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SUMÁRIO

Introduq-d'o CI

Capítulo 1 o o

Da Legislacáo Simbólica: Um Debate Propulsor. 11

1. Ambigüidade de 'Símbolo', 'Simbólico' e 0

'Simbolismo' 11 O

1.1. O Símbolo como Intermediacáo entre Sujeito e Objeto. O homem como Animal Simbólico 12 n

1.2. A Estnitura Social como Simbólica 12 n 1.3. Simbolismo e Simbólico na Psicanálisc 14 0 1.4. Institu i00 como Redc Simbólica 18

1.5. O Símbolo na Semiótica 19

1.6. O Simbólico na Lógica 22

1.7. O Simbólico na Sociologia. Um exemplo da Teoria dos Sistemas

23

2. Delimitacáo Semántica 24

3. Política Simbólica versus Legislacáo Simbólica 26

4. Dircito Simbólico versus Legislagáo Simbólica 28

5. Legislacáo Simbólica versus Rituais e Mitos

Políticos 6. Por uma Conceituacáo 7. Tipos de Legislacáo Simbólica

7.1. Da Tipologia 7.2. Confirmagáo de Valores Sociais 7.3. Legislacáo-Álibi 7.4. Legislacáo como Fórmula de Compromisso

Dilatório 8. Eficácia e Efetividade das Leis versus Efeitos

Reais da Legislacáo Simbólica 8.1. Eficácia como Concretizagáo normativa do texto

legal 8.2. Efetividade como Realizacáo da Finando& da Lei 8.3. Efeitos Indiretos e Latentes da Legislacáo 8.4. Efeitos da Legislacáo Simbólica

Editor Responsável: Prof. Silvio Donizete Chagas Divulgaqdo e vendas: José Alves Carneiro Diagrainaqdo: Márcio de Souza Gracia Capa: Abelardo da Hora RevisaO: Domingas Ignez Brandini Ribeiro

Clélia Eunice Chagas Franciulli

"BIBLIOTECA DE DIREITO PÚBLICO"

Conselho Editorial

Prof. Clémerson Merlin Cléve (Diretor) Prof. Clóvis de Carvalho Júnior Prof. Dircéo Torrecillas Ramos Prof. Edmundo Lima de Arruda Júnior Prof. Gilmar Ferreira Mendes Prof. José Eduardo Martins Cardozo Prof. Luis Roberto Barroso Prof. Marcelo da Costa Pinto Neves Prof. Maurício António Ribeiro Lopes Pral. Regina Maria Macedo Nery Ferrari

Riva de Freitas Prof. Rui Décio Martins Prof. Silvio Donizete Chagas

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Capítulo 2

...Á ConstitucionalizaQáo Simbólica: Abertura de um Debate I. Constitui0o c ConstitucionalizaQáo

53 53

9. ConstitucionalizaQáo-Álibi e Agir Comunicativo 10. ConstitucionalizaQáo Simbólica versus Lealdade

das Massas e Regras-do-Siléncio

104

107

1.1. O Problema da Plurivocidade 1.2. O Debate Correntc sobre o Conceito de

53 Capítulo 3

ConstituiQáo 54 ConstitucionalizaQáo Simbólica como Alopoiesc 1.3. A Constitucionaliznao 61 do Sistema Jurídico 113

1.3.1. Constitui0o como Vínculo Estnitural 1. Da Autopoiese á Alopoiese do Direito 113 entre Política e Dircito 61 1.1. Da Autopoiese Biológica á Social 113

1.3.2. ConstitniQáo como Subsistema do 1.2. Direito como Sistema Autopoiético 119 Sistema Jurídico 63 1.3. A Alopoiese do Direito 124

1.3.3. Constitui0o como Mecanismo de 2. ConstitucionalizaQáo Simbólica como Sobreposicáo Autonomía Operacional do Dircito 65 do Sistema Político ao Direito 129

1.3.4. FunQáo Social e Presta0o Política da 3. ConstitucionalizaQáo Simbólica versus Auto- Constituido 69 Referencia Consistente e Hetero-Referéncia 1.3.4. 1. Direitos Fundamentais Adequada do Sistema Jurídico 133

(Diferenciado da Sociedade) e 4. ImplicaOes Semióticas 141 Estado de Bcm-Estar (inclusáo) 70 5. ConstitucionalizaQáo Simbólica versus Juridificacflo.

1.3.4.2. RegulaQáo Jurídico-Constitucional Realidade Constitucional Dejuridificante 144 do Procedimento Elcitoral 72 6. ConstitucionalizaQáo Simbólica como Problema da

1.3.4.3. "Divisáo- de Poderes e Diferenca Modernidade Periférica 147 entre Política e Administra0o 74 7. Constitucionalizacáo Simbólica na Experiéncia

2. Texto Constitucional e Realidade Constitucional 76 Brasileira. Uma Referencia Exemplificativa 153 2.1. A Relnáo entre Texto e Realidade Constitucional

como Concretiza0o de Bibliografia 163 Normas Constitucionais 76

2.2. Concreliznáo Constitucional e Semiótica 79 3. Constitucionaliznáo Simbólica cm Sentido Negativo:

Insuficiente ConcretizaQáo Normativo-Jurídica Generalizada do Texto Constitucional 83

4. Constitucionaliznáo Simbólica cm Sentido Positivo: Furwáo Político-Ideológica da Atividadc Constituinte e Do Texto Constitucional 86

5. Tipos de Constitucionaliznáo Simbólica. ConstituiQáo Como Álibi 92

6. A Constitucionaliznáo Simbólica e o Modelo ClassificatOrio de Loesvenstein 95

7. Constitui0o Simbólica versus "ConslituiQ5o Ritualista" 99

8. ConstitncionalizaQáo Simbólica e Normas Constitucionais Prograniaticas 102

6 7

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INTRODUCÁO

No presente trabalho, pretende-se abordar o significado social e po-lítico dos textos constitucionais, exatamente na relaeáo inversa da sua concretizaeáo jurídico-normativa. O problema náo se reduz, portanto, discussáo tradicional sobre ineficacia das normas constitucionais. Por um lado, pressup5e-se a distineáo entre texto e norma constitucionais; de outro lado, procura-se analisar os cfeitos sociais da ICgislaeáo consti-tucional normativamente ineficaz. Nessa perspectiva, discute-se a fun-00 simbólica de textos constitucionais carentes de concretizaeáo nor-mativo-jurídica.

No primeiro capítulo, consideramos o debate propulsor sobre legis-laeáo simbólica, que vem sendo desenvolvido na tcoria do Direito e ciéncia política alemá mais recente. Em vista da confusa° semántica em torno do termo simbólico, propomo-nos inicialmente a determinar o seu sentido dentro da expressáo "legislaeáo simbólica". Será relevante aqui a distineáo entre o conceito mais recente de legislacáo simbólica e as noeóes de política simbólica e Direito como simbolismo, consagradas nos anos 60 e 70. Tratamos, por fím, da conceituaeáo, tipos e el-Mos da legislaeáo simbólica.

No segundo capítulo, propóc-se a abertura de tun debate sobre constitucionalizacao simbólica. Para isso, é delimitado inicialmente uni conceito sistémico-teorético de Constituicáo como vínculo estrutural en-, tre os sistemas político e jurídico, mas principalmente enquanto tueca; nismo de autonomia operacional do Direito na sociedadc moderna. Tra-ta-se de uma estratégia: parte-se dessa concepeáo estrita, para questio-

nar-se a sua adequaeáo empírica em casos de constitucionalizaeáo sim-0 bólica. Correspondentemente, abordamos o problema da concretizacá; normativa do texto constitucional. Com esses pressupostos teóricos, pre-1) tendemos enfrentar diversos aspectos da relacáo entre ineficacia norma-tivo-jurídica e funeáo político-ideológica da Constituieáo.

Tendo em vista que o presente trabalho está vinculado a pesquisa anterior sobre positividade do Direito e Constituieáo, onde abordamos criticamente a concepeáo luhmanniana da diferenciaeáo e autonomi40 operacional do sistema jurídico em sociedades complexas ()leves, 1992)‘)

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propomos no terceiro capítulo urna discussáo sobre a constitucionaliza-cáo simbólica como alopoiese do Direito. Isso implica o questionamento da nocáo de Direito como sistema autopoiético da sociedade moderna (supercomplexa). Após considerar alguns aspectos específicos com pre-tensáo teórica mais abrangente, a constitucionalizacáo simbólica será caracterizada como problema típico da modernidade periférica; a convi-véncia de supercomplcxidade social com falta de autonomia operacional do sistema jurídico. analisada de forma mais genérica na supramencio-nada investigacao, vincularemos agora mais estreitamente á hipertrofia da funcáo político-simbólica do texto constitucional cm detrimento de sua eficácia normativo-jurídica. Encerramos a presente contribuicáo com urna breve referéncia exemplicativa á constitucionalizacáo simbó-lica na experiéncia brasileira.

Do presente livro náo resultara conclusbes teoricamente fechadas. Ele náo deve ser interpretado como resultado final de rellexiks teóricas. Objetivamos abrir novios caminhos e horizontes para a Teoria da Consti-tuicáo. Tanto a dogmática jurídica quanto a sociologia do Direito cor-rentes, orientadas pela experiéncia constitucional do Estado democrático curopeu e norte-americano, partem do seguinte pressuposto: há urna forte contradicáo entre Dircito e realidade constitucionais nos países "subdesenvolvidos". A rigor, assim entendernos. a questa() diz respeito falta de normatividadc jurídica do texto constitucional como fórmula democrática: a partir dele náo se desenvolve suficientemente um proces-so concrctizador de construcáo do Dircito Constitucional; mas a lingua-gcm constitucional desempenha relevante papel político-simbólico, com implicacóes na esfera jurídica.

Capítulo 1

DA LEGISLACÁO SIMBÓLICA: UM DEBATE PROPULSOR...

1. Ambigiiidade de 'Símbolo', 'Simbólico' e 'Simbolismo'

Os termos 'simbólico', 'símbolo'. `simbolismo' etc. sáo utilizados nas diversas áreas da producáo cultural, freqüentemente sem que haja urna pré-definicáo. A isso está subjaccnte a. suposicáo de que se trata de expressócs de significado evidente, unívoco, partilhado "universalmen-te" pelos scus 'Atentes', guando, cm verdadc, nem sempre sc está usando a mesma catcgoria 2 . Ao contrário, estarnos diante de termos os mais ambiguos da semántica social e cultural', cuja utilizacáo consistente pressupóc, portant°, urna previa delimitacáo do seri significado, princi-palmente para que náo se caia cm falácias de ambigüidadet. Assim sendo. parece oportuno apontar alguns dos usos mais importantes de

símbolo" e "simbólico- na tradicáo filosófica e científica ocidental, procurando relevar as convergéncias e divcrgéncias de significados 5, an-tes de precisar o sentido de "legislacáo simbólica" no presente trabalho.

1. Cf. Eco, 1984:202 (tr. br., 1991:198). 2. Firth, 1973:54. 3. Eco (1984:199s. — tr. br., 1991:196) refere-se á misiá° cm que os

redatores do dicionário de Lalande se rcuniram para discutir publicamente a respeito da deliniliío de 'símbolo' como "um dos momentos mais patéticos da lexicografía filosófica", observando que o dicionário "neto concluí: a conclusdo indireta a que Lalande convida é que o símbolo sáo multas coisas, e nenhuma. Em síntese, a° se sabe o que é". Cf. Lalande (org.), 1988: 1079-81.

4. Sobre falácias de ambignidade, v. Copi, 1978:91 ss. 5. A respeito da diversidade de definicóes e usos do tenno "símbolo", v.

Firth, 1973:54ss.; Eco, I 984:199ss. (tr. br., 1991:195ss. ).

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1.1. O Símbolo COMO Intermediaqáo entre Sujeito e Objeto. O Ilomem como Animal Simbólico

Num sentido filosófico muito abrangentc, o termo "simbólico" é utilizado para indicar todos os mecanismos de intertnediaqáo entre su-jeito e realidade. É nessa perspectiva que Cassirer vai definir o homem como animal symbolicum, distinguindo o comportamento e o pensa-mento simbólicos como difereneas específicas do humano em rebela ao género anima16. O sistema simbólico implicaria uma mediatizagáo da relagáo "homem/realidade"7. Ao contrário das reaqóes orgánicas aos estímulos exteriores, diretas e imediatas, as respostas humanas serian.' diferidass. Daí se distinguirem os sinais dos símbolos: os primeiros es-tariam relacionados de forma fixa e única com a coisa a que se referem e pertenceriam ao "mundo fisico do ser", vinculando-se especialmente aos fenómenos de reflexos condicionados; os símbolos seriam "univer-sais" e "extremamente variáveis", caracterizando-se pela versatilidade9. O próprio pensamento relacional encontrar-se-ia na dependIncia do pensamento simbólico, na medida em que só através desse seria possível isolar as relagóes para considerá-las abstratamente'°. Observa-se aqui a influencia da noeáo kantiana de sujeito transcendental, construtor da realidade cognoscente, sobre a concepgáo do simbólico de Cassirer. Mas ele aponta para o sistema simbólico como uma aquisiqáo que "transfor-ma toda a vida humana"", em uma conquista historicamente condicio-nada, náo lhe abribuindo caráter transcendental".

1.2. A Estrutura Social como Simbólica

Dessa concepgáo abrangente do simbólico, de naturefa filosófica,

6. Cassirer, 1972:51. 7. Cf. Cassirer, 1972: esp. 50. Especificamente sobre o conceito de formas

simbólicas, v. também idem, I988:esp. lss. 8. Cassirer, 1972: 49. 9. Cassirer, 1972: 59-61 e 66s. 10. Cassirer, 1972: 69s. 11. Cassirer, 1972: 49. 12. Nesse sentido, Eco, 1984:208 (tr. br., 1991: 203) e também Bourdieu,

1974:28. A respeito, cf. sobretudo Cassirer, 1988:9ss.

12

em que a esfera do simbólico compreende a rcligiáo, a arte, a filosofia, a ciéncia", aproxima-se a antropologia estruturalista de Lévi-Stratiss: "Toda cultura podc ser considerada como um conjunto de sistemas sim-bólicos em cuja linha de frente colocam-sc a linguagcm, as regras ma-trimoniais, as relagóes económicas, a arte, a ciéncia, a religiáo"m. A es-trutura social seria um sistema simbólico, náo se confundindo com a própria realidade das relagóes sociais15. Entre significante e significado haveria uma descontinuidade, sendo relevada a nogáo da superabun-dáncia dos significantes16. É essa relativa autonomia do sistema simbó-lico, como estrutura de significantes", em face das relagóes sociais (objetos simbolizados), que possibilita, segundo o modelo de Lévi-Strauss, a "eficácia simbólica"18. Mesmo no caso dos "significantes flu-tuantes" ou "valor simbólico zero", a sua fungáo ou efícácia é "a de opor-se á auséncia de significagáo sem comportar por si mesma qual-quer significagáo particular"t9.

É inegavelmente sob influéncia da antropoiugia estruturalista de Lévi-Strauss que Bourdieu e Passcron váo desenvolver a concepOo de "violéncia simbólica"". Mas aqui o sistema simbólico - também apre-

13. Cassirer, 1972:74. 14. Lévi-Strauss, 1974:9. 15. Cf. Lévi-Strauss, 1958:305s. (tr. br., I967:315s.).

16. Lévi-Strauss, 1974: 33s.

17. É de observar-se aquí a influéncia da nogáo de "solidariedades sintag-máticas" de Saussure (1922: 176s. - tr. br., s.d.: 148s.) sobre a concepgáo de

estrutura de Lévi-Strauss (1958: 306 - tr. br., 1967:316)): "Ela consiste cm elementos tais que uma modificagáo qualquer de um deles acarreta tima modifi-cagáo de todos os outros" . Num sentido mais abrangente, pode-se afirmar que o

princípio da interdependéncia dos elementos estruturais (significantes) de Lévi-Strauss é influenciado pelo modelo lingüístico-estrutural das relagóes sintagniá-ticas e associativas entre os signos, proposto por Saussure (1922:170-75 - tr.

br., s.d.: 142-47; cf. também Badiles, 1964:114-3(1- ir br., s.d.: 63-91-, em-pregando os termos "sintagma" e "sistema" ; Lyons, 1979: 72-83; Greimas e

Cottrtés, s.d.: 324s. e 428s.). 18. Sobre "a eficácia simbólica" , v., p. ex., Lévi-Strauss, 1958:205-26 (tr.

br., 1967: 215-36). Referindo-se ao seu significado na obra de Lévi-Strauss, cE também Bourdieu, 174:32, nota 10.

19. Lévi-Strauss, 1974:35, nota 37. 20. Cf. Bourdieu e Passeron, 1975; Bourdieu, 1974:30ss. e passiin. No seu es-

tilo eclético, Faria (1988:103-11 e 124-61, esp. 146) adota a no0o de violéncia

13

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sentado como estruitira de significantes cm relacóes de oposicao, con-forme o modelo da lingüística estrutural de Saussuren - é posto mais estreitamente cm conexao com a questao do poder, apresentando-se como veículo ideológico-legitimador do sistema político". Nao haveria, entao, uma distinQáo entre o simbólico e o ideológico. Porém, por outro lado, o sistema simbólico nao serviría apenas á manuten0o e reprodu-Q50 da ordem política. advertindo-se que a revoluQáo simbólica. apesar de supor a revoluQáo política, serviría para dar "urna linguagem ade-quada" a asa, "condicao de urna plena realizacao"".

/.3. Simboli.smo e Simbólico im Psicimálise

No ámbito da psicanálisc a noca() de simbólico tornará posicao de destaque. lsso nao significa, porém, univocidadc significativa cm torno do simbólico psicanalítico. De Freud, passando por Jung, a Lacan, ob-serva-se uma variacao semántica relevante dos termos "simbólico" e "simbolismo"".

Na teoria freudiana, a reina() simbólica pode ser vista, cm sentido lato, como urna forma de intermedinao entre o pensamento manifesto consciente e o pensamento latente inconsciente, ou seja, o termo "simbolismo" está "relacionado com o emprego de símbolos para repre-sentar na mente consciente conteúdos mentais inconscientes"". Num sentido estrito, o simbolismo consistirá numa reina() constante entre o símbolo e o simbolizado inconsciente 2". Desenvolvida principalmente nos quadros da interprctacao do sonhon definindo-se esse como "a

simbólica de Bourdieu e Passeron (1975). Cf. também Ferraz Jr., 1988:251. 21. Cr l3ourdieu, 1974: esp. 17. 22. Cf. l3ourdieu e Passeron, 1975:19ss.; Bourdieu, 1974:30ss., 46, 52ss.,

69ss. 23. Bourdieu, 1974:77. 24. A rigor, nao cabe, portanto, atribuir aos cotícenos psicanaliticos de

"simbolismo inconsciente" e de "pensamento simbólico" tan sentido unívoco, como o faz Piaget ao invocá-los com vistas á abordagem do "jogo simbólico" na crianza (1975:11).

25. Nagera (org.), s.d.: 102. Cf. Freud, 1969: 159-77 (tr. br., s.d.: 133-51), 1972:345-394.

26. Freud, I 969:160 (tr. br., s.d.: 134). Cf. l.aplanche e Pontalis, 1985:626- 3 I .

27 Mas Freud advertia eta sita célebre prele0o (i'oriestrug) sobre o "sim-

realizaqáo (disfarQada) de um desojo (reprimido, =oteado)" 2°, a con-cep9ao de simbolismo freudiana refere-se ao sentido indireto e figurado dos signos", significado cm regra de caráter sexual 30 . Embora consista numa comparnao, a reina.° simbólica nao é suscetível de ser deseo-berta pela associa0o, constituindo urna comparaQáo desconhecida pelo próprio sonhador, que, embora dela se sirva, nao está disposto a reco-nhecé-la, "guando eta é posta diante de seus olhos" 31 .

Jung vai afastar-se da teoria do simbolismo freudiana, sustentando que sao "sinais para proccssos instintivos elementares" aquilo que Freud chamara de símbolo, ou seja, o "simbólico" de Freud será denominado de "semiótico" por Jung". Enquanto na reina() semiótica, o sinal repre-senta algo de conhecido, havendo urna determinaeao do conteúdo da significaeao, o símbolo prcssuporia que "a expressao escolhida soja a melhor designa9ao ou fórmula possível de um fato relativamente desco-nhecido, mas cuja existéncia é conhecida ou postulada" 33. O símbolo

bolismo no sonho" (1969:159-177 - tr. br., s.d.:133-51): "... estas relageJes simbólicas nao pertencem exclusivamente ao sonhador e nao caracterizara unicamente o trabalho que se realiza no correr do sonho. Já sabemos que os mitos e os contos, o poyo em seus proverbios e cancetes, a linguagem corrente e a imaginacao poética utilizara o mesmo simbolismo. O dominio do simbolismo é extraordinariamente vasto; o simbolismo dos sonhos nao é mais que uma pequena provincia do mesmo" (1969:174 - cit. conforme tr. br., s.d.:I48s.).

28. Freud, 1972:175. 29. Nesse sentido, v. Eco, 1984:217-19 (tr. br., 1991:211-13). 30. Freud, 1969:163 (tr. br., s.d.: 137), apontando aqui para a desproporQáo

quantitativa entre símbolos e conteúdos a designar. Em outro trecho, ele dife-rencia: enquanto "nos sonhos os símbolos servem quase exclusivamente para a expressáo de objetos e relacóes sexuais", em todos os outros dominios o simbo-lismo nao é "necessariamente e unicamente sexual" (Freud, 1969:175 - tr. br., s.d.: 149).

31. Freud, 1969: 162 (tr. br., s.d.: 136). 32. Jung, 1991:73 (nota 38) e 443. 33. Jung, 1991:444. "Unía expressáo usada para designar coisa conhecida

continua sendo apenas um sinal e nunca será símbolo. É totalmente impossível, pois, criar um símbolo vivo, isto é, cheio de significado, a partir de relagaes conhecidas" (445). Seria Calvez possível tacar um paralelo entre a nogao junguiana de símbolo e a conceplao freudiana do simbolismo dos sonhos, no sentido de que para a interpretalao dos sonhos os símbolos silo monos, tornando-se meros sinais, mas para o sonhador, enquanto desconhece o sen sig-

14 I 5

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considera-se vivo na medida em que ele é encarado como a cxpressáo de um conteúdo incompreensível dcsconhccido. No momento cm que surgcm traducóes unívocas e conscientes do set' sentido, o símbolo está morto3°. O símbolo vivo é apresentado como "a melhor expressáo possí-vel e insuperável do que ainda é desconhecido em determinada época"". E o símbolo ganha a sua significacáo exatamente do fato de náo ter um significado determinado, de ser apenas pressentido, náo consciente". Aqui se pode observar uma aproximacáo entre a nogáo de "valor simbó-lico zero" ou "significante flutuante" de Lévi-Strauss, a que nos referi-mos acima, com o conceito junguiano de simbólico.

Embora Jung reconhega a existéncia do símbolo individual ao lado do símbolo social", sua concepcáo vai singularizar-se por apontar a relacáo do símbolo com o inconsciente coletivo, desenvolvendo-se entáo a teoria dos "arquétipos" como "imagens primordiais" comuns "a todos os pavos e tempos"". Daí porque se trata de posicáo que pressup& "uma metafísica do Sagrado, do Divino", implicando "infinitude de interpretacáo"39.

Na perspectiva lacaniana, o simbólico apresenta-se como uma for-ma de mediagáo entre o sujeito e o outro", de tal maneira que "a or-

nificado latente, apresentam-se como símbolos vivos (cf. Freud, 1969:161s. - tr. br., s.d.: 135s.; Jung, 1991:444, referindo-se á interpretagáo esotérica).

34. Jung, 1991:444 - 46. Cf. a respeito Eco, 1984:225ss. (tr. br., 1991:

219ss.). 35. Jung, 1991:446. 36. "Um símbolo é vivo só guando é para o observador a expressáo melhor

e mais plena possível do pressentido e ainda náo consciente. Nestas condigóes operacionaliza a participagáo clo inconsciente. Tem efeito gerador e promotor de

vida" (Jung, 1991:446). 37. Cf. Jung, 1991:446s. 38. Ring, 1991:419. 39. Eco, 1991:220. Embora Freud (cf. 1972:345-94, 1969:162ss. - tr. br.,

s.d.:136ss.) preocupe-se "em efetuar a construgáo de um código do simbolismo onírico", aproximando-se da "hipótese de unt inconsciente coletivo", náo se trata de um código "universal e coletivo", mas sim "histórico, semiótico" e que "depende da encicloplédia da pessoa que sonha" (Eco, 1984:218 - tr. br., 1991:212s.). Laplanche e Pontalis (1985:630) apontam, por sua vez, para "a hipótese de uma heranga filogenética" do símbolo em Freud.

40. Para Lacan,"a ordem simbólica, de maneira geral, instaura relagóes me-diatas entre os seres, isto é, a relagáo do homem ao homem, do si ao outro, é me-

dem humana se caracteriza pelo seguinte - a fungáo simbólica inter-véni eni todos os momentos e en' todos os niveis de stia existéncia". Enquanto uní dos registros psicanalíticos (os outros serian' o iniaginário e o real)", o simbólico é condicáo de singularidadc, possibilitando a construgáo da subjetividade", mas ao mesmo tempo distancia o sujeito do real vivido", subordinando a sua "identidade" ás estruturas dos sig-nificantes", os quais, quanto mais nada significam, mais indestrutíveis sáo". Influenciado lingüisticamente pelo modelo estruturalista de Saus-sure°, Lacan, na mesma linha de Lévi-Strauss, apontará para a "dis-cordáncia entre o significado e o significante"", o caráter fechado da ordern/cadeia significante e sua autonomia em relacáo ao significado°, retirando daí a releváncia dos símbolos lingüísticos e sócio-culturais para a determinagáo (conflituosa) da "identidade" do sujeitom). Através da entrada na ordem simbólica, o sujcito perde algo essencial de si mes-

dializada por tim símbolo" (Lemaire, 1989:46). 41. Lacan, 1978:41 (tr. br., 1985:44) "A agáo humana está fundada origina-

riamente na existéncia do inundo do símbolo, a saber, nas leis e nos contratos"

(Lacan, 1979:262). 42. Cf Laplanche e Pontalis, 1985:304s. e 645s. Mas o simbólico tem

prevaléncia sobre o imaginário e o real na teoria lacaniana; cf., p. ex., Lacan,

1966:11s., 50ss., 276. 43. "... é a ordem simbólica que é, para o sujeito, constituinte" (Lacan,

1966:12). "O homem fala, pois, mas é porque o símbolo o faz homern" (I,acan,

1966:276). 44. Lemaire, 1989:45ss., 103 e Illss.

45. Cf. Ladeur, 1984:145. Afirma-se, entáo, "uma dotnináncia (...1 do sig-

nificante sobre o sujeito" (Lacan, 1966:61). 46. 1,acan, 1988:212. 47. A respeito, v. Lemaire, 1989:49ss. 48. 1,acan, 1966:372. 49. Lacan, 1966:501s.; ',emane, 1989:87. 50. Nesse sentido, escreve Lacan: "O homem elCtivainente possuído pelo

discurso da lei, e é com esse discurso que ele se castiga, em nome dessa divida simbólica que ele náo cessa de pagar sempre mais etn sua neurose. [...] A

psicanálise devia ser a ciéncia da linguagem habitada pelo sujeito. Na perspec-tiva freudinana, o homem é o sujeito preso e torturado pela linguagem" (1988: 276). Lemaire (1989:100s.) adverte, porém, que "o simbolismo social é insepa-rável do discurso", ou seja, ela aponta para a conexáo de linguagem e simbolis-mo social na concepgáo lacaniana de ordem simbólica.

1 7 16

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t5r3

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mo, podendo ser apenas mediatizado, traduzido através dos significan-les (Spaitung divisáo do sujeito)''. Ncssa perspectiva, pode-se afir-mar que "é aquele a quem chamamos de silo de espirito que se aliena, pois consente em existir num mundo definível somente pela relacáo en-tre nihil e o outro"". De outro lado. porém, a cura importarla a passa-

gem do imaginário náo simbolizado, "alienante", conforme urna relacáo imcdiata e dual com o "semellhante", para o imaginário simbolizado",

implicando a análisc da rede de significantes corno estrutura de media-cáo entre consciente e inconsciente'.

1.4. Institni•0 como 1?ecle N'imbólica

Na filosofia social, é, parece-nos, sob a influéncia lacaniana que Castoriadis vai distinguir o simbólico do funcional e do imaginário". O

simbólico é encontrado aquí. como também em Lacan, tanto na lin-guagent guamo nas instituicóess". Embora as instituicóes náo se redil-zam ao simbólico, Blas do inconcebíveis sem o simbólico". Castoriadis critica a visáo funcionalista, na medida cm que essa explica a instituicáo pela Jim/..áo que cla desempenha na sociedade e reduz, portant°, o simbólico ao funcional". Se bem que a alienacáo possa ser concebida "como autonomizaffio das instituicócs com relacáo á sociedade"", adverte-se que os símbolos como significantes "náo do totalmente sub-jugados pelo 'conteúdo' que supostamente t'eh' que vcicular", seja guan-do se trata da linguagem on, "infinitamente mais ainda", das institui-

51. () que implica a seguinte delinnifio de significante: "tun significante é o que representa o sujeito para um (nitro significante" (1.acan, 1966:819). Cf. Lemaire, 1989:112.

52. Lévi-Strauss, 1974:10, cut referéncia a Lacan. 53. 1,emaire, 19119: I 19. 54. Cf. Lemaire, 19119:45. Especificamente com relaláo a caso de psicosc,

Lacan (1988:20) enfiitiza que "so pela porta de entrada do simbólico é que se consegue penetró-lo" analiticamente.

55. Cf. Castoriadis, 1991:139ss, 56. Cf. Castoriadis, 1991 :142ss. 57. Castoriadis, 1991:142. 58. Castoriadis, 1991:140. 59. Castoriadis, 1991:139s.

cóes"". Essa relativa autonomia da esfera do simbólico, cujas fronteiras "nada permite determinar'', náo significa, porém. que a autonomizacáo do simbolismo soja um fato último, muito menos que o simbolismo ins-titucional determine a vida social"'. "Nada do que pertence propriamen-te ao simbólico" - enfatiza Castoriadis - - impóc fatalmente o domi-nio de um simbolismo autonomizado das instituieóes sobre a vida so-cial, nada, no próprio simbolismo institucional. cxclui seu uso lúcido pela sociedade" 61 .

O problema da utilizaeáo do simbólico pelo sujeito leva á questáo da relaeáo do simbólico com o imaginário 64. Concebido o imaginário como algo "inventado", sustenta-se, entáo, que ele deve utilizar o simbólico para "existir" 65 . O imaginário social "deve-se entrecruzar com o simbó-lico, do contrário a sociedade náo tecla podido 'reunir-se', e com o económico-funcional, do contrário eta náo teria podido sobreviver" 66 . Embora a alienacáo seja definida como -domináncia do momento ima-ginário na instituicáo", propiciadora da autonomizacáo da instituicáo (rede simbólica) relativamente á sociedades', só através do imaginário há producáo de novos simbolismos, ou seja, criaeáo de novas significa-eóc56g.

1.5. O Símbolo na Semiótica

Na semiótica, a teoria dos signos, cm gera1 6°, acentua -se ainda mais o problema da falta de univocidade do termo 'símbolo'. Dentro da cate-goria genérica dos signos, Peirce irá distinguir, conforme a relaeáo com o referente, os leones, índices e símbolos". Os ícones caracterizar-se-

60. Castoriadis, 1991:148. 61. Castoriadis, 1991:150. 62. Castoriadis, 1991:152.

63 Castoriadis, 199 I : 153. 64. Cf. Castoriadis, 1991:154ss.

65. Castoriadis, 1991:1 54.

66. Castoriadis, 199 I :159.

67. Castoriadis, 1991:159.

68. Cf. Castoriadis, 1991:161s, 69. Ou, na fonnulaláo de Carnap, "a teoria geral dos signos e linguagens"

(1948:8). Cf. Neves, 1988:127s., nota 1. 70. Cf, Peirce, 1955:1 02ss., ou I 977:52s. e 63-76. Crítico com reina() á "pre-

I 8 19

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iam por sua similaridade com o objeto a que se referem7'. Um índice, por sua vez, será apresentado como "um signo que se refere ao Objeto que denota em virtude de ser realmente afetado por csse Objeto". O símbolo é um signo que se refere ao objeto que denota em face de uma regra ("lei") geral que "opera no sentido de fazer com que o Símbolo seja interpretado como se referindo áquele Objeto"73. Ou seja, no mesmo sentido da tradigáo aristotélico-tomista", Peirce vai definir o símbolo como um signo convencional e arbitrario".

Em Morris, assim como em Peirce, 'signo' será utilizado como ter-mo genérico, distinguindo-se, porém, dicotomicamente, os símbolos e os sinais. Os sinais sáo apresentados como signos que criam a expectativa ou a exigéncia de determinada agáo. O símbolo seria produzido pelo pró-prio intérprete, atuando como substituto para alguns outros signos, em relagáo aos quais funcionaria como sinónimo7".

Na sua abordagem antropológica do sentido do termo símbolo, Firth vai recorrer á posigáo semiótica de Peirce e Morris'". Dentro desta orientagáo, distinguir-se-áo, na categoria geral do 'signo', o Indice', o `sinar, o `ícone' e o 'símbolo'. Encontra-se um índice "onde uma rela-gáo seqüencial é inferida, como da parte ao todo, do precedente ao antecedente, ou do particular ao geral". O sinal implica uma agáo conseqüente, é um signo que atua como estímulo para respostas as mais complexas". O ícone importa uma relagáo sensorial de semelhangas°. Por fim, o símbolo caracterizar-se-á por envolver "uma série complexa de associagóes", podendo ser descrito apenas em termos de represen-tagáo parcial; além do mais, o sentido de um símbolo resulta da "cons-trugáo pessoal e social", de tal maneira que a relagáo entre o signo e o

objeto denotado apresenta-se ao observador como arbitrariamente im-

putadas'. Interpretando Peace e Morris, Firth enfatizará que na determinagáo

do sentido dos sinais o produtor e o intérprete usam o mesmo código, enquanto na consideragáo do sentido dos símbolos o intérprete toma uma posigáo de destaque, dispondo de um espago bem mais amplo "para exercitar o seu próprio juízo"82. Em virtude desse trago pragmático dife-renciador, os símbolos distinguem-se pela imprecisáo, a variabilidade de interpretagáo, a aparente inexauribilidade do seu sentido, "sua caracte-rística mais essencial"83. E é nessa concepgáo pragmática que o símbolo vai ser abordado por Firth como instrumento de cxpressáo, comunica-Qá0, conhccimento e controles'.

Em posigáo totalmente contrária á de Pcirce e lamben' á de Morris, Saussurc distinguirá 'signo' e 'símbolo'. O signo vai ser caracterizado pelo "princípio da arbitrariedade"", enquanto que "o símbolo tem como característica ná'o ser jamais completamente arbitrário; ele liáo está va-zio, existe um rudimento de vínculo natural entre o significante e o sig-nificado"86. Assim sendo, pode-se afirmar que o conceito de símbolo em Saussure corresponde á nogáo de ícone em Peirce, implicando uma se-melhanga do significante com o objeto por ele denotado".

Também nos quadros da discussáo semiológica, Eco, após conside-rar criticamente diversos sentidos discrepantes de 'símbolo', define o modo simbólico como "uma modalidade de produgáo ou interpretagáo textual", na qual um elemento é visto como a projegáo "de tima porgáo suficientemente imprecisa de conteúdo"ss. A "nebulosa de conteúdo", a

o o o

o o o e o o o o

sen9a do referente como parámetro discriminante", cf. Eco, 1991:239s. (tr. br., 1980:157s.).

71. Peirce, 1955:102 e 104, ou 1977:52 e 64. 72. Peirce, 1955:102 ou 1977:52 . 73. Peirce, 1955:102 ou 1977:52 . 74. Cf Eco, I984:esp. 24 (tr. br., 1991: 34). 75. Cf. Peirce, 1955:112ss., ou 1977:71ss.; Eco, 1984:210s. (tr. br., 1991:

205s.). 76. Cf. Firth, 1973:65s., interpretando Morris, 1938. 77. Fútil, 1973:60ss. e 65ss. 78. Firth, 1973:74. 79. Firth, 1973:75. 80. Firth, 1973:75.

81. Firth, 1973:75. 82. Firth, 1973:66s.

.83. Firth, 1973:66 e 72s. 84. Firth, 1973:76ss. 85. Saussure, 1922:100-102 (tr. br., s.d.: 81-84). Como variante cf. Barthes, 0_1

1964: 110s. (tr. br., s.d.: 52-54). Em postura crítica com relagáo á tese saussu-

riana da arbitrariedade do signo, v. Derrida, 1967:65ss., partindo do argumento de que a idéia da instituigáo arbitraria do signo "é impensável antes da pos- t)

sibilidade da escrita"(65). 86. Saussure, 1922:101 (tr. br., s.d.: 82). 87. Nesse sentido, d. Eco, 1984:211 (tr. br., 1991:2(16); Derrick'. 1967:66, (-)

recusando entáo, "em nome do arbitrário do signo, a definitilio satisstiriana da kj

escrita como 'imagein' - portanto, como sfinlx)lo natural - - clalingua-

88. Eco, 1984:252 (tr. br., 1991:245).

21 20 tr)

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incerteza e a intraduzibilidadc dos símbolos aproximan] a concep9áo dc Eco do modelo junguiano, como também colocam-na cm direta relaeáo com o "modo simbólico tcologal"". Mas Eco aponta basicamente para o modo simbólico como estrategia poética', fazendo abstraQáo dc toda metafísica ou teologia subjacente, que conferc tima vcrdade particular aos símbolos°'. O modo simbólico é aprcsentado como um procedimento de "uso dc texto", que podc ser aplicado a qualquer tipo de signo, -me-diante uma dccisáo pragmática" que produzirá ao nivel semántico a as-sociaeáo de -novas poreóes dc contcúdo" ao signo, "o mais possível in-determinadas e decididas pclo destinatário''. Dcssa mancira, o modo simbólico, além de implicar a "nebulosa de conteúdo" ao nivel semán-tico, dependerá de uma postura pragmática determinada do Mente do texto, sendo assim radicalmente contextualizado.

1.6. O Simbólico na Lógica

Na perspectiva da lógica simbólica, o conccito de símbolo está vinculado basicamente á distiwio entre linguagcm artificial e lingua-gen] ordinaria, tomando um sentido km diferente daquele que e vei-culado na discussáo antropológica, filosófica, psicanalítica e sentioló-gica.

A linguageni simbólica e construida e empregada com o fím de evi-tar a imprecisáo e a flexibilidade da linguagcm ordinária. bloqueadoras do raciocinio lógico, matemático e científico"3. Segundo Carnap. a lin-guagent simbólica possibilita a "pureza de uma deduQáo". na medida em que só os elementos relevantes para a respectiva inferéncia sáo empre-gados; a linguagem ordinária. ao contrário, permite a introduQáo des-percebida de elementos estranhos á opernáo lógica. desvirtuando os scus resultados". Além do mais. acentua-sc que a brevidade c a clareza

89. Eco, 1984:225ss. e 234ss. (tr. br., 1991:21 9ss. e 228ss.). 90. Eco, 1984:242 (tr. br., 1991:235). 91. Eco, 1984:252 (tr. br., 1991:245). 92: Eco, I 984:253s. (tr. br., 1991:246). 93. Caniap, 1954: Is. Wittgenstein, 1963:30s. (§ 3.344) e 32 (§ 4.002):

Firth, 1973:55. 94. Carnap, 1954:2. Nesse sentido, enliitizava Wittgenstein que "é huma-

namente impossível retirar imediatamente dela ida linguagein correntel a lógica da linguagem- ( 1963:32 - § 4.002).

da linguagem simbólica, nunca presentes na linguagcm natural, facili-tam "extraordinariamente" as opernóes, comparnóes e inferéneias". Carnap também refere-sc importáncia da lógica simbólica para a solu-QáO de catas contradiQóes náo eliminadas pela lógica clássica91, como lamben] á possibilidadc dc traduzir proposiOes teóricas sobre qualquer que scja o objeto na linguagcm lógico-simbólica. que sc apresenta, por-tant°, como o sistema de signos mais formalizado ("esqueleto dc uma I i nguagem")"7.

/. 7. O Simbólico na Sociología. Uní Exemplo da Teoria dos Sistemas

Na sociologia, a conceituaQáo de 'simbólico' variará de autor para autor, náo se excluindo a variaQáo de sentido na obra de um mesmo autor. Faremos apenas referéncia excmplifícativa ao modelo da teoria dos sistemas.

Em Lultinann. verdadc. amor. propriedade/dinheiro. poder/Direito. arte, creitQa religiosa e "valores fundamentais" constitttem exemplos dc "Indos dc comunica0o simholicamente generalizados.'" "O conccito de símbolo/simbólico deve nesse caso designar o meio da fortnnáo de

Assint wad°. dentro de situnks sociais altamente comple-xas e contingentes. os mcios simbolicamente generalizados de comuni-caQáo possibilitariam a continuidade da comunicaeao. servindo ao pros-seguimento da conexáo entre seletividade e motivaeáo'°°. Na medida cm que os ¡netos simbolicamente generalizados dc comunicaqáo sáo dife-renciados conforme códigos de prefer'encia dicotómicos entre um "valor" c um -desvalor", entre un] "sim" c um "náo", que só tém rele-váncia com relaeáo a um dos mcios de comunica0o. eles Vá0 distinguir-se da linguagem natural náo especializada. surgindo entáo a linguagem especializada da cióncia. do Dircito. da economia. da arte etc'°'.

Entretanto. na obra de Lubmann vamos encontrar também o con-

95. Carnap, 1954:2. 96. Carnal), 1954:3. 97. Carnap, 1954:1. 98. Cf. Idthinann, I 975a, 1987a: I 35ss. e 222ss. 99. Lulimann, 1987a:135.

100 Lulunann, 1975a:174, I 987a:222. 101. Cf. I Ailunium, I 974:62, 1975a:175s. Sobre códigos binarios cm geral.

v Ltilunann, 19116a: 75ss.

22 23

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ceito de agir simbólico-expressivo em contraposicáo á nocáo de agir instrumental 102 . Este último implica urna relacáo de meio-fim, de tal maneira que as necessidades vele envolvidas extraem seu sentido da realizacáo dos fins num momento posterior, sendo, cm face disso, variá-veis; o agir simbólico-expressivo satisfaz imediatamente as necessidades a que se dirige, "de tal forma que urna alteracáo do agir pressuptie urna alteracáo da necessidade"m. Luhmann enfatiza que o modelo instru-mental, ou seja, o agir orientado pela relacáo meio-fim, é apenas um dos aspectos da funcionalidade dos sistemas sociais, que, portanto, para re-duzirem a complexidade do seu meio ambiente, precisam articular variá-veis simbólico-expressivas. No processo de reducáo da complexidade, os • modelos finalístico-instrumentais somente "sáo empregados guando os problemas já ganharam estruturas mais específicas, guando, pois, a complexidade já está amplamente absorvida" 104. A própria legitimacáo náo é alcancada com base na escolha de meios adequados para a reali-zacáo de um fim no futuro, mas sim através do agir simbólico-expres-sivo, mediante o qual o procedimento ganha sentido para participantes e nao-participantes, motivando-os no presente a se integraren no proces-so de reducáo da complexidade". Mas, inegavelmente, náo poderá ha-ver legitimacáo, caso as variáveis instrumentais percam em sentido, sondo a relacáo meio-fim constantemente bloqueada e hipertrofiando-se as variáveis simbólico-expressivas. Esse é um dos aspectos que vai pos-sibilitar o uso de simbólico de maneira distinta do uso de Luhmann. Além disso, há na concepcáo luhmanniana urna confusáo entre o ex-pressivo e o simbólico, aspectos da acáo que devem ser analíticamente diferenciados.

2. Delimitando Semántica _

O panorama acima apresentado sobre a ambigüidade de 'símbolo',

102. Cf. Luhmann, 1983a:223-32, 1987b:315ss. 103. Luhmann, 1983a:224s. 104. Luhmann, 1973a:156; cf. também idem, 1983a:223, 1971:294. Por-

tanto, náo nos parece fundamentada a interpretacáo crítica da teoría luhman-niana por Ilabermas (1982a: 261), no sentido de que "a racionalidacle sistémica é a racionalidade-com-respeito-a-fins transportada para sistemas auto-regula-dos".

105. Luhmann, 1983a:224.

24

`simbólico' e 'simbolismo' exige que, no uso da expressáo legislacáo simbólica', determine-se precisamente cm que sentido se está empre-gando o termo adjetivador.

Em primciro lugar, deve-se observar que a confusáo do simbólico com o semiótico, que encontramos nas concepcóes de Cassirer, Lévi-Strauss e Lacan", é incompatível com o uso da expressáo legislacáo simbólica', na medida em que toda producáo humana de sentido —portanto, também a legislacáo — seria simbólica. Estaríamos, entáo, no caso de uma tautología.

Também náo nos parece que se possa vincular o sentido de simbólico em Jung, expressáo de significado desconhecido e incom-preensível, com o problema da legislacáo simbólica. Talvez se possa vislumbrar urna analogia com a concepcáo de simbolismo freudiana, na medida em que nela se distingue entre significado latente e sig-nificado manifesto. Poder-se-ia, entáo, afirmar que na legislacáo sim-bólica o significado latente prevalece sobre o seri significado maní- festo 1 °7 .

Entretanto, como já adiantamos acima, a questáo da legislacáo sim-bólica está usualmente relacionada com a distincáo entre variáveis ins-trumentais, expressivas e simbólicas. As func -ócs instrumentais impli-cariam urna m'acá° de meio-fim, a tentativa consciente de alcancar re-sultados objetivos mediante a acáo. Na atitude expressiva, há uma con-fusáo entre o agir e a satisfacáo da respectiva necessidadc. Enquanto a acáo instrumental constitui-se em "veículo de confl ito", o agir expres-sivo é "veículo de catarse" 1 ". Afastando-se de outros autores que abor-daram o problema da política simbólica, Gusfield distinguiu o simbólico náo apenas do instrumental, mas também do expressivo w. Em contra-posicáo á atitude expressiva e semelhantemente á acáo instrumental, a postura simbólica náo é caracterizada pela imediatidade da satisfacáo das respectivas necessidades e se relaciona com o problema da solucáo de confito de interesses" ° . Contudo, diferentemente das variáveis ins-

106. Cf. Eco, 1984:206-10 (tr. br., 1991:201-5) Essa confusáo também se manifesta na ahordagem de Castoriadis("instittii0o como rede simbólica") e no

emprego da expressáo "funláo simbólica da língua" por Ferraz .Ir (1988:233-36)

107. Retornaremos a esse ponto guando tratarmos dos eleitos da legislacáo

simbólica (item 8 deste Cap.) 108. Gusfield, 1986:179. 109. Gusfield, 1986:77ss. 110. Cf. Gusfield, 1986:183.

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trumentais, a atitude simbólica náo é orientada conforme tuna relacáo linear de incio-fina e. por outro lado, náo se caracteriza por uma cone-xáo direta e manifesta entre significante e significado, distinguindo-se por scu sentido mediato e latente". Como bem observou Gusfield, "a distincáo entre acáo instrumental e simbólica C. cm muitos aspectos, similar á diferenca entre discurso dcnotativo e conotativo"". Na deno-ta4áo há uma conexáo relativamente clara entre expressáo e coludido: na acáo instrumental, similarmente. um direcionamento da conduta pa-ra fins fixos. Na conotacáo a linguagcm é mais ambigua; o agir simbó-lico é conotativo na medida cm que ele adquire um sentido mediato e impreciso que se acrescenta ao seo significado intediato e manifiesto"', e prevalece cm relnáci ao

Evidentemente, a distinclio entre funcáo instrumental, cxpressiva e simbólica só é possível analiticamente: na prática dos sistemas sociais estáo sempre presentes essas trés variáveis. Porém, guando se afirma que una plexo de acáo tem funcáo simbólica, instrumental ou expressiva, quer-se referir á predomináncia de urna dessas variáveis, nunca de sea exclusividade. Assim é que Icgislacáo simbólica aporta para o predomi-nio, ou mesuro hipertrofia, no que se refere ao sistema jurídico, da hm-Qáo simbólica da atividadc legiferante e do set.' produto, a lei, sobrctudo cm detrimento da funcáo jurídico-instrumental.

3. Política Simbólica versus LegislacAo Simbólica

Dentro ciega perspectiva, a nocáo de legislacáo simbólica deve ser diferenciada preliminarmente do conceito mais abrangente e também mais impreciso de política simbólica. Edelman distinguiu política ins-tnimental e simbólica ("expressiva") com base na diferenca entre sim 7

I I I Guslield, 1967: I 76s.

112. (Iusfield, 1986:170. Os termos 'conotativo' e 'denotativo' silo empre-gados aqui cm sentido lingüístico mi semiológico. Nessa acepOo cf. Hanks, 1964:130-32 (tr. hr. , s.d.:95-99); Eco. 1980:45-48; ("reúnas e Landovski, 1981: 75: Greimas e Courtés, s.d.:77s. e 106s. Já no sentido lógico, a conoto0o cor-responde a dimensiio semántica de sentido (significado), a denotacáo concerne á dimensáo semántica de nfil.éneia von Wright, 1970:109; Copi, 1978:1 I 9- 23) Sobre essa varináo de sentidos, cf . Neves, 1988:21 (nota 19) e I 32s. (nota 17).

I I 3. I uslield, 986: I 70 Cf . também idem. 1967:177.

26

bolos referenciais e símbolos-condensMo: os primciros seriam inter-pretados da "mesilla maneira por diferentes pcssoas", ajudando "no pensamento lógico sobre a situacáo e na manipulacáo dela"; os símbo-los-condensacáo evocariam emocóes associadas com a situacáo"" 4 . A política instrumental, orientada por símbolos referenciais, seria pri-vilegio de grupos minoritários organizados para obtencáo de beneficios concretos e satisfacáo de interesses específicos. A política simbólica, orientada por símbolos-condensacáo. seria um cenado. "tima série de quadros" apresentados abstratamente á maioria dos homens, os es-pectadores; consistiria numa "parada de símbolos abstratos"Hi. Assim sondo. para a massa da populacáo a política constituida antes de todo urna esfera de acóes e vivencias simbólicas.

Conforme Edelman, os atos políticos simbolizam para a massa dos espectadores tanto tranqüilizacáo quanto ameaca"% mas a política sim-bólica serve antes á harmonia social''', reduzindo as tensilles" 8 e, por-tanto. desempenhando primariamente uma funcáo de tranqüilizacáo (-> quietude) do público'''.

Desde que, seguindo Edelman, toda atividade política é predomi-nantemente simbólica, náo tem sentido. nessa perspectiva. falar-se de legislacáo simbólica como um problema específico da relaclio entre sis-temas político e jurídico: toda legislacáo já seria simbólica. É por isso que náo cabe uma vinculacáo estreita da abordagem abrangente de Edelman ao debate específico sobre legislacáo simbólica' 2°, enibora, como veremos, algumas de suas posicóes sejam aplicáveis a cssa discus-sáo. Além do mais, a posicáo de Edelman é passível de crítica no que se refere á separacáo dualista entre agentes (da acáo instrumental) como minoría e e.spectadores (do agir simbólico) como maioria, cis que a po-lítica instrumental pode trazer beneficios para amplos setores da popu-lacáo mobilizados cm torno dela, como também a política simbólica pode levar a urna mobilizacáo (aliva) do público. Por último deve-se ob-servar que a política simbólica náo conduz apenas á "tranqüilizaqáo

114. Edelman, 1967:6.

115. Edelman, 1967:5.

116.Cf. Edelman, 1967:7, I 3s. e 188. I I 7. 1Welman, 1967:8. 118. Edelman, 1967:38. 119. Cf. Edelman, I 967:22-43,163-65,I70s., I 88-94 e passinr. idem, 1977:

141 -55. 120. Nesse sentido, Kindennann, 1988:229.

27

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psicológica" dos grupos a que se dirige, mas pok igualmente certos inte-resses cm perigo"'.

4. Dircito Simbólico versus LegislacAo Simbólica

No ámbito da nocáo abrangente de política simbólica, desenvolveu-se especificamente a concepláo de "direito como simbolismo". Arnold foi inegavelmente o pioneiro no enfrentamento dessa questáo, tendo atribuído a todo o Direito uma funcáo primariamente simbólicam. O "direito" vai ser concebido como uma maneira de referir-se ás institui-. góes governamentais "em termos ideais", em vez de concebé-las realís-tico-objetivamentem. Nesse sentido, ressalta-se que "é parte da funcáo do `direito' reconhecer ideais que representam o oposto exato da con-dula esbabelecida", desenvolvendo-se, assim, um complicado "mundo onírico"'". Essa funcáo simbólica do direito seria predominante, sobre-pondo-se á sua funcáo instrumental: "o observador deve sempre ter pre-sente que a fl11100 do direito náo reside tanto em guiar a sociedade como em confortá-la"'". Embora possa levar tanto á obediéncia quanto á revolta ou á revolucáo, a crenca no "reino do direito" teria comumente a funcáo de "produzir a aceitacáo do status quo" 126. Inclusive a ciéncia do direito estaria incluida nesse mundo onírico, servindo para encobrir-lhe as contradicóes e a irracionalidade, apresentando-lhe retoricamente como um mundo govcrnado pela razáo, sem contradicóesw.

Inegavelmente, a contribuicáo de Arnold é relevante e, cm parte, ainda insuperável para uma crítica da ideologia jurídicam. Entretanto, da mesma maneira que nos referimos á concepcáo abrangente de políti-ca simbólica, a nocáo de direito como simbolismo é incompatível com o conceito de legislacáo simbólica: partindo-se de que toda atividade ju-rídica, tanto prática quanto teórica, scja primariamente simbólica, perde

121. Gusfield, 1986:182, em crítica a 1:delman. 122. Antold, 1935:esp. 33ss. ou 1971. 123. Amold, 1935:33 ou 1971:47. 124. Arnold, 1935:34 ou 1971:48. 125. Arnold, 1935:34 ou 1971:48. 126. Arnold, 1935:34s. ou 1971:48. 127. Arnold, 1935:56ss. ou 1971:51s. 128. Lenk, 1976:143 (nota 12).

sentido o tratamento da legislacáo simbólica como inn problema especí-fico do sistema jurídico. Estaríamos diantc de luna tautologia. Mas, co-mo veremos, nem se:11pm o dimito e a legislacjio exerceni hiperirolica-mente uma funcáo simbólica, sobressaindo-se ein :motos casos a sua di-mensáo instnimental. Assim como superestimar a funcáo instrumental do direito é fator e produto de uma ilusáo sobre a capacidadc de dirigir-se normativo-juridicamente os comportamentos'29, a supervalorizacáo do caráter simbólico do direito é simplicadora, impossibilitando que se fagain distincits ou análises diferenciadas em relaQáo ao material jurídico.13°

5. Legislacáo Simbólica versus Rituais e Mitos Políticos

Na concepcáo abrangente de política e dircito simbólicos, há náo apenas uma confusáo entre simbólico e expressivop'. ki criticada acima com apoio em Gusfield, mas também uma tendéncia <1 confusáo entre variáveis simbólicas e elementos ritualísticos e míticos das atividades políticas e jurídicas.

Para Edelman rituais e mitos sáo formas simbólicas que perinciam as instituicóes políticas'". Haveria, assim, uma relacáo de género e espécies: O ritual é concebido como "atividade motora que envolve seus participantes simbolicamente numa empresa comum", sugerindo-lhes que se encontram vinculados por interesses comuns'". Define-se, por-tant°, como uma atividade coletiva que tranqüiliza os scus participantes da inexisténcia de dissenso entre eles'34. Os mitos podem ser concebidos

129. Cf. Lenk, 1976:147. 130. Nesse sentido, v. a crítica de Dworkin (1991:15s.) ao que ele denomi-

na juristas "nominalistas". 131. Cf., p. ex., Luhmann, 1 983a:224ss.; Edelman, I967:19ss.

132. Manan, 1967:16. 133. Edelman, 1967:16. Na perspectiva da leona do agir comunicativo,

sustenta Habermas (1982b 11:88): "...as at,:óes rituais perderam sitas futilkies adaptativas; elas servem á produgá'o e manutenláo de uma identidade coletiva, devido á qual a conduláo da interna() por tan programa genético, ancorado no organismo individual, pode ser ajustada a unr programa cultural intersubjeti-vamente compartilhado".

134. Edelman, 1967:17.

29 28

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como crencas "socialinenie comunicadas- e "inquestionadas""s. Rituais como atividades motoras e mitos como crcncas inquestionáveis refor-

reciprocomente, tendo significados latentes, nívcis de conotacáo.

que náo se apresentam aos agentes e crentes. "presos'. a scus significa-

dos manifestos, a suas refcréncias denotativas. Porém, a esfera do sim-bólico náo se reduziria aos rituais e mitos. scndo bcm mais abrangentc.

Mais recentemente Voigt, ao abordar o problema da política simbó-lica, distinguiu mitos. rituais e símbolos, advertindo, porém, que eles fre-raientemente se cncontram simultaneamente13°. "Mitos determinan, nos-

sa comprcensáo do mundo. freqüentemente sem qtte nós lenhamos a consciéncia disso"137. Elcs impregnam o pensamento de tal mancira, que 11111 comportamento desvionte se apresenta como praticamente impossí-vell". Por mcio dos rituais, a vinculacáo mítica ao passado "é corrobo-

rada através de contínua e invariável repeticáo'". O principal resultado

seria. entáo. "a abolicáo do tempo": através dos rituais o passado seria

revivificado"). Por último. Voigt define os símbolos como "sinais codi-ficados cujo sentido é entendido apenas por quem pode decifrar o códi-go"' ". Os símbolos comidos nos rituais serviriam á adaptacáo dos novos dados reais aos modelos de interpretacáo de sentido existentesm. Os símbolos podcm ser interpretados, nessa perspectiva, como instrumentos eventuais das atividadcs ritualísticas c das crencas míticas.

A distincáo entre mitos, rituais e formas simbólicas interessa-nos especificamente para caracterizar diferenciadamente a legislacáo sim-bólica. Parece-nos quc, guando se fala da funcáo hipertroficamente sim-

bólica de atividades legiferantes, dc kis c de discursos cm torno dclas, ott scja, (piando sc trata dc "legislacáo simbólica", náo sc está, em

principio. refcrindo a formas ritualísticas c míticas. Só eventualmente

crencas inquestionávcis (mitos) e atividadcs motoras contínua e inva-

riavelmente repetidas (rituais) está° relacionadas com a legislacáo sim-bólica. Entretanto. também a legislacáo instrumental (a l'orca normad-

I 35. Edelman, 1967:18. 136. Voigt, 1989:9. 137. Voigt, 1989:10. 138. Voigt, 1989:10. 139. Voigt, 1989:12. 140. Voigt, 1989:12. 141. Voigt, 1989:14. 142. Voigt, 1989:14.

va das kis) está multo freqüentemente fundamentada cm rituais (que sáo primariamente 110CS expressivas) e mitos. Portanto, o que vai dis-tinguir a legislacáo simbólica náo é o ritualístico ou o mítico. mas sim a prevaléncia do scu significado político-ideológico latente em detrimento do scu sentido normativo aparente.

6. Por uma Conceitualáo

A concepcáo instrumental do Dircito Positivo, no sentido de que as leis constituem insuperáveis para se alcancar determinados fins "desejados" pelo legislador, especialmente a mudanca social, implica

um modelo funcional simplista e ilusório, como tém demonstrado os seus críticos. Em primeiro lugar, observa-se que há um grande número de leis que servem apenas para codificar jurídicamente "normas sociais"

reconhecidasl '3. Por outro lado. a complexidade do mcio ambiente social

dos sistemas jurídico c político é multo acentuada, para que a atuacáo do Estado através de legislacáo possa ser apresentada como instrumento seguro de controle social"4. Já se tem apontado mais recentementc para a situacáo paradoxal do aumento dos encargos do Estado cm concxáo com a reducáo da capacidade do Dircito de dirigir a conduta sociali".

Mas a qucstáo dos limites dc unta concepcáo instrumental da le-gislacáo interessa-nos, aqui, cm outra perspectiva: o fracasso da funcáo instrumental da lei é apenas um problema de ineficácia das normas ju-

rídicas'? A rcsposta negativa a cssa questáo O-e-nos diante do debate em torno da funcáo simbólica de determinadas leis. Como bcm formulou sinteticamente Gusfield. "many laws are honored as much in thc breach as in performance"H". Em sentido mais abrangente, pode -se dizer que quantidade considerável de leis desempenha funcóes sociais latentes em

143. I,enk, 1976:146. 144. Nesse sentido, enfatiza ',William: "A sociedade mcsma nao pode .ser

conceituada tao-só a partir de sita constituicao jurídica-. O Direito - assim

como a política - "é apenas um momento estrutural entre °litros" (1987b:299). Cf. também Teubner, 1982, 1989:81ss.; idem e Willke, 1984; Ladeur, 1983: 466ss., 1984:170ss., 1990.

145. Grimm (org.), 1990. 146. Gustield, 1967:177. Isto é, muitas leis, pelo seu conteúdo, sao dig,ni-

ficadas tanto em caso de violacáo generalizada quanto na hipótese de cumpri-

mento sistemático.

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contradigáo com sua eficacia normativo jurídica, ou seja, cm oposigáo ao seu sentido jurídico manifesto. Náo se trata, portanto, de urna sim-ples negagáo da legislagáo instrumental. Nesse sentido, observa Kin-dermann que a "legislagáo simbólica náo pode ser vista meramente co-mo contraponto para a legislagáo instrumental de proveniéncia con-temporánea, mas sim deve ser conceituada como alternativa para a dire-QáO normativo-geral da conduta" 147. Considerando-se que a atividade legiferante constitui um momento de confluencia concentrada entre sis-temas político e jurídico, pode-se definir a legislagáo simbólica como produgáo de textos cuja referencia manifesta á realidade é normativo-jurídica, mas que serve, primária e hipertroficamente, a finalidades po-líticas de caráter náo especificamente normativo-jurídico.

Náo me parece que tenha sentido sustentar que simbólicos sáo os atos legiferantes, náo as leis 148. É verdade que de determinada atividade legislativa com fungáo primariamente simbólica pode resultar lei que, posteriormente, venha a ter uma intensa "forga normativa"; como tam-bém, ao contrário, leis resultantes de atos de legislagáo instrumental podem com o passar do tempo adquirir caráter predominantemente sim-bólico 149. Porém, o conceito de legislagáo simbólica deve referir-se abrangentemente ao significado específico do ato de produgáo e do texto produzido, revelando que o sentido político de ambos prevalece hiper-troficamente sobre o aparente sentido normativo-jurídico. A referencia deóntico jurídica de agáo e texto á realidade torna-se secundaria, pas-sando a ser relevante a referencia político-valorativa ou político-ideoló- gica.

Embora retornemos a esse problema mais á frente, cabe adiantar que náo concebemos a legislagáo simbólica cm termos do modelo simplificador que a explica ou a define a partir das intengóes do legisladorl s° . É evidente que, guando o legislador se restringe a formular uma pretensáo de produzir normas, sem tomar qualquer providencia no sentido de criar os pressupostos para a eficacia, apesar de estar em condigóes de criá-los, há indício de legislagáo simbólica'''. Porém, o

147.Kindermann, 1989:258: 148.Ern sentido contrário, cf. Noll, 1981:356. 149.Nesse sentido, cf. Kindermann, 1988:225 150. Cf., diversamente, Noll, 1981:356. Ver também Kindermann, 1989:

266. 151. Kindermann, 1988:227. Analogamente, mas muna posiláo ainda yo-

luntarista, cf. Blankenburg, 1977:43.

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problema da legislacáo simbólica é condicionado estruturalmente, seudo antes de se falar cm interesses sociais que a possibilitam'" do que de vontadc ou intencao do legislador.Por mitro lado, náo cabe, no sentido oposto, distinguir a legislacáo simbólica da legislacao instrumental com base na diferenca entre, respectivamente, efeitos tencionados e nao-tencionadosI 53, pois nada impede que haja legislacáo intencionalmente orientada para funcionar simbolicamente. Parece-nos sim adequada a contraposicao dos efeitos latentes da legislacáo simbólica aos efeitos manifestos da legislacao instrumental (v. item 8 deste cap.)

7. Tipos de LegislacAo Simbólica

7.1. Da Tipología

Tendo cm vista que os casos enquadrados no campo conccitual da legislacáo simbólica sáo multo heterogéneos, tem-se procurado clas-sificá-los. Em algumas tentativas de tipificacao, porúii ► , sao incluidos atos normativos que náo constituem legislacáo simbólica no sentido es-trito e diferenciado que estamos utilizando. Assim é que Noll incluí as declaracóes, tal como se apresentam principalmente ras Constituicaes e nos seus preámbulos, na vasta categoria da legislacáo simbólica'". En-tretanto, apesar da funcáo simbólica das declaracbes contidas nos textos constitucionais e seus preámbulos, Blas podem servir também á interpre-tacáo e, portanto, á concretizacáo normativa do texto constitucional. Assim sendo, nao devem, cm princípio, ser enquadrados na categoria da legislacáo simbólica, caracterizada por urna hipertrofia da sua fuina° simbólica cm detrimento da concretizacao normativa do respectivo texto legal. Isso só se justificará guando as declaracó-es estejam em descon-formidade com o próprio sistema constitucional cm vigor ou cm des-compasso com a realidade constitucional. Da mesma mancira deve-se argumentar com relacáo a normas que se referem a símbolos do poder "soberano" estatal, como braseies das forras armadas, bandciras, as quais, além de urna funcáo informativa, possucm foro normativa para os seus destinatários, até mesmo conseqiiéncias penais, náo implicando, em princípio, legislacáo simbólica'".

152.Cf. Schild, 1986:199. 153. Cf. Ming, 1982:308. 154. Noll, 1981:356s. 155. Kindermann, 1989:265; Noll, 1981:359s.

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illaprOpriadO pct 1.A.V-11US li11110C111 ciassiticar como simbólica a legis- laclio que vem para regular materia já suficientemente tratada cm ou-tro(s) diploma(s) normativo(s). como no caso da cominacáo de pena a fato já punivel's`>. É evidente que tima nova regulacáo legislativa de con-(elido idéntico ou scmelhante a kis mais antigas, mcsmo que se reco-nheca a sua funcáo simbólica, pode servir para fortificar determinada posicáo do Estado-Legislador, contribuindo para tima maior efetivacáo do respectivo conteúdo normativo. Em principio, portant°, pode ter uma funcfio relevantemente instrumental. Quando, porém, a nova legislacáo coustitui apenas mais tima tentativa de aprescntar o Estado como iden-tificado com os valores ou fins por cla formalmente protegidos, sem qualquer novo resultado quanto á concretizacáo normativa. evidente-mente estaremos d'ante dc um caso dc legislacáo simbólica. Mas náo simplesmente por se tratar de legislacáo destinada a regular situacóes já suficientemente previstas em leis mais antigas. e indcpendemente disso.

Kindermann propós um modelo tricotómico para a tipología da Icp,islacáo simbólica, cuja sistematicidacle o torna teoricamente frutifero:

"Conteódo de legislacáo simbólica pode ser: a) confirmar valores sociais, b) dentonstrar a capacidadc de acá° do Estado e c) adiar a SOILIQ50 de conflitos sociais através dc compromissos dilatórios"'".

7.2. (.onfirounao de lidores S'ociais

O que sc exige do legislador multo freqüentemente é, primariamen-te, tima posicáo a respcito de conflitos sociais cm torno de valores. Nes-scs casos. os grupos que se encontram envolvidos nos debates ou hitas pela prevaléncia de determinados valores vécin a "vitória legislativa" como tuna forma de reconhecimento da "superioridade" ou predonii-náncia social de sua concepcáo valorativa, sendo-lhes secundaria a efi-cácia normativa da respectiva lei. Dcssa mancira. procuran] influenciar a atividade legiferante. no sentido de que sejant formalmente proibidas ármelas condutas que náo se coadunant com os scus valores, assim como permitidos ou obrigatórios os comportamentos que se conformam aos scus padrócs valorativos, satisfazendo-se as suas expectativas basica-mente coni a expedicáo do ato legislativo.

156. l'in sentido contrario, ef. Schild, 1986:197. 157. Kinclennann, 1988:230, 1989:267 (variando aqui a fonnula0o).

Um clássico cumplo no cstudo da legislacáo simbólica é o caso da "lei seca" nos Estados Unidos da América, abordado pormenoriza-damente por Gusfieldiss. A tese central de Gusficld afirma que os de-fensores da proibicáo de consumo de bebidas alcoólicas náo estavam interessados na sua eficacia instrumental, mas sobretudo em adquirir maior respeito social, constituindo-se a respectiva legislacáo como símbolo de status. Nos conflitos entre protestantes/nativos defensores da lei proibitiva e católicos/imigrantes contrários á proibicáo, a "vitória legislativa" teria funcionado simbolicamente a um só tempo como "ato dc dcfcréncia para os vitoriosos e de degradacáo para os perdedores", sendo irrelevantes os scus efeitos instrumentais"°. Embora contestada quanto á sua base empírica'6°, é de se reconhecer que a contribuicáo de Gusfield possibilitou uma nova e produtiva leitura da atividade legis-lativa'''.

Outro caso. mais recente, é o da disc- -usááo sobre o aborto na Alema-nha. Blankenburg enfatiza que os participantes da discussáo cm torno da legalizacio do aborto cstáo informados dc que a violacáo do § 218 do Código Penal Alemfio (StGB) "sáo muito freqüentes e que punicóes °corren( apenas ein casos excepcionais""'2. Conclui. cntáo, com base mesmo em decisóes do Tribunal Constitucional Federal, que no conflito sobre a legalizacáo do aborto trata-se da afirmaMo simbólica de preten-sties normativas, náo da imposicáo efetiva dessas'6'.

Um outro exemplo, muito significativo para a experiéncia social européia mais recente, é o da legislacáo sobre estrangeiros. O debate a respeito de uma legislacáo mais rigorosa ou mais flexível em relacáo aos estrangeiros seria predominatemente simbólico: nesse caso, a legislacáo teria uma forca simbólica muito importante, na medida em que influ-enciada como os imigrantes seráo vistos pelos nacionais — como estra-nhos e invasores, ou como vizinhos. colegas de trabalho, de estudo, de associacáo e. portant°, parte da sociedade'64. Primariamente, a legisla-

158. Gusfield, 1986: esp. 166ss. (Cap. 7), 1967:176ss. 159. Gusfield, 1986:23. 160. Friedman, 1972:210, Noll, 1981:350. Cf. Kindermann, 1988: 224s.,

1989:266. 161. Kindermann, 1989:266. 162. Blankenburg, 1977:42. 163.- Blankenburg, 1977:42. Cf também Kindennann, 1988:231s.; He-

genbarth, I 9{11:202; Noll, 1981:353. 164. Kindennann, 1989:267, wat base em conelusiSes de Groenendijk, 1987:

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QáO funcionaria entáo como "etiqueta" em relagáo á figura do estrangei-ro' 65 .

Analisando os problemas do Direito e da Administragáo na África da pós-independéncia, Bryde sustentou que a énfase legislativa em principios como "negritude" e "autenticidade" teria desempenhado urna fungáo simbólica para a delimitagáo do "caráter" nacional perante o po-der colonial. A mesma fiingáo exerceria, por outro lado, a codificagáo modernizadora, como no caso da Etiópia em 1960, onde elá teria ser-vido como fórmula de confírmagáo da modernidade". Kindermann in-terpretou esses casos de legislagáo simbólica como "confírmagáo de va-lores sociais" 167. Embora quanto á primeira hipótese, énfase na "negritu-de" e na "autenticidade", parega adequado o enquadramento do caso nessa classe de legislagáo simbólica, tendo em vista que há pretensa-mente a corroboragáo de valores sociais, a codificagáo modernizadora parece adequar-se melhor na categoria da legislagáo-álibi, de que trata-remos no próximo subitem.

A legislagáo simbólica destinada primariamente á afírmagáo de va-lores sociais tem sido tratada basicamente como meio de diferenciar grupos e os respectivos valores e interesses. Constituiria um caso de po-lítica simbólica por "gestos de diferenciagáo", os quais "apontam para a glorificagáo ou degradagáo de um grupo em oposigáo a outros dentro da sociedade"'". Mas a legislagáo afirmativa de valores sociais pode tam-bém implicar "gestos de coesáo" 169, na medida cm que haja urna aparen-te identificagáo da sociedade nacional com os valores legislativamente corroborados, como no caso de princípios de "autenticidade" 170 . Além do mais, a distingáo entre "gestos de coesáo" e "gestos de diferenciagáo" é relativa. Mesmo guando se fala de "gestos de coesáo" com referéncia á sociedade nacional como um todo, deve-se observar que eles podem funcionar como fortes "gestos de diferenciagáo" relativamente ao "ini-

25, a respeito do direito eleitoral dos estrangeiros, a nivel municipal, na Holanda. 165. Kindermann, 1989:267. 166. Bryde, 1987:37. 167. Kindermann, 1989:267. 168. Gusfield, 1986:172. 169. Cf. Gusfield, 1986:171. 170. Aqui pode caracterizar-se um dos casos dos "mirandas", conforme os

define Lasswell (1982:13s.): "Os `mirandas' do os símbolos de sentimento e identificacáo no mito político, cuja funcáo consiste em despertar admiracáo e entusiasmo, criando e fortalecendo crencas e lealdades"(14).

36

migo externo", ao "poder colonial" etc. E, por outro lado, aros legislati-vos considerados como "gestos de diferenciagáo" — é o caso da "Lci Se-ca" nos EUA, conforme a interprctagáo de Gusfield — podem servir re-levantemente para a coesáo dos respectivos grupos, tanto dos "glori-ficados" quanto dos "degradados".

7.3. Legislavtio-illibi

O Objetivo da legislaqáo simbólica pode ser também fortificar "a conflanga do cidadáo no respectivo governo ou, de um modo geral, no Estado"'". Nesse caso, náo se trata de confirmar valores de determina-dos grupos, mas sim de produzir conflanga no sistema jurídico-políti-co'". O legislador, muitas vezes sob pressáo direta, elabora diplomas normativos para satisfazer as expectativas dos cidadáos, sem que com isso haja o mínimo de condigóes de efetivagáo das respectivas normas. A essa atitude referiu-se Kindermann com a expressáo "legislagáo-áli-bi" 173. Através dela o legislador procura descarregar-se de pressóes polí-ticas e/ou apresentar o Estado como sensível ás exigéncias e expec-tativas dos cidadáos.

Nos períodos eleitorais, p. ex., os políticos dáo corita do seu deseni-penho, muito comumente, com referéncias á iniciativa e á participnáo no processo de elaboraQáo de leis que correspondem ás expectativas do eleitorado. É secundário aqui se a Ici surtiu os efeitos socialmente "dcsc-jados", principalmente porque o período da legislatura é muito curto para que se comprove o succsso das leis entáo aprovadas' 7 '. Importante é que os membros do parlamento e do governo a tm ,sentem-se como atuantes e, portanto, que o Estado-Legislador mantenha-se merecedor da confíanga do cidadáo.

Mas náo só dessa forma genérica evidencia-se a legislagáo-álibi. Face á insatisfagáo popular perante determinados acontecimentos ou á

171. Kindermann, 1988:234; com fonnulacáo análoga, Ilegenbarth, 1981: 201.

172. Kindermann, 1988:234. 173. Kindermann, 1988:234-38, 1989:267ss. Analogamente, NoII (1981:

360-62) fala de "reac8es substitutivas" como espécie de legislacáo simbólica. 174. Kindermann, 1988:234, 1989:269.

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emergencia de problemas sociais, exige-se do Estado muito freqüente-mente urna reacáo solucionadora imediata. Embora, nesses casos, cm re-gra, a regulamentacáo normativa multo improvavelmente possa contri-buir para a SOIMO dos respectivos problemas, A atitude legiferante ser-ve como um álibi do legislador perante a populacáo que exigia urna rea-00 do Estado .

Kindermann refere-se ao caso de peixes acometidos por nematódeos e que, conforme uma reportagem da TV alemá (1987), estariam sendo comercializados, provocando doencas intestinais nos consumidores. Os problemas económico-sociais resultantes da reducáo do consumo provo-cada pela reportagem levou o Governo Federal da Alemanha a expedir um Decreto muito detalhado, de acordo com o qual estaría garantindo que nenhum peixe acometido chegaria ao comércio. Com isso, obti-nham-se efeitos positivos para a regularizacáo do comércio de pescados, embora, sob o ponto de vista instrumental, o problema da comercializa-QA0 de peixes contaminados permanecesse fora do controles.

No Direito Penal, as reformas legislativas surgem muitas vezes como reacóes simbólicas á pressáo pública por urna atitude estatal mais drástica contra determinados crimes' 76 . A onda anti-semítica que se propagou na Alemanha cm 1959-60, onde houve freqüentes violacks de cemitérios judeus e sinagogas, levou, por cumplo, a urna reforma juridicamente desnecessária do Parágrafo 130 do Código Penal Alemáo (StGB), a qual, porém, demonstrava simbolicamente a prontidáo do Es-tado de responder á "indignac5o" pública pelas desordens anti-scmíti-cas' 77 . Também em relacáo á escalada da criminalidade no Brasil das duas últimas décadas, a discussáo cm torno de urna legislacáo penal mais rigorosa apresenta-se corno tun álibi, cis que o problema náo de-corre da falta de legislacáo tipificadora, mas sim, fundamentalmente, da inexistencia dos pressupostos sócio-económicos e políticos para a efeti-vacáo da legislacáo penal em vigorm.

Além dos casos cm que se apresenta como "rcacáo substitutiva" a pressóes sociais ou corno referencia na prestacáo de comas ao eleitora-

175. Kindennann, 1989:268.

176 Cf. Schild, 1986:198. 177. Kindennann, 1988:237. 178. Aqui se enquadra evidentemente o debate sobre a legalizalfio da pena

de morte. que, por Último, implica o problema da constitucionalidade da respec-tiva reforma da constituiláo (cf. art. 5 2, inciso XLVII, al. a, c/c art. 60, § 4 2, in-

u ciso IV, da Constittii0o Federal).

u 38

do. a legislacáo-álibi serve corno mecanismo de exposicáo simbólica das instituicóes. Um exemplo interessante é o da legislacáo sobre os mcios de comunicacáo nos EUA'''. As normas sobre controle da radiodifusáo e da televisáo teriam permanecido "sem efeitos regulativos reais", mas tcriam servido para dar "a aparencia das precaucóes estatais por um mínimo de responsabilidadc da mídia". como também para "dissipar dúvidas sobre a racionalidade do sistema de 'India americano", evitando possíveis reas óes de descontentamento dos cidadlosm. Em casos como esse, a legislac50-álibi náo estada vinculada a relacóes mais concretas. entre políticos e eleitores ou entre governo/parlanicnto e pressócs espe-cíficas do público, mas sim, de forma mais genérica. á exposicáo abstra-ía do Estado corno instituicáo merecedora da confianca pública.

A legislacáo-álibi decorre da tentativa de dar a aparencia de uma solucáo dos respectivos problemas sociais ou. no mínimo, da pretensáo de convencer o público das boas intenCócs do legislador'''. Como se tem observado. cla náo apenas deixa os problemas sem solucáo, mas além disso obstrui o caminho para que eles scjam resolvidos 1 ". A essa formulacáo do problema subjaz urna crenca instnimentalista nos efeitos das leis, conforme a qual se atribuí á legislacáo a funcáo de solucionar os problemas da sociedade'". Entretanto, é evidente que as Icis náo sáo instrumentos capazes de modificar a realidade de forma direta, cis que as variáveis normativo-jurídicas se defrontam com outras ,.variáveis orientadas por outros códigos e criterios sistemicos (v. infra Cap. 111. 1.) A resolucáo dos problemas da sociedade dependeria entáo da interferencia de variáveis náo normativo-jurídicas. Parece. portanto, mais adequado afirmar que a legislac50-álibi destina-se a criar a i-magem de um Estado que responde normativamente aos problemas reais da sociedade. sem, contudo, normalizar as respectivas relacóes so-ciais.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a legislaczlo-álibi constilui unta forma de manipulacáo ou de ilusáo que imuniza o sistema político con-

179. A respcito, v. I loffinatin-Riem, 1981, 1985. Cf. também Kindermann, 1988:235-37.

180. 1 lollinann-Itiem, 198 I :81s.; Kindennann, 1988236. 181. Kindennann, 1988:234. 182. Noll, 1981:364; Kindermann, 1988:235, 1989:270. 183. Assim é que Kindennann Bula de "soluláo de problemas sociais" atra-

vés de leis (1988:264).

39

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tra outras alternativas'84, deseinpenhando uma fungáo ideológica. Mas parece muito limitada e simplista a concepgáo que considera, no caso da legislagáo-álibi, o legislador como quem ilude e o cidadáo como o iludidol". Em primeiro lugar, deve-se observar que, face "perda de realidade da legislagáo" em urn mundo que se transforma ace-leradamente, confundem-se o real e a encenagáo, "desaparecem também os contornos entre desejo e realidade", "ilusáo e auto-ilusáo tornam-se indiferenciáveis", de tal maneira que "líderes políticos náo sáo apenas produtores, mas também vítimas de interpretagóes simbólicas"'86. A legislagáo-álibi implica uma tomada de papéis sociais tanto pelas elites que encenam, quanto por parte do público-espectador, náo podendo ser restringida a atividades conscientes das elites para alcangar seus fins; eis que tentativas de manipulagáo desse tipo "tornam-se usualmente conhecidas" e tendem ao fracassoi". Entretanto, embora seja de rela-tivizar-se os conceitos de manipulagáo e de ilusáom, é evidente que a legislagáo-álibi pode induzir "um sentimento de bem-estar" (-> "reso-IllQáO de tensáo")1" e, portanto, servir á lealdade das massasm.

Por fim, é importante salientar que a legislagáo-álibi nem sempre obtém éxito em sua fungáo simbólica. Quanto mais ela é empregada tanto mais freqüentemente ela fracassa'91. Isso porque o emprego abusi-vo da legislagáo-álibi leva á "descrenga" no próprio sistema jurídico, "transtorna persistentemente a consciéncia jurídica"1". Tornando-se abertamente reconhecível que a legislagáo náo positiva normas jurí-dicas, o Direito como sistema de regulagáo da conduta em interferéncia intersubjetiva cai em descrédito; disso resulta que o público se sente enganado, os atores políticos tornam-se cínicosm. A esse ponto retor-naremos guando tratarmos especificamente da constitucionalizagáo sim-bólica.

184. Cf. Noll, 1981:362; Kindermann, 1988: 235, Itegembarth, 1981:202s. 185. Kindennann, 1989:270. 186. I legenbadh, 1981:204. 187. Edelman, 1967:20. Cf. também Kindennann, 1988:238; 011"e, 1976:

IXs. 188. Kindermann, 1988:238. 189. Edelman, 1987:38. 190. Cf. Kindermann, 1989:269; Hegenbarth, 1981:201. 191. Kindermann, 1989:270. 192. Kindermann, 1989:270, 1988:235. 193. Kindennann, 1989:270.

40

7.4. Legislaqdo como Fórmula de Compromis.vo Ddatório

A legislagáo simbólica lamben) pode servir para adiar a solugáo de conflitos sociais através de compromissos dilatóriost". Nesse caso, as divergéncias entre gnipos políticos nao sáo resolvidas através do ato legislativo, que, porém, será aprovado consensualmente pelas partes envolvidas, exatamente porque está presente a perspectiva da ineficacia da respectiva lei. O acordo náo se funda entáo no conteúdo do diploma normativo, mas sim na transferéncia da SO1U00 do conllito para tim fu-turo indeterminado.

Como "compromisso-fórmula dilatório", expressáo utilizada por Schmitt em relagáo á constituigáo de Weimar'95, enquadra-se perfeita-mente o caso da Lei Norueguesa sobre empregados domésticos (1948), investigado muito habilidosamente por Aubert'96. A fungáo manifesta dessa lei teria sido a regulamentagáo de relagóes de trabalho; instrumen-talmente o seu fim teria sido a melhora das condigiíes de trabalho dos empregados domésticos e a protegáo dos seus interesses'97. A suavidade das normas sancionadoras a serem aplicadas ás donas de casa nas hipó-teses de violagáo da lei, dispositivos punitivos cujas dificuldades de aplicagáo decorriam da própria lei, constituía uni fator importante para garantir a sua ineficacia. Também a forte dependéncia pessoal dos em-pregados domésticos em relagáo ás donas de casa atuava como condigáo negativa de efetivagáo do texto legal. Foi exatamente essa previsível falta de concretizagáo normativa que possibilitou o acordo entre grupos "progressistas" e tendéncias "conservadoras" em torno da Lei. Os pri-meiros ficaram satisfeitos porque a Lei, com os seus dispositivos sancio-natórios, documentava a sua posigáo favorável a reformas sociais. A-queles que eram contrários á nova ordem legal contentaram-se com a falta de perspectiva de sua efetivagáo, com a sua "evidente impraticabi-lidade"1". Dessa maneira, abrandava-se um conflito político interno através de uma "lei aparentemente progressista", "que satisfavia ambos partidos"'99, transferindo-sc para ilin futuro indeternibi.ido a ,,.i1.1;,áo do

194. Kindennann, 1988:239. Analogamente, refete-se I legenhal 111 ( I 9g I :

202) a leis que se dirigem simultaneamente a fins antitéticos 195. Cf. Schmitt, 1970:31ss. (tr. esp., 1970:365s). 196. Aubert, 1967. Cf também Lenk, 1976:148.; Kindennann, 1988:228,

230 e 239. 197. Aubert, 1967:285; Kindermann, 1988:228. 198. Aubert, 1967:302; l,enk, 1976:149. 199. Lenk, 1976:149. Cf. Aubert, 1967:296ss.

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conflito social subjacente.

8. Eficácia e Efetividadc das Lcis versus Efebos Rcais da Legislaláo Simbólica

As consideraeóes aprescntadas no item anterior implican] a rejcieáo da concepeáo simplista da inexisténcia ou irreleváncia social da legis-Inflo ou dos textos legais carentes de eficácia normativa. Nesse sentido é que Aubert, cm set' já mencionado cstudo, fez a distineáo entre fun-elles sociais manifestas e latentes da legislaeáo2''. A legislaeáo simbólica tcria, cntáo, cfcitos sociais latentes; cm muitos casos bcm mais relevan-tes do que os "cfcitos manifcstos" que lhe faltaram. Entretanto, a utiliza-00 indiscriminada do termo `cficácia" e 'efctividade' cm relaeáo legis-laeáo simbólica pode embaraear a compreensáo de quais os seus efeitos específicos. Além do mais. há efeitos latentes que náo importam funeáo simbólica da lei. Por isso pretendemos a seguir aprescntar um quadro tipológico dos efcitos da legislaeáo.

8. I. Eficacia como C'oncretizaefio Normativa do Texto Legal

Distingue-se tradicionalmente a cficácia no sentido técnico-jurídico da eficácia cm sentido "sociológico"2"1. A primcira refere-se á possi-bilidadc jurídica de aplicaeáo da norma, ou mclhor, á sua aplicabili-dadc, exigibilidade ou executoriedade. A pergunta que sc póc é, nesse caso, sc a norma preenchcti as condieóes intra-sisrémicas para produzir os scus cfcitos jurídicos específicos?". No sentido "empírico", "real" ou "sociológico" - acolhido, no cntanto, na "Tcoria Pura do Dircito"2" --, a eficácia diz respeito conformidadc das condutas á norma. A pergunta que se coloca é. cntáo, sc a norma foi realmente "observa-da". "aplicada", "executada" (imposta) ou "usada". É cssa questáo que nos intcressa aqui. ou seja, o problema da eficácia cm sentido "cmpíri-

200. Aubert, 1967. A distinOo entre funlbes latentes e manifestas remonta a Merton, 1968:105 e 114ss. A respeito, cf. também Treves, 1978:169s.

201. Cf. Neves, 19811:51s. 202. Cf. RottleutImer, 1981:92; Silva, 1982:55s.; 13orges, 1975:42-44. 203. Cf. Kelsen, 1960:10s e 215ss. (tr. port., 1974:29-31 e 292ss.), 1946.

39s.

co". Inicialmente elevemos distinguir entre obscrváncia e imposieáo (ou

CXCCUQáO cm sentido cstrito) das leis: a obscrváncia significa que se agiu conforme a norma legal, sem que essa conduta esteja vinculada a uma atitude sancionatória impositiva; a CXCCUQáO (ou imposieáo) surge exa-tamente como reaQáo concreta a comportamentos que contrariam os preceitos legais, destinando-se á manutenQáo do direito ou ao restabele-cimento da ordem violada2". Assim é que a observáncia diz rcspcito á "norma primária" e a CX.CCUO0 cm sentido estrilo ou imposieáo refere-se á "norma sccundária", partes da norma que atribucm conseqüéncias dcómicas, respectivamente, á conduta lícita (ou Lamben] a tatos jurídicos cm sentido estrilo) e ao ato ilícito2". A cficácia pode decorrer, conse-qüentementc, scja da observáncia da lel ou de sua imposiQá06. Numa acep9áo estritamente jurídica (náo do ponto de vista da accitaQáo mo-ralmente fundamentada) seria possível, entáo, distinguir-se entre eficá-cia autónoma (por observáncia) e efícácia heterónoma (por imposi0o de terceiro) de um preceito normativo. Aqui náo se concebe. portanto. a restriQáo do conceito de cfícácia á observáncia "autónoma". no sentido de abordar-se a questáo especificamente na perspectiva da possivel jus-teza da norma jurídica2v. Também a superestimaQáo da observánciam

204. Lultinann, 1987b:267. Cf. também Garrn, 1969:168s.., Noll, 1972:259. 205. Sobre a distincifio entre norma primária e norma secundária, v. Geiger,

1970:144ss. Cossio empregava, respectivamente, os termos `endononna. e 'pe-rinonna'; para acentuar que se trata de dois componentes disjuntivamente vin-culados de unta única norma (cf. Cossio, 1964:esp. 661s.). Kelsen titilizava, in-versamente, as express6es 'norma secundária' (-> observáncia) e 'norma pri-nária'Otonna sancionadora), em face de stta superestimayfio do momento san-cionatório para a identifícala() do fenómeno jurídico (cf. Kelsen, 1966:5Is., 1946:60s., 19130:52 e 124-27). Em perspectiva lógica, Vilanova (1977:64s. e 90) rejeita a inversfio conceitual em Kelsen e mantém os adjetivos `primário' e 'se-cundário' no sentido usual, enfatizando designarem unta reina() de antecedente e conseqüente lógicos no ámbito da norma

206. Cf. Geiger, 1970:70. 207. Assim, porént, Ryffel, 1972:228; v. também idem, 1974:251 -58. A

respeito, criticamente, Blankenburg, 1977:33ss. 208. Cf. Garrn, 1969:169. Equívoca é, porém, a posiláo de Garrn, o qual,

em contradi9Oo com stta aftnnayao de que "unta 'tonna é CfiCaZ guando é ob-servada ott executada" (168), escreve:"Ela só pode mostrar-se como eficaz por ser

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ou a énfase na "eficacia regulativa" 2°9 náo é de admitir-se, na medida em que assim se desconhece o significado da eficácia através de imposi-QáO (execucáo). A ineficacia só se configura, por conscguinte, na hipóte-se da náo ocorréncia de nenhuma das duas alternativas de concrecáo da norma legal, ou seja, no caso de tanto "norma primaria" quanto "norma secundária" fracassarem 210.

Como os conceitos de execugáo (imposicáo) e observancia adquirem aqui um sentido estrito, pode-se introduzir nesse ponto duas outras no-caes: `aplicagáo do Direito' e 'uso do Direito'. Da mesma maneira que a execugáo, a aplicacáo do Direito exige, em ordens jurídicas positivas, o agir de um terceiro, o órgáo competente, em face dos destinatários da norma. Porém, a execucáo em sentido estrito consiste numa atividade impositiva de fato, enquanto a aplicacáo normativa pode ser conceituada como a criacáo de uma norma concreta a partir da fixacáo do signifi-cado de um texto normativo abstrato cm relacáo a um caso determinado, incluindo, na concepcáo de Müller, náo só a producáo da "norma de decisáo" (individual) 2 u, mas também a producáo da "norma jurídica" (geral) aplicável ao caso 212 . Embora aplicacáo e execugáo normativa es-

observada" (169), de tal maneira que sua execucáo (imposigáo) implica exclu-sivamente a eficácia (observáncia) da respectiva "norma secundária" (norma de execugao) (169s.). É verdade que `observá'ncia' e `execucáo' (`hnposigáo') cons-tituem conceitos relativos, na medida em que a imposigáo (execucáo) de urna "norma primária" através de sua correspondente "norma de exectu,:ao" importa a observáncia dessa última; deve-se, porém, acrescentar-se: na perspectiva de sua observáncia/náo-observáncia, a última náo constitui mais "norma de execu-gáo" ("norma secundaria"), mas sim uma "norma primária", á qual, por sua vez, corresponde urna "norma secundária".

209. Cf. Kramer, 1972:254ss. 210. Com isso náo se desconhece o seguinte: "uma norma que relativamen-

te aos destinatários normativos primários náo é mais regulativamente eficaz, mas sim apenas repressivamente, a longo prazo cairá de todo — também re-pressivamente — em desuetudo" (Kramer, 1972:256).

211. Cf. Garrn, 1969: 169s. Em Kelsen a "aplicagáo" inclui a atividade executória da sancáo — cf. Kelsen, 1960:11 e 240 (tr. br., 1974:30 e 325); a respeito, criticamente, Garrn, 1969:169s.

212. Cf. Müller, 1984:263ss. Aqui é de se observar que a "Teoria Pura do Direito" já acentuava a relatividade dos conceitos de aplicacáo e criacáo do Direito — cf., p. ex., Kelsen, 1960:240s. (tr. br., 1974:325s.), 1946:132s., 1966:233s.; a respeito, v. Kramer, 1972:247ss.

44

tejam estreitamente vinculadas, existem, porém, atividades de aplicacáo que náo cstáo relacionadas com execucáo do Direito cm sentido cstrito, como, por cxcmplo, no caso da jurisdicáo voluntária. A diferencial:á° entre execucáo e aplicacáo (polícia e outros órgáos de execucáo versus juízes e tribunais) implica que surjam discrepancias entre esses dois mo-mentos da concretizacáo do Direito. Na medida em que a "norma indi-vidual" (do órgáo aplicador da lei) constitui "uma mera possibilidade", estará sempre presente a hipótese de que nem a parte condenada nem os funcionários competentes para a execucáo conduzam-se de acordo com o seu conteúdo213. A consonancia entre producáo e aplicacáo de normas gerais náo é suficiente, portanto, para que se caracterize a eficácia do Direito: a falta de observancia e/ou de execucáo (cm sentido cstrito) poderá, também nesse caso, quebrar a cadcia de concretizacáo normati-va.

Uma outra distincáo relevante para o problema da eficacia das Iris é a que se estabelcce entre obscrváncia e uso do Direito. A observáncia refere-se ás "regras de conduta", isto é, ás obrigagóes e proibigóes; o uso, ás "ofertas de regulamentacao" 2 ". Náo estando presentes as condi-cóes ("infra-estrutura") para o uso das ofertas de regulamentacáo legal-mente postas, pode-se falar, entáo, de ineficacia normativa. Porém, nesse caso, nao se trata de respeito, violacáo ou burla de preceito legal, mas sim de uso, desuso ou abuso de textos legais que contém oferta de auto-regulamentagáo de relacóes intersubjetiva0 5 .

A eficácia da lei, abrangendo situacóes as mais variadas — obser-vancia, execucáo, aplicacáo e uso do Direito, pode ser comprcendida genericamente como concretizacáo normativa do texto legal. O nosso conceito de concretizacáo é mais amplo do que o formulado por Midler, conforme o qual o "processo de concretizacáo" restringe-se á producáo da "norma jurídica" (geral) e da "norma de decisáo" (individual) na resolucáo de um caso determinado 216 . No sentido cm que o concebentos,

213. Kramer, 1972:255. Nesse sentido, náo cabe reduzir o conceilo de cli-cácia á "disposigáo para a aplicagáo", como pretende liulygin, I965:53ss.

214. Blankenburg, 1977:36s. Bulygin (1965:45ss.) propóe urna distingáo inteiramente diferente entre "observáncia e uso de normas", sengudo a qual a "aplicagáo" constitui um caso típico de "uso", a saber, "é definida como uso das normas para a fundamentaláo de decisóes jurídicas"(40).

215. Cf. F'riedman, 1972:207s.; Blankenburg, 1977:37. 216. Cf. Müller, 1984:263. De acordo com Miiller (p. ex., 1984:269),

também a norma jurídica só vem a ser prodmida cm cada caso.

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o proccsso de concretiznáo normativa sofrc bloqucios cm toda e qual-quer situnáo na qual o conteúdo do texto legal abstratamente positivado é rejeitado, desconhecido ou desconsiderado nas internóes concretas dos cidad5os, grupos. órgáos estatais, organizaCes etc.; inclusive, por-tanto, nas hipóteses de inobserváncia ou inexecwáo da "norma jurídica" (geral) e da "norma de decisáo" (individual) producidas em um caso ju-rídico determinado, como também guando °correr desuso ou abuso de "ofertas de regulamentnáo". Entretanto, o proccsso concretizador náo deve suscitar, de mancira nenhuma, "a ilusáo da plena correspondéncia do abstrato c do concreto", mas sim, como problema, "a ser resolvido através de uma forma de náo-identidade integrada do abstrato e do con-creto -217 . Retornaremos a esse tema ao abordarmos especificamente a relaQáo entre texto constitucional e realidade constitucional (Cap. 11.2).

8.2. kletividade como Realizaeño da Finalidade da Lei

Da eficácia, compreendida como mera conformidade dos compor-tamentos ao conteúdo (alternativo) da norma. tem-se procurado distin-guir a efetividade, sugerindo-se urna referéncia aos fins do legislador ou da lel'''. Formulando com outras palavras, pode-se afirmar que a eficá-

cia diz respeito á realiznáo do "programa condicional", ou soja. á con-

creQáo do vínculo "se-entáo" abstrata e hipoteticamente previsto na

norma legar', enquanto a efetividade se refere á implementaQáo do

"programa finalístico" que oricntou a atividade legislativa, isto é, á con-

cretizaQáo do vínculo "mcio-fim" que dccorre abstratamente do texto le- ga 220 .

Especificamente quanto aos fins das normas jurídicas, distinguem-

217. Luhmann, 1974:52.

218 Capella, 1968:105; Jeammatid, 1983:53s. Cf Glasvrin et al., 1982.

Noll (1972:261) denomina-a "eficacia social".

219. Sobre programacáo condicional como particularidade do Direito po-

sitivo, v. Luhmann, 1987h:227-34, 1981 b:140-43, 1981 c:275ss., 1973a:88ss.

(esp. 99); Neves, 1992:29.

220. Quanto á relacáo recíproca entre programa condicional e programa

linalístico para a legitimacáo do Direito positivo, v. Luhmann, 1983a:130ss.,

I 973a: I O l ss.

se, entáo, efetividade. inefetividade e antiefetividade de sua atunao 221 . Uma leí destinada a combater a infia0o, por exemplo, será eft.tiva guan-do a inflaQáo for reducida relevantemente por forQa de sua eficacia (ob-serváncia, aplicaQáo, exccuQáo, uso). Entretanto, o vínculo "se-entáo" previsto abstratamente numa Iei antiinflacionária pode estar sondo regu-larmente concretizado nas relaQóes em interferéncia intersubjetiva, sem que hija qualqucr modificnáo significativa no aumento dos presos; tem-se, portanto, eficácia sem efetividade. E há lamben -1 a possibilidade de que a legislaQáo antiinflacionária (para permanecer no exemplo) soja intensamente eficaz, mas provoque urna relevante alta de prews, impli-cando portanto antiefevetividade.

Para finalizar, queremos advertir que tanto 'eficácia' quanto 'efeti-vidade' sáo conceitos relativos, graduais. Nos casos, porém, cm que a

ineficácia e/ou inefetividade atingem um gran muito elevado, impli-

cando que as expectativas normativas das pcssoas e dos órgáos estatais, de uma forma generalizada, náo se orientara pela "norma" legisla-tivamente posta, encontramo-nos diante de falta de vigéncia social da Ici ou de caréncia de normatividade do texto legal (cf. subitcm 8.4 deste cap.).

8.3. Pjeitos Indirelos e Latentes da Legislaeño

A eficácia e a efetividade náo esgotam o problema dos efeitos da

legislaQáo. As normas legais produzem efeitos indirctos ou latentes que

podcráo estar vinculados ou náo á sua efetividade c eficácia.

Em primeiro lugar cabe distinguir as conseqüéncias da legislaQáo na sua conexáo com outros fenómenos sociaism. ASSilll é que se discute sobre a utilidadc e o significado económico de normas jurídicas 223 . Urna lei tributária, por exemplo. pode ser intensamente eficaz e efetiva, mas produzir recessáo, desemprego e/ou inflnáo. Também no concernente á arte, ao amor. ás relaQóes familiares, os efeitos indirctos de uma lei po-

dem ser bastante significativos. Urna lei que amplie os casos de permis-

sáo de aborto inegavelmente terá forte influéncia sobre as relaQóes amo-

rosas e familiares. Urna legislaQáo que imponha censura aos meios de

comunicaQáo terá conseqüéncias sobre a criaQáo artística.

221. Cf. tilasyrin et al., 1982:49 -52.

222. Cf. Illankenburg, 1977:41.

223. A respeito, v. Glasyrin et al., 1982:52-60.

u u 46 47

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No plano do dircito penal, fala-se da hinca() ou cremo criminógeno da própria lei penal224. Poder-se-ia objetar que se trata aqui de um caso de antiefetividadc. Mas a hipótese é mais abrangentc. A pesquisa crimi-nológica aponta situacóes cm que a atuagáo coercitiva do aparclho esta-tal contra a criminalidade juvenil leva a estrellar os lagos entre os res-pectivos jovens, que, em reacáo, passam a praticar atos puníveis mais graves225. Em muitos casos, á promulgacáo de uma nova lei penal se-guem-se contra-reacóes, atos de resisténcia e de ajuda aos autores, im-plicando outras condutas puniveis226. Por fim, entre os penalistas consi-dera-se como incontroverso que a criminalizacáo de uma conduta tem freqüentemente por conseqüéncia a prática de novos atos puníveis para sua eXeCUQáO e encobrimento, incluindo-se também a extorsáo227.

Do ponto de vista psicanalítico, sustenta-se que a legislacáo pode constituir um processo de estabilizacáo do ego, mesclando-se aí variá-veis instrumentais e simbólicas228. No campo do direito penal, tem-se indicado que a legislacáo serviria para satisfazer, de forma sublimada, a "necessidade de vinganca" do poyo, evitando-se, entáo, a justica por lin-chamento229. Analogamente, satisfaz-se por leis punitivas ou restritivas de direitos á necessidade de "bodes expiatórios", estigmatizando-se de-terminados membros da sociedade e descarregando-se outros de respon-sabilidade ou sentimento de culpa23°. Porém, nessa hipótese, em náo ha-vendo eficácia dos preceitos legais, estaremos num típico caso de Icgis-lacáo simbólica.

Um relevante efeito indireto da legislacáo é aquele que cla excrce com relagáo a quem elabora o respectivo projcto de lei23'. Para uní juris-

224. CE Schild, 1986:200s., tratando da "furnia° criminógena" da legisla-cao penal.

225. Schild, 1986:201. - 226. Schild, 1986:201. 227. Schild, 1986:201. 228. Cf. Schild, 1986:200. 229. Schild, 1986:200. Através-de pesquisa sociológico-jurídica, C. Solito e

T. Souto (1991) procuram demonstrar que a falta de eficacia da legislacao penal em áreas do interior do Nordeste do Brasil está vinculada á prevaléncia da vinganca (privada) sobre os modelos punitivos do Direito Penal Positivo. Numa perspectiva psicanalítica, poder-se-ia afinnar que a lei penal nao responde, de fonna "sublimada", "civilizada", á "necessidade de vinganca" do poyo.

230. Schild, 1986:200. 231. Cf. Schild, 1986:201s.

48

ta, a participacáo na elaboracáo dc um antcprojeto de código civil, códi-go penal, código tributário ctc. pode implicar a sua consagracáo no 'nejo académico e profissional. Uní burocrata que elabora um importante pro-jeto de lei terá maior chances de galgar na estrutura administrativa. Também muito relevante é a atividade legislativa para a carreira políti-ca. Em todas essas hipóteses, a aprovagáo da respectiva lei importa igualmente a satisfacao pessoal do seu "elaborador"232. É evidente que, nesses casos, a legislacáo pode ser simplesmente simbólica. Mas os efei-tos positivos da legislagáo para o elaborador da lei, especialmente para juristas e burocratas, tendem a ser tanto mais intensos quanto maior for a sua forca normativa.

8.4. Efeitos da Legislaqeio Simbólica

A legislacáo simbólica é caracterizada por ser normativamente ine-ficaz, significando isso que a relacáo hipotético-abstrata "se-entáo" da "norma primária" e da "norma secundária" (programacáo condicional) náo se concretiza regularmente. Náo é suficiente a náo-realizacáo do vínculo instrumental "meio-fim" que resulta abstratamente do texto le-gal (programa finalístico) para que venha a discutir-se sobre a funcáo hipertrofícamente simbólica de uma lei. Sendo eficaz, ou seja, regular-mente observada, aplicada, executada ou usada (concretizacáo norma-tiva do texto legal), embora incfctiva (náo-realizacáo dos fins), náo cabe falar de legislacáo simbólica.

Entretanto, como tém salientado os sociólogos do Dimito, "eficacia" é um conceito gradual, mensurável (quota de observáncia e de execu-gáo)"3. Qual o grau de ineficácia normativa entáo necessário, para que se atribua a uma lei efeitos hipertroficamentc simbólicos (legislacáo simbólica)? Parece-nos que a resposta se encontra, porém, náo numa quota de ineficácia mensurável, mas sim no problema da falta de vi-géncia social da norma. Expliquemos a seguir.

Considerando-se que constituem flItlOCS do sistema jurídico tanto a "direcáo da conduta" quanto o "asseguramento das expectativas"234, a eficácia diz respeito á primeira, enquanto a vigéncia (social) se refere á

232. Schild, 1986:202. 233. Cf Carbonnier, 1976: 99-111; Geiger, 1970: 228ss. 234. Luhmann, 1981d, onde se trata especialmente da tensa() entre essas

duas fungaes.

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segunda. Embora a eficacia scja mensurável, a vigéncia náo pode scr medida através de um "cálculo de vinculatoriedade" baseado na "quota de eficácia"2"; apesar de sua relatividadc no sentido sociológicon6, a "vigéncia do direito" é um problema que se cncontra no plano do "vivenciar". ao contrario da questáo da eficacia, que muge no plano do "agir"2". O fato de que a vigéncia (social) náo pode ser reduzida a uma funcáo da "quota de eficacia" náo exclui que cssa quota condicione a vigéncia das normas jurídicas e vice-versa, pois "nenhum vivenciar é acessível sem o agir, ncnhum agir é compreensível sem consideracáo do vivcnciar do agente""8. A capacidadc do sistcma jurídico de dirigir con-dutas cm interferéncia intersubjetiva e sua capacidade de assegurar ex-pectativas normativas encontram-se em relacáo recíproca. O problema de como estáo se comportando as pessoas e a questáo da orientacáo das expectativas de comportamento pressupóem-se e complementam-se mu-tuamente "9.

Urn gran muito acentuado de ineficacia pode significar que náo há orientacáo generalizada das expectativas normativas de acordo com a leí, scja isso tanto por parte dos cidadáos, organizacóes, gnipos, quanto por iniciativa dos órgáos cstatais (falta de vigéncia social). Se partimos de que a funcáo primária do Direito "náo reside na realizacáo de deter-minado comportamento, mas sim no fortalecimento de determinadas expectativas"24°, pode-se afirmar que a legislacáo simbólica só tem lugar guando a vigéncia social da norma legal, ou seja, a sua funcáo de "congruente generalizacáo de expectativas normativas""' é atingida. O

235.Cf., em sentido contrário, Geiger, 1970:71s. e 209s.; acompanhando -o, Teubner, 1989:212.

236.Cf. Weber, 1985:17. 237. Para a distingáo entre "vivenciar" (Erlehen) e "agir" (Handeln), v.

1,illimann, 1981e; Kiss, 1986:12-15. 238. Ltilimann, 1981f85. 239. Cf. 131ankehurg, I 977:35 240. ',William), I 981 h:118 241. Conforme a detinigáo de Direito formulada por Lulunann: "...estru-

tura de um sistema social baseada na generalizaedo congruente de expectativas

normativas de comportamento" (1987b: 105). Ou simplesmente: "expectativas normativas de comportamento congruentemente generalizadas" (1987b: 99). Formulando de maneira diferente, afirma-se que "o Direito preenche amplas fungáes de generalizagáo e estabilizagáo de expectativas normativas" (1974:

24).

texto legal náo é apenas incapaz de dirigir normativamente a conduta, caracterizando-se principalmente por náo servir para orientar ou assegu-rar, de forma generalizada, as expectativas normativas. Falta-lhc. por-tanto, normatividade.

A legislacáo simbólica náo sc delincia, quanto aos efeitos, táo-so-mente num sentido negativo: falta dc eficacia normativa e vigéncia so-cial. Há atos de legislacáo e textos normativos que tém essas caracterís-ticas, scm que desempenhem qualquer funcáo simbólica. Basta lembrar o fenómeno do desuso, o qual atinge a própria "validadc" (pertinéncia) da norma cm sentido técnico-jurídicom. A legislacáo simbólica define-se também num sentido positivo: cla produz cfcitos relevantes para o sistema político, de natureza náo especificamente jurídica. Náo se dis-tingue da legislacáo instrumental por náo exercer influéncia sobre a conduta humana, mas sim pela forma_ como exerce cssa influencia e pelo modelo de comportamento que influencia-2". Conforme o tipo de legislacáo simbólica, variará°, porém. os scus cfcitos.

No que concerne á legislacao destinada á confirmacáo de valores sociais. podc-sc distinguir trés cfcitos socialmente relevantes. Ein pri-miro lugar, trata-se de atos que SCR'CM para convencer as pcssoas e grupos da consisténcia do comportamento e norma valorados positiva-mente, confortando-as e tranqüilizando-as de que os respectivos senti-mentos e intcresses cstáo incorporados ao Direito c por ele garantidos2". Em segundo lugar, a afirmacáo pública de tima norma moral pelo legis-lador, mcsmo que !he falte a específica eficacia normativo-jurídica. con-duz as principais instituicóes da socio:la& a servir-lhe de sustentacáo. de tal mancira que a conduta considerada ilegal tem mais dificuldade de impor-se do que um comportamento lícito; vislumbra-se aqui funcáo instnimental para o Dircito. inesmo cin havendo "cvasáo padroni-zada"2". Por fini. a legislacáo simbólica confirmadora de valores sociais distingue, com relevancia institucional. "quais as culturas tém legitima-00 e dominacáo pública" (dignas de respeito público) das que sáo con-sideradas "desviantes" ("degradadas publicamente"), sendo. portanto, geradora de profundos conflitos entre os respectivos grupos2".

242. Cf. Kelsen, 1960:220 (tr. br. I 974:298s.). A respeito da rehíla° da efi-cácia com a pertinencia e a validade em sentido técnico-jurídico, v. Neves, 1988: 49-52.

243. Cf. Kindennann, 1989:257 244. Gustield, 1967:177 245. Gusfield, 1967: I 77s. 246. Guslield, 1967:178.

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A legislagáo-álibi é um mecanismo com amplos efeitos político-ideológicos. Como já enfatizamos acima, descarrega o sistema político de presseles sociais concretas, constitui respaldo cleitoral para os res-pectivos políticos-legisladores, ou serve á exposigáo simból10 das insti-tuigóes estatais como merecedoras da confianga pública.

O efeito básico da legislagáo como fórmula de compromisso dilató-rio é o de adiar conflitos políticos sem resolver realmente os problemas sociais subjacentes. A "conciliagáo" implica a manutengáo do status quo

e, perante o público-espectador, urna "representagáo"rencenagáo" coe-rente dos grupos políticos divergentes.

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Capítulo 2

...Á CONSTITUCIONALIZACÁO SIMBÓLICA: ABERTURA DE UM DEBATE

I. Constituiyáo e Constitueionaliznáo

1.1. O Problema da Plurivocidade

Quando falamos em constitucionalizaQáo admitimos, implícitamen-te, ordens jurídicas ou Estados sem Constituigáo. Ao definir-se Consti-tuigáo, partilha-se correntemente a idéia de que todo o Estado tcm urna Constituigáo real e/ou normativa. E mesmo (iando se nega caráter constitucional a certos Estados, a discussáo é reduzida a um problema de axiologia do Estado e/ou do Direito, tratado nos termos do constitu-cionalismo.

Assim como muitas outras expressóes da semántica social e política, o termo `Constituigáo' caracteriza-se sincronicamente pela plurivocidade e diacronicamente pela mutagáo significativa. Em trabalho anterior, já abordarnos essa questáo da pluralidade de sentidos'. Os manuais, cursos e "tratados" de Direito Constitucional e Teoria do Estado, muitas vezes sem a devida clareza na distingáo conceitual, propóem-se freqüentemen-te a uma exposigáo abrangente da variagáo do sentido ou da diversidade de conceitos de Constituigáo 2 . Náo é este o lugar para mais uma abun-dante explanagáo do inumerável acervo de defínigóes. Porém, tanto em virtude da variagáo de sentido do conceito de Constituigáo no tempo, ou seja, á sua semántica histórico-política 3, particularmente na iransigáo

1. Cf. Neves, 1988:53ss. 2. Cf., p. ex. Canotilho, 1991: 59-73, Biscaretti di Rutila, 1973:148-53,

1974:433-440; Pinto Ferreira, 1962:27-4(1, 1975:408-15; García-Pelayo, 1950: 29-48; Bastos, 1981:38-42, 1988; J. A. Silva, 1982:9-29. Ver tainhém referén-cias da nota 14 deste cap.

3. A respeito, cf. Maddox, 1989; Mcllwain, 1940, BückenfOrde, 1983; Me-lo Franco, 1958:43-61; Stourzh, 1975 ou 1989.

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para o Estado Moderno'. como também cm face da persisténcia de con-ceituacóes relevantes no presente. é importante unía abordagem preli-minar a respeito da discussáo tradicional sobre os conceitos de Consti-tuicáo e suas variacóes históricas'.

1.2. O Debate Correate sobre O Concedo dé Constilui0o

A discussáo sobre o conceito de Constituicáo remonta a Aristóteles. Nele, a Constituicáo (polilela) era concebida, num sentido muito abran-gente. como a ordem da polis:"... Constituicáo é a ordem (taxis) dos Es-tados era rclacáo aos cargos govcrnamentais (arché), corno eles sáo de distribuir-se, e á determinacáo do poder governamental supremo no Es-tado. como também do fim (lelos) da respectiva comunidade (koi-

tionía)"". Conforme essc conceito de organizacáo da polis, o qual incluía elementos estruturais e teleológicos', Constituicáo c Estado podiam ser equiparados'. Sem desconhecer que somente a partir dos fins do século XVIII tornou-se correrte, nas traducóes de Aristóteles. verter `politeia'

cm ConstiMiQáo' prevalecendo anteriormente a tradugáo pela pala-

4. Cf. Luhmann, 1990a:176s. Enpregamos aqui a expressáo "semántica his-tórico-política - para nos referir á conexáo entre mulato de sentido dos con-ceitos e translimitado da estrutura social (cf. Luhmann, I 9g0:19, nota 13).

5. A respeito, v. Neves, I 992a:45ss., de onde retiramos, cm linhas gerais, os elementos da exposigáo que se segue.

6. Aristóteles, I968:124s. (IV, I, 1289a), cf. lamben 80 (III, 1, 1274h) e 91s. (III, 6, I278b). Na edi4ito bilingüe grego-espanhol organizada por J. Martas e M. Araújo (Aristóteles, 1951), o termo 'milicia' é traduzido, na passagem ci-tada, por 'régimen político' ( I67s.). Mas nos dois outros trechos aos quais fize-mos referencia traduz-se a mesura palavra por 'constitución' (67 e 78). nal po-deria deduzir-se que titila unidade terminológica a essa famosa versáo espa-nhola. Mas, como observa I3ordes (1967:436) - analisando a variagáo do significado de `politeia . no pensamento grego náo só no conjunto da obra de Aristóteles, mas no interior da própria "Política", aparecem "contradigóes mesmo, que o autor nao procurou eliminar".

7. Portanto, embora se retira á comunidade política tal "como ela realmente é", isto é, seja um termo descritivo (Mcllwain, 1940:28; Maddox, 1989:51), -politeia' tem itnplicagües axiológicas.

g. Smend, 1968:196. Cf. Aristóteles, 1968:85 (III, 3, 1276b).

vra inglesa `government' 9, o conceito aristotélico vai desempenhar um importante papel até o início dos tempos modernos 10 . Porém, na transi-QáO para a sociedade moderna, abriu-se urna nova constelacáo semán-tica, no ámbito da qual Constituicáo será conceituada como carta de li-berdade ou pacto de poder". Em contraposiQáo ao caráter apenas "modificador do poder", "casuístico" e "particular" dos pactos de poder, surge, no quadro das revolucóes burguesas dos fans do século XVIII, o constitucionalismo moderno, cuja semántica aponta tanto para o sentido normativo quanto para a fun9áo "constituinte de poder", "abrangente" e "universal" da Constitui9áo".

A esse uso lingüistico inovador, vinculado ás transformas ks revo-lucionárias 13, náo se seguiu, contudo, de maneira nenhuma, univocidade em relaQáo ao conceito de ConstituiQáo. Ao contrário, fortificou-se desde o surgimento do Estado moderno liberal o problema da plurivocidade da palavra 'ConstituiQáo'. Isso manifestou-se sobretudo na clássica Teoria alemá do Estado e da ConstituiQáo; mas, apesar da pluralidade de con-ceitos que foram formulados entáo", eles sáo suscetíveis de ser classifi-cados cm quatro tendencias fundamentais, que podem designar-se res-pectivamente através das palavras-chave 'sociológica', `jurídico-norma-tiva', 'ideal' e 'cultural-dialética', e que até hoje ainda desempenham um papel importante nos estudos em torno de Estado, Direito e Cons-tituiQáo.

A defíniQáo "sociológica" clássica de Constituicáo, formulou-a Las-

9. Stourzh, 1975:101ss. oil I989:5ss. 10. Cf. Stourzh, 1975:99ss. oil 1989:3ss. 11. A respeito, cf. Bückenfürde, 1983:7ss. 12. Grimm, 1987a: esp. 48ss. Cf. também idem, 1989:633s. 13. "Concentrando-se nas quest8es da política relativa a conceitos e da

inovagáo semántica, entáo é fácil reconhecer que transformagóes revolucionári-as motivara um uso lingüístico inovador" (Luhmann, 1990a:177). A respeito, cf. Skinner, 1989.

14. Cf., Schmitt, 1970:3ss.; Heller, 1934:249ss., esp. 274-76 (tr.br ., 1968:295ss., esp. 322-24). Conforme Vilanova (1953: esp. 19 e 98s.), essa plu-ralidade de conceitos de Constituicáo seria de atribuir-se, sob prisma kantiano, á complexidade do dado. Segundo Luhmann (1990a: 212), em contrapartida, as diferentes definic5es de Constituiláo formuladas no ámbito da Teoria do Estado alemá teriam servido simplesmente para encobrir o déficit em relagáo á capaci-dade de compreender claramente ou esclarecer "a fungáo própria e, dal, também o conceito de Constituiláo".

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salle em sua célebre conferéncia de 1862: "as relagóes de poder realmen-te existentes em um país"". Náo se tratava de uma conceituagáo pio-neira, como o dcmonstra a análise anteriormente (1844) apresentada por Engels sobre a Constituigáo Inglesa'6; mas se destacou pela simplicidade e clareza, o que !he possibilitou ampla divulgagáo. Por outro lado, náo se manteve isolada nos limites do movimento socialista, como o com-prova o fato de ter sido adotada expressamente por Weber'7. Deno-minaram-na "histórico-universal", no sentido de que "todos os países possuem ou possuíram sempre, e em todos os momentos de sua história, uma constituigáo rear9.

Mas Lassalle náo se limitou a isso, havendo reduzido o conceito de Constituigáo á sua dimensáo simplesmente sócio-económica, ao consi-derar as normas jurídicas constitucionais como mera expressáo da Constituigáo "real", da qual seriam absolutamente dependentes, sem qualquer reagáo condicionadora26. Essa postura "sociologista" (ou mes-mo "economicista") e "mecanicista" de Lassalle desconhece que o orde-namento (normativo-jurídico) constitucional tem uma relativa autono-mia em face do processo real de poder, condicionando-o em certa medi-da. Náo observa que os fatores "materiais" de poder e a ordem "jurídi-ca" constitucional encontram-se em relagóes permanentes de implicagáo recíproca, principalmente através da delimitagáo de fronteiras2'. Por ou-tro lado, L,assalle sugeria uma equiparagáo entre texto e norma consti-tucional'', e partia do pressuposto de que normas constitucionais náo constituíam realidade. Dessa maneira, a atividade constituinte náo é compreendida como um processo de filtragem de expectativas normati-vas de comportamento e, portanto, a constituigáo náo é concebida como expectativas normativas vigentes (v. sub item 1.3 deste cap.).

15. Lassalle, 1987:30. CE- tr. br., 1980:35, numa versáo mais livre. 16. Cf. Engels, 1988: esp. 572ss. 17. Weber, 1985:27. 18. Canotilho, 1991:59. 19. Lassalle, 1987:136 (cf. tr. br., 1980:49). Ver também idem, 1987:134

(tr. br., 1980:47). 20. Cf Lassalle, 1987: esp. 125 e 147 (tr. br., 1980:19 e 73). 21. Inclusive no ámbito do marxismo náo se deixou de enfatizar a relativa

autonomia e releváncia do jurídico em sua relagáo "dialética" com o económico (cf., p. ex., Poulantzas, 1967:160; Nersesiants, 1982:177s.).

22. Em posigáo depreciativa, Lassalle designa a Constituigáo escrita mo-derna como "folha de papel" (1987:134 e 136 - trad. br., 1980:46 e 50).

Em oposigao á concepcáo "sociológica" clássica, apresenlain-se os conceitos exclusivamente jurídico-normativos de Constituigáo, nos ter-mos da Teoria Pura do Direito: "o escaláo de Dircito positivo mais ele-vado" (Constituigáo cm sentido material) ou as normas jurídicas que, em comparagáo com as leis ordinárias, só podem ser revogadas ou alte-radas através de um procedimento especial submetido a exigéncias mais severas (Constituigáo em sentido formal)". Nessa perspectiva, pressu-póe-se uma identifícagáo entre ordenamento jurídico e Estado", como também a norma é concebida como objeto ideal, mais precisamente, sentido objetivo-idea/ de um ato de vontade". Embora náo se proponha com isso uma identidade de norma e texto normativo", desconhece-se a realidade das expectativas normativas constitucionais como elementos estruturais da Constituigáo jurídica, o que torna o modelo teórico Kel-seniano inapropriado para uma abordagem referente á funcionalidade do Direito constitucional, ou seja, á forga normativa do texto constitu-cional. Porém, na medida em que a Teoria Pura do Direito, em con-traposigáo a °Litros enfoques jurídico-dogmáticos, reconhece que uní certo gran de "eficácia" do ordenamento jurídico e de unía norma sin-gular é condigáo de sua "vigéncia" ou "validade" ("existéncia jurídi-ca")", ela já deixa um espago aberto - sem que cssa scja a sua vertente - para uma interpretagáo sociológico-jurídica da relagáo entre `vigén-

23. Kelsen, 1960:228-30 (tr. br., 1974:310-312), 1946:124s., 1966:251-53, com variag5es em relagáo ao conteúdo da "Constituiyáo em sentido material" (cf. Neves, 1988:56s.). Partindo de que "é um problema contingente de classifi-cagáo estabelecer que normas se váo considerar Constituigáo material de um Estado" (Vernengo, 1976:310), muitos autores foram levados, na tradicional discussáo da Teoria do Estado, a atribuir apenas ao conceito de "Constituigáo em sentido formal" significagáo normativo-jurídica (cf., p. ex., Jellinek, 1976: 534; Carré de Malberg, 1922:572ss.; lieller, 1934:274; Pinto Ferreira, 1975: 433s.). Em sentido contrário, v. Kelsen, 1946:258s.

24. Cf. Kelsen, 1966:13-21, 1946:181-92, 1960:289-32(1 (ir. hr., 1974:385- 425).

25. Cf. Kelsen, 1960:3-9 (tr. br.,1974:20-28), 1979:2 (tr. br., 1986:2s.). Em sentido contrário, v. Luhmann, 1987b:43s.

26. Cf. Kelsen, 1979:120 (tr. br., 1986: 189s.). Müller (1984:148 e 268) in-terpreta diferentemente, sustentando a confusáo de norma e texto normativo na teoria pura do Direito. Em controversia com Müller, cf. Walter, 1975:444.

27. Cf. Kelsen, 1960: esp. 215s. (tr. br., 1974:292ss.), 1979: 112s. (tr. br., 1986:178s.), 1946:41s. e 118-20.

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da' e 'efícácia' da Constituieáo. Ent uma terccira perspectiva, a Constituiefío será definida nos ter-

mos do chamado "constitucionalismo", que se impós principalmente com as revolueóes burguesas dos séculos XVIII e XIX, correspondendo, portanto, ao ideal constitucional do Estado burgués de Direito28. Aqui o conccito de Constituieáo está relacionado com o de Estado Constitucio-nal". Em conformidade com isso, contrapócm-se os Estados constitucio-nais aos náo-constitucionais e fala-se até mesmo de uma "Constituieáo constitucional do Estado"". O problema da Constituieáo é limitado, en-táo, sua dimensáo axiológica: ncssa oricntaeáo seria Constituieáo "verdadeira" apenas aguda que correspondesse a um determinado pa-dráo valorativo ideal. Uma exprcssáo clássica do idealismo constitucio-nal cncontra-se no Art. 16 da Declaraello dos Direitos do Homem c do Cidadáo de 1789: "Qualquer sociedade em que náo estcja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separaeáo dos poderes, náo tem Constituieáo"31. De acordo com esse modelo, Constituieáo implica um sistema de garantia da liberdadc burguesa. a divisáo de poderes e uma forma escrita". Mcsmo que se rejeite essa visáo liberal do constitucio-nalismo cm favor de uma concepeáo democrática - inclusive social-democrática - do Estado constitucional, ainda assim permanece como núcleo do conccito a "garantia" dos chamados direitos fundamentais e

28. Cf. Schmitt, 1970:36-41 (tr. esp., 1970:41-47); Canotilho, 1991:64-66. 29. Hollerbach, 1969:47. 30. Schmitt, 1970:36 (tr. esp., 1970:41). 31. Entre °litros, in: Duverger (org.), 1966:3s.(4). Miranda (org.), 1980:57-

59 (59). A respeito dessa postura liberal no inicio do século passado, cf. Melo Franco, 196011:10ss. l'ara tima fundamentacáo mais recente do constituciona-lismo liberal, v. Ilayek, 1983: esp. 205-29. também Rawls, 1990:221ss. (tr. br., 198 I :177ss.), definindo a _instila da Constituidio como igttal liberdade-par-ticipadlo. Crítico cm reina° ao conceito ("ideologia") liberal de Constituicáo, v. Miiller, 1990b:163ss., enfatizando: "lima Constituid:lo náo é 'Organízala° da liberdade.. I...) Fin tuna Constituidlo e seu Estado, coadio e liberdade ná° sáo grandezas da mesilla ordem, como tais levadas a tuna síntese. Liberdade como antítese equivalente é uma ilusáo" (163). "'fina Constituicáo é organiza-dio do poder (Gewalt)" (168). Mas Miiller visa aqui criticamente á concepláo hegeliana do Estad° como "a realidade da liberdade concreta" (llega 1986:406

260). A respeito ver lamban, ein perspectiva marxista, a crítica de Miaille, 1980:165-67.

32 Schmitt, 1970:38-40 (tr. esp.. 1970:43-46).

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a limitacáo jurídica do poder estatal. Nesse sentido, os Estados autoritá-rios e totalitários, na medida cm que náo realizarn os principios consti-tucionais, náo possucm Constituieáo". Esse conceito de Constituieáo relaciona-se de forma indireta com a noeáo de constitucionalizaeáo que utilizaremos neste trabalho: considerando-se que a Constituieáo em sentido moderno surge apenas através da positivaeáo do Direito34, pode-se também afirmar que os Estados pré-modernos e também os Estados autoritários e totalitários contemporáneos náo possuem Constituieáo. Porém, os modelos de interpretaeáo distingucm-se. Um supbe a "decla-raeáo" de valores fundamentais essencialmente jurídicos ou a evolueáo da consciéncia moral", o outro enfatiza o problema da autonomia do sistema jurídico.

Aos conceitos "unilaterais" opócm-sc as chamadas concepeóes "dialético-culturais" de Constituieáo, conforme as quais ela vai ser definida como síntese abrangente das -trés dimensóes básicas referi-das. A Constituieáo do Estado resultaria da relaeáo recíproca entre devcr-ser constitucional ("ideal") e scr constitucional ("real"). Em Elena essa fórmula expressa-se através da dialética "normatividade/ normalidade"", que lcva a um conceito muito amplo: "A Constituieáo estatal, assim nascida, forma um todo em que apareccm completando-se reciprocamente a normalidade e a normatividade, assim como a norma-tividadc jurídica e a cxtrajurídica"37. De acordo com essa conceituaeáo, na qual se aponta para a síntese de ser e dever-ser - cm oposieáo tanto aos unilatcralismos de Kelsen e Schmitt38 como ao dualismo de Jelli-

33. Nessa orientad)°, cf., p. ex., Loewenstein, 1975:12/1s. 34. Como veremos adiante (v. sub item 1.3.2. deste capítttlo), adotamos,

estrategicamente, o modelo de ix)sitivaláo e positividade do Direito de 1,uh-mann, no sentido de tim Direito posto por deci.sáo e permanentemente alterável, como também auto-referente.

35. Sobre a tese do desenvolvimento da consciencia moral de tan nivel pre-convencional, passando pelo convencional, a tuna moral pós-corwencional ou universal (nuxlerna), ver I labennas, I 983:127ss.; Eder, 19110. Cf. também Ha-bennas, 1982b1:350ss., 1982b11:260ss., 1982a:13ss. e 69ss.

36. Cf. 1934:249ss. (tr. br., 1968:295ss.) 37. !leiter, 1934:254 (tr. br., 1968:300s.). 38. 1 {eller, 1934:259 e 276s. (tr. br., 1968:307 e 325s.). Sobre o conceito

schmittiano (decisionista) de Constituicáo como "decisáo de conjunto sobre modo e forma da unidade política", isto é, deeisáo politica fundamental, ver Schmitt, I 970:20ss. (tr. esp., I 970:23ss.). Crítico cm atlas:fío ao "voluntarismo ju-

59

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nek39 —, as análises parciais do sistema constitucional pressupócm sua concepgáo integral. Portanto, a Constituigáo estatal normada pú-dicamente é compreendida como expressáo parcial de um todo'°. Em-bora dever-ser ideal, apresenta-se também como "expressáo das relagóes de poder tanto físicas corno psíquicas"'".

Urna variante da concepgáo cultural-dialética de Constituigáo en-contra-se em Smend. De acordo com esse modelo, o Estado é concebido como processo de integragáo 42 , sendo a Constituigáo conceituada como a sua ordem jurídica, isto é, "a normagáo de aspectos particulares desse processo"43. Mas a Constituigáo em sentido estritamente jurídico consti-tui aqui — diferentemente das construgóes de Jellinek, Kelsen, Schmitt e Heller — náo apenas uma estrutura de sentido normativa (ideal): "Como Direito positivo a Constituigáo náo é somente norma, mas também realidade"". Disso resulta urna concepgáo dinámica, conforme a qual o sistema constitucional "completa-se e transforma-se por si mesmo"45, na medida em que a Constituigáo convertc-se em vida po-litical' e, com isso, exige interpretagóes divergentes das normas consti-tucionais47.

Nas perspectivas dialético-culturais de Heller e Smend, o dever-ser constitucional é conceituado como conexáo (ideal) de sentido, que, po-rém, é condicionada pelo ser (real) ou dele recebe o seu significado so-cial. Uma diferenga encontra-se, entre outras, no fato de que para Heller a Constituigáo no sentido estritamente jurídico constitui urna estrutura normativa (ideal), para Smend, ao contrário, a realidade política perten-

rídico" subjacente a essa concepcao, cf. também Pontes de Miranda, 1932:26s.

39. Heller, 1934:259. A respeito, cf. Jellinek, 1976:10-12 e 20. 40. "Por essa razáo, o preceito jurídico particular só pode ser fundamental-

mente concebido, de modo pleno, partindo da totalidade da Constituicáo políti-ca" (Heller, 1934:255- tr. br., 1968:302).

41. Heller, I934:259s. (tr. br., 1968:307). 42. Cf. Smend, 1968:136ss. Quanto á infiuéncia da concepcáo de Smend

sobre a mudanga do significado de Constituigáo na República Federal da Ale-manha, cf. Bóckenfürde, 1983:17ss.

43. Smend, 1968:189. 44. Smend, 1968:192. 45. Smend, 1968:191. 46. Smend, 168:189. Stern (1984:73) enfatiza que em Smend dá-se "uma

inclusáo mais intensa do processo político no Direito constitucional".

47. Smend, 1968:190.

60

ce ao Direito Constitucional. Em ambas concepgóes, nao se observa que o próprio dever-ser constitucional é suscelívcl de ser compreendido corno parte da realidade, nAo se percebe ser possível e frutífcro enfocar as normas constitucionais como expectativas estabilizadas de comporta-mento. De acordo com essa orientagáo, os proccdimentos decisórios tanto constituintes como de concrctizagáo normativa dos textos consti-tucionais filtram as expectativas jurídico-normativas de comportamento, transformando-as em normas constitucionais vigentes. Náo se trata de uma estrutura ideal de sentido em relagáo recíproca com a realidade so-cial, mas sim de um subsistema normativo-jurídico, o qual, de um lado, tem urna relativa autonomia, de outro lado, encontra-se em permanente e variado inter-rclacionamento com os sistemas sociais primariamente cognitivos, os outros sistemas primariamente normativos e, especial-mente, com as outras partes do sistemas jurídico.

1.3. A Constitucionalizaqáo

1.3.1. Constituiqáo como Vínculo Estrutural entre Política e Direito

Ao emprego do termo "constitucionalizagáo" subjaz a idéia de que nem toda ordem jurídico-política estatalmente organizada possui urna Constituigáo ou, mais precisamente, desenvolveu satisfatoriamente um sistema constitucional. O conceito de Constituigáo assume, entáo, um. significado bem delimitado. Refere-se á Constituigáo cm sentido mo-derno. Disso náo resulta, porém, necessariamente, tima fundamentagáo axiológica nos termos do constitucionalismo. Ou scja, cmbora na acep-gáo estritamente moderna a Constituigáo possa ser apreendida corno "uma limitagáo jurídica ao governo", "a antítese do regimc arbitrário" (constitucionalismo) 48, daí náo decorre forgosamente que scja concebida como urna "declaragáo" de valores político-jurídicos pré-exist,:ntes, ine-rentes á pessoa humana, ou como produto da evolugáo da consciéncia moral no sentido de uma moral pós-convencional ou universal (cf. nota 35 deste cap.). É possívcl também urna leitura sentido de que a Constituigáo na acepgáo moderna é fator e produto da diferenciagáo funcional entre sistemas político e jurídico. Nessa perspectiva, a consi-tucionalizagáo apresenta-se como o processo através do qual se realiza essa diferenciagáo.

É de acordo com esse modelo que Luhmann vai definir a Constitui-

48. Mcllwain, 1940:24.

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Através da Constituicao como vínculo cstrutural, as ingeréncias da política no Dircito nao mediatizadas por mecanismos especificamente jurídicos e N'ice-versa sao excluidas. A autonomia operacional de ambos sistcmas é condicao e resultado da existéncia dcssa "acoplagcm estrutu-Tal". Porém, por meio dela, cresce imensamente a possibilidade de in-fluéncia recíproca" e condensam-se as "chances de aprendizado" (capa-cidade cognitiva) para os sistemas participantes". Assim scndo, a Cons-tituicao serve á interpenetracao e interferéncia de dois sistemas auto-referenciais, o que implica. simultaneamente, relacó-es recíprocas de de-

cm Ipendéncia e independéncia, que, por sua vez, só se tornam possíveis eom base na formaQáo auto-referencial de cada um dos sistemass6.

1.3.2. Constituicao COMO Subsistema do_Sistema Jurídico

Mas náo só como vínculo cstrutural entre Política e Direito pode ser interpretada a Constituicao numa perspectiva da tcoria dos sistemas. É possível conccbé-la, sob o ponto de vista político-sociológico, como um instituto específico do próprio sistema políticos'. Mas, para os fins a que nos propomos. a análise do significado da constitucionalizacao simbó-lica", apresenta-se estrategicamente oportuno o conceito dc Constitui-QáO como subsistema do sistema jurídico (Direito Constitucional)".

Nessa perspectiva, a norma constitucional, como um caso particular de norma jurídica, representa um tipo de expectativa de comportamento contrafaticamente estabilizada, e náo é compreendida como dever-ser

especificamente guando ¿lo sistema jurídico, idem, 1986b.,1993:165ss. Embora o poder desenvolva-se primariamente com base no código "superioridadefinfe-rioridade", observa-se que, no "Estado de Direito", a difereno entre lícito e ilícito (o Direito) atila, na perspectiva de observaláo do sistema político, como segundo código do poder (I Ailimann, 1986b:199,1988a:34,48ss., 56).

54. Lulunann, I990a:205. 55. Lultmann, I990a:206. 56. Lulunann, 1981g:165. 57. A respeito, ver Lulunann, 1973b. 58. "O que é Constituigáo? A diregáo en-1 que essa questáo deve ser orien-

tada depende do problema que deve ser resolvido com o conceito a ser obtido" (1-lesse, 1980:3).

59. Nesse sentido, ver Neves, 1992:50ss., de onde retiramos ein hilas gerais os elementos da exposilfio que se segue. Reconhecendo essa possibilidade,

ea° como vínculo ("ligacao", "acoplamento") estrutural (strukturelle kopplung) entre política e Direito.'' Ncssa perspectiva, a Constituicao ein sentido especificamente moderno apresenta-se como tima via de prestacóes recíprocas c, sobretudo, como mecanismo de interpenetracao (oil mesmo de interferénciar entre dois sistemas sociais autónomos, a Política e o Direito, na medida em que cla "possibilita uma solucao jurídica do problema de auto-referéncia do sistema político e, ao mesmo tempo, tima solticao política do problema de auto-referéncia do sistema juridico",,.

Nao se trata de mil relacionamento qualquer entre o Dircito e o Po-der. o que implicaría um conceito "histórico-universal" de Constituicao. Nas sociedades pre-modernas e também nos Estados autoritarios con-temporáneos. a Macao entre Poder e Dircito é hierarquica. caracteri-zando-se pela supra-infra-ordenacao "Poder -> Direito". Em lin-guagem da teoria dos sistemas, aponta-sc para a subordinacao explícita do código de diferenca entre lícito ("jurídico") e ilícito ("antijurídico") ao código de diferenca entre poder e nao-poder. o código binario de prefcréncia do Dircito nao atuaria como segundo código do sistema poli tico".

49. Ltilimann, 1990a:193ss. O conceito de "vínculo (acoplamento, ligNao) estrutural" ("stnikturelle Kopplung") ocupa mil lugar central na teoria biológica dos sistemas autopoiéticos de Maturana e Varela (cf. Maturana, 1982:143ss., 150ss., 25Iss., 287ss.; idem e Varela, 1980:XXs., I 987:85ss.), qua! Lulunann explicitamente recon-e na aplica0o do mesmo aos sistemas sociais (cf. 1993: 440ss., 1990a:204, nota 72; 1989a:6, nota 6). Sobre a teoria dos sistemas auto-poiéticos, ver infm cap. 111.1.

50. A respeito do conceito de intetpenetrNlio, ver Lithinann, 1987a:289ss., que a distingue das relaeaes de prestaelio ("inpui output-relayaes" — 1987a: 275ss.). A interpenetraerio significa que cada um dos sistemas, reciprocamente, póc sua própria complexidade á disposis:iio do processo de autoconstruyílo do outro sistema (Lulimann, 1987a:290). Dela se distingue a "interferencia" no sentido de Teubner (1989: esp. 110, I988:55ss.), eis que, enquanto nesse caso (interterencia) cada tun dos sistemas pile á disposiefío do outro tuna comple-xidade pré-ordenada, na interpenetrallio o sistema receptor tem á sua

uma "complexidade ineompreensível, portant°, desordem" (1,uhrnann. I987a:291).

51. Lultmann, 1990a:202. 52. Cf. Lulimann, 198 I g:159s., I 987b:168ss 53. Sobre código binário de preferencia em geríil, ver Lulimann, 1986a:75ss.;

62 63

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idea160. Isso náo implica forgosarnente o conceito de Constituigáo como ordem fundamental da coletividade 61 , o qual pressupóe "que também em nossa sociedade estruturas `constituintes' possam tomar a forma de ex-pectativas normativas de comportamento" 62 . Porém, se a Constituigáo sob um ponto de vista sistémico-teórico pode ser conceituada como sub-sistema do Direito, entáo náo se exclui uma leitura das normas consti-tucionais como expectativas de comportamento congruentemente esta-bilizadas (ver nota 241 do cap. I). Nesse sentido, a vigéncia das normas constitucionais náo decorre simplesmente do procedimento constituinte e da reforma constitucional como processos de filtragem especificamen-te orientados para tal fim, mas também da concretizagáo constitucional como pluralidade de processos de fíltragem. Por conseguinte, a Consti-tuigáo náo se define apenas sob o aspecto estrutural (expectativas, nor-mas), mas simultaneamente sob o ponto de vista operativo: ela inclui as comunicaOes que, de um lado, fundamentam-se nas expectativas cons-titucionais vigentes e, de outro lado, servem de base ás mesmas.

Considerada a Constituigáo como subsistema do Direito positivo, sao levantadas as seguintes questóes: 1) Qual o significado da Constituí-gáo (moderna) para o sistema jurídico, ou mais especificamente, para a positivagáo do Direito? 2) Que fimgáo social preenche o Direito Consti-tucional positivo? 3) Como o subsistema constitucional póe o Direito positivo em relagáo com as exigéncias dos outros sistemas sociais? Es-sas trés questóes nos póem diante, respectivamente, dos problemas de "refiexáo", "fungáo" e "prestagáo" do sistema jurídico a nivel constitu-cional63 .

cf. Luhmann, 1990a:185ss. 60. Luhmann pondera que, embora numa perspectiva jurídico-sociológica

- - _ (observagáo externa) a norma jurídica deva ser conceituada como fato (expecta- tiva de comportamento), sob o ponto de vista da teoria do Direito (auto-obser-vagáo) normas náo sao deduzíveis de fato, interpretando isso como unía exigén-cia lógica que tenia decorrido da evolugáo da sociedade no sentido da diferen-ciagáo do sistema jurídico (1986c:21).

61. Nessa orientagáo, cf., p. ex., Hesse, 1980:11; Hollerbach, 1969:46;

Bóckentbrde, 1983: I 6ss. 62. Luhmann, 1973b:2. "Conseqüentemente, o interessc na realidade cons-

titucional cai muna perspectiva que indaga sobre comportamento conforme á

norma ou desviante" (ibid.). 63. Sobre esses trés modos de referéncia dos sistemas (funcao, prestagáo, re-

64

1.3.3. Constituiqáo como Afrcanismo de Autonomia Operacional do Di-reito

Partimos aqui, estrategicamente, do conceito luhmanniano de positi-vagáo ou positividade do Direito. Como característico da sociedade mo-derna, o fenómeno da positivagáo significa que o Direito se caracteriza por ser ponto por decisóes e permanentemente alterável". Além do mais, a positividade indica que o Direito é um sistema operacionalmente au-todeterminado 65. Com isso relaciona-se a hipótese de que ao proccsso histórico da positivacáo corresponde o surgimento da Constititicáo no sentido moderno66, isto é, a diferenciacáo interna do Dircito Constituci-onal no sistema jurídico. Na medida cm que as representagóes moral-legitimadoras válidas para todos os dominios da sociedade perdcram sua significacáo e funcáo sociais, evidentemente a vigéncia das decisóes aplicadoras e ponentes de Direito náo podiam mais fundamentar-se ne-las. A positividade como o fato de o Direito autodeterminar-se implica a exclusáo de qualquer supradeterminacáo direta (náo-mediatizada por critérios intra-sistémicos) do Direito por outros sistemas sociais: políti-ca, economia, ciéncia etc. De acordo com isso, a relacáo entre sistemas jurídico e político é horizontal-funcional, náo mais vertical-hierárquica. Nesse novo contexto, sem os seus fundamentos políticos e morais glo-balizantes67, o sistema jurídico precisa de critérios internos náo apenas para a aplicagáo jurídica concreta, mas também para o estabelecimento de normas jurídicas gerais (legislacáo cm sentido amplo). Esse papel é atribuído ao Dircito Constitucional. Assim seudo, "a Constittlicáo é a forma com a qual o sistema jurídico reage á própria autonoinia. A Cons-tituicáo deve, com outros palavras, substituir apoios externos, tais como

flexáo), ver em geral Luhmann, 1982:54ss.; idem e Schorr, 1988:34ss. Espe-

cificamente em relagáo ao Direito e á Constituiláo, ver Neves, 1992:113ss. e

147ss., problematizando criticamente. Retornaremos a esse tema no Cap. III. 64. A respeito, ver Luhmann, 1981h, 1987a: I 90ss., 1983a:141 -50; nieves,

1992: esp. 27-30. 65. Cf. Luhmann, 1988b, 1983b, 1985, 1981h; Neves, 1992:34ss.

66. De tal maneira que a "promulgagáo" (?) de Constituigóes é indicada como prova da realidade da positivagáo do Direito (Luhmann, 1984a:95s.).

67. Nessa perspectiva, a tese de Timasheff de que o Direito, como fenóme-no secundário, é a combinagáo da ética e da política, como fenómenos primarios (1937-1938:230s., 1936: esp. 143 e 155ss.), náo é válida para o Direito moder-no, embora tenlo significagáo para as sociedades pré-modernas.

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os que foram postulados pelo Direito natural" 68 . A inexisténcia de Cons-tituicáo juridicamente diferenciada conduz — na sociedade altamente complexa e contingente do mundo contemporáneo, náo orientada por urna moral compartilhada globalmente e válida em todas as esferas da vida — á manipulacáo política arbitrária do Direito, o que impede sua positivacáo.

A urna legislacáo ilimitada, que tem como conseqüéncia a quebra da autopoiese do sistema jurídico, isto é, a alopoiese da reproducáo da co-municacáo jurídica, opóc-se a forma interna de hierarquizacáo através da validade supralegal do Direito Constitucional". Isso náo tem apenas signifícacáo técnico -jurídica". Náo se trata de vários planos isolados em relacáo a outros, mas sim de "tangled hierarchies"'': a validade e o sentido do Direito Constitucional depende da atividade legislativa e da aplicacáo concreta do Direito. A interna hierarquizacáo `Constituicáo/ Lei' atua como condicáo da reproducáo autopoiética do Direito moder-no, serve, portanto, ao seu fechamento normativo, operacional". Nesse sentido, enfatiza Luhrnann que "a Constituicáo fecha o sistema jurídico, cnquanto o regula como um dominio no qual cla mesma reaparece. Ela constituí o sistema jurídico como sistema fechado através do reingresso no sistema"". Dessa mancira, qualquer intervencáo legiferante do sistema político no Direito é mediatizada por normas jurídicaS. O sistema jurídico ganha com isso critérios para a aplicacáo do código /ícito/i/ícito ao procedimento legislativo". Sob esse ángulo, pode-se afirmar que a positivacáo do Direito na sociedade moderna, além da distincáo entre estabelecimento de norma geral (legislacáo) e aplicacáo concreta do Direito (jurisdicáo, administracáo), pressup& a diferencia-

68. Lulmuum, 1990a:187. 69. Luhmann, 1990a:190. 70. Em sentido diverso, ver Luhrnann, 1973b:I. 71. Hin conceito de Hofstadter (1986:12 e 728ss.) empregado nesse contex-

to por Luhrnann (1986c:15s.). Cf. também Tcubncr, 1989: 9. 72. Sobre o Direito positivo como sistema cognitivamente aberto na medi-

da em que é fechado operacional, nonnativamente, ver Luhmann, 1983b: esp. 139 e I52s., 1984b:110ss., 1993:38ss.; Neves, 1992:37 -41. Retomaremos a esse tema no cap. 111.1.2.

73. Luhrnann, 1990a:187. 74. Sobre a diferenga entre códigos e critérios ou programas, cf. Luhmann,

1986a:82s. e 89ss.; em relagáo especificamente ao sistema jurídico, idem, 19861):194ss., 1993:165ss. Retornaremos a essa distingáo no Cap. 111.1.

eáo entre Constituieáo e lei. Á luz do conceito de "mecanismos reflexi-vos"", é possível exprimir-se isso da seguinte forma: a Constituicáo co-mo normatizacáo de processos de producáo normativa é imprescindível á positividade como autodeterminacáo operativa do Direito.

O Direito Constitucional funciona como limite sistémico-interno pa-ra a capacidade de aprendizado (-> abertura cognitiva) do Direito po-sitivo; com outras palavras: a Constituicáo determina, como e até que ponto o sistema jurídico pode reciclar-se sem perder sua autonomia ope-racional". A falta de urna regulacáo estritamente jurídica da capacidade de reciclagem do sistema jurídico conduz — em urna sociedade hi-percomplexa, com conseqüéncias muito problemáticas — a intervenctks diretas (náo-mediatizadas pelos próprios mecanismos sistémicos) de ou-tros sistemas sociais, sobretudo do político, no Direito. Porém, é de ob-servar-se que o sistema constitucional também é capaz de reciclar-se em relacáo ao que ele mesmo prescreve. Esse caráter cognitivo do sistema constitucional expressa-se explicitamente através do procedimento es-pecífico de reforma constitucional, mas também se manifesta no decor-rer do processo de concretizacáo constitucional. Náo se trata, por conse-guinte, de unta hierarquizacáo absoluta. Principalmente as leis ordiná-rias e as decisóes dos tribunais competentes para questsks constitucio-nais, que 'mina abordagem técnico jurídica constituem Direito infra-constitucional, determinam o sentido e condicionam a vigéncia das normas constitucionais". A circularidade é mantida, pelo menos na

75. A respeito, ver Luhrnann, 1984a. 76. Em consonancia com isso, escrevia Luhmann (1973b:I65): "Distin-

guem-se o sentido e a fungo da Constintigáo pelo emprego de negar es explí-citas, negagées de negagées, demarcag8es, impedimentos; a Constituigáo mes-ma é, conforme sua compreensáo fonnal, a negagáo da alterabilidade ilimitada do Direito". Parece simplista a crítica de Canotilho (1991:86s.), no sentido de que esse conceito formal negativo implica a "expulsáo de elementos sociais" e seja, portanto, incompatível "com o texto constitucional de um Estado demo-crático socialmente orientado como é o portugués". Nada impede que a Consti-tuigáo como mecanismo de limitayáo da alterabilidade do Direito adote elemen-tos social-democráticos. Antes caberia observar que esse conceito de Constituí-00 é incompatível com o sistema político do Salazarismo.

77."Pode haver diferengas de influéncia, hierarquias, assimetrizaebes, mas nenhuma parte do sistema pode controlar outras sem submeter-se, por sua vez, ao controle; e nessas circunstancias é possível, antes altamente provável em sis-temas orientados no sentido, que cada controle seja exercido em antecipagáo do

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"relacáo de mistura" entre criacáo e aplicacáo do Direito". De acordo com o enfoque da teoria dos sistemas, a Constituiáo de-

sempenha uma funcáo descarregante para o Dircito positivo como sub-sistema da sociedadc moderna, caracteriz.ada pela supercomplexidade. Impede que o sistema jurídico scja bloqueado pelas mais diversas e con-traditórias expectativas de comportamento que se desenvolvem no seu meio ambiente. Essa funcáo descarregante é possível apenas através da adocáo do "princípio da náo-identificacáo"". Para a Constituicáo ele significa a náo-identificacáo com concepcóes globais (totais) de caráter religioso, moral, filosófico ou ideológicos°. A identificacáo da Constitui-cáo com uma dcssas concepcbes viria bloquear o sistema jurídico, de tal • maneira que ele náo poderia produzir uma complexidade interna ade-quada ao seu hipercomplexo meio ambiente. Uma Constituicáo identifi-cada com "visóes de mundo" totalizadoras (e, portanto, excludentes) só sob as condicóes de uma socicdade pré-moderna poderia funcionar de forma adequada ao seu meio ambiente. Nesse caso, o domínio de repre-

controle inverso" (Ltilimann, 1987a:63; cf. cm relagáo especificamente ao sis-tema jurídico, idem, 1981i:254s.).

78. Da teoria "estrtilia escalonada" do ordenamento jurídico fbnnulada por Ohlinger (1975), tuna variante da teoria pura do Direito, Ltilimann faz tuna leitura no sentido de que o escalonamento do sistema jurídico se refere apenas á "relacáo de mistura" entre criagáo e aplicacáo do Direito, para acrescentar: "Um passo além disso seria conceituar a reina() de criacáo/aplicaláo do Direito a cada grau como circular, portanto, como auto-referencial. Entáo, a estnitura escalonada seria tuna decomposicáo e hierarquizagáo da auto-referéncia funda-mental do Sistema" (Luhmann, 1983b:141, nota 26; cf. também idem,

1990b:11). 79. Empregamos aqui, á luz- da perspectiva da teoria dos sistemas, o con-

ceito de náo-identifícacáo (do Estado) de Krüger (1966:178-85), que I lollerbach (1969:52-57) adotou especificamente em relacáo á Constituicao. Náo desconhe-cemos que tal principio de.sempenha um forte papel ideológico discussáo sobre "inimigos da Constituicáo". Mas, por outro lado, ele corresponde, na perspectiva axiológica de Habermas, ao princípio da indisponibilidade do Direi-to ou da imparcialidade do Estado de Direito (cf. Habermas, 1987a, 1992:583

SS.

80. Hollerbach, 1969:52. Nesse sentido, embora apoiado em outros pressu-postos teóricos, afirnta Grimmer (1976:9): "As finalidades de grupos sociais ou partidos políticos e os desejos, interesses e necessidades de acáo estatal que es-táo na base dessas finalidades náo tém nenhuma validade geral imediata".

sentacóes morais com validade social globalizantc pressupóc tima socie-dade simples, pobre cm possibilidadcs, na qual ainda náo há, portanto, os elementos est ruturais para a di ferenciacilo (positivacáo) clo sistema ju-rídico. lima "Constituicáo-que-se-identifica" produz, nas condicóes con-temporáneas de alta complexidade e contingéncia da sociedade, efebos disfuncionais adiferenciantes para o Dircito, na medida cm que falta sin-tonizaccio entre sistema jurídico subcomplexo e mcio ambiente super-complexo8'. Nessa perspectiva. pode-se até mesmo acresccntar que uma -Constituicáo que se identifica" com concepcóes totalizadoras náo se apresenta como Constituicáo no sentido estritamente moderno, na me-dida cm que, cm virtude da "identificacáo", náo é Constituicáo jurídi-camente diferenciada, mas sim um conjunto de princípios constitutivos superiores, que tem a pretcnsáo de valer diretamente para todos os do-mínios ou mecanismos sociais.

1.3.4. Funqiio Social e Prestwilo Politica da C'onstitiliqáo

Tendo em vista o "princípio da náo-identificacáo", pode-se esclare-cer qual a relacáo da Constituicáo moderna, enquanto subsistema do Di-rcito, com a sociedade como unt todo, ou sep. qual sua cm

sentido cstrito. lsso nos póc diante do problema da institucionalizacao dos direitos fundamentais e do estabelccimento constitucional do Estado de km-estar. Além do mais, aquele principio possibilita esclarecer a relacáo específica do Direito constitucional com o sistema político, isto é, sua prestaqdo política. Isso nos coloca perante o problema da eleicáo política e da "divisáo" de poderes82.

81. Náo desconhecemos que, embora "disfuncional" sob tan ángulo especi-ficamente jurídico, chi pode atuar "Ilincionalmente" cm outros dominios sociais e para determinados interesses particularistas. Mas é juridicamente "distitlicio-nal" no sentido de que é nonnativamente excludente, desconkcendo diferen-ciacáo e a pluralidade contraditória das expectativas normativas existentes na

sociedade. 82. A respeito da (relacáo com a sociedade como sistema global) e

da prestaccio (relacáo com os demais subsistemas da sociedade) do Direito,v. Luhmann, 1993:156ss. e especificamente ao nivel da Constinticao, Neves, 1992: 147-181 (Cap. V), confrontando criticamente esses conceitos sistémicos com o desenvolvimento constitucional brasileiro.

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1.3.4.1. Direitos. Fundamentais (diferenciapo da sociedade) e Estado de bein-estar (inclusa())

Através da Institucionalizacáo dos direitos fundamentais" a Cons-tituicáo reconhece a supercomplexidade da sociedade, a dissolucáo de critérios socialmente globalizantes de orientacáo das expectativas, a ine-xisténcia de um sistema social supremo. Os Direitos fundamentais ser-vem ao descnvolvimento de comunicacks cm diversos níveis diferen-ciados. Sua funcáo relaciona-se com o "perigo da indiferenciacáo" (es-pecialmente da "politizacáo"), isto é, exprimindo-se positivamente, com a "inantitencáo de urna ordent diferenciada de cointinicacáo"". Median-te a institucionalizacáo dos direitos constitucionais fundamentais, o di-reito positivo responde ás exigéncias da sociedade moderna por dife-renciacáo sistémica. Assim sendo, na hipótese de "Constituicáo" identi-ficada com concepcóes totalizadoras, por serem excluidos ou deturpados os direitos fundamentais, náo se consideram a pluralidade e contingén-cia das expectativas, produzindo-se, portanto, uma indiferenciacáo ina-dequada á complexidade da sociedade contemporánea". Em resumo,

83. O conceito de "institucionalizacáo" tem aqui tun sentido abrangente, incluindo as dimensóes temporal, social e material, oil seja, normatizacáo, con-senso suposto e identificalá'o generalizada de sentido: "Instituiciks sao expec-tativas de comportamento generalizadas temporal, material e socialmente, e constituem, enquanto tais, a estnttura de sistemas sociais" (Luhmann, 1965:13, o qual, posteriormente, restringe o conceito á dimensáo social, isto é, ao "con-senso suposto" — cf. 1987b:64ss.). Por sua vez, cm consonancia com esse sig-nificado amplo, Mayltew (1968:19) aponta para trés momentos imprescindíveis

institucionalizacáo jurídica de tun valor: ( I ) "uma interpretacá'o do valor é ju-ridicamente reforcada"; (2) "há urna maquinaria para invocar sainetes contra violac5es" (organizacáo jurídica); (3) "a maquinaria jurídica é sistematicamente invocada em casos de possivel violado da norma" ("execticáo sistemática").

84. Luhmann, 1965:23-25. 85. Em hannonia com essa colocacáo parece-nos encontrar-se a crítica de

1,efort (1981) ás tendéncias totalitarias contrarias aos "droits de Phomme", na medida em que ele reconduz a institucionalizacáo desses direitos á diferencia-cáo (desintrincamento) de poder, lei e saber (1981:64 — tr. br., 1987:53). Mas também na Postura crítica de Marx (1988:361ss.) com relacáo aos "direitos do lionient" ("em contraimsnáo aos direitos do cidadáo") como "direitos do mem-bro (la sociedade burguesa, isto é, do homem egoísta" (364), pote-se observar tuna conexiio com O problema da diferenciacáo fncional: "O homem náo foi por isso libertado da religiáo, ele obteve a liberdade religiosa. Nilo foi libertado da

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pode-se afirmar: através dos direitos fundamentais a Constituicáo Mo-derna, enquanto subsistema do Direito positivo, pretende responder ás exigéncias do seu meio ambiente por livre desenvolvimento da co-municaQáo (e da personalidade) conforme diversos códigos diferencia-dos.

A concepQáo corrente do Estado de bem-estar diz respeito á sua fim-QáO compensatória, distributiva, para acentuar que um mínimo de reali-dade dos direitos fundamentais clássicos (liberal-democráticos) depende da institucionalizacáo dos "direitos fundamentais sociais"". Propondo um modelo interpretativo mais abrangente, Luhmann conceitua o Esta-do de bent-estar com base no principio sociológico da inclusclo". "O conceito de inclusáo refere-se á integracáo de toda a populacáo nas pres-tacóes de cada um dos sistemas funcionais da sociedade. Ele diz respei-to, de um lado, ao acesso, de outro lado, á dependéncia da conduta in-dividual a tais prestacóes. Na medida era que a inclusáo é realizada, de-saparecem os grupos que náo, ou apenas marginalmente, participam da vida social"". A contrario sensu, pode-se designar como exclusdo a manutencáo persistente da marginalidade". Na sociedade moderna atual, isso significa que amplos setores da populnáo dependem das presta95es dos diversos sistemas funcionais, mas náo tém acesso a elas (subintegraQáo)90 .

propriedade, obteve a liberdade de propriedade. Nao foi libertado do egoísmo da industria, obteve a liberdade industrial" (1988:369). Marx fala, porém, de "decomposigáo do homem" (357).

86. Cf. Grimm, 1987b; Grimmer, 1976:11ss.; Bonavides, 1972.. 87. Cf. Luhmann, 198 lj:25ss., recorrendo aqui (25) expressamente a Mar-

shall (1976). 88. Luhmann, 1981j:25. Acompanhando Parsons, acentuara Luhmann e

Schorr (1988:31) que a inclusa() se refere apenas aos papéis complementares: "Nem todos podem tornar-se médico, mas qualquer um, paciente; nem todos podem tornar-se professor, mas qualquer um, aluno". Além do mais, o principio da inclusa-o náo nega que, "como sempre, as camadas superiores sejam distin-guidas pela maior participacáo em bem todos dominios funcionais" (Luhmann, 1981j:26).

89. Cf. Luhmam, 1981 j:255., nota 12. Para uma reavaliagáo do problema da inclusáo/exclusáo na sociedade de hoje, v. Luhmann, 1993:582ss.

90. A sobreintegracáo seria, cm contrapartida, a independéncia com respei-to ás regras combinada com o acesso ás prestacóes de cada tun dos subsistemas da sociedade. A respeito, cf. Neves, I992:78s. e 94s. Retornaremos ao tema no

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Definindo-se o Estado Cle, bem-estar como "inclusáo política reali-zada"91 e, porque Estado de Direito, como inclusáo jurídica realizada, observa-se que os "direitos fundamentais sociais" por cle instituidos constitucionalmente sáo imprescindíveis á instinicionalizacao real dos direitos fundamentais referentes á liberdade civil e á participacáo políti-ca92. Isso decorre do fato de que a inclusa() de toda a populacáo nos di-veros sistemas sociais e a diferencialdo funcional da sociedade pressu-póem-se reciprocamente, na medida em que a exclusdo de grupos soci-ais e a auto-rejeréncia operacional dos sistemas funcionais sáo incom-patíveis93. Nessa perspectiva pode-se afirmar que, na sociedade super-complexa de hoje, fundada em expectativas e interesses os mais dife-renciados e contraditórios, o Direito só poderá exercer satisfatoriamente sua funcáo de congruente generalizacáo de expectativas normativas en-quanto forem institucionalizados constitucionalmente os princípios da inclusáo e da difercnciacáo funcional e, por conseguinte, os dircitos fun-damentais sociais (Estado de bem-estar) e os concernentes á liberdade civil e á participacáo política.

1.3.4.2. Regulaq'do Jurídico-Constitucional do Procedimento Eleitoral

Muito embora a institucionalizacáo dos direitos fundamentais a-branja o direito eleitoral" e, portanto, possa ser definida como funIdo do sistema jurídico, é possível, sob outro ángulo, considerar a regulacáo constitucional do procedimento eleitoral como prestaldo do Direito pe-rante o sistema político95.

As disposicóes constitucionais referentes ao sufrágio universal, igual e secreto tém por objetivo assegurar a independénci? do eleitor em rela-cáo a seus outros papéis sociais96 e, dessa maneira, imunizar o procedi-

Cap. III. 6. 91. Luhmann, 1981j:27. "Para o Estado de bem-estar a inclusa() política da

populagáo é tima necessidade funcional... "(idem, 1981 j:118). 92. É nesse sentido que o conceito de cidadania de Marshall (1976:71ss.)

abrange os direitos civis, políticos e sociais. Acompanhando Marshall, cf. Hen-dix, 1969:92ss.

93. Luhmann, 1981j: esp. 26s., 35 e 118. 94. Cf. Lulunann, 1965:186ss. 95. Cf. Lulunann, 1983a:155ss. 96. Luhmann, 1983a:159.

mento cleitoral contra diferencas de Num/N c Isso implicaría, segundo Ltilimanti, a passagem de eritérios baseados cm atributos (es-táticos) para criterios fundados na aptidáo e desempenho (dinámicos), no que se refere á octipacáo dos papéis políticos". É de se observar, po-rém, que uma interpretacáo multo cstrita da sociedade moderna no sen-tido da prevaléncia do princípio da SCICOO e recrutamento bascados na aptidáo, como se a democracia conduzisse á eleicáo dos melhores, iiáo resiste evidentemente a uma crítica de modelos ideológicos"'. Antes, a eleicáo democrática atua como apoio descarregante para o sistema po-lítico, na medida em que esse "assume a responsabilidade integral pelo Direito" na socicdade moderna'°°. A "generalizacáo do apoio político" que decorre do procedimento eleitoral constitucionalmente regulado scr-Ve, por conscguinte, á diferenciacáo do sistema político, funcionando como empecilho á sua manipulacáo por interesses particularistas'°'. Sem eleicóes democráticas ou um equivalente funcional parece impossível, na sociedade complexa de hojc, que os sistemas político e jurídico náo se identifiquem excludentemente com concepcóes ideológicas globali-zantes e interesses de grupos privilegiados. A falta de eleicóes demo-cráticas conduz, nas condicóes atuais, á identificacáo do "Estado" com determinados gruposm e, com isso, á indiferenciacáo do sistema jurídi-co, inadequada á complexidade da conexáo de comunicaOes, expectati-

97. "Todas as diferenos podem ott devem ser ignoradas, salvo agudas que em um contexto funcional específico possam ser justificadas como convenien-tes" (Lulunann, 1983a:160).

98. Ltilunann, 1983a:156-58. 99. Cf. Rubinstein, 1988: 539s., no contexto de tima crítica á concepOo do

achievement como base e esquema de distribuiláo de recompensas na sociedade moderna (531).

100. Ltilintann, 1981b: 147. 1(11. Com isso itáo se desconhece que a "generalizacáo do apoio ixilitico" é

incompatível com o mandato imperativo With:mitin, 1981a:165, nota 19), o qual, embora tan mecanismo pré-modenio (tuna "figura medieval" — Lamou-nier, 1981:253), leve tim respaldo importante na obra iltiminista de Rousseau (1975:301-303 — Livro III, Cap. XV).

102. Daí porque o ordenamento que náo dispó`e de regulnáo democrática da eleicáo exige "que o cidadáo se identifique ent suas comunicacóes com o sistema de ay.áo (e náo porventura apenas com tuna ordem normativa básica: a Constituigáo), portanto, que se apresente como inteiramente leal" (Ltiluitann, 1965:149).

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vas e interesses constitutivos da sociedade. Evidentemente, para que a eleicáo atore como mecanismo de apoic

generalizado e de diferenciacáo do sistema político, imunizando-o dos bloqucios particularistas, náo é suficiente a existencia de um texto con-stitucional que preveja o procedimento respectivo. Através da experi-éncia dos países periféricos, demonstra-se, muito claramente, até que ponto por falta de pressupostos sociais as normas constitucionais sobre procedimento eleitoral sáo deformadas em seu processo de concretiza-00, como ocorre tipicamente no caso brasileiro'° 3 .

1.3.4.3. "Divisad" de Poderes e Diferenga entre Política e Administra-gdo

Também especificamente contra a possibilidade de indiferenciacáo do Direito e da Política, as constituicbes modernas institucionalizam a "divisáo de poderes". A influéncia da comunicacáo conforme o código do poder sobre a comunicacáo de acordo com o código jurídico é, dessa mancira, intermediada pelo próprio Direito. Luhmann acresccnta: "Através da divisáo de poderes o código do poder é, cm principio, asso-ciado ao Direito. Processos decisórios sáo conduzidos pela via do Direi-to"'". Assim sendo, a "divisáo de poderes" pode ser considerada como limitacáo do poder político por urna esfera jurídica auteinoma' 03. Porém, cumpre também "a funcáo de filtragem entre política e administracáo, e a funcáo de prolongamento da cadeia do poder, que, do mesmo modo, náo podcm prescindir de uno apoio na Constituicáo" 106. Nessa perspec-tiva, a introducáo de procedimentos funcionalmente diferenciados (legislativo, judicário e político-administrativo), através da instituciona-lizacáo da "divisáo de poderes", aumenta a capacidade dos sistemas po-lítico e jurídico de responder ás exigéncias do seu respectivo meio ambi-ente, repleto de expectativas as mais diversas e contraditórias'°'. A au-séncia ou deformacáo do princípio da "divisáo de poderes" leva á indife-renciacáo das esferas de vida (politizacáo totalizadora) e tem-se de-

103.A respeito, ver Neves, 1992:97s. e 170ss. 104.Luhmann, 1973b:11. 105. Essa é a concepcáo corrente, que remonta a Montesquieu (1973:168-

79 — Livro XI, Cap. VI). 106.Luhmann, 1973b:11s. 107.A respeito, ver Luhmann, 1983a.

monstrado incompatível cono a complexidade da sociedade atual. Como corolario da "divisáo do poderes", o Direito Constitucional es-

tabelecc a diferenca entre política e administracáo". Através dessa prestacáo do Direito positivo perante o sistema político, a administracdo é neutralizada ou imunizada contra interesses concretos e particulares; eta atua, entáo, conforme preceitos e principios com pretensáo de gene-ralidade' 09 . Com isso náo se exclui que as camadas superiores da socie-dade exercem urna influéncia mais forte na elaboracáo e execucáo do programa administrativo, mas se afirma que o sistema político (em sen-tido amplo) dispóe de mecanismos próprios de filtragem diante da atua-QáO de fatores externos. Nesse sentido, os funcionários administrativos precisam, "náo raramente, impor-se contra membros da sociedade per-tencentes a categorias superiores e necessitam, por isso, de direitos es-pecialmente legitimados para decidir vinculatoriamente""°. Em conexáo com essa exigéncia, decorre que, num sistema político que diferencia e especifica funcionalmente os seus subsistemas, á administracáo execu-tante náo devem ser atribuidas simultaneamente funcóes de legitimacáo política, busca do consenso e controle das desilusks, porque tal mescla de funciíes importa-lhe urna sobrecarga de efeitos colaterais que dificul-tam a sua racionalizacáo e eficiéncia"'. Quando se dá o contrario, como se observa nos paises periféricos, ocorre a particularizacáo e politizacáo da administracáo, com os seus condicionamentos e implicacóes negati-vos: partindo-se de "baixo" (subintegrados), a administracáo é envol-vida com necessidades básicas concretas das camadas inferiores, que, sob essas condiceies, "náo podem esperar" 12 e, portanto, sáo facilmente manipulávcis por concesseies administrativas contrarias aos principios constitucionais da impessoalidade, legalidade e moralidadc administra-tiva"'; partindo-se de "cima" (sobrcintegrados), a administracáo é blo-

108. Cf. Luhmann, I 973b:8-12, relevando o valor dessa diferenca cm face do próprio principio clássico da "divisáo de poderes".

109. Nessa orientaláo sustenta Luhmann (1965:155) que a diferenca entre política e adminístrala() possibilita "a aplicagáo prática da norma de igualda-de"

110. Lulunann, 1965:147. 111. Luhmann, 1983a:211. 112. "As necessidades básicas devem ser, em todo caso, satisfeitas, para

que qualquer pessoa possa esperar" (Luhmann, 1983a:198). 113. Em outra perspectiva, conforme o modelo "antes — depois" da teoria

da modernizactio, escrevia Luhmann, (1983a:65, nota 10): "...fatos que em socie-

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queada por intercsses particuláristas de grupos privilegiados.

2. Texto Constitucional e Realidade Constitucional

2.1. A Relaqdo entre Texto e Realidade Constitucional como Concreti-zwilo de Normas Constitucionais

O conceito de Constituicáo sistémico-teorético que adotamos acima estrategicamente, vinculado á nocáo moderna de "constitucionalizacáo", pode ser complementado mediante a abordagem da reina() entre texto e realidade constitucionais. Náo se trata, aqui, da Miga dicotomia `nor-ina/realidade constitucional'"4, mas sim do probldiia referente á "con-

dades complexas, fortemente diferenciadas, sáo considerados cOrrucáo em sen-tido amplo, correspondem ein sociedades sinIples, ao contrario, á expectativa moral, sendo diretamente exigidos - deve-se ajudar o próximo! Isso ram-nos investigacees mais recentes sobre os países etn desenvolvintento, os

quais, nessa questáo, encontram-se numa fase de tratisio5o com cotilla° institu-cional" (grifos nossos). No caso investigado, náo se trata, porém, de um proble-ma de sociedades simples em "fase de transigáo" ("países em desenvolvimen-to"). Ele resulta, ao contrário, da "heterogeneidade estruturar de sociedades complexas, modernas, os paí.ses periféricos, e pode ser melhor interpretado sis-témico-teoreticamente como sintoma de complexidade estruturada insuficiente ou inadequadainente (ver abaixo Cap. 111.6.).

114. A teoria de Jellinek da (brea normativa do fático (1976: 337ss.) náo se desliga dessa tradigáO Hesse (1984) permanece, em parte, ainda vinculado a esse dualismo, na medida ern-que, no seu modelo, trata-se apenas da "relacáo da Constituicáo jurídica com a realidade" (8). A respeito, criticamente, cf. Müller, 1984:77-93. Ver também, sob outro ponto de vista, as ponderacóes de Ritter (1968) sobre a concepcáo da realidade constitucional como 'bate do Di-reito. Luhmann critica, por sua vez, a discussá'o tradicional sobre a discrepáncia entre texto e realidade constitucionais, pois, "para isso, náo se precisaria de ne-nhum conceito de Constituicáo e nenhuma teoria da Constituicáo" (1973b:2), o que, evidentemente, náo é o caso no presente trabalho. Por fila, é de observar-se que, na perspectiva da teoria dos sistemas, a distincáo entre Direito e realidade

constitucionais só pode ser concebida como expressáo jurídico-constitucional da diferenea 'sistema/mei° ambiente'

cretizacáo" das normas constitucionaisw, que, nessa perspectiva, náo se confundem com o texto constitticional"°. Sob esse novo ponto de vista, o texto e a realidade constitucionais encontram-se em permanente Macao através da normatividade constitucional obtida no decurso do processo de concretizacáo. Na teoría constitucional alemá, destacam-se nessa di-recáo os modelos de Friedrich Mülle.r e Peter Haberle.

De acordo com a concepcáo de Müller, a norma jurídica compée-se do programa normativo (dados lingüísticos) e do ámbito normativo (dados reais)"7. A estrutura normativa resulta da conexáo desses dois componentes da norma jurídica"8. Portanto, a concretizacdo da norma jurídica, sobretudo da norma constitucional, náo pode ser reduzida á "interpretacáo aplicadora" do texto normativo, o qual oferece diversas possibilidades de compreensáo"9 e constitui apenas um aspecto parcial do programa normativol": ela além do programa normativo, o ámbito normativo como "o conjunto dos dados reais normativamente relevantes para a concretizacáo individuar'''. Nesse sentido, Miiller define a normatividade em duas dimensóes: "`Normatividade' significa a propriedade dinámica da 1...1 norma jurídica de influenciar a realidade a ela relacionada (normativiclacle concreta) e de ser, ao mesmo tempo, influenciada e estruturada por esse aspecto da realidade (normaiividade materialmente determinadar22. Sc o ámbito normativo, que importa u-

115. A respeito, ver Müller, 1984, 1990a, 1990b; Christensen, 1989:87ss. Cf. tainbém I Iesse, 1980:24ss.

116. Cf. Müller, 1984: esp. 147-67 e 234-40, 1990a: 126ss., 1990b: esp. 20; Christensen, 1989:78ss.; Jeand' I leur, 1989: esp. 22s.

117. Midler, 1975:38s., 1984:232-34, 1990b:20. 118. Midler, 1984: 17 e 250; cf. tambera idein, 1990b:124ss.; Christensen,

1989:87. 119. "Os problemas hennenétiticos complexos residem no espaco que o

texto nonnativo deixa aberto ás diversas possibilidades de compreensáo" (Mal-ler, 1984:160).

120. Müller, 1984:252. Formulando de forma mais radical, afirma Miiller (1990b:20): "O texto nortnativo náo é 1.1 componente conceitual da norma ju-rídica, mas sim, ao lado do caso a decidir juridicamente, o mais importante dado de entrada do processo individual de concretizagilo". Cf. tambera ibid.: 127 e 129; Jeand'Heur, 1989:22.

121. MítIler, 1984:253. Cf idem, 1990b:128. 122. Müller, 1984:258. Cf. também Christensen, 1989:87.

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ma funcáo seletiva perante os ámbitos da materia e do caso'", náo se constitui de forma suficiente, a normatividade do respectivo texto cons-titucional é atingida' 24 . Faltam, entáo, as condicóes e os pressupostos para a "producáo" da norma jurídica "que rege mediatamente um caso determinado" - e, portanto, da norma de decisdo - "imediata-mente normativa, reguladora do caso determinado" 125 . Nesse contexto náo se fala de legislacáo e de atividade constituinte como procedimentos de producáo de norma jurídica (geral), mas sim de emissáo de texto legal ("Gesctzestextgcbung'') ou de emissáo de texto constitucional ("Verfassungstextgebung") 126 . A norma jurídica, especialmente a norma constitucional, é produzida no decorrer do processo de concretizacáo' 27 .

Com a perspectiva de Müller, "referente á matéria", compatibiliza-se a orientacáo de Haberle, "relativa a pessoas e grupos" 128 . Através do en-saio "A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituicáo" 129, Háberle, além de indagar os fins e métodos da interpretacáo constitucional, póe sobretodo a "questáo dos participantes", para propor a teso: "Nos pro-cessos de interprelacáo da ronstituilvlo, estilo potencialmente envolvi-dos todos os órgáos estatais, todas as poténcias públicas, todos os cida-dios e grupos"m. O fato de que o Direito Constitucional "material",

4111'! conforme csse modelo, surge de urna multiplicidade de interesses e fun-cóes, implica a diversidade prática de interpretacáo da Constituicaopl. Dessa maneira, náo se superestima a significacáo do texto constitucio-nal, como na doutrina tradicional da interpretacáo ) ". No primeiro plano

123. Cf. Midler, 1984:253-56, 1990b:128; Christensen, 1989:88. 124. Cf. Midler, 1984:171. 125. Sobre a distiNao entre norma jurídica (geral) e norma decisória (indi-

vidual), ver Müller, 1984:264ss. Cf. idem, 1990a:48; Christensen, 1989:88. 126. Cf. Miiller, 1984:264 e 270. 127. "A norma jurídica só é produzida no decurso da solticilo do caso"

(Midler, 1984:273). Cf. Christensen, 1989:89. Nesse sentido, afirma Midler que o juiz nao é "legislador de segundo gran", mas sim "o único legislador, mesmo que isso soe estranho" (Midler, 1990b:127, nota 16). Para uma explanaQao di-datica da conceffilo de Midler em língua portuguesa, ver a síntese de Canoti-lho, 1991:208ss. e 221 ss.

128. Assim as qualifica Ladeur, 1985:384s. 129. Haberle, 1980b. 130. Haberle, 1980b:79s. 131. Haberle, 1980b:93s. 132. Ilaberle, 1980b:90.

7s

do processo interpretativo encontra-se a "esfera pública pluralistica" 133 . De acordo com essa abordagem, pode-se afirmar: o texto constitucional só obtém a sua normatividade mediante a inclusáo do público pluralis-ticamente organizado no processo interpretativo, ou melhor, no processo de concretizacáo constitucional.

2.2. Concretizaqdo Constitucional e Semiótica

As teorías constitucinais de Müller e Háberle sáo passíveis de urna abordagem de acordo com a distincáo semiótica entre sintática, semán-tica e pragmática'". Em Müller, trata-se das características semánticas da linguagem jurídica, especialmente da linguagem constitucional, a ambigüidade e a vagueza' 35, que exigem um "processo de concretiza-Qá0", náo simplesmente um "procedimento de aplicacáo" conforme re-gras de subsuncáo. No caso de Háberle, a questáo diz respeito á relacáo pragmática da linguagem com diversos expectantes e "utentes", o que implica um discurso conflituoso e "ideológico". Os aspectos semánticos

133. "O jurista constitucional é apenas um intermediario" (Haberle, 1980b:90). Dessa maneira, liaberle deixa de considerar o papel seletivo que os participantes, em sentido estrito, do procedimento de interpretacáo da Cons-tituigao (cf. idem, 1980b:82s.) desempenham perante o público. Visto que a "esfera pública" nao constitui lima unidade, mas sim urna pluralidade de inte-resses conflitantes, surgem expectativas constitucionais contraditórias, que se-rao, portanto, selecionadas ou exluídas no processo interpretativo da Constitui-cao.

134. Essa divisa° da semiótica em trés dimensües, que remonta á distinga° de Peirce entre signo, objeto e interpretante (cf. 1955:99s., 1985:149ss., 1977: esp. 28, 46, 63 e 74), foi formulada por Morris (1938:6ss.) e adotada por Car-nap (1948:8-11). Diversas correntes da teoría do Direito empregaram-na; cf., p. ex., Schreiber, 1962:10-14; Viehweg, 1974:111ss.; Ross, 1971:14-16; Kali-nowski, 1971:77s., 82-93; Capella, 1968:22 e 76; Warat, 1972:44-48, 1984:39- 48; Reale, 1968:173.

135.É verdade que isso é amplamente reconhecido; mas do incontestável sao retiradas as mais diferentes conseqüéncias - cf., p. ex., Kelsen, 1960:348s. (tr. br., 1974:466s.); Smend, 1968:236; Ehrlich, 1967:295; Ross, 1971:111s., 130. Especificamente sobre a ambigüidade e vagueza da linguagem jurídica, ver Cardó, 1986:28ss.; Koch, 1977:41ss.; Warat, 1984:76-79, 1979:96-100. Em co-nexa() com a funláo simbólica do Direito, ver também Edelman, 1967:139ss.

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e pragmáticos rclacionam-se, porém, mutuamente: a ambigüidade e va-gucz.a da linguagcm constitucional levan' ao surginiento de expectativas normativas diferentes e contraditórias perantc os textos normativos; por outro lado, as contradigóes de interesses c de opinióes entre expectantes e agentes constitucionais fortificam a variabilidadc da significagáo do texto constitucionaln°. Somente sob as condigóes de uma unidade de in-teresse e concepgáo do mundo, as questóes constitucionais perderiam sua releváncia semántico-pragmática, para se tornarem primariamente questóes sintáticas, orientadas pelas regras da dedugáo lógica e subsun-gáo. Mas uma tal situagáo é seguramente incompatível com a complexi-dade da sociedade moderna, especialmente no que diz respeito aos con-fiaos.

Nessa perspectiva semiótica, justifica-se entáo a reagáo crítica da tópica (Viehweg), da hermenéutica normativa estniturante (Müller) e da interpretagáo constitucional pluralística (Haberle) á pretensáo do posi-tivismo jurídico de tratar os problemas constitucionais, enquanto ques-tóes jurídicas, primariamente sob seus aspectos sintáticos. "Modo de pensar situacional"137, "processo de concretizagáo" e "esfera pública pluralística" sáo fórmulas distintas de acentuar a equivocidade semán-tica dos textos constitucionais e a pluralidade pragmática das expecta-tivas constitucionais (dissenso valorativo ou "ideológico" na "como-nidade" discursiva). Dessa mancira, cm contraposigáo ao positivismo jurídico, a dimensáo sintática fica subordinada á semántico-pragmá-tica'38. Observa-se que a operagáo lógico-sintática de substingáo pres-sup6e um complicado processo semántico-pragmático de concretizagáo

136. A respeito, afirma Edelman (1967:141): "l'ara os diretamente envolvi-dos, o sentido do Dimita modifica-se constante e notavelmente com as varia-

g5es na influéncia dos gnipos". 137. Cf. Viehweg, 1974:111ss. (tr. br., 1979:101ss.). Observe-se que para

Viehweg o padráo semántico de pensamento é náo-situacional, na medida em que o significado das palavras estaria fixado para sempre (cf. 1974:114 — tr. br., 1979:103). Porém, pode-se distinguir entre modo de pensar sintático-se-

mántico, que implica tima significagáo univocamente ftxada do signo (cf. idem,

1974:111s. — tr. br., 1979:101s.), e modo de pensar semántico-pragnzático, que

pressup5e a variabilidade do sentido dos termos e expressbes. 138. Em conformidade com o estruturalismo lingüístico, poder-se-ia afir-

mar: no tocante á linguagem constitucional, as relagóes paradigmáticas (asso-ciativas) tém predomináncia sobre as sintagmáticas (cf. Neves, 1988:150-52). Sobre essa distingáo, cf. as referéncias da nota 17 do cap. I.

normativa'39. Todo isso implica que a linguagem jurídica, sobretodo a constitucio-

nal, náo é uma linguagent artificial, nias sim uni tipo especializado da linguagem ordinaria ou natural"), que, portant°, descnvolve-se basica-mente a partir da situagáo semántico-pragmática, variando intensamen-te de significado conforme a situagáo e o contexto comunicativos". Assim sendo, é inconcebível um isolamento sintático. mediante a neu-tralizagáo dos problemas semánticos e pragmáticos, a favor da univoci-dade e da seguranga de expectativa. Possível é, no entanto, a seletivida-de concretizante através de proccdimentos e argumentos, que, porém, podem variar sensivelmente de caso para caso.

A propósito, é de observar-se que também noma perspectiva semió-tica a supremacia normativa hierárquica da Constituigáo deve ser relati-

139. Cf. Christensen, 1989:88; Neves, 1988:136s. 140. Cf. Vissert't Hooll, 1974; Carri6, 1986:49ss.; Greimas e Landowski,

1981:72s.; Olivecrona, 1968:7. 1)e acordo com o modelo lithmíniniano, pode-se sustentar que a especializallio da linguagem ordinaria relaciona-se com o de-senvolvimento separado de mecanismos complementares para a linguagem, "luí forma de meios de conitinica0o simbolicamente generalizados para cada do-minio funcional" (ver Cap. I. 1.7.), e, ix)r isso, com a formii0o dos esquema-tismos binarios correspondentes; no caso do Direito, a especializa0o da 'nigua-gem resultaría do uso do código-diferenyli 'licito/ilícito' exclusivamente cm uní sistema Iiincional para isso diferenciado (cf. Inlimann, 1974:62, onde, contudo, tal código-diferenla é vinculado ao mei° de conitinicaiiíio 'Poder', nao emita-mente ao 'nejo de comunicayan `Direito' — mas cli acima nota 53 deste cap.).

141. É nesse sentido a célebre afirmativa de Wittgenstein (1960:211, § 43 — tr. br., 1979:28): "A significagáo de tima palavra é seu uso na linguagem". Cf. a respeito Müller, 1975:32-34, aplicando-a no dominio da leona do Direito. Gadamer (1990:332s.), por sua vez, acentua que o jurista intérprete tem de reconhecer a mudanga das relag5es e "daí determinar novamente a fittiláo nor-mativa da Lei", adaptando-a ás necessidades do presente, a fun de "solucionar um problema prático". Pondera, porém, que, por isso inesino, náo se trata de "uma reinterpretagáo arbitrária". Na mesma linha e pressupondo também que a "linguagem náo é nunca arbitrária", sustenta Wimmer (1989:14): "A nualatwa radical permanente é uma característica essencial de todas as linguagens natu-rais. Sem essa mudanla, as linguagens perded= sua fuina° cognitiva e sua po-téncia para a aquisiláo e assimilaláo da realidade". Cli também 1.arenz, 1978:401ss.; Pontes de Miranda, 1972:99; Vilanova, 1977:245; Alchourrón e Bulygin, 1974:140-44; Sáchica, 1980:18s.; I3iscaretti di Ruffla, 1974:525-40.

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vizada. A separacáo completa entre metalinguagem e linguagem-obje-tom tem sentido apenas no plano sintático. Na dimensáo semántico-pragmática condicionam-se reciprocamente metalinguagem e lingua-gem-objeto. Por outro lado, embora o texto constitucional atue como metalinguagem em relacáo á "concretizacáo constitucional", as decisóes interpretativas da constituicáo representam metalinguagem com respeito ao texto constitucional (linguagem-objeto)" 3. Se se tem presente a ca-racterística do texto constitucional de ser simultaneamente metalingua-gem e linguagem-objeto com m'acá° á linguagem concretizadora, entáo se pode, sob o ponto de vista semiótico, compreender mais claramente tanto a distincáo entre norma e texto constitucional, como também a in-sustentabilidade da concepcáo tradicional da supremacia hierárquica da Constituicáo.

Em conformidade com urna leitura sistémico-teórica desse enfoque semiótico-lingüistico, cabe afirmar que o procedimento constituinte é apenas um dos processos de filtragem para a vigéncia jurídica das ex-pectativas normativo-constitucionais: as expectativas diversas e contra-ditórias em relacáo ao texto constitucional já ponto sáo filtradas ou se-lecionadas através das decisóes concretizadoras da Constituicáo; somen-te entáo se pode falar de normas constitucionais vigentes. — Caso se qucira, sob esse ángulo, insistir na dicotomia Direito/realidade constitu-cional, ela significa aqui a diferenca entre Dircito constitucional vigen-

142. Sobre esse par de conceitos, ver Carnap, 1948:3s.; Badiles, 1964:130- 32 (tr. br.,s.d.: 96-99).

143. Cf. Neves, 1988:160-62. Porém, nesse trabalho anterior (162), a deci-sao interpretante da Constituiláo era caracterizada como metalinguagem "des-critiva" com relacáo ás normas constitucionais, em oposigáo ao caráter "pres-critivo" destas com respeito á sua própria interpretagrío-aplicagáo. No presente trabalho trata-se, antes, da relagáo circular entre texto constitucional e sua pró-pria interpretacao, que também tem Unplicagües normativas. Nesse sentido, a-firma Luhmann (1990a:217) que "os componentes auto-referenciais realizam-se pelo Ibto de que também a interpretagáo tenia produzir vínculos normativos", náo se restringindo apenas a falar sobre o texto. O "jurista constitucional" en-contrar-se-ia, entáo, muna situagáo idéntica á do lingüista, que, ao falar sobre a linguagem, ten como seu objeto o seu próprio comportamento (ibid.). Cf. tam-bém I lofstadter, 1986:24s., crítico com relacáo á teoría dos tipos de Russell (1968: 75-80), na medida em que essa pretende eliminar "entrelagamentos" e paradoxias no interior da linguagem, levando á hierarquizagáo entre metalin-guagem e linguagem-objeto.

te como sistema constitucional (complexo das expectativas normativas de comportamento filtradas através da legislacáo e concretizacáo consti-tucionais, incluindo-se nele as respectivas comunicacóes) e realidade constitucional como meio ambiente da Constitukáo (totalidade das ex-pectativas e comportamentos que se referem ao Direito Constitucional com base em outros códigos sistémicos ou em determinacóes do "mundo da vida"). — Quanto maior é a complexidade social, tornam-se mais in-tensas as divergéncias entre as expectativas em torno do texto constitu-cional e varia mais amplamente o seu significado no ámbito da interpre-tacáo e aplicacáo. O que é válido para todos os textos normativos é par-ticularmente relevante no dominio do Direito Constitucional, na medida era que ele é mais abrangente na dimensáo social, material e temporal.

3. Constitucionaliznáo Simbólica em Sentido Negativo: Insuficiente Concretizacáo Normativo-Jurídica Generalizada do Texto Cons-titucional

Da exposicáo sobre a relacáo entre texto constitucional e realidade constitucional, pode-se retirar um primeiro elemento caracterizador da constitucionalizacáo simbólica, o seu sentido negativo: o fato de que o texto constitucional náo é suficientemente concretizado normativo-juri-dicamente de forma generalizada. Parte-se aqui do pressuposto da me-tódica normativo-estruturante (Müller) de que "do texto normativo mesmo — ao contrário da opiniáo dominante — náo resulta nenhuma normatividade" 141. Por outro lado, náo fazemos uma distincáo entre realizacáo e concretizacáo constitucionais" 5. Tal distincáo só teria sen-tido se náo incluíssemos no processo concretizador todos os órgáos esta-tais, individuos e organizacóes privadas, restringindo-o á construcáo da norma jurídica e da norma de decis.áo pelos órgáos encarregados estri-tamente da "interpretacáo-aplicacáo" normativa. A concretizacáo cons-titucional abrange, contudo, tanto os participantes diretos do procedi-mento de interpretacáo-aplicacáo da Constitukáo quanto o "público"" 6. Nesse sentido, ela envolve o conceito de realizacáo constitucional. Mas

144. Jeand'Heur, 1989:22. 145. Em sentido diverso, ver Canotilho, 1991:207-209. 146. Cf. Haberle, 1980b:82s., enumerando os participantes do procedimen-

to de interpretacáo constitucional.

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náo se trata de um simples conceito sociológico, relevante apenas em u-ma perspectiva externa, tendo implicaeóes internas, ou seja, do ponto de vista da auto-observaeáo do sistema jurídico'". E pode-se afirmar que a falta generalizada de concretiz.náo das normas constitticionais, como no caso da constitucionalizaQáo simbólica, pode significar a própria possibilidade de uma distineáo entre abordagens internas e externas'48.

O problema náo se restringe á desconexáo entre disposiOes consti-tucionais e comportamento dos agentes públicos e privados, ou seja, náo é uma questáo simplesmente de eficácia como direcionamento norma-tivo-constitucional da a9áo. Ele ganha sua releváncia específica, no ám-bito da Constitucionalizaqáo simbólica, ao nivel da vigéncia social das normas constitucionais escritas, caracterizando-se por uma auséncia ge-neralizada de orientaQáo das expectativas normativas conforme as deter-minaqóes dos dispositivos da ConstituiQáo (ver acima item 8.4 do cap. I). Ao texto constitucional falta, entáo, normatividade. Em linguagem da teoria dos sistemas, náo lhe correspondem expectativas normativas congruentemente generalizadas (cf. nota 241 do cap. I). Nas palavras da metodologia normativo-estruturante, náo há uma integraQáo suficiente entre programa normativo (dados lingüísticos) e ámbito ou domínio normativo (dados reais). Náo estáo presentes as condiQües para o pro-cesso seletivo de construeáo efetiva do ámbito normativo a partir dos ámbitos da matéria e do caso, com respaldo nos elementos lingüísticos contidos no programa normativo. O ámbito da matéria — "o conjunto de todos os dados empíricos V.] que estáo relacionados com a norma"149 — náo se encontra estruturado de tal maneira que possibilite o seu enqua-dramento seletivo no ámbito normativo. Ao texto constitucional náo corresponde normatividade concreta nem normatividade materialmente determinada, ou seja, dele náo decorre, com caráter generalizado, nor-ma constitucional como variável influenciadora-estruturante e, ao mes-mo tempo, influenciada-estruturada pela realidade a ela coordenada.

Numa visáo sistémico-teórica, o ámbito da matéria (económico, po-

147. Quanto á distingáo entre perspectiva interna ou auto-observagáo e perspectiva externa ou hetero-observagáo, em relagáo, respectivainente, á teoria do Direito/dogmática-juridica e á sociologia do Direito, ver 1,uhmann, 1989b, 1986c: esp. 19, 1987b:360s.; Carbonnier, 1978:22s.

148. Nesse sentido, cf. Neves, 1992:206s. e 210. Retornaremos a esse pro-

blema no Cap. 149. Christensen, 1989:88.

lítico, científico, religioso, moral etc.), subordinado e orientado por ou-tros códigos-diferenQa (ter/nao-ter, poder/nao-poder, verdadeiro/falso etc.), sejant eles sistemicamente estruturados ou envolvidos no "mundo da vida"m, nao estariam ent condiOes de sublima-se a unia connitaQao selctiva por parte do código jurídico de diferenQa entre lícito e ilícito. Os proccdimentos e argumentos especificamente jurídicos nao (crian' rele-vancia funcional em reina° aos fatores do mcio ambiente. Ao contrário, no caso da constitucionalizaQáo simbólica ocorre o bloqueio permanente e estrutural da concretizaQáo dos critérios/programas jurídico-constitu-cionais pela injunQáo de outros códigos sistémicos e por determinaQóes do "mundo da vida", de tal maneira que, no plano constitucional, ao código "lícito/ilícito sobrepócm-se outros códigos-difereno orientadores da aQáo e vivéncia sociais. Nessa perspectiva, mesmo sc admitindo a di-fercnQa entre constitucional e inconstitucional como código autónomo no interior do sistema jurídicol51, "o problema reside nao apenas na constitucionalidade do Dircito, ele reside, priinciramentc, já na juridi-cidade da Constitui0o"1". Pode-se afirmar que a realidade constitucio-nal, enquanto mcio ambiente do Dircito Constitucional, tem relevancia "seletiva", ou mclhor, destrutiva, em relaQáo a essc sistema.

Numa leitura da concepqao pluralística e "processual" da Constitui-

150. A nog'áo de "inundo da vida" refere-se aqui á esfera (las agóes e vivisii-cias que náo se encontram diferenciadas sistémico-funcionalmente, implicando códigos de preferéncia difusos. Nesse sentido, a inoral na acepyáo de 1,tilimann (1990c), como comunicagá'o orientada pela diferenga entre respeito e desprezo, estaria incluida no "mundo da vida". Náo se trata da concepgáo habennasiana de "mundo da vida" como esfera do "agir comunicativo", orientado para o en-tendimento intersubjetivo, embora também concebamos o "mundo da vida''

espago de agir (e vivenciar) n'áo subordinado aos códigos-ineio sistémico-funcionais (cf. Habennas, 1982b11:171ss., apontando para a diferenciagáo entre sistema e inundo da vida como processo de evolugáo social — 229ss. ; idem, 1973:9s.). Por outro lado, náo adotainos aqui o conceito lulimanniano de "mundo da vida" como soma e unidade de todas as possibilidades que se apre-sentain ao sistema (I Ailimann, 1987a:106; cf. também 1988a:70s., onde se filia de "horizonte de possibilidades náo-atualizadas", recorrendo-se a Husserl, 1982, o qual vai definir o "mundo da vida", em contraposigáo ao inundo das idealidades, antes como "fundamento-de-sentido esquecido da ciéncia natural" — 52ss.). Para tal referéncia, seria mais adequado o termo "mundo" simples-mente.

151. Cf. Lulunann, 1990a:188s. 152. Ltilimann, 1992: 3.

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00, tal como a formulou Háberlcm, é possível afirmar que o problema da constitucionalizacáo simbólica está vinculado á náo-inclusáo de urna "esfera pública" pluralista no processo de concretizacáo constitucional. Mas náo apenas: além da auséncia de um "público pluralista" como participante (em sentido lato) do processo de concretizacáo constitucio-nal, as disposicbes constitucionais náo sao relevantes para os órgáos es-tatais vinculados estritamente á sua interpretacáo-aplicacáo. Nesse sentido, náo tem validade, no dominio da constitucionalizacáo simbó-lica, a afirmativa de Hesse, baseado na experiéncia constitucional da (antiga) Alemanha Ocidental: "Na relacáo entre Uniáo e Estados-Mem-bros (Llindern), na relacáo dos órgáos estatais entre si como cm suas func•Ites, a argumentas áo e discussáo jurídico-constitucional desempe-nham um papel dominante"'". Nas situaeles de constitucionalismo simbólico, ao contrário; a práxis dos órgáos estatais é orientada náo apenas no sentido de "socavar" a Constituicáo (evasáo ou desvio de fi-nalidade), mas também no sentido de violó -la contínua e casuistica-mente'''. Dessa maneira, ao texto constitucional includente contrapóe-se uma realidade constitucional excludente do "público", náo surgindo, portanto, a respectiva normatividade constitucional; ou, no mínimo, cabe falar de urna normatividade constitucional restrita, náo generali-zada nas dimensóes temporal, social e material.

4. Constitucionaliznáo Simbólica em Sentido Positivo: Funcáo Polí-tico-Ideológica da Atividade Constituinte e do Texto Constitucio-nal

Finbora sob o ponto de vista jurídico, a constitucionalizacáo simbó-lica soja caracterizada negativamente pela auséncia de concretizacáo normativa do texto constitucional, ela também tem um sentido positivo, na medida em que a atividade constituinte e a linguagem constitucional desempenham um relevante papel político-ideológico. Nesse sentido, ela exige um tratamento diferenciado das abordagens tsadicionais referentes

153. Além do artigo já citado no item 2.1 deste Cap. (Haberle, 1980b), ver, a respeito, os outros trabalhos publicados na mesma publicacáo — Haberle, I980a.

154. 1-lesse, 1984:15. 155. Aqui nos reportamos a Grimm, 1989:637, que distingue, muna lingua-

gem muito singular, entre "realidade constitucional socavaste da Constituicáo" e "icalidade constitucional violadora da Constituis:Ao".

á "ineficácia" ou "náo-realizacáo" das normas constitucionais. Aqui náo se desconhece que também as constituicties "normativas"

desempenham funcáo simbólica, como bem enfatizaram Burdeau e E-delman, amparados, respectivamente, na experiéncia constitucional eu-ropéia e norte-americana 1 S6 ; tampouco que a distincáo entre "Constitui-QáO normativa" e "Constituicáo simbólica" é relativa, tratando-se "antes de dois pontos extremos de uma escala do que de urna dicotomia"'". Po-- rém, a funcáo simbólica das "Constituicó'es normativas" está vinculada á sua releváncia jurídico-instrumental, isto é, a um amplo grau de con-cretizacáo normativa generalizada das disposicóes constitucionais. Além de servir de expressáo simbólica da "consistencia", "liberdade", "igual-dade", "participacáo" etc. como elementos caracterizadores da ordem política fundada na Constituicáo, é inegável que as "constituicóes nor-mativas" implicam juridicamente um grau elevado de direcáo da condu-ta em interferencia intersubjetiva e de orientacáo das expectativas de comportamento. As respectivas disposicsks constitucionais correspon-dem, numa amplitude maior ou menor, mas sempre de forma social-mente relevante, "expectativas normativas congruentemente generaliza-das" (ver nota 241 do Cap. I). O "simbólico" e o "instrumental" intera-gem reciprocamente para possibilitar a concretizacáo das normas consti-tucionais. A Constituicáo funciona realmente como instancia reflexiva de um sistema jurídico vigente e eficaz.

Já no caso da constitucionalizacáo simbólica, á atividade constituinte e á emissáo do texto constitucional náo se segue urna normatividade jurídica generalizada, uma abrangente concretizacáo normativa do texto constitucional. Assim como já afirmamos em relacáo á legislacáo sim-bólica (cf. item 6 do Cap. I), o elemento de distincáo é também a hiper-trofia da dimensáo simbólica cm detrimento da rcalizacáo jurídico- ins-trumental dos dispositivos constitucionais. Portanto, o sentido positivo da constitucionalizacáo simbólica está vinculado á sua característica negativa, já considerada no item anteriorm. Sua definicáo engloba esscs

156. Cf. Edelman, 1967:18s.; Burdeau, 1962:398, tratando da "dissolucáo do conceito de Constituicáo". Ver também, analisando a funcáo simbólica da retórica das decisóes do Tribunal Constitucional Federal na Alemanha, Mas-sing, 1989.

157. Bryde, 1982:27. 158. Nesse sentido, afirma Villegas (1991:12) coro reina() á experiéncia

constitucional colombiana: "A eficacia simbólica do dircito constitucional na Colóinbia costuma apresentar-se combinada com urna ineficacia instnimental,

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dois momentos: de um lado, sua funcáo náo é direcionar as condutas e orientar expectativas conforme as determinacóes jurídicas das respecti-vas disposiOes constitucionais; mas, por outro lado, cla responde a exigéncias e objetivos políticos concretos. "Isso pode ser a reveréncia retórica diante de determinados valores (democracia, paz). Pode tratar-se também de propaganda perante o estrangeiro"'59.

Nós nos encontramos aqui na esfera do ideológico no sentido de Ha-bermas: "O que chamamos ideologia sáo exatamente as ilusiies dotadas do poder das convicOes comuns"16°. Náo se trata de ideologia no sen-tido de Luhmann, que - como neutralizaQáo artificial de outras possi-bilidades'6' ou valoraQáo de valores (mecanismo reflexivo)'62 - estaria á SCIViQO da reduQáo funcionalmente adequada da complexidade da socie-dade contemporánea'63; nos termos do conceito Itilimanniano de ideo-logia, seria de afirmar-se, cm relacáo ao caso por nós analisado, que es-taríamos diante da atuacáo unilateral dos aspectos "simbólicos" da ideo-logia, isto é, perante a falta de sua correspondente "funeáo instni-mentar". Por outro lado, no presente trabalho a ideología náo é com-preendida como deformaQáo de uma verdade essencial, de modo ne-nhum como uma representaQáo falsa do que "náo náo é"'65. Em caso de

ou o que é igual, com um fracasso na realizaláo de seus objetivos explícitos". Mas esse autor generaliza indistintamente a noca° de eficacia simbólica da Constituiláo nos termos da conceplán "clássica" de política simbólica (v. acima Cap. I. 3): "() poder da Constituigáo - de todas as constittuyées - é funda-mentalmente simbólico e náo jurídico" (idem, 1991:8). Subestima-se, íissim, a releváncia regulativo-jurídica das "Constituilóes normativas".

159. Bryde, 1982:28, que cita a afinnacao de um otici¿d superior de Ban-gladesh, antes das eleilées de janeiro de 1979: "O Ocidente, e especialmente o Congress° dos EUA, gosta de- que sejamos denominados de tima democracia. Isso toma para nós mais fácil receber ¿Oda" (ibid., nota 6).

160. Habennas, 1987b:246 (tr. br., 1980:115). 161. Lulunann, 1962. 162. Luhmann, 1984c:182ss. 163. "Direito positivo e ideologia adquirem nos sistemas sociais unta fun-

gáo para a reduláo da complexidade do sistema e de set' meio ambiente" (1,1th-maim, 1 984c:I79).

164. Cf. Luhmann, 1984c: I 83. 165. Lulunann, 1962: passim, criticando tal concepOo ontológica de ideo-

logia, da qual faz parte a noláo marxista de ideología como "falsa consciencia" (cf., p. ex., Marx e Engels, 1990: esp. 26s.; Engels, 1985:108s., 1986a: esp. 563,

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constitucionalizaQáo simbólica, o problema ideológico consiste cm que se transmite um modelo cuja realizacáo só seria possível sob condiOes sociais totalmente diversas. Dessa maneira, perde-se transparL'iicia ein relaqáo ao fato de que a situaQáo social correspondente ao modelo cons-titucional simbólico só poderia tornar-se rcalidade mediante tima pro-funda transformaQáo da sociedade. Ou o figurino constitucional atua co-mo ideal, que através dos "donos do poder" e sem prejuízo para os gru-pos privilegiados deverá ser realizado, desenvolvendo-se, entáo, a fór-mula retórica da boa intencáo do legislador constituinte e dos governan-tes em geral'66.

O "Constitucionalismo aparente"167 implica, nessas condiOes, unia representacáo ilusoria em relacáo realidade constitucionalm, scrvindo antes para imunizar o sistema político contra outras alternativas. Atra-vés dele, náo apenas podem permanecer inaltcrados os problemas e re-la95es que seriam normatizados com base nas respectivas disposiOes constitucionaisw, mas também ser obstruido o caminho daS

sociais direQáo ao proclamado Estado Constitucional'7". Ao discurso do poder pertence, entáo, a invocaQáo perinancnte do documento consti-tucional como estrutura normativa garantidora dos dircito fundamentais (civis, políticos e sociais), da "divisáo" de poderes e da eleiQáo

1986b:596). Dm panorama das conceptiées de ideologia dominantes na tradi0o filosófica e científica ocidental encontra-se em Lenk (org.), 1972. A respeito, ver também a síntese de Topitsch, 1959. Quanto á relallio entre Direito e ideologia, ver, sob diversos pontos de vista, Maihofer (org.), 1969.

166. "É ingenuo acreditar que bastiiria o legislador ordenar, entáo ()concha

o querido" (Shindler, 1967:66 - grifo nosso). Mas, sob determinadas condi-lées sociais, ~beim é ingenuidade acreditar, como Schindler (1967:67), em

boas imenqaes do legislador. 167. Grimm, 1989:634. 168. Como já observamos acima (Cap. I. 7.3.), daí náo decorre a concepOo

simplista do legislador constitucional e do público, respectivamente, como ilti-

sor e iludido. 169. Cf. 13ryde, 1982:28s. 170. Cabe advertir, porém, que mesmo as "ConstittnOes normativas" 'lijo

podem solucionar diremmente os problemas sociais (cf. acima p. 39.). Nesse sentido, enfatiza Grimm (1989:638) que elas "náo podem modificar diretamente a realidade, mas sim apenas indiretamente influenciar". Considera-se, entáo, a atttonomia dos diversos dominios funcionais no Estado Constitucional (641).

Cf. também idein (org.), 1990.

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crática, e o recurso retórico a essas instituicdes como conquistas do Es-tado-Governo e provas da existéncia da democracia no país'''. A fór-mula ideologicamcnte carregada "sociedade democrática" é utilizada pelos govenantes (em sentido acoplo) com "constituicóes simbólicas" táo regularmente como pelos seus colegas sob "constituicóes normativas", supondo-se que se trata da mesma realidade constitucional. Daí decorre uma deturpacáo pragmática da linguagem constitucional, que, se, por um lado, diminui a tensáo social e obstrui os caminhos para a transfor-1111100 da sociedade, imunizando o sistema contra outras alternativas, pode. por outro lado, conduzir, nos casos extremos, á desconfianca pú-blica no sistema político e nos agentes estatais. Nesse sentido, a própria funcáo ideológica da constitucionalizacáo simbólica tem os seus limites, podendo inverter-se, contraditoriamente, a situacáo, no sentido de urna tomada de consciéncia da discrepáncia entre acáo política e discurso constitucionalista (cf. item 10 deste Cap.).

A constitucionalizacáo simbólica vai diferenciar-se da legislacáo simbólica pela sua maior abrang'éncia ras dimensócs social, temporal e material. Enquanto na legislacao simbólica o problema se restringe a relacóes jurídicas de dominios específicos, náo seudo envolvido o sis-tema jurídico como um todo, no caso da constitucionalizacáo simbólica esse sistema é atingido no seu núcleo, comprometendo-se toda a sua es-trutura operacional. Isso porque a Constituicáo, enquanto instáncia re-flexiva fundamental do sistema jurídico (ver item 1.3.3 desse Cap.), apresenta-se como metalinguagem normativa em relacáo a todas as normas infraconstitucionais, representa o processo mais abrangente de normatizacáo no interior do Direito positivo. Caso náo seja construida normatividade constitucional suficiente durante o processo de concreti-zaclio, de tal maneira que ao texto constitucional náo corresponda es-trutura normativa como conexáo entre programa e ámbito normativos, a Icgislacáo ordinária como linguagem-objeto fica prejudicada em sua normatividade. Como veremos no Cap. III, o próprio processo de repro-ducáo operacional-normativa do Direito é globalmente bloqueado nos casos de constitucionalizacáo simbólica.

Também náo se confunde o problema da constitucionalizacáo sim-bólica com a ineficácia de alguns dispositivos específicos do diploma constitucional, mesmo que. nesse caso, a auséncia de concretizacáo

171. "I-loje, no mundo inteiro, náo deve haver ainda quase nenhum Estado que náo dé valor a ser qualificado de democracia e, como tal, reconhecido inter-nacionalmente" (Krttger, 1968:23).

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normativa esteja relacionada com a funcáo simbólica. É sempre possível a existéncia de disposicóes constitucionais com efeito simplesmente simbólico, sem que daí decorra o comprometimcnto do sistema consti-tucional em suas linhas mestras. Falamos de constitucionalizacáo sim-bólica sitiando o problema do funcionamento hipertroficamente político-ideológico da atividade e texto constitucionais atinge as vigas mestras do sistema jurídico constitucional. Isso ocorre guando as instituicóes constitucionais básicas — os direitos fundamentais (civis, políticos e sociais), a "separacáo" de poderes e a eleicáo democrática náo encon-trara ressonáncia generalizada na práxis dos órgáos estatais, nem na conduta e expectativas da populacáo. Mas é sobretudo no que diz respei-to ao princípio da igualdade perante a lei, que implica a generalizacáo do código 'lícito/ilícito', ou seja, a inclusáo de toda a populacáo no sis-tema jurídicom, que se caracterizará de forma mais clara a constitucio-nalizacáo simbólica. Pode-se afirmar que, ao contrário da generalizacáo do Direito que decorreria do princípio da igualdade, proclamado simbó-lico-ideologicamente na Constituicao, a realidade constitucional é cntáo particularista, inclusive no que concerne á prática dos órgáos estatais. Ao texto constitucional simbolicamente includente contrapóc-se a reali-dade constitucional excludente. Os direitos fundamentais, a "separacáo de poderes", a eleicáo democrática e a igualdade perante a lei, institutos previstos abrangentemente na linguagem constitucional, sáo deturpados na práxis do processo concretizador, principalmente com respeito á ge-neralizacáo, na medida em que se submetem a uma filtragem por crité-rios particularistas de natureza política, económica etc. Nesse contexto só caberia falar de normatividade restrita e, portanto, excludente, parti-cularista, em suma, contrária á normatividade generalizada e includente proclamada no texto constitucional. Mas as Instituicóes jurídicas" con-sagradas no texto constitucional permanecem relevantes como referen-cias simbólicas do discurso do poder.

Por fim, quero advertir que náo se confunde aqui o simbólico com o ideológico. Inegavelmente, o simbólico da legislacáo pode ter um papel relevante na tomada de consciéncia e, portanto, efeitos "emancipató-

172. "O principio da igualdade náo diz que todo o mundo deve ter os mes-mos direitos (em tal caso tornar-se-ia inconcebível o caráter do direito como di-reito), mas que a ordem jurídica de urna sociedade diferenciada deve ser gene-ralizada de acordo com determinadas exigéncias estruturais" (I.uhmann, 1965: 165). Especificamente a respeito do "principio da igualdade como forma e como norma", v. idem, 1 99 la.

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rios". Lefort aponta para a releváncia das declaragóes "legais" dos "direitos do homem" no Estado de Direito democrático, cuja fungáo simbólica teria contribuído para a conquista e ampliagáo dcsses direi-tos'''. Mas no caso da constitucionalizagáo simbólica, principalmente enquanto constitucionalizagáo-álibi, ocorre antes uma intersegáo entre simbólico e ideológico do que um processo crítico de conscientizagáo dos direitos, na medida mesmo em que se imuniza o sistema político contra outras possibilidades e transfere-se a solugáo dos problemas para um futuro remoto.

S. Tipos de ConstitucionalizacAo Simbólica. Constituicao como Álibi

Partindo-se da tipologia da legislagáo simbólica já tratada acima (Cap. 1. 7.), poder-se-ia classificar também a constitucionalizagáo sim-bólica em trés formas básicas de manifestagáo: 1) a constitucionalizagáo simbólica destinada á corroboragáo de determinados valores sociais: 2) a constituigáo como fórmula de compromisso dilatório; 3) a constitucio-nalizagáo-álibi.

No primeiro caso teríamos os dispositivos constitucionais que, sem releváncia normativo-jurídica, confirmam as crengas e modus vivendi de determinados grupos, como seria o caso da afirmagáo de princípios de "autenticidade" e "negritude" nos países africanos após a indcpendén-cia, a que sc refere Brydem. Mas aqui náo se trata exatamente do pro-blema abrangentc do comprometimento das instituigócs constitucionais básicas, ou seja, do bloqueio na concretizagáo das normas constitu-cionais concernentes aos direitos fundamcntais, "divisáo de poderes", eleigóes democráticas e igualdade perante a lei. Constituem simbolismos específicos, muitas vezes vinculados a textos constitucionais autocrá-ticos, de tal maneira que náo cabe, a rigor, falar de constitucionalizagáo simbólica.

No que se refere ao segundo tipo, é representativa a análisc da Constituigáo de Weimar (1919) por Schmitt, que releva o seu caráter de compromisso'", distinguindo, porém, os compromissos "auténticos" dos "náo auténticos" ou "de fórmula dilatória"'7°. Conformc a concepgáo

173.Cf. Lefort, 1981:67ss., 82 (tr. br., 1987:56ss., 68). 174. Bryde, 1987:37. Ver também acima, p. 36.

175. Schmitt, 1970:28-36 (tr. esp., 1970:33-41).

176. Schmitt, 1970:31-36 (tr. esp., 1970:36-41).

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decisionista de constituicao (cf. nota 38 deste Cap.), sustenta -se, entáo, que os compromissos auténticos destinam-se á "regulagáo e ordcnagáo objetiva" de certos assuntos controversos, "mediante transagócs" cm torno da organizagáo e do conteúdo da Constituigáo'77. Os "de fórmula dilatória" ou "náo auténticos", ao contrário, náo diriam respeito a deci-sóes objetivas alcangadas através de transagóes, servindo cxatamente para afastar e adiar a decisáo'78. O compromisso objetivaria "encontrar uma fórmula que satisfaga todas as exigéncias contraciitórias e dcixe in-decisa em uma expressáo anfibiológica a questáo litigiosa mesma"'79. Assim sendo, qualquer dos partidos inconciliávcis podem recorrer ás respectivas disposigóes constitucionais, sem que daí possa decorrcr tima interpretagáo jurídica convincente'''. Mas Schmitt enfatizava que a questáo dos compromissos de fórmula dilatória atingia apenas particu-laridades da regulaQáo legal-constitucional'''. Conforme o modelo deci-sionista, concluía ele: "Se a ConstituiQáo de Weimar náo contivesse nada mais que tais compromissos dilatorios, seria ilusório seu valor e teria de admitir-se que as decisóes políticas fundamentais recairatnibm dos procedimentos e métodos constitucionalmente previstos"'". Porém nessa hipótese, náo estaríamos mais no domínio estrito dos compromis-sos de cláusula dilatória — que sempre liodem surgir em qualquer pro-cesso de constitucionalizaqáo, implicando funQáo simbólica de aspectos parciais da ConstituiQáo —, e sim perante o problema mais abrangente da constitucionaliznáo-álibi, que compromete todo o sistema constitu-

177. Schmitt, 1970:31 (tr. esp., 1970:36). 178. Sclunitt, 1970:31 (tr. esw, 1970:36).

179. Schmitt, 1970:31s. (tr. esp., 1970:36).

180. Sclunitt, 1970:34s. (tr. esp., 1970:39). 181. Ou seja, a Constituiláo em sentido relativo "como uma pluralidade de

leis particulares" (Sclunitt, 1970:11-20 — tr. esp., 1970:13-23), nao a Constitui-gáo em sentido positivo "como decisáo de conjunto sobre modo e Innna da unidade política" (1970:20ss. — tr. esp. I 970:23ss), que tem predominancia no modelo decisionista (cf. acima nota 38 deste cap.): Schmitt também diferenciará

os conceitos absoluto e ideal de Constituicao, que se referem, respectivamente, á "Constituicao como um todo unitario", seja esse a "concreta maneira de ser" da unidade política ou "um sistema de nomas supremas e últimas" (3ss.), e á

"verdadeira" Constituiyáo como resposta a um modelo político-ideológico determinado (36-41 — tr. esp., 41-47). Cf. aciina p. 58s. e nota 14 deste capítu-

lo.). 182. Schmitt, 1970:36 (tr. esp., 1970:40).

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cional. Daí porque restringimos a questáo da constitucionalizacáo sim-bólica aos casos cm que a própria atividade constituinte (e reformadora), o texto constitucional mesmo e o discurso a ele referente funcionam, antes de Ludo, como álibi para os legisladores constitucionais e gover-nantes (cm sentido amplo), como também para detentores de poder náo integrados formalmente na organizacáo estatal.

Já em 1962, cm scu artigo sobre a "dissolucáo do conceito de Consti-tuicáo", Burdcau referia-se á Constituicáo como "álibi" e "símbolo"'". Contudo, sob tais rubricas, incluíam-se situacóes as mais diversas, co-mo, no caso das democracias ocidentais, "a incapacidade do parlamento perantc os problemas da cconomia planificada e do controle da vida económica", e "a inutilidade das normas que devem garantir a estabili-dade do regime"'". De outro lado, considerava o problema da Constitui-00 como "símbolo" nos Estados africanos que, entáo, haviam conquis-tado recentemente a independencia forman". Esse caso distinguia-se radicalmente daquele, que Loewenstein denominara de "desvalorizacáo da Constituicao escrita na democracia constitucional" 186 . Tal situacáo, considerada como urna crise no segundo pós-guerra, resultava dos limi-tes do Direito Constitucional numa sociedade altamente complexa, na qual oufros mecanismos reflexivos, códigos autónomos e sistemas auto-poiéticos surgiam e desenvolviam-se 187. A Constituicáo náo perdía estru-turalmente sua (brea normativa' 88 e, portanto, o Direito positivo náo era generalizadamente bloqueado na sua reproducáo operacional. Nos esta-dos que se formavam, entáo, na África, tratava-se da falta de condicóes sociais mínimas para a concretizacáo constitucional e, por conseguinte, da ausencia dos pressupostos para a construcáo do Direito positivo como esfera funcional autónoma. O texto constitucional, a sua producáo e o respectivo discurso em torno dele atuavam como álibi para os novos

183.Burdeau, 1962:398. 184.Burdcati, 1962:398. 185. 13urdeatt, 1962:398s. 186. Loewenstein, 1975:157-66. 187. Cf. Grinun, 1987a:73. Ver lamben] idem (org.), 1990, onde se discute

o problema da ampliacáo das tarefas estatais em face da reducáo da capacidade regulativa do Direito. Quanto ao conceito de sistema autopoiético, ver acima Cap. III. I.

188. O próprio Loewenstein referia-se ao problema da "judicializacáo da política", considerando especialmente a experiéncia do Tribunal Constitucional da República Federal da Alemanha (1975:261ss.).

governa n tes. A compreensáo da constitucionalizaeáo simbólica como álibi em fa-

vor dos agentes políticos dominantes e em detrimento da concretizacáo constitucional encontra respaldo nas observacks de Bryde a respeito, também, da experiéncia africana: as "Constituicóes simbólicas", em oposicáo ás "normativas", fundamentam-se sobretudo nas "pretensóes (correspondentes a necessidades internas ou externas) da elite dirigente pela representacáo simbólica de sua ordem estatal" 1 "°. Delas náo decorre qualquer modificacáo real no processo de poder. No mínimo, há um adiamento retórico da realizacáo do modelo constitucional para um fu-turo remoto, como se isso fosse possível sem transformac5es radicais nas relactes de poder e na estrutura social.

6. A ConstitucionalizacAo Simbólica e o Modelo Classificatório de Loewenstein

Conforme a sua relacáo com a realidade do processo de poder, as Constituicóes foram classificadas por Loewenstein em trés tipos básicos: "normativas", "nominalistas" e "semánticas" 19°. As Constituicóes "nor-mativas" seriam aquelas que direcionam realmente o processo de poder, de tal maneira que as relaceres políticas e os agentes de poder ficam sujeitos ás suas determinac5es de conteúdo e ao seu controle proce-dimental. As Constituicóes "nominalistas", embora contendo disposi-c5es de limitaQáo e controle da dominaeáo política, náo teriam resso-náncia no processo real de poder, inexistindo suficiente concretizacáo constitucional. Já as Constituicóes "semánticas" seriam simples reflexos da realidade do processo político, servindo, ao contrário das "norma-tivas", como mero instrumento dos "donos do poder", náo para sua limitacáo ou controle. Tratava-se de conceitos típico-ideais no sentido de Weberm, de tal maneira que na realidade social haveria vários graus de "normatividade", "nominalismo" e "semantismo" constitucional, ca-

189. Bryde, 1982:29. 190. Cf. Loewenstein, 1975:151-57, 1956:222-25. Para urna releitura da

classifica9áo de Loewenstein, ver Neves, 1992:65-71, de onde retiramos, em linhas gerais, os argumentos que se seguem.

191. Cf. Neves, 1992:110s. A respeito do conceito de tipo ideal, ver We- ber, 1973:190-212, I968a:67-69, 157-59 e 163-65. Ver também abaixo Cap. 111.6.

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racterizando-sc a respectiva constituicáo pela predomináncia de um des-ses aspectos.

A classificacáo de Locwelistein refere-se mais exatainente á funcáo da acáo constituinte e linguagem constitucional, especialmente perantc o processo político, ou, simplesmente, á relacáo entre texto e rcalidade constitucional'". Se ao texto da constituicáo corresponde, de forma ge-neralizada, norrnatividade constitucional, entáo se fala de "Constituicáo normativa". 1sso náo significa que entre normas constitucionais e rcali-dade do processo de poder haja uma perfeita concordáncia. Tensóes en-tre realidade e kis constitucionais estará° sempre presentes'"3. "Distán-cia da realidadc" é incrente á normatividadc da Constituicáo e condicáo de autonomia do respectivo sistema jurídico'''. O que vai caracterizar especificamente a "Constituicáo normativa" é a sua atuacáo efetiva co-mo mecanismo generalizado de filtragem da influéncia do poder políti-co sobre o sistema jurídico, constituindo-se cm mecanismo reflexivo do Direito positivo. Ao texto constitucional corresponderiam, entáo, "ex-pectativas normativas congruentemente generalizadas". Na medida cm que a "Constituicáo normativa" sc enquadra no conceito estritamente moderno de Constituicao já acima analisado (item 1.3 destc Cap.), náo estamos evidentemente diante de situacóes de constitticionalizacáo sim-bólica.

O problema surge no ámbito das "Constituicóes normalistas". Ncla há uma discrepáncia radical entre práxis do poder e disposicóes consti-tucionais, um bloqueio político da concretizacáo constitucional, obsta-culizador da autonomia operativa do sistema jurídico. Como observa Loewenstein, -essa situacáo náo deve, contudo, ser confundida com o fenómeno bem conhccido de que a práxis constitucional difcre da letra da Constituicáo"'". Metamorfose através de interpretacáo/aplicacáo ou concretizacáo é imprescíndível á subsisténcia e estabilidade das "cons-tituicóes normativas", e á sua adcquacáo á rcalidade social circundan-

192. De acordo con) a tenninologia de Mecham (1959), tratar-se-ia do rela-cionamento entre "a constituiyáo nominal" (texto) e "a constitti4o real ou ope-rativa" (realidade constitucional).

193. Ronneberger, 1968:426. 194. "A Constituit;áo toina distáncia da realidade e ganha, sí) a partir

dai, a capacidade de servir de critério de conduta e julgamento para a política" (Grimm, 1989:635). "Distáncia da realidade" significa aqui "autonomía perante

o meio ambiente". 195. Loewenstein, 1975:152. Cf. também idem, 1956:223.

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te (cf. nota 141 deste Cap.). Nas -Constituicóes nominalistas", ao con-trário, dá-se o bloqucio generalizado do set! proccsso concretizalor, de tal mancira que o texto constitucional perde cm relcválicia normativo-jurídica diante das relacóes de poder. Faltan] os pressupostos sociais para a realizacáo do seu coludido normativo. Locwenstein vai acentuar essc aspecto negativo, apontando para a possibilidadc de evolucáo política no sentido da realizacáo do modelo constitucional: a Constitui-00 é comparada metaforicamente a um terno temporariamente pendu-rado no guarda-roupa, devendo ser usado guando o corpo nacional eres-cer correspondentemente'%. Náo se apercebe, assim, da funcáo simbó-lico-ideológica das Constituicóes nominalistas. Ao contrário. aponta para a esperanca de realizacáo futura da Constituicáo, fundada na hoa vontade dos detentores e destinatários do poder'". E, no sentido positi-vo, atribui-se ás "Constituicóes nominalistas" unía funcáo primaria-mente educativa'"8.

A respeito dcssa posicáo "rnodernizadora" de LOCWCIISICill Cill reía-QáO ao "nominalismo constitucional", orientada por um esquema evolu-tivo linear, é bem pertinente a crítica de Bryde no sentido de que ela remontaria á interpretacáo incorreta, difundida nos anos cinqiienta e sessenta, do papel das camadas dirigentes dos países cm desenvolvi men-to, caracterizadas, entáo, como clitcs idealistas e modernizadoras'"" A experiéncia parece ter ensinado algo km diverso. O objetivo das "Constituicóes nominalistas" náo é "tornar-sc normativa no futuro pró-ximo ou distante""°. Ao contrário: há nulitos elementos favoráveis á afirmativa dc que os "donos do poder" e grupos privilegiados iláo tém iatcresse numa mudanca fundamental das relacóes sociais, pressuposto para a concretizacáo constItucional. Contudo, o discurso do poder invo-ca, simbolicamente, o documento constitucional "demo,;,:itico", reco-nhecimento dos dircitos fundamentais, a CleiQáO livre e democrática etc., como conquistas do governo ou do Estado. Os textos das "constituicóes nominalistas" e "normativas" contlin basicamente o mesmo modelo ins-titucional: direitos fundamentais, -divisáo de poderes". 10o

igualdadc permite a lei e tainbein dispositivos do Lstado de km-estar. Embora tal fato tenha multo pouco significado para se classifi-

196. Loewenstein, 1975:153. Cf também idem, 1956:223 197. Loewenstein, 1975:153. 198. Loewenstein, 1975:153. 199. 13ryde, 1982:28, nota 4. 200. 1,oewenstein, 1975:153, em sentido contrário.

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carero os respectivos países no mesmo grupo — "sociedadc democráti-ca" —, essa fórmula, repitamos, é usada táo freqüentemente pelos a-gentes governamentais CO??? "Constittneóes nominalistas" como pelos scus colegas sob "Constituie -ócs normativas". Estes estáo efetivamente envolvidos numa linguagem constitucional cm que se implicam relevan-te e reciprocamente os aspectos simbólicos e jurídico-instnnnentais, contribuindo ambos complementarmente para a funcionalidade da Cons-tituieáo. Aqueles estáo comprometidos com urna linguagem constitucio-nal hipertroficamente simbólica, á qual náo corresponde concretizaeáo normativa generalizada e includentc.

Em relaefío ás "constituieóes semánticas", cabe inicialmente uma mudanea de denominaeáo, eis que na classificaeáo de Loewenstein o termo "semántico" é empregado sem quise nenhuma conexa() com o seu sentido habitual, podendo contribuir para equívocos. Considerando que Blas foram designadas "instrumentos" dos detentores do poderm, parece mais adequada a expressáo "Constituieóes instrumentalistas". Cont isso náo se desconhece que também as "Constituieóes normativas" sáo im-portantes instrumentos da política; mas Blas sáo, além disso, mecanis-mos para o controle e limitaeáo da atividade política. Nos casos de "Constittneóes instrumentalistas", ao contrário, os "donos do poder" uti-lizan' os textos ou leis constitucionais como puros meios de imposieáo da dominaeáo, sem estarem normativamente vinculados a tais mecanis-mos: o "soberano" dispóc dos "instrumentos" e pode, sem qualquer lintitaeáo jurídica, reformá-los ou substituí-los.

As Constittneóes semánticas. ao contrário das "nominalistas", cor- responden' á rcalidadc do processo de poder, mas, por outro, cm oposi-

áS - normativas", náo tés qualquer reaeáo contrafática relevante so- bre a atividade dos ocasionais detentores do poder. É o caso das expe- riéncias autocráticas contemporáneas. sejam autoritarias ou totalitarias"'

2(11 . Cf. Loewenstein, 1975:153s., 1956:223. 202. A respeito, ver Loewenstein, 1975:52ss., distinguindo na autocracia

dois tipos básicos: o autoritarismo, que se refere á estnitura governamental e se contenta com o controle político do Estado (53); o totalitarismo, que diz respeito á ordem global da sociedade (55). Ou seja, enquanto o autoritarismo implica di-

retamente sobreposiláo adiferenciante do sistema político sobre o jurídico, só atingindo a autonomia dos demais sistemas sociais na medida em que, no ámbi-to déles, o poder político seja posto críticamente em questílo, o totalitarismo im-porta a politizayíto adiferenciante de todos os dominios sociais, com a pretensáo mani t'esta de eliminar-lbes qualquer autonomia (Neves, 1992:70).

A "Carta" ou outras "Icis constitucionais" servem primariamente, entáo, á instrumentalizaeáo unilateral do sistema jurídico pelo político. Portan-to, a negaeáo da autonomía da esfera do jurídico já se exprime mani-festa e diretamente no momento da ponéncia dos textos ou leis consti-tucionais, ao passo que no "nominalismo constitucional" o bloqueio da reprodueáo autónoma do Direito positivo emerge basicamente no pro-cesso concretizador. É verdade que náo se pode excluir a funeáo hiper-troficamente simbólica de aspectos das "Constituieóes instrumentalis-tas": declaraeáo de direitos fundamentais, eleieáo política e outras insti-tuieóes do Estado Constitucional podem pertencer ao seu conteúdo lin-güístico. Mas essa funeáo é secundaria e náo Ihe constituí o trago dis-tintivo. Da própria "Carta" ou de outras leis constitucionais já resulta que as instituieóes constitucionalistas adotadas náo tém nenhum signifi-cado, principalmente porque ficam subordinadas a princípios superio-res, como "razáo de Estado" ou "seguranea nacional". Com as palavras de Burdeau, pode-se dizer que, enquanto a "Constituieáo nominalista" representa um "álibi", a "Constituieáo instrumentalista" é "apenas arma na luta política" 203 . Característico da primeira é a funeáo hipertrofica-mente simbólica ou político-ideológica do "texto constitucional", da se-gunda, a instrumentalizaeáo unilateral do Direito pelo sistema político (orientado primariamente pelo código-diferenea superioridade /inferiori-dade) mediante a emissáo/reforma casuística de "Cartas" ou "leis consti-tucionais".

203. Burdeau, 1962:398s. Mais recentemente, Luhmann (1990a:213s.) Pala analogamente de leis constitucionais que "só podem ser tomadas em considera-gáo como meio de luta ou como meio de 'política simbólica —. Na perspectiva do estruturalismo marxista poderia afirmar-se: enquanto a "Constituicáo nomi-nalista" desempenha primariamente um papel ideológico, a "Constituicáo ins-trumentalista" preenche sobretudo uma funcáo repressiva (cf. Althusser, 1976: 8Iss.; Poulantzas, I 978:31 -38 -- tr. br., 1985:33-40).

204. Cf. 13ryde, 1982:29-33.

7. Constitukáo Simbólica versus "Constituicáo Ritualista"

Bryde formulou a distincáo entre constituicóes "relevantes" e Cons-tituicóes "ritualistas" 204 . Aqui náo se trata exatamente do problema da adequacáo da conduta ás determinacóes do diploma normativo consti-tucional, mas sim da significacáo procedimental dos comportamentos

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que sc conforman.' ao texto constitucional. Náo é de excluir-se "que dis-posicóes constitucionais sejam observadas literal e formalisticamentc, mas, apcsar disso, náo regulem o proccsso político"2°. Nesse caso, a práxis correspondente ao texto constitucional atingiria (como "ritual") apenas a superficie do processo político, náo abrangcndo os scus aspec-tos "relevantes"2°6.

Em tal classificacáo também náo se configuraría uma dicotomia en-tre Constituicóes "ritualistas" e "relevantes", mas antes uma escala va-riável entre dois casos-limite°. É a predomináncia de um dos aspectos que vai possibilitar o enquadramento da Constituicáo num dos dois ti-pos. Tracos "ritualísticos" encontram-se em qualquer ordem constitucio-nalm. O que vai caracterizar as Constituicóes "ritualistas" é o fato de que, em suas linhas mestras da regulacáo procedimental, "as acóes constitucionalmente prescritas para a producáo e o exercício da vontade estatal sáo na verdade praticadas, mas as decisócs sáo tomadas real-mente de maneira inteiramente diferente""'. Entáo, cm vez de "proce-

dimentos" regulados pelo Direito Constitucional, apresentain-se formas "ritualistas". Nesse sentido, observa Luhmann, em relacáo á legitimacáo procedimental, que "a forma náo pode congelar-se em um cerimonial que é representado como um torneio, enquanto os confiitos reais sáo resolvidos ou náo de outra maneira"21°. Os procedimentos formalmente previstos no texto constitucional transformam-se assim em práxis "ri-tualista", náo atuando realmente como mecanismos de selecáo jurídica das expectativas e comportamentos políticos, o que só vai consumar-se ao nivel da "Constituicáo material".

O que torna problemática a classificacáo de Brydc é o caráter muito abrangente da categoria "Constituicóes ritualistas", na qual se inclui tanto a experiéncia constitucional inglesa como um exemplo-padráo, quanto as "Constituicóes "Semánticas" no sentido de Loewenstein, que designamos de "instnimentalistas"2". Mas no caso do "instt umentalis-

205. Bryde, 1982:29. 206. Bryde, 1982:29. 207. Bryde, 1982:30. 208. Cf. Bryde, 1982:30-32. 209. Bryde, 1982:29s. 210. Luhmann, 1983a:102.

211. Cf. Bryde, 1982:32s. Portant°, náo se justifica a critica de Bryde (29s., nota 12) ao caráter muito abrangente do conceito de "Constituicáo semántica" em Loewenstein; a categoria das "Constitiii0es ritualistas" bem

mo", as !els constitucionais, outorgadas e reformadas casuisticamente conforme a concreta constelacáo de poder, sáo efetivadas através dc unta práxis políticamente relevante. Entbora tambént se cncontrent elemen-tos ritualistas (cleicóes, rettnióes parlamentares etc.), clas distinguem-se enquanto estabelecem mecanismos políticos para a manutencáo do sta-tus quo autoritário ou totalitário (cf. nota. 202 deste Cap.). O conceito de ritualismo constitucional estaria mais adequado, portanto, á relacáo entre parlamento/regime e Coroa na experiéncia inglesa mais recente: "o programa governamental é proclamado pela rainha como sua própria declaracáo de vontade, nenhuma lei pode surgir sem roya! assent, de-cretos (Orders-in-Council) sáo baixados pela rainha em um cerimonial da corte", de tal maneira que o Dircito Constitucional británico seria ainda o de uma monarquia limitadam. Entretanto, os rituais da coroa a-penas proclamam solenemente decisóes políticas já pré-determinadas mediante os proccdimentos do sistema parlamentarista.

Do exposto observa-se que a nocáo de "Constituicáo ritualista" nao se confunde com o conceito de "Constituicáo simbólica". Enquanto a primeira categoría diz respeito ao problema da irreleváncia de práticas jurídico-constitucionais efetivas, inclusive costumeiras, para o processo de "formacáo da vontade estatal", no segundo caso a questáo refere-se á náo concretizacáo normativo-jurídica do texto constitucional, o qual, porém, exerce uma funcáo simbólica no ámbito do sistema político. Muitas das críticas em relacáo ao Estado constitucional da Europa Oci-dental e América do Norte, embora utilizem o termo "simbólico", apon-tam antes para aspectos ritualísticos da práxis constitucional. Observa-se, por exemplo, que cm CielOCS de sistemas distritais majoritários, face ás condicóes políticas e sócio-económicas, já se pode antever com segu-ranca o resultado; e também se acentua o caso-limite da antecipnáo do processo de decisáo parlamentar pela burocracia ministeria12'3. Mas cm tais hipótescs, o processo (ritual) cleitoral e legislativo é realizado con-forme as determinacóes constitucionais. A "constitucionalizacáo simbó-lica", ao contrário, vai configurar-se somente a partir de que "procedí-mentos" eleitorais, legislativos, judiciais, administrativos, como também o comportamento dos grupos e individuos em geral, descumprem as dis-

mais ampla e vaga, incluindo-se nela, expressamente, as "Constituilóes s'emán-ticas" no sentido de Loewenstein (cf. Bryde, 1982:33, nota 24).

212. Bryde, 1982:32. 213. Bryde, 1982:30s.

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posicóes constitucionais ou delas desviam-se, de tal maneira que o dis-curso constitucionalista torna-se, antes de tudo, um álibi.

8. Constitucionalizacklo Simbólica e Normas Constitucionais Progra-máticas

O problema da constitucionalizacáo simbólica tem sido freqüente-mente encoberto através da deformacáo do conceito jurídico-dogmático de normas constitucionais programáticas. Trata-se de urna confusáo prejudicial tanto ás abordagens dogmáticas quanto extradogmáticas.

Superada a doutrina distintiva das cláusulas constitucionais manda-tórias (obrigatórias) e diretórias (facultativas) 21, impós-se ao nivel dog-mático a concepcáo da vinculatoriedade jurídica de todas as normas constitucionaisra. As normas programáticas seriara, pois, normas de "eficácia limitada", náo servindo á regulacáo imediata de determinados interesses, mas estabelecendo a orientacáo fmalística dos órgáos esta-

"A legislacáo, a CXCCUO0 e a própria justita" — afirmava Pontes de Miranda — "ficam sujeitas a esses ditames, que sáo como programas dados á sua funcáo" 21. Nesse sentido, os agentes estatais náo podem propor ou executar outro programa 218, nem sequer agir contra o progra-ma constitucional. Daí porque o descumprimento de normas progra-máticas pode suscitar o problema do controle da constitucionalidade da respectiva acáo (ou omissáo) de órgáo do Estado 219 .

Sem desconhecer, portanto, que o sistema jurídico inclui programas finalísticos220, parece-nos, porém, que náo cabe atribuir a falta de con-

214. Distincáo que remonta á jurispnidéncia e doutrina norte-americana do século passado. Cf Cooley, 1898:390.

215. Cf. Ghigliani, 1952:3s.; Silva, 1982: 61-63 ; Bittencourt, 1968:56-60; 13trzaid, 1968:48s.; Campos, 1956: 392ss.; Mello, 1968:92; Mendes, 1990:28ss.

216. Cf. Silva, 1982:126ss. É evidente que aqui se trata de eficácia em sen-tido jurídico. Ver acima Cap. I. 8.1.

217. Pontes de Miranda, 1960:111. Cf idem, 1970:127. 218. "Algo do que era político, partidario, programa, entrou no sistema ju-

rídico: cerceou-se, com isso, a atividade dos legisladores futuros, que, no assun- to programado, náo podem ter mitro programa" (Pontes de Miranda, 1960:111 s.; cf. idem, 1970:127).

219. Cf. Neves, 1988:101-103; Silva, 1982:141-43 e 146. 220.Cf. Luhmann, 1987h:241. Contudo, o Direito positivo emprega prima-

riamente "programas condicionais"; ver idem, 1987b:227-34, 1 981b:140-43,

cretizacáo normativa de determinados dispositivos constitucionais sim-plesmente ao seu caráter programático. Em primeiro lugar, deve-se ob-servar que a vigéncia social (congruente generalizacáo) de normas cons-titucionais programáticas depende da existéncia das possibilidades es-truturais de sua realizacáo. A própria nocáo de programa implica a sua realizabilidade no contexto social das expectativas e comunicacóes que ele se propóe a direcionar ou reorientar. Por exemplo: através da norma-tizacáo "programática" dos "direitos sociais fundamentais" dos cida-dáos, os sistemas constitucionais das democracias ocidentais européias emergentes nos dois pós-guerras respondían, com ou sem éxito"', a tendéncias estruturais cm direcáo ao welfare state. Pressupunha-se a realizabilidade das normas programáticas no próprio contexto das rela-cóes de poder que davam sustentacáo ao sistema constitucional.

Outra é a situacáo no caso da constitucionalizacáo simbólica. As disposicóes programáticas náo respondem, entáo, a tendéncias presentes nas relacóes de poder que est nituram a realidade constitucional. Ao con-trário, a realizacáo do conteúdo dos dispositivos programáticos impor-tarla urna transformacáo radical da estrutura social e política. Além do mais, a rejeicáo ou deturpacáo das normas programáticas ao nivel do processo concretizador náo resulta apenas da omissáo, mas também da acáo dos órgáos estatais. Diante das injuncóes do "meio ambiente" so-cial da Constituicáora, especialmente das relacóes económicas e políti-cas, a acáo dos agentes estatais encarregados de executar as disposicóes programáticas dirige-se freqüentemente no sentido oposto ao do aparen-te programara. Portanto, a questáo náo se diferenciaria, em principio, do problema do bloqueio da concretizacáo normativa (falta de normati-vidade) dos demais dispositivos constitucionais. Mas é através das cha-madas "normas programáticas de fins sociais" que o caráter hipertrofi-

1981 c:275ss., 1973a:88ss. (esp. 99). 221. Com éxito, as Constituigles francesa de 1946, italiana de 1947 e fede-

ral alemá de 1949; sem éxito, a Constituicáo de Weimar (1919). 222. É de observar-se que, nessas condicóes, a própria diferen9a funcional

entre sistema e meio ambiente perde era significado. A respeito, ver Neves, 1992, 1991.

223. Daí porque náo se trata simplesmente de urna questáo de omissáo in-constitucional a ser suprida por mandado de injwicáo (Art. 5 9, Inciso LXXI , da Constittricáo Brasileira) ou pela respectiva acáo de inconstitucionalidade (Art. 103, § 22, da Constituick Brasileira; Art. 283 da Constituiláo Portuguesa). Cf. Neves, I992:158s.

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camente simbólico da linguagem constitucional vai apresentar-se de for-ma mais mareante. Embora constituintes, legisladores e governantes etu geral náo possam, através do discurso constitucionalista, encobrir a rea-lidade social totalmente contrária ao welfare state previsto no texto da Constituicáo, invocam na retórica política os respectivos princípios e fins programáticos, encenando o envolvimento e interesse do Estado na sua consecugáo. A constituicáo simbólica está, portanto, estreitamente associada á presenga excessiva de disposigóes pseudoprogramáticas no texto constitucional. Dela náo resulta normatividade programático-fina-Iística, antes constitui um álibi para os agentes políticos. Os dispositivos pseudoprogramáticos só constituem -letra morta" num sentido exclusi-vamente normativo-jurídico, sendo relevantes na dimensáo político-ideo-lógica do discurso constitucionalista-social.

9. Constitucionalizacáo-Álibi e "Agir Comunicativo"

Tendo em vista que a constitucionalizagáo implica a atividade cons-tituinte e o processo de concretizagáo constitucional, portanto, uma co-nexáo de acoles intersubjetivas, é possível uma leitura do problema da constitucionalizagáo simbólica a partir da teoría dos —Mos de fala" (speech act)224. Classificando-se as agóes constituintes e concretizadoras como "comissivo-diretivas"2", afirmar-se-ia que elas fracassam, quanto á sua l'orca ilocucional, em virtude de "inautenticidade"22.°. Ao aspecto proposicional da linguagem constitucionalizadora náo corresponderia uma disposigáo ilocucional do agente com respeito realizagáo do res-pectivo conteúdo. É evidente que, na constitucionalizagáo simbólica, o emitente do ato “comissiyo-diretivo" ilocucionalmente inauténtico seria, ao mesmo tempo, destinatário, de tal maneira que, na teoria dos "atos de fala", sua agáo também poderia ser caracterizada como uma "promessa inauténtica".

Na recepgáo habermasiana, a teoria dos "atos de fala" foi reinterpre-tada a partir do modelo da pragmática universal, com a pretensáo de for-mular as regras universalmente válidas do entendimento intersubjetivo (agir comunicativo) e do discurso racional (ética do discurso)227. Abstra-

224. Cf. Searle, 1973; Austin, 1968.

225. Sobre os tipos de atos "ilocucionais", ver Searle, 1973: 116ss.

226. Cf. Searle, 1973:124; Austin, 1968:141.

227. Ver Ilabennas, I986a: esp. 385ss., 1982bI: esp. 388ss., 1971b. A res-

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indo cssa pretensáo universalista da filosofia dc Habermas, niteressa - nos aqui a distincáo entre "agir comunicativo" e "agir -racional -com -respei-to-a-fins" (zweckrationales !lamida), categoría na qual se incluent o "a-gir instrumental" e o "estratégico"228.

Habermas vai definir o "agir instrumental" como modo de agáo o-rientado por regras técnicas, ou seja, direcionado para obtengáo de de-terminados fins do agente mediante a utilizagáo de objetos. O agir es-tratégico implicaria a escolha racional de meios de influenciar um ad-versário. O agir instrumental é, em princípio, "náo-social", podendo, porém, estar vinculado a interagóes sociais. O agir estratégico constitui em si mesmo agáo social. Ambos seriam orientados para o éxito do agente e, portanto, avaliados respectivamente conforme o grau de eficá-cia sobre situnks e acontecimcntos ou de influéncia sobre its decisócs do adversário229. O agir comunicativo, ao contrário, náo é dirccionado pelo cálculo egocéntrico do éxito, mas sim coordcnado por atos de en-tendimento entre os participantes"°.

peito, também cf. Alexy, 1983:77ss. e 137ss. Ao contrário da "pragmática trans-cendental" (aprioristica) proposta por Apel (1988), a "pragmática universal" desenvolve-se a partir de tima perspectiva reconstrutiva em face do "mundo da vida" como horizonte do agir comunicativo (Habermas, 1982b11:182ss., 1988a:

87ss.; cf. idem, 1986a: esp. 379ss.). 228. A respeito, ver, em diferentes fases de desenvolvimento da "teoría do

agir comunicativo", I labennas, 1969:62-65 (tr. br., 198(1:32(1-22), 1982b1: esp. 384ss., 1988a:68ss. (aqui especificamente quanto distinlilo entre agir comuni-cativo e estratégico). Cf. também Wein, 1986a:404s., com o acréscinto do "ágil-, simbólico" (ver abaixo nota 237 deste Cap.). Essa classifica0o implica tima rej constniláo do tnodelo weberiano dos tipos de aláb: afetiva, tradicional, racio-nal-com-respeito-a-fins e racional-com-respeito-a-valores (cf. Weber, 1985:12s.; Schluchter, 1979: esp. 191-95; Habermas, 1982b1:379-84; Neves, 1992:13s.). Através dela, Habermas vai afastar-se definitivamente dos scus predecessores

da Escola de Frankfttrt, na medida em que a ciítica da "Tilii-b5 instru,,iclital" vai

ser relativizada, atribuindo-se o problema cla inodernidade nao mais — como naqueles — ao desenvolvimento técnico em si mesmo, mas sim á hipertrofia da

"racionalidade-com-respeito-a-fins" (Zweckrationalittii) ent prejuízo da esfera

do "agir comunicativo" — cf. Habennas, 1969:48ss., 1982b1:455ss. (esp. 489ss.); Marcuse, 1967: esp. 159ss.; Horkheimer e Adorno, 1969.

229. Habennas, 1982b1:385.

230. Ilabennas, 1982b1:385. Ele concebe o agir comunicativo como "funda-

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Aqui é especialmente relevante a distincáo entre agir estratégico e agir comunicativo enquanto tipos básicos de acóes sociais. Para Haber-mas, na medida cm que as acóes estratégicas sáo orientadas egocentri-camente para a obtencáo de éxito diante do adversario, náo se supe a autenticidade da manifestacáo lingüística do agente 231 . O éxito pode ser alcancado através do engano do adversario'''. O agir comunicativo prcs-supóc a autenticidade dos participantes, no sentido de que eles devem expresar transparentemente suas posicks, desejos e sentimentos na in-teracáo intersubjetiva 233 .

O Direito náo é, no modelo habcrmasiano, apenas meio sistémico, -mas também "instituicáo"; portanto, inclui-se cm parte na esfera do agir comunicativo 234. Dessa maneira, torna-se possível urna leitura da consti-fucionalizacáo simbólica a partir da distincáo entre agir estratégico e agir comunicativo. Na medida em que a atividade constituinte e o dis-curso constitucionalista náo tém correspondéncia nas posturas, senti-mentos e intencóes dos respectivos agentes políticos, ou seja, sáo ilocu-cionalmente "inauténticos", a constitucionalizacáo simbólica náo envol-ve "80CS comunicativas" referentes ao Direito. Caracteriza-se, antes, como um plexo de acóes estratégicas a servico do meio sistémico "po-der". Náo se trata de "agir aberta ►ente estratégico", como aquele que se manifesta nas lutas entre facc'ócs políticas durante o processo cons-tituinte e também nas contendas políticas e judiciais cm torno da con-cretizacáo constitucional. A constitucionalizacáo simbólica implica "a-gir ocultamente estratégico", seja ele comunicaqáo deformada sistema-tica ►ente (ilusáo inconsciente) ou mesmo a simples manipulaqao (ilu-sáo consciente) 235. O sentido manifesto e aparente (normativo-jurídico) da atividade constituinte e linguagem constitucional encobre, entáo, o seu sentido oculto (político-ideológico).

Diante do cxposto, observa-se que, conforme a teoria da acá° de Ha-

mental", pois parte de "quc outras formas do agir social — p. ex., luta, compe-tiyáo, conduta estratégica cm geríil — constituem derivados do agir orientado para o entendimento" (1986a:353).

231. A "autenticidade", enquanto tuna das "pretensóes de validade" (Gel-tungsansprtiche), Pica, entáo, suspensa (Ilabermas, 1986a:404).

232. Cf. Ilabennas, 1982b1:445s. 233. Cf. Ilabennas, 1986b:138 e 178, 1978:24. 234. Cf. Ilabennas, 1987a, 1982b11:536ss. Para o aprofundamento da evo-

luyfio do pensamento habennasiano nesse sentido, v. idem, 1992. 235. Ilabennas, 1982b1:445s.

bermas, a constitucionalizacáo simbólica importa, no ámbito político, ou mclhor, para os detentores do poder, funcáo- primariamente "instru-mentar. Considerando-se, porém, o sentido que o termo "simbólico" assume no contexto destc trabalho (v. Cap. I), permanece válida a tese: cm relacáo ao domínio do Direito, trata-se da atuacáo hipertroficamente simbólica da atividade constituinte e do discurso constitucionalista, na medida em que ambos constituem uma parada de simbolos para a mansa dos espectadores 236, sem produzir os efeitos normativo-jurídicos genera-lizados previstos no respectivo texto constitucional 237. Por outro lado, a teoria da acáo de Habermas parte de interacóes entre sujeitos determi-nados, o que torna discutível a sua transposicáo ao problema da consti-tucionalizacáo simbólica, no qual está implicada uma conexáo complexa e contingente de acóes, que náo pode ser reduzida á questáo do agir es-pecífico de sujeitos determinados.

10. Constitucionalizacáo Simbólica versus Lealdade das Massas e "Regras-do-Siléncio"

A passagem do modelo liberal clássico para o we/fare state na Eu-ropa Ocidental e Norte-América implicou um maior acesso da mansa trabalhadora ás prestacóes do Estado. Marshall interpretou esse fe-nómeno como processo de ampliacáo da cidadania: os direitos civis e políticos teriam ganhado em realidade com a conquista dos direitos so-ciais238 . No século XX, a cidadania, orientada pelo princípio da igual-

236. Cf. Edelman, 1967:5, referindo-se, porém, mais abrangentemente "política simbólica". Ver acima Cap.I.3.

237. lIá aqui urna analogia com a noca() habermasiana de "agir simbólico", que inclui as danyas, os concertos, as representag5es dramáticas etc. (cf. Ha-bernias, I 986a:40.I) e, portanto, está relacionado (ou se confunde), na própria obra de Ilabennas, com o agir expressivo ou drainatúrgico, cujo questionamento crítico e negayílo referem-se á sua "inautenticidade" (Cf. 1982b1:436 e 447s.). Mas o conceito de simbólico tem também um sentido mais acoplo e relevante dentro da "teoría do agir comunicativo", guando se define "sociedade como inundo da vida estruturado simbolicamente" (idem, I 988a:95ss.). Daí náo decorre, porém, uma confusáo do simbólico e semiótico, eis que esse "mundo" simbolicamente estruturado só se constitui e reproduz através do agir comuni-cativo ( I 988a:97).

238. Cf. Mar

1976:71ss.:, acompanhando-o, Bendix, 1969:92ss Para

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dade, teria entrado em guerra com o sistema de desigualdade inerente ao capitalismo e ás suas classes sociais"9. Nesse sentido, a ampliagáo da cidadania importaria a redugáo das desigualdades do capitalismo, con-duzindo ao modelo social-democrático do welfare state.

Enfrentando a questáo posta por Marshall, Bendix vai sustentar que, nesse contexto de ampliagáo da cidadania, as lutas da classe traba-lhadora náo se orientavam pela construgáo de "uma nova ordem social", mas sim por maior "participagáo" na ordem estabelecida, caracterizan-do-as como expressáo de um espírito conservadorm. Assim, o modelo clássico marxista de luta revolucionária do trabalhador pela superagáo da ordem capitalista é substituído por uma conccpgáo do colino tra-balhista como forma de integragáo/inclusáo das massas no sistema so-cial vigente ou de acesso ás suas prestagóes"'.

Relacionado com esse tipo de enfoque, desenvolveu-se na Alemanha Ocidental dos anos setenta o famoso debate sobre Estado de bem-estar (Wohlfahrtsstaat) e le,aldade das massas ellassenloyalitat)"2. Aqui se discutia sobre a "lealdade das massas" como decorréncia do desempe-nho de caráter social do Estado de bem-estar243. A própria crise de legi-

uma problematizagáo crític,a da aplicagáo do modelo evolutivo de Marshall ao desenvolvimento constitucional brasileiro, Neves, 1990.

239. Marshall, 1976:84. Analogamente, Bobbio apontava posteriormente para o conflito entre a desigualdade capitalista e o principio de igualdade da democracia (1976:esp. 207 — tr. br., 1979:242), enquanto Offe se preocupava com os limites estruturais do Estado de Direito Democrático no capitalismo avangado (1979). Por sua vez, sustenta Preuss mais recentemente "que a diná-mica inerente ao processo c,apitalista de produgáo de valor é autodestrutiva, na medida em que ela destrói progressivamente os fundamentos náo-capitalistas do capitalismo" (1989:4) Em contexto, afirma Weffort invocando a referida passagem de Marshall: "Náo haverá exagero em dizer-se que, no caso brasi-leiro, a desigualdade tem vencido esta 'guerra', deixando apenas um espago mí-nimo á expressáo do principio contrário" (1981:140).

240. Bendix, 1969:89. 241. Nesse sentido, Preuss refere-se á "domesticagáo da luta de classes

através da juridificaQáo da luta trabalhista" no Estado de bem-estar europeu (1989:2).

242. A respeito, ver sobretudo Narr e Ofli: (org.), I975a. Ao discutir os limites da Constituigáo e da obediéncia nas democracias, Preuss (1984), jurista, emprega a expressáo "lealdade dos cidadáos" (Bürgerloyalitat).

243. Narr e Offe, 1975b: esp. 27-37.

timagáo seria resultante da incapacidade do weljare state de manter a "lealdade das massas" através dos scus mecanismos administrativos"4. Com restrigóes ao modelo entáo predominante de abordagem do pro-blema, Luhmann pondcrava que a ampliagáo das prestageses do Estado de bem-estar náo asseguraria atitudes permanentes de "gratidáo" e "leal-dade" política, considerando a constante mudanga de motivagócs dos in-divíduos em face mesmo do acesso aos diversos sistemas funcionais da respectiva sociedade245. Ou seja, ao mesmo tempo em que o Estado de bem-estar amplia os scus servigos em relagáo ás "massas", cle torna-as capazcs de exigir-lhe scmpre mais novas e inesperadas prestagóes. Mas, embora a "lealdade das massas" náo seja incompatível com mudangas imprevisívcis, parece-nos que cla implica uma postura conservadora ein relagáo ao Estado de bem-estar enquanto estrutura de ampliagáo e ino-vagáo permanente de prestagóes.

Na abordagem da legislagáo simbólica no Estado dc bem -estar do Ocidente desenvolvido, tem-se procurado caractcrizá-la como meca-nismo possibilitador da "lealdade das massas" (cf. p. 40). A manuteNáo dessa náo resultaria simplesmente dos efeitos rcais da -Icgislnáo ins-trumental", mas dependeria também da produQáo de diplomas legais destinados basicamente a promover a confianQa dos cidadáos no Estado. Através da legislaQáo simbólica, os órgáos estatais demonstrariam ceni-camente seu interesse e disposiQáo de solucionar problemas estrutural-mente insolúveis. A legislaQáo-álibi constituiria, entáo, um típico me-canismo de promo9áo da "Icaldade das massas" no Estado de bein-cstar.

Essa situagáo náo se transporta irrestritamente aos casos de consti-tucionalizaQáo simbólica. Aqui náo se configura um sistema jurídico-constitucional que responde globalmente ás expectativas de bem-estar das "massas". Enquanto a legislaQáo simbólica no weljare state está en-volvida num sistema jurídico -político que, cm linhas gerais, realiza -se como práxis includente de toda a populaQáo (cf.item 1 3.4.1. deste Cap.), a constitucionaliznáo simbólica importa que os principios de inclusáo do Estado de bein-estar, previstos abstratamentc no te.\1z,

244. Cf. 1-labermas, 1973: esp. 55s., 68-70 e 96ss.

245. Lithinann, 1981j:10. 1 labennas nao se despercebeu desse problema, leudo observado anteriormente, que a amplinilo das materias administrativas tornaria imprescindível promover "lealdade das massits" para novas IiinOes es-tatais, o que implicaria mn "desproporcional aumento da necessidade de legiti-maláo" (1973:100s. ).

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náo se concretizan] de forma suficientemente relevante para a massa dos subintegrados. O aspecto simbólico náo está associado com um desem-penho eficiente e generalizado do Estado diante das caréncias da popu-lacáo. A "lealdade política" vai desenvolver-se principalmente por meio de mecanismos difusos e particularistas náo compatíveis com a Consti-tuicáo. Mas náo se trata de institutos generalizados possibilitadores da "lealdade das massas", mas sim de formas de prestacáo compensadora que ensejam apenas a graticlao individual ou de grupos isolados2".

Contraditoriamcnte, portanto, embora a constitucionalizacáo sim-bólica, presente basicamente no Estado periférico (ver Cap.I11.6.), tenha a funcáo ideológica de promover a confianca no Estado ou no Governo (cm sentido ainplo), scrvindo-lhes como fórmula de representacao retó-rica e álibi, ela pode converter-se, em casos extremos de discrepáncia entre texto e realidadc constitucionais, num fator de promocáo de des-confianca na própria figura do Estado. Aquilo que Kindermann fala a respeito do fracasso da legislacáo-álibi tem realidade principalmente nos casos de constitucionalizacáo-álibi: reconhecendo-se que a atividade constituinte (e reformadora) o texto constitucional náo estáo associa-dos a lima concretizacáo normativo-jurídica relevante, representando antes formas cspeciais de aQA0 política simbólica, o próprio Direito como sistema de regulacáo da conduta cm interferéncia intersubjetiva cai cm descrédito; o público senic-se, entáo, iludido; os atores políticos tornam-se "cínicos-2'7.

A qucstáo dos limites ideológicos da constitucionalizacáo simbólica perante a -lealdade das massas" pode ser relacionada com a nocáo de "regras -do-siléncio" (gag rules) como mecanismos através dos quais determinados temas sáo excluidos da discussáo jurídico-política nos sistemas constitucionais democráticos2'. Trata-se de restricóes descar-regantes da pauta política com rcspeito a temas controversos específi-cos'''. Na medida em que falta aos textos constitucionais simbólicos

246. A respcito, ver Neves, 1992: 170-79, abordando a deturpaláo do pro-cedimento eleitoral e a politizaláo particularista da administra0o na experién-cia constitucional brasileira.

247. Kindemann, 1989:270, tratando especificamente do fracasso da legis-lalflo-álibi em face mesmo de sua amplialáo. Cfacima p. 40.

248. Cf. Holmes, 1988. 249. "... a forma da política democrática é indubitavelmente determinada

pela reniNfio estratégica de certos ítens da agenda democrática. Alguns teóricos térn memo ¿irgumentado que a supressfio de questiSes é tuna condilfio neeessá-

"base consensual" como o "pressuposto mais importante da efetiva vi-géncia de uma Constituicáo"2", ou melhor, da orientacáo generalizada do público pelo modelo normativo constitucional, a institucionalizacáo de gag rules está condenada ao fracasso"'. Face á ineficiéncia do "apa-relho estatal" diante das necessidades da maioria da populacáo há, nes-sas circunstáncias. uma tendéncia á politizacáo dos mais variados te-mas, incluindo-se a discussáo sobre a legitimidade da ordem social como um todo2". Á proporcáo que o sistema constitucional perde cm si-gnificado como ordem básica e horizonte da política, cle mesmo torna-se tema da discussáo política253. Enquanto através da "Icaldadc das mas-sas" o welfare Mate, caracterizado por "Constituicóes normativas", p5e os conffitos de classe no segundo plano ou "domestica-os" (ver nota 241 deste Cap.), possibilitando o desenvolvimento das chamadas "regras-do-siléncio", as experiéncias da constitucionalizacáo simbólica, presentes sobretudo nos Estados periféricos, sáo marcadas -pela incapacidade de uma superacáo ou controle satisfatório da questáo social e, portanto, do conflito de classcs, o que torna improvável o desenvolvimento estável de "regras-do-siléncio" democráticas, sejam elas implícitas ou explícitas?". As críticas generalizadas, sem delimitacáo temática, surgem exatamente como reacáo ineficiéncia ou ao náo funcionamcnto do modelo de Es-tado previsto simbolicamente no texto constitucional e pertencente á re-tórica político-jurídica. Nesse contexto, as "regras-do-siléncio" só sc tornam possívcis em virtude da negacáo manifesta desse modelo através da imposicáo de ditadura, ou seja, do estabelecimento de Constituicáo i nstrumenta I ista2".

ria para a emergéncia e estabilidade das democracias" (Holmes, 1988:24s.). 250. Grimm,1989:636. 251. Cf., mais cuidadoso, Lulunann, 1990 a: 213 s. 252. Enquanto nos Estados Unidos da América, por exemplo, a legitimida-

de da propricdadc privada nunca é discutida em sessóes legislativas (Holmes, 1988:26), cla é freqüentemente posta cm questáo nos parlamentos dos Estados periféricos s icamente consti tucional izados.

253. Cf.,ein outro contexto, Lulunann, 1983a: 196. "O Direito reina princi-palmente em uma sociedade na qual as questóes fundamentais dos valores so-ciais náo sá'o geralmente discutidas ou discutíveis" (Parsons, 1967:133).

254. Embora Holmes se limite á análise das "regras-do-siléncio" abertas (cf. 1988:27), o conceito incluí também regras implícitas (cf.1988:26).

255. Segundo I lolmes, se a sociedade está "dividida muito profundamen-te", as gag rules levam contraditoriamente á "democracia sem oposigfio" (1988:

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Os limites da funeáo ideológica da constitucionalizagáo simbólica diante da "Iealdade das massas" e das "regras-do-siléncio" democráticas importa a permanente possibilidade de crítica generalizada ao sistema de dominagáo encoberto pelo discurso constitucionalista. Como proble-ma estruturalmente condicionado, o desgaste da constitucionalizaeáo simbólica poderá conduzir a movimentos sociais e políticos por trans-formagóes conseqüentes em diregáo a um sistema constitucional demo-crático efetivo. É possível também que conduza á apatia das massas e ao cinismo das clites. A reagáo mais grave, contudo, é o recurso á "rea-lidade constitucional" mediante a imposigáo do padráo autoritário e o estabelecimento de constituigáo instrumental, na qual se exclui ou limita radicalmente o espato da crítica á própria "realidade" de poder.

31), ou melhor, á negacáo da democracia.

112

Capítulo 3

CONSTITUCIONALIZACÁO SIMBÓLICA COMO ALOPOIESE DO SISTEMA JURÍDICO

1. Da Autopoiese á Alopoiese do Direito

1.1. Da Autopoiese Biológica á Social

O conceito de autopoiese tem sua origem na teoria biológica de Ma-turana e Varela'. Etimologicamente, a palavra deriva do grego autos (`por si próprio') e poiesis (`criagáo', `produgáo') 2 . Significa inicialmente que o respectivo sistema é construído pelos próprios componentes que ele constrói. Definem-se entáo os sistemas vivos como máquinas auto-poiéticas: urna rede de processos de produgáo, transformagáo e destrui-00 de componentes que, através de suas interaeóes e transformaeóes, regeneram e realizam continuamente essa mesma rede de processos, constituindo-a concretamente no espato e especificando-Ihe o dominio topológico'. Trata-se, portanto, de sistemas homeostáticos 4, caracteriza-dos pelo fechamento na produgáo e reprodugáo dos elementos'. Dessa maneira, procura-se romper com a tradigáo segundo a qual a conserva-QáO e evolugáo da especie seriam condicionadas basicamente pelos fato-res ambientais. Ao contrário, a conservagáo dos sistemas vivos (indivi-duos) fica vinculada á sua capacidade de reprodugáo autopoiética, que os diferencia num espato determinado'.

A recepgáo do conceito de autopoiese nas ciencias sociais foi pro-

1. Cf. Maturana e Varela, 1980:73ss., 1987: esp 55-6(1, Maturana, 1982: esp. 141s., 157ss., 279s.

2. Cf. Maturana e Varela, 1980:XV11. 3. Maturana e Varela, 1980:78s. e 135; Maturana, 1982:158, 141s, 184s.,

280. Segundo Teubner (1989:32), apresenta-se aqui a "definicáo oficial" de au-topoiese.

4. Maturana e Varela, 1980:78. 5. Cf., p. ex., Maturana e Varela, 1980:127s., em relacáo ao sistema ner-

voso.

6. Cf. Maturana e Varela, 1980:117s., com críticas ás implicatiZes ideológi-

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posta por Luhmann, tendo tido ampla ressonáncia'. A conccpcáo luh-manniana da autopoiese afasta-se do modelo biológico de Maturana, na medida em que nela se distinguen os sistemas constituintes de sentido (psíquicos e sociais) dos sistemas orgánicos e neurofisiológicos 8. Na teoria biológica da autopoiese, há, segundo Luhmann, urna concepcáo radical do fechamento, visto que, para a producáo das relacóes entre sis-tema e meio ambiente, é exigido um observador fora do sistema, ou seja, um outro sistema'. No caso de sistemas constituintes de sentido, ao con-trário, a "auto-observacáo torna-se componente necessário da reprodu-

autopoiética"". Eles mantém o scu caráter autopoiético enquanto se refcrein simultaneamente a si mesmos (para dentro) e ao scu meio am-biente (para fora), operando internamente com a diferenca fundamental entre sistema e meio ambiente". O scu fechamento operacional náo é prejudicado com isso, considerando-se que sentido só se relaciona com sentido e só pode ser alterado através de sentido". Porém, a incorpo-racáo da diferenQa "sistema/meio ambiente" no interior dos sistemas ba-seados no sentido (a auto-observacáo como "momento operativo da au-topoiese")" possibilita una combinacáo de fechamento operacional com abertura para o meio ambiente, de tal maneira que a circularidade da autopoiese pode ser interrompida através da referéncia ao meio

Portant°, na teoria dos sistemas sociais autopoiéticos de Luh-

cas da teoria darwiniana da seleyáo natural. 7. A respeito, ver sobretudo Luhmann, 1987a; Haferkamp e Schmid (orgs.),

1987; Baecker et al. (orgs.), 1987:esp. 394ss. Para a crítica á recepcáo científico-social do conceito de autopoiese, ver Bühl, 1989, com referéncia especial ao pa-radigma luhmanniano (229ss.); e ruma perspectiva mais abrangente sobre a teoria sistémica de Luhmann, Krawietz e Welker (orgs.), 1992. Para a leitura crítica a partir da teoria do discurso, ver Habermas, 1988b:426ss., 1988a:30s. Definindo a autopoiese como paradigma ideológico conservador, Zolo, 1986.

8. Ladeur (1985:408s.) interpreta de maneira diversa. Cf. também Teubner, 1988:51, 1989:38, 43 e 46, criticando a tese sustentada por Luhmann (1985:2; 1987c:318), que nesse ponto acompanha Maturana e Varela (1980:94; Matura-na, 1982:301), da impossibilidade de autopoiese parcial.

9. Luhmann, 1987a:64. 10. Luhmann, 1987a:64. 11. Luhmann, 1987a:64. 12.Luhmann, 1987a:64. 13.Luhmann, 1987a:63. 14.Lubina:in, 198711:64s.

mann, o meio ambiente náo atua perante o sistema nem meramente co-mo "condicáo infra-estrural da possibilidade da constituicáo dos ele-mentos" 15, nem apenas como perturbacáo, barulho, "bruit"16 ; constituí algo mais, "o fundamento do sistema"". Em relacáo ao sistema atuam as mais diversas determinacbes do meio ambiente, mas elas só sáo inse-ridas no sistema guando esse, de acordo com seus próprios critérios e código-diferenca, atribui-lhes sua forma' 8 .

Além de diferenciar-se da teoria biológica da autopoiese, a concep-QáO luhmanniana do fechamento auto-referencial dos sistemas baseados no sentido, especialmente dos sistemas sociais, afasta-se ainda mais cla-ramente da clássica oposicáo teórica entre sistemas fechados e abertost". O conceito de sistemas fechados ganha, "em comparacáo com a antiga teoria dos sistemas, um novo sentido. Ele náo designa mais sistemas que existem (quase) sem meio ambiente e, portanto, podem determinar-se (quase) integralmente a si mesmos"". Nesse sentido, afirma-se: "Fecha-mento náo significa agora nem falta de meio ambiente, nem determi-nacáo integral por si mesmo" 21 . Trata-se de autonomía do sistema, náo de sua autarquia 22 . O fechamento operativo "é, ao contrárío, condicáo de possibilidade para abertura. Toda abertura baseia-se no fechamento"". A combinacáo de fechamento e abertura pode ser tratada sob duas perspectivas: (1) embora um sistema construtor e construído de sentido exerca o "controle das próprias possibilidades de negacáo por ocasiáo da producáo dos próprios elementos" (fechamento), esse controle depende das condiqóes de escolha entre o sin e o ndo do respectivo código sistémico (abertura) 24 ; (2) o controle das possibilidades de negacáo (fe-chamento) proporciona una relacáo seletiva contínua e estável (ou, no

15.Luhmann, 1987a:60. 16.Para Varela (1983), o "ruido" ("bruit" - "couplage par clóture" em

oposiláo "á couplage par input") atua como forma típica de atoado do meio ambiente em relacáo aos sistemas autónomos.

17.Lulunann, 1987a:602. 18."Fundamento é sempre algo sem forma" (Luhmann, 1987a:602). 19.Nessa direláo, ver Bertalanffy, 1957: lOss. Em contraposi0o, cf. Luh-

mann, 1987a:63s. 20. Luhmann, 1987a:602. 21. Luhmann, 1983b:133. 22. Ltilimanti, 1983a:69; Teubner, 1982:20. 23. Luhmann, 1987a:606. 24. !Adunan:1, 1987a:603. Cf. idem, 1986a:83.

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mínimo, menos instável) do Sistema com o set' rucio ambiente (abertura adequada).

O conceito de autopoiese será definido mais enfaticamente por Luhmann, sob influencia de Maturana e Varela, como auto-referencia dos elementos sistémicos: "Um sistema pode ser designado como auto-referencia!, se ele mesmo constitui, como unidades funcionais, os ele-mentos de que é composto..."" Aqui se trata primariamente da reprodu-Cá0 unitária dos elementos construtores do sistema e, simultaneamente, por ele constituídos'6, náo da auto-organizacáo ou da manutencáo estru-tural do sistema'''. Nesse sentido, a unidade do sistema apresenta-se cm primeiro lugar como unidade dos elementos básicos de que ele é com-posto e dos processos nos quais esses elementos reúnem-se operacio-nalmente'". Nessa perspectiva, formula-se "que um sistema autopoiético constitui os elementos de que é composto através dos elementos de que é composto, c, dessa maneira, demarca fronteiras que náo existem na complexidade infra-estrutural do mcio ambiente do sistema"'''.

Mas a concepcáo de autopoiese náo se limita cm Luhmann á auto-referéncia elementar ou de base, que se assenta na diferenca entre ele-mento e relacáo". Essa apresenta-se apenas como -a forma mínima de auto-referencia", constituindo um dos tres momentos da autopoiese32: os outros sáo a reflexividade e a reflexao, que se baseiam respectiva-mente na distincáo entre "antes e depois" ou entre "sistema e mcio am-biente"33. Reflexividade e rellexáo incluem-sc no conccito mais abran-gente de mecanismos reflexivos'''.

A reflexivida(k diz respeito á referencia de unt processo a si mesnto,

25. 1.tilunann, I987a:59. 26. "Elementos sdo elementos apenas para os sisteinas que os utilizam co-

mo unidade, e só o sáo attavés-desses sistemas" (Lulunann, 1987a:43). 27. Ltihmann, 1983b:132. 28. Ltilunann, 1983b:131. 29. 1,tilunann, 19/13b:132. 30. Lulunann, 1987a:600s. 31. Ltilimann, 1987a:600. 32. Daí porque a confusáo entre autopoiese e auto-refe.réncia de base (cf.

Luhmann, 1987a:602) deve ser relativizada e compreendida restritivamente no ámbito do modelo teorético-sistémico de Luhmann.

33. Luhmann, 1987a:60 I s. 34. Cf. 1.uhmann, 1984a.

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ou mentor, a proccssos sistémicos da mesma especie". Assint se apre-sentam a decisáo sobre tomada de decisáo, a normatizacilo da normati-zacito, o cnsino do cnsino etc.3°. Mas, fornmlado dessa mancira, o con-ceito resulta insuficiente para caracterizar a reflexividadc de um sistema autopoiético. Em face disso, Luhmann tcnta defini-lo mais exatamente: "De auto-referencia processual ou refiexividade queremos falar apenas, entáo, se esse reingresso no processo é articulado com os meios do pro-cesso"". Pode-se, de acordo com o modelo sistémico-teorético, formular de maneira mais rigorosa: reflexividade como mecanismo no interior de um sistema autopoiético implica que o processo referente e o processo referido sáo estruturados pelo mesmo código binário e que, cm conexáo com isso, criterios e programas do primciro reaparecem ent parte no se-gundo. Por conseguinte, náo é suficiente, por cumplo, indicar a nor-matizacáo de normatizacáo, pois a normatizacáo religiosa oil ética da normatizacáo jurídica, como também a referencia normativa de um pa-dráo de "Direito natural" á emissáo de norma jurídico-positiva presentam, nesse sentido estrito, nenhuma reflexividade da producáo normativa.

Na reflexáo, que pressup5e auto-referencia elementar e reflexivida-de, é o próprio sistema como um todo que se apresenta na operacáo au-to-referencial, náo apenas os elementos ou processos sistémicos38. En-quanto "teoria do sistema no sistema"", ela implica a elaboracáo con-ceitual da "identidade do sistema cm oposicáo ao scu meio ambiente"4°.

35. A respeito, ver esp. Ltilimann, 1987a:601 e 610 16. Distingttindo do conceito lógico de reflexidade, observa látluntinn (1984:109, nota 6): "Ele de-signa urna reina() que preenche o pressuposto de que cada inembro está para si

mesmo na mesilla reinar) que está para o outro Nós Mío nos atemos a essa definiláo, porque a identidade exata da relaciáo reflexiva obstruiria justamente o argumento a que queremos Llegar: o aumento da eficiencia através de refle- xividade. Aqui, por isso, inecanismo-deve ser consid(•rádo emito como re- flexivo, se ele tem em vista um objeto que é tun mecanishio da especie, se, portanto, conforme a especie, refere-se a si mesmo".

36. Lulunann, 1984a:94-99. 37. Lulumann, 1987a:611. De acordo com Luluntinn inesino (ibid., nota 31),

faltava essa distilnáo em sua anterior contribui0o para esse tema, publicada primeirainente em 1966 (1984a).

38. Cf. Ltilunann, 1987a:601, 198111:423. 39. Lultinann, 198111:422 e 446. 40. Ltilunann, 1987a:620.

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Trata-se, pois, de "tima forma concentrada de auto-referéncia", que possibilita a probleinatiznáo da própria identidade do sistema'.

Enquanto cm Luliniann, a autopoicse é concebida cm tres momen-tos interdcpcndentes (auto-referéncia elementar, reflexividade e refle-xáo), Teubner vai propor um conceito mais abrangente, defínindo-a como "enlace hipercíclico" de elemento, processo, estrutura e identi-dade 13 . Parece-nos, porém, que o modelo luhmanniano de autopoiese náo contraria a noeáo de "enlace hipercíclico", envolvendo também o momento estrutural. Luhmann mito rcduziu a reprodueáo autopoiética á auto-referéncia dos elementos, mas apenas fixou que essa é a forma mínima de autopoiese. E o que vai caracterizar exatamente a conceNáo dos sistemas autopoiéticos é que eta parte dos aspectos operacionais, náo se referindo primariamente á dimensáo estrutural (autonomía).

Corra relaQáo aos sistemas sociais, enquanto se constituem a partir de tima concxáo unitaria (auto-referencial) de comunicaQóes", a socie-dade é o sistema mais abrangente. As unidades elementares da socie-dade, as comunicaOes 15, que eta constituí através da síntese de informa0o, mcnsagem e compreenslio", só cstáo presentes no interior da mesilla, n.3o cm set' lucio ambiente, de tal maneira que eta pode ser caracterizada como um sistema "real-necessariamente fechado"". Em-bora a reprodueáo de comunicaeóes só se realize dentro da sociedade (fecha mento auto-referencial), existem imprescindivelmente comunica-

41 . Lultinantu 198111:423. 42. I , 1982:59. 43. Teubner, I 987a:106ss., 1989:36-60. Cf. também idem, 1987b.

Luhmann, 1987a:92. Segundo Luhmann (1987a: 43s.), os sistemas so-ciais, unidades atitopoiéticas de comunicitOes, emergen de "cima", ou seja,

constittieni-se ao estabelecerem, em um outro plano, urna nova diferencia entre

sistema e meio ambiente. Mio resultara, pois, da acumula4110 de elementos in-fra-estruturais, Mis como consciéncia, seres humanos etc. Ao contrario, na dis-tinylio de Maturana e Varela (1980: I 07-11, 1987:196ss.) entre autopoiese de primeira, segunda e terceira ordem, os seres vivos apresentam-se como compo-nentes dos sistemas sociais (ernergéncia de "haixo"). Cf. também Teubner, 1989:40s. Vale advertir que o conceito de sociedade (género) de Maturana e Varela, primariamente biológico, é mais abrangente do que o de sociedade hu-mana (especie); cf. idem, 1980: XXIV-XXX, I987:196ss.

45. Lantano, 1987a:192s. 46. Luhmann, 1983h:137. Ver também idem, I 987a:193ss. 47. Luhmann, 1987a:60s.

Cies sobre o seti mcio ambiente psíquico, orgánico e químico-físico (a- bertura) 4R.

O caráter autopoiético dos subsistemas da sociedade náo pode, po-rém, ser esclarecido desse mesmo modo: a comunicaQáo é a unidade elementar de todos os sistemas sociais; no meio ambiente de todos subsistemas da sociedade, há comunicaQáo; para esses sistemas parciais desenvolvem-se náo apenas comunicaOes sobre o seu meio ambiente, mas também comunicapks com o seu meio ambiente". Somente guando um sistema social dispóe de um específico código-diferenqa binário é que ele pode ser caracterizado como auto-referencialmente fechado (-> aberto ao meio ambiente)". Por meio de código sistémico próprio, es-truturado binariamente entre um valor negativo e um valor positivo es-pecífico, as unidades elementares do sistema sito reproduzidas interna-mente e distinguidas claramente das comunicacAes exteriores".

1.2. Direito como Sistema Autopoiético

A diferenciaQáo do Direito na sociedade moderna pode ser interpre-tada, por conseguinte, como controle do código-difere .Na "lícito/ilícito" por um sistema funcional para isso especializado". De acordo com o modelo luhmanniano, essa nova posiQáo do Direito pressupbe a supera-QáO da sociedade pré-moderna, diferenciada verticalmente, ou seja, con-forme o principio da estratificaQáo. Na medida em que o princípio de di-ferenciacáo baseava-se numa distinQáo entre "acima" e "abaixo", prati-camente apenas o sistema supremo, a ordem política da camada social mais alta, constituía-se auto-referencialmente". O Direito permanecia sobredeterminado pela política e as representa9óes morais estáticas, po-lítico-legitimadoras, náo dispondo exclusivamente de um código-dife-renQa específico entre um sim e um rlo. A positivaQáo do Direito na sociedade moderna implica o controle do código-diferenqa "lícito/ilíci-to" exclusivamente pelo sistema jurídico, que adquire dessa maneira

48. Luhmann, 1983b:137. 49. Luhmann, 1983b:137s. 50. Cf. Luhmann, 1983b:134, 1987a:603, 1986a:83, 1986b:171s. 51. Sobre código binário em geral, ver Luhmann, 1986a:75ss. 52. Luhmann, 1986b:171. Cf., em relagáo aos sistemas sociais em geral,

idem, 1986a:85s. 53. Luhmann, 1981g:159s.

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seu fechamento operativo". Nesse sentido, a positividade é conceituada como auto-determinacáo

operacional do Direito". Assim como em relacáo aos outros sistemas sociais diferenciados, náo se trata aqui de autarquia, (quase) privacáo de meio ambiente. Se o fato de dispor exclusivamente do código-diferenca "lícito/ilícito" conduz ao fechamento operacional, a escolha entre lícito e ilícito é condicionada pelo meio ambiente. Por outro lado, a auto-de-terminagáo do Direito fimdamenta-se na distincáo entre expectativas normativas e cognitivas", que só se tornou clara a partir da codificaeáo binária da diferenca entre lícito e ilícito exclusivamente pelo sistema jurídico. Com base na distincáo entre o normativo c o cognitivo, o fe-chamento operativo do sistema jurídico é assegurado e simultaneamente compatibilizado com sua abertura ao meio ambiente. A respeito escreve Luhmann: "Sistemas jurídicos utilizam essa diferenca para combinar o fechamento da autoproduQáo recursiva e a abertura de sua referéncia ao meio ambiente. O Direito constitui, com outras palavras, um sistema normativamente fechado, mas cognitivamente aberto [...]. A qualidade normativa serve á autopoiese do sistema, á sua autocontinuaqáo dife-renciada do meio ambiente. A qualidade cognitiva serve á concordáncia desse processo com o meio ambiente do sistema"". Daí resulta uma co-nexáo entre conceito e interesse na reproduqáo do Direito positivo. Ao mesmo tempo em que o sistema jurídico fatorializa a auto-referéncia por meio de conceitos, ele constrói sua heterorreferéncia através da assimi-lacáo de interesses58.

Nesse contexto, o sistema jurídico pode assimilar, de acordo com os seus próprios critérios, os fatores do meio ambiente, náo sendo direta-mente influenciado por esses fatores. A vigéncia jurídica das expectati-vas normativas náo é determinada imediatamente por interesses econó-micos, critérios políticos, répresentacóes éticas, nem mesmo por propo-

54. Luhmann, 1986a:125s. E'specificamente sobre o código binario do sis-tema jurídico, ver de forma abrangente idem, 1986b, 1993:165ss. Aqui deve ser lembrado que o Direito, na perspectiva de observacáo do sistema político, pode ser qualificado como um segundo código do poder político (idein, 1986b:199,

1988a:34, 48ss., 56). 55. Cf, Luhmann, 1988b, 1983b, 1985, 198111.

56. Lulunann, 1983b:138ss. 57. Lulunann, 1983b:139. Cf. também idem, 1984b:110ss.

58. Lulunann, 1990b:10. Cf. idem, 1993:393ss.

siqóes científicas59, ela depende de processos seletivos de filtragem con-ceitual no interior do sistema jurídico°. A capacidade de reciclagem (dimensáo cognitivamente aberta) do Direito positivo possibilita que ele se altere para adaptar -se ao meio ambiente complexo e "veloz". O fe-chamento normativo impede a confusáo entre sistema jurídico e seu meio ambiente, exige a "digitalizaQáo" interna de informaQóes proveni-entes do meio ambiente. A diferenciaQáo do Direito na sociedadc náo é outra coisa do que o resultado da mediagáo dessas duas orientnóes°. A alterabilidade do Direito é, desse modo, fortificada, náo — como seria de afirmar-se com respeito a um fechamento indiferente ao mcio ambi-ente — impedida; mas ela ocorre conforme os criterios internos e espe-

cíficos de um sistema capaz de reciclar-se, sensível ao set' mei° ambien-te°.

Nessa perspectiva, o fechamento auto-referencial, a normatividade para o sistema jurídico, náo constitui finalidade em si do sistema, antes é a condiqáo da abertura°. A radicalizaQáo da tese do fechamento como falta de meio ambiente desconhece o problema central da capacidade de conexáo (em contraposicáo á simples repeticáo) entre acontecimentos elementares64. Só sob as condiOes de abertura cognitiva em face do meio ambiente (capacidade de reciclagem), o sistema jurídico pode to-mar providéncias para desparadoxizar a auto-referéncia, possibilitando

59. Com relacáo especificamente ao conhecimento científico, afirma Luli-

mann (1985:17) ein consonáncia com isso: "Seria, poréin, seguramente fatal

para o sistema jurídico — e sobretudo politicamente fatal — se ele pudesse ser revolucionado através de tuna substittlicáo de elementos teóricos centrais ou

mediante uma mudanca de paradigma". Cf. também idem, 1990d:593s. e 663s.

Em contrapartida, na perspectiva singular de C. Souto e S. Souto, pode-se

definir o Direito, em parte, confomie os criterios do conhecimento científico

(cf. C. Souto e S. Souto, 1981: esp. 101 e 106-113; Souto, 1992:43-45, 1984:82-

84 e 91s., 1978:85-117). 60. "Desenvolvimentos externos" — enfatiza 'l'enhila (1982:21) - - " nao

sáo, por um lado, ignorados, nein, por outro lado, convertidos diretamente, con-forme o esquema 'estímulo-resposta', ein efeitos internos". Nesse sentido, ad-verte o mesmo autor: "Autonomia do Direito refere-se á circularidadc de sua

auto-reproducáo e náo á sua independéncia causal do lucio ambiente" (1989:47).

61. Luhrnann, 1983b:152s. 62. Cf. Ltilunami, I 9{13b:136. 63. Lithinann, 1987a:606, 1993:76. 64. Liihmann, I987a:62

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a capacidade de concxáo"s. O fechamento cognitivo do sistema jurídico proporcionaria urna paradoxia insuperável da autopoiese, náo permiti-ria, portanto, a interrupcáo da interdependéncia dos componentes inter-nos através da referéncia ao meio

Por outro lado, porém, a interrupcáo do fechamento normativo atra-vés do questionamento do código-diferenca "lícito/ilícito" afetaria a au-tonomia do sistema jurídico, levaria a paradoxias heteronomizantes: "Se um sistema emprega urna diferenca-guia como código da totalidade de suas °pernees, essa auto-aplicacáo do código ao código deve ser excluí-da. A auto-referencia só é admitida dentro do código e, aqui, operacio-nalizada como negacáo. [. ..] A autonomia do sistema náo é, entáo, nada mais do que o operar conforme o pi-ciprio código, e precisamente por-que esse desparadoxiza a paradoxia da auto-referéncia" 67 . De acordo com a concepcáo de Luhmann, a "auto-aplicacáo do código ao código" náo implica apenas efeitos heteronomizantes, mas também imobilidade do sistema jurídico, na medida em que a capacidade de conexáo da re-produclio autopoiética é, dessa maneira, bloqueada.

Especialmente nesse ponto, cmergem as divergéncias entre a teoria luhmanniana da positividade e as novas concepcees axiológicas do Di-

Pressuposto que á positividade do Direito é inerente náo apenas a supressáo da determinacáo imediata do Direito pelos interesses, von- tades e criterios políticos dos "donos do poder", mas também a neutrali- 'acá° moral do sistema jurídico, torna-se irrelevante para Luhmann urna teoria da justita como criterio exterior ou superior do sistema jurí- dico: "Todos os valores que circulan' no discurso geral da sociedade sáo, após a di ferenciacáo de mil sistema jurídico, ou jurídicamente irre- levantes, ou valor próprio do Direito"". Portanto, a justita só pode ser considerada conseqüentemente a partir do interior do sistema jurídico,

65. Cf. Luhmann, 1987a:59. 66. Cf. Luhmann, 1987a:65. 67. Luhmann, 1985:6. Em relacáo aos sistemas sociais em geral, cf. tam-

bém idem, 1986a:76s. e 80s. 68. Ver sobretudo Luhmann, 1981k, 1988b, 1993:214ss.; e, a respeito, cri-

ticamente, Dreier, 1981. Cf também como críticos do modelo luhmanniano A-lexy, 1983:161-65; GtInther, 1988:318-34; defendendo-o, Kasprzik, 1985.

69. Luhmann, 1988b:27. Daí porque Kasprzik (1985:368ss.) designa o en-1bque de Luhmann de "desfundamentalizagrio". E, de observar-se que a vigéncia do código "lícito/ilícito", diferenca-guia da reproducao autopoiética do Direito confonne Luhmann, é também independente de tuna "norma fundamental" (Kel-

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seja como adequada complexidade (justita externa) ou como consisten-cia das decisócs (justita interna) 7'. Trata-se, coro outras palavras, por um lado (externamente), de abertura cognitiva adequada ao meio ambi-ente; por outro lado (internamente), da capacidade de conexáo da repro-ducáo normativa autopoiética. A positividade náo se limita, pois, ao deslocamento dos problemas de fundamentacáo no sentido da ética do discurso habermasiana 71 , significa a eliminacáo da problemática da fun-damentacáo. O fato de que o Direito preenche sua funcáo perante um meio ambiente hipercomplexo, inundado das mais diversas expectativas normativas, exige, segundo Luhmann, um desencargo mais radical com respeito á fundamentacáo ética, seja eta material ou argumentativo-pro-cedimental 72 . A rcleváncia eventual de ponderac5es referentes a valores pretensamente universais tenia como conseqüéncia a imobilidade do sis-tema jurídico, o bloqueio de sua tarefa seletiva, portanto, efeitos dis-funcionais. Em suma: nos termos da concepcáo luhmanniana da positi-vidade do Direito, isto é, fechamento normativo e abertura cognitiva do Direito moderno, o problema da justita é reorientado para a questáo da complexidade adequada do sistema jurídico e da consisténcia de suas

sen) ou de urna "norma de reconhecimento" (Hart). Cf. Luhmann, 1983b: 140s.;

Gttnther, 1988:328. 70. Luhmann, 1988b:26s. Cf. também idem, 1981k:388ss, 1993:225. 71. "A fungáo própria da positivacao consiste em deslocar problemas de

fundamental-do, portanto, em descarregar a aplicacáo técnica do Direito, sobre

amplos espaqos, de problemas de fundamentacáo, mas náo em eliminar a pro-

blemática da fundamentacáo - (I labermas, 1982b1:359). Mais tarde, a oposigáo

á concepcáo lulunanniana da positividade como autonomia sistémica vai ser ex-pressa de forma mais vigorosa: "Um sistema jurídico adquire autonomia náo apenas para si sozinho. Ele é autónomo apenas na medida em que os procedi-mentos institucionalizados para legislacáo e jurisdicáo garantem fonnagáo im-

parcial de julgamento e vontade, e, por esse caminho, proporcionam a uma ra-cionalidade ético-procedimental ingresso igualmente no Direito e na política" (I-Iabennas, 1987a:16). Fundamentando essa posieáo, ver, mais recentemente,

idem, 1992:571ss. 72. Segundo Lubmaim (1981k:389, nota 33), "... formas discursivo-racio-

nais de esclarecimento de posic8es valorativas aceitáveis ou inaceitáveis fícam boje encravadas no domínio do mero vivenciar. O pressuposto central da filoso-fia prática, segundo o qual, ao argumentar-se sobre o que boje se designa de valores, poderia compreender-se inelbor o agir, nao é mais defensável nas con-

dileSes hodiernas de um mundo 'imito mais rico em possibilidades".

123

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decisóes.

1.3. A Alopoiese do Direito

O modelo luhmanniano do Direito moderno (positivo) como siste-ma autopoiético é, numa perspectiva empírica, suscetível de restriqóes. A determinagáo alopoiética do Direito prevalece na maior parte da so-ciedade moderna (mundial)". Inicialmente cabem alguns esclarecimen-tos.

Ao contrapor-se á autopoiese a alopoiese, náo se trata de uma dis-cussáo sobre a superagáo lógica da paradoxia da auto-referéncia74. Nesse sentido orientou-se o debate entre Hart e Ross sobre a possibilidade ló-gica da auto-referéncia no Direito". De um lado, Han fazia objegóes á resposta de Kelsen ao argumento de que a serie infinita de sangóes na reina() entre normas sancionadoras e sancionadas estaria cm contradi-ga° com a nogao de Direito como ordern coativa7b; por outro lado, con-testava a tese, sustentada por Ross, de que a reforma constitucional das normas constitucionais referentes á reforma da Constituigáo configura-ría "um absurdo lógico'. Hart apresentava o argumento conclusivo de que o Direito náo constitui um sistema de proposigaes no sentido lógico e, por conseguinte, admite auto-referéncia78.

Nos termos da concepgáo sistémico-teorético da autopoiese, a auto-referéncia pertence á realidade do Direito como sistema social, náo sendo tratada como um problema lógico. O conceito de auto-refcréncia é "retirado de seu clássico posto na consciéncia humana ou no sujeito e transposto para o domínio dos objetos, a saber, para os sistemas reais como objeto da ciéncia". Daí resulta "uma certa distancia em reina° ás dificuldades puramente lógicas da auto-referéncia"8°. Nesse contexto náo é mais o pensamento sobre o Direito que é considerado como auto-referencialmente constituido, mas sim o próprio Direito8'. A auto-refe-

réncia autopoiética náo é, entao, unt problema a ser superado. mas sin] unía condiga° imprescindível unidadc operacional e estrutural do sis-tema jurídico.

Tarnbém náo partimos aqui de tuna distinga° radical entre sisientas auto-referentes e alo-referentes no sentido da concepgáo biológica de Maturana, conforme a qual se distinguem, respectivamente, os sistemas que só podem ser caracterizados com referencia a si mesmos e os siste-mas que só podem ser caracterizados com referéncia a um contexto82. No caso dos sistemas sociais, a autopoiese operacional é combinada com a referéncia cognitiva ao meio ambiente. A heterorreferéncia informa-tiva é pressuposto da auto-referéncia operacional e vice-versa. No siste-ma jurídico, isso significa, como observamos no item anterior, a cone-xáo entre fechamento normativo e abertura cognitiva. O Direito enquan-to sistema autopoiético é, ao mcsmo tempo, normativamente simétrico e cognitivamente assimétrico83. Só guando há tuna assimetriza0o externa ao nivel da orienta0o normativa é que surge o problema da alopoiese como negaQáo da atito-referéncia operacional do Direito. Derivado eti-mologicamente do grego (do Cum outro', 'diferente') + poiesis Cpro-duqáo', 'criagáo'). a palavra designa a (re)produQáo do sistema por critérios, programas e códigos do scu meio ambiente. O respectivo sis-tema é determinado, por injungóes diretas do mundo exterior, perdendo em significado a própria difcrenga entre sistema e mcio ambi-ente. Por outro lado, bloqueio alopoiético do sistema é incompatível com capacidade de reciclagem (abertura cognitiva) e, por conseguinte, com a própria nogáo de referéncia ao meio ambiente como interrupgáo da in-terdependéncia dos componentes sistémicos.

A crítica á nogáo luhmanniana da autopoicse do sistema jurídico desenvolvett-se sobretudo entre os autores vinculados á concepgáo pós-modernista do Direito84. Em Ladeur, argumenta-se no sentido da plu-ralidade do discurso jurídico, criticando-se o conccito de Dircito como generalizagáo congruente de expectativas normativas, porque tal con-

124

73. A respeito, ver Neves, 1992. 74. Cf. Teubner, 1989:14s. 75. Hart, 1983; Ross, 1959:80-84, 1969. 76. Cf. Hart, 1983:170-73; Kelsen, 1946:28s. 77. Ross, 1959:80ss., 1969:esp. 4s., 20s. e 23s.; Cf. Hart, 1983:175ss. 78. Cf Hart, 1983:177s. 79. Luhmann, 1987a:58. 80. Luhmann, 1987a:58. 81. Teubner, 1989:18.

82. Maturana, in: Maturana e Varela, 1980:XIII.

83. Luhrnann, 1984b:111. relalrio aos sistemas sociais em geral, cf.

idem, 1987a:65 e 262. 84. Cf. Teubner, 1982, 1987a, 1987b, 1988, 1989., idein e Willke, 1984;

Ladeur, 1983, 1984: esp. 153ss. e 222ss. 1985, 1986, 1990, 1991, 1992:esp 80ss. A respeito, ver tambem.Neves, 1992:41-44. Ein outro contexto, v. Ost,

1986.

125

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ceito estaría associado a urna concepcáo instrumenlal da linguagem como "sistema de signos"' e, portanto, náo tomada cm consideracáo a heterogeneidade e descontinuidade histórica dos "jogos de linguagem"". Disso resulta que náo se fala de consenso (suposto), mas sim de compa-tibilizacao do dissenso". A autopoiese é flexibilizada, na medida cm que o plano da virtualizacáo de estrutura e funcáo" possibilita o cmalha-mento dos diversos sistemas sociais, o que exige "uma cultura jurídica da incerteza"8". Ladeur sustenta a pluralizacáo cm vez da unidade do Direito"°, assirn como o caráter constitutivo da desordem para a "pon-deracáo" (ahlidgung) como paradigma jurídico"'. Mas mantém o con-ccito de autopoiese. Ela é interpretada situativamente a partir da "eres-cente heterogeneidade e diferenciacáo das arenas do agir social e admi-nistrativo""2, exigindo aplicacáo situativo-tópica do Direito ("ponde-racáor; náo é negada: a reproducáo autopoiética realizar-se-ia nos termos de "rima lógica local" para a dogmática'''. Apenas haveria uma pluralizacáo da autopoiesc.

O modelo pós - modernista proposto por Tetiblier e Willke aponta cm outra dirccáo. Na tentativa de compatibilizar a tcoria dos sistemas de

COM a tcoria do discurso de Habcrmas, apresenta-se a nocáo de "Dircito reflexivo", o qual surgida como tima rcacáo diferenciacáo funcional da sociedade (Luhmann) e como "Constituicáo exterior" para a auto-rellexáo nos outros sistemas sociais (Habermas)", O "Direito re- flexivo" é concebido, entáo, como uma síntese superadora dos limites do

85. ef. Ladeur, 1985:415 e 417s., nota 131. Recuando nessa crítica, cf ideni, 1992:127s.

86. Cf. Ladeur, 1986:268, nota g. 87. ef. Ladeur, 1986:273. 88. el-. Ladcur, 1985:414. 89. Ladeur, 1985:423. A respeito, ver mais recentemente idem, 1990, 1991,

1992. 90. Ladeur, 1983: esp. 479ss.„ 1984. 91. Ladeur, 1983:478. Como aplica0o dessa concepcao teórica a tima ques-

tlio constitucional concreta, ver idem, 1987; e, em controvérsia, Blanke, 1987. 92. Ladeur, 1986:273. 93. Ladeur, 1983:472. Cf. também idem, 1984: esp. 205ss. 94. Ladeur, 1985:426. 95. Teubner e Willke, 1984:24-30; Teubner, 1982:44-51. A respeito, ver

em diversas perspectivas zis críticas de hilimann, 1985; Naluimowitz, 1985; 19xs.

Dircito formalmente racional e da racionalidade jurídica material°6. No primeiro caso, 1-merla uma insensibilidade em relaQáo ao contexto so-cial; o direito materialmente racional, por sua vez, náo responderia ade-quadamente á diferenciaQáo da sociedade e náo proporcionaria a auto-nomia do sistema jurídico. O Direito reflexivo regularia o contexto so-cial autónomo, respeitando a dinámica própria dos outros subsistemas sociais, mas impondo-lhes restriOes possibilitadoras da combinaQáo de todas as partes, restriQóes essas que funcionariam, para cada sistema-parte, como "regras do contexto'. Divergindo do modelo de Luhmann, essa constniQáo pressupót que os subsistemas sociais náo se encontram apenas em relaeóes de observaQáo recíproca, admitindo também inter-feréncias intersistémicas". Náo se nega, porém, a autopoiese do sistema jurídico; ao contrario, afirma-se a dupla autopoiese do Direito e dos demais subsistemas da socicdade".

No desenvolvimento de sua concepcáo jurídica pluralista e pós-mo-derna, Teubner vai distinguir entre Direito autopoiético, Direito parcial-mente autónomo c Dircito socialmente difusom. Parte-se da concepqáo de que o sistema jurídico autopoiético constitui-se do entrelaeamento entre os componentes sistémicos, a saber, procedimento jurídico (pro-cesso), ato jurídico (elemento), norma jurídica (estrutura) e dogmática jurídica (idcntidade). No caso do Direito parcialmente autónomo, ha-vería a auto-referencial constituiQáo dos respectivos componentes sis-témicos, náo surgindo, porém, o enlace hipercíclico entre eles. Ou seja, haveria (re)produeáo auto-referencial dos atos jurídicos entre si, das normas entre si, dos procedimentos entre si, dos argumentos e proposi-eóes dogmáticas entre si, mas esses diversos componentes sistémicos náo se entrelaeariam num hiperciclo autopoiético. Por fím, teríamos o direito socialmente difuso, no qual os componentes sistémicos sáo pro-duzidos sem diferenciacáo jurídica, ou seja, simplesmente como cotilla° (processo), aQáo (elemento), norma social (estrutura) e imagem do mundo (identidade). Ao distinguir esses trés tipos de constitui0o e

96. Cf. Teubner e Willke, 1984:19ss.; Teubner, 1982:23ss. 97. Teubner e Willke, 1984:7. 98. Teubner, 1988:52ss., 1989:96ss. Cf. acima nota 50 do Cap. II. 99. Cf. Teubner, 1988:46-48, 1989:88ss. A respeito, v. criticamente Naha-

mowitz, 1990. Replicando-o, Lulunarm, 1991b. Distanciando-se de ambas posi-Oes, Kargl, 1991.

100. Cf. Teubner, 1989:49ss., especialmente o sugestivo quadro da pág. 50; idcm, 1987a 106ss. (o mesmo quadro á pág. 108), 1987b:432ss.

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(re)producáo dos componentes do sistema jurídico, Teubner é levado á seguinte aporia: tratando-se do mesmo ámbito de vigéncia, como se re-solvem os confitos entre os trés diversos tipos sistémicos do Direito? Ele responde com o conceito de Direito intersistémico de colisáo'°', in-clusive para "o confito entre ordem jurídica estatal e ordens sociais piarais quase-juridicas"")2 . A questáo, contudo, permanece: o Direito intersistémico de colisáo constitui sistema autopoiético, ordem jurídica parcialmente autónoma ou Direito socialmente difuso? Caso se trate de urna dessas duas últimas formas, náo haveria, a rigor, Direito autopoié-tico; se, ao contrário, for caracterizado como Direito autopoiético, náo haveria exatamente Direito parcialmente autónomo ou socialmente difu-so.

Quando falamos de Direito alopoiético, referimo-nos ao próprio Di-reito estatal, territorialmente delimitado. Procurarnos observar que náo se desenvolve, em determinado ámbito de vigéncia espacial delimitado fixamente, a diferenciacáo funcional suficiente de urna esfera do agir e do vivenciar jurídico, ou seja, náo se constrói um sistema auto-referen-cial apto a, de maneira congruentemente generalizada no domínio da respectiva sociedade, orientar as expectativas normativas e direcionar as acóes em interferéncia intersubjetiva. Náo se trata, pois, do modelo tra-dicional do pluralismo jurídico, no qual se distinguiria Direito "oficial" autónomo(?) de esferas jurídicas construidas informalmente e de modo difuso. Em primeiro lugar, tal distincáo nos conduz á já referida aporia insuperável quanto aos mecanismo de solucáo dos conflitos intersis-témicos, pois a prevaléncia de um dos modelos jurídicos implica a ab-sorcáo do outro. Por outro lado, a concepcáo pluralista pós-moderna, de origcm européia, procura apontar para a relacáo de mecanismos extra-estatais "quasc-jurídicos" com um Direito estatal operacionalmente au-tónomo. Em nosso caso, pretendemos considerar algo mais radical, a própria falta de autonomia operacional do Direito positivo estatal. Isso significa a sobreposicáo de outros códigos de cornunicacáo, especial-mente do económico (ter/náo-ter) e do político (poder/Mío-poder), sobre o código "lícito/ilícito", cm detrimento da efíciéncia, funcionalidade e mesmo racionalidade do Direito.

Ao afirmar-se o intrincamento dos códigos e critérios de preferéncia das diversas esferas da vida social (economia, poder, etc.) com o código-deferenca e os criterios do Direito, náo se desconhece que sempre há um

101.Teubner, 1989: I 23ss.

102.Teubner, 1989:135-38.

128

condicionamento de todo e qualquer sistema autopoiético pelo sem mero-ambiente, e que isso constitui pressuposto da conexa() auto-referencial dos componentes intra-sistémicos. Mas, nesse caso, Irá a "conuitacao" ou "digitalizacáo" dos fatores externos pelo código e o criterio do res-pectivo sistema. É na capacidade de "releitura" própria das determinan-tes meio-ambientais que o sistema afirma-se como autopoiético. Na medida em que, ao contrário, os agentes do sistema jurídico estatal póem de lado o código-diferenca "lícito/ilícito" e os respectivos progra-mas e critérios, conduzindo-se ou orientando-se primária e freqüente-mente com base em injuncóes diretas da economia, do poder, das rela-OeS familiares etc., cabe, sem dúvida, sustentar a existéncia da alopoi-ese do Direito. Aqui náo se trata de bloqucios eventuais da reproducáo autopoiética do Direito positivo, superáveis através de mecanismos imunizatórios complementares do próprio sistema jurídico. O problema implica o comprometimento generalizado da autonomia operacional do Direito. Diluem-se mesmo as próprias fronteiras entre sistema jurídico e meio ambiente, inclusive no que se refere a um pretenso Direito extra-

estatal socialmente difuso. Como veremos mais adiante, a alopoiese afeta a auto-referéncia de

base (elementar), a reflexividade e a reflexáo como momentos constitu-tivos da reproducáo operacionalmente fechada do sistema jurídico. Atinge também a heterorreferéncia, ou seja, a funcáo e prestacóes do Direito. Conforme o modelo de Teubner, a alopoiese implica, em pri-meiro lugar, a náo constituicáo ou o bloqueio generalizado do entrela-camela° hiperciclico dos componentes sistémicos (ato, norma, proce-dimento e dogmática jurídicos). Mas pode significar algo mais: a náo constitilicáo auto-referencial de cada especie de componentes sistémi-cos. Nesse caso, as fronteiras entre sistema jurídico e meio ambiente social náo só se enfraquecem, Blas desaparecem.

2. Constitucinaliznáo Simbólica como Sobreposicáo do Sistema Po-lítico ao Direito

Ao definir-se a Constituicáo como vínculo estrutural entre Direito e

política (ver Cap. II. 1.3.1), pressupóe-se a autonomia operacional de ambos esses sistemas. A Constituicáo apresenta-se entáo como meca-nismo de interpenetracáo e interferéncia entre dois sistemas sociais au-topoiéticos, possibilitando-lhes, ao mesmo tempo, autonomia recíproca. Correspondentemente, concebida como instancia interna do sistema

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jurídico (Dircito constitucional), ela caracteriza-se como mecanismo de autonomia operacional do Dircito (ver Cap. II. 1.3.3). Nesse caso, ~- se cm vista especificamente o proccsso de constitucionalizaeáo como distintivo do "Estado de Dircito" moderno.

Tratando-se, porém, das "constituieóes instrumentalistas" e "sim-bólicas" (ver cap. II. 6), há unía cxpansáo da esfera do político cm detrimento do desenvolvimento autónomo de um código específico de diferenea entre lícito e ilícito. No caso típico de "instrumentalismo constitucional", a subordinaeáo heteronomizante do sistema jurídico ao código primario do poder (superioridade/inferioridade)m sucede dire-imítenle através do processo de estabelecimento de textos constitucionais ou de leis "supraconstitucionais" de exceeáo. Nas situaeóes-limite de to-talitarismo e autoritarismo, isso significa que os detentores do poder náo ficam vinculados a mecanismos jurídicos de controle previstos nas res-pectivas leis constitucionais, seja porque as próprias disposieóes (supra-) constitucionais excluem os órgáos políticos supremos de qualquer limi-taeáo ou controle jurídico, ou porque °corren' mudaneas casuísticas da Constituieáo no sentido de impedir a invocaeáo dos eventuais instru-mentos de controle. É, portanto, a nivel da própria emissáo de leis (supra-) constitucionais que se impede o desenvolvimento do código-di-ferenea "lícito/ilícito" como segundo código do poder. Dos próprios tex-tos normativos constitucionais, sem qualquer distáncia em relaeáo á realidade constitucionalm, decorre o bloqueio heterónomo da reprodu-eáo dos componentes do sistema jurídico. Tal situaeáo pode estar vincu-lada á predomináncia de uma ideologia totalitaria que elimine qualquer autonomia á esfera do jurídico's; mas é possível que esteja associada a interesses mais concretos de minorias privilegiadas, sem consisténcia "ideológica"".

103. "O poder político é antes de tudo codificado hierarquicamente de acordo com o esquema poder superior/inferior" (1,ulimann, 1986b:199). Cf. llenita nota 53 do Cap. 11.

101. l'or isso as "Constituilács instrumentalistas" implican] o "realismo constitucional", significando isso que náo ha distinyáo entre .sistema jurídico constitucional e sett meio ambiente político. Cf. acima nota 194 do Cap. H.

105. Daí a distinyáo de Luhmann (1984c:193-96) entre "Estados de Direi-to" e sistemas integrados ideologicamente.

106. Os regimes autoritarios latino-americanos tém sido caracterizado, com razáo, pela falta de tuna "ideologia" consistente de sustentayáo. Cf., p. ex., Cheresky, 1980: esp. 1976; Loewenstein, 1942:125ss., ein reina() específica ao

No caso de constitucionalizaeáo simbólica, a politizaeáo adiferen-ciante do sistema jurídico náo resulta do contcúdo dos próprios disposi-tivos constitucionais. Ao contrario, o texto constitucional proclama um modelo político-jurídico no qual cstaria asscgurada a autonomía ope-racional do Dircito. Mas do sentido cm que se orienta a atividade consti-tuinte c a concretizaeáo do texto constitucional resulta o bloqucio políti-co da rcprodueáo operacionalmente autónoma do sistema jurídico. Ao texto constitucional, numa proporeáo muito elevada, náo corresponde expectativas normativas congruentemente generalizadas e, por conse-guinte, consenso suposto na respectiva sociedade. A partir da sua emis-sáo náo se desenvolve uma Constituieáo como instáncia reflexiva do sis-tema jurídico.

Com relacáo á legislaeáo simbólica, Kindermann também acentua que se trata de um mecanismo de negacáo da diferenea entre sistemas político c jurídico, em detrimento da autonomia do últimow7. Mas, nesse caso, cogita-se, cm principio. de aspectos parciais ou setoriais do siste-ma jurídico. A constitucionalizaeáo simbólica, que afcta as cstruturas fundamentais da Constituieáo e náo determinados dispositivos constitu-cionais isolados, é um mecanismo que póe a autonomia do Dircito glo-balmente cm questáo. DCVC-SC observar aqui a abrangéncia dos temas constitucionais nas dimensócs material, social e temporal: 1) o Dircito Constitucional refere-se imediata ou mediatamente a todos os ramos do Direito; 2) o consenso ("suposto") cm torno da base constitucional é pressuposto da institucionalizaeáo das normas infra-constitucionais e respectivos procedimentos; 3) a continuidade normativa da Constituieáo é condieáo da alterabilidade juridicamente regulada c reciclagem per-manente das normas infra-constitucionais ás novas exigéncias do mcio ambiente. Conseqüentemente, cm náo havendo suficiente releváncia normativo-jurídico dos textos constitucionais, compromete-se o Dircito como um sistema autónomo fundamentado na congruente generalizaeáo de expectativas normativas nas dimensócs material, social e temporal!".

Enquanto sobreposieáo do sistema político ao jurídico, a constitu-

regime Vargas; Neves, 1992:187s.

107. Cf. Kindennann, 1989:270.

108. Sobre nonnaláo, institucionalizaláo e identilicayáo de sentido coino mecanismos de generalizayáo das expectativas normativas respectivamente nas dimensées temporal, social e material, Lulunann, 1987b: 53-106.

13 0 1 1 1

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cionaliznáo simbólica náo se 'apresenta apenas como mecanismo de bloqueio do Direito pelo código-diferenga primário do poder, "superiori-dade/inferioridade", ou seja, náo tem um sentido puramente negativo. Através do discurso constitucionalista, da referéncia retórica ao texto constitucional, é possível, com éxito maior ou menor, construir-se pe-rante o público a imagem de um Estado ou um governo identificado com os valores constitucionais, apesar da auséncia de um mínimo de concretiznáo das respectivas normas constitucionais. Trazendo a esse contexto palavras de Luhmann, trata-se de um caso típico de "explora-gáo" do sistema jurídico pela política'°9. Náo se configura aqui urna "ex-ploragáo" eventual ou em aspectos isolados, mas sim tuna "superexplo- ' raqáo" generalizada. Daí porque se fala de "sociedade hiperpolitizada" em casos de constitucionalizaqáo simbólica"°.

O fato da subordinnáo do Direito ao poder político no contexto da constitucionalizaQáo simbólica náo deve, entretanto, levar á ilusáo da autonomia do sistema político. Tendo em vista que o pressuposto de tal autonomia, o desenvolvimento da diferenQa "lícito/ilítico" como segun-do código do poder"', náo se realiza satisfatoriamente no ámbito da constitucionalizaQáo simbólica, o poder político sofre injunQóes particu-laristas as mais diversas, tornando-se ineficiente com respeito á sua fun-Qáo de decidir de forma vinculatória generalizada. Náo havendo um sis-tema normativo-jurídico constitucional efetivo que se possa invocar le-gitimatoriamente para descarregar-se e inumizar-se das pressóes con-cretas de "cima" e de "baixo", os respectivos governantes (em sentido amplo) ficam suscetíveis ás influéncias dos interesses particularistas, surgindo daí mecanismos instáveis e compensatórios de "legitimagáo". Principalmente no que se refere ás injuqóes do código "ter/náo-ter" (economia), observa-se claramente a fraqueza do sistema político cm si-

109..CE Luhmann, 1983b:150. 110. Cf. Villegas, 1991:16, tratando da eficacia simbólica da Constituicao

colombiana. Evidentemente, a "hiperpolitizacao" que envolve a constitucionali-zalá° simbólica também resulta da permanente invocagao do texto constitucio-nal no discurso dos grupos políticos e movimentos sociais interessados efetiva-mente na trasformagao das relnaes reais de poder, mas nao nos parece adequa-do aplicar a esse caso o "conceito de uso alternativo do Direito", eis que ao texto constitucional náo corresponde concretizacao normativa (cf., em sentido contrário, Villegas, 1991:11s).

111. Cf. Luhmann, 1986b:199, 1988a: esp. 34, 48ss , 56. Ver também aci-ma nota 103 deste Cap.

tua9ócs de constitucionalismo simbólico, um problema típico do Estado periférico (ver item 6 deste Cap.). Nesse sentido, a constitucionalizacáo simbólica também se apresenta como um mecanismo ideológico de en-cobrimento da falta de autonomia e da ineficiéncia do sistema político estatal, principalmente com relacáo a interesses económicos particula-ristas. O Direito fica subordinado á política, mas a unía política pulveri-zada, incapaz de generalizacáo consistente e, pois, de autonomia opera-cional.

3. Constitucionaliza00 Simbólica versus Auto-Referéncia Consis-tente e Hetero-Referéncia Adequada do Sistema Jurídico

A concepcáo do Direito como sistema autopoiético pressupóe a as-simetria entre complexidade do sistema jurídico e supercomplexidade do meio ambiente na sociedade modernaw. Diante da complexidade náo-estruturada ou indeterminada /indeterminável do meio ambiente, o Direito positivo construiria complexidade sistémica estruturada ou de-terminada /determinável' 13 . Para isso, exige-se tanto a auto-referéncia consistente do sistema jurídico com base no código de diferenca entre lícito e ilícito quanto a heterorreferéncia adequada ao correspondente meio ambiente, a tal ponto que o problema da justita interna e externa é reduzido, respectivamente, á questa() desses dois modos de referéncia sistémica" 4 .

A auto-referéncia implica trés momentos sistémicos: a auto-refe-réncia de base ou elementar, a reflexividade (auto-referéncia proces-sual) e a refiexao. A auto-referéncia de base significa ¿, capacidade de conexáo consistente entre os elementos constituintes do respectivo sis-tema; por reflexividade entende-se que processos rcfcrclu-se a processos com base no mesmo código sistémico de preferéncia; a reflexáo cm sen-tido estrito significa que o sistema reflete sobre a sua própria identidade (cf. pp. 116ss.).

112. Cf. Lubina:in, I 975b: esp. 210s. 113. Sobre a distiNáo entre complexidade estruturada e nao-estruturada,

ver Luhmann, 1987a:383, 1987b:6s. Paralelamente, ele distingue entre com-plexidade indetenninada/indetenninável e detenninada/deteri ►innvel (cf., p e-xemplo, idem, 1971:300-302, 1975b:209ss.). l3ertalantly (1957:9) falava analo-gamente de complicaláo desorganizada e organizada.

114. Luhmann, 1988b:26s. Cf. também idem, 198Ik:388ss.„ I993:225ss.

132 133

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Ao tratarmos desses trés momentos da auto-referéncia do sistema jurídico cm traballto anterior, relacionamo-las respectivamente aos conceitos de legalidade, constitucionalidadc e legitimaeáo (no sentido sistémico)'''. A /egandade, nessa perspectiva, define-se dinamicamente como capacidade de conexáo consistente das unidades elementares do sistema jurídico (comunicaeóes. atos jurídicos) com base no mesmo có-digo generalizado (includente) de difcrenea entre lícito e ilícito'''. Nes-se caso. ha redundáncia operacional ein face da variedadc do mcio am-biente'''. A can.s.inucionalidade é concebida como o mecanismo mais abrangente de re.flexividade no interior do sistema jurídico, oil scja, como a normatizaeáo ¡pais compreensiva de proccssos de normatizaeáo do Dircito positivo (cf. Cap. II. 1.3.3). A reflexao enquanto referéncia do sistema á sita própria identidadc manifesta-se cm dois níveis de abs-track): a dogmáticajuddica como reflexáo limitada, cis que prevalece o principio da "inegabilidade dos pontos de partida de cadeias de argu-incittae5o" ("proibieáo de negaeáo" da identidade do sistema)"8; a (ca-ria do Direila como "abstraeáo de abstraeáo" (reflexáo abrangente), na qual é admitido o questionamento da identidade do sistema'''. A relle-

115. Cf. Neves, I 992: I g2ss. I 16. Náo se trata, pois, simplesmente de concordáncia entre lei ou "Direito

escrito- e conninicaOes jurídicas. A essa concepi¡áo estática da legalidade cor-responde a dicotomia 'ordein legal versus orden] social', usual tanto entre "juristas.' quanto entre "típicos'. sociólogos do Direito (cf., por ex., l'alelí°, I 984). A legalidade é concebida a partir do wvro legal, cujo caráter náo-social é sugerido. A essa concepqáo stibiaz o dualismo liberal 'Estado/sociedade', no qual se encobre que o Pstado un] subsistema ou sistema Jiu/dona/ da socie-dade (cf Pullman!" I 965:29ss., 1981j:19). 1)e lato, a relnáo hanrainica entre texto legal e comunicaOes jurídicas é, antes, tuna expressáo jurídico-lingüística da legal idade (cf. Neves, 1992:185s.)

117. Sobre a rel"áo equilibrada entre redundancia ("cristal-) e variedade (`-funiNal como condi0o de autonomía dos sistemas, ver Atlan, 1979: esp. 43.

tambein Neves. 1992:80s. e g4s.

118. Lulimann, 1974:15. A respeito, ver Ferraz Jr., 1980:95ss. 119 1.tiltiptinn, 1974:13, aqui ainda incluindo a teoria do I)ireito no sistema

científico. Posteriormente, a teoria do Direito vai ser definida como auto-relle-xáo do sistema jurídico ( itlem, 19811" cf também I 987b: 361fss., I 986c:19). Se ein caso de retlexao, "a identidade do sistema deve ser prohlentatitada, pode, portant°, aparecer como negável" (lailimann, 1982:59), apenas a teoria do Di-reit° constituiria, a rigor, instáncia de rellexilo do sistema jurídico, itrio a dog-

xáo, por outro lado, fica vinculada á legitima0o em sentido sistémico, definida como capacidade do sistema de orientar e reorientar as expec-tativas normativas com base nas suas próprias diferencas e critérios.

A constitucionalizacáo simbólica implica problemas de reproducáo do Direito nos trés momentos de sua auto-referéncia. A falta de forca normativa do texto constitucional conduz á insuficiéncia de legalidade e constitucionalidade na práxis jurídica e, correspondentemente, no plano de reflexáo, ao problema da desconexáo entre a prática constitucional e as construcóes da dogmática jurídica e da teoria do Direito sobre o texto constitucional.

O principio da legalidade, proclamado no texto constitucional, náo se realiza suficientemente através da conexáo consistente das comunica-p3eS jurídicas (atos jurídicos) com base exclusivamente no código-dife-renca "lícito/ilícito". A legalidade, que implica igualdade perante a lei (cf. nota 172 do Cap. II), transforma-se fundamentalmente numa figura de retórica do discurso do poder. O bloqueio do processo de concretiza-QáO constitucional resulta da predomináncia de outros códigos binários de preferéncia, principalmente dos códigos-direrenca "poder/náo poder" e "ter/náo ter", sobre o código "lícito/ilícito". Náo se desenvolve a capacidade de concxáo generalizada das comunicacóes como unidades dementares dc um sistema operacionalmente autónomo, sobressaindo-se o problema da ilegalidadc na práxis constitucional, encoberto tanto pela retórica legalista dos ideólogos do sistema de poder quanto pelo discurso antilegalista dos seus críticos.

Nas condicóes de constitucionalizacáo simbólica, a nocáo de consti-tucionalidade como reflexividade mais abrangente no interior do siste-ma jurídico também é afetada. Na medida em que o texto constitucional náo se concretiza normativamente de forma generalizada, impossibilita-se o desenvolvimento de Constituicáo como normatizacáo mais com-preensiva de processos de normatizacáo dentro do sistema jurídico. A paradoxia da "realidade constitucional inconstitucionar" importa uma práxis política na qual se adotam ou rejeitam os critérios normativos procedimentais previstos no texto constitucional, conforme ele corres-ponda ou náo á constelacáo de interesses concretos das relacóes de poder. O problema náo se reduz á questáo da inconstitucionalidade das leis ou "atos normativos", sempre suscetível, num grau maior ou me-

'mítica jurídica. Mas no sentido menos estrito do termo, trata-se de dois níveis de rellexIto do 1)ireito.

120. Grimm,19119:637.

111

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mor, de uma solugáo medianté os respectivos mecanismos de controle da constitucionalidade. Ele torna-se relevante ao nivel de práticas infor-mais descaracterizadoras dos próprios procedimentos constitucionais (p. ex., prido sem o correspondente due process of law, deturpagáo do procedimento eleitoral, prática judicial corrupta, parlamento como foco da criminalidade organizada). Nessas circunstáncias, a nogáo de "or-dem constitucional" perde em sentido prático-jurídico, sendo, porém, invocada particularisticamente nos casos de instabilidade da ordem po-lítica real subjacente. Em tal contexto, a constitucionalidade, que impli-caría generalizagáo includente da normatizagáo constitucional, conver-te-se amplamente em figura de retórica, náo só no discurso do status

quo, como também, em certa medida, na práxis discursiva dos grupos interessados por transformagóes reais das relagóes de poder.

Considerado que a legalidade (auto-referencia de base) e a consti-tucionalidade (reflexividade) do condigóes imprescindíveis para urna (auto-) refiexáo consistente sobre a identidade do sistema jurídico e vice-versa, a construgáo de uma dogmática jurídica e também de urna teoría do Direito relevante na práxis constitucional fica prejudicada cm situagóes de constitucionalizagáo simbólica. Nesse contexto de falta de auto-referéncia elementar e processual, náo se desenvolve suficiente-mente uma dogmática jurídico-constitucional que esteja em condigóes de, conforme o modelo luhmanniano, preencher satisfatoriamente sua fungáo de "controle de consisténcia em relagáo á decisáo de outros ca-

sos" e, nos limites dessa fungáo, definir com releváncia prática "as con-

diqóes do jurídicamente possível, a saber, as possibilidades de constru-00 jurídica de casos jurídicos"'". As abstragóes conceituais da dogmá-tica jurídica e as "abstragóes de abstragóes" da teoria do Direito náo se refietem na práxis jurídico-constitucional, na medida em que constela-góes concretas de interesses impedem urna consistente interdependencia das decides. Daí surge o desvio retórico da cultura jurídica, assim como, freqüentemente, a discuss.áo constitucional orientada basicamente pelas questóes e casos jurídico-constitucionais da experiencia estran-geira. Em linguagem psicanalítica, trata-se, cntáo, de reagóes sublima-doras diante da realidade constitucional rejeitantet

Com a incapacidade de (auto-) reflexáo consistente do sistema jurí-dico-constitucional relaciona-se o problema da legitimagáo. Aqui náo nos queremos referir simplesmente ao papel legitimatório das teorias ju-

rídicas para o Direito enquanto sistema normativo'". Pretendemos enfa-tizar que, nos casos de constitucionalizatáo simbólica, a insuficiente re-!lodo da indentidade sistémica ou a ineficiente definiQáo das "con-diOes do jurídicamente possível" pela dogmática constitucional e a teoria do Direito constitui fator negativo da oricntagáo generalizada das expectativas normativas pelo texto constitucional. N'áo se trata do con-ceito weberiano de legitimidade racional (moderna) como "crenga na legalidade" 123, nem da concepgáo de legitimidade como reconhecimento de decides obrigatórias (consenso fático)' 24. Também náo interessam aqui concepgóes axiológicas de legitimidade com pretensáo de univer-salidade, como o modelo haberrnasiano da fundamentagáo do proce-

o o

122. Nesse sentido, afirma Eder (1986:20): "Teorías jurídicas nao expli-cam, Blas legitimam o sistema jurídico. Decisiva é sua fungáo legitimatória e náo sua verdade".

123. Weber, 1985: esp. 19s., 124, 822; cf. também ideen, 1968b: 2 I5ss. Com posigáo crítica a respeito, ver Habermas, 1973:133ss., 1982b1: 354ss. Divergindo da interpretagáo dominante, Winckelmann (1952:72s. e 75s.) sus-tenta o fundamento "racional-valorativo" no conceito weberiano de legitimi-dade. Por outro lado, Schluchter (1979: 155ss.) relaciona a najáo de "principios jurídicos" com a "ética da responsabilidade". Contra essas duas interpretagóes referentes a valores, cf., respectivamente, I labennas, 1973:136-38, I 982b1: 361, nota 197. Mas também nao é fundamentável a afinnagáo de Ltilunann (1965: 140, nota 12) de que Weber vena o problema da legitimidade "somente na efetividade da dominagáo". Ele mesmo acentua em outra passagem que a legitimidade, segundo Weber, "seria simplesmente a conseqüéncia da (Tenla

fálica no principio da legitimaqc7o" (144). A efetividade seria, nesse sentido, apenas um indicio da legitimidade.

124. Sobre essa concepgáo dominante, que deve ser distinguida da webe-nana, principalmente porque náo se refere apenas á crenga no exercicio legal da dominagáo, mas também considera a crenga no título jurídico ou principios ju-rídicos do poder, cf. Friedrich, 1960; lieller, 1934:175ss., 191, 221. Nesse con-texto, ver, para a distingáo entre "legitimidade" como qualidade do título do poder e "legalidade" como qualidade do exercício do poder, Bohhio, 1967: esp. 48s. Correspondentemente, a legitimidade é reduzida á legalidade no "Estado de Direito Democrático", na medida em que as "leis" sáo concebidas como "expressáo da vontade popular formada democraticamente" (Preuss, 1984:28). Críticamente a respeito de teorias "participatórias" da legitimagáo, ver Luh-mann, 1987d.

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121. Luhmann, 1974:19. No mesmo sentido, ver Ferraz Jr., 1980: 99ss.

136

137

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dimento jurídico através de unta moral processual'”. É relevante apon-tar que, no contexto da constitucionalizacáo simbólica, a orientacáo e reorientacáo generalizada das expectativas normativas conforme crité-rios e proccdimentos próprios do sistema jurídico, especialmente do Di-reito Constitucional, náo se realiza de maneira generalizada e perma-nente. Do figurino constitucional náo decorre legitimacáo do sistema jurídico no sentido de Luhmann, o que pressuporia uma Constituicáo envolvida nos trés momentos da auto-referéncia do Direito'". É inegá-vel que o texto constitucional, enquanto álibi invocado permanente-mente na retórica do poder, serve. cm ccrta medida, como mecanismo substitutivo de legitimacáo política. Mas daí ido decorre tima legiti-macáo estável e generalizada (includente), o que só seria possível se ao texto constitucional correspondcssem expectativas normativas con-gruentemente generalizadas.

A constitucionalizacáo simbólica náo importa apenas a falta de auto-referencia consistente dos componentes do Direito. Envolve tam-bém o problema da adcquada heterorreferéncia do sistema jurídico.

No sentido da tcoria dos sistemas autopoiéticos, a refcréncia dos sis-temas sociais ao seu mcio ambiente realiza-se através da funqao e da prestaqdo. A funcáo é a relacáo do subsistema social com a sociedade como um todo. A prestacáo apresenta-se como a referéncia de um subsistema a outros subsistemas da sociedadem. Com respeito ao siste-ma jurídico, a fimqao realiza-se primariamente através da orientacáo congruentemente generalizada de expectativas normativas, embora tam-bém scja funcáo do Dircito a dirccáo da conduta em interferéncia inter-subjetiva'". A prestaqao mais genérica do sistema jurídico é a SOillQáO

dc conflitos que náo sc apresentarn mais cm condiceics de ser rcsolvidos com os criterios e diferencas de cada um dos outros sistemas'". Mas o Direito também realiza prestaceíes especificamente diferenciadas para os outros sistemas da socicdade, guando, por exemplo, asscgura possibili-dades de formacáo de capital na cconomia, accsso á instrucáo (sistema

125.Cf.Ilabermas, 1987a, 1992:541ss. Para sua fonnulaláo anterior de um conceito de legitimacáo com pretensáo de verdade, ver idem, 1973: esp. 140ss.

126.A respeito, cf. Neves, 1992: 212ss. 127. Cf. Lultinann, 1982:54ss., 1993:156ss..., idem e Schorr, 1988: 34ss.

Ver acima C7ap. II. I .3.4. I 2g. A respeito, ver Lulunann, 19g1d, 1987b:94ss. Cf. acima nota 241 do

Cap. I. 12') Teubner, 1982: 48.

educacional), limitacócs á atividade política'3°. No plano constitucional, a funcáo de congruente generaliz.acáo dc

expectativas normativas vai ser possibilitada, na socicdade moderna, através da institucionalizacáo dos Direitos fundamentais, que consti-tuem a rcsposta do sistema jurídico ás exigencias de diferenciacáo fun-cional. Mas como o princípio da diferenciacáo funcional é inseparável do principio da inclusáo, a funcáo de congruente generalizacáo de ex-pectativas normativas importa a institucionaliz.acáo constitucional do Estado de bem-estar131. Ou scja, através da institucionalizacáo dos Direi-tos fundamentais, a Constituicáo responde á semántica social dos "dircitos humanos", que pressupee tima sociedade diferenciada cm esfe-ras de vidas orientadas por criterios os mais diversos, náo subordinada a uma moral globalizantc e hicrárquica fundamentadora do poder'32; me-

130. I Athmann, 1981h: 440. Correntemente a distinga° Ittlunanniana entre prestalao e fuina° nao é empregada, de tal maneira que "a funOo social do Di-reito" pode ser definida como "uma prestacao do Direito para a sociedade" (Maihofer, 1970:25). A referéncia de 13obbio (1977:113-15) a diferentes níveis de !luna° importa indistincao entre funcao e prestalao no sentido aqui utili-zado. Por outro lado, ele distingue entre fuina() do Direito cm reina() á "sociedade como totalidade" e funlao do Direito com respeito aos individuos como "componentes" dessa totalidade (ibid.: 111-13). Conforme Schelsky ( I 970:57ss.), no segundo caso trata-se de "fuina° antropológica do Direito"; cf. também Maihofer, 1970: 32ss. Na perspectiva luhmanniana, o homem nao é considerado parte, mas sim "meio ambiente" da sociedade (cf. Lulunann,

1987a: 2116ss.; I 987b: 133s.).

131. Cf. Neves, 1992:151ss. Ver também acima Cap. 11. 1.3.4.1.

132. Do conceito de direitos fundamentais, constitucionalmente amparados, prodtttos da sociedade moderna funcionahnente diferenciada, Lithinann (1965: 23) distinguia a nolao de "direitos humanos" como direitos eternos. Mais re-centemente (1993:574ss.), ele reelabora o conceito de direitos humanos na pers-pectiva de um sistema jurídico mundial, propondo que a discussao se concentre no problema das ofensas flagrantes e escandalosas á "dignidade httmana", no ámbito de tuna semántica restritiva dos direitos humanos. Aqtti diferenciamos os direitos fundamentais, incorporados juridicamente á Constituiciao, da semántica político-social dos "direitos humanos" — também própria da socie-dade moderna —, qtte ¿limita para a exigéncia de constntcao, amplialao e efe-ti vaya° dos "direitos limdamentais" (nesse sentido, v. I.efort, 1981., Ferry e Re-naut, 1992; I Atfer, 1988). Mestno na perspectiva de base valorativo-procedimen-tal de Alexv (1986), a expressno "direitos fundamentais" refere-se a dircitos

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diante a institucionalizacáo do Estado de bem-estar, a Constituicáo volta-se para as exigéncias das massas por maior accsso ou participacáo nas prestacóes dos diversos sistemas sociais, sobretudo da política e do Direito. Tanto urna como outra forma de institucionalizacáo sáo im-prescindíveis para o éxito do Direito em sua funeáo de congruente gene-ralizacáo de expectativas normativas na sociedade moderna.

A nivel constitucional, a prestacáo jurídica relativa á solucáo de conflitos náo resolvidos nos outros sistemas vai ser assegurada com o estabelecimento dos procedimentos constitucionais de resolucáo de conflitos, o due process of Law. Como prestacáo específica do Direito perante o sistema político, a Constituicáo regulamenta o procedimento eleitoral, estabelece a "divido de poderes" e a distincáo entre política (em sentido estrito) e administracáo, com urna semántica orientada para a imunizacáo do "Estado de Direito" perante interesses particularistas de dominacáo (ver Cap. II. 1.3.4.2 e 3.).

Esse modelo do Direito como sistema autopoiético perde cm valida-de empírica guando se esbarra com o problema da constitucionalizacáo simbólica, típico do Estado periférico (ver item 6 desee Cap.). A insufi-ciente concretizacáo normativa do texto constitucional, no qual todas as instituicóes referidas do proclamadas, é um sintoma da incapacidade do sistema jurídico de responder ás exigéncias do scu "meio ambiente". Os direitos fundamentais constituem-se, entáo, cm privilégio de minorias, sobrevivendo, para a maioria da populacáo, quase apenas na retórica político-social dos "direitos humanos", tanto dos ideólogos do sistema quanto dos seus críticos. A inclusáo através do Estado de bem-estar, proclamado na Constituicáo, é relevante apenas no discurso da realiza-QáO das normas programáticas num futuro remoto. O desrespeito ao due process of law constitucionalmente festejado é a rotina da prática dos órgáos estatais (especialmente da policía) com relacáo ás classes popula-res (á maioria). A politizacáo particularista da administraeáo impede a concretizacáo generalizada dos princípios constitucionais da moral idade e impessoalidade. A corrupcáo e as fraudes eleitorais impossibilitam a legitimacáo constitucional (generalizada) do sistema político, que passa, entáo, a subordinar-se instavelmente aos interesses particularistas de cima e ás necessidades concretas de baixo, sendo constrangido a adotar mecanismos substitutivos de "legitimacóes casuísticas" inconstitucionais (favores, concessóes, ajudas e trocas ilícitas).

A incapacidade de heterorreferéncia adequada do Direito em situa-

amparados constitucionalmente.

140

eles de constitucionalizacáo simbólica náo é mil problema de um siste-ma operacionalmente autónomo diantc do seri meio ambiente. A questáo está vinculada á própria ausencia de distincáo nítida entre sistema e meio ambiente, exatamente por falta de "Constituicáo normativa" corno mecanismo de autonomia do Direito (Cap. II. 1.3.3.). O texto constitu-cional atua basicamente como figura de retórica política, náo se desen-volvendo como instáncia de rellexividade que possibilite a autonomia do código "lícito/ilícito" diante de outros códigos-difereno, especialmente o político ("poder/náo-poder") e o económico ("ter/náo -ter"). Nesse con-texto, a questáo da heterorreferéncia é, primariamente, um problema de auto-referéncia.

4. Implicacóes Semióticas

A constitucionalizaQáo simbólica como alopoiese do Direito tem relevantes conseqüéncias para urna leitura semiótica do sistema jurídico. Defina-se o Direito corno plexo de normas ou cadeia de comunicaOes, ou mesmo, no sentido de Teubner, como entrelacamento hipercíclico de norma (estrutura), ato (elemento), procedimento (processo) e dogmática (identidade) jurídicos (cf. pp.127s.), trata-se sempre de um fenómeno intermediado lingtiisticamente. Distinguen-se, entáo, as dimensaes sin-tática, semántica e pragmática do sistema jurídico enquanto linguagem normativa em geral: do ponto de vista sintático, eta vai ser caracterizada pela "estrutura relacional deóntica, sendo o functor específico o dever-ser (D), que se triparte cm trés submodais: o obrigatório (0), o proibido (V) e o permitido (P)" 133 ; sob o aspecto semántico, dirige-se á realidade com a pretensáo de dirigir normativamente a conduta em interferéncia intersubjetiva; na perspectiva pragmática destina-se a orientar nor-mativamente as expectativas dos sujeitos de Direitom. Mas, para dife-renciar-se a linguagem jurídica (especializacáo da linguagem natural), náo é suficiente caracterizá-la como linguagem normativa. Na teoria dos sistemas autopoiéticos, é imprescindível que um único sistema funcional da sociedade disponha da diferenca lingüísticamente intermediada entre lícito e ilícito'".

No caso da constitucionalizacáo simbólica, o problema semiótico

133. Vilanova, 1977:40. 134. Cf. Vilanova, 1977:40. 135. Cf. Luhmann, 1993:165ss., 1986b, 1986a: esp. 125s., 1974:72. Ver

também acima nota 140 do Cap. II.

141

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apresenta-se guando se constata que á linguagem aparentemente norma-tivo-jurídica dos textos constitucionais náo correspondem realmente a estrutura e a funcáo próprias de unta linguagem especificamente jurídi-ca. Náo se trata apenas de "deformacáo" no plano semántico-pragmáti-co, mas também ao nivel sintático.

Do ponto de vista sintático, deve-se observar cm primeiro lugar que, cm situacóes típicas de constitucionalizacáo simbólica, o texto constitu-cional como plexo de signos náo se encontra envolvido relevantemente no complexo de normas do sistema jurídico, tornando-se primariamente um conjunto de símbolos do discurso político. Ou seja, na medida cm que Ihe falta normatividadc, ele pude sua concxáo sintática com o sis-tema jurídico e passa a integrar sintaticamente o sistema político. Isso implica a descaracterizacáo do functor deóntico-jurídico "dever-ser". Os submodais obrigatório (0), proibido (V) e permitido (P) permaneccm como "fórmulas" lingüísticas envolvidas no discurso persuasivo do po-der Daí porque cssc problema sintático dos modais dcónticos constitui, cm última análisc, uma questáo pragmática.

Sob o ángulo semántico, revela-se nas situacóes típicas de constitu-cionalizacáo simbólica que o modo-de-referIncia da linguagem consti-tucional á realidade náo é especificamente normativo-jurídico. Das dis-posicóes constitucionais náo dccorre direcáo coercitiva da conduta hu-mana cm interferéncia intersubjetiva. Náo se argumente aqui a objecáo de que só há norma guando está presente a possibilidade de sua viola-cáo. No caso de constitucionalizacáo simbólica, trata-se, ao contrário, de uní contexto de impossibilidade social de concretizacáo normativa do texto constitucionaP3°, náo só em face dos comportamentos da popula-cáo, geralmente alheios aos dircitos e devercs proclamados constitucio-nalmente, como lamben] em virtude da atitude expressa e sistematica-mente inconstitucional dos agentes cstatais cricarregados de aplicar normativo-juridicamentc o texto da Constituic3o. Quanto ao modo-de-referéncia á realidade, a linguagem constitucional funciona basicamente como mecanismo de influéncia política, tanto na retórica dos defensores do status quo guamo no discurso dos grupos interessados em trans-formacóes efetivas na relacáo de poder.

O problema semántico do modo-dc-referéncia está diretamente vin-culado á dimensáo pragmática, que, no caso de constitucionalizacáo simbólica, é a mais importante. Bloqueada sistcmaticamente a concre-

136. Cf. Neves, 19118: 50s., tratando da relaláo entre ineficácia social e perfinéncia da norma ao ordenamento jurídico.

tizacáo normativa do texto constitucional, é evidente que á linguagem constitucional náo corresponde orientacáo congruentemente generaliza-da de expectativas normativas. A normacáo constitucional é atingida náo só pela falta de institucionalizacáo (consenso suposto), mas também pela caréncia de identificacáo de sentido. O texto constitucional passa fundamentalmente a ser objeto do discurso político. Pragmaticamente, perde sua forca comissivo-diretiva, tornando-se sobretudo mecanismo de persuasáo política. A própria questáo sintática da descaracterizacáo do functor deóntico só pode ser compreendida a partir da consideracáo dessa variável pragmática. Perlocutivamente'37, o discurso constitu-cionalista, tanto dos detentores do poder quanto dos seus críticos, náo se dirige fundamentalmente no sentido de, com pretensáo de generalidade, obrigar, proibir ou permitir juridicamente, constituindo antes uma linguagem destinada a persuadir e convencer do ponto de vista político: por parte dos detentores do poder, persuadir de sua identificacáo com a realizacáo (futura) dos "valores constitucionais"; do lado dos críticos da ordem política, convencer do desresixito governamental ao "valores constitucionais" proclamados e também da sua capacidade de realiz.á-los o mais rápidamente possível guando no poder.

Por fím, cabe também uma aplicacáo da diferenca semiológica entre códigos fracos e códigos fortes"' ao problema da constitucionalizacáo simbólica como alopoiese do Direito. Considerando que a autopoiese do sistema jurídico pressupóe a plena diferenciacáo do código sistémico "lícito/ilícito", intermediado lingüisticamente, é possível afirmar-se que a constitucionalizacáo simbólica implica um código jurídico fraco em face dos códigos binários "poder/nao-poder" (político) e "ter/náo-ter" (económico). Esses, códigos fortes, bloqueiam a comunicacáo consis-tente e generalizada nos termos da diferenca "lícito/ilícito" como código fraco. Assim sendo, prevalece, a nivel constitucional, a codificacáo-de-codificacáo de mensagens políticas (e económicas) cm detrimento da codifica0o-decodifica0o de mensagens jurídico-normativas.

137. Sobre a distinláo de J. I,. Austin entre atos locucionais, ilocucionais e perlocucionais, caracterizados esses últimos pela sua influéncia nos sentimen-tos, idéias e alíSes do(s) orador(es), ottvinte(s) ou outras pessoas, v. Habertnas, 1982b1:388ss.

138. Cf. Eco, 1991:47-50; e para uma aplicaláo jurídica em outro contexto Ferraz Jr., 1988:257s.

143 I 12

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5. Constitucionalizacáo Simbólica versus Juridificacáo. Realidade Constitucional Dejuridificante

A ampliaQáo dos temas juridificáveis nos quadros da positivaQáo do direito 19 fez da juridificafflo um dos problemas críticos do Estado mo-derno. Conceituada "para fora" como expansáo do Direito e "para den-tro" como seu detalhamento e especializacáo (condensacáo)I", o fenó-meno da juridificacáo foi, no ámbito de um intenso debate na Alemanha Ocidental dos anos 80, classificado em trés tipos básicos: legalizacáo, burocratizacáo e justicializacáom. Os cfeitos juridificantcs sobre a socie-dade foram, de um lado, avaliados negativamente (alienacáo, burocra-tizacáo, "colonializacáo do mundo da vida"), de outro lado, positiva-mente (asseguramento da liberdade e do stntus) 142 .

O processo de juridificacáo desenvolveu-se no Estado Moderno em quatro fasesm. Na primeira, a juridificacáo conduz aos clássicos direitos subjetivos privados, estando vinculada ao conceito de Estado Burgués. Num segundo período, eta implica a positivacáo dos direitos subjetivos públicos de caráter liberal, correspondendo ao Estado Burgués de Direi-to. Posteriormente, com o surgimento do Estado Democrático de Direi-to, tem-se a emergéncia dos direitos subjetivos públicos democráticos (juridificacáo do processo de legitimacáo) "na forma de direito de voto geral e igual, assim como do reconhecimento da liberdade de organiza-QáO das associacóes políticas e partidos" I44. Por último, ternos a questáo da juridificacáo nos quadros do Estado social e democrático de Direito, que trouxe consigo a positivaláo dos direitos sociais, a intervencáo compensatória na estrutura de classes e na economia, a política social do Estado, a regulamentacáo jurídica das relacóes familiares e educaci-onais.

É com vistas a esta última fase, a do chamado "Estado social e de-

139.Cf. Luhmann, 1981b: 129, I987b: 211, 1983a: 144. 140.Cf. Voigt, 1980:16; Habermas, 1982b11: 524; Werle, 1982:4. 141. Voigt, 1980: 18-23. Werle (1982:5s.) defende a limitaláo do conceito

de juridificacáo ao aumento de leis e decretos num determinado período. Contra esta posilZio, v. Voigt, 1983: 18s., considerando os "apectos qualitativos" da ju-ridificalÉto.

142.Voigt, 1980:30. 143. Habermas, 1982b11524ss., a quem acompanhamos a seguir. Cf. tam-

bém Voigt, 1983:215, Werle, 1982:9s. 144.Habermas, 1982b11529.

mocrático de Direito", que o debate sobre a crisc de juridificaeao se de-senvolveu. Nesta discussáo, relevou-se a crítica habermasiana com base na distineáo do Direito como mcio ("Mediu'', Redil") e o [Mello como instituicáo. No primciro caso, "o Dircito é combinado de tal forma com os meios (Medien) dinheiro e poder, que ele mesmo assume o papel de meio de direcáo (Stenertingsmedium)" 145 , como no campo do Direito Económico, Comercial e Administrativo. Por "instituicóes jurídicas" compreende Habermas "normas jurídicas que através das referencias positivistas a procedimentos irá° podem tornar-se suficientemente legi-timadas""°. Desde que cías pertencein "ás ordcns legítimas do inundo da vida" (horizonte do agir comunicativo), precisan de "justiticacilo malcriar". De acordo com esse modelo analítico, o Direito como meio teria "forra constitutiva", o Direito como instituieáo apenas "fuina() re-gulativa"". Na medida em que ele atuasse como meio ría esfera regula-da informalmente do "mundo da vida", como, p. ex., o Direito d.; Famí-lia e a legislacáo do ensino, a juridificacáo teria efeiios negativos, so-cialmente desintegradores. Fala-se entáo de colonizaeáo interior do mundo da vida: "A tese da colonizaeáo interior afirma que os subsiste-mas economia e Estado, em face do crescimento capitalista, tornara-se mais complexos e invadem sempre mais profundamente a reproducáo simbólica do mundo da vida" 149 . O Direito-mcio, interinedi,„ao sis-témica de agir instrumental-estratégico, a servieo da economia e do poder, invadiria a efera do agir comunicativo, fundada no entendimento e, desta forma, prejudicaria a construeáo de tima razáo intcrsubjetiva. Por outro lado, porém, a juridificaeáo teria caráter social-integrativo e funcional, guando o Dimito como instituieáo desempcnhasse unt papel regulativo a favor do plexo de aeáo do mundo da vida, orientado no en-tendimento, ou servisse como mcio de direcáo dos sistemas de aeáo da economia e do Estado'''.

145.Habennas, 1982b11:536. 146.Habennas, 1982h11:536. 147.Habennas, 1982b11:536. Para o aprofundamento da concepOo haber-

masiana do Direito como "instittii0o", v. idem, 1992. 148.I labennas, 1982b11:537 149.lIabennas, 1982h11:539. 150. Cf. Ilabennas, 1982b11:536ss. Assim seudo, justifica-se a L'inca de

Nahamowitz (1985: esp. 42) a Teubner e Willke, na medida cm que esses, cm urna tentativa de unir a ética do discurso habennasiíma á teoría (los sistemas de Luhmann, tiraram consequéncias neoliberais da conceináo de juridilicaylo de

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Na perspectiva da tcoria dos sistemas, o problema da juridificacáo nao é tratado com base no dualismo "sistema e mundo da vida"''', mas sim através da dicotomia "sistema e mcio ambiente". Conforme este modelo, a juridificacáo seria definida como "expansáo do sistema jurídi-co com gravame para outros sistemas sociais"'". Os problemas da juri-dificacáo estariam estritamente ligados á questáo da autonomia dos sis-temas jurídicos e dos demais sistemas sociais, passando a serem inclui-dos no tema mais amplo da autopoiese do sistema jurídico-positivo cm face da autopoiese dos demais sistemas sociais (economia, política, re-ligiáo. arte, ciencia etc.). Portanto, ele pressuporia Constituicao norma-tiva como mecanismo de autonomía operacional do Direito.

No caso de constuticionalizacáo simbólica, que implica falta de au-tonomia operacional do Direito. o problema nao é de juridificacao, mas sin], ao contrario. de dejuridificacáo da realidade constitucional. Partin-do-se da distincáo de Blankenburg entre juridificacáo no plano das ex-pectativas (ponencia de "mais" rcgras jurídicas no lugar de regulacóes informais) e juridificacáo no plano da acáo ("mais" eficacia do Direi-to)'", poder-se-ia formular, entao. que á juridificacáo no sentido de au-mento l'a producáo de normas jurídicas positivas cstatais, opor-se-ia a dejuridifica0o a nível da condtiOo do comportamento. Nessa perspec-tiva, a dejuridifica0o seria considerada apenas no plano do "agir" ( -> eficacia). Porém, as tendencias dejuridificantes &corremos da constitu-cionalizacáo simbólica afetam também o "vivenciar" do Direito (as ex-pectativas de comportamento). O pretenso filtramento das expectativas de comportamento através da normacáo constituinte náo é seguido, de mancha alguma, da orientacáo generalizada das expectiativas normati-vas com base no texto constitucional, quer dizer, nao é acompanhado da generalizacáo congruente das expectativas normativo-constitucio-nais. O vivenciar normativo da populacáo ent geral e dos agentes esta-tais faz implodir a constituicáo como ordem básica da comunicacáo ju-rídica.

Contra a itocáo de unta 1-Mida& constitucional dejuridificante po-

I labermas (cf. Teubner e Willke, 1984:24 e 29; Teubner, 1982:26s. e 41-44, o qual modifico(' sita posi0o mais tarde, 1989:81s. e 85s.).

151.No sentido da diferencia0o de sistema e mundo da vida como proces-so de ~1110o social, v. I labennas, 1982b11:229ss. Cf. também acima Cap. II.

152. Voigt, 1980:27 153. 131ankenburg, 1980:84.

14 6

der-se-ia, nos quadros do pluralismo jurídico, apresentar a objecao de que outras formas jurídicas atuariam no lugar do Direito positivo com relacáo á solucáo de conflitos'51. Quanto a essa restricáo, deve-se ad-vertir que o debate em torno da juridificacáo e dejuridificacáo refere-se ao Direito positivo como sistema social diferenciado1". No caso de constitucionalizacáo simbólica, o código "lícito/ilícito" é sistemática e generalizadamente bloqueado em seu desenvolvimento por critérios políticos e económicos, de tal mancira que a diferenca entre sistema ju-rídico e mcio-ambiente perde em nitidez. Enquanto código fraco, o ju-rídico náo se amplia em detrimento de outros códigos sistémicos. Ao contrario, os códigos fortes "poder/nao-poder" e "ter/nao-ter" atuam em prejuízo da reproducáo constitucionalmente consistente do sistema ju-rídico. O qtte há é politizacáo dejuridicizante da realidade constitucio-nal, respaldada evidentemente nas relacóes económicas. Parafraseando Habermas, trata-se de "coloniz.acáo política -e económica" do mundo do Direito.

I 6. ConstitucionalizacAo Simbólica como Problema da Modernidade

Periférica

A constitucionalizacao simbólica como alopoiese do sistema jurí-dico é um problema fundamentalmente da modernidade periférica'". Náo utilizamos o modelo "centro/periferia" da forma simplificadora ideologizante das "teorias da exploracao" dos anos 60 e 701". Recor-remos a essa dicotomia principalmente para enfatiz.ar que se trata de uma e da mesma sociedade mundiaP", náo de sociedades tradicionais

154. Cf., p. ex., Sonsa Santos, 1977, 1980, 1988. 155. Cf. Voigt, 19113:20., flabermas, 1982b11:524, que tisa, porérn, a expres-

sáo "direito escrito". 156. l'ara lima abordagem mais abrangente do problema da constitticiona-

lizaláo e da positivnáo do Direito na moclernidade periférica, ver Neves, 1992. 157. Cli, p. ex., Frank, 1969. Para tim panorama global sobre os debates

dos anos 60 e 70 ein tomo da teoria da dependéncia e do capitalismo periférico, ver Sengliaas (org.), 1972, I 974a, 1979.

158. Sobre a sociedade moderna como "sociedade mundial", orientada pri-mariamente pela economia, a técnica e a cié.ncia, v. Ltihinann, 1975c, o qual, entretanto, sem coeK.'ilcia coin essa conceplao, aplicava o modelo "tradiláo/mo-deniidade" á diferenla entre países cm desenvolvimento e países desenvolví-

147

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versus sociedades modernas, como se uma diferenca de "antes e depois" estivesse na base dos diferenciados níveis de desenvolvimento social. Partimos da constatacáo de que o advento da sociedade moderna está estreitamente vinculado a unía profunda desigualdade económica no desenvolvimento inter-regional 159, trazendo conseqüéncias significativas na reproducáo de todos os sistemas sociais, principalmente no político e no jurídico, estatalmente organizados. É claro que estamos como que ao nivel de conceitos típico-ideais no sentido weberiano, os quais, como "utopías" gnosiológicas, nunca sáo encontrados em forma pura na realidade social, servindo antes como esquema de sua interpretacáo com énfase unilateral em determinados elementos mais relevantes á a-bordagern 16°. Náo desconhecemos, pois, que a sociedade mundial de hoje é multifacetada e possibilita a aplicacáo do esquema "centro e periferia" em varios níveis' 61 . Parece-nos, porém, que a distincáo entre modernidade central e periférica é analiticamente frutífera, na medida em que, definindo-se a complexificacáo social e o desaparecimento de uma moral material globalizante como características da modernidade, constata-se que, em determinadas regióes estatalmente delimitadas (pa-íses periféricos), náo houve de maneira nenhuma a efetivacáo adequada da autonomia sistémica de acordo com o princípio da diferencia-

dos (cf. 1983a: 65, nota 10; 1987b: 96, nota 114; 1965: 101s.), afastando-se desta posicao mais recentemente (cf. 1990a: 212-214). Cf. também Iieintz, 1982. Analogamente, mas em outra perspectiva, Wallerstein (1979:74ss.) fala de capitalismo mundial.

159. A respeito, v. Hopkins e Wallerstein, 1979. Este problema está vincu-lado estreitamente á divisáo regional do trabalho, que, segundo Durkheim (1986:164), "desenvolve-se a partir do século XIV".

160. Weber, 1973:190s. Na concepcáo do tipo ideal "os elementos conside-rados náo essenciais ou casuais para a constituiáo da hipótese" náo sáo toma-dos em tonta (Weber, 1973:201s.). Mas enquanto em Weber (1973:208) o con-ceito de tipo ideal baseia-se na "nNáo fundamental da teoria do conhecimento moderna que remonta a Kant, de que os conceitos sáo e apenas podem ser meios mentais para o controle espiritual do empiricamente dado", ou soja, remonta á concepgao do sujeito transcendental, concebemos o tipo ideal como estrutura cognitiva de sele9áo das ciéncias sociais em relaáo á realidade, que, diante delas, apresenta-se autónoma e mais complexa. Numa perspectiva estritamente teorético-sistémica, cf. a respeito Luhmann, 1987a:51.

161. Cf., p. ex., Galtung, 1972:35ss.; Wallerstein, 1979.; Hopkins e Wal-lerstein, 1979; Senghaas, 1974b:21.

náo funcional, nem mesuro a criacáo de urna esfera intersubjetiva au-tónoma fundada numa generalizacáo institucional da cidadania, carac-terísticas (ao menos aparentes) de nutras regióes estatalmente organi-zadas (países centrais)' 62 . O fato de haver gratis diversos quanto á dife-renciacáo funcional exigida pela complexidade social e quanto A cons-trucáo da cidadania como exigéncia do desaparecimento da moral hie-rárquico-material pré-moderna, náo invalida o potencial analítico dos conceitos de modernidade central e modernidade periférica, antes a-ponta para sua funcáo de estrutura de selecáo cognitiva das ciéncias sociais.

A bifurcacáo no desenvolvimento da sociedade moderna (mundial) resultou, para os países periféricos, numa crescente e veloz complexifí-cacáo social, sem que daí surgissein sistemas sociais capazes de estnitu-rar ou determinar adequadamente a emergente complexidade (cf. nota 113 deste Cap.). Nas palavras de Atlan, á variedade do meio ambiente náo há resposta sistemica através de redundáncia (cf. nota 117 deste Cap.). Os respectivos sistemas náo se desenvolvem, poit,, com suficiente autonomía operacional. Com isso se relaciona o problema da "he-terogeneidade estrutural", cuja discussáo remonta ás tcorias da de-pendéncia e do capitalismo periférico dos anos sessenta e setenta 163 . Em urna relcitura, pode-se afirmar aqui que a questáo das grandes dispari-dades no interior de todos os sistemas sociais e também entre eles, a que se referia o conceito problemático de "heterogeneidade estrutural", im-plica um difuso sobrepor-se e intrincar-se de códigos e criterios/pro-gramas tanto entre os subsistemas sociais quanto no interior deles, en-fraquecendo ou impossibilitando o seu funcionamento de maneira gene-ralizadamente includente 164 . Daí surge o problema da "marginalidade" ou "exclusáo" 165 , que, a rigor, é um problema de "subintegra0o" nos

162. A respeito, v. Neves, 1992:esp. 16s. e 75-81, 1991.

163. Para um panorama, v. Nohlen e Sturm, 1982.

164. Cf. Neves, 1992:78. Parece-nos que deve ser também nessc sentido a leitura do "enfoque de entrelaomento" proposto pelos teóricos do de:;cnvolvi-

mento da Universidade de Bielefeld; a respeito, cf. Evers, 1987; Scliiiii.lt-Wul-

ffen, 1987. 165. Sobre "marginalidade" na discussáo dos anos 60 e 7(i cm torno de de-

pendéncia e capitalismo periférico, v., em diferentes persr..livas, t,i,rdoso, 1979:140-85; Amin, 1973:208-14; Quijano 1974; Sunkel, 1972:271ss. Sobre "exclusáo" em sentido sistémico-teorético, v. Idihmann, 1981j:25ss.; cf. acima

pp. 71s.). Como constata I leintz cm sua investigaláo sobre a sociedade mun-

148 1 149

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sistemas funcionais da sociedade. Emergen], entáo, relaeóes de "sub-integraeáo" e "sobreintegraeáo" nos diversos subsistemas sociais, o que os descaractcriza como sistemas autopoieticos'. A subintegracáo sig-nifica dependencia dos criterios do sistema (político, económico, jurí-dico etc.) sem acesso a suas prestaeóes. A -Sobreintegraeáo" implica a-ccsso aos beneficios do sistema sem dependencia dc suas rcgras e crite-rios.

Embora a distincáo típico-ideal entre "centro" c "periferia" da soci-cdadc moderna tenha fundamentos económicos. cla pressupóc a seg. inentaeAo territorial do sistema político-jurídico cni Estados'". Quanto modernidade periférica, o problema estrutural desde o set' surgimento vinctila-sc primariamente á falta de suficiente autonomia operacional dos sistemas jurídico e político. bloqueados externamente por injuncóes, náo mediatizadas por mecanismos próprios, de criterios dos demais sistemas sociais, principalmente do económico. Na linguagem da tcoria dos sistemas, os mecanismos dc filtragem seletiva do Dircito positivo (principios da legalidadc, da constitucionalidade etc.) c do sistema político (eleieóes livrcs, secretas e universais, organizaeáo partidária etc.) náo funcionan] adequadamente cm relaeáo ás injuneóes blo-queantes do código binário de preferencia ler ou nao-ier. como tambem do código do amor, da rcligiáo, da amizade etc. Internamente. por sua vez. náo há um funcionamento adequado da Constituieáo como "vínculo cstrutural" entre Dircito e política. ou scja, como mecanismo dc in-terpenctraeáo e interferencia de dois sistemas autónomos (v. Cap. II. 1.3.1), antes um bloqueamento recíproco, principalmente no sentido da politizaeáo adiferenciante do sistema jurídico". Direito e política cons-

dial ( 1982:45), "a estrutura internacional de estratificNilo transffinna-se em di-

res:áo ao aumento da poptilinlio marginalizada nos países ein descnvolvimento". 166. Cf. Neves, 1992:7gs. e 94ss. 167. "E por fundamentos políticos que se persiste na segmentaláo regional

do sistema político da sociedade mundial em Estados, apesar de permanente perigo de guerra., e sao fundamentos económicos que foNain a diferenciaiiáo da

sociedade em centro e periferia, cm regibes superdesenvolvidas e regiócs caren-

tes de desenvolvimento" (Lulimann, 986a:I68). E nesse sentido que é possível designiir-se a sociediide niundial como sistema internacional estratificado de de-senvolvimento., cf. Henal:, 1982:17s e 33ss.

168. A vespa°, v Neves, 1992: esp. 180s. Nao nega aqui ingenuamente

que essa sittinfío seja "funcional" cm outras perspectivas e para determinados

setores. Mas ntio é funcional no sentido de "inclusilo- de toda a popitInflo nos

1 50

tittiem, portant°, sistemas alopoicticamente determinados, na medida cm que náo se reproduzem operacionalmente por difereneas. criterios e elementos próprios, mas sáo difusa e instavelmente invadidos. na sua reprodueáo operacional. por difcrencas. programas c elementos dc outros sisteinas sociais.

Mcsmo sc admitindo que os criterios de tiltragem autonominntes do Dircito e do sistema político. como, por excmplo, o principio da igualdadc perante a lei e o das elcieócs democráticas. constituern ilusócs ideológicas na modernidade central. concordando com Claus Offe que se trata de mecanismos de encobrimento de relaeóes concretas dc domi-naeáo", deve-se reconliccer que. na modernidade periférica ncm ma-mo nesse sentido eles funcionam adequadamente: entre outras, as injun-QÓCS particularistas da dominaeáo económica realiz,am-se de forma des-nuda, destniindo abertamente e com tendencias generalizantes a legan-do& no plano jurídico e os procedimentos democráticos na esfera políti-ca. Tambein entre política e Dircito. a aplicaeáo controlante e !imita-dora do código "lícito/ilícito- como segundo código do sistema político (cf. nota 54 (leste Cap.). característica do "Estado de Direito". náo se realiza de forma satisfatória, sendo claramente constatada a ingerencia ilícita sistemática do poder .sobre o Dircito ou mcsmo, nos períodos dita-toriais. a subordinaeáo dos criterios de licitude/ilicitude aos órgáos su-premos de poder. baseada nos chamadas "leis dc CXCCQ50", casuistica-mente postas cm vigor e revogadas.

Pressuposto que o Estado periférico sc caracteriza pelo péndulo en-tre instrumentalismo constitucional e nominalismo constitucionalr°, in-teressa-nos aqui a funeáo predominantemente simbólica das "Constitui-QÓCS nominais". Náo se desconhece que as "Constituieóes instrumen-talistas" tambem desempenham funcóes simbólicas; entretanto. o que as distingue é que atuam, antes de tudo, como simples instnimentos ("armas") jurídicos dos "donos do poder". As C011StillliQÓCS nomina-listas dos Estados periféricos implicam a falta de concretizacáo nor-

111,111k:o-jurídica do texto constitucional em concxáo com a releváncia simbólica do mcsmo no discurso constitucionalista do poder (constitu-cionalizaeáo simbólica). Nas relaeóes dc subintegraeáo e sobreinte-graeáo político-jurídica. náo sc desenvolve Constituicáo como horizon-

respectivos sistemas autónomos da sociedade (cf. Lubina:in, 1981j:35, em rela-

Oo especificamente tto sistema político).

169. (21.. Offe, I977:92ss.

170. Neves, 1992:119-109 e 144-16.

151

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te normativo-jurídico do sistema político'''. Na prática jurídica do "so-brecidadáo", as disposigóes constitucionais serán utilizadas, abusadas ou rejeitadas conforme a constelacáo concreta de j'iterases políticos. No agir e vivenciar do "subcidadáo" a Constituigáo apresenta-se antes como complexo de restricóes oficiais corporificadas nos órgáos e agentes esta-tais, náo como estrutura constitutiva de direitos fundamentais. Tal au-sencia de concretizagáo normativo-jurídica generalizada do texto consti-tucional relaciona-se com um discurso fortemente constitucionalista na práxis política. De parte dos agentes governamentais, vinculados em re-gra á "sobrecidadania", o discurso político aponta para a identificagáo do governo ou do Estado com os "valores constitucionais" consagrados no documento constitucional. Sendo evidente que tais valores náo en-contram o mínimo de respaldo na realidade constitucional dejuridifican-te do presente, os agentes de poder desenvolvem a retórica de sua reali-zacáo no futuro (remoto). A constitucionalizacáo atua como álibi: o "Estado" apresenta-se como identificado com os valores constitucionais, que náo se realizam no presente por "culpa" do subdesenvolvimento da "sociedade". Já na retórica dos grupos interessados em transformagóes reais nas relagóes de poder, os quais pretendem freqüentemente repre-sentar a "subcidadania", invocam-se os direitos proclamados no texto constitucional para denunciar a "realidade constitucional inconstitucio-nal" e atribuir ao Estado/governo dos "sobrecidadáos" a "culpa" pela náo realizacáo generalizada dos direitos constitucionais, que seria pos-sível estivesse o Estado/governo em outras máos. A retórica constitucio-nalista subjaz muitas vezes urna concepcáo voluntarista e instrumenta-lista do Direito.

É evidente que nas condicóes de constitucionalizacáo simbólica do Estado periférico, caracterizado por relacóes de "subintegracáo" e "sobreintegracáo" náo só no sistema político-jurídico, mas também nos sistemas económico, educacional, de saúde etc., tornam-se inadequados — com muito mais razáo do que cm relagáo á legislagáo simbólica no Estado de bem-estar do Ocidente desenvolvido — o tratamento e a solu-cáo do problema da ineficácia da legislacáo constitucional com base no esquema instrumental "meio-fim" das "pesquisas de implementacáo"'". Em primeiro lugar porque a constitucionalizacáo simbólica afeta abran-

171. Cf. em outro contexto Luhmann, 1983a: 196.

172. A respeito, Mayntz, 1983, 1988. Para uma reinterpretagáo sistémico-teorética da problemática da implementagáo com referéncia á relagáo entre po-lítica e Direito, v. Luhmann, 19811:166ss.

gente:riente as dimensócs social, temporal e material do sistema jurídi-co, náo apenas aspectos scloriais. Mas sobretudo porque a concretizacáo normativa do texto constitucional pressuporia uma radical revolug•o nas relagóes de poder.

7. ConstitucionalizacAo Simbólica na Experiéncia Brasileira. Urna Referéncia Exemplificativa

Estabelecido que a constitucionalizacáo simbólica como alopoiese do sistema jurídico é um problema típico do Estado periférico, cabe, por fim, urna breve refcréncia exemplificativa ao caso brasileiro. Em traba-lho anterior já propusemos uma interpretacáo da experiéncia constitu-cional brasileira como círculo vicioso entre instrumentalismo e nomina-lismo constitucional"'. Náo é este o local para urna nova ribordagein in-terpretativa do "desenvolvimento" constitucional brasileiro. Aqui nos interessa considerar, em tragos gerais, como apoio empírico de nossa argumentacáo, a funcáo hipertrofícamente simbólica das "Constituicóes nominalistas" brasileiras de 1824, 1934, 1946 e 1988. Conforme já afirmamos no item anterior de maneira genérica, náo se nega, com isso, que as "Constituicóes instrumentalistas" de 1937 e 1967/1969 tenham exercido funcóes simbólicas: a primeira, por exemplo, através da decla-racáo dos direitos sociais, que atingia apenas urna pequena parcela da populacáo; os documentos constitucionais de 1967/1969, mediante as declaracóes de direitos individuais e sociais náo respaldadas na realida-de constitucional. Mas, em ambos casos, desvinculava-se. a partir de dispositivos da própria "carta política" ou de leis constitucionais de excecáo, o chefe supremo do executivo de qualquer controle ou limita-00 jurídico-positiva' 74 . A legislacáo constitucional, casuistkamente mo-dificada de acordo com a conjuntura de interesses dos "donos do poder", tornava-se basicamente, entáo, simples instrumento jurídica dos 1,1-tipos

173. Neves, 1992:1 1646. 174. Na Carta de 1937, tal situacáo decorria do Art. 186 (declarava o esta-

do de emergencia) em combinaláo com o Art. 178 (dissolucáo dos órgfios legis-lativos) e o Art. 180 (atribuiláo do poder legislativo central exclusivamente ao Presidente da República), como também das sucessivas leis constitucionais emitidas pelo Chefe de Estado. No sistema constitucional de 1964, a iliinitagáo jurídico-positiva do órgáo executivo supremo resultava dos Atos Institticionais, especialmente do A15.

152 153

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políticos dominantes, atuítva como tima "arma" na luta pelo poder. O qiic distinguia fundamentalmente o sistema de relacáo entre política e Dimito cra, portanto, o "instrumentalismo constitucional", dc maneira alguina a constitucionalizacáo simbólica.

Apcsar de tolerar a cscravidáo'', estabelecer um sistema cleitoral censitário amplamcnte excludente (Arts. 92-95) e adotar a figura do Poder Moderador (ans. 98-101), resquicio absolutista, a -Carta" impe-rial de 1824 tinha unos liberais, expressos sobremdo na declaracáo de dircitos individuais contida no seu Art. 179. Mas os direitos civis e po-líticos previstos no texto constitucional alcancaram um nivel muito limitado de realizacáo. Também os procedimentos constitucionais sub-meteram-se a tima profunda "deturpacáo- no proccsso de concretizacáo. Para cxemplificar, basta apontar a generalizacáo da fraude eleitoral'76, a que se cncontrava estreitamente vinculada a prática pseudoparla-mentarista desenvolvida durante o Segundo Reinado, da qual resultava unta inversáo no proccsso dc "formacáo da vontadc Nesse contexto, a nocáo de constitucionalidade náo encontrava apoco na práxis dos próprios agentes estatais. Náo só através da atividadc le-gislativa ordinária incompativel com dispositivos constitticionais pos-suidores dc supremacia formal nos termos do Art. 178, mas sobretudo na prática -informal" dos cventuais governantes, náo sc concebia a Constituicáo como horizonte jurídico da acá° político-administrati-

175. 1.t. verdade que a escravidáo mio se baseava explieitamente no texto constitucional de 1824. Contudo, através da distiNáo entre cidadáos "ingénitos-e "libertos- (Art. 6'2, inciso P2), a escravidao reconbecida indiretamente. Nos seus comentarios a esse dispositivo, Mínenla Bueno (1857:450-53) estranlia-mente lifio nenliuma referéncia a essa questáo. Também nlio encontramos qualquer releréncia en) Sonsa (1867:40-45) e Rodrigues (1863:10).

176. Segundo Calógeras (1980:270), para a vitória eleitoral, "qualquer pro-cesso, por mais fraudulento fosse, era admitido", sendo "considerada por todos, indistintamente, única falta moral para o partido no poder, o perder a elei0o". A respeito defbrnia0o do procedimento eleitoral no Imperio, v. n'oro, 1984: 364-87, 1976:127-63 Cf. também Tórres, 1957:2g3ss.

177. Tal situa0o é usualmente expressa mediante o famoso Sorites do Se-

nador Nabuco de Araino- "O Poder Mcxlerador pode chamar a quem quiser para organizar ministerios, esta pessoa faz a eleic;ao, porque de fazé-las, esta elei- (¡.rio l'az a maioria- ((unid Nabuco, 1936:81). Faoro (1976:132) manifesta-se cri-ticamente com aos limites dessa fonntilNiio, considerando a inlluéneia do poder local e das oligarquias partidarias., cf. lamben] T6rres, I 962:99s.

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va'78. Daí porque nunca sc desenvolvett o controle da constitucio-nalidade de leis, que, dc acordo com o texto constitucional, poderia tcr sido cxercido pelo Poder Moderador'"; e guando dele se tem noticia, trata-se de "controle inconstitucional da constitucionalidade" de atos legislativos locais através de simples avisos ministeriaism.

A falta de concretizacáo normativa do texto constitucional náo sig-nificava sua falta de significacáo simbólica na realidade do jogo de poder imperial. Nesse sentido já observava Gilberto Amado: "É claro que a 'Constituicáo' erguida no alto, sem contato nenhum com ela la populacáol. náo poderia ser senáo tima ficcáo, um símbolo da retórica destinada ao uso dos oradores"181. Na mesma linha de interpretacáo. Faoro acentua que a Constituicáo reduzia-se "a tima promessa e a um painel decorativo"'82. Na perspectiva da tcoria da acá°. ela seria carac-terizada como unta "promessa inauténtico" (cf. Cap. II. 9.), náo como expressáo da "boa intencáo" dos "donos do poder". Na perspectiva mais abrangente da teoria dos sistemas, configurava-se a subordinacáo ime-diata do sistema jurídico ao código do poder, através da utilizacáo hiper-troficamente "siinbólico-ideológica" do texto constitucional pelo sistema político, ludo isso por falta dos prcssupostos sociais para a positivacáo (como autonomia operacional) do Direito. Tal situacáo náo implicava, de modo algum. a irreleváncia da carta constitucional como "um painel decorativo", cis que o "mundo falso" da "Constituicáo- atuava muito eficientemente no "mundo vcrdadeiro" das relaclies reais de poder'". Náo só na retória constitucionalista dos governantes. mas também no discurso oposicionista de defesa dos valores constitucionais ofcndidos

178. Cf. Neves, I 992: I 96s. 179. Teria sido, porém, um controle político, amparado no Art. 98 da Cons-

tituiQáo, que atribuía ao Imperador o poder de "incessantemente" velar "sobre a

manitteiwao, equilibrio c hannonia dos mais jxxleres". Nos termos da estrutura do texto constitucional, nao ixxleria ter sido desenvolvido o controle judicial

conforme o modelo norte-americano, cis que a figura do Poder Moderador era incompativel com tun auténtico judical review Nesse sentido, cf Bittencourt, 1968:281 também Mendes, 1990:170. Em sentido contrario, cf. Pontes de Mi-randa,1973:620

180. Rodrigues, 1863: I 83-88. 181. Amado, 1917:30.

1112. Faoro, 1976:63. Com semelhantes fonnulalóes, cf. Leal, 1915 : 146 e 149.

183 Faoro, 1976:175.

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na práxis governamental, a Carta imperial desempenhou urna impor-tante funcáo político-simbólica'TM. A ineficácia jurídica do texto consti-tucional era compensada pela sua eficiencia política como mecanismo simbólico-ideológico de "legitimacáo".

Com a Constituicáo de 1891, náo se reduz o problema da discre-páncia entre texto constitucional e realidade do processo de poder. Ao contrário, as declaracóes mais abrangentes de direitos, liberdades e principios liberais importavam uma contradicáo ainda mais intensa entre o documento constitucional e a estrutura da sociedade do que na experiencia imperial' 85. A permanente deturpacáo ou violacáo da Cons-tituicáo em todo o período em que ela esteve formalmente em vigor (1891-1930) 186 pode ser apontada como o mais importante trato da rea-lidade político-jurídica da Primeira República. Constituem expressaes significativas da falta de concretizacáo normativa do texto constitucio-nal: a fraude eleitoral como regra do jogo político controlado pelas oli-garquias locais' 87 ; a degeneracáo do presidencialismo no chamado "neo-presidencialismo"'", principalmente através das declaracóes abusivas do estado de sitio'"; a deformacáo do federalismo mediante a "política dos governadores" 19° e a decretacáo abusiva da intervencáo federal nos Estados'91 .

Entre os críticos conservadores, adeptos de um Estado autoritário,

184. Nesse sentido, afirma Faoro em sua interpretagao político-sociológica da obra literária de Machado de Assis: "A Constituilao só seria venerada pelos políticos de oposicao, que, no govemo — por ser governo — violavam, asse-nhoreando-se dos instrumentos de poder que cla só nominalmente limitava. O exercício do govemo seria sempre a Constituicao violada — daí o brado pito-resco e oco da oposicao: `Mergulhemos no Jordáo constitucional — (1976:65s.).

185. Atento a esse problema, embora em outra perspectiva, Buarque de Holanda (1988: 125) observava que, com a implantacao da República, o Estado "desenraizou-se" ainda mais do país. Segundo Faoro (1976:64), fortificou-se o

"arbítrio". 186. Cf. Pacheco, 1958:240ss.

187. A respeito, ver Neves, 1992:170s.

188. Sobre esse conceito, v. Loewenstein, 1975:62-66.

189. Cf. Barbosa, 193311:373ss., 1933111:323ss.

190. A respeito da "política dos governadores", v., p. ex., Faoro, 1985: 563ss.; Carone, 1969: 103ss., 1971:177ss. Cardoso (1985:47ss.) designa-a de "pacto oligárquico".

191. Cf. Barbosa, 1934:17.

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corporativista e nacionalista, o problema da falta de concretiznáo nor-mativa do texto constitucional de 1891 foi denunciado como contradicáo entre "idealismo da Constituicáo" e "realidade nacional" 192 . Porém, cm suas críticas ao "idealismo utópico" do legislador constituinte, a signifi-cagáo simbólico-ideológica do documento constitucional náo foi consi-derada com exatidáo, mas sim, ao contrário, acentuada a ingenuidade de "suas boas intengóes" 193 . Náo pertencia á discussáo se o "idealismo utó-pico" só foi adotado no documento constitucional na medida em que a realizacáo dos respectivos principios ficava adiada para um futuro re-moto, de tal maneira que o status quo náo era ameacado. Além do mais, náo se pode excluir que a "Constituicáo nominalista" de 1891 atuava como rucio de identificacáo simbólica da experiencia político-jurídica nacional com a norte-americana (EUA), construindo-se a imagcm de um Estado brasileiro táo "democrático" e "constitucional" como o seu modelo. No mínimo, a invocacáo retórica dos valores liberais e demo-cráticos consagrados no documento constitucional funcionava como álibi dos "donos do poder" perante a realidade social ou como "prova" de suas "boas inten95es".

A afirmagdo dos valores social-democráticos em uma sociedade ca-racterizada por relacóes de subintegracáo e sobreintegracáo é a nova variável simbólica que surge com o modelo constitucional de 1934' 94 . Em face das tendencias autoritárias que se manisfestavam durante o pe-ríodo em que a nova constituicáo esteve formalmente em vigor, que re-sultaram no golpe de 1937, náo se desenvolveu amplamente urna ex-

periéncia de constitucionalizacao simbólica. A constitucionaliz.acáo simbólica de base social-democrática é re-

tomada com o texto constitucional de 1946. Sintomática aqui é a relacáo dos valores social-democráticos proclamados e a forra majoritária na constituinte e principal base de sustentacáo do sistema constitucional de 1946, o Partido Social Democrático, vinculado estreitamente ás oli-garquias rurais. Tal situacáo contraditória entre interesses subjacentes e valores democráticos solenemente adotados pode ser melhor compreen-dida guando se considera que a realizacáo do modelo constitucional é transferida para um futuro incerto e atribuida aos próprios detentores

192. Nesse sentido, ver principalmente Vianna, 1939: 77ss., Torres, 1978.

193. Cf., p..ex., Vianna, 1939:81, 91 e 111.

194. Ao falar-se de "advento do Estado social brasileiro" com a Constitui-gao de 1934 (Bonavides e Andrade, 1989:325-27), nao se considera o problema

da constitucionalizalao simbólica.

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do poder''. Portant°. náo &corre dessa aparente contradieáo amena ao status quo. Nesse contexto. cabc falar de "liberdade dc decretar a denlo-cracia"''', mas náo conforme unta interpretaeáo estritamente bascada nas inteneóes dos agentes políticol97: a conexáo dc aeóes propor-cionadora da constitucionalizaeáo simbólica de 1946 era condicionada por variáveis estniturais que tornavam possível a "liberdade" de, sem risco, "decretar" a democracia-social. O texto constitucional, equipará-vel aos scus modelos da Europa Ocidental, só funcionava como símbolo político enquanto náo emergiam tendéncias sociais para a sua concreti-zaeáo normativa generalizada.

A constilucionalizaeáo simbólica de orientaeáo social-democrática é restabelecida c fortificada com o texto constitucional de 1988. Diante do esgotamento do longo período de "constitucionalismo instrumental" au-toritario iniciado em 1964, a indentificaeáo simbólica com os valores do constitucionalismo dcmocrárico deixou de ser relevante politicamente apenas para os críticos do antigo regime, passando a ser significativa tambent para os grupos que Ilte deram stistcntaczio. Á crenca pre- consti-tuilite na restauracílo ou recuperaclio da legitimidade" eslava subja-cente mil cerio grau de "idealismo constitucional-. O contexto social da Constituiclio a ser promulgadaP" já apontava para limites intransponí-veis á sua concretizacáo generalizada. Nada impedia, porem, unta retó-rica constitucionalista por parte de todas as tendencias políticas; ao contrario. parece que, quanto mais as relaeóes reais de poder afastavam-se do modelo constitucional social-democrático, tanto mais radical era o discurso constitucionalista.

Partindo-se de que, diante da exigéncia de diferenciaeáo funcional e de inclusáo tia socicdade moderna, é jim(yla jurídica da Constituieáo institucionalizar os direitos fundamentais e o Estado de bem-estar (Cap. 11. 1.3.4.2). náo caberia restrieóes ao texto constitucional. no qual as declaraeóes de direitos individuais, sociais e coletivos é das mais abran-gentes'''. Tainhérn guamo prestaffio, seja no que se refere ao esta-

195. Ahumo, 1980:305, 1985:70s. 196. Alinino, 1980:66-94. 197. sentido contrario orienta-se o enfoque de Almino, 1985:77. I 98. Vítor°, 19111; l'aria, 1985. 199. Sobre a sitiunáo social do pais no período imediatamente pré-consti-

tuinte, v Jaguaribe et al., 1986; NEI>1)-111\11CAMP, 1986, 1988. 200. Ott seja, tanto "liberdades negativas- quanto "liberdades positivas-

(Passerin d"Filtréves, 1969:249 -73), tanto dmáts - /ibertés como droits-créances

belecimento de procedimentos constitucionais para a solueáo jurídica de conflitos (due proce.v.s. of Law) ou á previsáo de tnecanismos específicos de regulaeáo jurídica da atividade política (v. Cap. II. 1.3.4.3 e 4)., o texto constitucional é suficientemente abrangente. O problema surge ao nivel da concretizaeáo constitucional. A prática política e o contexto social favorece uma concretizaeáo restrita e excludente dos dispositivos constitucionais. A questáo náo diz respcito apenas á aeáo da populaeáo e dos agentes estatais (eficacia), mas também á vivéncia dos institutos constitucionais básicos. Pode-se afirmar que para a massa dos "subinte-grados" trata-se principalmente da falta de identificaeáo de sentido das determinaeóes constitucionais"1. Entre os agentes estatais e setores breintegrados", o problema é basicamente de institucionalizaeáo (con-senso suposto) dos respectivos valores normativos constitucionais"2. Nessas condieóes náo se constrói nem se amplia a eidadania nos termos do princípio constitucional da igualdade (Art. 52, caput), antes se desen-volvem relacóes concretas de "subcidadania" c "sobrccidadania" cm fa- ce do texto constitticiona12°3.

Os problemas de hetero-referéncia sáo inscparávcis das questóes concernentes á auto-referéncia do sistema jurídico ao nivel constitucio-nal (cf. hm 111 deste Cap.). O bloqtteio permanente e generalizado do código "lícito/ilícito" pelos códigos "ter/nao-ter" (cconomia) e "supe-rioridadc/inferioridadc" (poder) implica uma prática jurídico-política estatal e extra-estatal caracterizada pela ilegalidade. Quanto á constitu-cionalidade, as dificuldades náo se referem apenas á incompatibilidade de certos atos normativos dos órgáos superiores do Estado com disposi-tivos constitucionais. como, por exemplo, no caso do uso abusivo das medidas provisorias pelo Chefe do Executivo2"; o problema náo se res-

(l'erry e Renaut, 1992: 26-32), por fim, "direitos humanos de primeira, segunda e terceira gerayáo" (11,afer, 1988: 125-34) estáo amplamente previstos no texto constitucional.

201. Cf., p. ex., Lesbaupin, 1984, investigando a falta de conseiéncia clara dos "direitos humanos" nas classes populares.

202. Velho (1980:363) refere-se a um exemplo muito expressivo: a queixa de 'int político quanto ao absurdo que seria o fato de o voto de sua lavadeira ter o mesmo valor do seu.

203. Fala-se, entáo, paradoxalmente, de cidadáo de priineira, segunda e terceira classe (cf., por ex., Velho, 1962; WetTort, 1981:141-44, com base ein Bendix, 1969:811s.)

204. A respeito, Ferraz ir., I 990.

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tringe á "constitucionalidade do'Direito", mas antes á -juridicidade da

Constituicao" 205, ou seja, á normatividade do texto constitucional. A insuficiencia de auto-referencia elementar (Icgalidade) e reflexividade (constitucionalidade) é condicionada e condiciona, por fim, a reflexáo jurídico-conceitualmente inadequada do sistema constitucional 2Ó6 ; diante da "realidade constitucional dejuridificante", náo é possível que se de-senvolva urna dogmática jurídico-constitucional capaz de definir efici-entemente as "condigóes do juridicamente possível" e, pois, de atuar sa-tisfatoriamente como "controle de consistencia" da prática decisória constitucional. Por tudo isso, o texto constitucional náo se concretiza co-mo mecanismo de orientagáo e reorientagáo das expectativas normativas • e, portanto, náo funciona como instituigáo jurídica de legitimagáo gene-ralizada do Estado (cf. item 3 deste Cap.).

Nessas circunstáncias de "realidade constitucional dejuridificante", náo parece adequado interpretar os mecanismos "náo-ofíciais" de solu-gáo de conflitos de interesse, principalmente aqueles que se desenvol-vem entre os subintegrados, como alternativas jurídico-pluralistas ao "legalismo"207. Trata-se, em regra, de reagóes á falta de legalidade. Tam-bém náo se pode aplicar, nessas condigóes, o modelo do pós-modernis-mo jurídico208, que, negando a unidade do Dimito como cadeia operacio-nalmente diferenciada, sustenta que o sistema jurídico se constrói plu-ralisticamente como emalhamento de comunicagóes, importando incer-teza e instabilidade construtivas (cf. item 1.3. deste Cap.). O problema da "dejuridificagáo da realidade constitucional" implica, no caso brasi-leiro, a inseguranga destrutiva com relagáo á prática de solugáo de conflitos e á orientagáo das expectativas normativas.

A falta de concretizagáo normativo-jurídica do texto constitucional está associada á sua f1.11100 simbólica. A identificagáo retórica do Esta-do e do governo com o modelo democrático ocidental encontra respaldo no documento constitucional. Em face da realidade social discrepante, o modelo constitucional é invocado pelos governantes como álibi: trans-

205. Luhmann, 1992: 111. 206. Náo se trata apenas do problema heterorreferencial da construcáo de

"conceitos jurídicos socialmente adequados" (Luhmann, 1974:49ss.), mas tam-bém do problema auto-referencial de construcito de um modelo conceitual juri-dicamente adequado (Neves 1992:20 ';.).

207. Cf. em sentido diverso Sousa Santos, 1988:25, 1977:89ss.

208. Ao qual aderiu Sousa Santos, 1987, para dar respaldo á sua concepcao

de pluralismo jurídico.

fere-se a "culpa" para a sociedade desorganizada, "descarregando-se" de "responsabilidadc" o Estado ou o govcrno constitucional. No mínimo, transfere-se a realizacáo da Constituicáo para um futuro remoto e incer-to. Ao nivel da reficxáo jurídico-constitucional, essa sittracáo repercute ideologicamente, guando se afirma que a constituicáo de 1988 é "a mais programática" entre todas as que tivemos e se atribui sua legitimidade á promessa e esperanca de sua realizacáo no futuro: "a promessa de urna sociedade socialmente justa, a esperanca de sua realizacáo" 209. Confun-de-se, assim, a categoria dogmática das normas programáticas, realiza-veis dentro do respectivo contexto jurídico-social, com o cofrecito de constitucionalizacáo simbólica, indissociável da insuficiente concreti-zacáo normativa do texto constitucional.

Mas a funcáo hipertroficamentc simbólica do texto constitucional náo se refere apenas á retórica "legitimadora" dos governantes (cm sen-tido amplo). Também no discurso político dos críticos do sistema de dominacáo, a invocacáo aos valores proclamados no texto constitucional desempenha relevante papel simbólico. Por exemplo, a retórica político-social dos "direitos humanos", paradoxalmente, é tanto mais intensa quanto menor o grau de concretiz.acáo normativa do texto constitucio-nal.

Á constitucionalizacáo simbólica, cmbora relevante no joto políti-co, náo se segue, principalmente na estrutura excludente da soriedade brasileira, "lealdade das massas", que pressuporia um Estado de bern-estar eficiente (cf. Cap. II. 10.). Contraditoriamente, na medida cm que se ampliara extremamente a falta de concretizacáo normativa do docu-mento constitucional e, simultancamente, o discurso constitucionalista do poder, intensifica-se o grau de desconfianca no Estado. A autoridade pública cai em descrédito. A inconsisténcia da "ordem constitucional" desgasta o próprio discurso constitucionalista dos críticos do sistema de dominacáo. Desmascarada a farsa constitucionalista, segue-se o cinismo das clites e a apatia do público. Tal situacáo pode levar á estagnacáo política. É possível que, como reacáo, recorra-se ao "realismo constitu-cional" ou "idealismo objetivo", cm contraposicáo ao "idealismo utópi-co" existente°. Mas, como cnsinaram as experiéncias de "constitucio-nalismo instrumental" de 1937 e 1964, o recurso a essa semántica auto-ritaria náo implicará, seguramente, a "reconciliacáo do Estado com a

209. l'erraz Jr., 1989:58. 210. Cf. Vianna, 1939: esp. 7ss. e 303ss.; Reale, 1983:67; Torres, 1978:

160ss., utilizando a expressáo "política orgánica".

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realidade nacional", mas, antes, a identifica/y/o excludente do sistema jurídico estatal com as "ideologias" e interesses dos detentores eventuais do poder. Nesse caso, seráo impostas "regras-do-siléncio" ditatoriais, negando-se a possibilidade de críticas generalizadas ao sistema de poder. típica da constitticionalizacáo simbólica.

É principalmente por isso que náo se eleve interpretar a constitucio-nalizacjio simbólica como un) jogo de soma zero na luta política pela ampliacáo ou rcstricáo da cidítdítia, equiparando-a ao "instrumentalis-mo constitueional" 2 ". Epquanto nao estilo presentes "regras-do-silén-cio" democráticas nem ditatoriais. o contexto da constitucionalizacao simbólica proporciona o surgimento de movimentos e organizacócs so-ciais envolvidos críticamente lía realizado dos valores proclamados so-'eminente no texto constitucional c, portanto. integrados na luta política pela ampliarlo da cidadania. Náo se pode excluir a possibilidade, po-rém, de que a realizacáo dos valores democráticos contidos no docu-mento constitucional pressuponha um momento de rutura com a ordem de poder estabclecido, com implicacées politicamente contrárias á diferenciacáo e á identidade/autonomia do Dircito.

211. 1.:in sentido diverso, cf. Loewenstein, 1956:224.

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