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Boletim da SBNp - Atualidades em Neuropsicologia 09.19 www.sbnpbrasil.com.br Neuropsicologia do Esporte

Neuropsicologia do Esporte€¦ · SBNp Jovem. Editada em: novembro de 2019 Última edição: agosto de 2019 Publicada em: novembro de 2019 Sociedade Brasileira de Neuropsicologia

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Boletim da SBNp - Atualidades em Neuropsicologia

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Neuropsicologia do Esporte

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Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (SBNp)

PresidenteDeborah Amaral de Azambuja

Vice-presidenteRochelle Paz Fonseca

Tesoureira GeralAndressa Moreira Antunes

Tesoureira ExecutivaBeatriz Bittencourt Ganjo

Secretária GeralKatie Almondes

Secretária ExecutivaLuciana Siqueira

Conselho delibetarivoAnnelise Júlio Costa

Leandro Malloy-DinizJosé Neader AbreuPaulo Mattos

Conselho FiscalFernando Costa PintoLucia Iracema MendonçaMarina Nery

SBNp Jovem

PresidenteVictor Polignano Godoy

Vice-presidenteThais Dell’Oro de Oliveira

Secretário GeralLucas Matias Felix

Membros da SBNp JovemAlberto Timóteo (MG)Alexandre Marcelino (MG)Ana Luiza Costa Alves (MG)André Ponsoni (RS)Emanuelle Oliveira (MG)Érika Pelegrino (RJ)Giulia Moreira Paiva (MG)Luciano Amorim (PA)Maila Holz (RS)Marcelo Leonel (RJ)Mariana Cabral (MG)Mariuche Gomides (MG)Patrícia Ferreira da Silva (RS)Priscila Corção (RJ)Waleska Sakib (GO)

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Expediente

Editora-chefeGiulia Moreira Paiva

Editoras assistentesMariuche Rodrigues GomidesThaís Dell’Oro de Oliveira

Coordenador editorialAlexandre Marcelino

Projeto gráfico e editoraçãoLuciano da Silva Amorim

Equipe de revisoresAlina TodeschiCamila BernardesEmanuel QuerinoGiulia Moreira PaivaIsabela GuimarãesLucas Matias FélixThaís Dell’Oro de OliveiraVictor Polignano Godoy

Revisores desta edição

Giulia Moreira PaivaMestranda em Neurociências (ICB-UFMG). Tutora do Programa de Capacitação em Neuropsicolo-gia realizado pela Federação dasAPAEs de MG. Editora-chefe daSBNp Jovem.

Editada em: novembro de 2019Última edição: agosto de 2019Publicada em: novembro de 2019

Sociedade Brasileira de Neuropsicologia

Sede em: Avenida São Galter, 1.064 - Alto dos PinheirosCEP: 05455-000 - São Paulo - [email protected]

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Sumário

REVISÃO HISTÓRICAConcussão cerebral esportiva: aspectos psicométricos dos intrumentos de avaliação

REVISÃO ATUALEsporte em contexto escolar: quais as evidências para efeitos cognitivos da prática esportiva?

RELATO DE PESQUISAOrigens das pesquisas em neuropsicologia do esporte: a con-cussão no futebol americano e no boxe de alto rendimento

ENTREVISTA

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Concussão Cerebral Esportiva: Aspectos Psicométricos dos Intrumentos de Avaliação

REVISÃO HISTÓRICA

A neuropsicologia do esporte é definida como uma especialidade da neuropsicologia clínica que estuda a relação cérebro-comportamento, intervindo no tratamento de lesões cerebrais decorrentes da prática esportiva (Maerlender, 2018). Segundo a Sports Neuropsychology So-ciety (2018), o maior foco da neuropsicologia do esporte é a avaliação e acompanhamento da evolução das lesões, em casos de concussão cerebral esportiva. Com isso, o conhecimento psicométrico dos instru-mentos de avaliação é considerado base específica de especialização para os profissionais que pretendem trabalhar com a neuropsicologia do esporte.

As concussões cerebrais podem ser consideradas agudas, quando relacionadas a um evento traumático, ou crônicas, proveniente de um evento traumático com consequencias em longo prazo ou devido à recorrência de vários eventos traumáticos, de diferentes magnitudes. Os principais sintomas, em curto prazo, das concussões cerebrais são: perda da consciência, diminuição do equilíbrio, convulsões, sonolência, náuseas, dores de cabeça, hipersensibilidade a luz, irritabilidade, con-fusão mental, hipersensibilidade ao som. Os principais sintomas de lon-go prazo incluem: perda progressiva de memória, perda progressiva no tempo de reação e velocidade de processamento, desenvolvimento de transtornos psiquiátricos, dificuldade de planejamento e raciocínio lógi-co (Ianof et al., 2014).

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Talita Rocha Santos e Marcela Mansur-Alves

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Broglio e Puetz (2008) avaliaram 39 estudos que avaliaram concus-são em atletas ocorridas 1 dia e 14 dias após as lesões, utilizando três métodos de avaliação: bateria de testes neuropsicológicos, controle postural e sintomas por meio de autorrelato. Os autores encontraram efeitos negativos em três diferentes formas de avaliação. Os atletas aci-dentados apresentaram menor pontuação em tarefas relacionadas ao tempo de reação e memória de curto prazo, quando comparados com a população normal. Além disso, descreveram em avaliação de autor-relato a presença de sintomas como: insônia, confusão mental, altera-ção de humor nos primeiros dias após a concussão cerebral esportiva. As avaliações de controle postural apresentaram resultados negativos condizentes com as avaliações neuropsicológicas e de autorrelato, indi-cando o caráter multifacetado no processo de avaliação. Além disso, foi encontrado redução dos efeitos negativos, em todas as medidas, quan-do a avaliação foi realizada 14 dias após a lesão. Os sintomas tendem a diminuir entre 7 a 14 dias após o acidente (McCrea et al., 2013; Prichep et al., 2013; Zhu et al., 2015).

Nesse contexto, o desafio concentra-se em selecionar instrumentos que apresentam validade para atletas de alto rendimento, com sensibili-dade para identificar possíveis prejuízos decorrentes da lesão, e especi-ficidade para avaliar a recuperação da concussão, indicando que o atle-ta está em condições de retornar suas atividades. Maerlender (2018) considera que a falta de um conjunto de biomarcadores para esse tipo de lesão, dificulta o seu diagnóstico, uma vez que a prevalência de con-cussões cerebrais no esporte é aumentada devido à recorrência de traumatismos cranianos leves, na maioria das vezes assintomática em curto prazo.

A American Academy of Clinical Neuropsychology (AACN), juntamente com a American Board of Professional Neuropsychology (ABN) e Natio-nal Academy of Neuropsychology (NAN), têm estado na vanguarda de iniciativas científicas e políticas para conscientização de atletas, treina-dores e pais sobre o reconhecimento e avaliação das concussões. Além disso, é exigida a remoção imediata dos atletas suspeitos de terem so-frido lesões cerebrais e a suspensão das atividades, até que o atleta seja passado por outras avaliações que certifiquem sua recuperação para a prática esportiva (Echemendia et al., 2012).

A National Football League (NFL) integrou diversos instrumentos para avaliação de concussões em seus jogadores. No início dos anos 2000,

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a NFL contava com uma bateria de avaliação com duração aproximada de 30 minutos (Pellman et al., 2004). Faziam parte da bateria o teste de aprendizagem e memória verbal Hopkins Verbal Learning Test (Brandt, 1991). Outro teste utilizado era o Brief Visuospatial Memory Test (Be-nedict, 1997), com a finalidade de avaliar a memória visual. Para avalia-ção da velocidade de processamento e planejamento utilizava-se o Trail Making Test (Reitan & Wolfson, 1985). Faziam parte da bateria, ainda, o teste de fluência verbal Controlled Oral Word Association Test (Benton & Hamsher, 1989) e três subtestes da WAIS III (Wechsler, 1997), Pro-curar Símbolos, Código e Dígitos, que avaliam velocidade de processa-mento, organização perceptual, memória de curto prazo e memória de trabalho.

Apesar de essa bateria ter sido amplamente utilizada pelos times da NFL no início do século XXI, e ainda hoje servirem para avaliação de linha de base em alguns times (Maerlender, 2018), a avaliação no for-mato digital tem ganhado espaço, por apresentar vantagens. Segundo Brittany e Jefferey (2010), a avaliação digital possibilita maior precisão da marcação do tempo de reação e da velocidade de processamento, facilidade no armazenamento de dados e facilidade de apresentação de itens aleatórios que minimizam o efeito de prática. Esse último ponto é especialmente relevante, uma vez que a American Academy of Clini-cal Neuropsychology (AACN) exige avaliação anual de todos os atletas de esporte de contato, para avaliar efeitos da concussão a longo prazo (Echemendia et al., 2012).

Atualmente 9 baterias digitais apresentam validade preditiva e con-corrente para concussão esportiva (Maerlender, 2018). Bleiberg et al., (2000) avaliaram 122 atletas escolares por meio da bateria digital Auto-mated Neuropsychological Assessment Metric (Kane & Reeves, 1997), que avalia tempo de reação simples, memória de curto prazo, proces-samento matemático e processamento espacial, por meio de 5 tarefas. Os autores compararam o desempenho dos atletas com medidas tra-dicionais utilizadas na NFL, encontrando concordância entre as medi-das neuropsicológicas, o que fornece apoio à validade de construto da ANAM. Resultados similares foram encontrados por Collie et al. (2003), que compararam os resultados de 240 atletas de elite australianos por meio da bateria digital CogSport, com os testes tradicionais Trail Making Test (Reitan & Wolfson, 1985) e o Subteste Dígitos (Wechsler, 1997).

Outra bateria comumente utilizada no contexto esportivo é a Concus-

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sion Resolution Index (CRI), aplicada em plataforma online. A bateria foi construída especificamente para a avaliação de concussões cerebrais esportivas, sendo composta por seis subtestes que avaliam tempo de reação, organização perceptual e velocidade de processamento. O CRI apresenta evidências de validade concorrente, apresentando correla-ções estatisticamente significativas com o subteste Procurar Símbo-los da Escala Wechsler de inteligência para adultos (WAIS- III) e Trail Making Testing (Erlanger et al., 2003).

Schatz e Sandel (2013) avaliaram 81 atletas três dias após sofrerem concussão esportiva, divididos em dois grupos: atletas que relataram sintomas e um grupo assintomático. Nesse estudo foi utilizado a bateria digital ImPACT (Maroon et al., 2000) que avalia memória verbal e visual, velocidade de processamento, tempo de reação e controle inibitório. O instrumento apresentou 91,4% de sensibilidade e 69,1 % de especifici-dade. Para o grupo de atletas suspeitos de esconderem sua lesão, na avaliação de autorrelato, o teste apresentou 94,6 % de sensibilidade e 97,3% de especificidade.

Um ponto de interesse no estudo e avaliação das concussões cerebrais esportivas são os seus efeitos em longo prazo, principalmente no que se refere à recorrência das lesões. Hume et al. (2017) verificaram a valida-de preditiva da bateria digital CNS Vital Signs, composta por sete sub-testes que avaliam tempo de reação motor, velocidade de processa-mento funções executivas, atenção simples, memória verbal e atenção concentrada. Os pesquisadores avaliaram 366 ex-jogadores de Rugby, (média de idade 43,3 ± 8,2 anos), divididos em grupo com histórico de concussão e sem histórico de concussão. O grupo com histórico de concussão apresentou pior desempenho em testes de atenção com-plexa, velocidade de processamento e funções executivas. Além disso, todos os grupos apresentaram resultados piores em tempo de reação e memória verbal quando comparado com as normas estadunidenses.

No contexto brasileiro não existe regulamentação para a avaliação de concussões cerebrais esportivas. A Confederação Brasileira de Fute-bol (CBF), por orientação da FIFA (Federação Internacional de Futebol) apresentou em 2014 a Concussion Recognition Tool (CRT), uma ferra-menta para auxílio no diagnóstico de concussão cerebral, baseada em sintomas clínicos e de autorrelato, observados quando ocorre algum acidente durante as partidas de futebol. A avaliação médica é funda-mental para a remoção do atleta da partida e encaminhamento imediato

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ao hospital, quando necessário.

Assim, apesar do avanço do protocolo médico de avaliação de concus-sões durante uma partida de futebol, em 2014, não há regulamentações em relação ao controle do efeito da concussão após os primeiros sin-tomas. Ademais, parte da avaliação é feita por meio do autorrelato do atleta, podendo ser omitidos sintomas importantes, devido ao receio da remoção em determinada partida. No que se refere aos prejuízos, em longo prazo, a avaliação neuropsicológica, além de oferecer medidas mais objetivas, possibilita o acompanhamento de possíveis comprome-timentos cognitivos mesmo quando os sintomas físicos da concussão aguda não estejam presentes.

Ressalta-se, ainda, que embora o foco desse artigo tenha sido a neu-ropsicologia do esporte, mais especificamente, a reflexão sobre a im-portância da avaliação e verificação de parâmetros psicométricos dos testes cognitivos para uso no Esporte, aplicado às concussões, são muitas as aplicabilidades da avaliação neuropsicológica para o cam-po do Esporte. Considerando uma perspectiva não clínica, a avaliação de funções cognitivas superiores são importantes para identificação de talentos esportivos. Além disso, possibilita a compreensão do per-fil cognitivo dos atletas, importante para o estudo de metodologias e didáticas de treinamento esportivo que maximizem o desenvolvimento cognitivo dessa população.

REFERÊNCIAS

Bleiberg, J., Kane, R. L., Reeves, D. L., Garmoe, W. S., & Halpern, E. (2000). Fac-tor analysis of computerized and traditional tests used in mild brain injury rese-arch. The Clinical Neuropsychologist, 14, 287–294. http://dx.doi.org/10.1076/1385-4046(200008)14:3;1-P;FT287 Broglio, S. P., & Puetz, T. W. (2008). The effect of sport concussion on neurocognitive function, self-report symptoms and postural control: A meta-analysis. Sports Medici-ne, 38, 53–67. http://dx.doi.org/10.2165/00007256-200838010-00005 Collie, A., Maruff, P., Makdissi, M., McCrory, P., McStephen, M., & Darby, D. (2003) CogSport: Reliability and correlation with conventional cognitive tests used in post-concussion medical evaluations. Clinical Journal of Sport Medicine, 13, 28–32. http://dx.doi.org/10.1097/00042752-200301000-00006 Echemendia, R. J., Bruce, J. M., Bailey, C. M., Sanders, J. F., Arnett, P., & Vargas, G.

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(2012). The utility of post-concussion neuropsychological data in identifying cognitive change following sports-related MTBI in the absence of baseline data. The Clinical Neuropsychologist, 26(7), 1077-1091. https://doi.org/10.1080/13854046.2012.721006

Erlanger, D., Feldman, D., Kutner, K., Kaushik, T., Kroger, H., Festa, J., & Broshek, D. (2003). Development and validation of a web-based neuropsychological test protocol for sports-related return-to-play decision-making. Archives of Clinical Neuropsycho-logy, 18(3), 293-316. https://doi.org/10.1093/arclin/18.3.293

Hume, P. A., Theadom, A., Lewis, G. N., Quarrie, K. L., Brown, S. R., Hill, R., & Marshall, S. W. A. (2017). A comparison of cognitive function in former rugby union players com-pared with former non-contact-sport players and the impact of concussion history. Sports Medicine, 47, 1209–1220.

Ianof, J. N., Freire, F. R., Calado, V. T. G., Lacerda, J. R., Coelho, F., Veitzman, S., & Basile, L. F. H. (2014). Sport-related concussions. Dementia & neuropsychologia, 8(1), 14-19. http://dx.doi.org/10.1590/S1980-57642014DN81000003.

Kane, R. L., & Kay, G. G. (1997). Computer applications in neuropsychological asses-sment. In Contemporary approaches to neuropsychological assessment (pp. 359-392). Springer, Boston, MA.

Maerlender, A. (2019). The validity of neuropsychological tests in sports-related con-cussions. In P. A. Arnett (Ed.), Neuropsychology of sports-related concussion (pp. 225-265). Washington, DC, US: American Psychological Association. http://dx.doi.org/10.1037/0000114-010

McCrea, M., Guskiewicz, K., Randolph, C., Barr, W. B., Hammeke, T. A., Marshall, S. W, Kelly, J. P. (2013). Incidence, clinical course, and predictors of prolonged recovery time following sport-related concussion in high school and college athletes. Journal of the International Neuropsychological Society, 19, 22–33. http://dx.doi.org/10.1017/S1355617712000872 Pellman, E. J., Lovell, M. R., Viano, D. C., Casson, I. R., & Tucker, A. M. (2004) Concus-sion in professional football: Neuropsychological testing—Part 6. Neurosurgery,Prichep, L. S., McCrea, M., Barr, W., Powell, M., & Chabot, R. J. (2013). Time course of clinical and electrophysiological recovery after sport-related concussion. The Journal of Head Trauma Rehabilitation, 28, 266–273. http://dx.doi.org/10.1097/HTR.0b013e-318247b54e Schatz, P., & Sandel, N. (2013). Sensitivity and specificity of the online version of Im-PACT in high school and collegiate athletes. The American Journal of Sports Medicine, 41, 321–326. http://dx.doi.org/10.1177/0363546512466038

Zhu, D. C., Covassin, T., Nogle, S., Doyle, S., Russell, D., Pearson, R. L., Kaufman, D. I. (2015). A potential biomarker in sports-related concussion: Brain functional con-nectivity alteration of the default-mode network measured with longitudinal restin-g-state fMRI over thirty days. Journal of Neurotrauma, 32, 327–341. http://dx.doi.org/10.1089/neu.2014.3413

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Esporte em Contexto Escolar: quais as evidências para efeitos cognitivos da prática esportiva?

REVISÃO ATUAL

A prática regular de atividades físicas tem mostrado benefícios signifi-cativos, tanto na saúde física quanto na saúde mental. Além do o melhor controle do peso corporal, regulação da alimentação, a prática regular de atividade física colabora para diminuição da possibilidade de des-fechos negativos em saúde, melhoria da autoestima, do bem-estar e do autoconceito (Hills, Dengel & Lubans, 2015; Liu, Wu, & Ming, 2015).Quando se trata de crianças em idade escolar, os efeitos da prática de atividades físicas são ainda mais importantes, pois dão suporte a um desenvolvimento físico saudável, além do desenvolvimento social, uma vez que o esporte constitui-se como uma ferramenta de interação en-tre a criança e seus pares. Consoante a isto, as escolas brasileiras, de acordo com o 3º parágrafo do artigo 26 da lei 9.394/96, que institui a Educação Física como componente curricular obrigatório da educa-ção básica, constituem-se como espaço adequado para a promoção do desenvolvimento integral dos estudantes, incluindo o desenvolvimento físico e motor (Stein, Guimarães, Cardoso & Machado, 2015).

Atualmente, alguns autores, como De Greff, Bosker, Oosterlaan, Viss-cher & Hartman (2018), têm apontado o impacto significativo e positivo de atividades físicas para crianças e adolescentes em idade escolar em

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Luciano da Silva Amorim e Talita Rocha Santos

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diversos domínios cognitivos, como as funções executivas.

Funções executivas, de acordo com o modelo de Diamond (2013), são processos cognitivos que possibilitam o desempenho de tarefas diárias. Tais tarefas utilizariam da integração dos componentes das funções executivas, a saber: memória de trabalho, que é o componente que sus-tenta a habilidade de retenção e manipulação mental de informações quando o estímulo já não está mais presente; controle inibitório, que é a capacidade de inibir respostas prepotentes, ou seja, que um indivíduo já estaria fortemente disposto a emitir, além de inibir reações a distrato-res ou interromper respostas que já estão sendo emitidas; e flexibilida-de cognitiva, que é a capacidade de alternar ações e pensamentos de acordo com o exigido pelo ambiente, ou seja, mudar de perspectiva ou ponto de vista. E as funções executivas se relacionam amplamente com desfechos importantes na vida escolar e profissional futura (Diamond, 2013; Malloy-Diniz et al., 2014).

Além do impacto nas funções executivas, De Greeff et al. (2018) apon-tam efeitos positivos significativos da prática de atividades físicas nos componentes de atenção seletiva, compartilhada e sustentada, e no desempenho acadêmico da matemática, escrita e leitura. Sendo assim, nesta revisão, busca-se apontar algumas evidências de efeitos gerados pela prática de atividades físicas, dando especial foco ao contexto escolar das aulas de educação física e, portanto, aos domí-nios de funções executivas e desempenho escolar.

Watson, Timperio, Brown, Best & Hesketh (2017) investigaram em uma metanálise os efeitos gerados por intervalos de atividades físicas an-teriores às aulas, dentro ou não de uma disciplina de educação física, em amostra que variavam de 2 a 12 anos de idade. As atividades, re-portadas em 39 artigos, apresentavam diferentes metodologias. Algu-mas eram desenvolvidas utilizando exercícios aeróbicos, sem outros instrumentos; e outras utilizavam instrumentos, como bolas e vídeos de dança. A duração das atividades também variava de 4 minutos de atividades mais intensas semanais para 20 minutos de atividades com intensidade moderada duas vezes por dia.

Apesar do estudo não apontar evidências de efeitos diretos em funções executivas, três estudos apontaram efeitos positivos pelas atividades físicas no domínio de atenção seletiva (Altenburg, Chinapaw, & Singh,

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2016; Janssen et al., 2014; Ma, Le Mare, & Gurd, 2015). Em relação ao desempenho acadêmico, por outro lado, foram encontradas melhorias, principalmente a partir de um ano de intervenções. As medidas utiliza-das para avaliação do desempenho, no entanto, variam de estudo para estudo. Muito provavelmente, os resultados, que são inconsistentes com o esperado na literatura, segundo os próprios autores, podem ser explicados pelo fato dos estudos utilizarem exercícios físicos com bai-xos níveis de engajamento cognitivo. Sugere-se, portanto, que a prática de exercícios físicos combinada a demandas cognitivas, como interva-los com atividades acadêmicas, poderia gerar os resultados de efeito apontados na literatura.

Por sua vez, De Greeff et al. (2018) avaliaram 31 estudos de interven-ção, entre 2000 e 2017, que buscavam apontar a existência ou não de impactos de atividades físicas em funções executivas, considerando os componentes de memória de trabalho, controle inibitório, flexibilidade cognitiva e planejamento) e em outros domínios cognitivos.

Apesar de não fazer um recorte específico para o contexto de aulas de educação física, os estudos revisados apontaram que os efeitos signifi-cativos apenas apareceram em amostras que tiveram práticas regulares de atividades físicas - o que poderia ser adaptado às práticas sema-nais realizadas em disciplinas de educação física. A prática intensa, mas sem regularidade, não apresentou resultados significativos, apenas um efeito pequeno a moderado no componente de controle inibitório. Da mesma forma, no que diz respeito ao desempenho acadêmico, apenas os estudos com práticas crônicas de atividades físicas tiveram efeitos significativos no componente geral de desempenho acadêmico. Quan-do analisados separadamente, os subcomponentes de desempenho em matemática, leitura e escrita não apresentaram melhorias signifi-cativas. Um efeito positivo moderado foi encontrado em alguns artigos que descreveram atividades aeróbicas (De Greeff et al., 2018).

Os mecanismos que possibilitariam os efeitos citados anteriormente, como a melhora no desempenho em funções cognitivas, desempenho acadêmico, ou em subdomínios da atenção e da memória, permane-cem ainda pouco explorados. Segundo Merege et al. (2017), o mais provável, quando se considera os tipos de exercício agudo e regular, é que, no caso da prática aguda, os efeitos seriam causados pelo au-mento do fluxo sanguíneo cerebral ou aumento na atividade de neuro-transmissores. Por outro lado, no caso da prática regular, a hipótese é de

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que as atividades físicas poderiam possibilitar adaptações estruturais no cérebro[trs5] , e os resultados dessa mudança seriam responsáveis pelas melhorias cognitivas. Segundo o autor, ainda no caso da prática de exercícios aeróbicos regulares, no entanto, as melhorias apontadas seriam causadas pelo alto nível de atividade nas regiões corticais pré--frontal e parietal. Num nível molecular, os eventos geradores dessa mudança seriam a proliferação de novos capilares cerebrais, a neuro-gênese e o surgimento de novas conexões sinápticas, devido a ação de hormônios, como o cortisol.

Ainda que as evidências apontem para efeitos positivos relacionados à prática de atividades físicas, quer seja no ambiente escolar ou fora dele, a ampla variabilidade de estilos de intervenção também dificulta a compreensão dos mecanismos subjacentes às melhorias no desem-penho acadêmico e domínios cognitivos. O mais adequado, portanto, de acordo com Álvarez-Bueno et al. (2017) é que as pesquisas futuras busquem construir protocolos dirigidos às metas de desenvolvimento físico, social e cognitivo a fim de guiar as práticas de educação física nas escolas.

A importância desses protocolos se torna ainda mais evidente se con-siderarmos o contexto de escolas públicas brasileiras as quais, em sua grande maioria, não dispõem de recursos suficientes para a compra de equipamentos ou mesmo não têm o espaço adequado para as aulas de educação física. Uma saída possível também para esse cenário, como apontado nos estudos citados e fortemente recomendado por Merege et al. (2017), é a prática de exercícios aeróbicos que utilizam o próprio corpo da criança, como correr ou pular.

Conclusão

Os estudos apresentados apontam para evidências de efeitos positivos e significativos da prática esportiva no desenvolvimento cognitivo de crianças e adolescentes, além dos amplamente corroborados benefí-cios físicos e sociais. A compreensão dos mecanismos fisiológicos que apoiam tais benefícios é de suma importância para uma prática adequa-da e direcionada ao objetivo de influenciar, de fato, aspectos cognitivos. A escola se constitui como espaço adequado para essas práticas, uma vez que, por meio da disciplina de educação física, possibilita o acesso desses indivíduos ao esporte. No entanto, as principais limitações ainda

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são a falta de recursos e de protocolos adequados para direcionamento das aulas.

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Origens das Pesquisas em Neuropsicologia do Esporte: a concussão no futebol americano e no boxe de alto rendimento

RELATO DE PESQUISA

Em meados dos anos 2000, um médico legista nigeriano, radicado na Pensilvânia, nos Estados Unidos, estava de plantão no Instituto Médico Legal da cidade de Pittsburgh quando o corpo de um sujeito forte, com pouco mais de 50 anos de idade, chegou para perícia. O paciente so-freu uma parada cardíaca advinda de uma patologia coronariana. Seria apenas mais uma das dezenas de perícias realizadas naquele dia pelo Dr. Bennet Omalu, se não fosse por um detalhe: o histórico de vida do paciente. O De cujus apresentava, em vida, quadros de transtorno do humor (i.e., ansiedade e depressão), tremores e descontrole motor—tí-picos da Doença de Parkinson ou Doença de Alzheimer (DA)—e com-prometimento cognitivo global. A probabilidade de que a DA poderia explicar o quadro sintomático era grande; a patologia coronariana pa-recia associada a algum mau funcionamento do sistema nervoso, o que corroborava ainda mais com a suspeita de DA.

O exame post-mortem, no entanto, revelou que os emaranhados neuro-fibrilares, o aumento e inflamação das células gliais e a perda neuronal não estavam presentes; logo, a hipótese de DA foi rejeitada. Para des-cartá-la totalmente, a genotipagem da apolipoproteína E foi conduzida.

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Não havia polimorfismos, portanto, não era DA.

O exame iria para as estatísticas como mais uma vítima das doenças cardíacas que tanto acometem as pessoas nos dias contemporâneos, não fosse o olhar curioso do Dr. Omalu; o médico não aceitaria a ausên-cia de alterações no sistema nervoso central (cérebro + tronco cerebral) do indivíduo por causa dos relatos de comportamento anormal no seu prontuário. Com a paciência típica dos legistas forenses, ele constatou outras alterações no cérebro do paciente—e essa constatação mudou os rumos da investigação pericial: havia excesso de proteínas tau nas placas neuríticas do córtex pré-frontal, alta concentração de placas amilóides difusas nas regiões parietais e temporais do córtex, e palidez da substância nigra devido ao aumento de entrada de água no neurônio (lesões isquêmicas causadas por edemas citotóxicos modificam o fun-cionamento da bomba de sódio potássio, facilitando a entrada de líqui-dos).Tudo indicava que o paciente havia sofrido dezenas de pequenos traumatismos crânio encefálicos (TCEs) ao longo de sua vida. Parecia que as alterações cognitivas e do humor, bem como suas repercussões no sistema nervoso periférico, estavam explicadas graças às modifica-ções neurofisiológicas do cérebro do sujeito.

A próxima pergunta a povoar a mente de Bennet Omalu foi: o que pode-ria ter causado essa quantidade tão significativa de microlesões? Mais uma vez o prontuário do paciente foi a fonte mais fidedigna de infor-mação: o falecido havia jogado por 12 anos na National Football Lea-gue (NFL). Contando o período escolar e universitário, foram quase 20 anos ininterruptos de prática do futebol americano. No meio do esporte, os TCEs leves são conhecidos como concussões. Então, os capacetes não impediram as concussões, não reduziram a quantidade de impac-tos na cabeça, muito menos das acelerações e desacelerações bruscas associadas ao esporte. Consequência? Dezenas, talvez centenas de concussões causadas pelo impacto do cérebro com a caixa craniana. A longo prazo, essas lesões causaram alterações permanentes no siste-ma nervoso do atleta, o que gerou o comportamento anormal.

Dr. Omalu quis levar seus achados a público para aumentar a consciên-cia dos atletas e autoridades esportivas sobre a importância de prevenir e tratar as concussões, até a pronta recuperação do atleta. Ele publicou, com colaboradores da Universidade de Pittsburgh, um artigo sobre os resultados desse exame que ficou mundialmente conhecido (Omalu et al., 2005). Apesar dos estudos sobre concussão serem historicamente

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anteriores (datam da década de 1960), o esporte possui, em si, a ideia atrelada de saúde; atletas são indivíduos saudáveis e felizes, segundo o estereótipo. Parece estar tudo bem falar de concussão quando alguém cai da escada e bate a cabeça, ou quando alguém sofre um acidente de carro, até mesmo quando um policial derruba um bandido qualquer; mas dizer que há concussão quando um pugilista acerta seu adversário na cabeça, ou que há lesão quando um jogador de futebol bate com a cabeça na bola, aí é demais.

Os resultados do exame pericial desse atleta da NFL dizia o contrário sobre o que se pensa de maneira hegemônica no esporte: o sofrimento e a saúde mental eram uma questão grave, mas que o mundo esporti-vo não estava disposto a aceitar. Foi Dr. Bennet Omalu quem carregou essa bandeira para os corredores de donos de times e de organizações esportivas ligadas ao futebol americano. Ao levantar essa bandeira, vie-ram juntas as ameaças à sua vida e de sua família. No final, ficou tudo bem. O médico continua a trabalhar e pesquisar a relação da concussão com o esporte, e as associações de jogadores passaram a cuidar de seus profissionais, financiando pesquisas que ajudem a prevenir e inter-vir em jogadores que sofreram concussões (Omalu et al., 2010).

Esse plot hollywoodiano poderia ser apenas uma invenção da cabeça genial de um escritor, se não fosse verdade. De fato, a história de Dr. Omalu parou nas telas de cinema em 2015 na película Concussion (no Brasil, o filme foi batizado como: Um homem entre gigantes)estrelado por ninguém menos que Will Smith na pele do médico legista. Fica a recomendação.

Mas não é sobre a incrível história do homem que desafiou a noção de que atletas são seres superiores e supersaudáveis que trata este capí-tulo. Aqui, vamos estudar de que maneira a concussão está relacionada às modalidades de lutas e artes marciais, quais as evidências que temos atualmente na literatura e como os estudos inaugurais sobre TCEs, saú-de mental e esporte podem delinear um futuro promissor nas pesquisas da psicologia e das demais ciências do desporto. Mesmo assim, conhe-cer o percurso histórico e a recência da temática é contextualizador.

Boxeadores sofrem concussões? Abertura das Olimpíadas de 1992 em Barcelona, um dos maiores pugi-

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listas de todo mundo, Mohammed Ali, estende as mãos trêmulas para acender a flecha que iria ser lançada à pira olímpica. Pessoas do mun-do todo constataram atônitas os sintomas da Doença de Parkinson que pareciam acometer o boxeador; os tremores, a dificuldade de locomo-ção e o olhar melancólico daquele que é um dos maiores ícones do es-porte mundial. Naquela época, pouco se sabia da concussão no esporte e muito menos da sua cronicidade. Em meados da década de 1990, o boxe vivia a era de ouro dos pesos pesados, com Mike Tyson, Evander Hollyfield e James Buster Douglas entre os atletas mais bem pagos do mundo. Não se podia—ou não se queria—admitir que esses indivíduos, ídolos globais do esporte, poderiam estar sob o risco de terem com-prometidas suas funções cognitivas, emocionais, motoras e sociais por conta do excesso de socos diretos na cabeça.

Foi somente em 1999 que pesquisadores da Universidade de Colúmbia publicaram a consolidação dos achados, ainda recentes, sobre a rela-ção de repetidas concussões em boxeadores e sintomas semelhantes à DA e à Doença de Parkinson, mas que não poderiam ser assim con-siderados, dada a etiologia distinta dos comprometimentos cognitivos, emocionais e motores (Erlanger et al., 1999). A neuropatologia passou a ser conhecida como Demência Pugilística (DP) e seu tratamento difere em muitos sentidos dos tratamentos dados às demências tradicionais. A DP é, portanto, uma neuropatologia crônica associada a milhares de acelerações e desacelerações sofridas pela cabeça de um lutador que gera impacto do cérebro contra a caixa craniana. Esse fenômeno ciné-tico e mecânico pode acarretar lesões traumáticas de consequências crônicas, permanentes, no cérebro do lutador. A DP também recebe o nome de encefalopatia traumática crônica (ETC), nome mais técnico e mais encontrado na literatura científica (Mayer et al., 2017).

Se houve consolidação do conhecimento sabido até então, evidente-mente que outras pesquisas a antecederam, mas ainda eram incipien-tes em termos de resultado. Uma das primeiras pesquisas conduzidas com pugilistas foi feita por cientistas do Centro de Serviços de Reabili-tação da Califórnia (Drew et al., 1986). Um estudo do tipo quase-expe-rimental comparou 19 atletas de boxe profissionais com 10 nadadores controle. Os pesquisadores fizeram questão de tomar muito cuidado com a coleta dos dados, considerando participantes do grupo controle com as mesmas características sociodemográficas e escolares que os pugilistas. Os resultados mostraram que o comprometimento cogniti-vo dos boxeadores era significativamente maior que o encontrado nos

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nadadores. Mas, apesar dos achados, o que se acreditava era que os efeitos dos seguidos TCEs eram agudos e limitados, não se acreditava, ainda, na cronicidade das concussões.

Esse dilema fica claro nos levantamentos realizados por Yvonne Ha-glund e Ejnar Eriksson do Instituto Karolinska da Suécia e publicado na Revista Americana de Medicina do Esporte em 1993. Nesse artigo, os neurocientistas compararam 50 boxeadores amadores aposentados com 25 jogadores de futebol e 25 desportistas de atletismo da mesma faixa etária, localização geográfica e nível de escolaridade. Houve uma extensa investigação do comportamento e do cérebro dos participan-tes, usando técnicas de imageamento cerebral, incluindo, ressonância magnética (RM), tomografia e eletroencefalografia (EEG). Os resultados comportamentais corroboraram com os achados de Drew et al. (1996) que confirmaram a presença de comprometimento cognitivo, mesmo que os pugilistas desse trabalho fossem amadores. Já os resultados de imageamento cerebral não mostraram nenhuma diferença morfoana-tômica entre os participantes; contudo, o que foi mais marcante foi o resultado do EEG: quanto mais nocautes um boxeador tinha levado na carreira, mais lento era o cérebro dele em responder estímulos auditi-vos—P300 (Haglund; Eriksson, 1993).

O momento mais contundente em relação ao boxe talvez tenha sido o artigo publicado por Mario Mendez, professor da Universidade da Ca-lifórnia—Los Angeles (UCLA) na prestigiosa Revista Internacional de Psiquiatria em Medicina em 1995. O cientista fez uma revisão comple-ta das evidências sobre as concussões e suas reverberações crônicas possíveis como o Parkinsonismo, a DP, transtornos do humor e até a Síndrome do Segundo Impacto (SSI) que pode levar o atleta a óbito. Segundos os resultados desse estudo, os pugilistas apresentam alte-rações crônicas no cérebro cujas consequências podem ser observa-das em sintomas diversos. Do ponto de vista neurológico, a principal alteração é a dificuldade de coordenação motora por conta de tremores e espasmos que podem estar associados à Doença de Parkinson ou à DP. Já do ponto de vista psicológico, as alterações do humor podem levar a respostas agudas de ansiedade, ataques de pânico—não é o mesmo que o desenvolvimento de Transtorno do Pânico, que é outro acometimento patológico—e Transtornos do Espectro Depressivo. Es-sas alterações têm relação direta com a recaptação de serotonina que é prejudicada por conta das placas neuríticas inundadas por proteínas tau e pela depressão do sistema nervoso central com o excesso de líquidos

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nos neurônios devido o mau funcionamento das bombas de sódio e po-tássio (Mendez, 1995).

A SSI é uma neuropatologia aguda que fragiliza o cérebro devido ao au-mento significativo das isquemias que causam edemas citotóxicos no cérebro do sujeito. O aumento de toxicidade combinado com a desre-gulação no funcionamento global do sistema nervoso do sujeito podem causar uma reação em cadeia, gerando disfunção generalizada do cor-po e levar a óbito (Mendez, 1995). Ela recebe esse nome, porque é ob-servada em indivíduos que sofreram duas concussões seguidas - uma após a outra - sem a devida recuperação da primeira. Muitos protocolos foram desenvolvidos ao longo dos anos com o objetivo de evitar a SSI de acontecer no ambiente esportivo. Talvez a parte mais difícil seja a identificação da concussão na hora em que ela ocorre; nem todo kno-ckdown é uma concussão, nem todo tackle é uma concussão, às vezes um estrangulamento que mexe muito com a cabeça do adversário pode ser mais perigoso que um direto, a depender de para onde a cabeça do atleta esteja balançando. Nesse sentido, identificar a presença de con-cussão e afastar o atleta da competição é nevrálgico para salvar vidas. E talvez seja nesse momento que Mendez (1995) é mais contundente; na sua visão, é inerente ao pugilismo o contato, mesmo com protocolos que concussão, mesmo com equipamentos de proteção - luvas, prote-tores bucais, capacetes e amortecedores - e outras formas de preven-ção, é impossível garantir uma margem realmente segura para a práti-ca competitiva desse esporte sem que o risco da SSI possa tirar vidas. Tendo a vida como bem mais precioso em mente, Mario Mendez afirma:

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“O objetivo do boxe é o de infringir traumas ao cérebro do oponen-te. A prática de boxe profissionalmente está associada com uma encefalopatia crônica e acumulativa devida a repetidas pancadas na cabeça. Embora ETC não seja documentada em boxeadores ama-dores, há lesões na cabeça semelhantes aos daquelas em boxea-dores profissionais. Apesar das campanhas de eliminar o esporte, o boxe permanece. Consequentemente, psiquiatras, neurologistas, médicos do esporte e outros precisarão compreender os aspectos neuropsiquiátricos do boxe e das medidas necessárias para prevenir e lidar com seus distúrbios cerebrais” (em tradução livre de Mendez, 1995, p. 257).

E nesse sentido, os atletas de boxe estão sujeitos a toda uma sorte de psico e neuropatologias, todas em crônicas e em função da sua mo-dalidade. O risco de danos permanente e de morte pelos boxeadores

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já justificaria uma campanha de banimento do esporte, pelo menos na sua modalidade profissional. É nessa hora que entra a remuneração e a espetacularização do pugilismo. Fica a reflexão: qual o maior interesse em jogo quando dois boxeadores entram num ringue profissional? Os atletas ou o espetáculo?

REFERÊNCIAS

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ENTREVISTA

Nesta edição, Talita Rocha Santos e Luciano da Silva Amorim entre-vistaram Maicon Rodrigues Albuquerque, educador físico, mestre em Ciências do Esporte (UFMG), doutor em Medicina Molecular (UFMG). Atualmente é professor Adjunto III do Departamento de Esportes da Es-cola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Univer-sidade Federal de Minas Gerais. Orientador de mestrado e doutorado dos programas de Pós-Graduação em Ciências do Esporte (UFMG) e Educação Fisica (UFV / UFJF). Membro do Laboratório de Psicologia do Esporte (LAPES - UFMG) e do Laboratório de Medicina Molecular (Fa-culdade de Medicina - UFMG). Têm experiência na área de Educação Física, com ênfase em Esportes de Luta/Taekwondo, Aprendizagem Motora, Psicologia do Esporte e Neurociência.

Você considera essencial o desenvolvimento de instrumentos es-pecíficos para atletas ao considerar a avaliação neuropsicológica das funções executivas?

Certamente! Por vários motivos! Vou apresentar dois argumentos: 1) Os instrumentos disponíveis são desenvolvidos e validados pensando em sujeitos com algum tipo de deficiência (ex. comparar sujeitos típico com sujeitos com deficiência) e pouco específicos; 2) A grande maioria das ações são realizadas em exercício. Deste modo, como o exercício pro-move alterações neurobiológicas (ex. fluxo sanguíneo e neurotransmis-sores) fica difícil assumir que o desempenho do cérebro em repouso é o mesmo do cérebro em exercício.

Quais as diferenças no desenvolvimento das funções executivas em atletas de alto rendimento e pessoas não-atletas?

Eu entendo que o desenvolvimento é similar, embora entenda que atle-tas apresentam desempenhos melhores, e por isso são atletas! Con-tudo, é importante destacar que as modalidades esportivas são ricas para o desenvolvimento das Funções Executivas. Por exemplo, durante

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a prática esportiva os jogadores precisam reconhecem situações (ex. memória de trabalho), selecionar o movimento mais eficaz dentre todas as opções possíveis (ex. planejamento, raciocínio e criatividade), mo-dificar o planejamento prévio (ex. controle inibitório) e busca de novas soluções (ex. flexibilidade cognitiva e solução de problemas), nas quais exigem respostas. Em resumo, acredito que os esportes podem contri-buir para o desenvolvimento de atletas e não-atletas e podem ser um importante aliado para o tratamento de diversos transtornos relaciona-dos às funções executivas.

Acredita que determinadas modalidades esportivas treinam as funções executivas de atletas de rendimento, e por isso elas podem ser mais desenvolvidas? Ou os atletas de rendimento já apresentam funções executivas mais desenvolvidas e por isso fo-ram “selecionados” para o esporte de alto rendimento?

O processo de formação de um atleta é extremamente complexo! Deste modo, as argumentações mais atuais assumem abordagens interacio-nistas, nas quais consideram tanto a genética como as influências do ambiente. Ou seja, para ser atleta você precisar tanto da genética quan-to de um ambiente favorável para o seu desenvolvimento.

Quais as principais relações entre desenvolvimento motor e de-senvolvimento cognitivo em população com desenvolvimento tí-pico?

Temos resultados recentes mostrando a relação entre o desenvolvi-mento motor e cognitivo de crianças. As principais explicações são: 1) ambos os domínios são desenvolvidos no mesmo indivíduo; 2) Déficits nas Funções Executivas são bem documentados aos transtornos do desenvolvimento (TDAH, Autismo, etc) e que sujeitos com transtornos do desenvolvimento têm maior probabilidade de apresentar motores (comorbidades) associados; 3) Algumas áreas cerebrais (por exemplo, cerebelo, gânglios da base e córtex pré-frontal dorsolateral) estão asso-ciados ao domínio cognitivo e motor. Além disso, gostaria de especular um efeito indireto entre desenvolvimento motor e cognitivo. Ou seja, su-jeitos com níveis mais altos habilidades motoras terão maior repertório motor para atividades físicas e esportes e, deste modo, terão uma per-cepção de competência para se envolver e engajar em atividades desta

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natureza e consequentemente se beneficiarão de alterações neurobio-lógicas cerebrais (incluindo oxigenação, liberação de neurotransmis-sores, neuroplasticidade, dentre outras), bem como de toda riqueza de habilidades cognitivas necessárias durante a prática esportiva.

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