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 1 Franqueza como valor - como desenvolver uma cultura de transparência? por José Luís Neves O que fazer quando as condições da organização não favorecem discussões produtivas e  feedbacks honestos? Todos nós conhecemos situações e ambientes em que é difícil falar com franqueza. Reuniões transcorrem sem debate, apresentações são feitas sem questionamentos, discussões produtivas deixam de existir, textos são reescritos para evitar o uso de t ermos ou expressões que possam dar origem a conflitos. De tão p ouco exercitada, a prática de contrapor argumentos acaba sendo vista no grupo como algo estranho e mesmo indesejável. A qualidade das soluções e da cooperação se ressentem disso. Evitar conflitos em uma organização enfraquece a capacidade de descobrir novos caminhos e de enriquecer iniciativas em desenvolvimento. A falta de franqueza pode afetar a capacidade de antever ou reagir a problemas, fazendo com que esforços tardios de resolução se arrastem de forma indefinida. Pode ainda impedir que os responsáveis pela supervisão geral da organização, aconselhamento e governança exerçam adequadamente seu papel de monitores. Os efeitos se verificam em diversas esferas.

Neves - Franqueza Como Valor

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Transparência e honestidade na empresa.

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    Franqueza como valor - como desenvolver uma cultura de transparncia?

    por Jos Lus Neves

    O que fazer quando as condies da organizao no favorecem discusses produtivas e feedbacks honestos?

    Todos ns conhecemos situaes e ambientes em que difcil falar com franqueza. Reunies

    transcorrem sem debate, apresentaes so feitas sem questionamentos, discusses

    produtivas deixam de existir, textos so reescritos para evitar o uso de termos ou expresses

    que possam dar origem a conflitos. De to pouco exercitada, a prtica de contrapor

    argumentos acaba sendo vista no grupo como algo estranho e mesmo indesejvel.

    A qualidade das solues e da cooperao se ressentem disso. Evitar conflitos em uma

    organizao enfraquece a capacidade de descobrir novos caminhos e de enriquecer iniciativas

    em desenvolvimento. A falta de franqueza pode afetar a capacidade de antever ou reagir a

    problemas, fazendo com que esforos tardios de resoluo se arrastem de forma indefinida.

    Pode ainda impedir que os responsveis pela superviso geral da organizao,

    aconselhamento e governana exeram adequadamente seu papel de monitores. Os efeitos se

    verificam em diversas esferas.

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    O processo de gesto passa a tomar a forma impessoal do preenchimento de formulrios para

    atendimento de exigncias formais mnimas. Apresentaes padronizadas em PowerPoint

    tendem a ocupar o lugar de conjuntos autnticos de ideias estruturadas. Cadernos com textos

    baseados em clichs passam a existir como se pudessem substituir planos estratgicos de

    verdade. Um sistema de metas quantificadas fora passa a ser usado como se pudesse tomar

    o lugar de mtricas afinadas com resultados. Criam-se regras com limites automticos para

    evitar deliberaes. Expresses e chaves politicamente corretos estabelecem uma espcie de

    diplomacia em que tudo discutido polidamente mas a essncia das questes deixa de ser

    tocada. Interlocutores aguardam que o outro pare de falar sem realmente escut-lo porque na

    verdade no tm interesse em conhecer seu ponto de vista. Truques de expresso, sujeitos

    indeterminados, expresses vagas e linguagem ambgua passam a ser a regra nas

    comunicaes. O culto forma e ao evitamento toma o lugar do enfrentamento dos

    problemas.

    As circunstncias nos relembram a importncia de ser franco. Quando uma situao de crise se

    impe, conceitos como o de transparncia e honestidade voltam a ser lembrados. Nesses

    momentos muitas organizaes passam a repensar a lgica de seu fluxo de informaes, as

    posturas de lderes e liderados, a sade dos relacionamentos, a qualidade dos instrumentos

    que deveriam trazer maior transparncia, a maneira pela qual feedbacks so fornecidos e

    recebidos. Dependendo da intensidade e da durao do colapso, pode ser tarde demais; ou

    pode acontecer de o problema da falta de transparncia ser objeto de alguma ateno, mais

    ou menos sria, at que a crise se veja atenuada e enquanto outra crise no sobrevm. A

    alternativa lidar de maneira definitiva com a questo.

    As vantagens de ser honesto

    A palavra "candor" provm do latim candere, que significa brilhar, ter luz. O sentido o de agir

    s claras, isto , de forma pura e imparcial, sem reservas. um conceito ligado ao de

    transparncia (poder enxergar atravs das coisas dada a ausncia de zonas opacas ou

    escondidas). Implica atuar de maneira franca e honesta, com abertura de esprito. O conceito

    expressa uma filosofia; corresponde a uma viso do mundo, dos negcios e do funcionamento

    de uma organizao. A luz funciona como desinfetante.

    Um artigo que Keith Ferrazzi escreveu para a Harvard Business Review (Candor, Criticism,

    Teamwork) sobre a crise do final da dcada passada associa reduzidos ndices de retorno

    financeiro existncia de baixo grau de transparncia na atuao de instituies bancrias.

    Coerentemente, os grupos financeiros que comunicaram com franqueza aspectos de risco de

    investimentos, finanas internas e problemas potenciais tiveram queda menor nos ganhos

    proporcionados a seus acionistas durante a crise. O autor pesquisou tambm o

    comportamento de cinqenta companhias de grande porte e constatou que possvel associar

    maior franqueza nas prticas de trabalho a melhor performance das equipes de trabalho,

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    chamando ateno para o fato de que pedir s pessoas que sejam francas e transparentes fica

    mais difcil se no existe uma cultura organizacional que apie esse tipo de comportamento.

    Trata-se de algo maior, e mais profundo, do que o simples discurso.

    Os motivos do problema no costumam variar muito de empresa para empresa. Para James

    O'Toole e Warren Bennis, professores de Harvard, trata-se de uma combinao de insegurana

    dos gestores com a impresso de que os colaboradores nem sempre so capazes de lidar

    adequadamente com informaes importantes, e com a viso de que reter informaes

    significa ter vantagens e poder. Quando acontece de tais posturas serem premiadas pela

    organizao, o problema cresce; v-se reforado um comportamento que se torna cada vez

    mais difcil de combater. Uma parte da soluo est dentro das pessoas; outra parte est fora

    delas.

    Outro motivo comum para reter informao o medo. Cooperao algo que depende de

    confiana, e esta por sua vez no compatvel com o receio de fazer perguntas inconvenientes

    ou fornecer respostas erradas. Em uma entrevista, Jack Welch afirmou que "em uma

    organizao burocrtica, as pessoas tm medo de falar. Esse tipo de ambiente desacelera

    voc, e no torna melhor o ambiente de trabalho"; sua sugesto desenvolver uma cultura

    que identifique, encoraje e recompense manifestaes honestas, ao mesmo tempo que

    reconhea as diferenas de capacidade e desempenho que existem entre os colaboradores.

    Alm de se sentir segura, a pessoa deve perceber vantagem em explicitar sua posio ou

    entendimento.

    A franqueza pertence ao conjunto de qualidades que so mais valorizadas publicamente do

    que praticadas. difcil exagerar a importncia de um fluxo livre de informao para que as

    empresas possam promover inovaes, reagir diante de ameaas, atender necessidades e

    desejos de clientes e fornecedores e ver seus processos sendo executados com fluidez. A

    presena de uma cultura de transparncia pode ser entendida como um diferencial

    competitivo por influenciar positivamente a qualidade e a velocidade das decises. Embora

    contribua para melhor uso dos recursos disponveis e para aumentar as chances de atingir

    objetivos, no se trata de algo natural ou espontneo; deve encontrar condies propcias ao

    seu desenvolvimento e ser cultivada. possvel fomentar a franqueza, mas no h como

    obrig-la a existir.

    Criando a transparncia

    A lista de comportamentos desejveis razoavelmente conhecida e soa familiar: procurar ser

    to honesto quanto possvel, admitir abertamente erros cometidos ao invs de os atribuir a

    outras pessoas, sugerir o dilogo franco como forma de superar divergncias e buscar

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    cooperao. Tambm conhecidas so as prticas mais comuns: manter uma poltica de portas

    abertas e um fluxo de informao livre, dispor de um canal oficial para o encaminhamento de

    reclamaes, criar fruns para discusso de problemas e solicitar com clareza o mximo

    esforo para que informaes teis sejam explicitadas ao invs de escondidas. O desafio est

    em criar condies para que essas providncias possam realmente ser implementadas e

    produzir resultados.

    V alm das regras.

    No se consegue criar um ambiente favorvel transparncia apenas pela imposio de

    regras. Oficial e formalmente, o ambiente institucional de muitas organizaes j possui suas

    normas (leis, portarias, instrues normativas, regulamentos, cdigos de conduta) sobre

    transparncia, uso privado de informaes e privilgios indevidos. Se elas fossem suficientes,

    as organizaes no continuariam a ter problemas nesse campo. bom que instrumentos

    normativos existam, mas devem estar combinados com outros recursos e com uma inclinao

    pessoal e institucional abertura em todas as formas de interao: da organizao para com o

    ambiente externo a ela, das pessoas que nela trabalham entre si, destas com clientes e

    fornecedores, etc.

    Filtre bem.

    Outro esforo importante est no processo de seleo de colaboradores: ele deve funcionar

    como um filtro, afastando pessoas que no estejam dispostas a adotar um comportamento

    compatvel com valores sadios, e isso deve ser explicitado com clareza no processo de

    contratao. H requisitos para entrar no clube.

    Facilite o funcionamento dos grupos.

    Ferrazzi, no artigo citado, sugere que existe vantagem em formar grupos pequenos de

    discusso (para evitar o problema dos que tm dificuldade em se expressar diante de grande

    nmero de pessoas); escolher pessoas para atuarem como guardis da transparncia e da

    sinceridade nas discusses; e ensinar a arte de fornecer feedbacks positivos e crticas

    construtivas como um ato generoso de apoio pessoa que os recebe, para que esta se veja

    instada a agir de maneira menos defensiva e mais aberta mudana de comportamento. Os

    grupos aprendem se as condies forem favorveis.

    Use as prticas como sinais.

    Boas prticas e posturas funcionam tambm como mensagens. Um dos sinais mais visveis de

    comprometimento com franqueza e transparncia est em tornar livre o acesso a informaes

    que no comprometam a gesto, compartilhando-as sem reservas e habitualmente. James

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    O'Toole e Warren Bennis, no artigo A Culture of Candor, lembram que h limites para o grau

    de transparncia das organizaes (por exemplo, segredos industriais ou decises estratgicas

    evidentemente no podem ser revelados), e que o julgamento de cada caso quanto a liberar

    ou no certa informao uma das mais importantes tarefas de um executivo. Os autores

    recomendam tambm praticar a exposio da verdade para gerar confiana; mostrar

    disposio para ouvir coisas desagradveis se elas forem importantes e teis; recompensar

    quem questiona pressupostos que raramente so desafiados; no fugir a conversaes

    desagradveis, aproveitando-as para treinar a postura de transparncia; diversificar as fontes

    de informao para formar um quadro realista da situao; e admitir os prprios erros. As

    aes compem uma linguagem a ser transmitida e recebida.

    Use as fraquezas como vantagens.

    Vulnerabilidades podem s vezes ser manobradas para se transformarem em vantagens. John

    Landry, no artigo What a Culture of Candor Really Takes, comenta o caso de um executivo que

    explicitava e detalhava nas negociaes sindicais os problemas do negcio e pedia auxlio para

    que fossem enfrentados em conjunto. Reaes hostis dos trabalhadores eram resolvidas por

    meio de tratativas individuais, nas quais estes percebiam que era real a inteno de buscar

    solues conjuntas para as dificuldades. O mesmo executivo levou a postura de abertura e

    vulnerabilidade exposta Westinghouse, onde depois passou a trabalhar, mesmo quando foi

    necessrio promover uma demisso de grande quantidade de trabalhadores. Lidar com

    situaes desse tipo no foi fcil, mas os resultados obtidos com a transparncia se mostraram

    satisfatrios.

    A experincia tem mostrado que eventuais desconfortos de uma postura aberta costumam ser

    compensados por melhores decises e mais cooperao. O desenvolvimento de um clima de

    informao livre e de segurana para ser honesto -- consigo mesmo e com os outros -- algo

    que requer empenho deliberado e senso prtico, em um desafio que pertence a cada pessoa,

    aos que lideram, aos grupos e instituio. Enfrent-lo requer disposio permanente e

    humildade, alm de seriedade no tratamento de desvios; ou estas atitudes esto claramente

    visveis na organizao, ou ento novas surpresas e crises indicaro que ainda existe um longo

    caminho a percorrer.

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    Jos Lus Neves profissional da rea de planejamento e finanas.

    Administrador de empresas e economista, tem mestrado em

    Administrao pela FEA-USP. Possui mais de 25 anos de

    experincia adquirida em empresas renomadas dos segmentos de

    consultoria e servios mdicos.Tem desempenhado o papel de

    gestor de finanas e coordenador de processos, liderando as reas

    de controladoria, contabilidade e financeira.