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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXIX Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande - MS, 23 a 25 de junho de 2020 1 www.compos.org.br www.compos.org.br/anais_encontros.php Negritude, periferia e (in)visibilidades: reflexões sobre os atravessamentos socioculturais da agência Responsa1 Blackness, periphery and (in)visibilities: reflections about the socialcultural crossings of the agency Responsa. Joselaine Caroline2 Enéias Brum3 Resumo: O objetivo deste trabalho é discutir as articulações do campo da publicidade com as práticas de contestação à (in)visibilidade de receptores e profissionais da periferia e negritude, como recurso no enfrentamento às lógicas do racismo. Para esse fim, a pesquisa será orientada a partir do paradigma da afrocentricidade no estudo de caso da fundação da agência publicitária Responsa. Através da técnica de análise documental e da pesquisa bibliográfica coletamos dados que nos permitiram obter acesso aos processos de constituição da agência, buscando refletir a partir de noções e teorias sobre publicidade, práticas de produção, práticas de contestação dos receptores e crítica afrocentrada. Concluímos que a Responsa apresenta as características de um projeto afrocentrado ao constituir uma narrativa eloquente e antirracista, mas abre precedentes para interpretações que podem enfraquecer o seu próprio discurso na tentativa de ressignificar sentidos socioculturais. Palavras-chave: Publicidade. Práticas de Contestação. Afrocentricidade. Negritude. Periferia. Abstract: The goal of this paper is to debate the articulation between the blackness & periphery (in)visibility and challenge’s practices in the publicity area as a resource for the confrontation of racism logics. The research will be guided through the afrocentricity paradigm in the constitution of the advertising agency Responsa in a case study. Throughout techniques of documentary analysis and bibliographic research, we collected datas that allowed us to have access to the agency constitution process aiming to think about concepts and theories about publicity, challenge’s practices and afrocentricity review. We have concluded that Responsa presents eloquent features of a project based on afrocentricity in the constitution of an anti-racism discourse but opens precedents to different interpretations that can weaken its own discourse in the attempt of the ressignification of sociocultural paths. Keywords: Publicity; Challenge’s practices. Afrocentricity. Blackness.Periphery. 1. Introdução As contestações em torno da falta de representatividade e diversidade na mídia brasileira têm sido uma pauta bastante debatida pela sociedade na atualidade. As críticas à sistematização das práticas de dominância do padrão de raça e classe estabelecidas no Brasil, desde a colonização do território, passaram a repercutir em pressões do público direcionadas 1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho em Recepo, Circulao e Usos Sociais das Mdias do XXIX Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande - MS, 23 a 25 de junho de 2020 2 Joselaine Caroline, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Doutoranda, [email protected]. 3 Enéias Brum, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Mestrando, [email protected].

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XXIX Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande - MS, 23 a 25 de junho de 2020

1 www.compos.org.br

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Negritude, periferia e (in)visibilidades: reflexões sobre os atravessamentos socioculturais da agência Responsa1

Blackness, periphery and (in)visibilities: reflections about

the socialcultural crossings of the agency Responsa. Joselaine Caroline2

Enéias Brum3

Resumo: O objetivo deste trabalho é discutir as articulações do campo da publicidade com as práticas de

contestação à (in)visibilidade de receptores e profissionais da periferia e negritude, como recurso no

enfrentamento às lógicas do racismo. Para esse fim, a pesquisa será orientada a partir do paradigma da

afrocentricidade no estudo de caso da fundação da agência publicitária Responsa. Através da técnica de análise

documental e da pesquisa bibliográfica coletamos dados que nos permitiram obter acesso aos processos de

constituição da agência, buscando refletir a partir de noções e teorias sobre publicidade, práticas de produção,

práticas de contestação dos receptores e crítica afrocentrada. Concluímos que a Responsa apresenta as

características de um projeto afrocentrado ao constituir uma narrativa eloquente e antirracista, mas abre

precedentes para interpretações que podem enfraquecer o seu próprio discurso na tentativa de ressignificar

sentidos socioculturais.

Palavras-chave: Publicidade. Práticas de Contestação. Afrocentricidade. Negritude. Periferia.

Abstract: The goal of this paper is to debate the articulation between the blackness & periphery (in)visibility and

challenge’s practices in the publicity area as a resource for the confrontation of racism logics. The research will

be guided through the afrocentricity paradigm in the constitution of the advertising agency Responsa in a case

study. Throughout techniques of documentary analysis and bibliographic research, we collected datas that

allowed us to have access to the agency constitution process aiming to think about concepts and theories about

publicity, challenge’s practices and afrocentricity review. We have concluded that Responsa presents eloquent

features of a project based on afrocentricity in the constitution of an anti-racism discourse but opens precedents

to different interpretations that can weaken its own discourse in the attempt of the ressignification of sociocultural

paths.

Keywords: Publicity; Challenge’s practices. Afrocentricity. Blackness.Periphery.

1. Introdução

As contestações em torno da falta de representatividade e diversidade na mídia

brasileira têm sido uma pauta bastante debatida pela sociedade na atualidade. As críticas à

sistematização das práticas de dominância do padrão de raça e classe estabelecidas no Brasil,

desde a colonização do território, passaram a repercutir em pressões do público direcionadas

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho em Recepcao, Circulacao e Usos Sociais das Midias do XXIX

Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande - MS, 23 a 25 de junho

de 2020

2 Joselaine Caroline, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Doutoranda, [email protected].

3 Enéias Brum, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Mestrando, [email protected].

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ao campo publicitário e suas práticas consagradas em torno do poder social e cultural

hegemônico. Esse movimento, potencializado por novas formas de usos das mídias – mais

democráticos, interativos e dialógicos – possibilitaram a emancipação de grupos que durante

muito tempo tiveram suas identidades invisibilizados e estereotipadas.

Nesse cenário, propomos a discussão de fenômenos socioculturais em torno da

publicidade exemplificados no processo midiático de criação da agência publicitária Responsa,

que se auto-define como uma agência de "criadores periféricos" (INSTAGRAM, 2020). A

empresa foi criada recentemente para ser um braço da também agência de publicidade Bullet e

propõe a focar em profissionais e receptores residentes de regiões periféricas do Brasil que até

então não receberam atenção do campo publicitário.

Tal fato nos parece frutífero para o exercício de análise das práticas de produção

publicitárias através de um recorte de classe e raça, visto que a periferia brasileira é composta

por uma maioria de pessoas negras. Por isso, o objetivo deste trabalho é discutir as articulações

do campo da publicidade com as práticas de contestação à (in)visibilidade de receptores e

profissionais da periferia e negritude como recurso no enfrentamento às lógicas do racismo.

Por tratarmos de um projeto de comunicação onde a questão étnico-racial se apresenta

como tema e media as relações entre receptores e produtores de publicidade, pensamos que a

a abordagem afrocentrada pode ser estruturada e aplicada como principal perspectiva em nossa

análise. O paradigma da afrocentricidade (ASANTE, 2009; MAZAMA, 2009;

NASCIMENTO, 2009), nao se caracteriza enquanto tema e sim como abordagem, pois “o

afrocentrismo nao sao os dados, mas a orientacao para eles. É como abordamos os fenômenos”

(MAZAMA, 2009).

A partir dessa orientação, ainda que os tensionamentos se construam, muitas vezes, de

forma contestadora, buscamos contribuir de maneira complementar e agregadora, a fim de

pensar os apontamentos acerca da racialidade, minorias e diversidade das relações enquanto

eixos centrais deste estudo, que se justifica pela necessidade de refletir e compreender de que

forma os processos sociais têm atuado para pensar e reconfigurar a cidadania de indivíduos e

grupos de minorias sociais, a partir da agência e localização dos corpos na publicidade.

Realizaremos, então, um estudo de caso a respeito da fundação da Responsa, utilizando

a técnica de análise documental para coleta de dados que nos permitam obter acesso a fatos e

declarações das lideranças da agência, ao mesmo tempo que a técnica de pesquisa bibliográfica

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nos trará embasamento para reflexões a partir de noções e teorias sobre publicidade, práticas

de contestação e crítica afrocentrada.

Como o caso da Responsa trata de inter-relações entre o campo publicitário e o contexto

macrossocial, iniciaremos nossa discussão tratando das práticas de recepção caracterizadas

como contestações promovidas, em sua maioria, por grupos minoritários que visam obter

acesso à esfera pública através da representação de suas identidades e culturas na mídia e, mais

especificamente, na publicidade.

Traremos definições que nos permitam relacionar a criação da agência Responsa a

requisições históricas e contemporâneas do Movimento Negro, partindo de cinco

características mínimas do pensamento afrocentrado: a) interesse pela localização psicológica;

b) compromisso com a descoberta do lugar do africano como sujeito; c) defesa dos elementos

culturais africanos d) compromisso com o refinamento léxico; e, e) compromisso com uma

nova narrativa da história da África.

Discutiremos aspectos dúbios em torno de manifestações institucionais da Responsa e

seus líderes, que explicitam intenções da agência em valorizar a cultura da periferia ao mesmo

tempo que aparenta submeter o público beneficiado por sua criação a uma lógica de

deslocamento para a posição de nicho de mercado atendendo à uma visão dominante da

branquitude de classe alta brasileira. Os resultados indicam a presença das características

mínimas de um projeto afrocentrado na fundação da Responsa, mas como pontos críticos que

apontam fragilidades na tentativa de ressignificar sentidos socioculturais sobre a população

negra e periférica.

2. Novas práticas socioculturais articuladas à publicidade

Os novos formatos e possibilidades dos meios de comunicação, assim como as novas

práticas de interação, têm alterado as formas com que os indivíduos se relacionam com as

mídias e com as diversas práticas de produção, recepção e circulação midiática. Diversos

movimentos da negritude, assim como de vários grupos de minorias sociais, têm atuado para

transformar sua relação com as mídias. A filósofa Sueli Carneiro (2003), de forma específica,

defende que as mulheres negras, a partir da globalização e de uma crescente consciência,

precisam requerer novas formas de ação e lideranças para garantir uma representação positiva

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dos meios de comunicação de massa, defesa que também pode ser usada para todos os atores

sociais afrodescendentes.

Em um recorte da negritude, concordamos que as práticas de contestações à falta de

representatividade no campo publicitário muitas vezes são pautadas no fato de que a

"publicidade reproduz estereótipos culturais sobre o negro, assim contribuindo para delimitar,

no plano ideológico seus lugares apropriados" (HASENBALG, 1982, p. 113, grifo do autor).

Ainda que com intenção de atribuir um sentido positivo aos sujeitos negros, a propaganda ao

combinar signos verbais e visuais ratifica os significados históricos atribuídos às pessoas

negras, uma vez que os meios de comunicação operam, constroem, reconstroem e cristalizam

imagens e sentidos (COSTA, 2012; CARNEIRO, 2003).

A abordagem das práticas de contestações (WOTTRICH, 2019) nos direciona para a

análise do campo de produção publicitária a fim de pensarmos como a área lida com as áreas

sociais, no âmbito da negritude e da periferia. Posto isso, entendemos a Publicidade como um

gênero comunicativo com grande potencial de produção de sentidos na sociedade por

disseminar ideias, valores e pontos de vista que beneficiam a reputação de organizações e

pessoas públicas junto aos indivíduos nos quais as mesmas têm interesse de estabelecer e

estreitar relações comerciais, institucionais e mercadológicas. Piedras (2009, p. 15) analisa a

publicidade como “uma forma de comunicacao caracterizada pela persuasao […], como

processo comunicativo constitutivo de certas práticas culturais” a partir de um enfoque cultural

e processual:

Cultural porque a abordagem não é apenas econômica, política ou microssocial, mas

refere-se ao universo simbólico que articula essas discussões do mundo social como

um elemento constitutivo das práticas de produção e consumo dos sujeitos, e não

como um mero instrumental. Processual porque a existência da publicidade como

forma de comunicação e persuasão depende de todas as dimensões que fazem parte

de seu circuito, como seus textos, e as lógicas de produção e recepção que os fazem

circular e significar (PIEDRAS, 2009, p. 28-29).

Segundo a autora, os contextos nos quais identificamos as práticas deste circuito são

constitutivos dos processos da publicidade. Para pesquisar os sentidos produzidos pela

publicidade, a autora sugere que se deva "partir do cenário das dimensões do mundo social

com as quais a publicidade se articula, e não dos meios de comunicação, explorando os

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contextos das práticas de recepção e produção que concretizam o processo comunicativo,

deflagrado pela circulação nos anúncios" (PIEDRAS, 2009, p. 42).

No contexto brasileiro contemporâneo, percebemos práticas de recepção situadas

dentro de requisições mais amplas de grupos sociais subalternizados. Ao requererem maior

acesso à esfera pública, indivíduos adotam posição de oposição ao discurso dos produtores

(HALL, 2003) e incluem em seus protestos a intenção de verem suas identidades sendo

representadas pela publicidade. Essas práticas são caracterizadas por Wottrich (2019) como

práticas de contestação, ou seja, "modalidades de participação dos receptores orientadas a

subverter ou minar as logicas do campo publicitário, realizadas a partir do contato com os

anuncios" (WOTTRICH, 2019, p. 201-202). A autora defende que as perspectivas dessa

parcela do público ganham alcance massivo através do uso da internet, tornando visíveis suas

críticas a discursos estereotipados e preconceituosos, o que não era possível em tempos

passados. Tais contestações ocorrem antes da era internet, mas no cenário atual essas práticas

se tornaram mais sociais e coletivas no ato de pressionar diretamente os anunciantes. E, dessa

forma, atraem a mídia especializada – ou até mesmo de massa – e acabam por ocupar o palco

utilizado pela publicidade para comunicar suas narrativas, ampliando a visibilidade das

contestações e gerando impactos mais próximos e expressivos que muitas vezes resultam em

mudanças nas abordagens de produção publicitária.

A busca por reconhecimento identitário está presente na maior parte das requisições,

segundo a autora, em função de uma publicidade historicamente carregada de estereótipos, que

exclui identidades expressivas na sociedade para dar lugar a representações hegemônicas e, de

certa forma, já desgastadas. Posto que a identidade étnica-racial de uma pessoa negra é

construída ou destruída historicamente em meio a uma série de mediações que se diferem

culturalmente, e que cada cultura, assim como os indivíduos são multiculturais (CARNEIRO;

2011; GOMES, 2019; CORTINA, 2005), concordamos que “o multiculturalismo deve levar

em conta os temas da identidade racial e da diversidade cultural” (MUNANGA, 2003, p. 6).

Assim sendo, entendemos que as requisições de reconhecimento de identidade realizadas pelo

Movimento Negro são legítimas, dada a relevância da publicidade na cultura no Brasil.

De acordo com o Instituto de Pesquisa Locomotiva (2017), três a cada quatro

brasileiros afirmam que a propaganda deveria representar melhor a diversidade da população

brasileira. Em busca de um mapeamento das necessidades e resultados de crescimento da

representatividade em peças publicitárias, a pesquisa Todxs, realizada no Brasil pela agência

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Heads em parceria com a ONU Mulheres, revelou que, em 2015, apenas 1% dos protagonistas

homens em anúncios eram negros e que 4% das personagens principais mulheres eram negras.

Tendo divulgado sete estudos comparativos desde então, foi possível observar no final de 2018

esses números saltando para 13% de negros protagonistas entre homens e 25% entre mulheres

(SACCHITIELLO, 2018; TODXS, 2018). Esses dados nos direcionam para reflexão dos outros

dois pontos – além das práticas de recepção – levantados por Piedras (2009) para pesquisa

sobre publicidade: o contexto das práticas de produção e a circulação de anúncios.

as práticas de produção são o lugar da construção das mensagens publicitárias, e

operam segundo uma lógica particular, na qual também há espaço para as

contradições que refletem o mundo social. Trata-se de práticas institucionalizadas

(nas agências publicitárias), através de microprocessos cotidianos fortemente

articulados à estrutura macroeconômica através dos anunciantes, e à cultura de massa

pela veiculação de seus produtos (anúncios) nos meios de comunicação (PIEDRAS,

2009, p. 67-68).

Essas práticas institucionalizadas, no atual mundo social, estão sendo contrapostas

pelo comportamento emergente dos receptores, que estão "moldando, compartilhando,

reconfigurando e remixando conteudos de midia de maneiras que nao poderiam ter sido

imaginadas antes” em virtude das alteracões nos meios de distribuicao e circulacao de conteudo

midiático provocada pela ascensao da internet (JENKINS; FORD; GREEN, 2014, p. 24). Essas

ações produziram um cenário no qual as resistencias estao sendo levadas para dentro dos

processos de producao publicitaria. Carvalho, Christofloi e Bombardelli (2015) afirmam que

a sensibilizacao das agencias e anunciantes se dá na logica tecnologica – referente a maior

interacao com publicos aos quais suas mensagens destinam – e no ambito simbolico, no qual

as maiores dificuldades sao enfrentadas.

O receio de ter que conviver com exposicoes negativas disseminadas nas redes sociais

digitais, tem feito com que publicitários e anunciantes iniciem movimentos de promoção da

"ruptura gradual que valoriza as demandas da sociedade e a diversidade que a compoe"

(HANSEN, 2018, p. 23). A partir da implementacao do que Hansen (2018) chama de

publicidade dialogica, as práticas de contestacao estariam sendo incorporadas na rotina das

agencias com intencao de eliminar discursos hegemônicos baseados em estereotipos. Eles

estariam sendo substituidos por mensagens que valorizem a representatividade daqueles que,

ate entao, sentem suas identidades excluidas das campanhas publicitárias.

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Corroborando com a discussão teórica, dados empíricos nos apontam para

repercussões de contestações nas práticas de produção. A aparente necessidade de mobilidade

do campo publicitário é reforçada por dados de pesquisa divulgada em 2019 pela Ipsos

Strategy3, que revelou que "sete em cada dez brasileiros esperam que marcas invistam mais

em causas" (JULIO, 2019). Para que sejam percebidas como empresas socialmente

responsáveis, é preciso que se aliem a questões como a "não-discriminação de raça e gênero

em suas estruturas", conforme afirmaram os entrevistados.

Em paralelo, um pacto foi firmado entre as 15 maiores agências de publicidade do

Brasil e Ministério Público do Trabalho (MPT), onde elas se comprometeram a ampliar o

número de postos de trabalho e promoções de negros e negras em suas empresas (PEZZOTTI,

2019). Com isso, o mercado não apenas se envolve no equilíbrio das oportunidades de

emprego, mas também adere aos esforços de ressignificação dos estigmas sociais e à

valorização da negritude na sociedade reivindicadas pelo Movimento Negro desde o seu

surgimento (DOMINGUES, 2005).

O aumento da presença de pessoas negras no processo produtivo publicitário

corrobora com o crescimento da representatividade de pessoas negras através do protagonismo

das mesmas em peças publicitárias. Em uma perspectiva crítica sobre a importância de dar voz

às diversas narrativas de sujeitos que sofrem com o apagamento das decisões hegemônicas

neoliberalistas, Couldry (2010) aponta que campos sociais fundamentais, como a mídia,

sonegam ou administram de maneira ilusória tal visibilidade para os espaços políticos de

deliberação, delegando seu gerenciamento ao funcionamento do mercado. E entende que

somente dando o direito de voz aos sujeitos subalternizados poderemos ver a construção de

visões alternativas de política e sociedade.

É nesse contexto que encontramos no caso da criação da agência Responsa uma

possibilidade de investigar empiricamente alguns reflexos de práticas de recepção e produção,

e também as articulações entre a publicidade e as forças sociais, econômicas e culturais

contemporâneos do Brasil.

No âmbito social, Piedras (2009) defende que a publicidade é constituída a partir da

estrutura vigente e institucionalizada, ao mesmo tempo que promove novos valores e ações

sociais. Segundo autora, isso "revela que, mais que um processo comunicativo condicionado

por uma estrutura social histórica, ela e um sistema que articula sua producao com as práticas

cotidianas dos sujeitos” (PIEDRAS, 2009, p. 25). À medida que nos aprofundarmos no tema

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de análise do presente artigo, veremos que a Responsa nos apresenta indícios característicos de

movimentos de articulação entre o social – aqui representado pelas requisições de

representatividade na publicidade – e o campo publicitário.

Refletindo sobre a articulação entre publicidade, economia e cultura, Piedras (2009,

p. 64-65) nos leva a entender que "a publicidade, por um lado, é constituída de forma

multifacetada (instituição, sistema comercial e mágico, arte e indústria) e, por outro, constitui

e reforça por meio de suas instituições e de seu sistema a vinculação das forças econômico-

culturais". Por se conectar com a cultura, a publicidade atua regulando representações,

selecionando identidades que farão parte do imaginário introjetado como o normal, o padrão,

pelos membros de determinadas culturas e, consequentemente, excluindo indivíduos da

representatividade desse gênero midiático. Pois, segundo Williams (1995), a publicidade

"passou a fronteira de venda de bens e serviços e começou a se envolver com o ensinamento

de valores pessoais e sociais" (WILLIAMS, 1995, apud PIEDRAS, 2009, p.61).

3. Afrocentricidade

Visto que, o aquilombamento político, social e virtual têm popularizado a tomada de

valorização da consciência negra, e possibilitando à comunidade negra a ressignificação dos

estereótipos no enfrentamento às lógicas do racismo, trataremos de articular o contexto

sociocultural do objeto através do paradigma da afrocentricidade.

A afrocentricidade, termo cunhado por Molefi Asante (2009), emerge devido a um

processo de conscientização política, enquanto uma questão de agência e localização, uma vez

que os africanos eram vistos enquanto periféricos pelo fato de suas experiências estarem

sempre às margens das visões europeias e práticas de descentralização da cultura africana.

Na visão de Asante (2009), a agência dos africanos, sejam eles em diáspora ou não,

refere-se ao fato deles serem negados no sistema de dominação racial branco, sendo colocados

em lugar marginal à sua própria história.

Localização, no sentido afrocêntrico refere-se ao lugar psicológico, cultural,

histórico ou individual ocupado por uma pessoa em dado momento da história

[...], saber se essa pessoa está em um lugar central ou marginal com respeito

à sua cultura. Uma pessoa oprimida está deslocada quando opera de uma

localização centrada nas experiências do opressor (ASANTE, 2009, p. 97).

Partindo destes dois paradigmas iremos analisar o caso da criação da Responsa a partir

das cinco características mínimas de um projeto afrocêntrico: a) interesse pela localização

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psicológica; 2) compromisso com a descoberta do lugar do africano como sujeito; c) defesa

dos elementos culturais africanos d) compromisso com o refinamento léxico; e, e)

compromisso com uma nova narrativa da história da África.

4. Responsa, periferia e a localização psicológica

A agência publicitária intitulada Responsa é uma sociedade entre a agência Bullet –

liderada pelos publicitários Fernando Figueiredo e Eduardo Andrade – e a consultoria Evelle –

que atua no desenvolvimento de diversidade em organizações e comandada pela jornalista e

ativista Monique Evelle. Fundada em outubro de 2019, a Responsa se posiciona como uma

agência de criadores periféricos – por ser formada somente por profissionais moradores de

comunidades pobres de São Paulo – que pretendem "mudar o imaginário social sobre nossas

quebradas" (INSTAGRAM, 2020).

Conforme Asante, para fazer uma análise do trabalho da Responsa4 sob a perspectiva

afrocentrista, devemos entender a localização dessas pessoas periféricas – público para o qual

a agência afirma ter sido criada –, ou seja, "saber se essa pessoa está em um lugar central ou

marginal com respeito a sua cultura" (ASANTE, 2009, p. 97). Tal abordagem se faz possível,

uma vez que Monique Evelle, CEO da Responsa, discursa sobre o propósito da existência da

agência: "nada sobre nós sem nós" (MÍDIA & MARKETING, 2019; PROPAGANDA NÃO É

SÓ ISSO AÍ 11, 2019). Ao vermos as pessoas periféricas como centrais no foco de trabalho da

Responsa, temos os primeiros indícios de que se pretende proporcionar visibilidade a esses

indivíduos, mas sem negar que o poder hegemônico não está do lado da periferia.

De acordo com a pesquisa "Economia das Favelas" (BÔAS, 2020) o poder de compra

e consumo das favelas brasileiras é de R$ 119,8 bilhões de reais por ano, esse dado mostra que

de certa forma os habitantes das periferias têm desenvolvido e participado da economia, além

de desenvolver sistemas de auto sustento. O texto de autodescrição da Responsa no Instagram

(2020) diz que "periferia e potencia e nao ausencia!”, ou seja, aponta que o mercado e a

publicidade sempre existiram na periferia. A diferença é que nesse novo cenário

socioeconômico, aliado às práticas de contestações, essa população também passou a ser vista

como detentora de poder de compra, tensionando a noção de consumo subjacente onde, na

4 Como até o momento de escrita do presente texto nenhuma campanha da agência havia sido publicada, podemos

somente inferir acerca de intenções manifestadas em atuar dentro do contexto de contestações da população

periférica brasileira.

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visão de mercado publicitário, os anúncios desenvolvidos com foco nas classe A e B também

seriam capazes de abranger e impactar as classes C e D.

Quando nos referimos à periferia no Brasil, estamos falando de uma população

majoritariamente negra, pois de acordo com relatório da ONU (BRASIL, 2016) sobre questões

das minorias, realizado por Rita Iszák, a pobreza continua tendo cor no Brasil. O documento

mostra que as desigualdades extremas são vivenciadas nas favelas e comunidades periféricas,

onde os afro-brasileiros predominam nos espaços. Em estudos recentes, o IBGE indica que

entre os 10% de pessoas mais pobres no país, há três vezes mais negros do que brancos, e no

municipio de Sao Paulo, 18,7% das pessoas pretas ou pardas residiam em aglomerados

subnormais, enquanto entre as pessoas brancas esse percentual era 7,3%. (IBGE, 2018; 2019).

Na comparação dos mapas abaixo (Figura 1) podemos ver a representação de uma parte da

base de dados um de estudo sobre acessibilidade em cidades brasileiras feito pelo IPEA

(PEREIRA et al., 2019), que acaba por demonstrar que as áreas com maioria de população

negra também é a área com renda de até um salário mínimo.

FIGURA 1 - Mapa comparativo de renda e população negra na cidade de São Paulo

FONTE: Representação Sandro Valeriano (2019).

Na análise e combinação dos mapas e dos dados, é possível podemos perceber que a

periferia é negra, e/ou que os negros estão, em sua maioria, na periferia. E a partir desses

apontamentos vemos que no âmbito sociocultural e econômico, raça e classe são indissociáveis

no Brasil.

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A opção do mercado hegemônico brasileiro de dar foco a esse cenário é o que alimenta

a criação da Responsa, que atribui às pessoas da periferia a posição de consumidores. Assim,

a agência apresenta novos modos de fazer publicidade às marcas que sempre utilizaram formas

consagradas – e eurocêntricas – de comunicar, abrangendo também às prospecções

mercadológicas e profissionais dentro da própria periferia. No âmbito da afrocentricidade,

entendemos que, dessa forma, a Responsa afirma a intenção de construir novos discursos em

torno da população periférica e subalternizada com respeito aos traços sociais e culturais que

fundamentam sua localização psicológica, pois parte da ideia de que todos os sujeitos devem

ser agentes de suas próprias histórias.

5. O lugar das pessoas negras na Responsa

Asante (2009, p 97), sugere que tenhamos o compromisso de descobrir onde a

população negra, seus conceitos e suas ideias encontram seu lugar nos textos, eventos ou

fenômenos analisados. Encontramos dois focos possíveis para realizar esse exercício com

nosso objeto de pesquisa. Analisaremos práticas relacionadas à rotina de produção da Responsa

e algumas posições ideológicas percebidas em falas dos sócios da agência.

Três fatores no processo de acolhimento dos primeiros profissionais da Responsa nos

auxiliam a refletir o aspecto de lugar, no sentido geográfico e, ao mesmo tempo social. O

primeiro é o fato que foram contratadas somente pessoas da periferia para atuar na agência,

dentre eles, três mulheres e dois homens, todos afrodescendentes, oportunizando às minorias

sociais um espaço no mercado de trabalho, conforme vemos na Figura 2. O segundo ponto é

que foram esses profissionais que decidiram que a localização da sede da agência seria no

Largo do Arouche, por ficar no centro de São Paulo, facilitando o deslocamento de

profissionais de todos os pontos periféricos da cidade ao local de trabalho. Essas duas formas

de acolher profissionais oriundos das regiões periféricas mostram uma aparente consciência da

necessidade de reverter o histórico de exclusão desses sujeitos do campo publicitário, com

iniciativas que viabilizem sua presença dentro dos espaços hegemônicos de maneira a respeitar

seu atual lugar marginal provocado pela construção social.

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FIGURA 2 - Profissionais da Responsa

FONTE: SITE DA RESPONSA (2019)

O terceiro fator no acolhimento dos profissionais da Responsa, contudo, chama

atenção para a inexatidão de existência de um diálogo bilateral. Estes profissionais iniciaram

sua atuação com um mês de treinamento alocados dentro da sede da Bullet – que conta com

uma sede no Brooklyn, um bairro nobre de São Paulo, e outra em Miami (Estados Unidos) –

antes de começarem a atuar na sede da Responsa. Monique Evelle, em entrevista para o podcast

Propaganda Não É Só Isso Aí 11 (2019), afirma que esse movimento ocorre para que a equipe

– que conta com somente um profissional com experiência em agência de publicidade – possa

estabelecer contrapontos e optar por não repetir os modelos tradicionais das práticas de

produção publicitárias. Porém, nos traz um indício de que a agência desloca a centralidade de

seus profissionais para uma posição de aprendiz de traços culturais hegemônicos comuns às

agências lideradas majoritariamente por homens brancos, como é o caso da Bullet (Figura 3).

Em uma discussão sobre a Economia Criativa, que compreende o uso de capital imaterial como

a cultura para criação, produção e distribuição de produtos e serviços, Yudice (2006) corrobora

com a crítica de que há uma hierarquização nessa prática:

Recorrer à "economia criativa" evidentemente favorece a classe profissional

gerenciadora, mesmo quando ela vende seu produto baseado na retórica da

inclusão multicultural. Grupos subordinados ou minoritários situam-se nesse

esquema como trabalhadores de serviços de nível inferior e como provedores

de experiências étnicas (YÚDICE, 2006, p. 39).

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FIGURA 3 - Líderes da Bullet

Fonte: Site da Bullet (2019)

Essa observação nos remete à reflexão de Asante (2009, p. 97) sobre discussões a

respeito de fenômenos africanos, em que o autor afirma que é frequente o foco "com base

naquilo que pensam, fazem e dizem os europeus, e nao no que os proprios africanos pensam,

dizem e fazem". Reforçamos nossa perspectiva através de declarações dos sócios da Bullet que

deixam aparente não haver intenção genuína de colocar os indivíduos marginalizados no centro

e acabam por reforçar a posição hegemônica dos decisores da publicidade.

Fernando Figueiredo diz que "hoje, qualquer marca brasileira que entenda que existe

um mundo inexplorado, que não pode ser apenas um roll-out de estratégias macro, vão ver na

Responsa uma oportunidade unica” (BULLET, 2019b). No tratamento à cultura periférica

como um mundo inexplorado pelas marcas, é possível observar a manutenção dos lugares dos

sujeitos demarcados historicamente – população periférica no lado marginal e anunciantes

brasileiros na posição central – por vermos um certo distanciamento étnico-racial e social

pautado na valorização, superioridade e desenvolvimento avançado dos padrões eurocêntricos

na sociedade.

O outro sócio da Bullet, Eduardo Andrade, também em entrevista, observa que: "isso

tem a ver com a liberdade cultural das redes sociais. Antes as rádios e os canais de televisão

não abriam as portas para esses movimentos culturais. Não é uma crítica, é que assim era o

modelo de negócio antigo" (BULLET, 2019a). É possível identificar dois pontos na fala de

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Eduardo Andrade. Primeiro que, devido às práticas de contestações – oportunizada muitas

vezes pelas denúncias e reclamações nos sites de redes sociais –, a mídia teve que repensar as

diversas identidades que foram construídas de forma negativa devido às "estrategias politicas

e manifestacoes culturais que visam desnudar comportamentos preconceituosos, travando

confrontos com nossa heranca social" (WOTTRICH, 2019, p. 271). Em segundo plano,

Eduardo Andrade, não contesta ou condena as práticas culturais que invisibilizam as minorias.

A publicidade, ao operar sob as lógicas de poder hegemônico, favorece a cristalização de

padrões etnocêntricos ao invisibilizar movimentos e grupos minoritários na mídia. A fala do

sócio da Responsa abre precedentes para que se interprete a intenção de naturalizar a

hegemonia construída sob o preconceito e racismo, pois a publicidade "por ação e omissão [...]

é instrumento eficaz de perpetuação de uma estética branca carregada de implicações racistas"

(HASENBALG, 1982, p. 112).

A atual ampliação da representatividade de pessoas negras nos anúncios5 é um

exemplo tangível de que o desconforto provocado pelas práticas de contestação tem levado o

campo publicitário a iniciar revisões de suas práticas consideradas racistas. A criação da

Responsa pode ser vista sob um olhar otimista, como um movimento de deslocamento de lugar

do negro para a centralidade das manifestações culturais e mercadológicas da publicidade.

Entretanto, o ponto de vista dos dos sócios da Responsa oriundos da Bullet se apresentam mais

afeitos aos interesses das forças de mercado do que à perspectiva de resposta às contestações

por representatividade realizada pela população negra e periférica. "Vamos desenvolver

negócios para marcas a partir de conhecimento e conversa com essa grande parcela da

sociedade”, diz Eduardo Andrade, demarcando a perspectiva de que "a Responsa nao e um

projeto social da Bullet, mas sim um negócio" que, embora se baseie na possibilidade de

diálogo, privilegia mais o ponto de vista dos anunciantes do que o dos consumidores, não

atuando estruturalmente para auxiliar no reposicionamento da população periférica à um lugar

de centralidade (BULLET, 2019a).

6. A defesa dos elementos culturais e do léxico da quebrada pela Responsa

5 Ver página 6 do presente artigo

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Para contemplar a proposta de Asante (2009), entendemos que a proteção e defesa da

cultura a partir do paradigma afrocentrado, compreende dar a ela um lugar equiparado àqueles

historicamente ocupados pela cultura eurocentrada da publicidade.

As atividades que a agência afirma que executará são pesquisas que revelem traços

sobre vendas e consumo na periferia, criação de produtos ligados às necessidades do público

periférico e campanhas publicitárias mais representativas (BULLET, 2019a; BULLET, 2019b;

RESPONSA, 2019b). Segundo Monique Evelle (MÍDIA & MARKETING, 2019), a

publicidade concebida de maneira atenta para características específicas do público

consumidor residente de regiões periféricas gera benefícios de inclusão de uma parcela antes

relegada das estratégias de comunicação e marketing.

Ao articulamos o viés cultural da publicidade ao âmbito econômico devemos reforçar

o ponto defendido por Petermann (2011, p. 122) de que o papel fundamental da publicidade

empregado às agências é o de mediar "discursos de outras empresas e de outros subcampos

econômicos, levando-os ate o consumidor". Logo, é inegável a intenção baselar das agências

de publicidade de buscar lucro financeiro para seus clientes anunciantes. E a Responsa não

foge a essa regra. Monique Evelle, em Propaganda Não É Só Isso Aí 11 (2019), pontua que "as

pessoas acham que eu criei uma ONG, e não foi. A responsa é uma agência de publicidade

construída exclusivamente por profissionais dos novos centros urbanos". Ao mesmo tempo que

defende que o público a ser beneficiado com a criação da agência é uma parcela da população

com requisições sociais e características culturais peculiares, reforça que há um potencial de

consumo que vem sendo desconsiderado e que será explorado pelos anunciantes em parceria

com a Responsa.

A premissa da Responsa é de que para desenvolver publicidade para as periferias é

preciso colocar a cultura das periferias no protagonismo dessas narrativas, conforme defende

Monique Evelle (MÍDIA & MARKETING, 2019), referindo-se à formação da equipe: "Se a

Responsa nasce com essa lógica de comunicar com os novos centros urbanos, que são as

periferias, a primeira coisa é que a gente não pode contratar pessoas de fora das periferias"

(EVELLE, 2019 apud MÍDIA & MARKETING, 2019).

A empresa afirma que pretende colocar os atores sociais da periferia como

protagonistas e se refere à sua equipe como "criativos periféricos" (RESPONSA, 2019a),

atribuindo novo valor semântico a esses profissionais. Dessa forma, o efeito gerado pode ser

contrário à pretensão de os valorizar, deslegitimando sua atuação profissional e os submetendo

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ao racismo, conforme o que Sodré (2006) denomina como saber automático. Para o autor, a

diferenciação como ponto de partida reforça a prática de racismo pois pode remeter a

preconceitos direcionados a determinados grupos, os deslocando à margem da sociedade. No

caso analisado, essa diferenciação se dá a partir da intenção de demarcar a equipe da Responsa

como diferente da categoria profissional de publicitários. Entretanto, "o ser publicitário [...]

define-se nao apenas por um conjunto de práticas e de saberes, mas, especialmente, por uma

rede que o reconhece como um dos pares" (PETERMANN, 2011, p. 98). Ao provocar o

afastamento dessa rede, a Responsa liberta seus profissionais de amarras da profissão. Mas a

expressão pode deslegitimar a atuação da agência e dos publicitários, ainda que busque

valorizar a identidade periférica, pois historicamente as manifestações culturais "fossem elas

na musica, na danca ou na arte, fossem na ciencia [foram tratadas], como algo diferente do

restante da humanidade" (ASANTE, 2009, p. 98, grifo nosso).

Ao mesmo tempo, é possível pensar na importância do léxico cultural que a periferia

carrega, pois o local desenvolve diversas formas de resistências socioculturais e econômicas,

ainda que conforme Kabengele Munanga (2003), o conceito de cidadania moldado pelas

estratégias de classes dominantes imponham como o cidadão deve ser. Assumir a identidade

periférica de uma forma positiva resulta na produção de discursos que reforçam a centralidade

que a Responsa dá à periferia, enquanto local de criatividade, densidade cultural e relevância

social. Assim, entrega conhecimento e respeito pelos seus atores sociais, convergindo com o

que propõe Asante (2009) ao falar sobre o compromisso léxico e suas existências, sem reduzir

essa população "a condicao de seres indefesos, inferiores, nao-humanos, de segunda classe,

como se nao fizessem parte da historia humana e fossem, em algumas situacoes, selvagens"

(2019, p. 99).

Pois, "para se libertarem, os povos colonizados devem, antes de mais nada, se

desembaraçarem dessas imagens em si depreciativas" (MUNANGA, 2003, p, 6). Acreditamos,

contudo, que esse compromisso com o léxico poderá ser observado a partir da veiculação dos

primeiros trabalhos criativos empreendidos pela Responsa.

7. Compromisso com uma nova narrativa da historia da Africa.

Para refletir sobre o (des)respeito com o pensamento originário da África, Asante

(2009) narra o que define como uma das maiores conspirações da história mundial, que teria

levado os padrões eurocêntricos, em qualquer campo de conhecimento, ao status de

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normalidade frente à comunidade internacional. Primeiramente, excluindo toda a narrativa

cultural africana para, posteriormente, promover sua visibilidade de maneira a rebaixar seu

valor histórico. Sabendo da transposição de uma reflexão que aborda com amplitude a

construção do pensamento humano para uma realidade local, utilizamos essa perspectiva para

trazer os últimos elementos da análise da criação da Responsa.

Conforme Monique Evelle fala para Mídia & Marketing do UOL (2019), a forma

como o mercado publicitário se constituiu (com agências formadas e lideradas, em sua maioria,

por homens brancos de classe alta) não estimulou que marcas explorassem novos centros

urbanos como mercados consumidores. Olhar para esses indivíduos como consumidores é tirar

esses centros urbanos da invisibilidade provocada, é dar uma resposta às suas requisições por

acesso à esfera pública, reconhecê-los como consumidores é, também, os reconhecê-los como

cidadãos.

A Responsa defende que, como reflexo da presença de profissionais de origem

periférica nas práticas de produção publicitária, as campanhas de seus clientes terão

representações identitárias dignas da historicidade dos povos até então subalternizados. Nas

palavras da própria agência, "A Periferia agora é centro! E esses novos centros urbanos tem

hábitos, linguagem e voz própria." (INSTAGRAM, 2019). Isso nos faz entender a Responsa

como um ator do campo publicitário que propõe a integração de aspectos marcantes da cultura

periférica como parte normalizada da cultura brasileira. Ao conectar marcas de anunciantes

aos interesses das pessoas da periferia, o trabalho da Responsa estará carregando consigo a

visibilização de toda uma parcela da população que teve sua linguagem, sua estética, seus

costumes apagados de todo o percurso histórico da publicidade.

A gente ouve mais do que fala, é super importante. Quem tem expertise são as pessoas

que trabalham na Responsa, as pessoas que a gente contratou. Quem domina são eles.

Então, seu eu falo, ou qualquer outra pessoa, qualquer sócio meu fala 'eu acredito que

pra esse festival tem que ter Anitta' e eles falam que tem ser alguém que Kondzilla

vai indicar, a gente vai reclamar? Não! Quem vive são eles. A gente vai entender o

porquê disso. [...] A gente parte sempre da premissa de que eles sabem muito mais

do que a gente (EVELLE, 2019 apud PROPAGANDA NÃO É SÓ ISSO AÍ 11, 2019)

Por fim, nos detemos à problematização do uso da expressão novos centros periféricos

para se referir às periferias. O desenvolvimento do Brasil esteve e está nas mãos da população

negra e pobre em diversos aspectos. E tratar dos locais históricos da maior parcela da população

como sendo novos, obedece somente à lógica de mercado que passou a selecionar essas pessoas

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como relevantes, aparentemente, para não correr riscos de perder de vista seu potencial de

consumo há pouco descoberto. Entretanto, a periferia sempre existiu, ainda que silenciada e

represada pela invisibilidade ou por privações de oportunidades de renda, educação e

desenvolvimento social. Ainda que haja "prevalência da brancura em todas as instâncias de

poder da sociedade” (CARNEIRO, 2013, p. 91), a periferia negra existe, resiste, se desenvolve

e se faz ouvida, mesmo que seja na base do grito.

8. Considerações Finais

A banalização da periferia, no âmbito sociocultural e econômico, tenta moldar a

identidade e comportamento dos habitantes deste espaço geográfico tido como marginal em

todas as esferas da sociedade. Contudo, vimos que essa população, dentro da sua existência e

resistência, também produz e consome diversos tipos de bens, sejam eles simbólicos ou

materiais, resultando no desenvolvimento socioeconômico de um mercado paralelo aos

grandes centros urbanos. Por uma questão de exclusão (social, econômica, cultural, etc.), ela

sempre teve que criar e buscar formas para driblar as desigualdades e fomentar seu auto-

sustento a fim de manter sua própria subsistência. Na esfera coletiva, podemos concluir que o

surgimento da Responsa pode ser considerado resultado da luta pela ressignificação das

identidades por parte do Movimento Negro, que atua, juntamente com receptores negros, na

contestação dos modos clássicos e excludentes de se fazer publicidade no Brasil.

A partir do exemplo da Responsa, discutimos sobre movimentos do campo

publicitário no sentido de reestruturar suas práticas para atender às requisições de promover

visibilidade das identidades e da cultura de indivíduos negros periféricos. Ao mesmo tempo, a

Bullet e o campo publicitário, muitas vezes, fazem uso de demandas e necessidades da periferia

como um vetor mercadológico.

A abordagem afrocentrada nos orientou na análise, permitindo identificar se os

indivíduos, sejam eles negros ou não, ao olhar para questões relacionadas à negritude adotam

o ponto de vista das pessoas deslocadas socialmente ou acabam por deslocá-las ainda mais. E,

consideramos que a Responsa, em seu estágio inicial apresenta as características mínimas de

um projeto afrocentrado, pois busca valorizar os elementos culturais da periferia e a localização

e agência dos afro-brasileiros seus residentes. Assim como, também idealiza uma tentativa de

ressignificação da figura das pessoas negras e periféricas no mercado de trabalho publicitário.

Ainda tenta mostrar que a periferia negra também é possuidora de valores socioculturais e

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econômicos, e ao tensionar o tema busca estabelecer as relações mercadológicas entre o

mercado publicitário, as empresas e os atores sociais.

Entretanto, ao mesmo tempo em que mostra que não é preciso copiar modelos

eurocêntricos para constituir uma narrativa eloquente e antirracista, a agência abre precedentes

para interpretações que podem enfraquecer o seu próprio discurso na tentativa de ressignificar

sentidos socioculturais. Como é o caso das nomenclaturas utilizadas para nomear seus

profissionais e área de atuação, pois ainda que valorize a cultura e os sujeitos da periferia, e

busque colocar em evidência esses atores sociais, acaba por reforçar, tanto semanticamente,

quanto geograficamente, os usos e sentidos do seu próprio campo de atuação, na busca

incansável por diferenciação.

Outro fator importante a ser considerado é o fato de que a Responsa mostra que seu

objetivo é comunicar-se com a periferia, porém a agência fala diretamente com as pessoas

negras que residem nesse espaço, e acaba por classificar e silenciar a própria negritude que lhe

cerca, no momento que opta por não declarar abertamente o fator racial do seu próprio trabalho.

Esse aspecto mostra que, ainda que a agência tenha realizado bons e efetivos movimentos para

ressignificar sua identidade nos espaços hegemônicos, a ocultação da raça é um fator que

parece não ser tratado de forma orgânica.

Posto que, "historicamente, a raça sempre foi uma forma mais ou menos codificada de

divisão e de organização da diversidade, fixando-a e distribuindo-a segundo hierarquias e

divisões dentro de espaços mais ou menos estanques" (MBEMBE, 2014, p. 71), podemos

concluir que a Responsa é fruto de um tratamento maniqueísta para a questão da diversidade

por parte da Bullet. Para concluir, vemos que a Bullet usa o fator da diversidade, que no âmbito

da cultura, ao ser utilizada enquanto recurso, torna-se um pretexto para a melhoria sociopolítica

e para o crescimento econômico que internaliza o controle social, sendo utilizada para

promover uma ideologia em particular com vistas a interesses clientelistas ou à bajulação nas

relações exteriores (YÚDICE, 2006). Se olharmos com atenção veremos que a solução para a

Bullet pensar a diversidade e inclusão de sujeitos da periferia é estimular uma agência braço

que faça isso por ela, terceirizando seu papel social em outro local. Nesse contexto, ao estimular

a criação de uma agência de nicho mercadológico, de pessoas negras e periféricas, longe de

suas instalações para trabalhar com diferentes públicos, e atuar na questão da diversidade, a

Bullet reproduz a hegemonia racista em todo o campo publicitário, onde homens brancos ricos,

continuam a deter o poder de decisão e controlam o capital.

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