão do Secretário-Geral de dar início ao
recenseamento eleitoral, “dada a necessidade de manter o momentum” (“…the need to
maintain momentum”).
26 e 28 de Julho – Cartas do Secretário-Geral ao Conselho de Segurança. A primeira
reconhece o sucesso dos primeiros dez dias de recenseamento, que atribui “em
parte, à melhor cooperação agora demonstrada pelas autoridades indonésias”. Mas
afirma também, sem equívocos, que, no todo, “as condições de segurança se man-
têm ainda inadequadas”.
A segunda carta dá conta da sua decisão de adiar a consulta eleitoral para o dia
30 de Agosto. Nela anuncia igualmente que, em conformidade com os Acordos, as
Nações Unidas permaneceriam em Timor-Leste após a consulta e que o planeamen-
to dessa presença constituiria o principal tópico do último encontro tripartido de
altos funcionários28.
A leitura conjugada destas duas cartas evidencia a intenção do Secretário-Geral
de, tal como preconizado por Portugal, começar a preparar o período pós-eleitoral,
procurando também introduzir mais um elemento dissuasor da violência que mar-
cava a actuação das milícias e dos seus mentores indonésios.
30 de Julho – As consultas informais do Conselho dão luz verde às recomendações
de Kofi Annan. Certos membros ecoam as preocupações expressas pelo Secretário-
-Geral em relação à segurança geral do Território. Outros solicitam que o Secretariado
apresente um plano de actuação para o período pós-consulta popular.
3 de Agosto – O Conselho de Segurança adopta a Resolução 1257/99 que prolon-
ga o mandato da UNTAET por um mês, até 30 de Setembro.
Creio que esta listagem é reveladora da atitude do Conselho de Segurança. Cor-
responde ela à primeira das três condições mencionadas pelo Secretário-Geral em
Maio29 como base do sucesso da operação? Penso que a resposta, a exemplo do
comportamento do próprio Conselho, terá de situar-se num bem português “assim-
-assim”.
28 Estes encontros mantiveram-se, sem alteração, mesmo depois de concluído o processo negocial. Neles o Governo
português, representado sempre por Fernando Neves, procurou encontrar com os indonésios formas práticas
de assegurar uma transição pacífica e uma adequada execução dos Acordos. A nível de Nova Iorque, mantive-
mos também encontros semanais com o mesmo objectivo, a nível de Representantes Permanentes, com o
Secretariado chefiado por Francesc Vendrell.29 Vide 20.
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resultados da votação. Certamente na sequência das consultas que efectuou, Kofi
Annan teve de declinar a proposta alguns dias depois.
As razões que motivaram a iniciativa do Ministro português deram, contudo,
algum fruto. O Secretariado passou a encarar seriamente a delicadeza do momento
do anúncio do resultado e o próprio Secretário-Geral tomou logo a iniciativa (de-
pois não concretizada) de enviar nessa data o seu Representante Especial a Díli.
Restava saber se poderíamos convencer o Conselho de Segurança a partilhar os mes-
mos sentimentos.
O dia 23 – uma semana antes do acto eleitoral – foi crucial. Tomámos conhe-
cimento, através do Secretariado, do teor de uma carta da Comissão Eleitoral da
UNAMET endereçada a Ian Martin, indicando que não estavam criadas as condições
para a prevista realização de consulta popular, em virtude de a Indonésia não ter sido
capaz de pôr em prática os requisitos para ela requeridos. Dever-se-ia ou não seguir
em frente? Nos termos do acordo tripartido, a responsabilidade quanto à determi-
nação da existência de condições para a realização da consulta e a validação dos seus
resultados recaía exclusivamente sobre as Nações Unidas e o próprio Secretário-Geral.
Kofi Annan enviou no dia seguinte ao Conselho o Secretário-Geral-Adjunto para
os Assuntos Políticos, Kieran Prendergast. No formato habitual de consultas infor-
mais, Prendergast apresentou um relatório oral, destacando alguns aspectos posi-
tivos no campo político, como o sucesso do recenseamento ou os encontros de re-
conciliação entre timorenses32. O ponto saliente da sua intervenção foi, contudo, o
quadro negativo a nível de segurança. Nesse contexto, referiu a carta da Comissão
Eleitoral (cujo texto, porém, não foi distribuído) e a preocupação com o facto de a
Indonésia não estar a cumprir as suas obrigações, permitindo um clima generaliza-
do de “violência e impunidade”.
A hipótese do adiamento de consulta foi discutida, mas posta de parte por todos
os membros do Conselho: o processo estava adiantado demais para ser reversível.
Por isso, no final, a tradicional declaração à imprensa do Presidente deu luz verde
ao Secretário-Geral para realizar a consulta na data prevista.
O Conselho não agiu isoladamente. O Secretariado, o Governo português, os
líderes timorenses (incluindo Xanana Gusmão) e o Core Group de apoio a Timor-
32 Estes encontros foram activamente promovidos por Xanana Gusmão, que continuava detido em Jacarta, mas cuja
influência moderadora crescia progressivamente.
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cupação constante de equilíbrio levou-o frequentemente a (quase) equiparar as
actividades dos grupos pró-autonomia e pró-independência, sem olhar ao risco de
contradizer ou ignorar os pontos de vista do Secretariado das Nações Unidas, tanto
em Nova Iorque como em Díli.
Não se tratou de uma atitude discriminatória em relação a Timor-Leste. A ver-
dade é que, no cômputo geral, o Conselho agiu como é seu hábito em situações
similares, quando está envolvido um membro das Nações Unidas com um certo
poder e não estão em jogo interesses directos dos cinco membros permanentes: de
forma rotineira, sem capacidade analítica e procurando refúgio (selectivo) na “li-
derança” do Secretário-Geral.
Na primeira metade de Agosto,
o objecto principal de discussão no Conselho foi a presença das Nações Unidas na
fase posterior à consulta. Mas, os seus membros não podiam fugir à seriedade das
informações que chegavam, de vários quadrantes, sobre o agravamento da situação
de segurança no território.
O recenseamento eleitoral terminara com êxito, mas, em contrapartida, multi-
plicavam-se os sinais dos grupos pró-autonomia de que não aceitariam um resulta-
do contrário aos seus desígnios. Era, também, cada vez mais óbvia a cobertura de
que beneficiavam por parte das autoridades locais indonésias.
A discussão de um novo projecto de resolução sobre o período pós-eleitoral
voltou a relançar a polémica sobre a imparcialidade da UNAMET. Esta atitude de
alguns membros do Conselho intensificou as preocupações do Governo português.
Delas demos conta a vários níveis, em Nova Iorque e nos trabalhos preparatórios dos
encontros de altos funcionários, tanto ao Secretariado como à própria Indonésia.
Portugal não desejava um novo adiamento da data da consulta, mas a campanha de
violência desencadeada pelas milícias punha em risco a campanha eleitoral e a pró-
pria votação. Exigíamos medidas efectivas de controlo da actuação das TNI e das auto-
denominadas milícias por parte do Governo de Jacarta. Mesmo que o acto eleitoral
decorresse de forma aceitável, temíamos as reacções subjacentes, dado não termos
dúvidas (nem o Secretariado das Nações Unidas) quanto ao seu resultado.
Neste contexto, o Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Jaime Gama,
enviou uma carta ao Secretário-Geral, no dia 18, sugerindo a deslocação a Timor-
-Leste dos três signatários dos acordos de 5 de Maio quando fossem anunciados os
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O sobressalto e a oportunidade perdida da prevenção
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22 tude mais firme relativamente à falta de resposta indonésia aos sucessivos apelos que
lhe eram dirigidos. Além do mais, o clima de intimidação e de insegurança estendia-
-se agora ao próprio pessoal da UNAMET. Em consequência, quebrando um acordo
tácito que vigorava desde a assinatura dos acordos35, a delegação portuguesa pediu
para intervir na sessão formal do Conselho que aprovaria a nova Resolução sobre
Timor-Leste. A reacção inicial dos seus membros foi negativa, incluindo a dos nos-
sos principais aliados. Insistimos, defendendo a necessidade de confrontar os indo-
nésios com a expressão pública da preocupação da comunidade internacional face à
incapacidade de cumprirem as suas obrigações.
Com o apoio do Secretariado, obtivemos ganho de causa36. Ainda no mesmo
dia, e na ausência do Secretário-Geral, avistei-me com a Vice-Secretária-Geral, Louise
Fréchette, e com o Secretário-Geral-Adjunto Prendergast. A mensagem era simples:
tornara-se essencial um esforço suplementar indonésio para melhorar de forma
efectiva, no terreno, as condições de segurança. Importava, por isso, que as Nações
Unidas indicassem claramente a Jacarta que ainda não estava feita a avaliação final
sobre a existência ou não de condições para a realização da consulta. A posição nesta
matéria deveria manter-se em aberto até ao início da realização do acto eleitoral37.
O objectivo, esse, era duplo: vincar ao mais alto nível, no Secretariado, o ponto
de vista português e poder confrontar o Conselho de Segurança com a nossa posição
e a reacção (que sabia iria ser positiva) do Secretariado. Para isso, solicitei um
encontro, logo a seguir, com o Presidente do Conselho. Dei-lhe conta da decisão que
o Secretariado me comunicara de manter a situação em avaliação permanente até ao
momento da realização da consulta, indo assim ao encontro do desejo português. E
pedi que deixasse em aberto a possibilidade de convocar de urgência o Conselho,
caso a situação no terreno justificasse uma pronta reacção da comunidade interna-
cional. No fundo, deixei subentendida a eventualidade do pedido de uma interven-
35 As sucessivas Resoluções foram sempre adoptadas como textos presidenciais, uma forma de manifestar a unani-
midade do Conselho, dispensando intervenções justificativas das posições adoptadas pelos países membros.
Na prática, aquele órgão procurava evitar manifestações públicas de desacordo que afectassem a marcha do
processo eleitoral, mantendo também Portugal e a Indonésia em silêncio nas suas sessões formais.36 Além de Portugal e da Indonésia, intervieram ainda a Austrália, a Nova Zelândia, a Coreia e a Presidência da
União Europeia (Finlândia). Os membros do Conselho limitaram-se a adoptar por unanimidade a Resolução
1262/99.37 A posição oficial da ONU era a de que seria Ian Martin até ao último momento a decidir se havia ou não con-
dições para realizar a votação.
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-Leste33 manifestaram-se, com mais ou menos reservas, a favor dessa decisão, instan-
do Jacarta a tomar medidas. Ninguém esquecia, porém, o alerta lançado pela Comis-
são Eleitoral e os perigos que rodeavam a realização da consulta e o período subse-
quente.
Essa chamada de atenção facilitou a conclusão das negociações sobre o projecto
de resolução, redigido pela delegação britânica,34 relativo à fase posterior à consulta.
Mas não foi suficiente para alterar a situação no terreno. Nos dois dias ante-
riores à adopção formal do projecto de resolução os incidentes intensificaram-se,
tornando ainda mais clara a conivência entre as forças militares e de segurança
indonésias e as milícias pró-integração. A inquietação portuguesa era partilhada por
muitas outras delegações, com destaque para a australiana. Washington admitiu tam-
bém não excluir a possibilidade de a violência se tornar incontrolável, diligencian-
do em Jacarta para chamar as autoridades indonésias à razão.
O Conselho de Segurança voltou a reunir em consultas informais (dia 26),
ouvindo novo relato sombrio do Secretário-Geral-Adjunto Prendergast. Na linha da
proposta portuguesa avançada uns dias antes, sugeriu o envio de uma missão de
observadores do Conselho a Timor-Leste. Não chegaria a tempo do voto, mas pode-
ria estar no terreno aquando do anúncio dos resultados e constituiria uma fonte
objectiva de informação sobre a situação de segurança.
O Conselho adiou a decisão sobre este ponto, insistindo no procedimento ha-
bitual: uma declaração à imprensa, mais forte do que a anterior; a convocação do
Embaixador indonésio para lhe serem comunicadas as preocupações do Conselho; e
a reiteração do apoio à realização da consulta popular no dia previsto. O porta-voz
do Secretário-Geral foi mais longe na condenação dos incidentes e na exigência da
adopção de medidas imediatas por parte das autoridades indonésias…
A consciência do perigo da deterioração da situação em Timor-Leste levou
Portugal a procurar novas formas de motivar o Conselho de Segurança para uma ati-
33 Grupo consultivo constituído pelo Secretariado para o aconselhar na condução da operação e constituído pelos
países mais directamente interessados em Timor-Leste (com exclusão dos signatários dos acordos): Estados
Unidos, Reino Unido, Japão, Austrália, Nova Zelândia e Coreia.34 Os ingleses são os iniciadores tradicionais dos projectos de resolução sobre Timor-Leste. São-no, de resto, de uma
forte percentagem das Resoluções do Conselho. É o privilégio de quem é o “dono da língua” dominante nas
negociações. Apesar de acusações esporádicas de manipulação em benefício próprio, é, em geral, reconheci-
do o profissionalismo com que os diplomatas britânicos trabalham e que lhes vale o apoio dos Estados Unidos,
que não entram “em competição”.
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ao menos teria havido um sinal mais concreto de que a comunidade internacional
estava a acompanhar de perto a situação e de que não ficaria sem resposta a cumpli-
cidade indonésia na tentativa de subversão dos resultados eleitorais.
É um lugar comum a crítica à tradicional incapacidade de o Conselho actuar
preventivamente. Só a explosão das crises e a mobilização das opiniões públicas39
motiva politicamente os poderosos a agir. Timor-Leste não escapou a esta regra.
No princípio de cada mês muda a Presidência do Conselho.
A 1 de Setembro, o Representante Permanente da Holanda, Peter van Walsum, subs-
tituiu o Embaixador da Namíbia. Pedi imediatamente para o ver. As inquietações do
Governo português acentuavam-se com as notícias e as imagens provenientes do ter-
reno. Lisboa continuava firmemente empenhada em manter o diálogo e a coope-
ração com o Governo indonésio. Mas não se podia ignorar a completa ineficácia das
medidas sucessivamente anunciadas por Jacarta.
O Conselho de Segurança deveria preparar-se para actuar, de imediato, em
Timor-Leste. Não podia esquivar-se à sua responsabilidade de garantir as condições
indispensáveis para ser posto em prática o resultado da consulta. Reiterava, por isso,
a proposta do envio imediato de uma missão do Conselho a Jacarta e a Díli. E mais:
o Conselho deveria começar já a ponderar acções mais determinadas e de maior
alcance, designadamente a constituição de uma força de paz.
O Presidente fez o relato da nossa conversa nas consultas informais que nesse
mesmo dia os seus membros dedicaram a Timor-Leste. No final da reunião, o ba-
lanço não era animador, do nosso ponto de vista. A sugestão do envio imediato de
uma missão do Conselho colhera apenas apoio de três delegações, nenhuma delas
membro permanente. Pior ainda fora a reacção à sugestão de constituição de uma
força de paz: só o Brasil manifestara uma predisposição favorável. A única nota enco-
rajadora partira, uma vez mais, do Secretariado: evitando pronunciar-se oficialmente
quanto à criação de uma força de paz, Prendergrast deixara implícito que os mem-
bros do Conselho deveriam começar a preparar-se para essa possibilidade40.
39 Frequentemente referida como “efeito CNN”.40 Talvez embaraçado com a sua própria inacção, o Conselho, não tomando decisão, solicitou ao Secretário-Geral
que continuasse a acompanhar a situação de forma a auxiliá-lo a gerir a questão e a decidir. Tem sido uma
constante do mandato de Kofi Annan: tomar a iniciativa na ausência da vontade política dos Estados-membros.
Talvez não seja conforme com a Carta, mas esta atitude tem estado na base de alguns êxitos ultimamente al-
cançados.
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25ção internacional, se os indonésios se revelassem incapazes de dominar novos sur-
tos de violência38.
No dia da votação, a 30 de Agosto, o Secretariado deu conta, no final das con-
sultas informais, do modo satisfatório como decorrera a ida às urnas, referindo ape-
nas alguns incidentes esporádicos.
A determinação do povo timorense em aproveitar a oportunidade que lhe era
oferecida de decidir sobre o seu futuro impressionou a comunidade internacional.
O Conselho também não foi insensível a isso. Muitos dos seus membros expres-
saram regozijo pelo modo como decorrera o acto eleitoral e admiração pela enorme
afluência às urnas. Outros preferiram, no entanto, pôr o acento tónico na capacidade
indonésia de assegurar um voto relativamente livre e pacífico.
Por um momento, quase pareceram infundados os receios dos que temiam uma
catástrofe pós-eleitoral e alguns apontaram a Portugal o “pecado” da propagação de
pontos de vista alarmistas. Afinal, o principal objectivo dos acordos de Maio fora
alcançado.
O Conselho de Segurança gerira a situação dentro dos seus parâmetros habi-
tuais. Apesar de algumas reacções mais duras, a preocupação principal continuou
sempre a ser evitar pôr a autoridade de Jacarta em xeque. À perda óbvia e progres-
siva de força e influência por parte do Presidente Habibie, desde as primeiras eleições
democráticas na Indonésia, o Conselho respondia com “panos quentes”, procuran-
do, colectiva ou bilateralmente, neste caso através dos seus membros mais influentes
como os Estados Unidos, convencer a hierarquia militar indonésia a agir.
Refugiando-se no argumento (risível) da militância pró-indonésia de membros
não-permanentes, como o Bahrain ou a Malásia, e na necessidade de preservar o
consenso nesta questão, os cinco membros permanentes optaram por evitar a adopção
de medidas fortes de intervenção, quer as preconizadas por Portugal, ou já enca-
radas por países vizinhos como a Austrália, quer mesmo as sugeridas pelo Secreta-
riado e pelo próprio Secretário-Geral. O Conselho falhou, assim, uma oportunidade
única de pôr em prática medidas preventivas apropriadas, mesmo que de carácter
meramente político. Poderiam ter sido insuficientes para evitar o que se seguiu, mas
38 O Presidente do Conselho de Segurança era nesse mês o Embaixador da Namíbia, Martin Andjaba, que dias
depois chefiaria a missão daquele órgão à Indonésia e a Timor-Leste. Respondeu-me correctamente: espera-
va que tudo corresse pelo melhor, mas, se assim não fosse, estava pronto a convocar o Conselho.
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27A deterioração da situação no território e a relativa passividade do Conselho
obrigaram Portugal a multiplicar diligências visando intensificar a pressão interna-
cional sobre Jacarta41. Esse empenho cresceu com a atitude negativa indonésia, que
procurava vender ao Conselho teses como a “provocação dos partidários pró-inde-
pendência” ou a “fraude do acto eleitoral”, levada a cabo por funcionários da
UNAMET.
Solicitei novo encontro com o Presidente do Conselho de Segurança no dia 2.
O objectivo era deixar ainda mais clara a mensagem que já transmitira: Jacarta não
queria ou não era capaz de controlar a situação em Timor-Leste. Impunha-se que o
Conselho estudasse a adopção de medidas adequadas, incluindo a possibilidade do
envio de uma força de paz que permitisse o rápido reforço da componente de segu-
rança das Nações Unidas em Timor-Leste. Caberia ao Conselho decidir a configu-
ração de uma tal acção, no exercício da sua competência.
O Presidente suscitou a questão da necessidade do consentimento do host coun-
try, que vinha já a ser debatida nos corredores. Recordei-lhe que o estatuto jurídico
internacional do Território não reconhecia a Indonésia como tal. Éramos a favor de
obtenção da concordância de Jacarta, mas o Conselho de Segurança deveria estar
preparado para todas as eventualidades. Pela nossa parte, continuávamos preparados
para aplicar na íntegra os Acordos de Maio, estando o Ministro dos Negócios Es-
trangeiros disposto a reunir com o seu homólogo indonésio e com o Secretário-Ge-
ral logo após o anúncio dos resultados da consulta popular.
Ainda nesse mesmo dia, o Embaixador Walsun transmitiu-me a resposta do
Conselho de Segurança: não havia apoio para a constituição de uma força de paz.
Insisti de imediato sobre a necessidade de uma abordagem de outras fórmulas que
permitissem estabilizar a situação em Timor-Leste, nomeadamente a autorização do
Conselho para que países interessados pudessem deslocar forças para o território42.
Manifestei-lhe também a intenção portuguesa de pedir a convocação urgente do
Conselho, caso a situação se agravasse nas horas subsequentes ao anúncio do resul-
tado eleitoral.
41 O Presidente da República e o Primeiro-Ministro empenharam-se pessoalmente, reforçando os esforços desen-
volvidos pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros e pela máquina diplomática do Ministério dos Negócios
Estrangeiros.42 Pelo menos dois países estavam dispostos a fazê-lo: a Austrália e Portugal, embora o primeiro exigisse o con-
sentimento de Jacarta e o apoio político expresso dos Estados Unidos. A figura da chamada “coallition of the
willing” não era nova no Conselho de Segurança, que dera já cobertura nos últimos anos a operações desse tipo,
como as que ocorreram na Albânia e na República Centro-Africana.
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26 A persistência de uma atitude de tolerância em relação a Jacarta tornou-se ina-
ceitável para o Governo português, que redobrou as advertências e as chamadas de
atenção. Na manhã do dia seguinte recebi, finalmente, em Nova Iorque a primeira
notícia animadora: a delegação britânica recebera instruções para apoiar o envio de
uma força internacional para Timor-Leste e para passar a ter um papel activo em prol
das posições portuguesas43. Em contrapartida, poucas horas depois, os americanos
confirmavam ser contra a constituição de qualquer força, quer das Nações Unidas,
quer internacional44. Inconformado com esta posição, perguntei directamente a um
alto funcionário da Missão em Nova Iorque o que fariam Washington e o Conselho
de Segurança caso se concretizasse a ameaça de um “banho de sangue” em Timor-
-Leste. A resposta foi dura e concisa: “I’m afraid, nothing”.
Kofi Annan fez questão de ser ele próprio a anunciar, ainda no dia 3, em sessão
formal do Conselho, os resultados eleitorais. Quis, assim, assinalar a importância
que a comunidade internacional atribuía ao momento e prevenir novas tentativas de
alegação de fraude eleitoral. A opção dos timorenses era clara. Menos clara era a
capacidade ou a vontade indonésia de fazer respeitar essa opção45. Tentando respon-
der a essas dúvidas e certamente prejudicar a insistência portuguesa no envio ime-
diato de uma missão de observação do Conselho de Segurança, Jacarta anunciou que
os Ministros dos Negócios Ali Alatas e o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas
General Wiranto se deslocariam de imediato a Díli.
A missão Alatas-Wiranto serviu apenas para confirmar o que os meios de comu-
nicação social já haviam divulgado: a situação estava incontrolável e as garantias de
Jacarta não tinham qualquer tradução prática no terreno. Na realidade, era cada vez
mais evidente a orquestração entre as TNI, a polícia e as milícias, conluiadas num
plano de destruição de Timor-Leste46.
43 Finalmente um membro permanente do CS propunha-se abandonar o aconchego de uma atitude puramente
declaratória. A decisão inglesa terá sido determinada pelo próprio Primeiro-Ministro Tony Blair, na sequência
de contactos com o seu homólogo português.44 Apesar das pressões que o Pentágono estava já a fazer em Jacarta, mantinha-se ainda firme a ligação entre as
estruturas militares dos dois países. O Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas americanas reafirmava a sua
confiança nas qualidades de chefia do General Wiranto. Esta atitude bloqueava a Austrália, que fazia depender
a sua iniciativa de avançar com uma força do apoio do “músculo” americano.45 Procurando tranquilizar a comunidade internacional, Jacarta anunciou a deslocação de três companhias da polí-
cia e duas de militares para o território.46 A UNAMET começara já, entretanto, a evacuar o seu pessoal, tendo sido obrigada a retirar de metade dos distri-
tos timorenses. O progressivo e rápido desaparecimento dos observadores internacionais eliminava teste-
munhas e deixava as populações à mercê dos agressores.
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tentavam já identificar os países prontos a disponibilizar elementos para essa (even-
tual) força50.
Mas o Presidente do Conselho, em nova declaração à imprensa, só foi autoriza-
do a dizer que estava a ser “planeado” o envio de uma missão do Conselho de
Segurança para discutir com o Governo da Indonésia medidas concretas que permi-
tissem concretizar o resultado eleitoral “e que o Governo da Indonésia tinha rece-
bido bem essa intenção”51.
Portugal solicitou de imediato que o Conselho não fechasse a porta a uma acção
na área da segurança, independentemente da decisão, correcta, do envio da missão.
Insisti, por isso, na convocação urgente de uma sessão formal, aberta, do Conselho
de Segurança.
Kofi Annan, por seu lado, convocou o novo Representante Permanente dos Esta-
dos Unidos, Richard Holbrooke, comunicando-lhe a sua convicção da necessidade
do envio de uma força internacional para Timor-Leste que ajudasse os indonésios a
garantir a segurança no país52.
Nos dias que se seguiram, a opinião pública internacional foi sendo confronta-
da com o horror da destruição sistemática e irracional de um país, cujo povo acabara
de escolher o seu próprio destino pelas mãos das Nações Unidas. E assistia à con-
tenção corajosa dos que optaram por não responder à fúria assassina da minoria que
não tinham conseguido impor a sua vontade. Xanana Gusmão, que da prisão domi-
ciliária em Jacarta passara para a protecção da Embaixada britânica, era a voz res-
peitada do apaziguamento. E Ramos Horta, em Nova Iorque, multiplicava os con-
tactos, estabelecendo com Holbrooke o relacionamento que o levaria, alguns dias
depois, a encontrar o Presidente Clinton em Auckland53.
50 A Austrália assumira a iniciativa neste campo. Mas considerava insuficiente a companhia da Nova Zelândia e pro-
blemática a de Portugal. Países como o Canadá e os Estados Unidos admitiam contribuir financeiramente, mas
não com homens. O envolvimento do DPKO era pessoalmente supervisado pelo seu chefe, o Secretário-Geral-
-Adjunto Bernard Miyet.51 Declaração à imprensa do Presidente do CS de 5 de Setembro, após consultas informais convocadas, para ouvir
um briefing do Secretariado sobre a deterioração da situação em Timor-Leste.52 Estava-se num Domingo, véspera do Labor Day. O agravamento da situação em Timor-Leste não deixou as Nações
Unidas disfrutar do longo fim-de-semana que assinala o fim do Verão. Holbrooke acabara, finalmente, de as-
sumir o seu posto em Nova Iorque, mas ainda não tinha apresentado credenciais ao SG.
53 A contenção das FALINTIL e dos partidários da independência foi essencial para evitar a repetição do cenário da
“guerra civil” com que os seus opositores se preparavam para demonstrar a inviabilidade de Timor-Leste inde-
pendente.
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29No dia 5 de Setembro, o Secretário-Geral empenhou-se pessoalmente na avalia-
ção da possibilidade de se avançar de imediato com uma força para Timor-Leste,
procurando obter para isso a cooperação de Jacarta e mantendo-se em permanente
contacto e concertação com Portugal. Havia total sintonia entre nós quanto à con-
figuração política dessa operação: deveria ser apresentada como uma ajuda às au-
toridades de Jacarta para controlar a situação em Timor-Leste e não como uma acção
militar contra a Indonésia. O Governo português reiterou publicamente a sua dis-
ponibilidade para integrar essa força.
O Conselho de Segurança, porém, foi incapaz de tomar uma decisão. Entre os
membros permanentes, só o Reino Unido e a França47 se mostraram dispostos a
apoiar uma intervenção militar. Os Estados Unidos, embora mais atentos às conse-
quências da atitude indonésia, continuavam ainda a privilegiar os contactos com o
Presidente indonésio e com as autoridades militares do país. A oposição russa era
notória e a China, evitando pronunciar-se directamente, sublinhava a imprescin-
dibilidade do consentimento indonésio. Entre os membros não-permanentes, a
rigidez das posições do pequeno grupo de apoio a Jacarta, liderado pelo Bahrain48,
continuou a sobrepor-se à simpatia com que outros timidamente encaravam uma
tomada de posição mais interveniente.
Uma vez mais, o Conselho iria ficar aquém do Secretariado. Neste, a todos os
níveis, havia acordo quanto à necessidade do envio de uma força de emergência para
Timor-Leste. O Secretário-Geral procurava activamente obter a concordância indo-
nésia49. E os dois Departamentos, o de Assuntos Políticos e o das Operações de Paz,
47 A delegação francesa, mantendo um certo low profile nas discussões, foi desde o início, entre os membros per-
manentes, a que mais simpatia manifestou pelas posições preconizadas por Portugal. Em contrapartida nunca
assumiu o papel activo mais tarde adoptado pelas Missões do Reino Unido e dos Estados Unidos.48 Foi para mim um mistério a posição assumida pelo Representante Permanente do Bahrain. Se obedecia a instru-
ções da sua capital, é difícil explicá-las com o simples argumento da solidariedade islâmica. Várias vezes pro-
curei chamar a atenção para o perigo de uma atitude árabe puramente negativa. Em vão. Recentemente os ára-
bes tiveram de confrontar as consequências dessa atitude quando a questão de Timor lhes foi recordada no
Conselho de Segurança a propósito da proposta árabe de envio de uma força de interposição para a fronteira
entre Israel e a Palestina, recusada por Telavive.49 O Presidente Habibie confidenciou nesse dia poder aceitar o envio de uma força internacional para Timor-Leste.
Antes teria de declarar o Território em estado de lei marcial, para dar as rédeas do comando local ao General
Wiranto. Só depois estaria em posição de aceitar o auxílio internacional para repor a lei e a ordem. Ficava no
vácuo a duração do estado de emergência.
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31No terreno, assistiu-se à consumação da retirada do pessoal da UNAMET, que
arrastou também a saída dos funcionários que compunham a Missão de Observação
portuguesa em Timor-Leste, entretanto refugiada nas instalações das Nações Unidas54.
Portugal e o Secretário-Geral, mais do que nunca, convergiam na urgência de pôr
travão à campanha de terror e de chamar Jacarta à responsabilidade, mas não encon-
travam o eco desejado.
De um modo esquemático, creio poder dizer que, nesse período, o Conselho de
Segurança e os países envolvidos na questão se dividiram, tacticamente, em dois
grupos: os “apoiantes“ da Indonésia defendiam que qualquer tomada de decisão
deveria aguardar o regresso da missão enviada a Jacarta (e a Díli) e o respectivo rela-
tório; os que olhavam ao que se passava no terreno preconizavam uma atitude de
intervenção e não de expectativa.
Portugal liderou este segundo grupo. A favor, como éramos, da constituição da
força de intervenção, entendíamos que o Conselho deveria reunir de imediato em
sessão pública que poderia constituir um elemento de pressão definitivo para forçar
Jacarta a aceitar a ajuda internacional.
Holbrooke passou a defender a inevitabilidade do recurso à força de inter-
venção. O Presidente Clinton mostrou-se desde o início favorável a essa posição, que
veio publicamente a apoiar dias depois55. No dia 7, o diário The New York Times publi-
cava, na primeira página, um artigo com um título significativo – “A push to intervene
in East Timor is gathering backers at the UN”56.
A consumação da tragédia em Timor-Leste já não admitia atitudes de distancia-
mento. Nas reuniões informais do Conselho, os hard-liners tinham dificuldades em
repetir argumentos que chocavam com realidades como a evacuação da UNAMET. A
China, no dia 8, deu a conhecer estar agora aberta ao envio imediato de uma força.
O Governo português formalizou, nesse mesmo dia, o pedido de reunião de urgên-
54 A MOPTL (Missão de Observação Portuguesa em Timor-Leste) fora estabelecida em conformidade com o Anexo
II dos Acordos de 5 de Maio sobre as modalidades da consulta popular.55 O próprio Presidente revelaria não ter podido ficar indiferente ao apelo português que lhe fora transmitido ao
mais alto nível. Começaram também a fazer efeito junto da opinião pública americana as imagens provenientes
do Território e a mobilização dos meios de comunicação social e do povo português. Holbrooke estava bem
acompanhado, mas não encontrou eco imediato nas várias agências envolvidas no processo de decisão em
Washington.56 A autora, Barbara Crossette, corrigia nesse artigo uma percepção tradicional pouco favorável a Portugal nesta
questão. Foi o ponto de partida para uma escrita actuante que nos foi muito útil.
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30 cia do Conselho de Segurança. A maioria dos seus membros reagiu com cautela: ha-
via que evitar prejudicar o sucesso da sua própria missão, que se encontrava em
Jacarta e ainda não fora autorizada pelos indonésios a deslocar-se a Díli57.
Insistimos no pedido, reforçando-o com a sugestão de o Brasil, como membro
do CS, escrever também uma carta ao seu Presidente no mesmo sentido. Fá-lo-ia no
dia seguinte, já depois de Holbrooke haver comunicado a sua decisão de passar a
defender a convocação da sessão formal de emergência.
Foram ainda necessárias muitas horas de trabalho para obter o consenso sobre
a data, hora e formato da reunião. Após contactos, por vezes duros, connosco e com
os americanos, a Rússia não se opôs58.
Mas mais importante foi nova declaração de Kofi Annan que marcou decisiva-
mente o tom em que iria decorrer a sessão formal do dia seguinte. Com uma total
frontalidade, o Secretário-Geral tornou público: que a Indonésia falhara na respon-
sabilidade de manter a ordem e a segurança em Timor-Leste; que as Nações Unidas
não abandonariam o povo timorense na sua hora d