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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO SANDRELI GAIOTI NERY ARTE NA EDUCAÇÃO CAMPINAS 2006

Nery,S.G - Arte e Educação - TCC

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

SANDRELI GAIOTI NERY

ARTE NA EDUCAÇÃO

CAMPINAS

2006

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

SANDRELI GAIOTI NERY

ARTE NA EDUCAÇÃO

"Memorial apresentado ao Curso de Pedagogia -

Programa Especial de Formação de Professores

em Exercício nos Municípios da Região

Metropolitana de Campinas, da Faculdade de

Educação da Universidade Estadual de Campinas,

como um dos pré-requisitos para conclusão da

Licenciatura em Pedagogia."

CAMPINAS

2006

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© by Sandreli Gaioti Nery, 2006.

Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecada Faculdade de Educação/UNICAMP

Nery, Sandreli GaiotiN359a Arte na educação : memorial de formação / Sandreli Gaioti Nery. -- Campinas, SP : [s.n.], 2006.

Trabalho de conclusão de curso (graduação) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Programa Especial de Formação de

Professores em Exercício da Região Metropolitana de Campinas (PROESF).

1. Trabalho de conclusão de curso. 2. Memorial. 3. Experiência de vida. 4. Prática docente. 5. Formação de professores. I. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

06--644-BFE

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"Aos meus alunos, com todo o meu carinho e

dedicação.”

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“Aprender como olhar através da superfície e penetrar nos caminhos das coisas”.

Paul Klee

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................... 1

LINGUAGEM ................................................................................................................. 2

NO COMPASSO DA DANÇA ..................................................................................... 14

PERCEPÇÕES DE UMA PROFESSORA AMADORA .............................................. 17

LER É OBSERVAR, RELER É RESIGNIFICAR ....................................................... 20

A DIFERENÇA ENTRE OLHAR E VER .................................................................... 25

CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... 34

REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 36

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APRESENTAÇÃO

Nos primeiros anos escolares existe a obrigação da alfabetização, vista somente

como a aquisição do código. Mas será que alfabetizar se restringe a apenas isso?

A educação deve permitir um olhar sensível para o mundo em volta de cada um de

nós. Cada indivíduo tem sua forma pessoal de conhecer e representar o mundo, mas a

escola tolhe potenciais criativos, quando somente impõe seus valores e normas em

detrimento às habilidades e competências dos alunos.

Howard Gardner (1997) faz a seguinte colocação: “é mais provável conseguirmos a

integração do afeto e da cognição se buscarmos as atividades em que o sentir e o saber são

reconhecidos como estando entrelaçados, como as artes”.

Sendo assim, a arte é fundamental na formação integral do ser, integrando

conhecimento, percepção e sensibilidade.

Então, como desconsiderar os conhecimentos prévios dos alunos? E como ignorar a

necessidade que todo o ser humano tem de se expressar?

Esse memorial vem propor uma reflexão sobre como estamos olhando para nossos

alunos e se realmente valorizamos e estimulamos suas potencialidades criativas

possibilitando a alfabetização de corpo inteiro.

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LINGUAGEM

Nós somos como tartarugas, carregamos a casa. Essa casa são as

lembranças. Nós não poderíamos testemunhar o hoje se não

tivéssemos por dentro o ontem porque seríamos uns tolos a olhar as

coisas como recém nascidos, como sacos vazios. Nós só podemos ver

as coisas com clareza e nitidez porque temos um passado. E o

passado se coloca para ajudar, ver e compreender o momento que

estamos vivendo.”

Iberê Camargo

É chegado o momento de abrir a casa e remexer nas lembranças...

Muita coisa aconteceu até agora, mas vou deter-me nos caminhos que me levaram à

carreira do magistério. Vamos então a uma pequena viagem ao passado...

Nasci em uma casa simples, afastada muitos quilômetros do hospital mais próximo

e por isso não sei quanto pesei e não fiz o exame do pezinho, tão importante...

Fui uma criança muito quieta, obediente e observadora.

Tive uma infância humilde e, talvez devido às dificuldades financeiras que minha

família enfrentava, pouco para comer, pouco para viver e uma filha para criar, não recebi

todo o afeto e atenção que desejava, mas outras pessoas acabaram por integrarem-me ao

seu convívio social... Tive duas vizinhas de dez ou onze anos que me levavam para assistir

TV (preto e branco) em sua casa, pois na minha não havia. Gostava muito de um comercial

onde corriam muitas baratas, era de veneno aerossol (Dededrin) e tinha um jingle que

nunca esqueci. Músicas como “Não chore mais” de Gilberto Gil, versão de “No woman no

cry” de Bob Marley e “O pato” de Vinícius de Moraes que adorava cantar também não

saíram da minha memória nesses anos todos.

A expressão musical é parte integrante de nossa cultura, aparecendo naturalmente

em nosso contexto social e educativo.

Segundo Lino (1999), ampliar as possibilidades desta experiência estética,

possibilitando a experiência com o conhecimento representativo musical dentro da sala de

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aula é condição imprescindível para que as crianças possam se apropriar do sistema

representativo musical.

Quando os alunos são convidados a representar graficamente a música,

possibilitamos a construção de hipóteses.

Comentarei uma experiência com meus alunos do ciclo III relacionada à música: No

dia do aniversário da escola, dentre as várias canções a serem escolhidas estava: “Pra não

dizer que não falei das flores” de Geraldo Vandré. Ao ouvirem, relacionaram a um

comercial do PROUNI que está sendo veiculado pela T.V. Não posso negar que a

popularidade da música possibilitou o estudo aprofundado dos alunos em aula.

Falamos sobre a época da repressão militar no Brasil e muitas outras informações

relevantes.

Após esse primeiro passo, começaram a buscar outras canções de protesto,

pesquisando junto a pessoas conhecidas, como viviam os jovens dos anos 60 e 70 e

discutindo a qualidade da maioria das canções que tocam no rádio.

Um outro aluno descobriu entre as diversas estações de rádio, uma que toca somente

músicas eruditas e contou isso com grande satisfação, despertando o interesse dos demais

que agora comentam sobre composições que incluem óperas, algo não tão comum em

adolescentes. É claro que, para despertar esse interesse, acredito que o professor deve

proporcionar momentos de apreciação musical onde sejam oferecidas oportunidades

diferentes das que os alunos já conhecem, garantindo assim a verdadeira ampliação do

conhecimento.

Segundo Martins (1998) “a vivência da experiência estética na linguagem musical

pode se dar por meio da audição de gravações, sendo bastante enriquecida quando

há possibilidade de assistir a apresentações musicais: grupos com formações

diversas, que interpretam diferentes estilos, concertos de grandes orquestras,

corais, óperas.”

Conhecer e compreender a música como uma produção cultural supõe também a

criação de contextos significativos para a conversa sobre os conceitos e a história da

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linguagem musical – nas diferentes culturas, no decorrer do tempo – e sobre seus

produtores – compositor, intérprete (instrumentista ou cantor), maestro etc., muitos deles

habitantes do universo da criança.

A educação do homem deve começar pela poesia, ser fortificado

pela conduta justa e consumar-se na música.

(Confúcio)

Acredito que a linguagem musical entrou em minha vida dessa maneira sutil...

Sentia uma vontade enorme de estudar, de ir para a escola, e em 1980 entrei na primeira

série, em São Paulo capital, onde residia na época... Senti uma vontade de chorar, mas tudo

não passou de uma pequena lágrima. Logo uma mulher de cabelos negros e pele branca me

colocou na fila. Era Dona “D”, minha primeira professora... Não guardo boas recordações

dela, pois discriminava crianças morenas e negras, deixando perto de si somente as de pele

clara e loiras (eu era uma moreninha linda!). Músicas nunca fizeram parte das aulas, nem

mesmo na saída para o recreio.

Usávamos a cartilha “Caminho Suave” que trazia um conteúdo "adequado" aos

padrões exigidos na época, era coerente com o que pregava (construção fonética das

palavras), mas continha textos com vazio pedagógico, ou seja, fora da realidade, com

ausência de reflexão e método centrado no acerto. A escrita era vista somente como a

reprodução da fala, como o código da linguagem oral.

A escola deve ensinar como o português funciona. A fonética preocupa-se com a

descrição dos sons da fala e a fonologia com o valor funcional que os sons têm na língua.

As gramáticas das escolas não perceberam ainda a distinção entre as duas.

Um som pode ter um valor distintivo ou não. Ex: se substituído o “p” de “pato” por

um “b”, temos uma nova palavra que é “bato” (fonologia).

Um som pode ter um valor não-distintivo de palavras. Ex: Kadeira ou Kadera para

cadeira. O som não altera o significado (fonética).

Cagliari (1998) acrescenta ainda que alguns métodos de alfabetização ensinam a

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escrever pela escrita cursiva, chegando mesmo a proibir a escrita de forma. A razão que

alegam freqüentemente é que a criança que aprende a escrever com letras de forma tem que

aprender depois a fazê-lo com letras cursivas, e isso representa o dobro de trabalho, sendo

inconveniente porque pode levar a criança a confundir esses dois modos de escrever.

Sofri muito para aprender a escrever o “S” de meu nome em letra cursiva, pois não

conseguia fazê-lo do lado certo, então fiz muitas e muitas vezes o “S” maiúsculo e

minúsculo (atividades de prontidão) e mesmo assim demorei a assimilar a posição correta.

Hoje não escrevo mais com letra cursiva, pois acho muito desconfortável. Minhas mãos

doem desde criança para fazê-las e, além disso, eu tinha uma letra feia, grande demais e

agora minha letra está muito mais bonita.

Segundo Gontijo (2003) vivemos numa sociedade grafocêntrica. Boa escrita passa

por boa leitura. Cada vez mais o conhecimento da língua se faz necessário.

Com base nos estudos de Soares (2002), podemos afirmar que um indivíduo letrado

não precisa necessariamente saber ler e escrever, mas fazer uso da linguagem e dos

códigos, mesmo por intermédio de outras pessoas ou dos meios de comunicação. Cabe à

escola tornar o indivíduo letrado e alfabetizado.

Os níveis de letramento dependem da cultura que possuem: cotidiano, acadêmico,

científico e literário. Crianças que têm contato com o universo das linguagens vão chegar a

níveis diferentes de letramento. Mesmo adultos não alfabetizados muitas vezes podem

possuir um alto nível de letramento.

A epilinguagem está presente em nossas crianças desde muito cedo, quando

interpretam e dão sentido aos objetos que estão a sua volta. Já a metalinguagem somente

por volta dos onze / doze anos é que vão conseguir assimilar bem, pois diz respeito à

gramática. Na concepção de ensino atual valoriza-se a epilinguagem antes de tudo.

A teoria tradicional prioriza o ensino sistematizado, a memorização e a reprodução,

enquanto que a concepção de ensino atual valoriza o raciocínio, a reflexão crítica, a

construção dos saberes com significado.

O desafio da escola é alfabetizar letrando. O fluxo do conhecimento toma muitas

direções. Palavras e sílabas isoladas, textos sem significado, não propiciam uma

aprendizagem significativa e efetiva.

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Primeira lição

(Lêdo Ivo)

Na escola primária

Ivo viu a uva

E aprendeu a ler.

Ao ficar rapaz

Ivo viu a Eva

E aprendeu a amar.

E sendo homem feito

Ivo viu o mundo,

Seus comes e bebes

Um dia, num muro

Ivo soletrou

A lição da plebe

E aprendeu a ver

Ivo viu a ave?

Ivo viu o ovo?

Na nova cartilha

Ivo viu a greve

Ivo viu o povo.

Linguagem é toda forma de expressão do ser humano, por isso, na concepção atual

valoriza-se e estimula-se a leitura de maneira prazerosa. A linguagem permite o uso do

imaginário e diferencia o homem dos animais.

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Através da linguagem o homem relaciona seu “eu” com os eventos

do mundo. “Com ela, tais eventos são classificados em “classes

gerais” (conceitos), e adquirem uma significação (um valor) para a

existência”.

( Duarte Jr., 1994)

O texto é o elemento fundamental do processo de alfabetização escolar, mas deve

ser construído com sentido, com significado para o grupo.

Para Paulo Freire (1987) existem duas consciências no ser humano: a consciência

ingênua onde se pensa e acredita-se em soluções mágicas para todos os problemas e a

consciência crítica que faz uma análise radical e profunda da realidade.

Embora Paulo Freire trabalhasse com o método da silabação, é importante lembrar

que ele alfabetizava adultos e que antes de iniciar o processo, montava seu material

pesquisando nos arredores da escola as palavras mais significativas para a comunidade.

Não era um processo aleatório. Os elementos fundamentais de seu método eram:

afetividade, reflexão e criticidade, em busca da autonomia.

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Uma palavra

Chico Buarque

1989

Palavra prima

Uma palavra só, a crua palavra.

Que quer dizer

Tudo

Anterior ao entendimento, palavra.

Palavra viva

Palavra com temperatura, palavra.

Que se produz

Muda

Feita de lua mais que de vento, palavra.

Palavra dócil

Palavra d'agua pra qualquer moldura

Que se acomoda em baldo, em verso, em mágoa.

Qualquer feição de se manter palavra

Palavra minha

Matéria, minha criatura, palavra.

Que me conduz

Mudo

E que me escreve desatento, palavra.

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Talvez à noite

Quase-palavra que um de nós murmura

Que ela mistura as letras que eu invento

Outras pronúncias do prazer, palavra.

Palavra boa

Não de fazer literatura, palavra.

Mas de habitar

Fundo

O coração do pensamento, palavra.

É através das tentativas com as primeiras garatujas que a criança vai entrando em

contato com a escrita.

Com Vigotsky (1998), podemos compreender melhor o processo ensino-

aprendizagem, pois ele trabalha com o ser humano histórico e cultural. O autor dizia que a

vivência da pessoa compõe o que ela irá ser, e que desenvolverão suas funções mentais

(atenção, percepção, memória, cultura, história e sociedade).

Vigotsky acreditava nas idéias de Marx e Engels, que diziam que o homem

transforma a natureza e assim modifica a si mesmo.

Luria e Leontiev (1988) trabalharam com Vigotsky e montaram seus livros a partir

de anotações, resumos, observações empíricas, em grande parte resultante do trabalho com

alunos portadores de deficiências cerebrais.

O processo de ensino – aprendizado na escola deve ser construído, tomando como

ponto de partida o nível de desenvolvimento real da criança. É preciso adequar-se á faixa

etária e ao nível de conhecimentos e habilidades das crianças.

No dia em que percebi que sabia ler as placas e outdoors que observava da janela

do ônibus, me senti muito bem! Lia alto para todos escutarem! Fiquei muito feliz! A

criança, no seu dia-a-dia já tem contato com a escrita. A escola tradicional interrompe o

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processo, fazendo com que a criança entre em um sistema sem sentido. Esse modelo,

portanto, dificilmente formará bons leitores e escritores. Segundo Vigotsky, os signos são

construídos culturalmente através da língua (a fala, o discurso).

A fala humana é, de longe, o comportamento de uso de signos mais

importante ao longo do desenvolvimento da criança. Através da fala,

a criança supera as limitações imediatas de seu ambiente... A fala

também é um exemplo excelente do uso de signos, já que, uma vez

internalizada, torna-se uma parte profunda e constante dos

processos psicológicos superiores; a fala atua na organização,

unificação e integração de aspectos variados do comportamento da

criança tais como: percepção, memória e solução de problemas.

(Vigotsky,1998)

Lembro-me do dia em que a professora deu um rato mimeografado para pintarmos...

Todos de mãozinhas para trás para que ela passasse cola no nariz e em seguida, o giz de

lousa e eu desejando ardentemente me deliciar no efeito que visualizei... Limitei-me a

pintar o rato e contornei-o todo com muitos corações coloridos... A professora não gostava

dos meus desenhos, pois dizia que tiravam a “estética” do caderno e das provas. O fato é

que não parei de desenhar, pois era uma forma de me isolar, viajar na imaginação...

Lowenfeld e Brittain (apud Duarte, 1994) comentam: “Expor a uma aprendizagem

artística que inclua tais tipos de atividades pré-solucionadas que obrigam as

crianças a um comportamento imitativo e inibem sua própria expressão criadora é

pior do que não dar aprendizagem alguma; esses trabalhos não estimulam o

desenvolvimento emocional, visto que qualquer variação produzida pela criança só

pode ser um equívoco; não incentivam as aptidões, portanto estas não se

desenvolvem a partir da expressão pessoal. Pelo contrário, apenas servem para

condicionar a criança, levando-a a aceitar, como arte, os conceitos adultos, uma

arte que é incapaz de produzir sozinha e que, portanto, frustra seus próprios

impulsos criadores”.

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Não sendo tolhidas pelos adultos, as crianças terão enorme prazer em desenhar,

representando a partir de então, por estudos e conquistas sucessivas, tudo o que existe no

mundo.

É absolutamente obsoleto o uso de cópias que só servem para padronizar, igualar

como numa produção em série, pilhas de papéis inúteis e perfeitamente dispensáveis.

Segundo Sans (1994), a criança possui aguçado senso de observação sobre tudo o

que acontece ao seu redor. Graças a essa capacidade, ela se concentra quando desenha,

refletindo em sua interpretação gráfica o seu conhecimento, interesse, sentimento e gosto

sobre as “coisas”.

Ficam essas imagens para reflexão:

desenho mimeografado(1980) Luis – 7anos (2006)

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A pintura busca sempre elementos da eternidade, e por isso ela

tende ao divino. O desenho, muito mais agnótico, é um jeito de

definir transitoriamente, se posso me exprimir assim. Ele cria, por

meio de traços convencionais, os finitos de uma visão, de um

momento, de um gesto. Em vez de buscar as essências misteriosas e

eternas, o desenho é uma espécie de definição, da mesma forma que

a palavra “monte” substitui a coisa “monte” para nossa

compreensão intelectual.

( Mário de Andrade , apud Derdyk, pg. 42,2003)

A primeira vez que consegui desenhar um cachorro, foi durante uma prova de

matemática, que eu já havia acabado e como não podia sair, fiquei desenhando... Foi muito

emocionante, mas só dividi a alegria comigo mesma. Segundo Vigotsky (1998), desenhar e

brincar ajudam a criança a chegar à Zona de Desenvolvimento Proximal, pois é nesses

momentos que a imaginação flui e caminha no mundo adulto, seguindo regras construídas

culturalmente e que vão ajudar na formação do indivíduo. E acrescenta ainda, que a zona de

desenvolvimento real refere-se ao que a criança já sabe e a zona de desenvolvimento

proximal (potencial) aonde ela pode chegar com ajuda ou estímulo. A intervenção

pedagógica, o outro agindo no ambiente, ajudará a criança a passar do nível potencial para

o real.

Em seu livro, Oliveira (1993) faz uma análise dos estudos de Vigotsky dizendo que

baseiam-se na ontogênese (estudo do eu), na filogênese (história evolucionária das

espécies), na sociogênese (história cultural) e na microgênese (fenômenos específicos com

focos definidos).

Pensamento e linguagem precisam estar integrados e a aprendizagem acontece

quando a criança age no meio em que vive. Segundo Vigotsky, a aprendizagem vem antes

do desenvolvimento. Nesse ponto ele diferencia-se de Piaget que deixa claro que, para ele o

desenvolvimento genético vem antes da aprendizagem.

É na troca que o indivíduo se constrói. O termo “mediação” vem de Vigotsky e

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significa ficar entre. O professor verifica se a criança está fazendo sua própria mediação.

Sendo o professor a figura central no processo de alfabetização, é preciso que ele

esteja em constante reflexão, juntamente com seus alunos, pois eles são sujeitos atuantes no

processo.

A ação direta com o mundo faz com que futuramente haja a mediação das

experiências anteriores. O jogo simbólico é um lugar privilegiado de aprendizagem pois

nele a criança transita pelo mundo imaginário, mas está sendo regida por regras, ou seja,

está vivenciando o mundo real e isso será muito útil para sua formação.

Dallari e Korczak (apud Sans, 1994) mencionam: “A criança que não puder fazer

suas experiências e que não tiver qualquer oportunidade de cometer seus próprios erros não

estará gozando plenamente do direito de viver”.

Quando menciono o jogo simbólico, comparo aos jogos dramáticos que em Arte

desempenham funções extremamente semelhantes, ou seja, a criança se expressa de

maneira espontânea, possibilitando ao professor conhecer mais sobre sua personalidade,

experiências e conhecimentos reais, que ela interpreta nesses jogos de faz-de-conta. Nesses

momentos não existe censura nem medo de errar, somente o prazer de experimentar.

Partindo desse ponto, passo a relatar um fato muito significativo, pois uma das

minhas professoras não ofereceu nenhuma oportunidade de diálogo ou possibilidade de

expressão, causando-me um profundo constrangimento.

Na quarta-série o que mais me marcou foi o fato de mudar de escola no meio do ano

letivo e ser recebida por uma professora que nitidamente não ficou satisfeita com minha

chegada.

Colocou-me na última carteira da fileira da janela e quando uma garota virou-se

para perguntar meu nome, já que não fui devidamente apresentada à classe, chamou-me a

atenção dizendo: “Já vai começar a fofoquinha? Aqui não é assim não, viu menininha?”.

Quase morri de vergonha, então novamente me calei... E para finalizar me mandou

ir a lousa resolver uma divisão e eu que estava desesperada ao ver todos resolvendo no

“processo americano”, pois nunca havia visto aquilo antes, congelei em frente à lousa com

o giz na mão e novamente fui criticada pela professora: “Na quarta-série e não sabe nem

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fazer uma divisão? Vá sentar!”. Em nenhum momento ela me perguntou se sabia fazer de

outro jeito.

Daí em diante desenvolvi certa aversão à matemática. Comecei a quebrar a cabeça

para aprender o necessário e só fui ver com outros olhos essa “vilã” vários anos mais tarde.

Até agora deu pra perceber como minha educação seguiu o modelo tradicional, com

ênfase no erro, no código, no método. Baseada na prontidão, onde o aluno não passa de um

ser passivo e o professor é aquele que transmite os conhecimentos.

Em nenhum momento lembro-me de canções, danças ou qualquer outro tipo de

atividade que não realizássemos sentados, copiando, resolvendo, esperando calados pelas

ordens da professora. Não havia espaço para diálogo.

Por isso nunca pensei em me tornar uma professora. Via a profissão como algo

muito chato e rabugento! A escola era algo muito distante do mundo lá fora.

Atividades artísticas possibilitam entre outros, o desenvolvimento oral e expressivo,

tornando os alunos mais seguros para expor suas dúvidas e conhecimentos.

Nós professores devemos estimular os alunos a falarem sem medo, pois assim se

tornarão indivíduos mais críticos e autônomos.

NO COMPASSO DA DANÇA

A carreira do magistério entrou em minha vida por acaso... Eu estava para concluir

a oitava série e queria fazer um curso técnico em nível de segundo grau na área de

publicidade e propaganda. O único mais próximo era particular, portanto longe demais das

minhas possibilidades financeiras. Sendo assim, comecei a buscar outros caminhos e acabei

optando pelo magistério por me possibilitar ter uma profissão. Eu pretendia trabalhar, para

pagar a sonhada faculdade de publicidade.

Antes disso não me imaginava lecionando. Mas a vida toma rumos que nem sempre

são traçados com antecedência... As coisas vão acontecendo e nossas descobertas, nossa

relação com o meio social, as experiências que vivenciamos mudam a cada situação nova.

Fui morar em outro Estado, onde cursei o primeiro ano do magistério e uma parte

do segundo.

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Foi muito bom! A escola era excelente! Proporcionava muitas oportunidades de

experiências diferentes, como por exemplo, já no primeiro ano fazer estágio em classes de

crianças com necessidades especiais, o que me possibilitou compreender muito melhor a

profundidade do trabalho pedagógico e a amplitude do campo de atendimento.

Tive ótimos professores e comecei a considerar a possibilidade de uma carreira

realmente prazerosa...

Nós tínhamos aulas de literatura infantil, de música e poesia, que eram muito

produtivas, além das aulas de inglês, física e química, as quais foram muito tranqüilas pois

as professoras ensinavam tudo desenhando, o que facilitava muito a compreensão e com

certeza foram úteis para minha entrada na universidade.

Declamávamos poesias periodicamente e a dança surgiu em minha vida com o

Vanerão, dança típica da região onde morava e muito apreciada por todos. Foi um tempo

inesquecível!

Parecia naquele momento, que a escola estava mais próxima da realidade e das

necessidades dos alunos.

“Para mim a dança é não apenas uma arte que permita à alma humana expressar-se

em movimentos, mas também a base de toda uma concepção de vida mais flexível,

mais harmoniosa, mais natural. A dança não é como se tende a acreditar, um

conjunto de passos mais ou menos arbitrários que são o resultado de combinações

mecânicas e que, embora possam ser úteis como exercícios técnicos, não poderiam

ter compreensão de constituírem uma arte: são meios e não um fim”.

(Isadora Duncan , 1986)

Nessas palavras de Isadora, percebe-se a dança como algo que esteve presente em

todas as culturas humanas, desde o princípio da humanidade. Ela é uma forma de interação

do indivíduo com o meio, uma forma de expressão que permite ao ser humano integrar-se,

através de seu próprio corpo, com os movimentos da natureza, manifestações sociais e

culturais.

Como linguagem artística, a dança possui uma gramática própria. Dentro da

pluralidade cultural do Brasil, onde as danças folclóricas são riquíssimas, remetendo-nos às

nossas raízes ancestrais. Cabe ressaltar a importância do trabalho voltado à comunicação e

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expressão pela dança, onde a consciência corporal é o início do trabalho e as vivências

complementarão o repertório cultural dos alunos.

Fiz também alguns cursos de danças circulares, danças folclóricas e

contemporâneas, com o firme propósito de aprender, pois só se pode trabalhar com aquilo

que se conhece e tudo isso tem sido de muita ajuda no desenvolvimento do meu trabalho

até hoje.

Reportando-nos à apresentação deste memorial, onde me refiro à necessidade de

possibilitar uma educação de corpo inteiro, acrescento que dentro das quatro linguagens

artísticas (música, dança, teatro e artes visuais) o indivíduo é visto como um todo, onde o

conhecimento não se compartimenta, mas sim se expande.

Sendo assim, trabalho integrando as quatro linguagens, ou seja, mesmo em uma

atividade com foco em dança, a música, o teatro e as artes visuais estão incutidos.

As atividades com dança possibilitam a integração dos indivíduos, favorecendo a

expressão e a comunicação gestual, mas é preciso pensar sempre de maneira a respeitar as

diferenças e capacidades físicas de cada um, incentivando-os e oferecendo novos desafios,

pois eles sempre nos surpreendem.

Mesmo alunos com deficiências físicas, mentais, visuais ou auditivas sempre

participam das atividades e tomo o cuidado de pensá-las de maneira a possibilitar essas

participações, deixando-os seguros.

Exemplo disso aconteceu na festa de encerramento de 2005, quando criamos uma

coreografia com “rodas”(skates, patins, bicicletas, patinetes, carrinhos de rolimãs e uma

cadeira de rodas). A felicidade contagiou a turma que além de divertir-se muito, fez uma

belíssima apresentação.

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PERCEPÇÕES DE UMA PROFESSORA AMADORA

Não precisamos de fórmulas e receitas educacionais – precisamos

sim de um comprometimento humano, pessoal, valorativo, com a

educação e a Nação.

( Duarte Jr., 1994)

De volta a região de Campinas, concluí o magistério e quando estava no último ano,

prestei concurso em uma prefeitura de município próximo. Sendo aprovada, iniciei minha

carreira com uma turminha de quatro anos. Era 1992 e o “Construtivismo” estava em moda,

embora não se conhecesse claramente a teoria.

O construtivismo baseia-se nas análises clínicas de Jean Piaget de modo empírico.

Percebeu-se que sua teoria possibilitaria entender melhor como a criança aprende e que a

infância é a fase mais criativa do ser humano.

Eu não tinha experiência nenhuma e fiquei desesperada nos primeiros dias... Chorei

por uma semana ao chegar em casa. O mesmo tempo que eles também levaram para parar

de chorar na escola. Mas tudo foi se acalmando e outros sentimentos aflorando como o

carinho, a ternura e a afetividade.

Lembro-me das dúvidas que me torturavam, pois as informações também mudavam.

Regras com não alfabetizar na pré-escola; deixar que as crianças aprendessem

sozinhas, interagindo com os materiais, cantinhos, ateliês, tudo muito confuso e incerto.

No modelo atual de ensino a escrita é um sistema simbólico, construído pela

cultura, de natureza histórico-cultural. A escola possibilita a mediação entre a criança e a

escrita através de textos, professores, colegas, materiais didáticos. O professor é seguro,

dinâmico, preparado e possui uma base de conhecimento de natureza ideológica.

Tenho procurado trabalhar dentro das concepções atuais que pregam o sujeito ativo,

construção do conhecimento coletivamente, sendo o professor um mediador e a linguagem

tem um papel fundamental na construção desse conhecimento. A escrita é um sistema

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simbólico construído pela cultura.

É preciso não se deter no código, avançando através das práticas sociais da leitura e

da escrita.

O texto é conceito chave das concepções atuais. Ele pode ser um trecho falado ou

escrito com sentido, que constitui um todo significado e coerente, dentro de uma

determinada situação discursiva.

A cultura estabelece a leitura de uma época.

Portanto o texto pode ser também uma pintura, escultura, um espetáculo de dança,

uma apresentação teatral, onde ler vai além do código escrito. Ler é interpretar, sentir.

Considerando a interpretação como um tema que está muito em pauta hoje em dia e

vem como um problema a ser enfrentado, sendo que o professor não sabe aonde ir,

acredito que a Arte nos aponte um caminho. Esse diz respeito à não limitar a interpretação a

textos sem sentido, vazios, onde o aluno somente localiza informações, não sabendo

esmiuçá-los, compreendê-los realmente.

Para mim a leitura deve ser um ato de prazer ou ao menos consciente, ou seja,

mesmo que o texto lido não seja de grande interesse pessoal, o indivíduo deve ser capaz de

compreendê-lo.

Além disso, de acordo com Guedes e Souza (2000) “Ler e escrever são tarefas da

escola, questões para todas as áreas, uma vez que são habilidades indispensáveis para a

formação de um estudante, que é responsabilidade da escola”.

Quando ingressei na faculdade de Educação Artística, meus horizontes ampliaram-

se no que diz respeito à Arte-educação e comecei a observar melhor as atitudes das

crianças, percebendo como elas relacionam-se com o mundo e tudo a sua volta.

Lembro-me, por exemplo, de uma atividade onde confeccionávamos um livro de

origamis e numa parte havia um urubu. Eu dei papel preto a todos e Rodrigo perguntou:

“Mas por que tem que ser preto?” Eu obviamente recebi isso como um sinal e deixei que

todos fizessem o urubu da cor que preferissem. Esse foi o primeiro passo para a libertação

dos padrões tradicionais dos quais eu ainda procurava desvencilhar-me. Contava então,

vinte anos de idade e um idealismo muito grande no coração. O mesmo que hoje ainda

trago comigo.

Page 25: Nery,S.G - Arte e Educação - TCC

19

Trem das Cores

Caetano Veloso

Composição: Caetano Veloso

A franja na encostaCor de laranjaCapim rosa chá

O mel desses olhos luzMel de cor ímpar

O ouro ainda não bem verde da serraA prata do tremA lua e a estrelaAnel de turquesa

Os átomos todos dançamMadruga

Reluz neblinaCrianças cor de romã

Entram no vagãoO oliva da nuvem chumbo

FicandoPra trás da manhã

E a seda azul do papelQue envolve a maçã

As casas tão verde e rosaQue vão passando ao nos ver passar

Os dois lados da janelaE aquela num tom de azul

Quase inexistente, azul que não háAzul que é pura memória de algum lugar

Teu cabelo pretoExplícito objeto

Castanhos lábiosOu pra ser exato

Lábios cor de açaíE aqui, trem das cores

Sábios projetos:Tocar na central

E o céu de um azulCeleste celestial.

Page 26: Nery,S.G - Arte e Educação - TCC

20

De lá para cá, continuo combatendo o mimeógrafo que muitas de minhas colegas de

trabalho insistem em utilizar.

Algo que também me incomoda são as releituras estereotipadas de obras de arte que

acabaram virando moda...

LER É OBSERVAR, RELER É RESIGNIFICAR.

“A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam... Ler significa reler

e compreender, interpretar. Cada um lê com os olhos que tem. E

interpreta a partir de onde os pés pisam. Todo ponto de vista é à

vista de um ponto. Para entender como alguém lê, é necessário

saber como são seus olhos e qual é a sua visão de mundo. Isso faz da

leitura sempre uma releitura...”

(Leonardo Boff, 1997)

Segundo Sueli Ferreira (2001), os antigos Patos Donalds, Mônicas e Cebolinhas de

décadas atrás, foram substituídos por “Abapurus” em série. Sem dúvida a releitura propicia

o contato com obras consagradas e possibilita a construção de muitos conhecimentos, mas

esse contato precisa ser mediado pelo professor, para que as obras não sejam tomadas como

modelos a serem seguidos. O professor deve questionar o que as crianças aprendem com a

releitura, em que esse trabalho contribui para melhorar a expressão gráfica delas.

A leitura de obra de Arte envolve o questionamento, a busca, a descoberta e o

despertar da capacidade crítica dos alunos. Podem ser julgadas por critérios tais como:

pertinência, coerência, possibilidade, esclarecimento, abrangência, inclusividade, entre

outros. Segundo Barbosa (2003), é importante ressaltar que o objeto de interpretação é a

obra e não o artista, não justificando processos adivinhatórios na tentativa de descobrir as

“intenções do artista”.

Page 27: Nery,S.G - Arte e Educação - TCC

21

“o papel da Arte na educação está relacionado aos aspectos artísticos e estéticos do

conhecimento. Expressar o modo de ver o mundo nas linguagens artísticas, dando

forma e colorido ao que, até então, se encontrava no domínio da imaginação, da

percepção, é uma das funções da Arte na escola”. (Pillar, 2003)

O aluno deve ser levado a compreender o texto e a proposta pesquisada da obra de

arte para conceber Arte, não só como um fazer, mas também como uma forma de pensar

sobre Arte.

Nos parâmetros curriculares nacionais de Arte aparecem as três formas de conhecer

Arte. São denominadas, produção, fruição e reflexão. (Eixos das propostas triangular).

A arte de ler e a arte de escrever, no entanto, abrigam em si as mesmas questões que

todo processo criativo e artístico enfrenta.

Isso significa que nós, professores, devemos encontrar outras maneiras para tratar o

assunto. A utilização de técnicas expressivas, buscando o desenvolvimento cultural dos

alunos é um bom caminho.

Essas técnicas estão incutidas na “proposta triangular” apresentada nos PCNs de

arte e são garantidas pela LDB.

Na LDB n° 9394 de 20/12/1996, artigo 26, parágrafo 2° “o ensino de arte

constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de

forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”.

Segundo os PCNs (Brasil, 1997) de arte:

“São características desse novo marco curricular as reivindicações de identificar a

área por arte (e não mais por educação artística) e de incluí-la na estrutura curricular como

área com conteúdos próprios ligados à cultura artística, e não apenas como atividade”.

Há alguns anos que no Brasil os arte-educadores utilizam como referência para o

ensino da arte uma estrutura sustentada por três apoios:

Page 28: Nery,S.G - Arte e Educação - TCC

22

Três palavras-chaves: apreciar, produzir e contextualizar constituem a proposta

triangular.

- apreciar: enxergar as oportunidades para o desenvolvimento da sensibilidade

artística, da capacidade do aluno de ler e apreciar obras de arte de diferentes linguagens;

-produzir: promover situações em que a expressão de cada indivíduo se manifeste

em produções próprias;

-contextualizar: possibilitar a contextualização das obras, dando acesso ao

conhecimento da história das diferentes artes, da vida e da obra de artistas consagrados pela

humanidade.

Não se trata de um método. São práticas criadas por docentes em diferentes

instituições, que levam em conta a necessidade de trabalhar esses três aspectos

fundamentais. Arte, portanto, é conhecimento.

Dentro da literatura pode-se também associar a proposta triangular apresentada nos

PCNs, tornando a leitura criativa.

Nesse processo a expressão escrita e sua respectiva leitura ganham outra dimensão.

A arte nos leva além dos limites e espaço: entramos em contato com o espírito humano de

sempre, através de suas expressões – do homem das cavernas ao homem de hoje.

Percebemos uma tendência brasileira entre os que se dedicam à criação de proposta

para o trabalho da literatura infantil e juvenil. Há uma retomada cultural, tentativas de ligar

a língua à arte desde cedo. Percebe-se um desejo de que a aprendizagem lingüística seja

assim conduzida pelos adultos.

produzir

contextualizar apreciar

Page 29: Nery,S.G - Arte e Educação - TCC

23

Analisando o desenvolvimento da função simbólica na criança, a evolução do

desenho depende intimamente da evolução da linguagem e da escrita.

A escrita exerce uma verdadeira fascinação sobre a criança, e isso bem antes dela

própria poder traçar verdadeiros signos. Muito cedo, ela tenta imitar a escrita dos adultos.

Geralmente, é entre os três e quatros anos que a criança produz isso: Para ela, existe uma

espécie de magia em poder alinhar signos, ligá-los entre si, e está muito consciente do que

quer comunicar. Ela gosta de imitar a escrita e depois começa a dar nome ao que faz.

Mais tarde, quando a criança atinge a idade escolar, verifica-se quase sempre uma

diminuição da produção gráfica, já que a escrita passa então a ser concorrente do desenho.

Inversamente, com a escrita, a criança descobre novas possibilidades gráficas. Escrita e

desenho podem então misturar-se. Seus desenhos demonstram mais as influências da

cultura na qual está inserida. Desenha o que sente, não somente o que vê.

Entre os artistas contemporâneos, os letristas foram os primeiros a explorar essa

ligação entre a escrita e o desenho. Klee e Miró, por exemplo, igualmente sentiram essa

fascinação da escrita. Miró inventa uma escrita ágil, cursiva, musical, ao introduzir letras

na sua pintura, e depois signos hieroglíficos, Klee atinge o esquematismo do grafismo

infantil, que reduz os objetos a emblemas sinaléticos. O limite entre o desenho e a escrita é

flutuante.

Prisioneiro (Paul Klee. 1940) O ouro do firmamento (Miró 1967)

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24

Os primeiros signos gráficos foram estilizações da figura humana; Arno Stern(1974)

observou por sua vez que a imagem do boneco está subjacente a todas as principais figuras

do desenho infantil: na origem, escrita e desenho poderiam derivar de uma projeção

inconsciente do esquema corporal. Não nos esqueçamos de que, em certas civilizações, a

linguagem gestual serviu de modelo para constituir os signos da escrita e os primeiros

pictogramas são apenas a transcrição gráfica de gestos e ações. Um elo profundo une

portanto o desenho infantil e as escritas primitivas, em particular as escritas pictográficas.

Segundo Sans (1994), a natureza da arte é mais transparente, aparece com maior

nitidez nas manifestações mais antigas, no homem primitivo e nas crianças.

E ainda Herbert Read (apud Sans 1994) observa: “A arte para eles talvez não seja

tão desinteressada: não é estranha e complementar à vida, mas uma intensificação da vida,

uma agitação do pulso, uma intensificação da batida do coração, um retesamento dos

músculos, um modo necessário e exigente de expressão”.

Se a arte está presente em nós e manifesta-se de diversas formas, é preciso estar

atento, aguçar o olhar, percebendo detalhes, nuances que muitas vezes passam

despercebidas para os adultos, mas não para as crianças. Como professora, procuro

proporcionar situações de observação, de leitura dos objetos, paisagens, momentos que

estão presentes em nossas vidas. Assim teremos parâmetros para comparar, analisar,

construir e criar, pois ninguém desenha ou escreve, produzindo de maneira criativa, do

nada. Compartilhar experiências aproveitando momentos é fundamental como respirar é

para viver.

Em 1996 comecei a trabalhar somente como arte-educadora e meu mundo ficou

mais colorido.

Tenho muito prazer no que faço, mesmo passando por todas as dificuldades que

enfrento e os empecilhos que se colocam no caminho...

Acredito que da mesma forma que é preciso alfabetizar para a aquisição do código

com significado, também é preciso alfabetizar artisticamente o indivíduo, para que seu

olhar se amplie, favorecendo a aquisição do conhecimento com desenvolvimento da

criatividade, do raciocínio, explorando suas habilidades e competências.

Page 31: Nery,S.G - Arte e Educação - TCC

25

Estamos em constante processo de alfabetização, pois aprendemos a “ler” o mundo

o tempo todo e precisamos sempre nos exercitar, praticar e nos deliciar com mais e mais

descobertas.

A DIFERENÇA ENTRE OLHAR E VER

A palavra leitura tem sido empregada para denominar o que fazemos ao refletir

sobre o que estamos olhando.

Existe uma nítida diferença entre “olhar” e “ver”.

Smith (1989) e Zamboni (1998) ressaltam que começamos olhando para depois

chegarmos ao ato de ver! Em geral, olha-se sem ver

Zamboni (1998) ressalta que:

“O ver” não diz respeito somente à questão física de um objeto ser focalizado pelo

olho, o ver em sentido mais amplo requer um grau de profundidade muito maior,

porque o indivíduo tem, antes de tudo, de perceber o objeto em suas relações com

o sistema simbólico que lhe dá significado.”

Considerando que ver é atribuir significado, segundo Smith (1989), o significado

não é algo que está na linguagem e que é trazido para a linguagem.

Ao ver, acontece a mistura entre as informações do leitor, seus conhecimentos, suas

inferências, sua imaginação e o meio sociocultural onde a situação ocorreu, assim não é a

situação, o fato, mas a interpretação que o leitor lhe conferiu num determinado momento e

lugar.

O olhar de cada um está impregnado de experiências anteriores, associações,

lembranças, fantasias e interpretações. O que se vê e o que nos é “significativo”.

É preciso educar o olhar da criança desde muito pequena para que ela compreenda

como a gramática visual se estrutura e pensar criticamente sobre as imagens.

Paulo Freire(1995) diz que “a opção realmente libertadora recusa, de um lado uma

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26

prática manipuladora, de outro uma prática espontaneista”.

A manipulação é castradora, por isso autoritária. O espontaneísmo é licencioso, por

isso irresponsável.

Segundo Pillar (2003), o ensino da arte, dentro de uma visão contemporânea busca

muito mais entender processos de leitura.

Os conhecimentos que o aluno tem do mundo em que está inserido, entram em sua

linguagem na medida em que ele vai tendo contato com novos objetos, pessoas, situações,

ou seja, vai garantindo novas vivências. Se o professor age de maneira espontaneista está

apenas mantendo o aluno no senso comum, não trazendo novos problemas para que as

associações aconteçam. Do mesmo modo, o professor manipulador nunca saberá o que

seus alunos poderiam contribuir para a aprendizagem do grupo, já que faz questão de impor

suas opiniões e conceitos pré-determinados.

Dentro do ensino de arte, consideram-se os conhecimentos dos alunos, mas também

se estimula que eles pesquisem, busquem, analisem, dando oportunidades e

instrumentalisando-os com técnicas e orientações, para que construam hipóteses e

formulem novos conceitos.

“Por que se dá tão pouco espaço para a arte na educação?...O

homem que não realiza seu potencial criador é um homem

mutilado...A escola pode ser um lugar de encontro. Encontro de

pessoas consigo mesmas, com o mundo e a cultura.”

(Luís Camargo, 1991)

Relatarei agora um trabalho desenvolvido por mim com alunos do II ciclo para

ilustrar o que venho falando até o momento.

Levando em conta a influência de alguns programas de televisão e outros meios de

comunicação que trazem aos alunos imagens deturpadas da realidade, procurei trazer o

prazer da leitura, valorizando a riquíssima literatura brasileira, bem como a exaltação de

nossa cultura e da sabedoria popular, enfatizando brincadeiras e jogos infantis.

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27

O projeto idealizado buscava o resgate do folclore, da cultura brasileira, a análise da

expressão artística interagindo com o saber mundial, das brincadeiras e das histórias de

família.

Na sala de informática, utilizando um Cd-rom observamos a obra “Jogos infantis”

de Pieter Bruegel, 1560 (fig.1). A primeira impressão que as crianças tiveram era que os

personagens da pintura fossem adultos, mas logo concluíram que se tratava de crianças

brincando. Nela os alunos acabaram reconhecendo algumas brincadeiras e outras eram

desconhecidas.

figura 1

De Portinari observaram as obras: Crianças brincando, 1940 (fig. 2) e Meninos com

carneiro, 1959 (fig.3). Do paralelo traçado entre os dois artistas e suas obras, os alunos

notaram que as roupas das crianças de Bruegel eram diferentes das de Portinari, mas que o

“brincar” permanecia. Observaram as cores, formas, estrutura das pinturas. Quando

informei que a tela de Bruegel era de 1560 eles ficaram espantados e aí concluíram que as

roupas eram diferentes pois pertenciam a épocas diferentes. Um aluno comentou que

naquele tempo as crianças pareciam adultos.

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28

figura 2 figura 3

Lemos o livro de Conceil Corrêa da Silva e Nye Ribeiro Silva, “A colcha de

Retalhos”. No livro, a personagem principal, uma avó visualizando sua colcha, vai

lembrando de fatos que aconteceram em sua vida. Cada pedaço do tecido era uma

lembrança do filho, momentos, episódios de família.

Pedi aos alunos que trouxessem retalhos de casa. Neles, os pais tinham que pintar,

desenhar ou bordar imagens que representassem suas brincadeiras prediletas de infância.

Depois os alunos, com os tecidos em mãos, falavam das lembranças de seus pais em sala de

aula. Muitas crianças chegaram a ficar emocionadas, pois não tinham suas avós presentes.

Mas a grande maioria possuía lembranças que foram compartilhadas com a turma.

Juntamos todos os pedaços e costuramos uma colcha de aproximadamente seis

metros. Em seguida, partiram para a confecção de uma segunda colcha que tinha o objetivo

de motivar as crianças a trabalharem em conjunto, respeitar o outro, disseminar valores

como ética e respeitar a opinião do colega. Essa colcha foi feita com pedaços de shorts e

tecidos de roupas dos próprios alunos. Eram suas lembranças e memórias.

Convidei os pais ou responsáveis por eles a visitarem a escola e ensinar suas

brincadeiras prediletas. Uma brincadeira, em especial, agradou a todos e tomou conta do

pátio da EMEF na hora do intervalo. Eram as “Cinco Marias”. As crianças gostaram tanto

do jogo que criaram novas regras. Misturaram o jogo do passado com o presente.

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29

O jogo das cinco Marias é feito com cinco pedrinhas ou saquinhos cheios de

sementes. Com etapas que basicamente referem-se a arremessar ao alto uma das pedrinhas

e ir pegando as demais com a mesma mão, seguindo uma seqüência de quantidades,

primeiro pega-se de uma em uma, depois de duas em duas e assim por diante. Existem

também fases onde as maneiras de pegar as pedrinhas mudam, ou seja, pega-se com as duas

mãos, com o dorso ou com as pontas dos dedos.

A etapa seguinte do projeto foi utilizar a colcha em um cenário de teatro. Com

textos de Câmara Cascudo baseados na cultura popular brasileira, no folclore. Também

partimos para a construção de mosaicos. Com os mosaicos, a preocupação era ressaltar a

importância da reciclagem de materiais como cacos de pisos e azulejos em construções,

levando aos alunos a refletirem sobre a necessidade de preservar o meio ambiente para

nosso bem estar de hoje e das futuras gerações.

Observo que o senso estético das crianças está mais apurado bem como suas

participações orais e suas produções textuais que seguem o mesmo caminho. Resgatando

brincadeiras esquecidas pudemos também enfatizar valores éticos como respeito,

solidariedade e amizade.

Do cotidiano escolar, das brincadeiras, surgem os jogos de faz-de-conta que

também seguem o princípio da cooperação no trabalho em grupo e exercem fascínio sobre

as crianças.

Segundo Martins (1998), o encantamento do faz-de-conta vira teatro e deixa-se

conduzir com um novo significado, isto é, representar com parceiros uma história fictícia

para outros.

Desse modo, as crianças maiores realizam um jogo que é teatral, ou seja, há um

certo modo de jogar, de propor ou de organizar o jogo que passa a ser coletivo com a

intenção de representação teatral.

Tornar a criança parceira de jogo exige seu crescimento estético na linguagem

teatral. Para isso, é necessário proporcionar-lhe um contexto significativo onde lhe seja

possível, praticar o pensamento “como se”, ou seja, ser capaz de agir de modo artístico-

estético, numa situação de jogo teatral, representando algo ou alguém, diferente de si

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próprio; movido pela imaginação em ação, o aprendiz (e o ator) torna realidade cênica o

irreal, o mundo imaginário.

Como expectador a criança poderá perceber a linguagem expressando-se e através

da mediação do educador analisar, fruindo, a construção de seus signos.

Tornar sensível a criança aos signos da linguagem teatral é também criar contextos

significativos para a conversa sobre conceitos e fatos da história do teatro, bem como sobre

aqueles que exercem o ofício teatral, como o ator, o dramaturgo, o diretor, o encenador, o

cenógrafo, o figurinista e tantos outros que mantêm viva a magia teatral.

Em um outro momento vivi uma experiência de trabalho muito significativa onde

procurei também aliar os diversos tipos de linguagens...

Tudo era novo. Os alunos do ciclo III estavam tristes com a saída de uma professora

que havia se aposentado e, apesar de já me conhecerem, pois lecionava para o CicloIV,

precisei agir com cautela, procurando criar um bom relacionamento com eles. Para

desenvolver as aprendizagens referentes às minhas expectativas, propus uma atividade que

acreditei poder estimulá-los.

Convidei-os para fazer um trabalho com teatro, partindo de uma conversa sobre o

assunto, e descobri que alguns já haviam participado de grupos teatrais na igreja ou em

academias e, a partir do que ouvi, percebendo o interesse deles pelo assunto, pedi que

pesquisassem sobre a origem do teatro.

Descobriram muitas coisas com as pesquisas como, por exemplo, que desde os

tempos das cavernas o homem praticava a imitação, acreditando no “poder mágico” de

exercitar uma ação “falsa” antes de compreender a verdadeira, ou seja, primeiro ele

encenava a caça para depois realizá-la. De tudo o que foi visto, o que mais atraiu a atenção

dos alunos foram as descobertas sobre o “teatro negro” ou “Bunraku”, as explicações de

como esse tipo de teatro era feito inicialmente, no Japão, e como poderíamos desenvolvê-lo

usando somente jornal e fita adesiva.

O bunraku é uma herança da cultura popular japonesa e serve para contar histórias

do Japão antigo, manipulando bonecos. Com movimentos quase humanos, os bonecos

tornam-se verdadeiros atores no palco. Não se sabe exatamente a data do início, mas nos

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31

séculos VII e VIII havia uma forma rudimentar de teatro na qual os bonecos eram

manipulados numa caixa suspensa ao pescoço pelo titeriteiro (manipulador). Com o passar

do tempo, a técnica foi sendo melhorada gradativamente. Após a fase áurea, a partir da

metade do século XVIII, o bunraku entrou em declínio, pois houve a introdução de novas

técnicas ocidentais de teatro de bonecos.

Apresentei aos alunos tipos e utilização de máscaras de teatro e sugeri que

confeccionassem com atadura gessada. Foi ótimo! Propus que se organizassem em grupos e

um foi fazendo o molde do rosto do outro. Após a confecção, os alunos utilizaram as

máscaras nas dramatizações de mitos gregos.

Nessa mesma época, recebemos a visita de um grupo de teatro na escola, grupo este

que usava bonecos de cabo de vassoura. Este momento oportuno contribuiu para manter o

interesse dos alunos e o aproveitei para dar continuidade às aprendizagens.

Demonstrei aos alunos uma possibilidade de encenação que os atraiu muito: uma

performance dando vida a um pedaço de jornal rasgado que se revelou ser “Gisele”, minha

boneca de jornal. Em seguida, conversamos sobre a imaginação e a fantasia e pedi a eles

uma nova pesquisa, agora sobre o teatro de bonecos.

Logo um aluno disponibilizou-se para fazer uma caveira com ajuda de outros dois.

Outros bonecos interessantíssimos surgiram, como um bebê feito por uma das meninas.

Porém, enfatizo a caveira porque foi a escolha de um aluno que normalmente não

demonstrava interesse pela aula e nessa atividade, se empenhou de forma responsável.

Durante a manipulação dos bonecos, ficou nítido o envolvimento dos alunos e o

prazer em desenvolver o trabalho.

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Alunos em atividade

Diante da motivação e dos resultados obtidos com o trabalho do ano anterior, no

ano seguinte, com as turmas do Ciclo IV, apresentei uma proposta de trabalho em grupo

com histórias infantis em que os alunos poderiam criar fantoches de papel machê ou

trabalhar teatro de sombra, passando assim pelas diversas modalidades teatrais estudadas.

Continuamos lendo, pesquisando e aprendendo sobre o teatro e confeccionamos também

bonecos gigantes (típicos do carnaval de Olinda).

Refletindo sobre o processo vivido, indiquei aos alunos uma análise mais profunda

das músicas a serem utilizadas, lembrando que estas devem ser adequadas ao roteiro, ao

ambiente e ao público. Aproveitamos para aperfeiçoar o figurino, que ficou mais rico, com

a utilização de roupas confeccionadas para os bonecos.

Um dos personagens do “teatro negro” deste ano foi Pluft, o personagem de Maria

Clara Machado, em jornal e fita adesiva, criação de um dos alunos, inspirada na leitura do

livro, indicada por mim.

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Os alunos descobriram a possibilidade de dois bonecos interagirem na mesma

apresentação, onde seis pessoas sincronizam movimentos e instrumentos confeccionados de

sucata.

Alguns relatos sobre os trabalhos desenvolvidos foram feitos em forma de cartas:

Carta 1

Oi Ted, tudo bem?

Esse ano a gente aprendeu tanta coisa sobre teatro...

A professora passou vários textos que nos ajudaram a aprender mais

sobre os atores, iluminação, as formas de direção, etc...

Nós também fizemos bonecos de jornal para dançarem, mas isso só

foi possível porque as partes do corpo eram separadas e cada colega

ficava responsável por mexer uma parte. A minha boneca, ou

melhor, a do meu grupo, era estilo anos 60. Demos o nome de Grace

Kelly...

Agora vou encerrar a carta, ok?

Tchau!

Aluna do ciclo III

Carta 2

Cara professora Sandreli,

Construindo esse boneco e fazendo a apresentação, pude ver quanto

é bom trabalhar em equipe, porque a apresentação precisa de três

pessoas, uma na mão, uma no pé e a outra na cabeça. Aquele que

segura a cabeça, segura o tronco também. Comparando o boneco de

jornal, o de fantoche e o teatro, prefiro o boneco de jornal.

Aluno do ciclo III

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Eisner (1997) entende que:

“ao realizarem atividades artísticas, as crianças desenvolvem auto-estima e

autonomia, sentimento de empatia, capacidade de simbolizar, analisar, avaliar e

fazer julgamentos e um pensamento mais flexível; Também desenvolvem o senso

crítico e as habilidades específicas da área artística, tornando-se capazes de se

expressar melhor idéias e sentimentos, passam a compreender as relações entre

partes e todo e a entender que as artes são uma forma diferente de conhecer e

interpretar o mundo”.

Dessa forma me parece claro que o ensino de Arte está alicerçado na proposta

triangular dentro das diferentes linguagens artísticas e o aluno, no decorrer do processo será

observado, não sendo o foco somente o produto final, mas sim todos os momentos de

aprendizagem vivenciados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No intuito de aprimorar minha prática pedagógica, inciei o curso de Pedagogia

buscando adquirir mais conhecimentos relevantes ao meu trabalho, compreendendo melhor

o comportamento e o desenvolvimento infantil.

Acredito que alfabetizar é mais que a aquisição de signos de um sistema de

representação. É escrever com letras, desenhos, com o corpo todo, por dentro e por fora,

com sentido e sentimento. É musicalizar, dançar, cantar, pintar, tornar palpável, visível,

envolvente.

Nesse sentido, é preciso considerar diversos fatores que limitam a aprendizagem e

tornam a escola uma ilha, quando na verdade ela deve ser um universo aberto às viagens,

explorações, descobertas.

Quando um professor entrega desenhos prontos ou contornos para os alunos

colorirem ou recortarem ele está impondo valores e sentidos e, além disso, dizendo

subjetivamente: “Você é incapaz de desenhar por si próprio, de criar qualquer coisa, você

deve se restringir aos limites impostos pelos mais capazes”.

Page 41: Nery,S.G - Arte e Educação - TCC

35

Sob essa perspectiva também encontra-se a alfabetização com ênfase no código,

baseada em exercícios de repetição, cópias exaustivas, completamente fora da realidade.

Não existe espaço para a expressão.

A expressão pessoal de valores, sentimentos e significações devem ser resgatados

no interior das escolas, pois somente desse modo a aprendizagem se efetivará com todo o

encantamento que ela merece e que fascina os indivíduos desde os tempos mais remotos.

As linguagens da Arte (artes-visuais, música, dança e teatro) e os milhares de fios

que cada uma gera, envolvem também a escrita, mas de uma forma harmoniosa, que evolui

do desenho, da imaginação criativa, onde o aluno possa expressar-se verbal, musical,

corporal e graficamente, para que ele, como um todo, interaja em seu meio social.

É aliando a prática às teorias que poderemos compreender melhor as dúvidas que

diariamente nos afligem e alimentarmos nossos sonhos de ver no futuro, nossos alunos

como grandes seres humanos, felizes, críticos, reflexivos, solidários e conscientes de seu

papel na sociedade.

A educação de qualidade não é uma utopia. É possível mudar o que ainda precisa

ser melhorado, desde que usando as teorias e sonhando acordado, trabalhando, pesquisando

e crescendo com criatividade, nós professores encontremos caminhos e tenhamos ideais,

pois sem ideais não pode haver futuro e o futuro é sem dúvida aqui e agora.

Page 42: Nery,S.G - Arte e Educação - TCC

36

REFERÊNCIAS:

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BOFF, Leonardo. A águia e a galinha. Uma metáfora da condição humana. Petrópolis, RJ:Vozes, 1997.

BUARQUE, Chico. Uma palavra. Disponível em www.chicobuarque.com.br. Acesso emjunho de 2005.

BUNRAKU ( teatro negro), disponível em www.japaoonline.com/pt/bunraku1.htm,Acesso em junho de 2005.

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