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CAPÍTULO 1 15 de março. Meio-dia. Um carro estacionou no píer dos namorados românticos. Quem saiu do carro poderia ser considerado viciado em caramelos da Embaré. A menina que estava sentada em um banco de vidro, projetado por um ex-mórmon, só gostava de caramelos misturados com chocolate. As ondas batiam sobre pedras. Se você olhasse com cuidado, poderia perceber que elas se movimentavam como em câmera lenta. Fazia tempos que a vida abraçava a cinematografia e juntamente com mp3s, todos os seres humanos se sentiam filmados e editados. Às vezes até parecia que viver tinha mesmo trilha sonora. Era um ambiente bucólico, que poderia existir em qualquer parte do mundo. Mas havia o oceano. Do Pacífico? Do Atlântico? Não importava. Ele era azul para ela e esverdeado para ele. Muitos acreditam que impalers se alimentam de plasma mais elementos figurados, mas isso pode ter existido em outro planeta, não aqui. Impalers comem caramelos, bebem cerveja e morrem. É claro que a vulnerabilidade é pequena, mas impalers podem vir a falecer sim. E como ultimamente nenhum nephalin havia sido localizado, impalers podem circular vivamente entre humanos. Não que eles sejam as melhores companhias para um dia de praia, mas sim, você pode esbarrar com um. Eles ainda não suportam a luz do dia, não porque se desintegram no ar, mas porque é o horário mais vulnerável para reconhecê-los. Eles não brilham nem suas peles derretem, mas caçadores profissionais podem identificá-los. A única verdade é que eles sugam. Acredita-se que sua existência se dá por hereditariedade. Contra todas as regras hollywoodianas de que qualquer um pode virar um impaler, eles não podem transformar humanos. Podem escravizá-los, fazendo com que vivam em uma espécie de limbo. Não são impalers, mas também não são humanos. Uns os chamam de carregadores, outros de receptáculos. No fim das contas, são só fontes de energia. A menina estava balançando o pé enquanto esperava o namorado que passava perfume atrás da orelha em um quarto alugado quilômetros além. Seu pescoço estava à vista, mesmo sendo um dia frio. Ela pensava em como as madeiras daquele píer pareciam tão desgastadas, já que só fazia um ano desde que foram colocadas ali. Um humano certa vez o chamou de José e assim ficou. José colocou seu pé esquerdo na ponta do início do píer. Usava um tênis Adidas, uma calça jeans desbotada e um suéter feito por um possível impaler de 14 anos. Era difícil achar uma lluminus. E a fome de impalers só era saciada com a drenagem de energias puras. E ali estava uma energia pura. Silenciosamente esperando. Com toda sua raridade a pulsar. O segundo pé de José alcançou a ponta do pé do banco de vidro. O impaler estava magro, o estômago roncava, os instintos latejavam procurando o ponto da fonte vital da lluminus, mas ele se controlou. - Oi ele disse. A menina ergueu os olhos e piscou rapidamente como quem leva ligeiro susto.

Nephalins - a herança dos anjos (trecho)

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book, trecho, primeiro capítulo

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CAPÍTULO 1 15 de março. Meio-dia. Um carro estacionou no píer dos namorados românticos. Quem saiu do carro poderia ser considerado viciado em caramelos da Embaré. A menina que estava sentada em um banco de vidro, projetado por um ex-mórmon, só gostava de caramelos misturados com chocolate. As ondas batiam sobre pedras. Se você olhasse com cuidado, poderia perceber que elas se movimentavam como em câmera lenta. Fazia tempos que a vida abraçava a cinematografia e juntamente com mp3s, todos os seres humanos se sentiam filmados e editados. Às vezes até parecia que viver tinha mesmo trilha sonora. Era um ambiente bucólico, que poderia existir em qualquer parte do mundo. Mas havia o oceano. Do Pacífico? Do Atlântico? Não importava. Ele era azul para ela e esverdeado para ele. Muitos acreditam que impalers se alimentam de plasma mais elementos figurados, mas isso pode ter existido em outro planeta, não aqui. Impalers comem caramelos, bebem cerveja e morrem. É claro que a vulnerabilidade é pequena, mas impalers podem vir a falecer sim. E como ultimamente nenhum nephalin havia sido localizado, impalers podem circular vivamente entre humanos. Não que eles sejam as melhores companhias para um dia de praia, mas sim, você pode esbarrar com um. Eles ainda não suportam a luz do dia, não porque se desintegram no ar, mas porque é o horário mais vulnerável para reconhecê-los. Eles não brilham nem suas peles derretem, mas caçadores profissionais podem identificá-los. A única verdade é que eles sugam. Acredita-se que sua existência se dá por hereditariedade. Contra todas as regras hollywoodianas de que qualquer um pode virar um impaler, eles não podem transformar humanos. Podem escravizá-los, fazendo com que vivam em uma espécie de limbo. Não são impalers, mas também não são humanos. Uns os chamam de carregadores, outros de receptáculos. No fim das contas, são só fontes de energia. A menina estava balançando o pé enquanto esperava o namorado que passava perfume atrás da orelha em um quarto alugado quilômetros além. Seu pescoço estava à vista, mesmo sendo um dia frio. Ela pensava em como as madeiras daquele píer pareciam tão desgastadas, já que só fazia um ano desde que foram colocadas ali. Um humano certa vez o chamou de José e assim ficou. José colocou seu pé esquerdo na ponta do início do píer. Usava um tênis Adidas, uma calça jeans desbotada e um suéter feito por um possível impaler de 14 anos.

Era difícil achar uma lluminus. E a fome de impalers só era saciada com a drenagem de energias puras. E ali estava uma energia pura. Silenciosamente esperando. Com toda sua raridade a pulsar. O segundo pé de José alcançou a ponta do pé do banco de vidro. O impaler estava magro, o estômago roncava, os instintos latejavam procurando o ponto da fonte vital da lluminus, mas ele se controlou. - Oi – ele disse. A menina ergueu os olhos e piscou rapidamente como quem leva ligeiro susto.

- Olheiras assustam, eu sei – José disse. O preço que se pagava por ser um impaler era a aparência exótica. Nem feios nem elegantes, mas estranhamente deprimentes. Sorriam, mas pouco. Piscavam, mas tinham olhos secos, esbugalhados, como se pudessem cair a qualquer momento. E as olheiras, sim. Muitos tinham olheiras arroxeadas, mas eram poucos. José era um deles por ser de uma linhagem mais antiga. Os mais modernos tinham a pele clara envolta dos olhos, mesmo sendo de cores mais escuras. - Não, senhor. Não foi o que quis passar. - Você quer dizer que não quis me ofender. - Exato. José sentou-se ao lado da lluminus. Ela tinha um cheiro doce, mas azedo. Ele sorriu. Ela sorriu de volta e jogou seu cabelo para o lado direito. Ele podia ver a jugular da menina pulsando vida. Se chegasse perto e sugasse seu pescoço, a energia vital viria intensa, mas acabaria rapidamente. Lluminus. Tão humanamente fortes e tão energeticamente frágeis. A menina continuava sorrindo quando ele claramente pronunciou três palavras que a fizeram se arrepiar: - Você será mãe. Quando a menina tentou levantar-se do banco de vidro, José a golpeou com o joelho. Ela caiu com um corte que jorrava hemoglobina e aglomerados de átomos. Ele não se importava, aquilo era muito humano. Ele a pegou pelo pescoço, prendendo sua respiração. O coração de ambos acelerou. Ele a arrastou até o carro pelos cabelos enquanto ela tentava em vão respirar. Abriu a porta do carro e a jogou no banco traseiro. Abriu suas calças e pensou que daqui a 9 meses ele talvez pudesse se alimentar completamente da energia dessa lluminus, se ela não sangrasse muito. Enquanto a menina tentava ainda respirar, ele a violentou. Depois fechou a porta do carro, pegou um doce caramelo e mastigou. Ela não fugiria e ele precisava logo de filhos.