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Neoliberalismo de Estado: a repressão aos professores do Paraná Parece anacrônico que, em pleno século XXI, professores sejam reprimidos de modo sangrento pela polícia. É possível explicar, entretanto, que não há nada de arcaico nessa ação e que ela está em pleno acordo com a fase atual do neoliberalismo. Lembremos o motivo principal da mobilização, que não foi uma negociação por aumento de salários. Os professores do Paraná estavam resistindo à ameaça de terem suas aposentadorias comprometidas por um mecanismo típico do governo neoliberal. Há alguns anos, a empresa que administra a previdência do Paraná transferiu os servidores de um fundo administrado pelo Tesouro estadual para um fundo de previdência alimentado pela contribuição dos próprios servidores. Trata-se da passagem do modelo de repartição, em que o dinheiro público é repartido para garantir o direito de todos, para um modelo de capitalização, em que os servidores são responsáveis por sua aposentadoria, tendo seu dinheiro investido para que possa gerar uma aposentadoria no futuro. Pois bem, o governo do Paraná decidiu se apropriar dessa poupança dos servidores, transferindo para o fundo previdenciário uma parte dos aposentados que recebiam pelo outro fundo, mantido com verbas do Tesouro. Para pagar seus gastos, inclusive o salário dos professores, o governo vai usar o dinheiro que os próprios professores estão poupando para garantir seu futuro. Esse procedimento caracteriza uma mudança de modelo bastante atual e a situação só tende a piorar. Os problemas que levaram à crise na Europa parecem aterrissar por aqui. Torna-se quase impossível, para o capital, convencer a população de que as mudanças propostas pelo modelo neoliberal possam trazer algo de positivo. Já houve um tempo em que o neoliberalismo se apresentou como um sistema emancipador do indivíduo, fundado em sua liberdade para produzir. Contudo, fica cada vez mais claro que a saúde do capitalismo financeiro precisa ser garantida pela violência de Estado. O governo neoliberal foi interpretado por Foucault como ação sobre uma ação, como estruturação do campo de

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Neoliberalismo de Estado: a represso aos professores do Paran

Parece anacrnico que, em pleno sculo XXI, professores sejam reprimidos de modo sangrento pela polcia. possvel explicar, entretanto, que no h nada de arcaico nessa ao e que ela est em pleno acordo com a fase atual do neoliberalismo. Lembremos o motivo principal da mobilizao, que no foi uma negociao por aumento de salrios. Os professores do Paran estavam resistindo ameaa de terem suas aposentadorias comprometidas por um mecanismo tpico do governo neoliberal.H alguns anos, a empresa que administra a previdncia do Paran transferiu os servidores de um fundo administrado pelo Tesouro estadual para um fundo de previdncia alimentado pela contribuio dos prprios servidores. Trata-se da passagem do modelo de repartio, em que o dinheiro pblico repartido para garantir o direito de todos, para um modelo de capitalizao, em que os servidores so responsveis por sua aposentadoria, tendo seu dinheiro investido para que possa gerar uma aposentadoria no futuro. Pois bem, o governo do Paran decidiu se apropriar dessa poupana dos servidores, transferindo para o fundo previdencirio uma parte dos aposentados que recebiam pelo outro fundo, mantido com verbas do Tesouro. Para pagar seus gastos, inclusive o salrio dos professores, o governo vai usar o dinheiro que os prprios professores esto poupando para garantir seu futuro.Esse procedimento caracteriza uma mudana de modelo bastante atual e a situao s tende a piorar. Os problemas que levaram crise na Europa parecem aterrissar por aqui. Torna-se quase impossvel, para o capital, convencer a populao de que as mudanas propostas pelo modelo neoliberal possam trazer algo de positivo. J houve um tempo em que o neoliberalismo se apresentou como um sistema emancipador do indivduo, fundado em sua liberdade para produzir. Contudo, fica cada vez mais claro que a sade do capitalismo financeiro precisa ser garantida pela violncia de Estado.O governo neoliberal foi interpretado por Foucault como ao sobre uma ao, como estruturao do campo de ao do capital a partir de mecanismos de induo, e no de coero. Mas como explicar que a populao esteja sendo gerida, cada vez mais, na Europa e aqui, pela represso policial?Para alguns, o neoliberalismo critica justamente o excesso de Estado, pois almeja um governo mnimo. Outros, mesmos sendo defensores do modelo, j reconheceram a necessidade de alguma interveno estatal, como nas diferentes formas de regulao. Mas ningum esperava tamanha multiplicao e intensificao das instncias de governo neoliberal, chegando a necessitar, de modo intrnseco, de uma polcia. Comunidade Europeia, FMI, agncias de risco, e tantas outras instituies de obedincia neoliberal impem planos para a gesto das contas pblicas: prescrevem cortes budgetrios, supervit primrio, verificam as despesas at os mnimos detalhes e ditam leis aos parlamentos e governos nacionais. Tudo isso de modo absolutamente autoritrio, sem passar por nenhum mecanismo democrtico de deciso.Maurizio Lazzarato explica essas novas formas de governo e chama ateno para dois momentos de interveno estatal. Primeiro, para salvar os bancos, a finana e as empresas. Mas tambm uma segunda vez, para impor s populaes que paguem os custos polticos e econmicos da primeira interveno. Pelo mercado e contra a sociedade.O objetivo principal desmontar as polticas voltadas para o direito comum, a um bem estar social que mal comeou a existir por nossas bandas. O papel dos professores exemplar nesse desmonte. Como adaptar esse tipo de trabalho (ensinar!) aos mecanismos de valorizao capitalista? Apesar dos esforos recentes para incentivar uma educao voltada para o mercado, os professores continuam a resistir. Mas as estratgias de cooptao e coero vo se intensificar. Alm da funo estratgica de sua atividade, os professores so trabalhadores que explicitam um ideal de sociedade que o capitalismo contemporneo precisa excluir.Precisamos nos preparar, o que significa enxergar e enunciar as novas formas de dominao e represso neoliberal. A fraqueza da crtica pode levar ao desaparecimento de qualquer poltica revolucionria que possa fazer frente aos avanos do capital. Depois de junho de 2013, mdia e governantes querem impor uma norma de conduta para manifestaes populares. Governos de todos os matizes usam a mesma tecnologia de polcia para reprimir manifestaes, abrindo um filo, inclusive, para um novo mercado de armas ditas no-letais e para a importao de tecnologias de represso. Isso corresponde a uma nova forma de represso, cuja funo exemplar e cujo objetivo no matar, e sim educar. Usar o medo para mostrar o que pode acontecer se no nos conformarmos.Induzir e coagir so hoje as duas faces do modo de governo neoliberal. No h nada de anacrnico. A face moderna e emancipadora do capitalismo contemporneo precisa ser garantida por tiro, porrada e bomba de gs.

*Tatiana Roque professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro