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Neopentecostais – Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil Escrito por Ricardo Mariano "O Diabo não é menos que um dogma que depende de todos os demais. Tocar o eterno vencido não é tocar o eterno vencedor? Duvidar dos atos do primeiro é a mesma coisa que duvidar dos atos do segundo, dos milagres que fez precisamente para combater o Diabo. As colunas do céu têm o seu pé no abismo. 0 insensato que move essa base infernal pode queimar o Paraiso" (Jules Michelet, "A feiticeira"). Desde seus primórdios, o alvo principal do repúdio pentecostal foi a Igreja Católica. Reproduzindo a antiga rivalidade entre protestantes históricos e católicos, sua identidade foi sendo moldada em oposição ao catolicismo. Certas igrejas neopentecostais mudaram parcialmente isso. Embora continuem combatendo vigorosamente o catolicismo, suas baterias bélicas apontam prioritariamente para as religiões mediúnicas, fato que trará conseqüências para a demarcação de sua identidade. Ao combater a umbanda, o candomblé, o espiritismo e o catolicismo, até que ponto a Igreja Universal e Igreja Internacional da Graça não são influenciadas e incorporam elementos da crença, da lógica e da visão de mundo dessas religiões? Não é necessária a realização de observações sistemáticas anos a fio para perceber a significativa influência que sofrem. Algo que se observa, desde logo, no fato de que a eficácia da experiência religiosa dos adversários acaba sendo legitimada, assumida como real. Isto é, os crentes acreditam piamente que os demônios existem, agem neste mundo e se passam, entre as muitas formas que assumem, pelos deuses e entidades das religiões mediúnicas. Segundo Mariza Soares (1990: 87), "ao invocar os demônios para que se apresentem sob a forma de caboclos, pretos-velhos etc., os pastores 'acatam' todo o panteão afro-brasileiro: falam com eles, dão credibilidade à sua existência. Seria bastante ineficaz chegar para uma pessoa que durante anos recebeu um determinado guia dizendo que tais coisas nao existem". Assim como crêem na existência dos deuses e entidades afro-brasileiros e espíritas, acreditam na capacidade de eles realizarem milagres e curas, atos aparentemente benéficos que, mais uma vez, só reafirma o quanto eles são capciosos. Para R. R. Soares, "nem só de mentiras vive o espiritismo (...) No espiritismo há pessoas bem intencionadas e obras milagrosas. Milagres, curas e fenômenos sobrenaturais são uma realidade no meio espirita, o que o faz mais terrível e perigoso, pois Satanás tem poder para realizar determinadas coisas (...) 0 Diabo faz, mas cobra com juros e correção monetária. Por isso, enfermidades, problemas conjugais, financeiros, íntimos, morais etc. são comuns aos praticantes do espiritismo" (1984: 41, 48, 103). 1 / 6

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Neopentecostais – Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil

Escrito por Ricardo Mariano

"O Diabo não é menos que um dogma que depende de todos os demais. Tocar oeterno vencido não é tocar o eterno vencedor? Duvidar dos atos do primeiro é a mesma coisaque duvidar dos atos do segundo, dos milagres que fez precisamente para combater o Diabo.As colunas do céu têm o seu pé no abismo. 0 insensato que move essa base infernal podequeimar o Paraiso" (Jules Michelet, "A feiticeira").

Desde seus primórdios, o alvo principal do repúdio pentecostal foi a Igreja Católica.Reproduzindo a antiga rivalidade entre protestantes históricos e católicos, sua identidade foisendo moldada em oposição ao catolicismo. Certas igrejas neopentecostais mudaramparcialmente isso. Embora continuem combatendo vigorosamente o catolicismo, suas bateriasbélicas apontam prioritariamente para as religiões mediúnicas, fato que trará conseqüênciaspara a demarcação de sua identidade.

Ao combater a umbanda, o candomblé, o espiritismo e o catolicismo, até que ponto a IgrejaUniversal e Igreja Internacional da Graça não são influenciadas e incorporam elementos dacrença, da lógica e da visão de mundo dessas religiões? Não é necessária a realização deobservações sistemáticas anos a fio para perceber a significativa influência que sofrem. Algoque se observa, desde logo, no fato de que a eficácia da experiência religiosa dos adversáriosacaba sendo legitimada, assumida como real. Isto é, os crentes acreditam piamente que osdemônios existem, agem neste mundo e se passam, entre as muitas formas que assumem,pelos deuses e entidades das religiões mediúnicas. Segundo Mariza Soares (1990: 87),"ao invocar os demônios para que se apresentem sob a forma de caboclos, pretos-velhosetc., os pastores 'acatam' todo o panteão afro-brasileiro: falam com eles, dão credibilidade àsua existência. Seria bastante ineficaz chegar para uma pessoa que durante anos recebeu umdeterminado guia dizendo que tais coisas nao existem". Assim como crêem na existênciados deuses e entidades afro-brasileiros e espíritas, acreditam na capacidade de elesrealizarem milagres e curas, atos aparentemente benéficos que, mais uma vez, só reafirma oquanto eles são capciosos.

Para R. R. Soares, "nem só de mentiras vive o espiritismo (...) No espiritismo há pessoasbem intencionadas e obras milagrosas. Milagres, curas e fenômenos sobrenaturais são umarealidade no meio espirita, o que o faz mais terrível e perigoso, pois Satanás tem poder pararealizar determinadas coisas (...) 0 Diabo faz, mas cobra com juros e correção monetária. Porisso, enfermidades, problemas conjugais, financeiros, íntimos, morais etc. são comuns aospraticantes do espiritismo" (1984: 41, 48, 103).

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Com inimigos bem conhecidos e tangíveis, Universal e Internacional da Graça, tal como Deusé Amor e Casa da Benção, para combatê-los, incorporam até sua "linguagem". ParaMariza Soares (1990: 88), "essas igrejas se utilizam de um simbolismo muito semelhanteao encontrado nas religiões afro-brasileiras. Nossa opinião é que apenas os valores (positivo enegativo) se apresentam invertidos, sendo os elementos em jogo os mesmos (...) Na verdade,nessas igrejas, no Candomblé e na Umbanda se fala uma mesma linguagem". Resultadisso que essas igrejas dispendem grandes esforços para retirar encostos, desfazer a inveja eo olho-grande, libertar pessoas da feitiçaria, dos despachos de macumba, das possessões pororixás, guias e espíritos. Distribuído pela Casa da Bênção, o folheto intitulado "Qual é oseu problema?", já com as prováveis respostas incluídas, como "desemprego,sentimental, financeiro, vícios, enfermidades, nervosismo, depressão, familiar", divulga asespecialidades terapêuticas da igreja conforme o dia da semana. Com calendário idêntico aosda Universal e Internacional da Graça, uma das sedes da Casa da Benção em Sao Paulorealiza às sextas-feiras a Corrente da Libertação. Nela, Os pastores fazem orações por"todos que têm os seus caminhos amarrados por obras de bruxaria, feitiçaria,macumbaria, inveja, olho grande, pessoas que tiveram contatos com entidades, que ouvemvozes, vêem vultos".

Quando combatidos nos cultos, os demônios são devidamente identificados pelos respectivosnomes e qualidades, tal como os denominam os próprios pais e mães-de-santo. Da mesmaforma, os diferentes tipos de sofrimento e infortúnio dos fiéis são atribuídos estereotipadamenteà ação de tal ou qual entidade demoníaca.

Como exemplo, relato oração para prosperidade financeira feita no templo de Santa Cecília,sede regional da Universal, em 19.8.90: com uma suave música de fundo, os fiéis, em pé, deolhos fechados, alguns contritos, outros gesticulando os braços ardorosamente, falam comDeus, seguindo as ordens do pastor. Enquanto isso, os obreiros caminham pela igrejaperscrutando nos semblantes dos fiéis possíveis sinais de possessão ou a presença dedemônios escondidos. E o pastor ora: "Que o Senhor venha atender os nossos pedidos.Venha nos dar prosperidade, saúde... (agora em tom colérico, tal como o fiel da Universal devetratar os demônios e se dirigir a eles). Eu quero que os espíritos malditos, os demônios queestão na vida destas pessoas colocando a miséria, os problemas, o desemprego, saiam.Podem manifestar, vamos. Manifesta o Tranca-Rua. Você que está trancando os aumentossalariais das pessoas. Você que está tirando a felicidade das pessoas. Você que está noestômago, nas pernas, na cabeça, na vida financeira, vai saindo. Os Exús-Caveira, o Oxalufa,a Pomba-Gira, sai, sai. Você que esta colocando o vírus da aids, a gastrite, a infelicidade, podemanifestar agora. 0 Lúcifer, a Maria-Bonita, a Pomba-Gira Sete Gargalhadas do Bordel, podemmanifestar agora. 0 Exú-Veludo Veludinho, o Preto-Velho, a Maria-Conga, vão manifestando.Vocês vão ser queimados, queimados, queimados. Vamos, começa a manifestar agora,vamos. Você que coloca caroço no seio, coloca câncer, sai agora. Vai sendo queimado agora,em nome de Jesus. Vai queimando, Jesus, todo mal, toda doença, toda enfermidade. Você queestá no esposo, na esposa, nos pais, nos filhos, nos primos, vai queimando. Você que trabalha

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nas encruzilhadas, nas praias, no roncó, vai manifestando agora, saja, saia". Em seguida,pede a todos que digam: "Senhor Jesus, eu quero que as minhas mãos sejamabençoadas agora para eu ser abençoado e queimar todos os problemas". Benzidas asmãos, ordena aos fiéis que segurem ou coloquem as mãos em objetos que simbolizem aprosperidade financeira, como carteira, bolso, talão de cheque, orem com fé e peçam oaumento salarial, o bem material desejado. Por fim, acompanham o pastor, amaldiçoando eexpulsando toda miséria e todo mal. Esbravejam "sai, sai".

0 falar em línguas estranhas, a glossolalia, como evidência do batismo no Espírito Santo,desde o início constituiu o elemento distintivo da doutrina pentecostal em relação aomovimento Holiness de fins do século XIX, do qual o pentecostalismo herdou as principaiscrenças, práticas cultuais e tabus comportamentais. Alguns antropólogos classificam talexperiência extática como transe de inspiração (Aubree, 1985: 1072). Distinguem-na dosfenômenos extáticos da umbanda e do candomblé, os quais classificam como transes depossessão. Embora as possessões demoníacas (que se encaixam na última c1assifição) nãoconstituam novidade nos meios cristãos e pentecostais, com o surgimento dasneopentecostais, essas manifestações, dadas sua freqüência e relevância, adquiriram novadimensão. Em matéria de manifestação extática, já não se pode mais dizer que a marcadistintiva de certos segmentos neopentecostais seja a glossolalia, mas sim o transe depossessão. De tão enfatizada que é, a possessão demoníaca tomou-se indissociável daimagem e da identidade das igrejas Universal e Internacional da Graça. De tanto invocardemônios para se manifestarem nos cultos, conseguiram transformar, ritual e doutrinariamente,o transe de possessão em sua marca. Daí que, em sua origem, "a Universal eraconsiderada casa de macumba", conforme o pastor Silvério Prazeres Costa, líder daigreja em Portugal.

Nos cultos de libertação, o panteão dos deuses, os espíritos e guias das religiões mediúnicassão invocados para, depois de manifestados e amarrados, fatalmente ceder às coaçõesexorcistas e confessar a culpa pelos males com que afligem os possessos. Após admitirem suaculpa, são humilhados, achincalhados e, por fim, expulsos dos corpos, como demonstração dopoder de Cristo sobre o Diabo. Na Universal e em sua costela, a Internacional da Graça,sexta-feira é o dia reservado ao concorrido culto de libertação, frequentado por quem deseja,literalmente, se libertar de demônios ou de seus males. A escolha desse dia, segundo MarizaSoares, não se deu por acaso.

"A sexta-feira é conhecida na Umbanda como o dia das giras de Exú que se dãogeralmente à noite. À meia-noite, 'hora grande' de sexta para sábado é o momento em que osExús se manifestam e trabalham. É justamente nesta mesma hora que nas igrejas estão sendorealizadas as cerimônias onde esses Exús são invocados para, em seguida, serem expulsos,dos corpos das pessoas presentes" (Soares, 199O: 86, 87).

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Na prática, o ritual de libertação de possessos ocorre em quase todos os cultos da Universal.A libertação se dá durante a oração para que os fiéis recebam graças e libertem-se dos males.Enquanto os fiéis, de olhos fechados e em pé, oram repetindo a oração proferida pelo pastor,os obreiros caminham pelo templo, orando e olhando fixamente para cada um dos presentes,em busca de demônios escondidos. Diante de qualquer indício, como um pequeno tremor docorpo, lágrimas, desconforto físico, mal-estar, o obreiro avança sobre o fiel, segura sua nuca,impõe uma das mãos sobre sua cabeça, muitas vezes girando-a freneticamente para os ladose para trás (tirando-lhe o equilíbrio, o que, ao lado da privação do sentido da visão, contribuipara a possessão), e esbraveja ao pé de seu ouvido para que o demônio se manifeste. Boaparte dos virtuais possessos não se rende a esse apelo. Os que entram em transe podem serlibertos tanto em seus lugares de assento quanto depois de levados e exibidos à frente dacongregação. Os casos de possessão mais renitentes, cuja libertação exige mais tempo emaior esforço físico dos obreiros na "luta corporal" com os possessos, ora sãoencaminhados ao púlpito, ora para aposentos privados do templo. Esta saída é menossatisfatória; ocorre quando os incessantes gritos histéricos do possesso e a tenaz resistênciado "demônio" em desmontar de seu "cavalo" atrapalham o culto ecolocam momentaneamente em xeque a eficácia do ritual exorcista.

Quando o possesso é levado ao púlpito, já com o demônio submetido à autoridade divina eamarrado para que não machuque nem prejudique mais seu "cavalo", a estruturado ritual exorcista que se estabelece com os deuses e espíritos inimigos geralmente apresentaenredo fixo. Primeiro, o pastor entrevista o demônio para identificar seu "nome",invariavelmente uma entidade dos cultos afro-brasileiros. Segundo, pergunta como ele seapossou daquela pessoa. Terceiro, procura descobrir os males e sofrimentos que ele estáprovocando na vida (familiar, financeira...) da vítima. No quarto e derradeiro passo, o ritualperde o caráter de talk show com o demônio. Depois de humilhá-lo, o pastor expulsa-o emnome e para a glória de Cristo. Mario Justino (1995: 41) relata que ele e outros pastores daUniversal, para provar seu poder sobre os demônios, faziam que as "pessoas [em transe]andassem de joelhos ao redor da igreja, ou batessem a cabeça nos nossos pés, ou latissem ouainda que imitassem galinhas, porcos e outros animais". Quando o suposto demônioreluta em sair, o pastor pede a ajuda da platéia, que bate firme os pés no chão, ergue as mãosem direção ao possesso e brada "sai, sai, queima, queima". Para exemplificar comose processa tal diálogo sincrético, descrevo ritual exorcista da Igreja Universal.

Os fiéis cantam: "Tranca-Rua e Pomba-Gira fizeram combinação / Combinaram acabarcom a vida do cristão / torce, retorce, você não pode, não / eu tenho Jesus Cristo dentro domeu coração". E mais este corinho: "O nome de Jesus é poderoso / não há quempossa derrotar / 0 demônio sai, a doença sai / quando o nome de Jesus vem operar".Depois da oração, da manifestação e libertação de demônios, o pastor indaga quem está sesentindo melhor. A maioria dos presentes levanta a mão em sinal afirmativo. Nisso, umamulher há pouco liberta novamente fica possessa, do modo característico, isto é, com os olhosfechados, corpo retorcido, emitindo ora grunhidos guturais, ora gritos histéricos, os braços

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voltados para trás e as mãos em forma de garra. Logo o demônio é amarrado e a possessalevada ao púlpito. 0 pastor pergunta, gritando, qual é o nome do demônio que a estápossuindo. Vencida a resistência inicial, recebe a resposta, com a voz cavernosa de sempre:"Exú Capa-Preta". Insolente, o Exú diz odiá-lo. 0 pastor, então, escarnece dele,dizendo estar tremendo de medo. Todos riem. 0 pastor indaga o que Exú está fazendo na vidada possessa. "Estou matando-a aos pouquinhos", responde ele. Segurando-a peloscabelos, o pastor pergunta com qual doença ele a infligiu. Descobre que são várias as doençasque a acometem. Interroga também o marido da possessa, presente ao culto. Este mencionavárias enfermidades, a elevada quantia gasta com remédios e hospitais, cita nomes de exameslaboratoriais sofisticados e médicos famosos consultados e lamenta, apesar dos gastos eesforços, os pífios resultados obtidos até então. Do alto de sua experiência com o fenômeno, opastor diagnostica que o problema é de natureza espiritual. Em seguida, começa por retirarLúcifer, rei dos demônios. Diante da resistência deste, persiste, agora com o auxílio dos fiéisque batem os pés no chão enquanto bradam "queima, queima", até o pastoramarrar Lúcifer, deixá-lo de joelhos e obrigá-lo a admitir, oralmente e por mais de uma vez,estar derrotado por Jesus. Depois de humilhá-lo, ordena a ele que retire todo o mal posto nafiel e desfaça os pontos. Pede para Jesus queimar o Lúcifer, o Capa-Preta, toda legião dedemônios e as enfermidades. "Queima agora", esbraveja. Após a expulsão do ExúCapa-Preta, o pastor diz que ela está curada em nome de Jesus e a orienta para que se dirija àobreira. Saciados com mais esta pujante vitória de Jesus, todos cantam entusiasmados.Aproveitando o clima de regozijo, o pastor pergunta quem trouxe o envelope com as ofertas... (bairro de Santa Cecília, 1º.2.89 .

Diante dos excessos desse rotineiro diálogo inamistoso, muitos evangélicos passaram acriticar a ênfase ritual e teológica nos demônios. Como notou, com ironia, o pastor MiguelÂngelo, o Diabo, além do mundo e das religiões não-cristãs, invadiu o próprio reduto doscrentes: "Hoje o Diabo tem muito mais força dentro das igrejas; se cultua mais alibertação, Diabo, demônio, Pomba-Gira, isto e aquilo, do que se ensina a respeito deDeus". Fabio Damasceno, psiquiatra e pastor da Comunidade Evangélica S8, Rio, quediz não subestimar o poder do Diabo e até exorciza pacientes, durante palestra num templobatista de São Paulo denunciou a invasão do inimigo nas igrejas e na própria psique dos fiéis.

"Não poucas vezes pude falar de Cristo para as pessoas no consultório (...) já houvecasos de pessoas ficarem endemoninhadas dentro do consultório. Endemoninhado, não erapsicose. Eu sei o que é psicose. Não era distúrbio mental, era demônio puro. E eu tive queenfrentar essa realidade. Graças a Deus, eu tinha respaldo do Senhor e pude repreender, emnome de Jesus, esse demônio (...) Como disse o pastor Caio [Fabio] de manhã, contrademônio não há Aplictil. Aplictil é um remédio que se usa para psicose, quando o indivíduo estámuito agitado. É o sossega-leão. E óbvio, já trabalhei em pronto-socorro psiquiátrico e já vi quetem surtos psicóticos em que a questão é dar Aplictil. Mas já vi que tem surtos, entre aspas,que a questao é amarrar os demônios e expulsar em nome de Jesus (...) É uma paranóiacoletiva. Há certos setores, certas igrejas onde se fala mais em Satanás e nos demônios que

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em Cristo, que em Deus. Então isso vai exagerando (...) Outro dia uma paciente minha disse:'eu estava no banheiro tomando banho e olhei para o chão e tinha uma figura demoníaca nodesenho do mármore do chão e eu comecei a repreender em nome de Jesus. Misericórdia!Está vendo demônio até em mancha de mármore" (I Consulta sobre Crescimento dosEvangélicos no Brasil, 2.6.93).

Texto retirado das páginas 127 a 133.

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