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1 PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP MARCIA DO ROCIO SANTOS A PROLETARIZAÇÃO DO TRABALHO INTELECTUAL: Mercantilização e Resistência no Ensino Superior. DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL SAO PAULO 2011

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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

MARCIA DO ROCIO SANTOS

A PROLETARIZAÇÃO DO TRABALHO INTELECTUAL:

Mercantilização e Resistência no Ensino Superior.

DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL

SAO PAULO

2011

2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

MARCIA DO ROCIO SANTOS

A PROLETARIZAÇÃO DO TRABALHO INTELECTUAL:

Mercantilização e Resistência no Ensino Superior.

DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Serviço Social sob a orientação da Doutora Maria Carmelita Yazbek.

SAO PAULO

2011

ERRATA

TESE DE DOUTORADO DE MARCIA DO ROCIO SANTOS

A PROLETARIZAÇÃO DO TRABALHO INTELECTUAL:

MERCANTILIZAÇÃO E RESISTÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR

Banca Examinadora:

Maria Carmelita Yazbek (Orientadora - PUC-SP)

Michael Löwy (CNRS - França)

Raquel Raichelis Degenszajn (PUC-SP)

Luiz Eduardo Waldemarin Wanderley (PUC-SP)

Claudia Maria França Mazzei Nogueira (UFSC)

Maria Lucia Carvalho da Silva (Suplente- PUC-SP)

Ricardo Luiz Coltro Antunes (Suplente - UNICAMP)

Página 27, suprimir no primeiro parágrafo: “de cunho comunista”;

Página 28, suprimir no segundo parágrafo: “que, inicialmente, ainda se achava

dentro dos marcos do regime burguês.”;

Página 32, suprimir no parágrafo após a segunda citação: “de Lenine e”;

Página 33, suprimir no último parágrafo: “e da polêmica com Lenine”;

Página 94, acrescentar no primeiro parágrafo após a citação: “ Ainda que, no

Ensino Superior, as instituições privadas de ensino se destaquem pela péssima

qualidade quando comparadas as instituições públicas.”

Página 140, suprimir o parágrafo inteiro após a citação e inserir nova

redação. Então, leia-se:

“ As palavras de Florestan Fernandes pronunciadas em 1975 são bastante

atuais para ilustrar a situação dos docentes da UFSC que decidiram pela saída

do Andes-SN justamente no momento de acirramento dos conflitos político-

educacionais. Florestan naquela ocasião afirmou o seguinte: "Portanto, ao nível

institucional não se pode esperar muito, por enquanto, dos avanços dos

professores. Eles tendem a preferir "soluções técnicas" que restringem,

solapam ou neutralizam o alcance e os efeitos da "reforma universitária".

(1975, p.125). Na realidade do movimento docente da Universidade Federal de

Santa Catarina observamos que a saída da APUSFC do Andes-SN fora

provocada por interesses que divergiam com relação a condução e o papel das

Fundações dentro da instituição. No seu conjunto, de fato, as divergências

expressaram projetos distintos de universidade. A precária situação da

instituição e o posicionamento político e sindical de determinados grupos no

âmbito do movimento docente neste contexto foram evidenciados durante a

entrevista com a vice-presidente da Região Sul do Andes-SN. Ela relatou o

seguinte:”

Página 191, acrescentar uma nota de rodapé ao final da sétima linha depois

da citação:

“não foi nosso objetivo trabalhar com exaustão a categoria de intelectuais

orgânicos, sobretudo nas próprias fontes gramscianas, entretanto trouxemos

alguns elementos interpretativos a esse respeito nos estudos de Jesus (1989) e

Aggio (1998).

Página 198, inserir ao final da primeira linha do primeiro parágrafo: (2005);

Página 201, suprimir no último parágrafo: “A construção de estratégias

coletivas de enfrentamento das forças de esquerda...” e inserir: “A construção

de estratégias das forças de esquerda para enfrentamento das atuais

investidas do capital sobre o trabalho...”

Página 203, acrescentar na referência da citação: “Arcary apud Jinkings e

Pechanski”;

Página 212, inserir nas Referências Bibliográficas: “WANDERLEY, Luiz Eduardo. Educação Popular: metamorfoses e veredas. São Paulo, Cortez, 2010.”

3

Em memória do Che

(porque os sonhos não envelhecem...)

Para William,

Exemplo de força e de coração.

O humanismo marxista... é realista e

revolucionário, parte de

contradições concretas da

sociedade burguesa e mostra a

possibilidade objetiva de sua

superação pela ação emacipadora do

proletariado consciente, única classe

capaz de realizar os valores

humanos legados e degradados pelo

capitalismo.

Michael Löwy

4

Banca Examinadora

__________________________________________________

__________________________________________________

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5

A PROLETARIZAÇÃO DO TRABALHO INTELECTUAL

NO ENSINO SUPERIOR

Marcia do Rocio Santos

Resumo:

Apresenta a problemática das transformações do mundo trabalho na educação, em particular, no ensino superior no Brasil, sob a forma da proletarização do trabalho intelectual. Contratos temporários, diminuição de salários e das garantias do trabalho, falta de concursos públicos, entre outros aspectos, demonstram algumas das situações concretas. Nossa atenção nos estudos teóricos-metodológicos e na crítica marxista de Michael Löwy, durante nosso estágio de doutorado na França, se explica pela necessidade de aprofundar elementos da relação econômico-filosófica e da dialética material e imaterial destas contradições - a dimensão política do conhecimento e suas orientações filosóficas, o debate epistemológico, as visões sociais de mundo. Palavras-chave: trabalho, intelectual, proletarização.

6

LA PROLÉTARISATION DU TRAVAIL INTELLECTUEL

DANS L’ENSEIGNEMENT SUPÉRIEUR

Marcia do Rocio Santos

Résumé:

Présente la problématique des transformations du monde du travail dans l'éducation, plus particulièrement dans l'enseignement supérieur au Brésil, sous la forme de la prolétarisation du travail intellectuel. Les contrats à durée déterminée, la diminution des salaires et des garanties du travail, le manque d´ouverture de postes dans les concours, entre autres aspects, démontrent quelques unes des situations concrètes. L'intérêt que nous avons porté aux travaux théorico-méthodologiques et à la critique marxiste de Michael Löwy, au cours de notre stage de doctorat en France, s'explique par la nécessité d'approfondir certains éléments de la relation économico-philosophique et de la dialectique matérielle et immatérielle de ces contradictions - la dimension politique de la connaissance et ses orientations philosophiques, le débat épistémologique, les visions sociales du monde.

Mots-clés: travail, intellectuel, prolétarisation.

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LISTA DE ABREVIATURAS

ABEPSS- Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social

ALCA- Área de Livre Comércio das Américas

APUFPR - Associação dos Professores da Universidade Federal do Paraná

APUFSC - Associação dos Professores da Universidade Federal de Santa

Catarina

ANDES/SN- Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino

Superior

CEFET- Centro Federal de Educação Tecnológica

CFESS- Conselho Federal de Serviço Social

CONAES- Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior

CRESS- Conselho Regional de Serviço Social

EaD- Ensino à Distância

ENESSO- Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social

IFES- instituições Federais do Ensino Superior

IFET- Instituição Federal de Educação Tecnológica

INEP- Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais

LDB- Leis de Diretrizes de Base da Educação

MARE- Ministério da Administração e Reforma do Estado

MEC- Ministério da Educação

MP - Medida Provisória

MPOG- Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

OMC- Organização Mundial do Comércio

PDE- Programa de Desenvolvimento da Educação

PNE- Plano Nacional da Educação

PROUNI- Programa Universidade para Todos

REUNI- Reestruturação e Expansão das Universidades Federais

SIAPE- Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos

SINDITEST- Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Terceiro Grau

Público de Curitiba, Região Metropolitana e Litoral do Estado do Paraná

SINAES- Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO 1

A PROLETARIZAÇÃO DO TRABALHO INTELECTUAL:

PROBLEMATIZAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS, METODOLÓGICAS E

POLÍTICAS.

1.1 A totalidade como categoria e fundamento original da ciência

revolucionária.....................................................................................21

1.2 Os intelectuais e a negação da sociedade capitalista: o marxismo e

o lugar da dialética materialista..........................................................24

1.3 Visão de mundo e luta social na América Latina: sobre o marxismo

e a revolução......................................................................................30

1.3.1 Sobre a visão de mundo e a consciência de classe sindical no

Brasil...................................................................................................34

1.4 Ciência e Revolução: fundamentos históricos, filosóficos e políticos

do conhecimento científico.................................................................38

1.5 Intelectuais e trabalho na sociedade capitalista: a (nova) face de um

(velho) problema histórico..................................................................45

CAPÍTULO 2

CAPITAL E TRABALHO: FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E

TRANSFORMAÇÕES RECENTES.

2.1 A propósito de uma direção política...............................................54

2.2 As categorias fundamentais de O Capital (para compreensão de

sua atualidade histórica)......................................................................50

2.3 A crítica às teses sobre o fim do trabalho......................................73

9

2.4 Crise e ofensiva do capital: alguns aspectos da

mundialização ....................................................................................82

CAPÍTULO 3

DAS CONFIGURAÇÕES DE MERCADO NO ENSINO SUPERIOR E DOS

IMPACTOS SOBRE O TRABALHO INTELECTUAL.

3.1 A (contra) reforma do Estado e a cultura de mercado na

educação.............................................................................................91

3.2 Dos impactos no trabalho docente das Instituições de Ensino

Superior..............................................................................................109

CAPITULO 4

PRECARIZAÇÃO E INTENSIFICAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE NO

ENSINO SUPERIOR: UM ENFOQUE NA REGIÃO SUL E SUDESTE DO

BRASIL

4.1 Dos contratos temporários na Universidade Federal de Santa

Catarina: as greves e o Reuni............................................................131

4.2 A crítica dos professores na Universidade Federal do

Paraná...............................................................................................148

4.3 Reestruturação e intensificação do trabalho docente na Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo: o ponto de vista sindical.........172

PERSPECTIVA DO TRABALHO E DA EDUCAÇÃO PARA ALÉM DO

CAPITAL...........................................................................................185

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................204

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INTRODUÇÃO

Os desafios enfrentados, bem como as experiências e conhecimentos

obtidos durante o percurso do doutoramento significaram, antes de tudo, certa

maturidade da práxis e de uma determinada visão de mundo. Em particular, as

questões que temos nos dedicado a estudar objetivaram de alguma forma

contribuir com a crítica científica no âmbito da educação pública e de sua função

social e política no âmbito de uma sociedade profundamente marcada por

desigualdades econômicas e sociais e pelas mais variadas formas de violência

que dela deriva. Quiçá, possamos contribuir com este trabalho para algumas

reflexões no campo educacional e deste no conjunto das lutas sociais de uma

sociedade em busca de sua liberdade.

Das condições sociais, acadêmicas e de participação política 1 que

influenciaram nosso percurso é importante recapitular algumas experiências.

Entre elas, as vivenciadas no movimento sindical (1998-2001) 2 dos

1O envolvimento com a comunidade onde nasci e cresci a partir da militância inspirada, primeiramente, pela Teologia da Libertação através de pastorais e movimentos populares, bem como a participação junto ao Partido dos Trabalhadores na Região Metropolitana de Curitiba, no estado do Paraná, nos proporcionou duas condições fundamentais na visão de mundo e no processo de formação político-científica: a primeira, um espírito de classe, de revelação e de identificação de alguns problemas políticos e sociais comuns entre os trabalhadores; a segunda, um trabalho de formação de base popular que juntamente com a primeira condição nos despertou a tomada de consciência e o envolvimento efetivo com algumas lutas sociais naquele período (no sentido de uma prática social politicamente orientada).Na busca de articular a vivência concreta dos problemas sociais com os conhecimentos acadêmicos adquiridos ao longo da graduação em Serviço Social numa instituição de ensino privada de Curitiba, participamos entre 1996-1997 como representante de uma associação de moradores na discussão e implementação da Política Municipal de Assistência Social no município de Pinhais da Região Metropolitana de Curitiba. Na ocasião, os estudos acadêmicos sobre a Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS (1993) direcionaram em campo de estágio a prática da iniciação científica (IC-CNPq) numa investigação sobre a sua implementação no Estado através de um projeto de pesquisa integrado. Assim, participamos como pesquisadora (IC) no âmbito do Conselho Estadual e do Fórum Estadual de Assistência Social na cidade de Curitiba (PR). Ao mesmo tempo, e como uma das lideranças na comunidade, participamos no Conselho Municipal e no Fórum Popular de Assistência Social. A experiência nos motivou a elaborar o Trabalho de Conclusão de Curso (1997) sob o título: “A participação popular no processo de implementação da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) no estado do Paraná: possibilidades e limites do processo contra-hegemônico”. 2 Trabalhamos como assessora (1998-2001) no movimento sindical dos professores e funcionários das escolas públicas do Paraná (APP-Sindicato) contribuindo na

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trabalhadores em educação que articuladas com o aprendizado na graduação

em Serviço Social (1993-1997) nos despertaram o interesse e a necessidade de

continuar as atividades de pesquisa na pós-graduação. Dedicamo-nos, então,

aos estudos do mestrado no Programa de Pós-graduação em Serviço Social da

Universidade Federal de Santa Catarina (2002-2004) dissertando sobre o

trabalho e a educação no estado do Paraná. A resistência dos trabalhadores aos

princípios da sociedade de mercado na Educação Pública do Paraná,

dissertação orientada pela Dra. Ivete Simionatto, situou um estudo de caso

evidenciando a resistência dos professores e funcionários das escolas públicas

estaduais frente à precarização das relações de trabalho e à mercantilização do

ensino, expressões do conjunto de (contra) reformas neoliberais implementadas,

sobretudo, durante a última gestão do governo Jaime Lerner (1998-2002).

Posteriormente, o exercício do trabalho docente no Ensino Superior com

uma brevíssima experiência (da precarização) na Universidade Federal de

Santa Catarina (UFSC) também foi uma importante e necessária condição para

motivar um estudo científico. Como Professora Substituta no Departamento de

Serviço Social desta instituição a partir de fevereiro de 20053 participamos da

greve das Instituições Federais de Ensino Superior que iniciara no segundo

semestre daquele ano. Um número expressivo de universidades entrou em

greve, entre elas a UFSC. Participamos como uma das representantes dos

organização de atividades da categoria como assembléias estaduais, conselhos diretivos, congressos, atividades pedagógicas e de formação sindical. No conjunto, estas atividades muito contribuíram para a nossa formação política e dos temas educacionais emergentes no período do governo Jaime Lerner no Paraná. Também nossa participação na organização e mobilização do Fórum Paranaense de Direitos Humanos através do sindicato contribuiu para atividades como audiências públicas no Estado, elaboração de dossiês sobre a violação dos direitos humanos e da participação como delegada em duas Conferências de Direitos Humanos (2000) realizadas em Brasília (nacional) e em Curitiba (estadual). Vale ressaltar que no documento elaborado pelo Fórum de Entidades e Movimentos Sociais do Paraná - The violence sponsored by the government of Jaime Lerner. Paranaense Committee of World Social Forum 2002 - apresentado no Fórum Social Mundial em Porto Alegre (RS), em 2002, Jaime Lerner foi denunciado internacionalmente pelas questões que violaram os direitos humanos em seu governo, entre elas, as políticas de desmonte da educação no Paraná.

3 Lecionamos as seguintes disciplinas: 1) Planejamento em Serviço Social; 2) Introdução aos Processos de Trabalho no Serviço Social; 3) Reforma do Estado e Serviço Social; 4) Serviço Social e Acumulação Capitalista no Brasil; 5) Realidade Social e Serviço Social. Durante o período também orientamos Trabalhos de Conclusão de Curso.

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professores substitutos no Comando Local de Greve e também como uma de

sua delegação no Comando Nacional de Greve (CNG) do ANDES- SN Sindicato

Nacional em Brasília no Distrito Federal. Tal experiência nos permitiu uma

aproximação mais concreta dos problemas da (contra) reforma universitária em

âmbito nacional e, sobretudo, da situação ampliada dos contratos temporários

nas IFES. Foi então nesse contexto de organização política dos docentes que

percebi a importância de aprofundar os estudos sobre o trabalho e a educação,

agora no Ensino Superior.

Assim, nossa breve trajetória política, acadêmica e profissional

evidenciou até aqui um fio condutor de nossas preocupações de pesquisa: a luta

e os desafios dos trabalhadores em educação configurada sob a sociedade de

mercado. Nosso projeto de estudo passou por diversas reformulações no

decorrer do doutoramento4, porém buscando sempre amadurecer nosso espírito

investigativo. Assim, mantivemos nossa preocupação original, porém

acumulando algumas reflexões sobre essa realidade com o desejo de participar

ativamente do seu processo crítico e transformador ainda que, por ora, de forma

intelectual.

A presente tese orientada pela Dra. Maria Carmelita Yazbek teve como

ponto de partida teórico nossa dissertação. Conforme já situamos nosso estudo

sobre a luta do movimento sindical dos trabalhadores em educação durante o

governo Jaime Lerner no Paraná foi a oportunidade de compreendermos um

problema geral com base nas referências teóricas e empíricas levantadas: a

4Participamos das seguintes disciplinas no Programa de Estudos Pós-graduados em Serviço Social da PUC-SP (2006/2): Fundamentos Históricos, Teóricos-metodológicos do Serviço Social, ministrada pela Dra. Carmelita Yazbek e Fundamentos Filosóficos e Questões do Método, ministrada pelo Dr. Evaldo Amaro Vieira. Como conclusão destas disciplinas apresentamos os seguintes trabalhos para avaliação:1) A Teoria da Transição Paradigmática: apontamentos para uma crítica da crítica pós-moderna (2007); e 2) A Revolução Burguesa no Brasil: um ensaio sobre a caracterização metodológica de Florestan Fernandes (2007). Cursamos a disciplina de Teoria e Epistemologia Social ministrada pelo Dr. Dimas Floriani no Programa de Pós-graduação em Sociologia Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e concluímos com a apresentação do trabalho: A Teoria da Transição Paradigmática: da crítica teórica e epistemológica de Boaventura de Souza Santos e de seus problemas epistemológicos e teóricos sob a crítica marxista (2007/1). Por fim, participamos do Seminário Especial sobre Capital, Trabalho e Educação (2007/2) com o Dr. Paulo Sérgio Tumolo no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) o qual finalizamos com um trabalho que foi base e fundamentação do segundo capítulo de nossa tese.

13

reestruturação produtiva determinada e determinante no acirramento da

concorrência internacional do capital por novos mercados consumidores reflete

no campo educacional sob a condição de (contra) reforma e das políticas de

mercantilização do ensino. É nesse contexto que compreendemos a

intensificação na exploração do trabalho intelectual no campo da educação

pública atribuindo-lhe novas formas e características.

Nosso objetivo depois de algumas reformulações do projeto de pesquisa

foi de evidenciar e de ilustrar o problema da precarização e da intensificação do

trabalho docente, em particular, da condição dos professores substitutos nas

Instituições Federais de Ensino Superior trazendo a avaliação e as estratégias

(existentes ou não) do movimento sindical a esse respeito. Neste sentido,

elencamos duas universidades federais da região sul como amostra de nossa

pesquisa: a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Universidade

Federal do Paraná (UFPR). Priorizamos o registro de alguns docentes que

entendemos como sujeitos significativos na pesquisa. Dessa forma,

entrevistamos uma liderança sindical, um professor efetivo e um professor

substituto de cada universidade, além de alguns registros documentais5.

Do ponto de vista de sua representação sindical a escolha das lideranças

das Seções Sindicais da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior

- Sindicato Nacional (ANDES-SN) nos dois estados se justifica por permitir uma

aproximação mais concreta da organização política do conjunto dos

trabalhadores docentes ainda que a incorporação e a visibilidade dos

professores temporários no âmbito do movimento sindical seja um grande

desafio conforme demonstramos ao longo do estudo. Cabe ressaltar também

que essa escolha se justifica pela vivência concreta com essa realidade no

período de nosso contrato temporário como professora substituta no

Departamento de Serviço Social do Centro Sócio-Econômico da UFSC. Na

ocasião tivemos a oportunidade de participação no movimento de greve, em

âmbito local e nacional, representando o conjunto dos docentes da universidade

5 A análise documental se constituiu a partir da identificação de elementos vinculados aos objetivos da pesquisa nas legislações e em outros registros históricos do próprio movimento docente e estudantil (dados secundários). A produção escrita evidenciou conceitos sustentados num quadro teórico. A análise documental possibilitou, assim,

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embora, de forma particular, pertencente ao segmento ainda mais precarizado e

afetado pelas políticas de mercantilização do ensino.

Cabe ressaltar que o problema de pesquisa que inicialmente delimitava a

esfera pública passou a exigir a demonstração de suas implicações também em

uma instituição de ensino superior de outra natureza: a Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo (PUC-SP). E por qual razão? Porque nos deparamos no

período do nosso doutoramento com uma situação emblemática sobre a

precarização e intensificação do trabalho docente, porém, de forma generalizada

e não somente nos quadros temporários de sua docência.

O impacto na carga e nas condições do trabalho docente os seus reflexos

na qualidade de ensino, na formação profissional, na pesquisa e na extensão, na

gratuidade e na universalidade e na função social da universidade foram os

principais eixos de nossas preocupações político-científicas. A flexibilização das

contratações, a perda de direitos, a redução dos salários, a intensificação da

força de trabalho intelectual, as implicações político-pedagógicas, enfim todos

estes elementos interferem diretamente nas condições materiais e imateriais do

trabalho docente.

No conjunto a força de trabalho explorada repercute, por fim, na vida

sócio-política dos trabalhadores intelectuais. A capacidade de organização e

mobilização política em defesa do trabalho e da educação (e de sua

universalidade, gratuidade e qualidade) corre o risco de ficar suspensa no ar em

função da enorme fragmentação e competitividade que assombra os

trabalhadores. A concepção de universidade que vem sendo adotada

corresponde à lógica da funcionalidade, dos resultados operacionais, da eficácia

organizacional, da formação da força de trabalho para o mercado em expansão,

como exigências do capital globalizado. Neste sentido, buscamos identificar a

avaliação e as estratégias de resistência (ou não) dos trabalhadores docentes do

ensino superior, em especial, na problemática que delimitamos de modo a situar

as condições de sua práxis política no contexto de ofensiva do mercado.

Diante da multiplicidade de elementos que são discutidos sobre as

configurações do trabalho na sociedade capitalista e, em particular, as suas

resgatar o contexto e as diferentes categorias, problematizando em seus conteúdos as evidências político-ideológicas.

15

contradições no campo das políticas educacionais em que pese as

transformações (im)postas na ordem do dia nos remeteu à uma discussão de

caráter substancial: a relação econômico-filosófica em Marx (1971, 1978, 2006).

Tal percurso permitiu significar a relação do capital, do trabalho e da educação

sob um ponto de vista revolucionário. Sua objetivação histórica no campo das

ciências sociais imprime consistência científica às nossas interpretações das

relações de produção e de reprodução da vida social, isto é, da relação material

e imaterial necessária de suas contradições. Ou, conforme a caracterização de

Netto (2007, p.37):

A perspectiva teórico-metodológica instaurada pela obra marxiana – (...) – é aquela que permite, arrancando dos “fatos” objetivados na empiria da vida social na ordem burguesa, determinar os processos que os engendram e as totalidades concretas que constituem e em que se movem.

Com efeito, a discussão sobre a objetividade científica do conhecimento

social se colocou no centro de nossas atenções motivada, sobretudo, pelas

contribuições de Michael Löwy (1978, 2007), professor que orientou nossos

estudos na França, mais precisamente na Ècole des Hautes Études en Sciences

Sociales (EHESS) em Paris, no período de julho à dezembro de 2009, graças ao

apoio e financiamento da Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento em

Pesquisa - pelo Programa de Estágio de Estudos no Exterior (PDEE-CAPES).

Como uma grande oportunidade de aprofundar nossas necessidades

teórico-metodológicas e de participar de debates e seminários que contribuíram

na qualidade de nosso aprendizado científico6, foi também decisivo para a

formulação do primeiro capítulo de nossa tese e para a versão definitiva de

nossos objetivos de pesquisa.

A dimensão política do conhecimento científico e suas orientações

histórico-filosóficas implicaram na importância de apreender o conteúdo

(histórico) constitutivo do modo de conhecer, explicar e agir sobre a realidade

6 Apresentamos nossa pesquisa no Ciclo de Conferências da Associação de Pesquisadores e Estudantes brasileiros na França (APEB-Fr) no dia 15 de dezembro de 2009, na Maison du Brésil – Cité Universitaire, sob o título De la culture de marché dans l`enseignement supérieur: la prolétarisation du travail intellectuel. Artigo publicado na

16

social. De acordo com Löwy (2007), é necessário compreender as principais

matrizes do pensamento social – o positivismo, o historicismo e o marxismo - e

de que modo elas produziram ao longo da ciência moderna um modelo próprio

de objetividade social. Tais construções atenderam determinados interesses

sociais na sociedade dividida em classes. O conhecimento científico, como uma

das dimensões da vida social, é constituído e constituinte das próprias relações

sociais antagônicas e a busca de sua verdade objetiva está, pois, na busca de

seu próprio significado e devir histórico.

Dessa forma, nosso Plano de Estudos no Exterior intitulado “Um estudo

sobre a objetivação histórica do conhecimento científico: contribuições para a

pesquisa no âmbito do capital, do trabalho e da educação” aprendeu por Löwy

(2007) a sociologia (crítica) do conhecimento como objetivação histórica e

socialmente determinada. Nesta perspectiva nosso objetivo foi pensar uma

contribuição para a crítica do conhecimento em que nos inclinamos a investigar –

das relações entre o capital, o trabalho e a educação no âmbito das relações de

produção e de reprodução da existência social - como conhecimento objetivado

historicamente. Assim, o debate epistemológico no conjunto das ciências sociais

implicou em estudar a relação entre as visões sociais de mundo e o

conhecimento objetivo da realidade social. Implicou em decifrar a busca da

verdade do ponto de vista científico, social e historicamente construído. De

acordo com Löwy (2007):

Até certo ponto somente porque, se é verdade que as ciências ditas exatas foram “neutralizadas” e que as ideologias têm relativamente pouca influência sobre o seu valor cognitivo, não é menos verdade que as condições sociais e as opções partidárias determinam, em ampla medida, tudo o que se encontra antes e depois da pesquisa propriamente dita. Realmente, tanto a seleção do objeto da pesquisa como a aplicação técnica das descobertas científicas dependem dos interesses e concepções de classes e de grupos sociais que financiam, controlam e orientam a produção científico-natural, assim como da ideologia ou visão social de mundo dos próprios pesquisadores. (...) nas ciências da sociedade, onde as opções ideológicas (ou utópicas) condicionam não somente a escolha de objeto mas também a própria argumentação científica, a pesquisa empírica, o grau de objetividade atingido e o valor

Revista Eletrônica Passages de Paris Édition Spéciale 2010 (p.180-188). www.apebfr.org/passagesdeparis

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cognitivo do discurso: elas conformam não somente os quadros exteriores da pesquisa mas também sua estrutura interna, sua veracidade, seu valor enquanto conhecimento objetivo da realidade. (p.199)

Com esta perspectiva, apresentamos no primeiro capítulo da presente

tese as problematizações epistemológicas, metodológicas e políticas que

circunscrevem nosso enfoque sobre a proletarização do trabalho intelectual. A

direção teórico-metodológica que construímos ao longo do trabalho buscou

contemplar algumas das contradições do problema de pesquisa na perspectiva

de sua totalidade e o conteúdo crítico de sua superação. O primeiro capítulo é

um exercício destas reflexões.

No segundo capítulo resgatamos as categorias fundamentais de O

Capital que explicam os antagonismos históricos entre capital e trabalho7 para

depois situarmos suas transformações mais recentes especialmente com a

crítica de Antunes (1999, 2008) às teses sobre o fim do trabalho. Apresentamos

inicialmente um item que demarca nossa direção política (e filosófica)

interpretativa da grande obra em Marx – buscamos em Karel Kosik (1976) a

compreensão de O Capital como a “odisséia” no modo da práxis histórica.

Em seguida foi necessário configurar as atuais mudanças no mundo do

trabalho resultantes do processo de mundialização do capital e suas implicações

para as políticas de educação, sobretudo, no que diz respeito aos impactos da

mercantilização no trabalho docente do ensino superior. Esse foi o objeto de

nossa atenção no terceiro capítulo. Das distintas formas de organização do

trabalho implicam diferentes formas de intensificação do trabalho a depender de

qual componente humano é mais exigido – se físico, intelectual e/ou emocional.

No campo educacional, mais especificadamente no Ensino Superior as

condições de organização do trabalho docente sofrem com as políticas de

mercantilização (em geral) e com seus rebatimentos na diferenciação e

fragmentação no conjunto dos professores - efetivos e substitutos (em particular).

É nesta perspectiva que trabalhamos com uma análise das instituições que

escolhemos na forma de amostragem com sujeitos significativos da pesquisa:

7 Colaborou para a elaboração deste texto o trabalho que desenvolvemos para avaliação do Seminário Especial sobre Capital, Trabalho e Educação, intitulado Capital,

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lideranças sindicais de cada estado, professores efetivos de departamentos que

apresentam ou já apresentaram um grande número de professores substitutos e

os próprios professores substitutos, no caso das universidades federais do

estado de Santa Catarina e do Paraná. A situação de precarização e de

intensificação do trabalho docente não é uma questão local ou regional. Sua

particularidade histórica expressa um fenômeno de ordem mundial próprio do

capitalismo contemporâneo.

Assim, concluímos por fim com uma reflexão sobre as mediações e os

desafios do trabalho e da educação para uma nova ordem societária: a

necessidade de pensar essas relações para além do capital. Nossa referência

em Mészáros (2005, 2006) buscou adensar a discussão teórica sem, contudo,

perder de vista sua concretude, pois nosso interesse pelo presente estudo

justificou-se pela tendência real e concreta que tem demonstrado o problema,

especialmente, durante a última década nas Universidades Federais do Brasil8.

Obviamente, não tivemos a pretensão de analisar a amplitude (quantitativa) e a

profundidade do problema evidenciado realizando uma pesquisa que fosse

exaustiva sobre tal situação. Por ora, perseguimos um estudo

teórico-metodológico9 ilustrativo dos conceitos e categorias elencadas nesta

realidade de modo a contribuir para a sua visibilidade científica, buscando

ultrapassar o senso comum e as especulações a respeito, as quais produzem o

Trabalho e Educação: a dialética das relações de produção e de reprodução da vida social (2008). 8 Sobretudo, quando constatamos no Comando Nacional de Greve das Instituições Federais de Ensino Superior em Brasília-DF no ano de 2005 um número abusivo de professores substitutos na grande maioria destas instituições. Existe também uma tendência bastante significativa desta problemática na França conforme indicou o professor Michael Löwy durante nosso estágio em Paris. 9 Nossa matriz fundamenta-se em Marx (1978) na perspectiva de extrair o fenômeno de sua forma imediatamente dada compreendendo-o a partir da totalidade de suas determinações históricas. De acordo com o método, o pensamento não é a gênese do real e nem o real é a gênese do pensamento, mas sim parte de um conjunto que é uma síntese obtida pelo pensamento e no pensamento, do constituído de determinações simples encontradas na representação do real (abstrato) para o constituído de relações múltiplas e complexas que constituem o concreto pensado. “O concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como o processo da síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida também da intuição e da representação. (...) não é senão a maneira de proceder do pensamento para se apropriar do concreto, para reproduzi-lo como concreto pensado”. (Marx, 1978, p.116-117)

19

seu nivelamento. Assim, nos impulsiona Netto (2007, p.31):

Em termos de futuro imediato, para a resolução dos desafios atuais, parece-me que as respostas produtivas da tradição marxista implicam a recuperação do estilo de trabalho de Marx: de uma parte, uma constante e crítica interlocução com as tradições e vertentes não-marxistas e anti-marxistas; de outra, uma viva interação com os movimentos e forças sociais que operam factualmente contra a ordem burguesa. (grifo d/ autor)

Sem dúvida, o grande desafio político e científico que nos deparamos e

insistimos foi o de contribuir para o avanço do debate acadêmico sobre o

problema que delimitamos na realidade e contribuir na discussão de possíveis

estratégias políticas que venham agregar e incrementar a pauta de luta dos

trabalhadores docentes. A indissociabilidade entre pesquisa, ensino e extensão

justifica também a importância deste estudo considerando que defendemos uma

educação pública, gratuita, universal, de qualidade e socialmente referenciada,

voltada para as necessidades sociais e coletivas, para a crítica social na (e da)

universidade. Ensejamos, dentro dos nossos limites, proporcionar visibilidade

científica à situação de exploração do trabalho intelectual no campo educacional

e evidenciar alguns dos desafios (im)postos para o movimento sindical diante da

ofensiva do mercado. Temos a preocupação de reafirmar que, mesmo na

contracorrente, urge a possibilidade dialética do nosso tempo, operando na

dimensão do trabalho intelectual um horizonte de novas perspectivas e de

liberdade. Foi isso que nos impulsionou à pensar as possibilidades

revolucionárias latentes num determinado tempo e campo histórico.

Agradecemos a contribuição fundamental de nossos professores

entrevistados: Dra. Bartira Cabral Grandi e Dr. Matheus Felipe Castro, ambos

docentes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Dr. Luis Allan

Künzle, Dra. Taís de Moura Tavares e a Ms. Gisele Pereira, professores da

Universidade Federal do Paraná (UFPR); e a Dra. Maria Beatriz Abramides da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Suas contribuições

deram consistência empírica à nossa tese e permitiram ilustrá-la com rigor

científico. Nossos agradecimentos aos professores que compuseram a nossa

Banca do Exame de Qualificação, Dra. Raquel Raichelis e Dra. Maria Carmelita

Yazbek ambas, Coordenadora e Vice-coordenadora do Programa de Estudos

20

Pós-graduados em Serviço Social e Dr. Luiz Eduardo Wanderley do Programa

de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais. Agradecemos profundamente

pela importante avaliação que fizeram dos nossos primeiros exercícios

teórico-metodológicos e pelas sugestões que enriqueceram o trabalho e

aprimoraram o nosso trabalho. Em especial, nosso carinho e gratidão pelo

acolhimento da professora Carmelita, pelas contribuições, pela confiança e,

sobretudo, pela atenção e motivação que nos dedicou na trajetória nada fácil de

nosso doutoramento. Nossa profunda gratidão e nosso coração ao Prof. Dr.

Michael Löwy que com sua atenção e delicadeza nos honrou imensamente ao

aceitar em orientar nossos estudos na França, aprendizado que levaremos nas

nossas lutas e no nosso coração.

Agradecemos aos amigos, irmãos e irmãs, aqueles todos que moram do

lado esquerdo do peito. E, por fim, agradecemos à Capes e ao CNPq por

tornarem possível esse sonho: os estudos e experiências do doutoramento, a

elaboração de nossa tese e a formação para o trabalho docente, atividade que

pretendemos honrar no cotidiano do ensino, da pesquisa e da extensão para um

mundo melhor. Reconhecemos que nosso estudo pode conter muitas lacunas e

limites, porém é justo afirmar que a trajetória que percorremos, ainda que sob

várias circunstâncias contrárias, nos provaram muito de aprendizado, de

paciência e de coragem.

21

CAPÍTULO 1 - A PROLETARIZAÇÃO DO TRABALHO INTELECTUAL:

PROBLEMATIZAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS, METODOLÓGICAS E

POLÍTICAS.

1.1 A totalidade como categoria e fundamento original da ciência

revolucionária.

Segundo Michael Löwy (1998, 2009) a totalidade é a categoria marxista

revolucionária no jovem Georg Lukács (1923) 10 sem, no entanto, negar o

significado objetivo da economia na compreensão e explicação das relações

sociais. Como sua primeira e fundamental influência foi apanhada mais tarde por

Lucien Goldmann (1913–1970) como categoria mestra de sua tarefa científica

conforme nos apresenta Löwy. Por ser dialética e concreta a totalidade se

objetiva historicamente das relações de produção e de reprodução social. De

acordo com o que tentamos sistematizar a seguir a categoria da totalidade

desdobra-se no plano filosófico, teórico e no plano da práxis histórica de

múltiplas dimensões, numa perspectiva de simultaneidade entre elas e, no seu

conjunto, constitui o fundamento e o horizonte teórico-metodológico que

desejamos perseguir. A saber:

Os diferentes campos do pensamento, do conhecimento social e da

atividade humana em geral, tomados em si, epistemologicamente, não

podem ser compreendidos senão for na relação com o conjunto que lhes

confere sentido e nas distintas visões de mundo que lhes atribuem um

determinado significado histórico.

As visões de mundo, ideologias e teorias só podem ser compreendidas

como totalidade histórica e como momentos, níveis, dimensões históricas

desta totalidade, a partir da dialética que confere movimento à realidade

social. Isto é, a compreensão do movimento permanente dos

10 Afirma Löwy (2008, p.16-17): “Numa época em que a barbárie nazista estava no auge de sua glória, em que o stalinismo prático e teórico reinava sem reservas no movimento operário e sobre a teoria marxista, é preciso ressaltar como efetivamente a obra de Lukács, uma vez redescoberta, deveria proporcionar vigor revolucionário e clareza teórica aos que se recusavam a aceitar a barbárie e o dogmatismo. Tanto as pesquisas

22

antagonismos, das contradições entre os interesses e as aspirações das

classes sociais. Neste sentido, afirma Löwy sobre os estudos de

Goldmann (2008, p. 23):

A totalidade na filosofia marxista não é determinável in abstracto, como uma equação algébrica. A totalidade remete não a um modelo teórico, abstrato e formal, mas a uma realidade histórica em construção. Ela é um processo contínuo. O sujeito que faz questão de 'construir' teoricamente essa totalidade é, ele próprio, um momento desse processo: dele participa plenamente.

Os fatos e os acontecimentos históricos sejam de ordem política,

econômica, filosófica, religiosa ou científica, se tomados fora da sua

unidade histórica e social serão dissolvidos, consciente ou não, na

parcialidade, nos fragmentos e na natureza abstrata dos fenônemos

sociais. Essa lógica formal de ver e compreender o mundo confere uma

visão e um significado político de ordem conservadora das relações

sociais.

A totalidade, por não ser abstrata, tem um fundamento objetivado

historicamente - a produção da vida social e as suas relações de

reprodução. Ou seja, as contradições econômicas, políticas, culturais,

científicas, religiosas e filosóficas da vida social têm como fundamento

histórico as relações de produção de uma determinada sociedade e os

embates das distintas classes sociais diante de seus interesses e

necessidades históricas11.

sobre Kant como o trabalho de criação que Goldmann inicia em seguida contêm a marca profunda e sempre declarada dessa primeira e fundamental influência.” 11 Da análise marxista contemporânea sobre a relação da consciência e da práxis revolucionária, os estudos de Michael Löwy sobre o marxismo e religião (1989, 1991, 2000), sobretudo na América Latina, apresentam elementos substanciais e históricos sobre a dialética e a totalidade marxista. Da insurgência da Teologia da Libertação no campo do cristianismo progressista (ou de esquerda) e de sua importância histórica na reflexão e ação dos trabalhadores cristãos latino-americanos, por exemplo. A práxis, a “fé engajada”, porque ativos na luta contra a exploração e a opressão burguesa a partir da sua própria realidade. Também evidencia o significado histórico do projeto socialista vinculado, dialeticamente, às necessidades ecológicas, ambientais, a saber, uma aliança histórica-humanista: “Essa aliança implica que a ecologia renuncie às tentações do naturalismo anti-humanista e abandone a sua pretensão de substituir a crítica da economia política. Essa convergência implica, outrossim, que o marxismo se livre do produtivismo, substituindo o esquema mecanicista da oposição entre o

23

Trata-se dos interesses objetivos das classes sociais e da economia como condição objetiva da vida social. (...) são as relações de produção, numa formação social concreta, que explicam o papel desses fatores e sua eventual predominância” (Löwy, 1998, p. 20-21) Nem a Idade Média poderia viver do catolicismo, nem a Antiguidade da política. A maneira pela qual se ganhava a vida explica, ao contrário, por que na Idade Média o catolicismo e na Antiguidade a política desempenhavam o papel principal. (Marx apud Löwy, p. 21);

Dito isso, é necessário considerar uma determinada autonomia relativa

(grifo nosso) das esferas do pensamento social, visto que contém uma

determinada particularidade e/ou exigência de lógica interna que,

necessariamente, circunscreve um campo de mediações. Trata-se de

uma autonomia relativa entre a consciência e a realidade, entre a

materialidade e a espiritualidade, entre o sujeito e o objeto. Ou, como

sustenta a análise de Goldmann (Löwy, 2008), “a identidade parcial entre

o sujeito e o objeto” (grifo do autor).

De outro modo, prevalece a antiga polêmica entre o idealismo puro,

metafísico (hegeliano), o qual suspende e ignora a atividade humana na

construção do real, ou como explica Löwy (2008, p.24):

O mundo real seria como um epifenômeno do mundo da idéia, o objeto estaria absolutamente no sujeito (...) a realidade seria uma determinação, senão um produto puro da consciência. A identidade total entre a subjetividade e a objetividade existiria, via de regra, no sentido de uma dissolução do mundo da materialidade no mundo da espiritualidade.

e o economicismo vulgar, pseudomarxista, como totalidade de um

pensamento determinado imediatamente das relações de produção,

mecânico e ahistórico.

desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção que o entravam pela idéia, muito mais fecunda, de uma transformação das forças potencialmente produtivas em forças efetivamente destrutivas. (Löwy, 2005, p.54) Tais dimensões da vida social, distintas mas que compõem uma unidade histórica, são concebidas sob o princípio da totalidade e da liberdade humana em relação ao capitalismo: uma possibilidade

24

1.2 Os Intelectuais e a negação da sociedade capitalista: o marxismo e o

lugar da dialética materialista.

Os intelectuais como categoria social analisada por Löwy nos permite

compreender a totalidade como um instrumental metodológico e como uma

categoria expressiva da visão de mundo12. A partir de seu estudo sobre A

Evolução Política de Lukács (1909-1929), Löwy demonstrou de que modo as

relações econômicas, sociológicas e filosóficas predominantes no final do século

XIX e início do século XX contribuíram, influenciaram e decidiram o envolvimento

dos intelectuais (intelligentsia) da Alemanha e da Hungria à causa anticapitalista

pequeno-burguesa.

Visto que estão imediatamente distantes da esfera produtiva da

sociedade, os intelectuais não se constituem como classe propriamente dita,

mas como categoria social que ocupa um lugar decisivo na produção das idéias

e da ciência em um determinado tempo e campo histórico. Na totalidade social

sua posição é mediada diretamente pelas dimensões da superestrutura. Os

intelectuais são analisados aqui como criadores e/ou reprodutores

ideológico-culturais seja de conteúdo filosófico, artístico, político ou científico.

Nestes distintos campos de expressão social eles moldam, transformam e (re)

definem o lugar e o discurso representativo de determinados interesses sociais.

Historicamente, no nível econômico, de produção social, o caráter

societária objetiva de homens livremente associados que controlem, de forma consciente, o processo de produção e de reprodução da vida social. 12 A respeito do termo visão social de mundo Lowy (2007) conceitua como uma estrutura categorial de conjunto orgânico, articulada de valores, de representações, de idéias e de orientações cognitivas, unificada por uma perspectiva socialmente determinada: as relações sociais concretas do ser humano com a natureza e com a sociedade historicamente determinada. Apropriando-se mais da sistematização de Karl Mannheim sobre o conceito de ideologia Lowy compreende que a visão de mundo está diretamente relacionada com certas posições sociais, ou seja, com a situação e os interesses de certos grupos e classes sociais. Pode incorporar tanto um caráter utópico quanto ideológico nos termos como em Mannheim: a utopia como a aspiração de um estado não existente das relações sociais e a ideologia, como sistemas de representação orientados para a reprodução da ordem vigente. Entendemos que como ocultamento da verdade a ideologia aqui mantém a sua dimensão crítica original quando formulada por Marx nos termos de “falsa consciência”. Contudo, observa Löwy: a visão de mundo pode conter uma dimensão utópica em determinado momento histórico, porém quando superada, realizada, torna-se uma ideologia nos termos de uma orientação conservadora. (2007, p.09-14)

25

pré-capitalista que caracterizava o trabalho da pequena-burguesia explica parte

da sua vertente anticapitalista. A separação entre o indivíduo e o processo de

produção capitalista foi hostil ao modo de ser, ao modo de vida do

pequeno-burguês (artesão, camponês, profissional liberal, intelectual

tradicional...), realidade que se concretizou, mais tarde, pela proletarização

pequeno-burguesa quando da redução de sua condição à classe assalariada.

No nível político, o conflito posto pelas idéias liberais da burguesia, vale

dizer: da formulação econômico-social da escola clássica inglesa e da sua

realização teórico-prática na constituição da Revolução Francesa – Declaração

dos Direitos do Homem e do Cidadão - e da concepção de um Estado como um

organismo exterior à sociedade civil. De acordo com Löwy (1978, p. 56), a

emancipação política segundo a ótica da Revolução Francesa foi de sancionar

juridicamente a separação entre o homem público e o homem privado no mundo

capitalista, caracterizados entre si por suas individualidades (interesses

distintos). A instituição que “resolve” este dilema, porque consagra o espírito

“coletivo-genérico” do meio social, se cristaliza por sua vez no papel e nas

funções do Estado. Esse conjunto de formulações econômico-políticas da

burguesia confrontou, de forma abrupta, o desejo de democracia (rousseauniana)

da ala esquerda (o jacobinismo) da pequena burguesia. Isto também causou a

radicalização anticapitalista dos intelectuais ali situados.

Entretanto, em um nível ainda mais específico da superestrutura para os

intelectuais a sua radicalização e a sua evolução para o socialismo passou por

um processo de mediações de ordem político-moral e ético-cultural. Enquanto

tais, os intelectuais concebiam um universo de valores qualitativos (diga-se

opostos) como o belo e o feio, o certo e o errado, o bem e o mal. A sociedade

capitalista então em desenvolvimento, regida por valores de troca,

essencialmente quantitativa, foi a contradição necessária do ponto de vista ético,

cultural e político-moral dos intelectuais para uma reação anticapitalista. De um

certo ponto “ingênua” mas, contudo, fundamental para mais tarde evoluir numa

reação mais radical. Trata-se, de acordo com Löwy, de uma ideologia de

oposição e de resistência entre a “Cultura” e a “Civilização” caracterizando um

anticapitalismo romântico do centro europeu na transição do século XIX para o

26

século XX13.

Um dos maiores méritos de Lukács é o de ter reformulado em termos marxistas, por meio da teoria da reificação, as críticas confusas e românticas dos intelectuais contra o inexorável processo de quantificação do modo de produção capitalista. (...) Ora, como o mostra Lukács, a burguesia foi obrigada, uma vez no poder, a agir em contradição com a sua própria ideologia, a negar, degradar e abandonar na prática os valores que ela não cessava de proclamar como seus. Em nome de certos princípios humanistas, a intelligentsia volta-se, então, contra a burguesia e o capitalismo, e descobre eventualmente no proletariado a classe capaz de realizar verdadeiramente os ideais de liberdade, igualdade, fraternidade. Para os intelectuais, o humanismo marxista torna-se, assim, o herdeiro das aquisições mais acabadas dos pensadores burgueses e o movimento operário deve tornar-se o executor prático destas idéias defendidas até o presente apenas em teoria. (Löwy, 1998, p. 30-31)

É imprescindível situar como o significado e o contéudo político do

marxismo científico foi necessário para que o movimento de radicalização

anticapitalista dos intelectuais fosse possível. A ultrapassagem do nível abstrato,

romântico, só foi permitida historicamente a partir da compreensão das relações

concretas de dominação e de alienação capitalista. Para determinados

intelectuais foi pela mediação do marxismo como campo teórico, rigoroso e

universal, que fora possível descobrir e evidenciar o caráter e o potencial

revolucionário do proletariado, além do que, desvendar o caráter de reificação do

modo de produção capitalista. Entre uma adesão política militante e uma

oposição meramente ético-cultural, caberia o peso na balança da existência e

força da tradição marxista14 . Essas seriam as condições objetivas para os

intelectuais avançarem no plano teórico e no plano da práxis social, superando

um falso problema historicamente colocado: da oposição entre indivíduo e

13 Neste sentido, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) foi o principal trauma e abismo entre as tradições humanistas da cultura clássica e a realidade do mundo capitalista e que, por sua vez, desencadeou, em certa medida, uma disposição para a politização dos intelectuais. 14 A Revolução Russa (1917-1919) contribuiu decisivamente neste aspecto, inclusive para os intelectuais como o próprio Lukács que, num grau extremo de oposição, aderiu a ala mais radical da classe operária – o Partido Comunista. (Löwy, 1998, p.32).

27

sociedade15.

A sociabilidade humana se apresenta nas primeiras obras em Marx, de

cunho comunista (1841-1846)16, a partir de determinados elementos críticos

sobre o pensamento político conservador que caracterizava a sociedade

burguesa, bem como sobre o idealismo utópico que caracterizava, por sua vez, o

hegelianismo de esquerda. Assim categorias intelectivas como homem social,

produção social, trabalho e consciência social são desenvolvidas no decorrer

das suas formulações sobre a natureza social do homem e de sua significação

nas relações sociais de produção (o trabalho e a produção humana) e de

reprodução social (formas de consciência social).

Ao negar a abstração das teorias políticas liberais e denunciar o seu

conteúdo político, isto é, das concepções individualistas e privatistas da vida

social, Marx demonstrou, dialeticamente (aufhebung), a natureza conservadora

do pensamento burguês. Sobretudo, possibilitou no campo da práxis uma base

rigorosa, coerente e sólida de contestação ao modo de produção capitalista, de

forma a potencializar o caráter revolucionário do proletariado (considere-se o

conjunto das classes exploradas, ou seja, operários, campesinato e

pequena-burguesia).

Desvendando a alienação econômica como resultante da divisão do

trabalho na sociedade capitalista, o marxismo como teoria científica evidencia o

eixo central de ocultação das relações sociais de produção. Isto é, de que forma

as contradições da divisão social do trabalho se reproduz nas formas de

consciência social, sobretudo, no modo em que mistifica o homem real num ser

genérico, abstrato, ocultando o conteúdo histórico, concreto, de sua existência e

de sua atividade social no meio onde vive e produz.

É inevitável, portanto, que o “poder social”, a “força genérica” que surge da cooperação dentro dos marcos da divisão do trabalho, acaba, como o Estado, por erigir-se ante o homem como um poder estranho, superior aos indivíduos, fora do seu

15 A formulação e concepção marxista de homem e de mundo foi uma síntese do movimento histórico no plano do pensamento de Marx e que teve como precursores Kant, Hegel, Feuerbach e Saint-Simon, conforme explica Löwy (1978 p. 50-51). 16 Para Löwy (1978) são as seguintes obras: Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, Introdução (1844), A Sagrada Família (1845), Teses sobre Feuerbach e a Ideologia Alemã (1846).

28

controle, alienado em suma; as forças produtivas aparecem como forças totalmente independentes e separadas dos indivíduos, como um mundo próprio ao lado destes. (Löwy, 1978, p.57)

A alienação em Marx (1844) aparece, inicialmente, como “alienação da

essência humana”, herança da escola de Feuerbach. Posteriormente, ganha o

conteúdo histórico que constitui seu fundamento revolucionário. Para Marx17, a

alienação sob o modo de produção capitalista se materializa em dois níveis

distintos – físico e intelectual -, ambos determinados no plano concreto da

totalidade social. A deterioração das relações humanas, a dominação do homem

pelo que ele próprio produz, as suas potencialidades vitais e intelectuais

produzindo e valorizando a riqueza social que, por fim, é apropriada e acumulada

por outra classe - a que detém os meios de produção social.

O método dialético e revolucionário de Marx permitiu a aufhebung da sua

própria crítica sobre a alienação econômica que, inicialmente, ainda se achava

dentro dos marcos do regime burguês. Decidiu sua posição intelectual e política

em torno do comunismo como sistema que nega o principal fundamento da

sociedade capitalista - a propriedade privada dos meios de produção. A

influência direta de Marx com o movimento operário na França (Paris, 1843-1844)

provocou uma descoberta científica decisiva em sua obra e vida política: a

síntese dialética entre filosofia-política e proletariado como força revolucionária

capaz de dissolver a ordem societária burguesa.

O caráter humanista e historicista da ciência marxista superou a idéia do

humanismo renascentista, este caracterizado pela sua oposição ao pensamento

religioso e pelas suas qualidades burguesas, isto é, naturalista, individualista. O

marxismo se revela, assim, como a denúncia da alienação humana revelando ao

mesmo tempo as potencialidades revolucionárias de uma determinada classe no

seu tempo e campo histórico.

De acordo com Löwy (1978), as consequências profundamente

destrutivas do modo de produção capitalista sobre a humanidade, sobre as

capacidades criativas e libertárias do ser humano, são nos escritos de Marx

expressões de seu caráter humanista. A produção social possibilita não somente

a transformação da natureza exterior mas também, como movimento histórico e

29

dialético, a transformação da própria natureza humana, do seu conhecimento,

da sua razão prática, da sua filosofia histórica, da sua práxis.

Na sua maturidade científica, as categorias reificadas da economia

burguesa são desvendadas por Marx em O Capital de forma a demonstrar - do

ponto de vista da economia, da ciência, da política e da filosofia – as relações

antagônicas entre as classes sociais. O estudo minucioso de uma determinada

época de produção histórica18, de classes sociais historicamente determinadas e

dos distintos interesses e aspirações que moveram determinadas lutas sociais, o

fez desvendar o fetichismo da economia burguesa, o caráter dominador e

reificador da mercadoria e o domínio da propriedade privada sobre as relações

humanas. Essa condição foi uma necessidade histórica e não somente científica,

pois:

(...) ele mostra como o trabalho humano toma a forma de uma característica objetiva das coisas; como, na forma de mercadoria, uma relação social determinada entre os homens toma a forma de uma relação entre coisas; como o capital mesmo “não é uma coisa, mas uma relação social entre os indivíduos metiatizada por coisas”. (...) Basta sublinharmos a dimensão cognitiva do humanismo de Marx, que lhe permite partir do “envelope coisificado” do fetichismo capitalista para descobrir a essência do fenômeno: as relações sociais entre os indivíduos, os produtores, os homens. O humanismo não é em O Capital um simples “protesto moral”: ele rasga o “véu místico” da reificação, ele decifra o “hieróglifo” do valor, ele apreende a realidade social (humana) oculta pela opacidade do mercado. (Löwy, 1978, p. 66-67)

Despertar a consciência de classe em si para si, de forma a impulsionar

as lutas sociais em direção da liberdade humana e da sua emancipação social,

resumidamente, é o desejo histórico da ciência revolucionária marxista. Seu

horizonte objetivo, mas nunca terminal uma vez que a teoria científica é pensada

pelo o conteúdo dialético que a constitui, pelo movimento e pelas contradições

que dela insurgem.

17 Capítulos VIII, XIII, XXIII de O Capital. 18 Para Löwy (1978, p. 66) o conceito de “homem em geral” e de “produção em geral” colocado por Marx serve somente para sublinhar alguns traços comuns a todas as épocas da vida e da produção social e não constitui, absolutamente, o fundamento do humanismo marxista. (grifo do autor)

30

1.3 Visão de mundo e luta social na América Latina: sobre o marxismo e a

revolução19

Como concepção hegemônica dentro da esquerda latino-americana, a via

pacífica representada por uma vasta frente de todas as classes da nação em

direção ao socialismo/comunismo ou, mais propriamente, como enfrentamento

direto ao imperialismo norte-americano, se constituiu como um bloco estratégico

na defesa por uma etapa nacional democrática da revolução. Precisamente, se

referiu à uma frente que buscava unificar forças populares, trabalhadores

urbanos e camponeses, bem como uma parte dos latifundiários e de uma

burguesia contrária aos interesses imperialistas.

Essa foi a concepção estratégica do Partido Comunista do Brasil, desde

1935, e da frente eleitoral de partidos burgueses considerados comunistas que

defendiam a chegada ao poder por eleições ou por um golpe militar. A segunda

etapa prevista por este bloco seria a luta clássica entre a burguesia e o

proletariado, entre os camponeses e o latifúndio o que representaria a

concepção de certa composição da esquerda latino-americana nos dias atuais.

Nesse campo da via pacífica por uma vasta frente de todas as classes, a luta

armada não teria nenhuma visibilidade.

Neste contexto econômico e político, o pensamento de Che Guevara

constituiu para Michael Löwy (1973) uma contribuição fundamental para o

marxismo latino-americano, por três razões: a primeira, o problema do homem

novo e da significação do comunismo como sociedade qualitativamente nova; a

segunda, o problema econômico nas formas de transição para o socialismo e,

por fim, o problema da sociologia da revolução, o que para Löwy é aqui a

questão mais significativa. Isto é, em que medida a concepção “guevarista” da

história pôde ser operacionalizada na realidade cubana e latino-americana?

Diante da visão, então, hegemônica dentro da esquerda latino-americana, qual

era a sociologia da revolução para Guevara?

19 Nossas referências foram as seguintes: Guevara, marxisme et réalités actuelles de l'Amérique Latine (p. 163-177) Les étapes du développement social dans la “vision du monde” marxiste em Amérique Latine (p.179-198) In: Dialectique et Révolution, essais de sociologie et d'histoire du marxisme. Editions Anthropos, 1973, Structure de la

31

Segundo Löwy (1973), a partir das experiências latino-americanas, mas

essencialmente a experiência cubana, Che analisou o papel da burguesia

nacional, sobre o sentido ou não de seu papel revolucionário e a sua contradição

com o proletariado na composição de forças revolucionárias, de aliança com os

setores burgueses, visão então defendida pela frente nacional democrática.

Esta crítica sobre a burguesia nacional se desenvolve, sobretudo, no nível

político, mas também foi endossada por economistas marxistas

latino-americanos. Entre eles, Rui Mauro Marini o qual demonstrou nas suas

formulações teóricas a articulação entre o sistema capitalista da periferia

mundial com o centro do capitalismo norte-americano.

Desenvolvimento ininterrupto ou revolução permanente seria a visão a

que se referiu Che após analisar no período de 1960 as contradições e os limites

do sistema político-econômico em Cuba, tais como: reforma agrária, reforma

urbana, economia internacional e expropriação da burguesia cubana. Nas

palavras de Che, o processo revolucionário latino-americano é de outra natureza,

pois, “En Amérique Latine il n'y a pas d'autre révolution à faire: ou révolution

socialista, ou caricature de révolution.” (Löwy, 1973, p.169)

A concepção guevarista sobre a inevitabilidade da luta armada na

América Latina, diante daquela conjuntura histórica é para Löwy bastante

coerente com as condições político-econômicas reais de seu tempo. Se a

revolução é socialista, isso implica para Che a destruição do aparelho militar do

Estado. Ao passo que para as forças em defesa da unidade democrática o apoio

da burguesia implica o apoio do Estado e sua estrutura militar - concepção dos

partidos comunistas tradicionais. Com efeito, para estes últimos, a idéia de

guerrilha é como um delírio aventureiro, sem interesse e sem possibilidade

histórica.

Qual seria então a inevitabilidade revolucionária latino-americana? Para

Guevara, a composição dos países latino-americanos é de uma forma geral

agrária, de populações, sobretudo, camponesas. Neste sentido, a guerrilha

funcionou como um catalisador político e não somente como um instrumento

militar manifestando assim, de acordo com Löwy, a dimensão subjetiva da luta

conscience de classe ouvriere au Brésil. Cahiers Internationaux de Sociologie. Vol XLIX, 1970, p.133-142.

32

revolucionária20. Com efeito, a concepção de guerrilha em Guevara teve o

sentido estratégico de revolução internacional: a revolução na América Latina é

necessária para avançar as condições revolucionárias em nível mundial.

Pour cette raison le Che insiste sur le fait que la guérilha est une action politico-militaire et non exclusivement militaire, c'est-à-dire que les actions armées doivent s'accompagner de tout un travail d'agitation, de propagande, d'organisation, et d'autre part qu'elle doit réaliser la propagande par les faits, c'est-à-dire prendre de mesures révolutionnaires, exproprier la terre, la donner aux paysans dans les régions sous son contrôle. C'est grâce à des mesures de ce genre qu'il s'établit une dialectique entre la guérilla et les masses, dialectique par laquelle la guérilla devient populaire et le peuple devient révolutionnaire. (Löwy, 1973, p.173) je pense que c'est là peut-être pour la première fois depuis l'époque glorieuse du komitern (avant la mort de Lénine), qu'on a essayé de poser une stratégie révolutionnaire mondiale qui ne soit pas déduite des intérêts politiques, diplomatiques et militaires d'un Etat, mais qui soit vraiment fondée sur les besoins révolutionnaires à l'échelle mondiale. (Löwy, 1973, p.177)

A visão ortodoxa do marxismo, sobretudo na II Internacional,

representada pelas idéias de Lenine e de Kautsky (Le chemin du pouvoir, 1969),

afirma que as etapas históricas de desenvolvimento das forças produtivas são

necessárias e inevitáveis até a chegada da revolução proletária como revolução

da propriedade privada dos meios de produção.

Segundo Löwy21, essa visão terminou por inspirar no quadro do marxismo

internacional uma visão evolucionista e linear do processo histórico. Em outras

palavras, a crença numa regularidade inevitável e pré-determinada do processo

20 Cabe ressaltar o papel da classe trabalhadora e da greve geral na revolução cubana. Sobre as três greves analisadas, Guevara afirma que as duas primeiras foram fracassadas, uma pelo espontaneísmo, pela falta de direção e a outra pela falta de base, de organização e de mobilização das massas. Quanto ao papel do partido também se apresenta um problema: em que medida a guerrilha, a greve geral, e os movimentos devem ser dirigidos por um partido revolucionário? 21Com outro entendimento sobre o processo histórico Löwy afirma que a categoria marxista da possibilidade objetiva em Marx não permite a imposição daquele esquema clássico sobre a realidade. Neste aspecto, os escritos de Trotsky e de Rosa Luxemburgo (1905-1906) significaram a recuperação metodológica de compreensão a respeito do movimento histórico sobre o título de Teoria da Revolução Permanente. Mais tarde (1917) as Theses de Abril de Lenine materializaram um programa concreto para o proletariado.

33

de produção social e de suas relações sociais. Não obstante, consiste em uma

noção positivista da história e do processo revolucionário, pois concebe na

realidade a existência de leis naturais, objectivas e independentes da vontade e

da ação humanas. Trata-se do clássico e rigoroso esquema de sucessão das

etapas históricas configurado por Plekhanov, menchevik, e posteriormente

levado a cabo por Stalin na III Internacional (1925).

L'étape du capitalisme progressiste et indépendant joue dans cette vision du procès historique un rôle dans une certaine mesure semblable à l'étape démocratico-bourgeoise dans l'idéologie des penseurs marxistes de la II Internationale. Dans les deux cas – malgré les différences évidentes, à la fois politiques et théoriques – l'idée d'une succession rigoureuse et invariable des étapes du développement économique et social, d'un “mûrissement” progressif des conditions objectives (surtout économiques), de l'impossibilité d'une rupture, discontinuité, “saut” ou télescopage du procès, est la base doctrinaire de la pensée et de la pratique politiques. (Löwy, 1973, p.188-189)

Essa doutrina, pois, influenciou o pensamento marxista latino-americano,

sobretudo, a partir dos anos 30. A transformação da estrutura política dos

partidos comunistas latino-americanos, uma nova geração de dirigentes, a

integração política e ideológica da II Internacional, todos esses elementos deram

origem a adoção do etapismo como uma visão hegemônica no seio do

movimento comunista latino-americano e pela via das frentes populares de

aliança com a burguesia nacional contra o imperialismo norte-americano. A

experiência chilena, entre 1938 e 1948, foi a mais significativa e a mais

prolongada neste cenário de Frente Popular na América Latina.

No período entre 1954-64 no Partido Comunista Brasileiro a sua

formulação teórica constituiu a forma mais sistemática e rigorosa da visão

etapista no seio da esquerda no Brasil. Em certa medida, o documento

Declaração sobre a política do Partido Comunista do Brasil, de março de 1958,

acaba por se manifestar como um reflexo da leitura de Engels sobre as etapas

do desenvolvimento social na Europa Ocidental, nos séculos XV à XIX, para a

América Latina do século XX.

Neste contexto, a visão guevarista apresenta uma elaboração

extremamente coerente e radical da doutrina não etapista a partir da própria

experiência cubana e da polêmica com Lenine. O modelo marxista europeu

34

tradicional, de visão etapista, não permitiu responder há uma questão

fundamental da revolução cubana. Ou seja, a revolução em Cuba não foi

democrático-burguesa, de alianças com a burguesia, ainda não havia um

desenvolvimento de suas indústrias de base e seu modelo era exclusivamente

de uma economia colonial. Nestas condições como, então, construir a transição

ao socialismo?

Para os teóricos da II Internacional, conforme o próprio Guevara observou,

Cuba por romper com as leis da dialética, do materialismo histórico, do marxismo

(clássico), não poderia ser considerada como um país socialista. Mas, rompendo

com tal esquema clássico e etapista da história, a revolução cubana pode ser

explicada pelo seu caráter de ruptura histórica, graças às forças revolucionárias

que começaram a seu modo, nas suas condições sociais reais, a organização de

um novo modo de produção social, a partir de um quadro objetivamente possível.

il existe la possibilité objective 'de sauter les étapes', possibilité dont l'actualisation ou non dépend de variables essentiellement politiques: le rôle des groupes révolutionnaires. Cette interprétation du marxisme se distingue par conséquent de l'antérieure par une conception moins absolue et plus médiatisée du rôle de l'infra-structure économique et par une plus grande valorisation de l'instance politique em général et de l'intervention 'volontaire' et 'consciente' de forces organisées em particulier. (Löwy, 1973, p.195-196)

De acordo com o autor, a problemática das etapas não foi resolvida nem

teórica, tampouco historicamente no seio do marxismo latino-americano. Ela

continua como centro de polarização do campo ideológico e político da esquerda

na América Latina, sem dúvida até os dias atuais, sendo o renascimento da

crítica não-etapista como um dos seus aspectos mais significativos.

1.3.1 Sobre a visão de mundo e a consciência de classe sindical no Brasil

Neste sentido, como contribuição às discussões sobre visão de mundo,

marxismo e lutas sociais na América Latina é bastante significativo fazermos

referências ao estudo de Michael Löwy (1970) sobre a estrutura da consciência

de classe operária no Brasil que fora realizada no final da década de 1950.

Diz respeito, em particular, à análise de alguns aspectos da consciência

de classe em um grupo de 82 líderes sindicalistas delegados no II Congresso

35

National des Ouvries de la Métallurgie, Itanhaem – São Paulo, abril de 1959.

Com a participação em torno de 5000 trabalhadores provenientes de diversos

estados da Federação brasileira, como: São Paulo (a maior delegação e mais

importante)22, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Santa Catarina,

Paraná, Pará, Ceará, Alagoas.

Dentro da escola marxista a primeira tentativa de distinção entre os

diferentes níveis de estrutura da consciência de classe veio a partir de Marx, em

sua obra La Sainte Famille (1845). Estabeleceu primeiro: concepções ocasionais

dos trabalhadores sobre a sua situação; e, em segundo, a consciência de classe

autêntica ou a consciência da missão histórica da classe trabalhadora.

Essa distinção em Marx inspirou os termos concebidos em Lukács, em

sua obra História e Consciência de Classe (1923), na qual ele diferenciou a

consciência psicológica do proletariado – geralmente orientada por interesses

econômicos imediatos – e a consciência de classe do proletariado, ou mais

precisamente, o sentido consciente de sua situação histórica.

Entretanto, é em Lenine - Que Faire? (1902) - que apareceu uma

aproximação destes conceitos de forma mais precisa:

a consciência sindical - ou a convicção de que é preciso unir os sindicatos,

lutar contra o patronato, reclamar do governo inclusive leis necessárias

aos trabalhadores;

a consciência social-democrata – ou a consciência de oposição irredutível

entre os interesses dos trabalhadores e ordem política e social atual.

Segundo Löwy (1970), dentro das Ciências Sociais contemporâneas a

obra de Richard Centers23 é a mais significativa a esse respeito, pois o autor

distingue dois elementos:

sentimento de pertencimento à uma classe;

certas idéias e atitudes típicas. Para mensurar esta dimensão o autor

elaborou um conjunto de questões opondo radicalismo e

conservadorismo, centradas em dois aspectos essenciais: as atitudes

face aos conflitos de classe (greves, relação empregador e empregado) e

22 O estado de São Paulo apresentou o número mais significativo e ativo com relação aos trabalhadores metalúrgicos, dada a intensificação da indústria metalúrgica na região, pois entre 1955-1961 90% das usinas fizeram greve.

36

as ideologias sócio-políticas (individualismo e coletivismo, propriedade

privada e pública, poder da classe trabalhadora).

Também Alain Touraine em sua obra La Conscience Ouvriere (1966)

distingue:

a consciência proletária – ou o sentido para o trabalhador de um certo

estado de relação entre o homem e seu trabalho;

a consciência de classe – ou uma forma específica da consciência

proletária produzida por um conjunto particular de três princípios básicos:

primeiro, da identidade ou a consciência de pertencer à um grupo, uma

classe;

segundo, da oposição ou a consciência do antagonismo entre

empregadores e empregados;

terceiro, da totalidade ou o antagonismo de classe como princípio central

de funcionamento da sociedade, a oposição à uma ordem estabelecida,

um modelo voluntário de sociedade diferente, a consciência de uma

missão histórica.

Em suma, Löwy (1970) busca aplicar tais instrumentos analíticos,

conceituais, naquela realidade e naquele contexto dos trabalhadores no Brasil,

colocando em evidência três níveis estruturais da consciência de classe:

de identidade;

sindical;

fundada sobre uma ideologia radical (ou consciência radical ideológica).

O autor compreende o primeiro nível, da identidade, como primeiro

degrau que permite em função de determinados fatores a passagem aos dois

outros níveis - sindical e radical-ideológico. Seu empenho foi de analisar quais

são esses fatores.

Com relação a consciência sindical, há um enorme distanciamento de seu

verdadeiro sentido político no Brasil, pois para muitos trabalhadores

sindicalizados o sindicato representa um “escritório” governamental que oferece

gratuitamente os serviços médicos, de advocacia, etc. Na prática, o sindicato

23 The Psychology of Social Classes, Princeton University Press, 1949.

37

não representa um organismo coletivo de luta e defesa dos interesses

sócio-econômicos comuns, no sentido leninista do termo.

Por consciência radical-ideológica, Löwy designa o que Lenine chamou

de consciência social democrata (ou, também, a atitude radical de Centers, ou o

princípio da totalidade de Touraine). Isto é, o nível de consciência de classe dos

trabalhadores.

C'est-à dire, concretement, le niveau de conscience de classe de ces ouvriers brésiliens qui, soutenant une idéologie socio-politique “radicale” (communisme, socialisme ou anarchisme), manifestent un certain degré d'opposition à l'ordre social existant. Au Brésil, le caractére précaire de cette conscience “radicale”, ses contradictions internes, ses inconsistances, ses faiblesses ne l'empêchent pas de constituer un niveau qualitativament différent de la “conscience syndicale” (qui ne met pas em cause le régime socio-économique). (Löwy, 1970, p.136)

A questão para identificar a concepção de sindicato junto aos

trabalhadores foi a seguinte: “A votre avis, quel est le but essentiel du syndicat?

Dos fatores que estariam contribuindo para a formação da consciência sindical

estariam: condições urbanas, idade, nível de instrução, condição salarial,

qualificação profissional, tempo de trabalho na empresa. Entre eles, sobressaiu

a questão sobre nível salarial, sendo que os de maior salário, 89,3% dos

entrevistados, concebiam o sindicato como espaço para unir e organizar. Isto é,

quanto menor a remuneração, maior a apatia e a ausência das atividades de

participação sindical.

O questionário também buscou identificar a relação do Estado (governo),

dos trabalhadores (sindicato) e dos empresários (neste caso, as indústrias

metalúrgicas). A questão estaria na posição do governo diante dos conflitos

entre trabalhadores e empresas e indústrias, inclusive também da sua

“imparcialidade”.

Dada a sua contextualização e o período histórico da pesquisa, Löwy

ressalta que os dados refletem a política oficial do governo de Getúlio Vargas

(1945) sobre os sindicatos, na qual os serviços de assistência médica e social

desempenhavam um papel importante na concepção do sindicato para os

entrevistados com ganhos salariais inferiores. Portanto, a idéia de um governo

que favorecia os trabalhadores. Isso refletia uma relação paternalista, de

38

intervenção governamental sob a autonomia dos sindicatos, sobre a influência e

controle direto do Ministério do Trabalho.

Importante observar nas conclusões da pesquisa que a consciência

radical-ideológica é representada pelo grupo que escolheu os comunistas e

socialistas como os melhores dirigentes sindicais.

De outra forma, a identidade de classe é constituída por um grupo residual

composto de trabalhadores sem pertencimento político e que consideram o

sindicato como uma instituição de “ajuda social”.

1.4 Ciência e Revolução24: fundamentos históricos, filosóficos e políticos

do conhecimento científico.

Se o materialismo histórico se propõe como explicação universal como

poderia sua objetividade científica se isentar de qualquer vínculo social, classista,

de qualquer determinação social e histórica? Como ficam suas implicações

cognitivas e epistemológicas?

Em Marx 25 , o problema da objetividade científica e seu conteúdo

político-ideológico aparece na relação entre ciência e luta de classes, entre

conhecimento teórico e filosofia engajada, entre ciência e interesses de classes

antagônicas. Para o marxismo, a ciência, a teoria política se constitui como

instrumento de desocultação das relações sociais e como meio de luta, como

arma de enfrentamento social e político do proletariado frente ao capital. A

tradição marxista seguida por Lenin, Trotski, Rosa Luxemburgo, Lukács, Korsch

e Gramsci, vai se constituir como a referência principal e radical da dialética

revolucionária do marxismo. Em Lukács, particularmente, essa visão de mundo

se constitui como o ponto de vista que corresponde racionalmente aos

interesses históricos e objetivos do proletariado (Löwy, 1973, p.217)

Entretanto, conforme Löwy (2007, p.99), aquele dilema inicialmente

colocado foi enfrentado por alguns teóricos marxistas de influência positivista,

pois acreditavam resolver a problemática da aplicação do materialismo histórico

24Science et révolution: objectivité et point de vue de classe dans les sciences sociales. In: Löwy, Michael. Dialectique et Révolution, essais de sociologie et d'histoire du marxisme. Editions Anthropos, 1973, p. 201-236. 25 Miséria da Filosofia e pósfácio da segunda edição de O Capital.

39

a si mesmo justificando o marxismo como a ciência da sociedade (ou da história).

Assim, o marxismo estaria imune à crítica que ele próprio desenvolve no interior

das ciências humanas e sociais.

Ou seja, a corrente de tendência positivista que surgiu nos quadros do

marxismo contrariou a idéia de ciência engajada, partidária de uma visão de

mundo e de interesses de classe. Esta corrente foi representada, sobretudo, por

Bernstein e Kautsky26. O primeiro desejou uma separação absoluta entre os

juízos de fato (Comte) e os juízos de valor (Kant) e o segundo trouxe uma

concepção ortodoxa ao marxismo. Desta última, a objetividade é como um

momento exclusivo do processo histórico constituído por um movimento

mecânico, linear, determinável, independente da ação e da consciência humana.

Ambos apresentaram dentro do marxismo influências, senão determinações, do

pensamento positivista. Tanto Bernstein como Kautsky não abordaram o ponto

de vista de classe na compreensão que fazem, cada um a seu modo, do

marxismo como campo científico, embora discutiram sua dimensão ética e moral.

Kautsky, embora no campo de oposição ortodoxa, procurou distinguir o ideal

socialista dos estudos científicos de leis de evolução do organismo social.

Le problème est relativement embrouillé chez Bernstein et Kautsky, parce qu'ils n'abordent la discussion sur le point de vue de classe que par le biais de l'éthique et de l'idéal moral. Mais il s'agit bien de la même question: l'éthique n'est qu'un aspect de la vision du monde qui constitue le point de vue particulier, la perspective d'une classe sociale, perspective qui conditionne (à des degrès divers), à travers des médiations complexes, la “tendance” de toute science sociale. (Löwy, 1973, p.218)

A abordagem coerente deste problema terá uma fundamentação

historicista, sobretudo, a partir de Rosa Luxemburgo (Reforma e Revolução,

1947), e depois pela corrente marxista-historicista. É neste campo que o

marxismo pode explicar-se, cientificamente, a si mesmo e encontrar sua

coerência teórico-metodológica, ou seja, a relação epistemológica entre a

ciência marxista e o ponto de vista do proletariado.

Entretanto, este desafio histórico lhe impôs outro dilema: a questão do

40

relativismo na ordem explicativa das visões de mundo, de sua relação com as

classes sociais e das condições mais favoráveis (à verdade) de conhecimento do

real. Isto é, sua explicação científica de construção do conhecimento social mais

próximo da realidade histórica. Sobre o caráter relativo desta dinâmica, afirma

Löwy (1973):

Relative, parce que le degré d'engagement idéologique n'est pas le même dans toutes les sciences sociales (ni celui de “neutralité idéologique” dans toutes les sciences naturelles) et que, d'autre part, à l'intérieur d'une même science, certains problèmes sont plus “sensibles” que d'autres (...) c'est le rapport inverse entre la science et le normatif: les valeurs qui orientent, influencent et conditionnent les jugements de fait. Rapport qui, lui, n'est pas logique mais sociologique: c'est le point de vue de classe (impliquant des éléments normatifs) qui définit, dans une large mesure, le champ de visibilité d'une théorie sociale, ce qu'elle “voit” et ce qu'elle ne voit pas, ses “vues” et ses “bévues”, sa lumière et son aveuglement, sa myopie et son hypermétropie. (Löwy, 1973, p. 211-212)

Historicamente, o ápice e o vigor revolucionário do pensamento em

Lukács, situado em sua obra máxima de 1923, não só retoma como também

vislumbra brilhantemente a problemática em questão. A saber:

Neste nível, como obra político-filosófica e revolucionária, História e consciência de classe continua a ser em nossos dias uma obra prima incomparável porque realiza uma notável síntese dialética (Aufhebung) entre ser e dever ser, valores e realidade, ética e política, tendências profundas e fatos empíricos, objetivo final e dados imediatos, vontade e condições materiais, presente e futuro, sujeito e objeto. Esta unidade coerente e harmoniosa, que não é um “meio termo” mas uma superação dos contrários, é uma estrutura significativa de História e consciência de classe, e o que faz a sua superioridade em relação aos escritos anteriores e posteriores de Lukács. (Löwy, 1998, p. 206)

No prosseguimento político-filosófico e na mesma preocupação histórica

desta tradição marxista, eis a questão recolocada por Löwy (2007, p. 100): “(...)

por que a visão de mundo proletária será mais favorável ao conhecimento social

26 A afirmação de Kautski a respeito do materialismo histórico como uma teoria puramente científica e, por esta razão, sem vínculo com o proletariado ocorre de maneira mais coerente na sua obra La Conception matérialiste de l'histoire (1927).

41

que a visão de mundo das outras classes?” Inicialmente, nosso autor ressalta a

distinção histórica do marxismo como visão de mundo: em Estados capitalistas o

marxismo como visão de mundo assume o caráter de uma utopia revolucionária,

ao passo que nas realidades pós-capitalistas a sua existência filosófica toma um

caráter ideológico (a exemplo do stalinismo).

Então, para explorar o conteúdo marxista, de visão de mundo, cabe

retomar o conceito de ideologia em Marx na obra O Dezoito Brumário que,

segundo Löwy (2007, p. 101), tem sua forma mais acabada, sua definição mais

precisa e concreta sobre as ideologias e visões de mundo enquanto expressão

das classes sociais. Neste célebre trabalho científico Marx afirma e demonstra

que a visão social de mundo ideológica ou utópica corresponde não somente

aos interesses materiais de classe (economicamente determinados) mas,

também, à sua situação social. Ou melhor, o conteúdo filosófico correspondente

à uma determinada realidade social é desenvolvido por ideólogos ou utopistas,

por 'representantes políticos e literários', intelectuais, os quais são relativamente

autônomos com relação à classe que representam. A situação social e cultural

destes intelectuais, necessariamente, não representa a mesma da classe cuja a

ideologia ou utopia eles correspondem. A definição da ideologia ou utopia se

constitui pelo seu modo ser e de pensar frente a uma certa problemática, um

certo horizonte intelectual, compreendendo-os como limites da razão numa

determinada sociedade e num determinado campo histórico.

Desse modo, como ficaria esta relação (ou contradição) com os

representantes do campo científico? Se constituíria necessariamente destas

mesmas determinações e mediações sociais? Para Löwy, a crítica marxista da

economia política burguesa introduz a problemática da autonomia relativa da

ciência como complemento essencial (e implícito) à sua crítica das limitações

ideológicas desta ordem no campo científico.

Em Marx a diferença entre os “clássicos” e os “vulgares” da economia

política está na autenticidade, em certa medida, que atribuem ou não à

dimensão científica da (e sobre a) realidade social. Enquanto que nos clássicos

(Adam Smith e, sobretudo, Ricardo) há um valor científico na medida em que

procuravam descobrir a conexão interna das relações burguesas (sem no

entanto buscar a questão-chave da produção do capital), nos economistas dito

“vulgares” a ordem (pseudo) científica se valeu das aparências das coisas, da

42

superfície imediata das relações de produção no capitalismo - a defesa

obstinada de que o capital é a fonte dos juros, a terra fonte de renda e o trabalho

fonte do salário. Assim, de acordo com Löwy (2007), em Marx o caráter de classe

de uma determinada elaboração da economia política não é uma indicação

suficiente de seu valor (ou não) científico. Em outras palavras, embora com

certas pressuposições ideológicas de ordem burguesa há uma certa

diferenciação, distinção na configuração de sua importância científica.

Uma primeira explicação em Marx para tal diferença no seio da economia

política burguesa é de ordem psicológica e moral. Uma outra explicação, mais

avançada em seus estudos, situa a relação do desenvolvimento da economia

política e da luta de classes para compreensão da distinção científica no âmbito

da teoria burguesa. Para Löwy (2007), estas duas explicações em Marx não são

contraditórias, mas se constituem como momentos necessários e

compreensíveis desta relação, se concebidas dialeticamente.

Com efeito, a argumentação psicológica, moral, da boa ou má-fé dos

cientistas burgueses é enriquecida pela explicação sociológica de conteúdo

inerente aos posicionamentos científicos. É na análise sócio-histórica das

contradições entre as classes sociais que se pode desvendar e compreender a

tendência ou regressão de uma determinada ciência social, em particular, da

economia política.

O período no qual a burguesia é revolucionária ou no qual ela não é ameaçada 'por baixo', isto é, pelo proletariado, é o que favorece – ou ao menos que permite – a honestidade científica. Pelo contrário, uma vez no poder, a burguesia se torna conservadora e sente a necessidade, ou melhor, ela exige uma apologética vulgar em defesa de suas novas posições conquistadas, face ao perigo que representa o avanço do movimento operário e do socialismo. A ciência 'imparcial' dos clássicos, não submetida de forma direta a um interesse exterior, exprime o grau elevado de autonomia da ciência econômica, possível em uma época na qual a burguesia não é contestada por uma força revolucionária nova; a doutrina 'venal' dos vulgares, diretamente a serviço de um interesse exterior à ciência, corresponde a um período no qual a burguesia se viu diante de um questionamento, tanto na teoria como na prática, da exploração capitalista. (Löwy, 2007, p.105-106)

Os pressupostos positivistas são de implicações conservadoras,

reacionárias e contra-revolucionárias, visto que isentam ou afastam das ciências

43

do homem e da sociedade qualquer influência ou caracterização ideológica,

qualquer relação ideo-política que o conhecimento possa manifestar (Löwy,

1973). Da mesma forma, a dimensão transformadora e revolucionária da

realidade histórica seria inexistente porque as leis da sociedade são como leis

naturais, invariáveis e independentes da ação humana.

O positivismo comtiano contribuiu cientificamente 27 para a ordem do

mundo burguês, para a resignação e passividade humana frente ao processo de

industrialização e de exploração da força de trabalho. Dissimular e ocultar tal

conhecimento implicou também em retirar as possibilidades de ruptura e de

superação com o sistema e com o modo de vida capitalista. Dessa forma, as

pesquisas e as explicações científicas pelo positivismo buscaram agregar forças

e meios para abolir qualquer tentativa de alcance social das teorias críticas, de

cunho subversivo, enfim, de caráter revolucionário.

A condução filosófica e política burguesa, e os seus limites científicos, é

do ponto de vista do marxismo uma orientação histórica de sua própria visão de

mundo – da sua problemática e do seu horizonte intelectual -, momentos

particulares que se condicionam e que se constituem de uma mesma totalidade

social. O sistema de questões colocado cientificamente para a realidade é que

define o caráter cognitivo, moral, ético e histórico de uma determinada postura

metodológica, teórica, filosófica e epistemológica.

Na relação entre a problemática científica e seu horizonte intelectual é

possível afirmar que o papel da ideologia circunscreve os limites do saber

científico (Löwy, 2007, p.108). Assim, é irrelevante para a ciência burguesa não

só colocar determinadas questões para a explicação da sociedade capitalista

como também impossível para ela ir além de determinadas investigações e

explicações, cujo o horizonte e a visão de mundo não permitem.

Neste sentido, há uma impossibilidade histórica e cognitiva de

apreeensão de certos aspectos da realidade. Prisioneiros de uma ideologia

burguesa os economistas clássicos não podiam conceber as contradições da

sociedade capitalista como contradições históricas, isto é, entre classes sociais

distintas, mas as compreendiam como expressões das leis naturais da

27 Na ciência moderna, o positivismo clássico foi substituído pelo behavorismo e pelo funcionalismo, sobretudo, nas instituições acadêmicas americanas.

44

sociedade. Ou, conforme Löwy (p.109), “a ideologia burguesa não implica a

negação de toda ciência, mas a existência de barreiras que restringem o campo

de visibilidade cognitiva”.

De acordo com Löwy (1973), o que faz com que o método nas ciências

sociais seja distinto da metodologia utilizada nas ciências naturais é um conjunto

de elementos teóricos, históricos e filosóficos caracterizados por distintas visões

de mundo. Assim, o conhecimento da verdade objetiva nas ciências sociais pode

ter influência direta sobre a luta de classes e influenciar no discurso e na ação

dos sujeitos diante dos conflitos históricos.

Da dimensão teórica, histórica, filosófica, metodológica e política acima

esboçada, cabe-nos retomar a categoria social que inicialmente sistematizamos

e que procuramos desenvolver parte de sua complexidade: a totalidade como

fundamento e como instrumental metodológico da ciência marxista

revolucionária.

A ação humana é um eterno processo de transformação da totalidade: por isso, para apreender a realidade, o homem procede por totalizações relativas sem jamais alcançar a objetividade pura e cristalina. Ele próprio é história. E é por esse processo, que consiste em atingir certa coerência estrutural, que o homem destrói as totalidades antigas para criar novas. “Só existe totalização na medida em que há destotalização”. Portanto, a totalidade é processo histórico contínuo. Ela é regida pelo princípio de variação interna, não de fixação das partes. A relação entre o conteúdo e a forma é consequentemente uma relação dialética, no sentido em que a forma é o resultado indireto do conteúdo. O que quer dizer que a forma procede igualmente do movimento de transformação do conteúdo. Não há linearidade de efeitos do conteúdo sobre a forma, mas principalmente interdependência, ação e retroação, movimento biunívoco entre um e outro. Esse princípio, magistralmente demonstrado por Hegel em “A ciência da lógica”, é sempre retomado por Goldmann. Se a totalidade é submetida então a um processo de variação, as estruturas internas – o que se convencionou chamar de “as partes” - jamais existem de maneira absoluta, elas próprias estão sempre em processo de transformação e de mutação. Esse processo é o de superação da quantidade pela qualidade, da mutação de uma estrutura para outra. E nessa problemática, o status da estrutura (da parte) é determinado em última instância pela totalidade, e não o inverso. (Löwy, 2008, p. 25)

45

1.5 Intelectuais e trabalho na sociedade capitalista: a (nova) face de um

(velho) problema.

No quinto e último item de nosso primeiro capítulo trataremos sobre a

proletarização do trabalho intelectual de forma a exercitar os fundamentos

teóricos e críticos necessários na compreensão de sua atualidade histórica. Em

particular, para substanciar o problema de pesquisa que nos defrontamos na

realidade: as condições de precarização e intensificação do trabalho docente no

ensino superior do Brasil no contexto de mundialização do capital e, por

extensão, de mercantilização da educação.

De acordo com Löwy (1998), certas transformações e tendências

estruturais de desenvolvimento do capitalismo contemporâneo, bem como as

transformações políticas e culturais que norteiam a situação dos intelectuais

após 1960 explicam, de certa forma, a proletarização e a radicalização dos

intelectuais. Para o autor os intelectuais são criadores de produtos

ideológicos-culturais em sentido estrito.

Mas, em que consiste a proletarização? Como muito bem demonstrou Mandel, sua essência é, em primeiro lugar, a transformação da força de trabalho em mercadoria: 'A proletarização do trabalho intelectual implica o aparecimento de um mercado de trabalho intelectual. Neste mercado, a força de trabalho intelectual é comprada e vendida como qualquer outra mercadoria, da mesma forma como ocorre com a força de trabalho braçal desde as origens do capitalismo. A força de trabalho intelectual ganha um preço de mercado que flutua segundo as leis do mercado, ou seja, segundo as leis da oferta e da procura...'. “A inteligência”, “a cultura” ou a “competência” deixam de ser qualidades individuais (reais ou supostas) e incomensuráveis, transformando-se em força de trabalho intelectual, tornam-se mensuráveis, quantificáveis e passíveis de redução a um valor de troca. Por outro lado, enquanto o vendedor de serviços continua sendo o proprietário de sua capacidade de trabalho e guarda uma considerável margem de liberdade, o vendedor da força de trabalho está submetido ao comprador da mercadoria que dispõe dela a seu bel-prazer. A força de trabalho já não pertence ao proletário intelectual que deve obedecer a seu novo proprietário.”(1998, p. 268)

Mesmo que predomine uma grande fração em torno da produção e

reprodução da ideologia dominante é expressiva a adesão dos intelectuais aos

movimentos de esquerda, ao movimento sindical, incluindo setores produtivos e

46

terciários. Essa adesão atual dos intelectuais nas novas estruturas políticas e

sociais ganhou um caráter de massa, muito diferente do período histórico que

contextualizou a evolução política de Lukács e de seus amigos intelectuais nos

círculos que compartilhavam a “recusa apaixonada e vaidosa” ao modo de vida

capitalista que insurgia.

Para os intelectuais do Círculo de Max Weber de Heidelberg e do Círculo

do Domingo em Budapeste, a predominânica dos valores mercantis sobre os

valores éticos e morais, culturais e sociais autênticos como a poesia, a arte, o

humanismo, a solidariedade, a amizade, os aborrecia profundamente, tanto que

numa aparente aspiração realista desejavam um retorno ao passado

pré-capitalista. De outro lado, os que tomavam um partido mais radical à epoca,

de acordo com posições ou idéias, eram tidos como utópicos até que

concretamente tivessem como referência o movimento operário.

Na contemporaneidade, a relação entre utopia e realismo diante do

mundo capitalista muda o conteúdo. Hoje, o desejo da volta às antigas formas de

produção e de relações sociais do passado é que se caracteriza como uma

concepção utópica do mundo conforme argumenta Löwy:

Mas o essencial é que o realismo e a utopia mudaram de campo: enquanto, desde as Revoluções russa, iugoslava, chinesa, vietnamita e cubana, a transição para o socialismo é um processo real, desigual e contraditório, a volta atrás, a volta à comunidade pré-capitalista “natural” e “orgânica” tornou-se um sonho utópico. (1998, p.261)

Obviamente, por serem produtores ideológico-culturais, as

características resultantes destas transformações são distintas daquelas

encontradas no seio do trabalho produtor de mercadoria propriamente dito, ou

seja, o trabalhador da fábrica, da indústria, da produção. Ainda assim, as

diferenças entre condições de salário, de trabalho e de concorrência no mercado

capitalista tendem a desaperecer, senão se tornarem quase insignificantes no

conjunto dos trabalhadores explorados na sua força de trabalho.

No que diz respeito ao conceito de proletarização do trabalho intelectual,

Löwy (1998) polemiza com Nicos Poulantzas (Les classes sociales dans le

capitalisme aujourd'hui, 1974) visto que para este autor as transformações do

trabalho dos intelectuais caracterizam sua participação e pertencimento no

47

campo de uma “nova pequena burguesia”. Poulantzas reconheceu as perdas e a

exploração do trabalho intelectual sem, contudo, identificá-lo no conjunto das

classes trabalhadoras.

Em conclusão, parece-nos que os setores tão habilmente descritos por Poulantzas, e definidos por ele como “polarizados pela classe operária”, são, por seu lugar nas relações econômicas, sua posição no campo da luta de classes e sua ideologia, camadas muito mais próximas do “proletariado tradicional” que da pequena burguesia tradicional. Portanto, parece-nos mais correto denominá-las de “nova classe operária”, “novo proletariado” ou “proletariado intelectual” que de “nova pequena burguesia”. (Löwy, 1998, p.266)

Para Löwy, o critério para distinguir o trabalhador intelectual pequeno

burguês do proletarizado é a diferença entre venda de serviço e venda da força

de trabalho. Considerando as mediações que se deve fazer para compreender

tal diferenciação no conjunto das categorias profissionais, este é o critério

exclusivo para desvendar seus fundamentos sócio-econômicos.

Deste aspecto socioeconômico fundamental decorre uma série de consequências para o trabalhador intelectual que são os sinais visíveis de sua proletarização: a passagem da autonomia à subordinação e da independência à dependência; a perda de controle sobre o conteúdo de sua própria atividade; a expropriação de seu sobre-trabalho. A proletarização frequentemente significa também a desqualificação, a subocupação, o desemprego, os baixos salários, o trabalho parcelado, fragmentado, mecanizado, monótono e brutalizante. Este “dilaceramento” da liberdade em direção à submissão a um poder exterior é, sem dúvida, uma das fontes do antiautoritarismo da revolta dos estudantes e trabalhadores intelectuais. (Löwy, 1998, p. 268)

Particularmente, no que diz respeito ao nosso tema de pesquisa, a

reforma do ensino superior na América Latina - pano de fundo da proletarização

do trabalho intelectual no nosso continente - diz respeito ao conjunto de medidas

pontuais e de ajuste sustentadas sob a necessidade de atender as medidas de

flexibilização do trabalho e da educação na sociedade de mercado, portanto,

longe de se caracterizar como um projeto coletivamente discutido e elaborado

em sociedade.

48

“Reformar” significa ajustar cada país às suas condições de dependência

política e econômica, abrir seus mercados e gerar novos mercados,

especialmente por serviços antes prestados pelo Estado, desfazendo políticas

de proteção social dos trabalhadores e flexibilizando as relações entre capital e

trabalho. Nos próximos capítulos faremos uma discussão sobre a (contra)

reforma do Ensino Superior e os seus impactos sobre o trabalho docente.

Contudo, é importante por ora situar conforme Löwy os sinais visíveis da

proletarização do trabalho intelectual na atual conjuntura educacional.

Lukács em História e Consciência de Classe (1923) já evidenciava o

caráter de venda do trabalho intelectual como mercadoria. Quarenta e três anos

depois (1966) Lukács comparava: a vasta camada de intelectuais, em particular

das universidades, apresentava uma significativa autonomia material em rendas,

patrimônio e dinheiro antes da Segunda Guerra Mundial.

Nas atuais condições muitos intelectuais se aproximam da condição de

assalariados. Isto, por sua vez, exige uma retomada da análise da venda de

serviços e da venda da força de trabalho imaterial, dadas as especificidades em

que se apresentam e da (re) composição das classes sociais na

contemporaneidade. Deve-se reconhecer, por exemplo, que não é possível

dividir as classes sociais de forma estanque e absoluta. É necessário, então,

compreender as mediações que esta problemática impõe.

Todavia, o que desejamos evidenciar na realidade que recortamos são as

características da exploração do trabalho intelectual docente, precário, reificado,

transformado em mercadoria. O que desejamos evidenciar é que a sociedade

moderna transformou a atividade intelectual, criadora de produtos

ideológico-culturais (Löwy, 1998), em atividade assalariada ou, se assim quiser,

numa determinada forma do trabalho social dominada e controlada segundo as

prerrogativas do mercado.

Cabe ressaltar que a condição material dos professores assalariados

não é única (nem exclusiva) no processo de radicalização dos intelectuais. De

acordo com Löwy (1998), as condições ético-culturais e político-morais situadas

no campo ideológico (concretas pois não se trata de pura abstração) são

condições que motivam e produzem a insurgência de uma radicalização

49

anticapitalista. Produzem certa contestação dos intelectuais em um modo de

resistência às relações reificadas do trabalho e da vida social.

Não há dúvida de que esta transformação objetiva na condução dos trabalhadores intelectuais e da intelligentsia tem um papel decisivo em sua radicalização político-ideológica e sua integração nas filas do movimento operário. Dito isso, há uma fração considerável, talvez mesmo majoritária da intelligentsia, que em última análise, continua pequeno-burguesa: certos tipos de professores universitários e de pesquisadores científicos, escritores independentes, artistas, etc. Ora, esta fração também apresenta fenômenos de radicalização por vezes tão importantes quanto aqueles que encontramos na camada proletarizada.(...) É preciso também analisar as formas de radicalização específicas a intelligentsia enquanto tal, ou seja, enquanto categoria social definida em relação ao ideológico; estas formas são distintas das da massa dos trabalhadores intelectuais (proletarizados ou pequeno-burgueses) e passam, hoje, como na época do jovem Lukács, por mediações essencialmente “superestruturais”, ideológicas, ético-culturais e político-morais. (Löwy, 1998, p. 270-271)

Numa dada direção ideológica, política e cultural, intelectuais e

estudantes das universidades latino-americanas estão na vanguarda da

contestação e na resistência em massa à sociedade de mercado. Ao longo de

seu surgimento as universidades somente responderam às necessidades da

estrutura social e política que dominou durante os séculos coloniais e o primeiro

século da República, pois criaram um vínculo de harmonização com os

interesses das classes dominantes. O movimento de Córdoba (junho de 1918)

na Argentina se constituiu como o primeiro confronto e questionamento formal à

instituição do Ensino Superior na América Latina. Sinal de que universidade e

sociedade se contradiziam e que existiam interesses sociais e econômicos

opostos.

Portanto, mudanças na composição social exigiam mudanças profundas

também na política universitária tradicional e obsoleta. O resultado histórico da

Reforma de Córdoba foi a autonomia universitária. Dentro daqueles limites

históricos a função social da educação superior e a eleição das autoridades da

academia pela própria academia foram conquistas do “grito de Córdoba”,

modificadores do nível organizacional e político da universidade. Tal

acontecimento é o ponto de partida para refletirmos o modelo de universidade

que tanto almejamos. Que atenda aos valores e às aspirações concretamente

50

democráticas. Córdoba apontou o caminho para fortalecer nossa própria

identidade de inspiração e vocação latino-americana.

Para Oliveira e Azevedo (2008) a Reforma de Córdoba é um marco

histórico sobre os demais processos de reforma universitária e uma referência

obrigatória no debate e na defesa dos seguintes princípios: a autonomia

universitária: a eleição direta dos dirigentes; concursos para os cargos docentes;

gratuidade do ensino; assistência aos estudantes e democratização do acesso;

extensão universitária; e, integração e unidade latino-americana, entre outros. O

movimento de Córdoba se constituiu simbolicamente como uma resposta às

mudanças conjunturais, nacional e internacional, que se processavam como o

fim da primeira guerra, a revolução russa e a crescente urbanização e

proletarização da sociedade argentina. A extensão universitária como um meio

de vinculação efetiva entre universidade e sociedade foi uma das bandeiras do

movimento de Córdoba frente a cultura das castas e das aristocracias coloniais

que criava um abismo entre o povo (pobre) e o ensino superior.

Para Mariatégui (1894-1930), nos escritos sobre “O processo da

educação pública” (1928) aquela conjuntura apresentou uma solidariedade entre

o movimento estudantil e o movimento histórico geral dos povos

latino-americanos o que assinalou o nascimento de uma nova geração

contestadora na América Latina. A proletarização da classe média também foi

motivo gerador da contestação estudantil em Córdoba, visto que essa condição

aproximou os setores universitários (estudantes da classe média) ao movimento

operário sindical o que resultou em grandes contribuições ao pensamento

crítico-social da América Latina. Grupos de estudiosos de Economia e de

Sociologia, por exemplo, colocaram seus conhecimentos a serviço do

proletariado e de sua direção política. Segundo Leher (2008), a aproximação do

operário com o estudante no Movimento de Córdoba foi um acontecimento

inédito e original nas lutas universitárias que até então tiveram como

protagonistas estudantes de classe média e alta. Uma combinação da

perspectiva do marxismo europeu com a realidade e as lutas latino-americanas

fez com que fossem refletidas, a partir de Córdoba, questões sobre a educação

popular, o caráter e a função social da universidade, a presença dos proletários

nas academias, os problemas nacionais e o anti-imperialismo, a autonomia da

universidade e as perspectivas para o continente. Isso demonstra em parte a

51

afirmação de Mariatégui de que o marxismo latino-americano não poderia ser um

decalque, uma cópia.

Na atualidade o tema da reforma universitária é bem diferente daquele

momento histórico, pois atende mais às necessidades pontuais da globalização

econômica e concorrência do capital internacional. A reestruturação produtiva,

as novas tecnologias no processo produtivo e a exigência de flexibilização das

relações de trabalho são alguns dos elementos colocados à frente e por dentro

do âmbito universitário. Hoje, como qualquer outro movimento social de

oposição à ordem, os estudantes tendem a radicalizar meios táticos de pressão

como as ocupações de reitorias para atendimento de pautas defensivas, contra

a retirada de direitos. A ofensiva neoliberal nos anos 1990 buscou destruir os

princípios que antes fundamentaram a plataforma reformista: a gratuidade, a

democracia e o pluralismo político, a autonomia, o ingresso por concurso público

e a natureza pública das instituições, o governo compartilhado e o acesso

universal. As bandeiras da Reforma de Córdoba não perderam a sua

legitimidade frente aos imperativos financeiros e institucionais ditados pelos

mercados.

Para Ouriques (2005, p.176) reforma universitária na concepção

dominante significa, de fato, mecanismos de ajuste da estrutura e da política

educacional à dinâmica de acumulação capitalista citando, como exemplo, o

período da ditadura no Brasil (1964-1985). Os governos ditatoriais apoiados na

exploração dos trabalhadores e no endividamento externo contavam com a

expansão das universidades públicas e com ela na pesquisa em ciência e

tecnologia favorecendo interesses imperialistas. Assim, acordos internacionais

como MEC-USAID aprofundaram as relações de dependência e de

subdesenvolvimento28. Nas palavras do autor:

O momento exige uma mudança radical de rumo. O colapso da modernização capitalista em curso em todo o continente, e particularmente no Brasil, permite uma resposta à altura na

28 Ouriques lembra a greve da Universidade Autônoma do México (UNAM) em 2000, protagonizada pelos estudantes durante dez meses não foi “desconsiderada” pelo Banco Mundial. Após a crise apresentada pela maior universidade latino-americana nenhuma das medidas mais impopulares previstas nos documentos do Banco foi considerada pelos governos daquela região, incluindo a mais polêmica delas: a instituição de mensalidades nas universidades públicas.

52

educação, especialmente nas universidades. Contudo, se historicamente é possível e necessária esta mudança, o mesmo não ocorre no terreno da política, pois a força propulsora esfacelou-se porque aqueles que acumularam a legitimidade histórica para fazê-lo decidiram adotar, uma vez no governo, o programa que criou a catástrofe; não obstante a confusão inicial, é óbvio que o clima tende a mudar, ainda que lentamente e quem sabe, teremos mais cedo do que o pessimismo atual indica outra oportunidade sem as ilusões políticas do passado recente. A possibilidade de uma reforma universitária motivada pela necessidade de ruptura com a dependência e o subdesenvolvimento talvez encontre desta vez o sujeito histórico à altura da tarefa. (Ouriques, 2005, p. 178)

A dominação da mercadoria sobre o homem atravessa fronteiras,

barreiras de ordem ética e moral. É necessário para o capital uma ordem

quantitativa das coisas, uma naturalização das desigualdades sociais sob a

“necessidade social” dos valores de troca. O império da mercadoria e das

relações mercantis explica a dinâmica, a lógica e o sentido do mundo. Neste

sentido, as lutas do Terceiro Mundo são historicamente fundamentais ao

processo de tomada de consciência dos povos oprimidos como reação ao

imperialismo. Intelectuais e estudantes se identificaram com os movimentos

revolucionários dos três continentes - asiático, africano e latino-americano –

encontrando um elemento comum e de unidade na luta. A revolução cubana, a

revolução cultural da China e a revolução vietnamita fizeram despertar a

possibilidade real de uma sociedade socialista. Os intelectuais dos países

subdesenvolvidos são, de forma massiva, mais engajados politicamente,

diferentemente das realidades norte-americana e européia. Conjunturas e

elementos históricos a parte, um fator decisivo que contribuiu para essa reação

anticapitalista massiva foi o papel da burguesia nacional o qual já abordamos

alguns elementos principais nos itens anteriores. O caráter de dependência do

capitalismo internacional fez com que a burguesia dos países periféricos

assumisse um papel decisivo na reprodução da ordem mundial e não como

classe aliada no papel da revolução nacional democrático-popular.

Este quadro histórico, combinado com um início de proletarização dos trabalhadores intelectuais, produz, sobretudo na América Latina e Ásia, uma radicalização de uma intensidade e violência, às vezes espantosas, da Intelligentsia e da juventude estudantil. Por exemplo, uma sociologia do castrismo, que ainda deve ser feita, muito provavelmente mostraria que a

53

base social dos movimentos de esquerda revolucionária inspirados no exemplo cubano foi, pelo menos numa primeira fase, composta essecialmente por estudantes e jovens intelectuais (para atingir, numa segunda etapa, os favelados, o campesinato e, por vezes, a classe operária). (Löwy, 1998, 277)

Há outro elemento importante a considerar no que diz respeito ao

processo de radicalização dos intelectuais: o aprofundamento das relações

coercitivas do aparelho do Estado que predominaram sobre as de ordem

ideológica. A violação às prerrogativas democráticas, às liberdades políticas,

aos direitos sociais e humanos é cotidianamente banalizada. O Estado social,

em tese, transforma-se direta ou indiretamente em Estado policial que dá ordem

às coisas. Diga-se, às coisas e ao mundo do mercado. Nesse aspecto, as

ditaduras financiadas pelo imperialismo norte-americano na América Latina e,

entre elas, a ditadura militar no Brasil, constituíram também uma resposta à

radicalização anticapitalista dos intelectuais. A perseguição política, as torturas,

os desaparecimentos e assassinatos de intelectuais brasileiros, especialmente

no período entre 1968-1972, aconteceram em função das relações mantidas

com a esquerda revolucionária.

A aculturação economicamente condicionada é o último elemento

apresentado por Löwy para explicar o fenômeno da proletarização e

radicalização dos intelectuais nos países mais pobres. Trata-se da imposição de

uma cultura moderna, industrial, mercantil como cultura hegemônica. Trata-se

da mundialização do capital sem precedentes e sem qualquer restrição de

ordem ética e moral. Contudo, mesmo considerando todos esses aspectos o

papel de resistência anticapitalista dos intelectuais abandonados em si mesmos

não lhes retribuirá o valor histórico e verdadeiramente revolucionário. Isto quer

dizer que há uma condição fundamental para a tomada de consciência e de luta

das camadas dos intelectuais, sobretudo aqueles levados à condição de

assalariados, de intelectuais proletários: a unidade com o conjunto dos

trabalhadores que vendem a sua força de trabalho. Com efeito, entre tantas

questões complexas que nos desafiam na ordem do dia sob pressão dos

mercados é na contracorrente que se faz urgente as lutas sociais e as diversas

formas de resistência: operária, popular, estudantil, de gênero e tantas outras. A

insurgência e a organização revolucionária é o que fará a diferença histórica

necessária e possível.

54

CAPÍTULO 2:

CAPITAL E TRABALHO: FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E

TRANSFORMAÇÕES RECENTES.

2.1 – A propósito de uma direção política.

Dentro da tradição marxista, Karel Kosik (1976) nos motiva com algumas

questões aqui pertinentes e bastante complexas. Segundo o autor, diferentes

épocas e gerações históricas acentuam determinados elementos em O Capital

justamente porque em suas interpretações, centram um significado maior ou

menor para distintos aspectos em função das diferentes condições de classe e

períodos históricos em que esta obra sobrevive. Contudo, ressalta:

Mas é esta atribuição de significados uma concretização dos sentidos que estão contidos objetivamente no texto ou é introdução de novos sentidos na obra? Existe um significado objetivo da obra (do texto) ou ela só é compreensível nos vários modos subjetivos de abordá-la? Parece que caímos aqui num círculo vicioso. É possível uma interpretação autêntica do texto que capte o significado objetivo da obra? Se não existe tal possibilidade, qualquer tentativa de interpretação seria absurda, pois o texto apenas poderia ser captado através dos modos subjetivos de abordá-lo. Mas se existe a possibilidade de uma interpretação autêntica, como conciliar esta possibilidade com o fato de que todo o texto é interpretado de várias maneiras e que a história do texto consiste na história de suas várias interpretações? (Kosik, 1976, p.142)

As interpretações de O Capital podem ser consideradas como

expressões históricas de sua existência social, como manifestação de

determinadas concepções de mundo. Assim, a depender do ponto de vista de

classe e do grau de desenvolvimento histórico, evidencia-se o que é mais ou

menos significativo na obra. Não obstante, algumas interpretações consideram

irrelevantes ou até mesmo não apreendem a discussão filosófica em Marx e a

respectiva articulação com as elaborações de sua problemática econômica.

Do contrário, também são insuficientes as interpretações que acentuam a

questão lógica em detrimento de suas categorias econômicas o que, na mesma

55

medida, altera a natureza e o propósito do texto. A ultrapassagem dos limites de

ordem teórico-metodológica exige o conhecimento da objetivação histórica, da

mediação dialética de suas determinações mais particulares com a totalidade de

suas expressões mais complexas.

De acordo com o autor que por ora citamos o eixo central de análise de O

Capital situa-se na problemática da relação da ciência (economia) com a filosofia

(dialética) o que confere à obra uma articulação econômica particular e

fundamental com relação às outras esferas do conhecimento científico. O

Capital é o material ilustrativo de seu movimento lógico (dialético) na economia

política.

Podemos afirmar que a objetividade científica de toda a problemática de

O Capital está na interação histórico-dialética que Marx realiza em suas

investigações sobre um determinado estágio de desenvolvimento das forças

produtivas e das relações sociais de produção na sociedade capitalista

defrontada e capturada por ele. É nesta perspectiva que se problematiza o grau

de importância ou de negação da filosofia em Marx ou, conforme observa Kosik,

O esquema inconsciente e não analisado na maior parte das interpretações do desenvolvimento espiritual de Marx pressupõe que o desenvolvimento desde os “Manuscritos” até “o Capital” equivale à passagem da filosofia à ciência. Quer este processo seja avaliado positiva ou negativamente, como progresso ou como decadência, o seu traço característico continua sendo o gradual abandono da filosofia e da problemática filosófica em proveito da ciência e da problemática científica exata. No desenvolvimento espiritual de Marx encarna-se e se realiza a exigência radical da esquerda hegeliana: a liquidação da filosofia. (Kosik, 1976, p. 151)

Na exigência radical da esquerda hegeliana a filosofia é eliminada pelo

fato de se realizar concretamente ou de se transformar numa “teoria dialética da

sociedade”. Mas há também a possibilidade de “liquidação” da filosofia ao

transformá-la numa ciência residual. Perguntamos: mas a razão não consiste na

materialização da filosofia? Segundo Kosik (1976) a filosofia não está reduzida à

falsa consciência ou a irracionalidade, como uma ideologia tão somente. Ela, a

filosofia, no seu sentido autêntico é a determinação de uma filosofia histórica.

56

Não obstante, os diferentes períodos da humanidade representaram o

domínio econômico e político de determinadas classes sociais, as quais tiveram

como limite histórico a negação das possibilidades de sua negação como classe

dominante, isto é, como classe que se quer revolucionária no seu tempo. Então,

se a filosofia depende desta racionalidade para cessar, onde está o conteúdo

dialético de sua formulação? A filosofia, no seu sentido autêntico, é a

determinação de uma filosofia histórica. Se a trajetória histórica „termina‟ no seu

momento crítico, no momento da razão crítica, então, como concebê-la

dialeticamente? Seria a razão „dialética‟ possível somente até um determinado

período histórico, de subversão e de insurgência, para depois se transformar em

uma razão supra-histórica e estática? (Kosik, 1976, p.154-155) Nestes termos,

qual é então, a necessidade da filosofia?

(...) é ainda a filosofia uma forma específica da consciência da qual o homem tem absoluta necessidade para captar a verdade do mundo e para a exata compreensão do seu lugar no mundo? (...) Ou, talvez, o periódico alternar-se do milenarismo com a desilusão cética e a permanente discordância da razão com a realidade testemunham que a razão e a realidade são efetivamente dialéticas, que a sua suspirada identidade absoluta equivaleria à eliminação da dialética? (KOSIK, 1976, p. 155)

A „”teoria dialética da sociedade” consiste no resultado de dois

movimentos no plano intelectual de Marx: o primeiro, quando na gênese do

marxismo, ele dilui a filosofia hegeliana e funda a teoria dialética da sociedade; e

o segundo, quando no desenvolvimento da sua própria teoria sociológica. No

que diz respeito ao primeiro movimento, a gênese do pensamento marxista é

explicada pela dissolução do sistema de pensamento hegeliano – ápice da

filosofia burguesa no Estado Moderno – na medida em que a totalidade desta

filosofia ao ser „decomposta‟, abre-se para duas distintas formas de pensamento

moderno: o marxismo e o existencialismo.

Segundo Kosik estas duas vertentes de pensamento apresentavam uma

transformação das idéias constituídas a partir de Hegel e que, no seu movimento

de superação não determinavam um fosso, um abismo intelectual do

pensamento hegeliano na história da filosofia. Assim, não houve então uma

57

aniquilação absoluta do seu sistema de pensamento quando dele se derivou

aquelas distintas concepções de mundo. Dialeticamente, o marxismo e o

existencialismo significaram a negação e ao mesmo tempo a síntese de uma

determinada fase histórica da filosofia burguesa.

A lógica dialética indica o horizonte determinável e indeterminável dos

processos históricos e, por esta razão, nunca se limita ou se elimina na história

como interpretações de determinadas concepções e visões de mundo. Do ponto

de vista da dialética do concreto a história da filosofia ou a filosofia da história

não pode ser explicada por uma “alternância no pensamento social”, isto é, da

passagem pura e simples de uma filosofia para outra, pois isto pressupõe um

desenvolvimento imanente das idéias tão refutado pelo materialismo histórico.

Tampouco pode ser explicada como uma superação da filosofia até o quanto

indicar o seu limite histórico, pondo fim a sua existência e ao seu sentido real

como filosofia. A crítica marxista, assim, desmistifica a abstração pura de

determinadas concepções de homem e de mundo na medida em que delas

subtrai o conteúdo social e econômico que as produzem. No plano do

conhecimento manifestam-se as contradições do mundo real, os antagonismos

e as aspirações concretas de determinadas classes sociais.

Para Kosik (1976, p.158) estas contradições significam o momento da

relatividade da existência social, das condições reais que se reproduzem no

pensamento e que dele derivam novas práticas e ações transformadoras das

condições reais de existência. Segundo o autor, o momento da relatividade pode

ser explicado tanto pelo seu:

(...) grau de aproximação e inexatidão quando ao mesmo tempo capacidade de aperfeiçoamento e de precisão da consciência humana. Se em todo e qualquer conceito está sempre incluído o momento da relatividade, isto significa que todo o conceito é tanto um degrau histórico do conhecimento humano quanto um momento do seu aperfeiçoamento.

Nestes termos, a estrutura literária e científica de O Capital só é possível

porque se caracteriza na e pela realidade investigada. Não se trata de uma

estrutura de categorias pré-concebidas as quais são submetidas ao processo de

58

investigação do real e de forma sistemática. Das suas dimensões sociais,

políticas e econômicas, constituídas e constituintes do modo de produção

capitalista, num determinado estágio de seu desenvolvimento histórico, o

concreto pensado em Marx resulta numa determinada estrutura lógica,

correspondente ao seu modo de ver, compreender e explicar o mundo. A

investigação da natureza específica das relações sociais de produção em O

Capital derivou como unidade dialética, da forma e do conteúdo, de seu método

de investigação e de sua forma de exposição científica.

Desse modo, ao analisar a mercadoria Marx parte da sua forma mais

simples e particular na totalidade das relações fundamentais entre o capital e o

trabalho - o valor de uso e valor de troca - para somente, então, avançar no

exame de sua essência – o valor. Demonstrou, assim, que a mercadoria só pode

ser concebida como coisa banal e trivial se esgotar-se na sua própria aparência,

sob um sistema total de alienação e reificação, pois o capitalismo atribuiu à

mercadoria a função de um sujeito mistificado e mistificador da realidade.

A propósito desta condição antes mesmo de apreender a existência e a

necessidade do caráter abstrato destas relações, vislumbrando o processo de

negação e síntese do movimento histórico, Marx já defrontava o capitalismo

como um sistema social e econômico repleto de contradições. Isto é, mesmo na

aparência de suas expressões, a totalidade do fenômeno e o conjunto

generalizado de suas determinações foram primeiramente necessários para

Marx orientar a unidade dialética do seu raciocínio sobre a economia capitalista

em desenvolvimento. Apresentando a mercadoria como forma econômica

elementar do capitalismo desmistificou o que estava oculto reconstituindo o

objeto de sua investigação nas múltiplas determinações em que este consiste.

A mercadoria, assim, se materializa como forma concreta do produto do

trabalho social e, portanto, plena de determinações sociais. Com efeito, todo o

desenvolvimento da investigação em Marx que se seguiu demonstrou ao seu

final a necessidade daquele determinado ponto de partida analítico - o da

mercadoria. Esta é, sobretudo, uma determinada forma histórica do trabalho

social e é a partir dela e do seu conhecimento objetivo no conjunto das relações

59

sociais de produção e reprodução social que é possível a tomada de consciência

revolucionária. Eis, então, o nexo central da dialética marxista:

(...) como um processo que se desenvolve sem a consciência dos homens e independentemente dela, como um processo a cujas leis se submetem também o modo pelo qual os homens tomam consciência do próprio processo e da sua posição dentro dêle. (...) Não é apenas uma descrição das configurações objetivas do movimento social do capital e das correspondentes formas de consciência, dos agentes do próprio movimento; em unidade indissolúvel com a investigação das leis objetivas do funcionamento do sistema (que compreende interrupções e crises), êle investiga também a gênese e a configuração do sujeito que efetua a destruição revolucionária do sistema. O sistema é descrito na sua totalidade e concreticidade quando se descobrem as leis imanentes do seu movimento e da sua destruição. O conhecimento ou a tomada de consciência da natureza do próprio sistema, como sistema de exploração, são a conditio sine qua non para que a odisséia da forma histórica da práxis chegue a têrmo na práxis revolucionária. (Kosik, 1976, p. 167-168)

Para Kosik há um motivo simbólico e intelectual em comum entre Marx e

Hegel, próprio de uma época cultural, entendido como “a odisséia”. Este motivo

simbólico diz respeito à peregrinação do sujeito no mundo para conhecê-lo e

depois conhecer a si mesmo. Tal empreitada tem por finalidade ultrapassar os

conhecimentos estreitos da filosofia para superar-se a si mesma.

Entretanto, o sujeito na perspectiva hegeliana é uma consciência

individual, um espírito que se emancipa dele mesmo. Ainda assim, o processo de

conhecer a si mesmo e ao mundo só torna-se possível graças a sua atividade

sobre o mundo. Desta peregrinação o sujeito retorna para o mundo de outra

forma, com outro conhecimento sobre ele e com outro horizonte à sua frente. O

sujeito mudou e o mundo também. Tal experiência modificou a visão de mundo e,

de certa forma, a posição do sujeito diante da realidade, seja ela de conquista ou

de resignação.

Sob esta orientação filosófica na “Fenomenologia do Espírito” Hegel

transcende o espírito nele mesmo, isto é, a consciência se transforma no seu

próprio limite. A “odisséia do espírito” seria então a experiência da consciência

60

em direção à ciência propriamente dita. A consciência da vida real para o espírito

é um momento necessário, único e exclusivo para a realização da ciência

absoluta da filosofia, porém cessado em si mesma o momento histórico dialético.

Radicalmente Marx em O Capital expressa a “odisséia” no modo da práxis

histórica: – a trajetória do conhecimento objetivo, das formas mais abstratas e

obscuras da vida real para as determinações mais concretas e contraditórias

objetivadas nas relações sociais. O caminho percorrido pela práxis histórica

permite que a atividade humana prático-espiritual não se esgote no

conhecimento de si mesma mas conduza à prática libertadora e emancipadora

da classe revolucionária no seu tempo histórico.

2.2 – As categorias fundamentais de O Capital (para compreensão de sua

atualidade histórica).

Chegou, enfim, um tempo em que tudo o que os seres humanos haviam considerado inalienável tornou-se objeto de troca, de tráfico e pode alienar-se. É o tempo em que as coisas mesmas, que até então eram comunicadas, mas nunca trocadas; dadas, mas nunca vendidas; conquistadas, mas nunca compradas – virtude, amor, opinião, ciência, consciência, etc. -, em que tudo, enfim, passou para o comércio. É o tempo da corrupção geral, da venalidade universal ou, para falar em termos de economia política, o tempo em que qualquer coisa, moral ou física, tendo-se tornado valor venal, é levada ao mercado para ser apreciada por seu valor adequado. (Marx apud Löwy, 2006, p. 31)

Diante da complexidade teórica que fundamenta a problemática em

questão, passaremos a recapitular as categorias fundamentais da obra em Marx,

sobre o capital e o trabalho, exercitando-nos a investigar o que é mais singular

na totalidade destas relações para depois submeter-nos a compreensão de suas

transformações e contradições mais recentes.

Em O Capital, Marx se propõe a discutir o valor e o valor de troca das

mercadorias, sobretudo, para analisar o modo de produção capitalista, e não as

suas características utilitárias, embora necessite explicá-las para demonstrar

que são estas características que atribuem valor às mercadorias. O método de

investigação e explicação em Marx se realiza pela definição de um organismo

61

mais complexo que se compreende a partir do menos complexo. O Capital é,

nesta perspectiva analítica, uma determinada relação social e histórica que

explica a sociabilidade humana a partir de sua constituição em forma de capital,

o que nos permite compreender, entre outras questões, como se dão as suas

condições concretas e suas expressões no movimento histórico.

O objeto da investigação é compreender o modo capitalista de produção:

O Capital se manifesta como a ontologia do ser social que se produz na forma de

capital. A universalidade da obra se efetiva, metodologicamente, na formulação

de conceitos e de leis que regem o movimento do capital e as suas contradições

e que ainda não perderam sua validade explicativa29.

A diferença histórica de suas categorias fundamentais é exatamente o

grau e o nível de desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais

de produção. Deve-se, contudo, considerar que esta obra é insuficiente para

compreender a totalidade do ser social. Compreende-se sim que não é a

existência do dinheiro e do mercado que demarcam o capitalismo já que estes

dizem respeito à existência de um sistema geral de trocas (de mercadorias) que

como tal precede o próprio sistema capitalista. isto é, a mercadoria antecede o

dinheiro como forma social objetiva da realidade. Não obstante, a compreensão

do dinheiro só é possível a partir da compreensão da mercadoria, pois simboliza

um equivalente geral30 na relação de troca, num dado momento histórico.

29 É necessário apontar aqui o debate da Escola de Frankfurt entre Habermas e Marcuse a respeito do esgotamento (ou não) das categorias marxianas para explicar a sociedade industrial moderna e que se constitui como um embrião do pensamento pós-moderno. Para Habermas a ação teleológica não se compreende tão somente pelo trabalho mais pela ação comunicativa. Nesta perspectiva, a técnica e a ciência seriam as principais fontes de mais-valia e não a força de trabalho, colocando, assim, sob suspeita toda a explicação de Marx sobre o valor. Habermas desenvolve uma crítica sobre a validade histórica das categorias fundamentais em Marx. Em particular o trabalho como produtor de valor e mais valor num contexto de disputa de forças políticas dentro da própria esquerda. Anotações em sala. Seminário Especial: Capital, Trabalho e Educação. Tumolo, Paulo. Universidade Federal de Santa Catarina, 2007/2.Veremos melhor a esse respeito no próximo item. 30 Para Marx, o dinheiro é um meio de circulação, não é capital. O surgimento do papel moeda é o desdobramento deste processo histórico. A moeda ouro tornou-se um signo na circulação. Porém, quando não representou mais o seu peso real, perdendo a quantidade de valor ou o tempo de trabalho socialmente necessário que antes lhe era equivalente, foi então substituída pelo papel moeda, uma nova representação, um signo de valor que na verdade não absorve em sua matéria a quantidade de trabalho

62

Da mesma forma, a força de trabalho como mercadoria não é exclusiva do

capitalismo, entretanto, se constitui como um elemento determinante nas

relações de produção capitalistas. Ao considerar a mercadoria como a forma

elementar da riqueza produzida no capitalismo Marx compreendeu a essência

do fenômeno que se apresenta como:

(...) um objeto externo, uma coisa que por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia. (...) se diretamente, como meio de subsistência, objeto de consumo, ou indiretamente como meio de produção. (MARX, 2006, p.57)

Considerada sob duplo aspecto, a mercadoria se caracteriza pela sua

qualidade e quantidade, pela sua substância e pela sua quantidade de valor. O

valor-de-uso constitui a utilidade de uma mercadoria que atenda a qualquer

forma e conteúdo da necessidade humana independente de sua forma social.

Porém, só se efetiva com a sua utilização e consumo. De acordo com Marx

(2006, p.58): “Determinada pelas propriedades materialmente inerentes à

mercadoria, só existe através delas... Esse caráter da mercadoria não depende

da quantidade de trabalho empregado para obter suas qualidades úteis.” Na

sociedade capitalista, o valor-de-uso também é um veículo material de

valor-de-troca 31 . O valor-de-troca ou valor constitui a quantidade de valor

atribuída à mercadoria numa relação que se altera nas suas condições de

tempo32 e de espaço. Os valores-de-uso se diferem pelas suas qualidades como

substâncias inerentes. Os valores-de-troca se diferem pela sua quantidade. A

essência nas propriedades desse sistema é a dimensão do trabalho humano

abstrato.

socialmente necessário. Para Marx, o dinheiro como pagamento pode significar o embrião do capital (cap. IV de O Capital). 31 Entretanto, afirma Marx que “uma coisa pode ser valor-de-uso sem ser valor.” (p. 62) Ou seja, quando o objeto, a matéria não é resultado do trabalho humano (os recursos naturais, a terra, a água, etc). De outra forma, um valor-de-uso como produto do trabalho humano não é mercadoria quando é produzido para satisfazer as próprias necessidades humanas, pois é necessário produzir um valor-de-uso social para imprimir-lhe o caráter de mercadoria que se efetivará através da troca. 32 No que diz respeito ao tempo de trabalho Marx faz menção à unidade de medida do trabalho, mas não diretamente ao seu valor. O valor como conceito relacional está sempre em relação às outras mercadorias. Isto quer dizer que o valor de algumas mercadorias permanece constante, mas no conjunto da economia capitalista é a relação entre elas que manifestará a queda dos seus valores.

63

Em outras palavras, um valor de uso só possui valor porque nele se

materializou trabalho abstrato ou o trabalho social em geral. Isto é, a sua

grandeza mede-se pela quantidade de trabalho nela contida, “(...) é a quantidade

de trabalho socialmente necessária ou o tempo de trabalho socialmente

necessário para a produção de um valor-de-uso. (...) Como valores, as

mercadorias são apenas dimensões definidas do tempo de trabalho que nelas se

cristaliza.” (Marx, 2006, p.61) A força média de trabalho social ou o trabalho em

geral significa, assim, a grandeza da substância de uma coisa, de uma

mercadoria qualquer. Com efeito, a compreensão da economia política passa,

necessariamente, pela compreensão da natureza dupla do trabalho humano

materializado na mercadoria. O trabalho útil tem como produto os valores-de-uso

que numa relação de troca não podem se igualar, isto é, devem ser

qualitativamente diferentes e por esta razão se contraporem como mercadorias.

Deste conjunto de trabalhos úteis diversos se produz a divisão social do

trabalho que contempla atividades produtivas com fins específicos, para

utilidades distintas, independentes uma das outras, de caráter particular e

autônomo33. Conjugam-se neste processo produtivo dois fatores indissociáveis:

a matéria, fornecida pela natureza e o trabalho humano como criador de valores

de uso que (...) como trabalho útil, é indispensável à existência do homem –

quaisquer que sejam as formas de sociedade -,é necessidade natural e eterna

efetivar o intercâmbio material entre o homem e a natureza e, portanto, de

manter a vida humana. (Marx, 2006, p. 64-65)

Entretanto, a compreensão da força de trabalho não é suficiente para

apreender a categoria de valor de troca de acordo com as características e

especificidades da produção capitalista. Sobretudo, a força de trabalho na

produção de valores-de-uso, resultante do intercâmbio humano material com a

natureza através da ação concreta sobre os objetos de trabalho social.

33 Entretanto, observa Marx: “Há estágios sociais em que a mesma pessoa, alternativamente, costura e tece, em que esses dois tipos diferentes de trabalho são apenas modalidades do trabalho do mesmo indivíduo e não ofícios especiais, fixos, de indivíduos diversos, do mesmo modo que o casaco feito hoje por nosso alfaiate e as calças que fará amanhã não passam de variações do mesmo trabalho individual.” (2006, p. 65)

64

Subtraindo o caráter de atividade produtiva em questão, isto é, a utilidade de seu

resultado resta compreender o trabalho como dispêndio da força humana,

diga-se, do intelecto e de suas potencialidades físicas. Assim, o valor das

mercadorias, diferente da sua utilidade, define-se pelo dispêndio de trabalho

humano em geral necessário que representa34. Neste sentido, o duplo caráter do

trabalho materializado na mercadoria corresponde: como valor-de-uso, às suas

qualidades úteis e, como valor, à quantidade de trabalho humano despendido

para sua produção35, de acordo com a duração de seu tempo e as condições de

sua atividade produtiva.

De qualquer forma, o valor de uma mercadoria se mantém imperceptível

aos sentidos, só podendo manifestar-se como relação social na troca de

mercadorias. É neste sentido que Marx busca compreender a gênese da forma

dinheiro como componente material na relação de troca e no valor-de-troca. Na

relação de valor entre duas mercadorias o caráter imperceptível do valor que é

materializado na mercadoria – trabalho humano abstrato ou trabalho social em

geral – muda de aspecto na medida em que a condição de valor de uma dada

mercadoria somente se estabelece na própria relação com outra mercadoria,

pressupondo-se uma forma relativa e outra equivalente de valor. Na troca de

mercadorias por valores equivalentes é que se põe em evidência o seu substrato,

isto é, se reduz os distintos trabalhos que produziram diferentes mercadorias,

diferentes valores-de-uso (ex: do alfaiate e do tecelão) à sua substância comum

criadora de valor – o trabalho humano abstrato. Entretanto, ressalta Marx, é

necessário que este trabalho que cria valor tome a forma de um objeto,

34 Marx classifica a medida do dispêndio de trabalho humano como trabalho simples que, em média, todo ser humano possui. Este trabalho simples médio se altera de acordo com a região e o estágio de civilização de uma dada sociedade. Quando potenciado este trabalho caracteriza-se como complexo ou qualificado o que vai corresponder há uma quantidade maior de trabalho simples. (p.66) 35 É no capítulo V de O Capital que Marx apresenta a verdadeira origem da valorização do valor. Ao investigar o fetichismo do dinheiro - equivalente geral como meio de circulação de mercadorias - para apreender sua transformação em capital Marx elucida o movimento incessante e insaciável de valorização do valor. Na primeira formulação, da circulação simples, o dinheiro é a moeda equivalente na circulação e troca de mercadorias de forma a atender às necessidades de uso. Na segunda formulação, o processo de circulação obtém, então, o acúmulo do dinheiro, inicialmente, investido através da mais-valia. É então que conclui que a única fonte de valor e de valorização do valor é força de trabalho.

65

materializando-se para só então se transformar em valor. A esse respeito, nos

esclarece Kosik, (1976, p.164):

Da forma elementar da riqueza capitalista e da análise dos seus elementos (duplo caráter da mercadoria como unidade de valor de uso e de valor; valor de troca como forma fenomênica do valor; duplo caráter da mercadoria como expressão do duplo caráter do trabalho), a investigação passa ao movimento real da mercadoria (troca das mercadorias) e configura o capitalismo como um sistema criado pelo movimento de um “sujeito automático” (o valor), de modo que o sistema no seu conjunto se manifesta como um sistema e se reproduz continuamente em proporções cada vez mais vastas de exploração do trabalho alheio, ou seja, como mecanismo de domínio do trabalho morto sôbre o trabalho vivo, da coisa sôbre o homem, do produto sôbre o produtor, do sujeito mistificado sôbre o sujeito real, do objeto sôbre o sujeito.

Para produzir os meios de subsistência (imediatos) são necessários os

meios de produção (mediatos). Ambos constituem valores de uso que

satisfazem as necessidades humanas materiais e imateriais. Tal relação é

determinada em todos os modos de produção, diferenciando-se na sua evolução

e nas suas contradições de acordo com o grau de desenvolvimento das forças

produtivas e das relações sociais de produção vigentes numa dada sociedade.

O homem se caracteriza pela sua força de trabalho ativa e consciente

sobre a natureza e sobre o meio social onde vive. A produção de utilidades

sociais para satisfazer as necessidades humanas de qualquer natureza é,

portanto, o primeiro ato histórico humano, modificando-se e transformando-se de

acordo com o desenvolvimento de suas potencialidades. Teleologicamente, o

homem pensa e projeta o resultado de sua ação, criando e aperfeiçoando as

condições e os meios de seu trabalho (de sua ação) e, portanto, os seus próprios

objetos de trabalho.

Os elementos que compõem os processos de trabalho se constituem da

seguinte forma: da própria atividade humana voltada para um fim (o trabalho), a

matéria sobre a qual se exerce a ação (o objeto de trabalho), e os meios e

instrumentos de trabalho utilizados para transformar o objeto social de trabalho

em uma determinada utilidade social. A terra, por exemplo, é o objeto universal

do trabalho humano e que existe independente da ação humana, mas que a

66

partir desta ação sobre ela cria condições de produção e valores-de-uso. De

acordo com Marx (2006): “Toda a matéria-prima é objeto de trabalho, mas nem

todo o objeto de trabalho é matéria-prima. O objeto de trabalho só é

matéria-prima depois de ter experimentado modificação efetuada pelo trabalho.”

(p.212)

Entre o homem e o objeto de trabalho se insere os meios e instrumentos

de trabalho social dirigidos para uma determinada atividade. No processo de

desenvolvimento do trabalho social, os meios e instrumentos de trabalho vão se

aperfeiçoando de forma a elevar o conhecimento humano e as suas

potencialidades de ação. Indicam o grau e o nível de desenvolvimento da força

de trabalho social e, por extensão, das distintas sociedades nos seus

determinados estágios de desenvolvimento. O objetivo final do processo de

trabalho, isto é, a produção de valores-de-uso é o produto final da ação humana

sobre os objetos de trabalho que são modificados em sua forma para atender as

necessidades humanas e sociais, sejam de ordem material ou espiritual. Assim,

o valor-de-uso produzido incorpora trabalho humano, bem como determinados

meios e objetos de trabalho.

Na forma social e de produção capitalista - objeto de investigação em O

Capital - os meios de produção e os meios de subsistência são de propriedade

privada do capitalista e a força de trabalho é a única propriedade dos

trabalhadores. Entretanto, a força de trabalho se constitui como mercadoria sob

propriedade dos capitalistas diante do pagamento de um salário o que determina

uma necessidade histórica na troca de equivalentes. Com o salário pago pelo

capitalista em troca da força de trabalho o trabalhador terá acesso à parte dos

meios de subsistência para se reproduzir como força de trabalho no sistema de

produção.

Na produção do capital a ação mediadora se efetiva na articulação

orgânica da força de trabalho e dos meios de produção, ambos sob propriedade

do capitalista. Consumir o valor de uso de força de trabalho (capital variável)

através do valor de uso dos meios de produção (capital constante) é a dinâmica

do capital para produção de mais valia. O processo de produção de mais-valia,

de produção de capital, tem como substância a produção e troca de mercadorias

67

conforme descreve Tumolo (2005, p.13)

O consumo do valor de uso da força de trabalho, que se efetiva quando esta consome os meios de produção, resulta na criação de uma mercadoria, propriedade do capitalista, que vai vendê-la pelo seu valor. A produção da mais-valia pressupõe o cumprimento do fundamento primordial do mercado, a troca das mercadorias pelo seu valor, quer dizer, a troca igualada entre proprietários de mercadorias, tendo em vista que, nesta relação de igualdade, a força de trabalho, e somente ela, tem a propriedade de produzir valor e, ademais, valor excedente em relação a seu próprio valor, qual seja, mais-valia. Por meio da troca da mercadoria força de trabalho e da produção da mais-valia, o mistério finalmente foi revelado. Dinheiro se transformou em capital.

Dessa forma, o autor enfatiza que é insuficiente para compreensão da

produção capitalista o processo simples de trabalho já que em qualquer forma

social a relação força de trabalho e meios de produção satisfaz a produção de

valores de uso. Na forma capitalista de produção a força de trabalho é convertida

em mercadorias e, para além da produção dos valores de uso, objetiva

necessariamente os valores de troca36. Postas na esfera da circulação perante

um determinado preço as mercadorias se transformam em mais-valia.

Ao analisar as diversas fases de desenvolvimento do modo de produção

capitalista da cooperação à grande indústria, Marx explicou o processo de

valorização do capital e da diminuição do valor da força de trabalho 37 que

reduzida no seu preço na esfera de circulação, contraditoriamente, provoca a

necessidade e revigoramento da mais-valia absoluta. Assim, o ponto de partida

da produção capitalista constitui a ação ou o trabalho simultâneo em conjunto de

vários trabalhadores num mesmo local ou ramo de atividade e produzindo uma

mesma mercadoria sob o controle de um mesmo capitalista. A força de trabalho

média ou a jornada de trabalho social média constitui o trabalho coletivo da força

ou da jornada de trabalho individuais. Isto é, ainda que haja diferenças e

especificidades entre si são partes alíquotas do trabalho social em geral.

36 Para Tumolo (2005) a digressão analítica do capítulo V de O Capital cumpre sua função metodológica ao retornar sobre a análise da mercadoria nos seus capítulos seguintes, de forma a explicitar o processo de valorização do valor, isto é, apresentar a unidade do processo de trabalho com o do processo de valorização. 37 Dos capítulos XI ao XIII, Marx investiga a mais-valia relativa.

68

Chama-se cooperação a forma de trabalho em que muitos trabalham juntos, de acordo com um plano, no mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes, mas conexos. (...) Não se trata aqui da elevação da força produtiva individual através da cooperação, mas da criação de uma força produtiva nova, a saber, a força coletiva. (Marx, 2006, p.378-9)

Graças à cooperação podem os trabalhos individuais representar

diferentes fases do processo de trabalho em um mesmo objeto. O complemento

do trabalho de diferentes ou de mesmas tarefas constitui a cooperação simples.

A jornada de trabalho coletiva potencializa a maior quantidade da produção de

valores de uso, diminuindo assim o tempo de trabalho necessário e aumentando

a quantidade de trabalho excedente. Contribui para isso a elevação da potência

mecânica do trabalho, a ampliação do espaço da produção, a socialização de

trabalho individual na realização de diferentes tarefas ao mesmo tempo e no

mesmo local, a otimização dos meios de produção, etc. Em suma, tudo contribui

para a força produtiva do trabalho social considerada as suas condições e o seu

desenvolvimento.

Resta, então, a condição inicial para que o processo de trabalho se

concretize: a possibilidade do capitalista obter a magnitude de capital suficiente

para a compra da força de trabalho coletiva, isto é, do que o capitalista dispõe

como meios de subsistência para numerosos trabalhadores. Essa mesma

condição para o capital variável sucede com o capital constante – a

matéria-prima, os meios e os instrumentos de trabalho aumentam

consideravelmente, ainda que não na mesma proporção que os trabalhadores.

A concentração de grandes quantidades de meios de produção em mãos de cada capitalista é, portanto, condição material para a cooperação dos assalariados, e a extensão da cooperação ou a escala da produção dependem da amplitude dessa concentração. (...) Com a cooperação de muitos assalariados, o domínio do capital torna-se uma exigência para a execução do próprio processo de trabalho, uma condição necessária da produção. (Marx, 2006, p.383)

O objetivo central do processo de produção capitalista é expandir sem

limites o capital o que significa imediatamente a maior expansão o quanto

possível da exploração sobre a força de trabalho, sobre a mais-valia. Entretanto,

69

na contracorrente desta expansão está a organização da resistência do trabalho.

É nesta contradição que se faz necessário o maior domínio e controle do capital

sobre o processo de exploração do trabalho. Assim como os trabalhadores são

pagos isoladamente e não pelo conjunto da força produtiva social que realizam

da mesma forma estes trabalhadores entram em relação com o capital, mas não

se relacionam como classe orgânica. Representam uma força especial de

existência do capital lhe parecendo força produtiva natural e imanente do capital.

Neste sentido, afirma Marx:

Se o modo de produção capitalista se apresenta como necessidade histórica de transformar o processo de trabalho num processo social, essa forma social do processo de trabalho se revela um método empregado pelo capital para ampliar a força produtiva do trabalho e daí tirarem mais lucro. (Marx, 2006, p.388)

A trilogia a respeito da categoria trabalho, do ponto de vista marxiano,

pode assim ser vislumbrada: trabalho concreto (valor de uso), trabalho abstrato

(substância de valor), trabalho produtivo de capital (mais-valia). Segundo

Tumolo (2005), este último deve ser considerado como categoria analítica

determinante já que contém as duas primeiras dimensões do trabalho e, no

conjunto de suas contradições, demonstra o processo de acumulação do capital

na sua totalidade. Com vistas à natureza destrutiva de sua própria lógica e

dinâmica de acumulação, as contradições do capital na exploração da força de

trabalho se manifestam no processo de mundialização e concorrência

intercapitalista entre os grandes capitais privados no cenário mundial, conforme

analisa Tumolo:

Aumento da produtividade significa, entretanto, a produção de uma quantidade cada vez maior de valores de uso com uma grandeza relativamente menor de valor, o que é um problema gravíssimo para o capital, pois redunda na tendência de diminuição da taxa de lucro e de acumulação, já que capital é resultado de um processo de valorização do valor e não de acúmulo de valor de uso, ou seja, de riqueza. Dessa forma, a solução para os capitais privados é um problema para o capital, uma vez que o mecanismo que propicia a sobrevivência dos capitais privados no mercado cria, contraditoriamente, as condições de produção da morte do capital. Capitais privados e capital estabelecem, portanto, uma relação de contradição, de tal sorte que a continuidade da existência deste último implica a destruição, pelo menos parcial, de capitais privados, e

70

vice-versa. Não obstante, tal processo se efetiva justamente porque, dada a concorrência intercapitalista, há uma necessidade de diminuição do valor das mercadorias, o que só pode ser conseguido com o desenvolvimento das forças produtivas e, por conseguinte, com o aumento da produtividade, que exige, por sua vez, a utilização relativamente menor da força de trabalho, ou seja, o dispensamento tendencial desta mercadoria que entra no processo de produção como capital variável, em detrimento da crescente utilização relativa do capital constante, redundando no aumento da composição orgânica do capital e, por decorrência, numa diminuição de sua taxa de acumulação. (Tumolo, 2005, p. 16-17)

O fetichismo do capital criado pela mercadoria, assim, determina o seu

poder sobre o mundo dos homens. O que legitima a relação de troca são as

necessidades humanas que serão satisfeitas pelas mercadorias, isto é, as

utilidades sociais das mercadorias que lhe atribuem o valor de troca no mercado.

Com efeito, o valor de uso do capitalista – os seus meios de produção e de força

de trabalho assalariada – constitui sua condição para reproduzir-se como

capitalista, constitui a sua necessidade de existência social enquanto classe

dominante no modo de produção em questão.

O conceito de trabalho abstrato corresponde ao dispêndio social de

trabalho em geral e está situado na esfera da circulação. É a substância do

valor38. De outra forma, trabalho útil ou trabalho concreto condiz à esfera do

consumo, ao valor de uso das mercadorias. As mercadorias se defrontam no

mercado na forma de equivalentes, isto é, na medida do dispêndio de trabalho

humano em geral. Assim, a esfera da circulação é necessária para a unidade de

valorização do valor e esta é uma das contradições da fórmula geral do capital.

Sua característica comum é o conteúdo social nela consubstanciado, mesmo

que não haja forma definida. O valor de troca e o valor de uso, ambos

estabelecem, assim, a relação dialética das mercadorias inerentes à esfera da

circulação39. Quando se reverte a troca em valor de uso, este se contempla na

38 Vale ressaltar que o valor e o trabalho abstrato são as categorias mais complexas em Marx. Por esta razão, não há consenso do que seja trabalho abstrato dentro do marxismo. Anotações em sala. Seminário Especial: Capital, trabalho e educação. UFSC, 2007/2 39 Para Tumolo, não é possível compreender a sociedade capitalista pela esfera do consumo, pois o enigma está na esfera da circulação de mercadorias, daí a

71

esfera do consumo.

Com o desenvolvimento das forças produtivas há uma tendência em

reduzir o valor das mercadorias na medida em que se reduz o tempo de trabalho

socialmente necessário para produzi-las. Eis outra das contradições

fundamentais do capital: o desenvolvimento das forças produtivas é

inversamente proporcional à produção de mercadorias. Sendo assim, quanto

maior o desenvolvimento da produção menor será a quantidade de trabalho

necessário e, portanto, menor será o valor das mercadorias. O valor de troca das

mercadorias é a expressão necessária do valor, do trabalho abstrato. Conforme

Marx: “A grandeza do valor de uma mercadoria varia na razão direta da

quantidade e na inversa da produtividade do trabalho que nela se aplica.” (2006,

p.62)

O tempo de trabalho muda com a variação da sua produtividade que é,

por sua vez, determinada por diversas circunstâncias resultantes do grau de

desenvolvimento das forças produtivas. A ciência e a tecnologia, a organização

e a gestão do processo de produção, a quantidade e a eficácia dos meios de

produção, as condições naturais, o conhecimento e a destreza média dos

trabalhadores, todos esses elementos no seu conjunto determinam a variação

da produtividade.

Conforme retomamos, o trabalho socialmente necessário é a substância

do valor na produção de uma determinada mercadoria, enquanto que o tempo de

trabalho para produzi-la é a medida de sua magnitude. Quanto maior a

produtividade, menor o tempo de trabalho requerido e menor a quantidade de

trabalho cristalizada em determinada mercadoria, portanto, menor será o seu

valor. Dessa forma, a força de trabalho potencializada no sistema capitalista de

produção torna-se necessária para produzir em tempo menor e em maior escala

o trabalho necessário e o trabalho excedente.

Fundamentalmente, produzir valor de uso para o capitalista é o meio para

necessidade de isolar-se daquela esfera e fixar a análise nos fundamentos da troca. Anotações em sala. Seminário Especial: Capital, trabalho e educação. UFSC, 2007/2

72

atingir o seu fim que é a mais-valia40 – condição de sua produção e de sua

reprodução na luta de classes. Neste sentido, não interessa que o valor de uso

para o capitalista não atenda as necessidades humanas e universais (como a

educação, por exemplo). O que de fato interessa é que o valor de uso para o

capitalista justifica a produção de valor e de valor de troca, isto é, a produção de

mercadorias. Nesta lógica, o dinheiro na sua condição de capital, na troca por

equivalentes, altera quantitativamente o final do processo da circulação, dado o

seu movimento de acumulação permanente e infindável. Sua meta é de

valorização do valor não importando a necessidade direta dos valores de uso,

exceto para os seus interesses como capitalista. O valor de uso do capitalista –

os seus meios de produção e de força de trabalho – é a necessidade de sua

existência social como classe dominante no modo de produção em questão.

Interessou evidenciar até aqui uma aproximação dos fundamentos e da

dinâmica do modo de produção capitalista a partir de suas categorias centrais

para então compreendermos as suas expressões atuais. Com efeito, a força de

trabalho é a única fonte de valor e de mais-valia. Produzida e movida pelo

trabalho social médio (abstrato) a força de trabalho contida em toda e qualquer

mercadoria é o que determina a produção de capital e a sua reprodução como

sistema. No contexto de crise e de mundialização do capital e das

transformações no mundo do trabalho muitas foram as teses que afirmaram o

esgotamento das categorias fundamentais marxianas. Entretanto, de acordo

com a análise de Netto (2007, p.36-37), o desenvolvimento da ordem burguesa

ao longo do século XX confirmou as tendências estruturais de desenvolvimento

do modo de produção capitalista que Marx, brilhantemente, descobriu e

evidenciou no campo científico e no campo da práxis política. A saber:

a concentração e a centralização do capital, o caráter anárquico da produção capitalista, a reiteração das crises periódicas, as dificuldades crescentes para a valorização, os problemas referentes à manutenção dos patamares das taxas de lucros, a

40 No desenvolvimento do capitalismo os economistas liberais discutiram o trabalho excedente sem, entretanto, avançar na explicação científica da mais-valia. Somente com Marx a explicação da força de trabalho como mercadoria que produz mais-valia irá se constituir como explicação efetiva da ciência da economia política. Essa explicação irá desmontar as explicações correntes e mistificadoras que na ordem de reprodução das classes vinha sendo legitimadora da dominação burguesa.

73

contínua reprodução da pobreza relativa e crescentes emersões de pobreza absoluta, os processos alienantes e reificantes.

No próximo item trataremos da crítica marxista às teses sobre o fim do

trabalho na sociedade capitalista. Em seguida, refletiremos sobre a ofensiva das

políticas de mercado especialmente no campo educacional. Seus impactos

sobre o trabalho docente no ensino superior, foco principal de nossas

investigações, será contemplado no terceiro capítulo de nossa tese.

2.3 – A crítica às teses sobre o fim do trabalho.

De acordo com Antunes (2007, 2008) que faz uma crítica à tese da

“ciência como principal força produtiva” o capital não pode eliminar o trabalho

vivo do processo de produção justamente porque é o que lhe atribui valor. A

saída para a crise de produção capitalista é dispensar força de trabalho viva,

contraditoriamente, ao mesmo tempo em que se intensificam as formas de sua

exploração. Isso explica as transformações recentes no mundo da produção que

implicam na redução do trabalho vivo e na ampliação do trabalho morto. Ou seja,

o aumento da produtividade do trabalho é a saída para a maximização e

concentração da riqueza nos momentos de crise do capitalismo como modo de

produção.

Assim, Antunes contrariando as teses do fim do trabalho afirma existir

uma nova morfologia do trabalho, uma nova forma de ser do trabalho na

sociedade contemporânea. Visivelmente multifacetada pelas transformações

recentes a nova morfologia do trabalho apresenta entre o conjunto dos

trabalhadores tradicionais – o operariado industrial e rural - um conjunto de

assalariados dos serviços, de trabalhadores terceirizados e temporários. Nesse

contexto, há uma ampliação profunda das modalidades de trabalho

desregulamentadas, gerando uma massa de trabalhadores informais e um

aumento de empresas terceirizadoras para atender a demanda por trabalho

temporário, sem vínculo empregatício. Afirma o autor:

(...) defendo a tese de que a sociedade do capital e sua lei do valor necessitam cada vez menos do trabalho estável e cada vez mais das diversificadas formas de trabalho parcial ou part-time, terceirizado, que são, em escala crescente, parte constitutiva do processo de produção capitalista. (...) A

74

diminuição do tempo físico de trabalho, bem como a redução do trabalho manual direto, articulado com a ampliação do trabalho qualificado, multifuncional, dotado de maior dimensão intelectual, permite constatar que a tese segundo a qual o capital não tem mais interesse em explorar o trabalho abstrato acaba por converter a tendência pela redução do trabalho vivo e ampliação do trabalho morto na extinção do primeiro, o que é algo completamente diferente. E, ao mesmo tempo em que se desenvolve as tendências acima, o capital recorre cada vez mais as formas precarizadas e intensificadas de exploração do trabalho, que se torna ainda mais fundamental para a realização de seu ciclo reprodutivo num mundo onde a competitividade é a garantia de sobrevivência das empresas capitalistas. Portanto, uma coisa é ter a necessidade imperiosa de reduzir a dimensão variável do capital e a consequente necessidade de expandir sua parte constante. Outra, muito diversa, é imaginar que eliminando o trabalho vivo o capital possa continuar se reproduzindo. (Antunes, 2007, p.119-120)

As metamorfoses no mundo da produção e as teses negativas à

centralidade do trabalho, inicialmente, manifestaram-se nos países de

capitalismo avançado para em seguida atingirem violentamente os países de

capitalismo dependente, periféricos. Com mudanças profundas nas formas de

organização e gestão do trabalho social, tal fenômeno causou um enorme

impacto na resistência e na condução política dos trabalhadores que viram e

sofreram a intensificação da exploração do capital. A enorme fragmentação da

classe trabalhadora significou para uma gama de autores ao final do século XX a

perda da centralidade do trabalho, obviamente, tese que pôs em evidência a

crítica aos referenciais marxistas. As mudanças objetivas no trabalho industrial

consideradas por Antunes como des-proletarização implicaram na redução

massiva e na fragmentação expressiva da classe operária tradicional. Segundo

Antunes, o trabalho precário, a economia informal, os contratos temporários e

outras formas de flexibilização do trabalho são expressões reais de uma

sub-proletarização crescente nos países periféricos e centrais da economia

capitalista. Termos como flexibilização da produção, nova gestão da força de

trabalho, desconcentração industrial, qualidade total, gestão participativa,

desregulamentação dos direitos do trabalho são expressões das mudanças

objetivas no mundo da produção, sobretudo, pela substituição do modelo

75

fordista41 pelo modelo toyotista de produção.

Entre outras características, o toyotismo apresenta como inovação a

possibilidade do trabalhador operar várias máquinas, aumentando a produção

sem necessariamente aumentar o número de trabalhadores. Também uma

produção variada e determinada diretamente pela demanda, isto é, pela

necessidade do mercado (estoque mínimo) e um melhor aproveitamento do

tempo na produção (just in time). Assim, a multifuncionalidade ou polivalência do

trabalhador implicou, imediatamente, na capacidade do capital em explorar

ainda mais a força de trabalho.

Das transformações ocorridas nos processos de trabalho de base

taylorista-fordista resultou o desemprego estrutural em escala global ao lado de

um notável desenvolvimento técnico e científico já alcançado historicamente. Ou

seja, quanto mais se desenvolveu o conhecimento humano e científico sobre as

formas e possibilidades de produção da vida material e social – inclusive, às que

dizem respeito às possibilidades de redução do tempo necessário para a

produção de valores de uso - mais se produziram mundialmente as faces da

desigualdade econômica e social.

Segundo Antunes, tais mudanças se desenvolvem num quadro que

apresenta também a informatização do trabalho ou uma época da informalização.

A década dos anos de 1990 no Brasil é o que mais caracteriza esse período de

informalidade, pois apresenta uma tendência avassaladora de contratos sem

carteira de trabalho e desprovidos de direitos. As suas características vão desde

o desemprego ampliado até o rebaixamento salarial acentuado e com perdas de

41 Inicialmente, conforme apresenta Antunes (2008), Sabel e Piore (1984) explicavam com a tese da “especialização flexível” que a causa da crise capitalista dizia respeito aos excessos do fordismo como produção em massa e como modelo supressor da criatividade humana. Entretanto, para Antunes o fordismo é “a forma pela qual a indústria e o processo de trabalho consolidaram-se ao longo deste século, cujos elementos constitutivos básicos eram dados pela produção em massa, através da linha de montagem e de produtos mais homogêneos; através do controle dos tempos e movimentos pelo cronômetro taylorista e da produção em série fordista; pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação das funções; pela separação entre elaboração e execução no processo de trabalho; pela existência de unidades fabris concentradas e verticalizadas e pela constituição/consolidação do operário-mas-sa, do trabalhador coletivo fabril, entre outras dimensões. Menos do que um modelo de organização societal que abrangeria igualmente esferas ampliadas da sociedade compreendemos o fordismo como o processo de trabalho que junto com o taylorismo, predominou na grande indústria capitalista ao longo deste século.” (Antunes, 2008, p.24-25)

76

direitos da classe trabalhadora. Também, ideologicamente, a sua caracterização

como “trabalhadora'' perde referência e centralidade no mundo da produção para

assumir um papel como “colaboradora” do capital.

No âmbito da reestruturação produtiva há uma maior visibilidade do que

Marx chamou de trabalho imaterial, sobretudo nos campos da informação,

informatização, publicidade e comunicação, tipo de trabalho que também se

manifesta nos serviços públicos como é o caso dos trabalhadores da educação.

Essas transformações:

são resultado do labor (imaterial) articulado e inserido no trabalho material, expressando novas formas contemporâneas de criação do valor. Os serviços públicos, como saúde, energia, educação, telecomunicações, previdência, etc. também sofreram, como não poderia deixar de ser, um significativo processo de reestruturação, subordinando-se à máxima da mercadorização, que vem afetando fortemente os trabalhadores do setor estatal e público. (Antunes, 2008, p. 107)

A mercadorização se desenvolve por um processo de precarização

estrutural do trabalho sendo o desmonte de sua legislação social protetora a sua

expressão mais acentuada na vida política, no Estado de direito. Precisamente

nosso olhar enfoca a precarização, de forma particular, dos trabalhadores

docentes temporários de duas Instituições Federais de Ensino Superior na

região sul (UFPR e UFSC) e, de forma generalizada, em uma das maiores

instituições de Ensino Superior do estado de São Paulo. Tratamos

especialmente dos trabalhadores intelectuais, portadores da força de trabalho

imaterial, portanto compreendidos no campo da superestrutura das relações

sociais de produção.

Pelo menos até agora, os sindicatos não conseguiram construir um modo

de agregar o conjunto dos trabalhadores estáveis e temporários (considerando

aqui, em especial, os trabalhadores docentes), ainda sustentando um modelo

verticalizado e corporativo de organização sindical. Cabe ressaltar que a

dificuldade de um sindicalismo mais capacitado para aglutinar o conjunto dos

trabalhadores é uma realidade não só nos países periféricos, mas que também

77

atinge a organização sindical dos trabalhadores nos países de economia central

no sistema42.

Diante da fragmentação, heterogeneização e complexificação da

classe-que-vive-do-trabalho, conforme os termos utilizados por Antunes (2007,

p.66), observa-se também a dificuldade de incorporação das mulheres no campo

da organização sindical, trabalhadoras mais afetadas pela informalidade e

terceirização.

Contudo, não se trata do fim do trabalho na sociedade capitalista mais de

sua diferenciação e fragmentação extrema e de sua miserabilidade, haja vista a

perda de direitos sociais e de conquistas historicamente defendidas, as

dificuldades profundas do seu potencial organizativo, ofensivo e reivindicatório e

de sua identidade como classe assalariada. Isto remete à problemática marxista

da consciência de classe, da dimensão e da força política dos trabalhadores no

âmbito das lutas sociais entre capital e trabalho.

Os processos de acumulação dos meios sociais de produção na atual

fase do capitalismo foram possíveis graças à essas transformações na produção

e também a nova composição da classe trabalhadora, profundamente

heterogênea, incluindo o grande número de trabalhadores desempregados.

Neste sentido, reproduzimos a questão crucial de Alain Bihr (apud Antunes,

2008, p.13), pois resume com clareza a complexidade e o desafio histórico do

trabalho no contexto de mundialização do capital:

Por isso, a inevitável questão de saber como realizar a unidade entre os fragmentos esparsos de uma classe mundial de trabalhadores separados pela geografia e também pela história, haja vista a heterogeneidade das tradições étnicas, civilizacionais, religiosas, nacionais, políticas. Face à mundialização do capital, como mundializar o trabalho, não somente como realidade objetiva, explorada e dominada, pelo

42

De modo a exemplificar, cabe lembrar a situação semelhante dos professores

substitutos na França e, por último, os grandes conflitos manifestados nas ruas Paris nos últimos meses em torno da Reforma da Previdência (outubro de 2010) na legislação francesa. Milhares de trabalhadores e estudantes saíram às ruas para protestar o aumento da idade para aposentadoria (de 60 para 62 anos), o que significa concretamente o aumento do tempo de exploração sobre a força de trabalho e, obviamente, a perda de um direito, de uma garantia democrática conquistada ao longo das lutas sociais históricas do trabalho.

78

capital, mas como pólo antagônico, realidade subjetiva, classe não apenas em si, mas para si?

Retomamos assim uma das primeiras afirmações de Antunes (2008)

quando evidencia que as transformações ocorridas no espaço produtivo das

economias centrais nos anos 80 afetaram a forma de ser da classe trabalhadora.

Face às mudanças objetivas na vida material é fundamental observar e conhecer

as mudanças acerca da sua subjetividade: política, moral, cultural e social.

Neste cenário, os sindicatos e suas centrais sindicais apresentam

enormes dificuldades e desafios acerca de sua organização e do conjunto dos

trabalhadores, especialmente na capacidade de mobilização, de poder e direção

política na sociedade, aspectos fundamentais e necessários para o

enfrentamento que se exige na contemporaneidade.

Antunes (2008) nos observa que para se expandir o toyotismo precisou

enfrentar o sindicalismo japonês que era combativo e uma de suas estratégias

mais eficazes foi a criação e sustentação de um nova forma de fazer “sindicato”:

o sindicalismo de empresa. Trata-se de um sindicalismo praticamente controlado

pelo patronato, pelas próprias empresas, para desfigurar o seu verdadeiro

sentido, manipulando, envolvendo, cooptando e desorganizando os

trabalhadores.

Outro ponto essencial do toyotismo é que, para a efetiva flexibilização do aparato produtivo, é também imprescindível a flexibilização dos trabalhadores. Direitos flexíveis, de modo a dispor desta força de trabalho em função direta das necessidades do mercado consumidor. O toyotismo estrutura-se a partir de um número mínimo de trabalhadores, ampliando-os, através de horas extras, trabalhadores temporários ou subcontratação, dependendo das condições de mercado. (Antunes, 2008, p. 34)

A afirmação mais enfática de Antunes é que a mudança no processo de

produção do fordismo para o toyotismo não implica diretamente em uma

mudança do modo de organização societária. Antes tais mudanças entre

elaboração e execução, entre concepção e produção são possíveis porque se

realizam no universo do sistema produtor de mercadorias, no processo de

criação e de valorização do capital. Isto é, embora apresente características

79

singulares, o toyotismo mantém em sua dinâmica de produção o estranhamento

entre o produtor e o seu trabalho.

Ainda que exista uma “participação” do trabalhador no processo produtivo,

o objetivo é de envolver e de manipular os trabalhadores de forma a consentirem

e colaborarem com as mudanças na organização e na regulação do trabalho.

Assim, o ordenamento social que se estabelece na relação capital, trabalho e

Estado, segundo o ponto de vista do capital, é de colaboração entre as classes

num modelo de produção flexível diante da política de concorrência e de

competitividade do mercado mundial.

O estranhamento próprio do toyotismo é aquele dado pelo “envolvimento cooptado”, que possibilita ao capital apropriar-se do saber e do fazer do trabalho. Este, na lógica da integração toyotista, deve pensar e agir para o capital, para a produtividade, sob a aparência da eliminação efetiva do fosso existente entre elaboração e execução no processo de trabalho. Aparência porque a concepção efetiva dos produtos, a decisão do que e de como produzir não pertence aos trabalhadores. O resultado do processo de trabalho corporificado no produto permanece alheio e estranho ao produtor, preservando, sob todos os aspectos, o fetichismo da mercadoria. (Antunes, 2008, p. 40)

O estranhamento na produção, agora de modelo flexível, atinge material e

subjetivamente a classe trabalhadora, pois o universo da consciência social

também sofre os impactos da “crise do trabalho” evidenciada na crise dos

empregos, dos sindicatos, das centrais sindicais, na crise do conjunto dos

movimentos sociais e, por fim, na crise do reconhecimento do trabalhador como

trabalhador ou como classe-que-vive-do-trabalho. As ações do movimento

sindical na sua grande maioria ficam centradas em uma luta defensiva dos

direitos frente às políticas neoliberais de desmonte e de reconfiguração do

Estado, desregulamentadora do trabalho.

Enquanto que nas décadas de 1960-70 as lutas sindicais abraçavam

perspectivas mais globais de enfrentamento ao capital, visando inclusive o

socialismo como um modo societário futuro e possível, atualmente tais

perspectivas se encontram, no limite, como perspectivas vazias de conteúdo e

de razão quando orientadas por uma concepção acrítica – como sindicalismo de

participação, de negociação ou de colaboração entre capital e trabalho, jamais

como controle social da produção. Neste sentido, pode-se afirmar que a crise do

80

trabalho está atrelada de algum modo no discurso e na visão de mundo

capitalista como a crise do socialismo e do seu próprio fim.

Com relação ao discurso da crise do socialismo e do triunfo do capitalismo

como modo de produção situamos a crítica de Netto (2007) que sem dúvida é de

um impecável rigor analítico. Afirma o autor que as condições como foram

logradas as experiências socialistas nos países europeus provocaram a

anacronização das formas parciais e mutiladas até então alcançadas

historicamente e observa: é da socialização do poder político que depende o

avanço e a socialização econômica. Então, a crise global do campo socialista é

crise de suas instituições – sociais, econômicas e políticas – estruturadas sob

determinados modelos urbano-industriais e não uma crise das possibilidades

históricas de transição socialista. Ou, nas palavras de Netto:

Não é, portanto, a crise do projeto socialista revolucionário nem a infirmação da possibilidade da transição socialista: é a crise de uma forma histórica precisa de transição, a crise de um padrão determinado de ruptura com a ordem burguesa – justamente aquele que se erigiu nas áreas e que esta não se constituíra plenamente. A crise deste padrão, contraditoriamente, é produto do seu êxito parcial: criando as bases urbano-industriais num molde pós-burguês (donde um real componente de justiça social e de equidade), ele exibe as suas gritantes insuficiências em face da projeção socialista. Nesta ótica, pois, o que a crise global do “campo socialista” põe em questão é o conjunto de limitações ao desenvolvimento socialista no tipo de transição logrado nas sociedades pós-revolucionárias, ao mesmo tempo em que sinaliza que estas limitações só podem ser mantidas ao preço de modalidades de controle social crescentemente repressivas. Não é por acaso, assim, que em todo o “campo” o alvo elementar sobre que incidem os vetores erosivos seja o terreno das liberdades políticas. (Netto, 2007, p. 23, grifos do autor)

Contudo, o mais embrutecedor destas transformações sem dúvida é o

fenômeno do desemprego estrutural em grande escala e sem precedentes na

história do capitalismo. Assim, Antunes explica a mudança qualitativa na forma

de ser do trabalho, a contradição entre o movimento, o impulso em direção do

trabalho qualificado ao mesmo tempo e com um mesmo peso da sua profunda

desqualificação. “A redução da dimensão variável do capital, em decorrência do

crescimento da sua dimensão constante – ou, em outras palavras, a substituição

do trabalho vivo pelo trabalho morto.” (2008, p.53) Ocorre sim, mudanças no

âmbito dos processos de trabalho ocasionadas também pelos avanços

81

científicos e tecnológicos, mas que não elimina o trabalho como fonte criadora de

valor no modo de produção capitalista. Ao contrário, isso implica numa dimensão

mais qualificada do trabalho material e imaterial, sobretudo, um processo de

intelectualização do trabalho social, conforme afirma Antunes (2008, p.55)

Paralelamente a essa tendência evidencia-se a desqualificação de

enormes contingentes operários e o surgimento de uma massa de trabalhadores

que oscila entre os temporários os quais não tem nenhuma garantia de emprego,

os trabalhadores parciais, aqueles que estão integrados de forma precária às

empresas, os subcontratados e terceirizados (trabalhadores da economia

informal) e os desempregados. No conjunto, como chama Antunes (2008, p.57),

o subproletariado moderno. Ou, classificados em dois subgrupos, o que

denomina de periferia da força de trabalho: o primeiro, empregados em tempo

integral, com habilidades disponíveis no mercado de trabalho, e o segundo, um

grupo que

(...) oferece uma flexibilidade numérica ainda maior e inclui empregados em tempo parcial, empregados casuais, pessoal com contrato por tempo determinado, temporários, subcontratação e treinados com subsídio público, tendo ainda menos segurança de emprego do que o primeiro grupo periférico.” (2008, p. 58)

Como questionar a permanência do trabalho como determinante das

relações capitalistas de produção sem apreender a necessidade histórica de

suas transformações ao longo de sua existência? Como estabelecer parâmetros

entre as diferentes formas de exploração do trabalho alheio, de produção de

valor, material ou imaterial? Sendo assim, como pensar as classes sociais com a

existência de um espaço heterogêneo e fragmentado do trabalho e, por

extensão, como pensar as lutas sociais a partir dessa fragmentação? Seria

possível recuperar o significado crítico da ação sindical? Ou, como indaga o

autor:

Serão capazes os sindicatos, respeitadas suas especificidades, de avançar para além de uma ação acentuadamente defensiva e com isso auxiliar na busca de um projeto mais ambicioso, que caminhe na direção da emancipação dos trabalhadores? Que resgate ações no sentido de buscar o controle social da produção, em vez de perderem-se exclusivamente no campo de ações imediatas e fenomênicas, que não questionam sequer

82

minimamente a ordem do capital e do sistema produtor de mercadorias? (Antunes, 2008, p. 72)

Não é possível pensar a sociedade sem considerar o seu primeiro ato

histórico. A dimensão ontológica do ser social não permite a pura abstração do

mundo real. Ainda que a aparência das coisas se apresente como definhamento

do trabalho humano como criador de valor, a sua essência se constitui de uma

maior exploração dos trabalhadores e um maior aprofundamento das

contradições entre capital e trabalho. O espectro é de ampliação e concentração

do capital que em meio às enormes e profundas transformações aqui esboçadas

ainda se produz e se reproduz a partir de sua vertente original: a força de

trabalho assalariada.

2.4 Crise e ofensiva do capital: alguns aspectos da mundialização.

Conforme já apontamos, o desenvolvimento das forças produtivas do

capital permitiu a diminuição do valor da força de trabalho, assim que descoberta

a intensidade e a capacidade de controle do sistema sobre os processos de

trabalho. Ao pensar o problema da subsunção formal do trabalho na sociedade

capitalista e as suas transformações que caracterizam o atual padrão de

acumulação, compreendendo-as sob a forma de subsunção real do trabalho e

da vida social ao capital, temos em Tumolo (2003) uma discussão para o

presente estudo.

Com a introdução de novas tecnologias, novas descobertas no campo

científico e de novas formas de gestão e de racionalização da produção, o

trabalho humano controlado pelo capital potencializa ao máximo sua capacidade

de produção de mercadorias. A diminuição do valor das mercadorias e da taxa

de lucro no conjunto do capital é a manifestação inversa da lógica acumulativa

do capital. Esta é uma de suas maiores contradições.

Das categorias marxianas a mais-valia absoluta é aquela produzida pelas

condições de prolongamento da jornada de trabalho ao passo que a mais-valia

relativa corresponde a redução do tempo de trabalho necessário. De acordo com

Marx, o valor de uma mercadoria não se resume à quantidade de trabalho que

83

por último lhe constituiu a forma, mas agrega a soma de trabalho contida em

seus meios de produção contribuindo para elevar a taxa geral da mais-valia:

O verdadeiro valor de uma mercadoria, porém, não é o valor individual, e sim o social; não se mede pelo tempo de trabalho que custa realmente ao produtor em cada caso, mas pelo tempo de trabalho socialmente exigido para a sua produção. (Marx, 2006, p.368)

Já vimos que o valor das mercadorias é o inverso ao da produtividade do

trabalho. Nesta direção, o capitalista impulsiona o aumento da produtividade de

forma a baratear a mercadoria e, por conseqüência o próprio trabalhador. Esta é

uma necessidade do capitalista preocupado em apenas produzir valor de troca -

inclinar-se de forma constante pela redução do seu valor. Sendo assim, o

objetivo do capitalista não é reduzir a jornada de trabalho, mas apenas reduzir o

tempo de trabalho para a produção de determinada quantidade de mercadoria.

O desenvolvimento da produtividade do trabalho na produção capitalista tem por objetivo reduzir a parte do dia de trabalho durante a qual o trabalhador tem de trabalhar para si mesmo, justamente para ampliar a outra parte durante a qual pode trabalhar gratuitamente para o capitalista. (Marx, 2006, p.372)

São nestas condições históricas que se apresenta um aumento sem

precedentes da produtividade do capital, de uma quantidade maior na produção

de valores de uso com uma menor quantidade de seu valor (abstrato). Na lógica

de concorrência da mundialização do capital determina-se uma busca sem

limites pela diminuição do valor das mercadorias. Em outras palavras,

objetiva-se a diminuição da quantidade de trabalho social médio objetivado nas

mercadorias, a redução do tempo de trabalho abstrato ou do tempo de trabalho

necessário à reprodução da força de trabalho social média.

Considerando que a produção de mercadorias somente é possível

quando da existência de uma força de trabalho viva, de um organismo humano

em funcionamento e interagindo socialmente, pensar a produção da sociedade

capitalista implica, então, pensar a reprodução social de quem a produz. A soma

ou o conjunto dos meios de subsistência para reprodução da força de trabalho

constitui, dessa forma, a condição de sua existência como força motora e

geradora de mais-valia.

84

Ocorre que a reprodução da força de trabalho implica na reprodução

social da família pertencente à classe produtora de capital, estendendo-se no

conjunto das suas necessidades sociais fora do espaço e da jornada de trabalho.

Dessa forma, uma quantidade de trabalho social abstrato, necessária para

produzir os meios de subsistência necessários à vida do trabalhador e de sua

família é o que corresponde ao valor da força de trabalho.43 Ou seja, o valor da

força de trabalho significa, em outros termos, a totalização das condições de

existência social, materiais e imateriais, para as necessidades do capital.

Por exemplo, a alimentação e o vestuário devem suprir as necessidades não só do 'tempo e espaço de trabalho', mas também do 'tempo e espaço do não-trabalho', quer dizer, da vida da família do trabalhador, assim como a educação não pode restringir-se à formação ou qualificação para o trabalho, mesmo que tal formação tenha um sentido geral e abrangente, mas abarcar o acesso ao conhecimento e à cultura necessários à vida humana em determinado tipo de sociedade. (...) É como ser que vive integralmente na sociedade do capital, satisfazendo as necessidades de todas as dimensões humanas - do estômago à fantasia -, ou seja, é como cidadão e, por conseguinte, consumidor de todos os meios de subsistência necessários à sua vida, o sujeito produz a força de trabalho, para 'depois', na condição de proletário, vendê-la ao seu comprador. (Tumolo, 2003, p.162)

Como concepção burguesa trata-se de uma “relação de liberdade e de

igualdade” na sociedade de mercado já que capital e trabalho possuem, na

forma de “equivalentes”, suas distintas propriedades e por isso se inserem na

esfera da circulação de acordo com a sua “livre e espontânea vontade”. Essa

relação se constituiu política e juridicamente na existência de um contrato liberal

entre capital e trabalho. Ser proprietário da força de trabalho, diz Marx, não é

nenhuma sorte. É uma condição determinada historicamente. De outro lado,

obter a propriedade dos meios de produção, das mercadorias, do dinheiro e, por

conseguinte, do poder de compra da força de trabalho também não é nenhum

43 Cabe-nos evidenciar nosso ponto de vista a esse respeito: a venda da força de trabalho no mercado corresponderia ao valor necessário para a aquisição dos meios de subsistência e de reprodução do trabalhador. Concretamente, do conjunto dos meios de subsistência, materiais e imateriais, necessários para revigoramento da força de trabalho coletiva (do trabalhador e de sua família), conforme tal perspectiva de análise,

85

privilégio dos capitalistas, mas sim o resultado de um longo e inesgotável

processo de lutas e contradições que, sob tal antagonismo, veio conformar duas

classes distintas: a do capital e a do trabalho.

Dito isso, pensar as relações que determinam as contradições entre

capital e trabalho pressupõe reconhecer a determinação da propriedade privada

dos meios de produção e as contradições sociais, políticas, jurídicas, culturais e

filosóficas que esta condição capital estabelece historicamente. Os meios de

produção somente podem ser compreendidos como capital constante na relação

capitalista de produção. O que o capitalista investiu na força de trabalho investiu

em capital. A força de trabalho só é capital nas relações capitalistas de produção,

porém como capital variável.

No que diz respeito à mais-valia relativa é a forma que o capital cria

enquanto condição histórica para (re) condicionar a mais-valia absoluta a seu

favor. A introdução da máquina a vapor criou, por exemplo, as condições para a

força de trabalho feminina e infantil também tornar-se valor-de-uso para o

capitalista e, portanto, valor de troca e mais valia, respectivamente. Em outras

palavras, a mais-valia relativa diz respeito ao momento de maturidade das forças

produtivas do capital.

Quando refletimos a trajetória da mais-valia absoluta para a mais-valia

relativa ou a subsunção formal à subsunção real do trabalho na sociedade

capitalista, buscamos o sentido e as características do atual padrão de

acumulação capitalista. Da proeminência do controle da vida social sobre os

controles dos processos de trabalho na contemporaneidade explica Tumolo:

Dessa forma, o controle do processo de trabalho realiza-se por intermédio do controle da vida social, o primeiro subordinando-se ao segundo, de tal maneira que o capital tende a prescindir de um controle mais sistemático e hostil sobre os trabalhadores no âmbito dos processos de trabalho, dispensando, inclusive, os empregados que desempenham esse tipo de função, tendo em vista o autocontrole exercido pelos próprios trabalhadores. (...) Se, como foi visto, a transição da subsunção formal para a subsunção real do trabalho requereu o controle do capital sobre os processos de trabalho, que se logrou a partir de um processo histórico de alienação do trabalhador, a passagem da subsunção real do trabalho à

poucas são (ou nada) as condições de usufruto por parte da grande maioria dos trabalhadores, sobretudo daqueles da periferia do capitalismo mundial.

86

subsunção real da vida social ao capital vem se realizando por intermédio do controle que o capital tem exercido sobre praticamente todas as atividades de produção e reprodução da vida humana em sociedade. (Tumolo, 2003, p.174)

Tal movimento potencializa a utilização do trabalho morto, potencializa o

capital constante e permite um aumento da composição orgânica do capital

ainda que em detrimento da sua taxa de lucro e de sua acumulação. Ao produzir

e acumular força de trabalho excedente há uma tendência maior de

rebaixamento dos salários e do poder de negociação da classe trabalhadora na

arena de lutas sociais, dentro e fora do espaço de trabalho, o que significa um

impacto sobre a totalidade dos movimentos de resistência da classe

trabalhadora e de suas lutas específicas. Não obstante, as reivindicações do

movimento sindical têm privilegiado a luta para retomar as perdas salariais,

conquistar benefícios e melhores condições de trabalho, elementos necessários

na dinâmica de sua reprodução como força de trabalho, conforme já observamos

anteriormente.

A concorrência aguçada na totalização do sistema capitalista requer um

recrudescimento das forças produtivas em potencial, uma velocidade e técnicas

sem precedentes, com vistas à produção de mercadorias reduzidas na

quantidade média de seu trabalho social objetivamente necessário. Dos seus

efeitos contraditórios, primeiro, o aumento sem precedentes da força de trabalho

descartável e desnecessária ao processo de produção obstaculizando o poder e

a capacidade de organização e de resistência no conjunto dos trabalhadores;

segundo, e na mesma ordem de importância, o aumento da composição

orgânica do capital, o aumento do capital constante em detrimento do seu capital

variável, diminuindo a sua capacidade de absorção da taxa de lucro e de sua

acumulação.

O aprofundamento destas contradições do capital tem implicado na

necessidade de aumento da jornada de trabalho (inclusive nos países centrais

do sistema capitalista como demonstraram os acontecimentos na França com a

Reforma da Previdência no ano de 2010). Conforme foi apontado por Netto

(2007, p.44) no começo dos anos 90, mesmo nas limitadas áreas onde o

87

crescimento da ordem burguesa pôde ser considerado positivo os custos desse

crescimento para a grande massa dos trabalhadores apresentava uma

tendência alarmante de restrição de direitos e conquistas levando à projeções

crescentes de instabilidade e insegurança. Tal situação histórica permite ao

autor considerar como legítima a hipótese de Mészáros de que o conjunto do

sistema esteja se aproximando de certos limites estruturais do capital.

Em termos de mais-valia absoluta e relativa isto significa que há uma

tendência no aumento da primeira em relação à segunda na medida em que

aquela pode se realizar pelo aumento efetivo do tempo de trabalho, bem como

pelo incremento da intensidade, do ritmo, da velocidade do trabalho acima de

suas condições consideradas normais. Com efeito,

O processo que propiciou a diminuição do valor da força de trabalho e, portanto, a produção e extração da mais-valia relativa criaram, ao mesmo tempo e contraditoriamente, a necessidade e as condições de redução do preço da força de trabalho abaixo de seu valor e, por conseguinte, da produção e extração da mais-valia absoluta. (Tumolo, 2003, p. 171)

A duração diária de força de trabalho é o que corresponde ao trabalho que

é necessário para a subsistência do trabalhador, considerando que a força de

trabalho é igual ao valor dos meios de subsistência para a sua reprodução

enquanto tal. Dessa forma, o valor ou a magnitude do trabalho excedente

corresponde à redução da jornada de trabalho, esta, obviamente relativa à

quantidade de trabalho necessário, trabalho útil. Conforme Marx (2006, p.365):

Entendemos aqui por elevação da produtividade do trabalho em geral uma modificação no processo de trabalho por meio do qual se encurta o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de uma mercadoria, conseguindo-se produzir com a mesma quantidade de trabalho, quantidade maior de valor-de-uso.

88

O preço da força de trabalho fica determinado na medida da força de sua

classe detentora na relação (des) igual de troca na esfera da circulação. É neste

sentido que a insistência na racionalização da produção no âmbito de

desenvolvimento das forças produtivas irá reduzir no produto final das

mercadorias também a sua expressão monetária, seu preço. Esta é, por sua vez,

a medida objetiva na esfera da circulação de mercadorias e também a medida

objetiva nos limites da resistência e organização do trabalho.

Isto quer dizer que a fase taylorista/fordista significou a predominância,

pelo menos no centro do sistema capitalista, da mais-valia relativa em relação à

mais-valia absoluta, sobretudo, em virtude da capacidade de resistência e de

organização dos trabalhadores em defesa de um suposto equilíbrio entre o preço

e o valor da força de trabalho. Isto permitiu certa reprodução dentro de padrões

ainda considerados normais da vida social para o cidadão capitalista, terreno

este de “democratização social” do Estado capitalista ou de constituição de uma

social-democracia regulada pelas determinações do capital. Por outro lado, nos

Estados periféricos o acirramento da pobreza e dos conflitos determinados entre

capital e trabalho sucumbiu diante das ditaduras políticas, em particular na

América Latina, com o preço da força de trabalho acentuadamente abaixo do

seu valor.

Acentuamos em Alves (2006, p.48) que o fundamento da crise estrutural

do capital é a crise estrutural do trabalho abstrato, do trabalho produtor de valor.

É neste sentido que o capitalismo se caracteriza atualmente pelo estigma da

financeirização. A crise estrutural do capital deve ser entendida não como

incapacidade de crescimento e de expansão de sua economia, mas como

incapacidade de realização social humana. O termo sócio-metabolismo da

barbárie significa para o autor a expressão social e histórica do desemprego

estrutural, da crise social do Estado, da precarização da força de trabalho e das

novas formas de estranhamento social, além de uma crise ambiental e ecológica

sem precedentes históricos. Tudo isso aliado às novas configurações do

fetichismo da mercadoria é condição para que o capitalismo se reproduza como

sistema metabólico. As suas mutações de dimensões planetárias concentram a

ofensiva da “lógica do mercado e da valorização do valor sobre as instâncias do

89

ser social” (Alves, 2006, p.52).

O caráter de crise estrutural se manifesta como metamorfose sistêmica do

capital na procura de uma nova forma social adepta ao seu modo de reprodução

e também como crescente fetiche e estranhamento social. Na perspectiva da

emancipação humana o desenvolvimento da produtividade do trabalho social

significaria a possibilidade concreta da humanidade, em sua maioria, resolver o

problema da escassez social. Mas ao contrário, 2/3 da humanidade está imersa

na miséria e na luta pela sobrevivência. As questões que Netto nos coloca

expressam nitidamente essas contradições, a saber:

Não seria exagerado falar em barbárie, no momento mesmo em que a massa crítica de que dispõe a humanidade lhe permitiria um controle da natureza capaz de, sem destruí-la (antes, preservando-a), prover otimamente as necessidades de reprodução da sociedade? Não seria uma retórica de mau-gosto falar em barbárie, quando as condições técnicas de socialização dos bens culturais possibilitariam aos homens um desenvolvimento ideal sem precedentes? (Netto, 2007, p.40, grifos do autor)

Ao fazer a crítica ao fetiche da mercadoria e ao império cultural do capital

Löwy observa que a atualidade mundial do capitalismo se reveste sob uma

casaca já conhecida historicamente: a nova versão de um liberalismo bruto e

feroz, agora sob hegemonia estadunidense, a imposição do culto ao mercado

em detrimento do ser social que cria e produz. Neste sentido, o horror do poder

bélico justifica-se na necessidade de controlar, de afogar, de dizimar o

incontrolável, de ajustar o desvio, de impor os limites e a autoridade suprema do

mercado sobre as resistências sociais. A ditadura cultural em torno da

mercadoria objetiva também a eliminação das formas simbólicas e concretas de

resistência social. Particularmente, os meios de comunicação social têm o

propósito de contribuir no processo de alienação e de fragmentação social, de

isolar e de subordinar o papel do sujeito, da ação consciente na vida em

sociedade. A comercialização do homem e de suas relações sociais (incluindo o

ecossistema) se estabelece na mesma medida em que se estabelece a

hipocrisia da civilização moderna e global. Da lógica destruidora das civilizações

90

e de suas culturas resulta o aprofundamento e a extensão sem limites da

propriedade privada, da economia de mercado e do fetiche da mercadoria.

Neste contexto, compreende-se o revigoramento do papel e das funções

do Estado para o capital. A crescente redução e isenção de impostos sobre a

propriedade privada, a destinação de volumosos recursos orçamentários para o

capital, a garantia de infra-estrutura para os investimentos nacionais e

internacionais, as condições políticas e jurídicas necessárias de abertura ao

capital estrangeiro, bem como o funcionamento das instituições de coerção e de

repressão social no espaço em que conflitos sociais obtenham evidência, todas

são, entre outras, formas de maximizar o poder institucional a serviço do grande

capital. Dessa forma, a intensidade na degradação do trabalho e a atuação

mínima do Estado em políticas sociais de reprodução da força de trabalho

constituem no seu conjunto as condições favoráveis de (re) produção do capital.

91

CAPÍTULO 3:

DAS CONFIGURAÇÕES DE MERCADO NO ENSINO SUPERIOR E DOS

IMPACTOS SOBRE O TRABALHO INTELECTUAL.

3.1 A (contra) reforma do Estado e a cultura de mercado na educação.

De acordo com Milton Santos a idéia do Estado mínimo é de fato uma

dissimulação frente à mundialização do capital: a esfera da política muda de

espaço. Para o autor, o nível mais alto de internacionalização do sistema

capitalista está manifestado na globalização sob dois elementos fundamentais: o

estado das técnicas (mundo do trabalho) e o estado da política. Sob a condução

política e econômica neoliberal, as novas condições técnicas atendem ao

modelo perverso da globalização, pois, “Finalmente, quando esse progresso

técnico alcança um nível superior, a globalização se realiza, mas não a serviço a

humanidade.” (Santos, 2003, p.65).

O conjunto das forças dominantes que constitui o que se denomina como

globalização hegemônica compreende para Wanderley (2010) a ampliação

crescente do comércio internacional, do mercado financeiro e das companhias

transnacionais. Também compõem o capitalismo global: as transformações

tecnológicas e de comunicação, a política universal dos direitos humanos e do

discurso democrático; a indústria cultural global e uma sociedade civil mais

complexa pela inserção de novos atores transnacionais, companhias,

organizações não-governamentais, num contexto de grande pobreza e de

destruição ambiental mundial.

(...) marcada pela atuação das corporações transnacionais, das empresas multinacionais, dos governos, que ultrapassam as fronteiras nacionais, impactando os processos e meios de produção, de comércio, de trabalho. Mas ela ultrapassa essa dimensão essencial e abrange todas as dimensões societárias, políticas, sociais, culturais, religiosas; muito em decorrência das mudanças na divisão social do trabalho. (Wanderley, 2010, p.13)

Partilhamos do entendimento de autores como Behring (2008), Boito

92

(1999), Bóron (1999) e Leher (2004) os quais caracterizam este processo como

contra-reforma do Estado já que incide diretamente sobre o trabalho e os direitos

sociais. O atual modelo de acumulação capitalista exige a desregulamentação

das relações de trabalho e dos direitos sociais diante da exigência de redução

dos custos sociais com os trabalhadores. Para Leher (2004) a construção e a

afirmação dos direitos sociais e políticos somente foram possíveis no pulsar da

luta de classes: as revoluções socialistas, as lutas populares do pós-guerra, os

movimentos de libertação da Ásia e África são seus exemplos históricos. Assim,

a contra-reforma em curso na América Latina, a partir da década de 1980,

constitui um retrocesso das lutas democráticas conforme já situamos com o

Movimento de Córdoba em 1918, já que o centro destas conquistas de abertura

e de ampliação do espaço público está comprometido pelo alargamento e

aprofundamento da esfera mercantil. O conceito de contra-reforma do Estado

consiste, pois, no aspecto regressivo e reacionário de reformulação do espaço

público, revogando direitos já consolidados historicamente e impondo às lutas

sociais um caráter defensivo numa conjuntura de fragmentação e despolitização

da classe trabalhadora.

O discurso que ouvimos todos os dias, para nos fazer crer que deve haver menos Estado, vale-se dessa mencionada porosidade, mas sua base essencial é o fato de que os condutores da globalização necessitam de um Estado flexível a seus interesses. As privatizações são a mostra de que o capital se tornou devorante, guloso ao extremo, exigindo sempre mais, querendo tudo. (...) De tal forma, o Estado acaba por ter menos recursos para tudo o que é social, sobretudo no caso das privatizações caricatas, como no modelo brasileiro, que financia as empresas estrangeiras candidatas à compra do capital social nacional. Não é que o Estado se ausente ou se torne menor. Ele apenas se omite quanto ao interesse das populações e se torna mais forte, mais ágil, mais presente, ao serviço da economia dominante. (Santos, 2003, p.66)

Igualmente, de acordo com Gentili (2000) percebe-se que a privatização

das políticas sociais públicas tem como pano de fundo a redefinição profunda do

papel do Estado na perspectiva de sua redistribuição em favor dos setores mais

poderosos da sociedade. Segundo o autor, o problema central não é o

“afastamento” da ação estatal, mas a sua reconfiguração com a emergência de

93

novas formas institucionais de prestação de serviços que redefinem o espaço

público e estimulam ações da sociedade civil com um discurso acerca das

virtudes do Terceiro Setor e da filantropia empresarial.

Ao contrário de democratizar o poder garantindo transparência,

participação e controle social, a tendência é limitá-lo na medida em que as

questões sociais são concebidas dentro da particularidade, do mercado, do

consumo, da propriedade privada, tal como se propagou no período do

liberalismo clássico. Conforme Coutinho (1989, p.49):

É interessante observar que, para o pensamento liberal, o Estado existe com a finalidade de garantir interesses que estão fora da esfera estatal; o Estado representaria o interesse de todos, mas tal interesse se expressaria precisamente na conservação de uma esfera de interesses singulares situada num mundo “privado”, no qual o Estado não deve intervir. Esta é a lógica liberal: o Estado em si não representa interesses concretos; ele assegura que os interesses se explicitem em sua esfera própria, que é a esfera privada. Não é por acaso, portanto, que o pensamento liberal se centra no postulado da limitação do poder, em contraste com o pensamento democrático, que tem como eixo central a distribuição (ou socialização) do poder. A preocupação do liberalismo é limitar o poder; daí a exigência do Estado-mínimo, do Estado que só intervém quando estritamente necessário.

Segundo Harvey (1994), o modelo fordista de produção caracterizado

pelo seu „compromisso‟ com a classe trabalhadora foi superado pelo modelo de

produção flexível em que o Estado de direitos é reestruturado para atender as

atuais exigências de funcionamento do sistema, modelo que implicou na redução

de direitos sociais, na diminuição de salários e no aumento do desemprego e

subemprego em grande escala. Tais impactos sobre a classe trabalhadora

tenderam a uma polarização entre, de um lado, empregados estáveis com alta

qualificação, bons salários, acesso aos direitos trabalhistas e sociais e, de outro,

trabalhadores precarizados, subempregados ou desempregados. O setor

público, por sua vez, sofreu e reproduziu estes efeitos com a redução de

concursos públicos, com a contenção salarial, com a falta de incentivo à carreira,

com a terceirização e a contratação temporária, entre outros aspectos.

Neste cenário, as lutas sindicais em defesa do trabalho e dos direitos

sociais sofreram um retrocesso em sua organização e na sua capacidade de

mobilização, como bem observou Antunes (1996) ao afirmar que a fragmentação

94

e a complexidade no interior da classe trabalhadora exigem um novo desafio: o

de incorporar os trabalhadores terceirizados e precarizados que perderam a

centralidade no processo produtivo. Exige-se, então, dos sindicatos a tarefa de

unificar os trabalhadores, fortalecendo o espírito coletivo de luta social na

contramão das tendências de individualização do ser social (re) postas pelo

neoliberalismo. Neste sentido, também, Boito (1999, p.228) confirma:

Com o movimento operário e popular na defensiva, marcado por derrotas recentes, pela crise do movimento e do programa socialista e pelo acirramento da concorrência entre os trabalhadores (desemprego, ondas recessivas, terceirização, abertura da economia), o neoliberalismo, que é uma reedição do velho liberalismo econômico, pode jogar, apoiando-se nessas mesmas e antigas diferenciações, um setor dos trabalhadores contra o outro, lançando no descrédito os direitos sociais no seu conjunto e enquanto tais. Antes, cada trabalhador via no direito conquistado por outro um primeiro passo para que ele próprio conquistasse o seu; hoje, o trabalhador tende a ver no direito conquistado por outro um privilégio que ameaça seus próprios direitos.

Conforme Wanderley (2010) essas transformações têm efeitos diretos e

indiretos sobre as políticas de educação que, não por outra razão, se voltam para

diretrizes curriculares centradas na formação de técnicos e profissionais para o

mercado e que são caracterizadas, geralmente, por uma política de gestão da

qualidade total nas instituições governamentais. Além disso, um dos principais

problemas relacionados à educação pública no Brasil diz respeito à qualidade do

ensino ofertado.

Dados no relatório anual da Unesco de 2005 evidenciam as altas taxas de

repetência e de evasão do ensino fundamental. Em 2006, a Folha de São Paulo

publicou que cerca de 37% da população de jovens no Brasil, entre 15 e 25 anos,

não completaram este nível de ensino. (Educação e Sociedade, 2007, p.321) A

qualidade precária do ensino resulta em grande parte das políticas de restrição

no financiamento da educação e na formação de professores, bem como das

precárias instalações físicas e dos equipamentos.

Segundo as diretrizes e metas do governo federal para a educação

previstas no Programa de Desenvolvimento da Educação (PDE) do Ministério da

95

Educação (MEC) a profissionalização dos professores é uma preocupação

central nos programas governamentais de qualidade do ensino básico,

fundamental e médio, apoiados nas seguintes prioridades: no piso salarial

nacional, no estabelecimento de diretrizes nacionais de carreira, considerando a

jornada do trabalho docente, e na política nacional de avaliação e de formação

do trabalho docente. As metas gerais do governo para alcançar a qualidade

social da educação compreendem, entre outros meios, o aperfeiçoamento da

gestão educacional em vários níveis, a inclusão digital, as avaliações nacionais,

a educação profissional - de ampliação do acesso e de articulação com o ensino

médio - e a formação inicial e continuada do trabalho docente. Como um

desdobramento destas metas gerais o governo federal apresentou proposições

para o Ensino Superior como o financiamento, a formação de professores, a

avaliação da educação profissional, as condições de infra-estrutura e de

serviços das instituições de ensino e suas propostas pedagógicas.

De acordo com análise de Lima (2005) a contra-reforma no Brasil não

pode ser compreendida fora do projeto nacional de desenvolvimento do governo

Lula44 e este, por sua vez, do contexto internacional de mundialização, visto que,

aprofunda o Brasil no capitalismo dependente e o sustenta, ideologicamente, por

um modelo de „capitalismo humanizado‟. Na medida em que o orçamento público

destinado às universidades federais é “insuficiente” há uma tendência maior de

justificar a necessidade de diversificação das fontes de financiamento e de

conceber a educação como um serviço no cenário do comércio mundial. Ainda

segundo a autora a Organização Mundial do Comércio (OMC) é uma das

instituições globais de maior peso nestas formulações que, entre outros objetivos,

busca a livre concorrência dos Estados nacionais entre empresas locais e

estrangeiras. Obviamente, a amplitude do „mercado educacional‟ é um atrativo

imensurável para o comércio internacional. Na mesma direção, as tentativas de

negociação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) tiveram por

44De acordo com a autora, são contradições profundas com relação ao programa do Partido dos Trabalhadores alguns de seus principais eixos políticos, tais como: 1) a não mais referência ao socialismo, adotando uma política de conciliação das classes antagônicas; 2) a descaracterização de sua militância de base por um burocratismo partidário; 3) ações dentro dos limites da legalidade burguesa objetivando, exclusivamente, às políticas de aliança com as elites nacional e internacional.

96

objetivo, também, a consolidação do controle imperialista sobre o „mercado

educacional‟ latino-americano.

Para Santos (2002), dois elementos se sobressaem com referência às

orientações das instituições financeiras internacionais para a educação: primeiro,

o público não dá conta da demanda na área exigindo a ampliação da rede na

educação privada; segundo, a produção científica e tecnológica não pode ser

independente, mas deve estar atrelada aos interesses do mercado. Assim, o

“progresso” como desenvolvimento social na lógica dos mercados envolve a

competição, a mercadoria, o consumo, o padrão, a eficiência e o controle da

produção. Além da educação para o mercado, a sua qualidade sob tal

perspectiva busca certa “costura” do campo social fortemente dilacerado pela

violência e desigualdade social:

A costurar e cimentar tais ações existe uma concepção que privilegia bandeiras presentes nos principais documentos que fundamentaram as reformas educacionais desencadeadas na década de 1990, as quais conferem primordialmente à educação o papel de formação de recursos humanos para o setor produtivo e, portanto, servem de alavanca para o crescimento econômico. A qualidade da educação, nesse sentido, tende a referir-se à busca da eficiência, de um lado, e, de outro, à tentativa de produzir, por meio de diferentes ações, alguma forma de coesão tendo em vista as diversas manifestações de esgarçamento do tecido social. (Educação & Sociedade, 2007, p. 323-324)

As medidas governamentais implantadas no Ensino Superior no Brasil

centram-se, sobretudo, na oportunidade de diversificação das fontes de

financiamento através da regulamentação das Fundações de direito privado, da

Lei de Inovação Tecnológica e do Programa Universidade para Todos - PROUNI.

Com relação às fundações a análise de Emir Sader (2005, p.118-119) é

bastante ilustrativa: a maior parte dos recursos das fundações é pública e sem

licitação além do que os cursos oferecidos geralmente não são gratuitos e nem

aprovados nos colegiados das instituições. Não obstante, possuem isenção

fiscal e favorecem a realização de negócios privados dentro da instituição

pública.

A lógica de mercado também impera nas questões do PROUNI uma vez

que as condições estabelecidas para a isenção de imensas dívidas públicas da

97

iniciativa privada oportunizaram um meio lucrativo para empresas e instituições

que estavam rumo à falência. Em meio à crise da universidade pública no Brasil

o governo federal deslocou recursos financeiros do setor público para o setor

privado atendendo, assim, à crise das instituições filantrópico-comunitárias no

âmbito do programa.

Hoje, se fizermos uma comparação aos períodos anteriores, a abertura de

vagas nas Instituições de Ensino Superior apresenta um número „surpreendente‟

no que se refere ao acesso das populações mais pobres. Para Lima (2005) isso

caracterizaria o poder de sedução do capitalismo humanizado da “nova

esquerda” no Brasil, pois se trata de uma política que ganha adesão social nas

camadas populares e médias. Nesta direção, constitui parte do Plano de

Desenvolvimento da Educação (PDE) do Governo Federal o Programa de Apoio

a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI

lançado pelo Decreto nº 6096 de 24 de abril de 2007. Segundo o governo, o

objetivo é ampliar o acesso e a permanência que mais precisam no Ensino

Superior. Assim, a expansão física, acadêmica e pedagógica prevista pelo

governo e iniciada ainda em 2003 deveria garantir as condições para a

ampliação da oferta de vagas e de cursos, especialmente no noturno, de forma a

priorizar os alunos trabalhadores.

De forma geral, convém ressaltar que o eixo central da contra-reforma

universitária é o da parceria público-privado. Como no modelo Bresser Pereira

de organização pública não-estatal, as diretrizes da reforma no Brasil contidas no

Plano Diretor do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE) do

governo Fernando Henrique Cardoso exigiram a reformulação do poder estatal

como parte da política de ajuste fiscal recomendada pelos organismos

financeiros internacionais. Seus objetivos e prioridades:

Rigorosamente, apenas três domínios não podem ser objetos de parcerias público/privado: 1) a elaboração de leis – o Parlamento não pode ser cedido a um ente privado; 2) a aplicação e a execução das leis – inclusive o aparato coercitivo: o Judiciário e as Forças Armadas não podem ser objeto de tal parceria; e, 3) a regulação dos contratos das parcerias público/privado – tem que permanecer na esfera do Estado, por uma questão óbvia. Fora esses três domínios, tudo pode ser objeto dessa parceria. É o maior processo de privatização potencial que temos na história recente da república brasileira. (Leher, 2005, p.74)

98

Esta reorientação constituiu-se numa reação dos grandes grupos

econômicos contra a política keynesiana em defesa do livre mercado, isto é,

contra a ampliação das funções reguladoras do Estado na vida social. Entretanto,

de forma a minimizar os impactos diante da opinião pública as elites

governamentais se prevaleceram da expressão „ajuste estrutural‟ para

argumentar que o excesso de gastos públicos com as Instituições Federais de

Ensino Superior prejudica o desenvolvimento da política econômica. Assim, a

retórica neoliberal é a justificativa para a contra-reforma universitária no Brasil e

na América Latina.

As políticas de parceria para financiamento do Ensino Superior no Brasil

são, portanto, o eixo condutor do reordenamento político entre o público e o

privado. Trata-se de uma redefinição profunda do papel do Estado na direção de

sua redistribuição em favor dos setores economicamente dominantes. Significa

um ataque frontal à democracia no campo educacional já que interfere

diretamente nas relações de poder para o mercado.

Partilhamos da idéia de que o investimento público em educação implica

no desenvolvimento social de uma nação em direção de sua soberania política,

econômica, científica e tecnológica. Contrariamente, numa condução de ordem

mercantil, o Estado se apresenta deliberadamente favorável e conveniente aos

interesses do capital. Assim o é na atual reforma do ensino superior no Brasil

numa conjuntura histórica de retomada do culto à propriedade privada e da

cultura da sociedade de mercado.

Ora, quando o governo brasileiro equipara todas as instituições como de interesse social, o problema do tratamento nacional foi resolvido. Doravante, uma corporação que esteja aqui, seja pela internet, seja por franquia aqui instalada, vai poder fazer jus às verbas públicas a serem apresentadas nos editais. Esses editais de ampliação de vagas “públicas” serão de livre concorrência entre as corporações: as empresas privadas e as universidades públicas. Eu indago: Qual é a possibilidade das universidades públicas, que mantém produção do conhecimento, que mantêm atividades de pesquisa, sobreviverem nesse ambiente de concorrência? Há, ainda, as conseqüências que não podem ser secundarizadas. O que será o estudo da cultura brasileira, da história, da arte, da nossa forma de ver, de ler e de pensar a natureza, quando a instituição de Ensino Superior pertencer à Coca-Cola Corporation, por exemplo? Ou pertencer a Microsoft ou a qualquer outra empresa? É óbvio que nessas condições o país perde a sua alma, perde a sua história, perde a sua cultura,

99

perde a sua identidade. (Leher,2005, p.79)

De acordo com o Censo da Educação Superior, divulgado pelo Instituto

Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em outubro de 2003,

o sistema de ensino superior no Brasil é um dos mais privatizados mundialmente:

89% das instituições num total de 1.859 calculadas neste período. Segundo

estes dados das 10 maiores Instituições de Ensino Superior 07 são privadas. O

Plano Nacional de Educação (PNE) estipulou a meta de 30% dos jovens nas

universidades sendo que 40% deste universo nas instituições públicas.

Entretanto, apenas 9% dos jovens entre 18 e 24 anos frequentaram o Ensino

Superior em 2003 e 72% deste total nas instituições de ensino privado.45 De

modo a exemplificar concretamente a situação de proliferação do ensino privado

no país recorremos aos dados apresentados pela Dra. Maria Beatriz Costa

Abramides da PUC-SP sobre a situação nos Cursos de Serviço Social. Segundo

ela, em 2000 apresentavam-se regulamentados no Brasil 79 Cursos de Serviço

Social em instituições privadas de ensino. Em 2004, o número aumentou para

147 escolas46.

Com relação à política de educação à distância, por exemplo, ocorre uma

tendência avassaladora na precarização do ensino e na formação profissional.

Obviamente, essa política no Brasil atende aos interesses lucrativos de

empresas e negócios com a educação não presencial. Não obstante, a educação

profissional e à distância e a sua relação com as políticas de mercado são temas

problematizados e que devem ser aprofundados no campo das lutas

educacionais, a saber:

Todavia, há também muitos aspectos que, pelo menos à primeira vista, demandam discussões mais aprofundadas. (...) A primeira refere-se à formação inicial e continuada de professores de educação básica à distância. O suposto de que tal estratégia resulte em melhor preparo do professor parece não levar em conta que sua formação tem se revelado precária,

45 Dados observados no Boletim da Associação dos Professores da Universidade Federal de Santa Catarina (APUFSC), nº 505, de 26 de outubro de 2004. 46 Dados apresentados na Oficina Nacional Descentralizada Regional Sul II. Avaliação do processo de formação do Assistente Social brasileiro. ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social, 18/09/2006, PUC-SP.

100

mesmo sob as condições mais favoráveis do ensino presencial. (...) No que respeita à educação profissional, as ações à ela referentes tendem a apoiar-se no questionável suposto de que a mais formação técnica corresponderão melhores oportunidades no mercado de trabalho e de que tal mercado será mais favorável em nível regional. Tal suposto é questionável, considerando-se que a inserção no mercado de trabalho não é comandada pela educação, mas pela economia, ainda que possa contribuir para tal. Torna-se ainda mais questionável se tal modalidade de educação passa a ser oferecida a distância (...) (Educação & Sociedade, 2007, p.323)

Neste aspecto, para solucionar o baixo índice de ingresso no Ensino

Superior o Programa Uniaberta do Governo Federal regulamentou o Ensino à

Distância permitindo que em qualquer universidade 20% de seus estudantes

possam ser matriculados nesta modalidade. O governo brasileiro investiu um

montante de (aproximadamente) 100 milhões do seu orçamento público no

programa e organizou uma Secretaria Especial para tratar do assunto tendo

como meta inserir 30% de jovens no Ensino Superior até 2013.47

Esses dados demonstram, em parte, a “prioridade” do Estado brasileiro

com relação à educação no Ensino Superior e a sua preocupação com a

qualidade de ensino. Com efeito, afirma um documento intitulado: Sobre a

incompatibilidade entre Graduação à distância e Serviço Social elaborado por

entidades da área (CFESS, CRESS, ABEPSS, ENESSO) em 2010 que diz o

seguinte:

Uma política de ensino superior pobre para os pobres, já que declaradamente a EaD está associada à oferta de ensino para segmentos mais pauperizados, conforme consta no Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado no governo Cardoso. A formação e atualização de professores em serviço é outro dos focos da implementação do EaD desde o governo Cardoso. Essas duas metas, formação de professores e acesso de segmentos mais empobrecidos ao ensino superior, continuaram sendo o horizonte da implementação do EaD durante o governo Lula. (p.06) Trata-se de produzir uma preparação para as requisições de mensuração e gestão/controle dos pobres. Nesse contexto, não

47 Dados apresentados pela Associação dos Professores da PUC-SP (APROPUC) durante a Oficina Nacional Descentralizada Regional Sul II. Avaliação do processo de formação do Assistente Social Brasileiro. ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. 18/09/2006, PUC-SP.

101

se requisita o perfil das diretrizes curriculares, crítico, articulador político-profissional dos sujeitos, preocupado com os direitos e a cidadania, pesquisador que vai além das aparências dos fenômenos, profissional preocupado com a coletivização das demandas, com a mobilização social e a educação popular. Ao contrário, o que se requisita é um profissional à imagem e semelhança da política social focalizada e minimalista de gestão da pobreza e não do seu combate, politização e erradicação. Daí que é desnecessário o tripé ensino, pesquisa e extensão: nossa matéria vida, tão fina, é tratada com a velha indiferença do mercado. A resposta vem na forma de conteúdos fragmentados, parciais e medíocres. Nada de livros, mas apostilas! Nada de discussão e riqueza da sala de aula, mas a relação individual e virtual com um tutor distante e que orienta muitos alunos, ou seja, é super explorado. Empobrecimento e mediocridade em quantidade, com a ilusão de que está se promovendo e democratizando o acesso ao ensino superior. (2011, p.13)

Para Souza (2005) trata-se de uma anti-reforma o que vem sendo

implementado pelo governo brasileiro se tomarmos como referência os

elementos reformadores, populares e populistas insurgentes na história

latino-americana. Dos movimentos reformistas autênticos do século XIX muitos

redefiniram as condições e as circunstâncias históricas dos povos e populações

da América Latina na luta por direitos e garantias sociais, civis e políticas.

Trata-se de um ajustamento ao padrão precário e colonizado que circunscreve

nossas instituições universitárias por meio de políticas como: repasse de

recursos públicos para a expansão do ensino privado, privatização de atividades

de pesquisa, ensino e extensão dentro das universidades públicas, arrocho

salarial, déficit de professores concursados e aumento exorbitante de contratos

temporários, ilhas de competência e parcerias com grupos e empresas no

financiamento de pesquisas e na produção de conhecimento para atender

interesses do mercado. Essas medidas no conjunto burlam os princípios da

Carta Constitucional (1988) quando se refere a garantia da gratuidade, da

gestão democrática e a responsabilidade estatal no financiamento das

instituições públicas (Capítulo III da Constituição Federal – Da Educação, da

Cultura e do Desporto). De acordo com o autor não se considera nem se discute

questões de fundo como:

(...) um projeto de sociedade e a responsabilidade do Estado, o aprofundamento dos desafios que assolam o país, discutindo com as universidades públicas suas metas de expansão para

102

atendimento das reais demandas sociais e direitos da população. A anti-reforma distancia-se da necessidade da revolução democrática no país, e sua postulação como premissa é uma mistificação. As transformações necessárias à universidade serão possíveis na medida em que se associem às transformações da sociedade. Seu metabolismo não é um movimento à parte; vai além da mentira, sancionada porque conta com a cumplicidade de instâncias internas das instituições. (Souza, 2005, p. 192.)

Para Netto (2000, p.27), a política de ensino superior brasileiro envolve

cinco traços que aqui apresentamos resumidamente: 1) o favorecimento à

expansão do privatismo. É a partir da ditadura que o ensino superior se

transforma deliberadamente em campo de aplicação do capital. No governo

“democrático” de Fernando Henrique Cardoso outro campo capturado é a

pós-graduação; 2) a eliminação da relação ensino/pesquisa/extensão. As

modalidades previstas para a Lei de Diretrizes de Base da Educação (LDB) na

caracterização do ensino superior evidencia o direcionamento da pesquisa para

institutos e centros ao passo que a universidade tende a se transformar numa

escola de terceiro grau; 3) a supressão do caráter universalista da universidade.

Característica central de todo e qualquer projeto universitário, a universalidade,

sofre a própria sorte com a reforma do estado, com a política de ajuste e com a

configuração do desenho pós-LDB no Brasil; 4) a subordinação dos objetivos

universitários às demandas do mercado como referência da eficácia. O sistema

de avaliação através do Provão (ENEM) opera a partir das demandas desse

mercado e não por critérios acadêmicos; 5) A redução do grau de autonomia

universitária, ou seja, a autonomia financeira. Afirma o autor:

Mas o grau de redução da autonomia da instituição ao transformá-la em organização é também, e esse é o traço mais característico, a supressão da autonomia docente. Há que mudar a carreira docente, a atual carreira docente. É preciso acabar com essa carreira acadêmica que está aí, ela é incompatível com todos esses elementos anteriores, então é preciso criar uma carreira mais flexível. (Netto, 2000, p.28-29):

Ainda segundo Netto (2000) na direção e tendência em que se apresenta

a reforma universitária no Brasil, tudo indica que não se vislumbra o fim da

universidade brasileira, mas sim do sistema universitário público, primeiramente,

por reduzir o seu papel democratizante. Mesmo que esteja bastante degradada,

103

precária, inepta e cheia de problemas a universidade pública no Brasil ainda

manifesta a inquietação, a agitação e a rebeldia intelectual de que tanto

necessita a sociedade brasileira. O papel subversivo da universidade pública

para a nação é incontestável. Não há dúvidas sobre seu papel no processo de

democratização social. Ou, “o sentido social do conhecimento não é o mesmo

das sociedades desenvolvidas e em sociedades subdesenvolvidas há

prioridades, há linhas de força, há escolhas.” (Netto, 2000, p. 30)

A escolha por esse modelo de (contra) reforma é uma herança da

ditadura no Brasil que marcou a característica profundamente elitista, obsoleta,

burocratizada e corporativa da universidade brasileira. Ainda que com a

presença de grupos, lideranças e personalidades que, dentro de determinadas

condições históricas, tentaram subverter a ordem das coisas e plantar a

democracia no espaço acadêmico, o que se tornou evidentemente público foi a

enorme insatisfação de professores e alunos com o papel que a universidade

desempenha (ou se mantém ausente) no meio social.

Sob efeito pragmático e ideológico o governo de Fernando Henrique

Cardoso ao assumir as políticas de fortalecimento do mercado nacional e

internacional se sobressaiu na escola do neoliberalismo como a grande

alternativa modernizadora do Estado, como o grande projeto responsável e

inovador no Brasil, produzindo a falsa idéia das reformas (inclusive, a

universitária) como uma necessidade inadiável para o bem da democracia e do

desenvolvimento econômico e social. A ineficiência do Estado garantiu a base

ideológica fundamental para a reforma gerencial. Afirma Netto (2000):

O primeiro mandato do Governo Fernando Henrique tinha um objetivo muito claro: adequar, antes de tudo, a estrutura do Estado às exigências de uma nova inserção do país, mais subalterna, porém mais eficiente aos interesses do capital financeiro mundializado. Ou seja, para os interesses desse grupo hegemônico, no marco do núcleo de poder, também o Estado herdado da ditadura não interessava, vejam que coisa curiosa, a reforma do Estado não era apenas uma exigência das forças democráticas e populares, que lutavam para adequar o Estado, a estrutura do Estado, ao espírito da Constituição de 88. Para esse grupo, que ganha hegemonia a partir de 94, também o Estado herdado pela ditadura era imprestável ... (p. 16)

Hoje, a alternativa para reverter esse processo é a quebra da hegemonia

do capital financeiro internacional que tem ditado as regras para os governos

104

nacionais neoliberais. Isto é, o nível decisório é macro-político. É no âmbito das

decisões políticas e não somente educacionais. Assim se revela no atual

governo brasileiro e nas atuais políticas de reforma educacional.

Com vistas à adequar as condições políticas e estatais aos objetivos do

capital financeiro o governo Fernando Henrique Cardoso exerceu como primeira

tarefa o confronto e a quebra imediata das resistências políticas e sociais, a partir

mesmo da violência e da repressão do aparelho estatal, além de uma forte

manipulação ideológica. Desta última resultou a desqualificação profunda do

Estado - “ineficiente, incompetente e corrupto” - e do que é público. Então, a

quebra das resistências de oposição ao neoliberalismo também exigiu o

desmonte jurídico-institucional e, obviamente, o grande alvo foi a nossa Carta

Constitucional de 1988. Assim se viabilizou a estratégia neoliberal operada no

Estado brasileiro, especialmente, em duas frentes: a política-ideológica e a

jurídico-constitucional. Ao evidenciar a lógica empresarial e gerencial da reforma

do estado brasileiro Netto (2000, p.24) concorda com Marilena Chauí quando ela

observou atentamente a transformação das instituições em organizações sociais,

sobretudo, na educação superior, pois:

(...) as instituições, dado o arcabouço do seu ethos, dos seus valores, são muito pouco permeáveis à lógica instrumental da gerência, que obedece ao cálculo racional econômico. O processo de equalizar as organizações sociais (do gênero empresa dos mais variados tipos) tem por objetivo esvaziar o peso na sua estrutura, do seu ethos e das suas finalidades. Donde ser possível deslocar a avaliação dessas instituições, do plano da legitimidade, para o plano da eficácia operacional.

A redistribuição das atividades estatais com a Reforma do Estado no

Brasil redefiniu setores estratégicos, atividades exclusivas e serviços

não-exclusivos do Estado e o setor de produção para o mercado. Entre as

atividades exclusivas e serviços não-exclusivos há uma distinção entre

“agências autônomas” e “organizações sociais”, sendo as primeiras instituições

de direito público e as segundas instituições públicas não-estatais que operam

no setor de serviços através de “contratos de gestão”. A universidade foi

(re)definida neste último setor, isto é, como prestadora de serviços ao Estado

substituindo, portanto, a noção de direito público. Com efeito, a terceirização e a

privatização, bandeiras principais defendidas e implementadas pelos governos

105

neoliberais, encontram espaço e legitimidade com a Reforma do Estado

justificando a única “saída” do “colapso da modernização”. Segundo Chauí (2001,

p.181)

Visto da perspectiva da luta política, o neoliberalismo não é, de maneira nenhuma, a crença na racionalidade do mercado, o enxugamento do Estado e a desaparição do fundo público, mas a posição, no momento vitoriosa, que decide cortar o fundo público no pólo de financiamento dos bens e serviços públicos (ou do salário indireto) e maximizar o uso da riqueza pública nos investimentos exigidos pelo capital, cujos lucros não são suficientes para cobrir todas as possibilidades tecnológicas que ele mesmo abriu. (...) Mas isso significa também que a luta democrática das classes populares está demarcada como luta pela gestão do fundo público, opondo-se à gestão neoliberal.

Tal concepção e prática conferem um sentido bastante determinado à

idéia de autonomia universitária e nela do trabalho universitário uma vez que

adere, por exemplo, a expressões e ações que buscam a “flexibilização da

universidade”. A conquista histórica da autonomia que como já relembramos

teve sua arrancada com o Movimento de Córdoba (1918) garantiu que a

universidade pública fosse regida por suas próprias normas democraticamente

instituídas por seus órgãos representativos, como lembra Marilena Chauí, e que

assegurou critérios para a vida acadêmica e independência na sua relação com

a sociedade. Entretanto, ao ser administrada por um contrato de gestão como

uma prestadora de serviços ao Estado, a universidade perde tal autonomia

reduzindo-se à lógica de metas e indicadores de desempenho, à gestão de

receitas e despesas. A autonomia universitária é para captar recursos de outras

fontes estimulando e fortalecendo a parceria com empresas privadas na gestão

do ensino superior e na produção de pesquisa e de tecnologia. Não há dúvidas

que a perda da autonomia universitária e o processo de flexibilização acadêmica

interferem imediatamente no trabalho docente, sendo esta uma das primeiras

questões observadas por Chauí (2001, p.183) quando afirma que para o governo

federal flexibilizar significa: “1. eliminar o regime único de trabalho, o concurso

público e a dedicação exclusiva, substituindo-os por “contratos flexíveis”, isto é,

temporários e precários;”

Entre as medidas de flexibilização universitária simplificar as licitações, a

gestão financeira e a prestação de contas como forma de controle dos interesses

106

privados, adaptar os currículos da graduação e da pós-graduação aos interesses

e demandas do mercado e separar no espaço e tempo a docência e a pesquisa

também fazem parte do “pacote” da reforma universitária. Essas mudanças

profundas no ensino superior estão atreladas às necessidades de modernização

da economia e de desenvolvimento social segundo a ótica do mercado. Vale

dizer, a exigência da qualidade é medida pela produtividade – quanto, em quanto

tempo e qual o custo do que a universidade produz. Ou seja, os critérios dos

contratos de gestão são definidos pela sua produtividade sócio-econômica de

quantidade, tempo e custo evitando assim problemas de ordem fiscal.

Observa-se que a pergunta pela produtividade não indaga: o que se produz, como se produz, para que ou para quem se produz, mas opera uma inversão tipicamente ideológica da qualidade em quantidade. Observa-se também que a docência não entra na medida da produtividade e, portanto, não faz parte da qualidade universitária, o que, aliás, justifica a prática dos “contratos flexíveis”. (Chauí, 2001, p.184)

Sob o efeito histórico de reestruturação do capital as reformas no âmbito

universitário na América Latina e, sobretudo, no Brasil, ao longo dos últimos 40

anos, apresentaram três modelos distintos de universidade, respectivos às

diferentes conjunturas e as distintas necessidades do mercado, conforme afirma

Chauí (2001, p. 189): a universidade funcional, a de resultados e a operacional.

Da universidade funcional, no período dos anos de 1970, identificou-se a rápida

formação de mão-de-obra altamente qualificada para o mercado de trabalho,

alterando currículos, programas e atividades acadêmicas. Da universidade de

resultados nos anos 80, gestada no período anterior, identificou-se a expansão

das escolas privadas de ensino superior, bem como a motivação da idéia de

parceria entre universidades públicas e empresas privadas. Da terceira forma, a

universidade operacional, típica dos anos 90, é regida pelos contratos de gestão,

avaliada por critérios de produtividade, estruturada para ser flexível e para

garantir eficácia organizacional. De acordo com as palavras da autora, a

universidade operacional é:

Definida e estruturada por normas e padrões inteiramente alheios ao conhecimento e à formação intelectual, está pulverizada em microrganizações que ocupam seus docentes e curvam seus estudantes a exigências exteriores ao trabalho

107

intelectual. A heteronomia da universidade autônoma é visível a olho nu: o aumento insano de horas-aula, a diminuição do tempo para mestrados e doutorados, a avaliação pela quantidade de publicações, colóquios e congressos, a multiplicação de comissões e relatórios, etc. Virada para seu próprio umbigo, mas sem saber onde este se encontra, a universidade operacional opera e por isso mesmo não age. Não surpreende, então, que esse operar coopere para a sua contínua desmoralização pública e degradação interna. (Chauí, 2001, p.190)

E mais ainda, na universidade produtiva e flexível o papel da docência e

da pesquisa revela com evidência o processo de proletarização do trabalho

intelectual na medida de suas condições de trabalho e da perspectiva de

formação que se espera (ou não se espera) do professor-pesquisador. Ou, de

acordo com Chauí, a expressão imediata e concreta dos contratos flexíveis,

temporários e precários do trabalho docente, a habilitação rápida e a formação

desinteressada são características inevitáveis da docência e da pesquisa no

atual modelo de universidade:

O recrutamento de professores é feito sem levar em consideração se dominam ou não o campo de conhecimentos de sua disciplina e as relações entre ela e outras afins – o professor é contratado ou por ser um pesquisador promissor que se dedica a algo muito especializado, ou porque, não tendo vocação para a pesquisa, aceita ser escorchado e arrochado por contratos de trabalho temporários e precários, ou melhor, “flexíveis”. A docência é pensada ou como habilitação rápida para graduados, que precisam entrar rapidamente num mercado de trabalho, do qual serão expulsos em poucos anos, pois se tornam, em pouco tempo, jovens obsoletos e descartáveis; ou então como correia de transmissão entre pesquisadores e treino para novos pesquisadores. Transmissão e adestramento. Desapareceu, portanto, a marca essencial da docência: a formação. (Chauí, 2001, p. 191)

Como numa síntese cumulativa das formas anteriores, de formação para

o mercado de trabalho (funcional) e de expansão do mercado educacional (de

resultados), a universidade operacional apresenta elementos e exigências novas

determinadas pela sociedade do capital e com ela o desaparecimento

progressivo de sua marca essencial como lugar de formação e de produção do

conhecimento e da cultura, pois: “Como trabalho, a cultura opera mudanças em

nossas experiências imediatas, abre o tempo com o novo, faz emergir o que

ainda não foi feito, pensado e dito.” (Chauí, 2008, p. 36). Ou, se quer como

108

instituição que deve ter como fonte, base e princípio o saber democrático e a

democracia do saber para uma sociedade política e economicamente

democrática,

isto é, aberta ao tempo, ao possível, às transformações e ao novo. Com efeito, pela criação de novos direitos e pela existência dos contrapoderes sociais, a sociedade democrática não está fixada numa forma para sempre determinada, ou seja, não cessa de trabalhar suas divisões e diferenças internas, de orientar-se pela possibilidade objetiva (a liberdade) e de alterar-se pela própria práxis. (Chauí, 2008, p. 41)

A própria violência institucional gerada para manter tal estado de coisas,

acaba sendo instrumental quer para multiplicar as vantagens relativas das

classes dominantes, inclusive na esfera restrita da acumulação de capital, quer

para atrofiar a luta de classes e a capacidade de luta política dos proletários,

quer para criar orientações conformistas e de acomodação passiva, pelas quais

os proletários se excluem do uso consciente e ativo das contradições em seu

proveito coletivo (o que é mistificadoramente designado, pelas classes

dominantes, como “apatia das massas”). (Fernandes, 2008, p. 57)

Para Chauí (2001, p. 115-116), a vocação política teve prioridade na

criação das universidades públicas e privadas no Brasil e foi destacada em três

momentos históricos distintos: o primeiro, na primeira metade do século XX, a

partir da visão liberal; o segundo, da criação de universidades a partir dos anos

de 1950 no contexto da luta pela escola pública e gratuita, do direito à educação

e à pesquisa, da cidadania educacional; e, a partir dos anos de 1970, o momento

de criação das universidades vinculadas às políticas autoritárias, de controle e

de censura do pensamento crítico e voltadas, especialmente, aos interesses da

economia capitalista. Estas diferenças de inserção política da universidade na

sociedade é reflexo do modo e do seu papel na reprodução dos sistemas

econômicos e sociais. É a expressão e manifestação dos interesses de classe

distintos e conflitantes de uma realidade social dividida e desigual. As

compatibilidades e incompatibilidades observadas pela autora entre a vocação

política e a vocação científica da universidade geram os impasses da

precariedade da profissionalização e dos equívocos no processo de avaliação

que tendem a “copiar” padrões e critérios próprios da lógica empresarial.

Segundo Chauí (2001, p. 124), do ponto de vista da lógica universitária a

109

avaliação institucional é indispensável pois:

I. orienta a política para suprir carências, resolver demandas, quebrar bolsões de privilégios e de inoperância; II. torna a universidade portadora de um saber sobre si mesma, que auxilia a sua luta para defender-se, para exigir condições materiais e humanas de trabalho e para compreender a sua própria história, o seu modo de inserção na sociedade e propor o seu projeto futuro; III. exige a prestação de contas aos cidadãos que sustentam a instituição de maneiras variadas, mormente por meio dos impostos.

3.2 Dos impactos no trabalho docente das Instituições de Ensino Superior

A crise nas universidades federais além de apresentar problemas

múltiplos decorrentes da falta de recursos também remete uma atenção especial

ao problema da precarização e da intensificação do trabalho docente e, por

extensão, o aumento de doenças que atingem os professores. As doenças

causadas pelos excessos na carga de trabalho e pelas condições físicas e

estruturais das instituições como a depressão, ansiedade, fadiga, estresse,

alterações no comportamento, debilitamento do sistema imunológico, doenças

cardiovasculares, diabetes, hipertensão ou mesmo a Síndrome de Burnout -

definido como um estado de exaustão física, emocional e mental derivada de um

envolvimento emocional com atividades que demandam responsabilidade – são

em seu conjunto as maiores queixas.

Na realidade que recortamos para a nossa investigação buscamos ilustrar,

sobretudo, essa questão na Universidade Federal do Paraná, pois foi importante

identificar a preocupação dos servidores com relação à saúde dos trabalhadores

no ambiente acadêmico. Entre eles, os professores. Face aos problemas mais

frequentes, diariamente relatados aos sindicatos (dos docentes e dos técnicos)

estão queixas sobre: “assédio moral, adoecimento relacionado à rotina,

sobrecarga e precarização das condições de trabalho e à exposição em

condições insalubres devido ao mau planejamento do espaço ou ao trato com

substâncias químicas.”, conforme relatam na Publicação Especial do Fórum de

Saúde do Trabalhador da UFPR de 2011. Frente à questão foi organizado pelo

Fórum de Saúde do Trabalhador da UFPR (APUFPR, SINDITEST e Pró-reitoria

110

de Gestão de Pessoas) um seminário intitulado: Saúde do Trabalhador da UFPR:

a questão da insalubridade atividade que reuniu cerca de 200 participantes entre

docentes, estudantes e servidores técnicos no Auditório do Setor de Ciências da

Saúde da UFPR em Curitiba, no dia 29 de março de 2011.

Do debate teórico do Seminário ressaltamos a argumentação de dois

professores apresentados na Publicação Especial do Fórum em abril de 2011.

Primeiro, citamos o professor do Departamento de Enfermagem da UFPR, Dr.

Paulo de Oliveira Perna, pois bem representa o enfoque que estamos

trabalhando dos impactos das transformações do trabalho no Setor de Serviços,

em particular na educação e Ensino Superior. Afirma ele que a influência do

modelo toyotista “se dá tanto de forma direta, a partir da privatização de algumas

estatais nos anos 90, quanto indireta por meio da adoção de modelos de gestão

que privilegiam à produtividade e a competitividade.” Na mesma direção, a

professora do Departamento de Psicologia da UFPR, Dra. Elaine Schmitt,

argumenta: “entre as consequências dessa mudança estariam o aumento da

competitividade entre os trabalhadores de uma mesma unidade, individualismo,

aumento do tempo dedicado ao trabalho e a elevação crescente das doenças

psicológicas relacionadas ao trabalho como depressão (...) hoje o que mais

afasta o trabalhador do seu posto de trabalho é a depressão.”

De um modo geral, o termo “carga de trabalho” está associado: à

experiência pessoal de sentir e perceber, de forma desgastante, incômoda ou

desagradável, o esforço necessário para responder às exigências das tarefas de

trabalho. (...) Ela é, na verdade, a expressão da vivência do trabalhador em

relação às condições contextuais do seu trabalho como atividade. (Lemos, Cruz,

2005, p.23-24) Se as condições físicas e psicossociais estabelecidas para a

organização do trabalho docente são adversas certamente há um maior índice

de adoecimento físico e mental (Guerra, 2005). A intensificação da carga de

trabalho é ocasionada, principalmente, pelo aumento no número de alunos na

graduação e na pós-graduação, sem o necessário aumento e/ou reposição do

quadro docente. Conforme Lemos e Cruz (2005), dentre as categorias

profissionais estudadas sobre o assunto, os professores são, acentuadamente,

os que mais adoecem desde 1980.

111

Dotado de vasto conhecimento proveniente de sua formação, muitas vezes especial e específica, o professor é responsável pela educação de duas, três ou até quatro turmas de quarenta alunos (número médio de alunos por turma), com duas ou mais disciplinas diferentes para ministrar durante o ano letivo. Isso requer dele um esforço extra para dar conta de atualizar conteúdos e instrumentalizar-se em novas tecnologias didático-pedagógicas, além de preparar e corrigir provas e trabalhos. Entende-se, assim, que a jornada de trabalho do professor extrapola em horas semanais a jornada prevista em seu contrato de trabalho. As demais tarefas, consideradas atividades burocráticas como, por exemplo, o preenchimento dos diários de classe e/ou o registro da freqüência dos alunos, são atividades rotineiras e, portanto, desinteressantes, na maioria dos casos executadas no domicílio do professor. Como se vê, o trabalho docente é composto de várias atividades e ele não pode ser decomposto e dividido entre vários professores, como é possível dividir o trabalho em uma linha de montagem. Este é um trabalho que é iniciado e terminado pelo mesmo trabalhador. De fato, o trabalho docente requer habilidades intelectuais, mas não está isento de habilidades físicas. A realização das atividades quer intra, quer extraclasse, exige do professor condições físicas e psicológicas, pois as atividades envolvem esforço físico (necessidade de força e resistência muscular para a busca de informações atualizadas, transporte de livros e materiais e ficar sentado ou em pé por tempo prolongado escrevendo ou desenhando – o que envolve gasto energético/calórico e alterações fisiológicas) e esforço mental (para as exigências cognitivas e psíquicas). (LEMOS, CRUZ, 2005, p.22-23)

Entretanto, ressaltamos que esses levantamentos levam em conta

somente as reclamações e queixas dos servidores públicos, isto é, representa

uma realidade vivenciada especialmente por professores (e demais

trabalhadores) dos quadros efetivos das instituições, servidores, concursados.

Indica, portanto, que não contempla a situação ainda pior do quadro de

professores e técnicos temporários o que certamente revelaria uma situação

inaceitável. Com efeito, se considerarmos o número de professores substitutos

nas Instituições Federais de Ensino Superior todos os elementos até aqui

abordados se manifestam de maneira ainda mais agressiva.

Concretamente, as IFES recorrem de forma abusiva à substituição

temporária de seus quadros transformando-a em um recurso estratégico e

permanente para escamotear a falta de concursos públicos, embora diga-se de

excepcional interesse público. Para compreender o que é uma substituição

temporária de excepcional interesse público, citamos o Art. 1º da Portaria nº

112

0678/GR/98 da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, publicada

em 04/12/1998, a saber:

Para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, a Universidade poderá contratar Professor Substituto para exercer, exclusivamente, atividades de ensino, a fim de suprir a falta de docente das carreiras do magistério superior ou de 1º e 2º graus, decorrente de exoneração ou demissão, falecimento, aposentadoria, afastamento para capacitação e afastamento ou licença de concessão obrigatória. Parágrafo 1º - As contratações para substituir professores afastados para capacitação ficarão limitadas a 10% (dez por cento) do total de cargos de docentes das carreiras do magistério na Universidade. (grifo nosso)

Sendo assim, a proliferação e o abuso das contratações temporárias

diante da redução de verbas para a educação e a falta de concursos públicos foi

um dos problemas mais graves que afetaram o trabalho docente decorrente da

ofensiva das políticas de mercado na educação. Só para citar alguns exemplos:

durante a greve nacional das IFES em 2005 fizemos um breve levantamento

junto aos representantes dos Comandos Locais de Greve reunidos no Comando

Nacional em Brasília (DF) e destacamos que a Universidade Federal de Santa

Catarina (UFSC) totalizava, na ocasião, 403 professores substitutos, incluindo 80

professores da educação básica e a Universidade de Brasília (UnB) totalizava

348 professores nesta mesma condição. São números alarmantes

principalmente quando compreendidos o conjunto de elementos que

caracterizam a precarização das relações de trabalho no âmbito acadêmico no

contexto da contra-reforma conforme podemos observar junto aos Comandos de

Greve em Brasília na paralisação de 2005:

A UnB conta hoje com 348 professores substitutos, número que cresce a cada ano em função das políticas de desmonte sistemático da universidade pública e da falta de concursos públicos para as vagas abertas nas IFES. Por isso, um dos principais pontos da pauta de reivindicações da greve nacional dos docentes das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) é justamente a abertura de concursos públicos para todas as vagas docentes em abertos nas IFES. Sem estabilidade nem dedicação exclusiva, sem direitos sociais e trabalhistas, com salários miseráveis e uma carga de trabalho excessiva, a precariedade das relações de trabalho entre a universidade e os professores substitutos é absolutamente inaceitável e incompatível com os objetivos que norteiam a existência da universidade. Essa situação só poderá ser

113

superada pela capacidade de organização e mobilização dos docentes e da comunidade universitária das IFES48. Por definição, o professor substituto deveria ser contratado para cobrir circunstancialmente o deslocamento de um outro professor do quadro permanente para outro cargo ou função, ou para realizar atividades vinculadas à pesquisa, a aperfeiçoamento. Diante da falta de concursos, porém, esta definição é deturpada pelas crescentes contratações que se originam na administração da crise mais do que na sua solução. O aumento das vagas em aberto provoca um conflito interno de disputa entre departamentos ou áreas deles, quando por ventura, o MEC convoca a um concurso. Mas, os estudantes precisam de professores para ministrar aulas em todas as suas disciplinas, e por isso as vagas devem ser preenchidas mesmo sem concurso. É assim, portanto, que se rompe a frágil definição original do professor substituto criando-se uma categoria transitória, a do professor que não é do quadro permanente, mas que deve responder a idênticas responsabilidades, só que com salários geometricamente menores, sem estabilidade nem dedicação exclusiva, sem direitos sociais e trabalhistas, com vínculo precário nas relações de trabalho com a Universidade.49

A generalização da prática de contratação de professores por meio de Contrato de Prestação de Serviço por Tempo Determinado responde a uma perspectiva particular de educação, estruturada sobre uma concepção gerencial de Estado, na prática, socialmente mínimo. Segundo os pressupostos desta concepção, ao Estado cabe as responsabilidades intransferíveis da sua natureza estatal, quais sejam: defesa externa e garantia de cumprimento dos contratos. Demais responsabilidades sociais, historicamente reconhecidas, são consideradas passíveis de serem partilhadas ou transferidas para a iniciativa privada, seja por meio do processo de privatização ou parceria, seja, pela omissão do Estado. (...) Sob esta perspectiva, a atividade docente é tratada como uma mercadoria qualquer, substituível a qualquer momento, conforme as exigências do mercado. (...) Na medida em que, contratualmente, os professores substitutos têm suas atividades limitadas ao ensino, sua contratação indiscriminada afeta o desenvolvimento da pesquisa e da extensão. Assim, ainda que plenamente qualificado, o docente que não é contratado para o quadro permanente com Dedicação Exclusiva (DE) – dentro do Regime Jurídico Único (RJU) – é um profissional superexplorado, mal remunerado e subutilizado. Da mesma forma, também, se compromete o eixo que sustenta a qualidade da Universidade Pública: a articulação plena entre ensino, pesquisa e extensão50.

48 Boletim de Greve do Comando Local de Greve da UnB, Brasília- DF, 13/09/2005. 49 Documento dos Professores Substitutos da Universidade Federal Fluminense (RJ) datado de 07 de outubro de 2005. 50 Comunicado Especial do Comando Nacional de Greve CNG/ANDES-Sindicato Nacional, Brasília (DF), n.01 de agosto/2005.

114

Conforme indicamos são as condições e a organização do trabalho

docente que determinam e intensificam as cargas, sejam elas, psíquicas, físicas,

e ou cognitivas. Neste sentido, também contribui para o aumento da carga, a

concorrência publicacionista como lógica imposta pelos sistemas de avaliação

que, entre outros problemas, comprometem a qualidade e o real aproveitamento

das potencialidades teórico-investigativas do professor/pesquisador, de sua

atividade criadora, tendo que se subordinar às condições e às cargas da

organização produtiva. Com efeito, a melhoria da remuneração, a captação de

recursos, o reconhecimento profissional e o próprio reconhecimento da

instituição no ranking nacional ficam atrelados à concorrência pela maior

pontuação no sistema de avaliação.

De acordo com a análise do GTPE/ANDES-SN sobre o SINAES - Sistema

Nacional de Avaliação do Ensino Superior, instituído pela lei nº 10.861, de 14 de

abril de 2004, este se constitui em um mecanismo de forte controle e regulação

das IES na perspectiva de normatizar o seu credenciamento e o reconhecimento

dos respectivos cursos, assentado no tripé: avaliação das instituições de ensino

superior, dos cursos de graduação e do desempenho acadêmico dos estudantes.

Além do que planeja e operacionaliza as ações através do CONAES – Comissão

Nacional de Avaliação da Educação Superior que estabelece diretrizes para

selecionar, entre as públicas e privadas, quem está apta para receber verbas

públicas. A parceria entre público e privado é um dos aspectos considerados

para a formulação de tais diretrizes.

nos últimos anos, a idéia de avaliação foi reduzida a um ranqueamento institucional, que pudesse apresentar como medianas, as instituições privadas, que no fundo são, em sua esmagadora maioria, supermercados de diplomas. Uma concepção de avaliação voltada também para contingenciar recursos para as universidades públicas, sob a justificativa de privilegiar apenas as mais “produtivas”, em clara tentativa de assimilação dos critérios de produtividade típicos da empresa capitalista, incompatíveis com a natureza do labor acadêmico. (Mattos, 2005)

As conseqüências pedagógicas do aumento da carga de trabalho e das

condições em que este se produz, certamente, repercutem nas diferentes formas

de avaliação de desempenho e na qualidade de ensino. Principalmente se for

115

considerado o conjunto de trabalhadores docentes temporários (o que

certamente não é considerado). Dada a condução política de redução

orçamentária nos gastos públicos com o Ensino Superior, de abertura às

políticas de privatização no setor, de retrocesso nos direitos dos trabalhadores e,

por extensão, do impacto na qualidade de ensino, é que as políticas de avaliação

foram concebidas com este propósito: o de sustentar um modelo de universidade

produtivista e voltada para os interesses mercantis.

A proletarização do trabalho docente é condição para que esse modelo se

desenvolva na contramão dos princípios da autonomia, da indissociabilidade

entre ensino, pesquisa e extensão, da universidade presencial, orientada crítica

e socialmente. O trabalho docente não pode ser significado apenas pelas

atividades que produz em sala de aula ou aquelas atividades relacionadas

quando desenvolvidas fora da instituição (como a preparação de aulas e a

avaliação de atividades). É preciso também considerar o contexto social em que

se insere o professor e o grau de participação e de compromisso que assume

junto às atividades sócio-comunitárias, por exemplo.

A partir de uma sistematização da produção acadêmica sobre o trabalho

docente no Brasil Mancebo (2007) identificou cinco temas gerais mais

recorrentes em que se sobressai primeiramente a questão da precarização do

trabalho, considerando a sua remuneração, a sua desqualificação e a sua

fragmentação com a perda do reconhecimento social. Ou, como se refere:

referem-se a uma situação de pauperização que empurra a antiga categoria, inserida, por seu status, nas classes médias, em direção ao status e condições de vida semelhantes aos de setores proletarizados, aspecto visível até mesmo nas grandes universidades públicas, nais quais proliferam as (sub) contratações temporárias de professores. (2007, p.470)

Esta afirmação, porém, tem gerado algumas discordâncias do ponto de

vista teórico. Em Tumolo e Fontana (2006) encontramos a crítica a respeito do

termo proletarização. Segundo eles, não é possível utilizar o mesmo termo no

tratamento do trabalho imaterial, intelectual, visto que corresponde tão somente

116

ao trabalho produtivo de capital, de produção direta de valor e que, portanto, não

pode caracterizar a classe docente. Ao contrário, Ferreira (2007, p.378) ao

adentrar a discussão sobre identidade docente busca a localização da categoria

na divisão social do trabalho se apropriando do termo “proletarização do trabalho

docente”. Neste sentido, busca examinar a situação de redução da autonomia da

profissão nas últimas décadas e a consequente diminuição do seu status, além

da ampliação do empobrecimento dos docentes. Esta condição é que teria

aproximado professores das demais categorias de trabalhadores.

A questão se torna mais complexa na medida em que se agrega à

categoria docente o termo: trabalhadores em educação. Isto porque

compreende todos os sujeitos que atuam na instituição de ensino seja de função

ou de natureza distinta. Ferreira (2007, p.380) também se apóia em um segundo

aspecto teórico sobre o trabalho docente: a consideração da docência como

semiprofissão. Segundo ela, neste aspecto trata-se de investigar as

semelhanças com a situação e com a especificidade profissional dos

trabalhadores intelectuais. A partir dessa idéia a sindicalização dos docentes

seria questionada sobre seu sentido e necessidade, pois, o que faria mais

sentido então seria pensar em associações profissionais. Ferreira levanta várias

questões que problematizam a situação e identificação da docência na divisão

social do trabalho:

que identidade está em cena quando os docentes se reúnem em organizações feitas à imagem dos trabalhadores manuais? Eles e elas fazem isso por considerarem-se proletarizados, tal como pleiteiam as novas consignas que chamam à unidade de todos os que atuam na escola, mesmo que com tarefas de várias naturezas? Mas desde quando fazem isso, já que a origem da organização magisterial não é o movimento operário, e que enquanto categoria o magistério só existe em função de sua ligação com o Estado?

Na tentativa de compreender a especificidade profissional dos docentes a

autora busca os motivos para a prática da sindicalização e as suas

particularidades. Assim, sugere que a sindicalização docente ou sentimento de

117

proletarização resulte de mudanças no papel e na valorização dos professores

no sistema educacional, tendência expressa nas pesquisas por ela

sistematizadas.

O segundo tema mais recorrente sobre o trabalho docente é sobre a

intensificação do regime de trabalho, ou seja, a aceleração da produção em uma

mesma jornada de trabalho ou aumento da jornada. A Síndrome de Burnout,

como já vimos, é sinalizada como uma das preocupações no quadro das

doenças que derivam do esgotamento físico e mental dos docentes. Articulado a

isso outra preocupação também evidente na sociedade do capital globalizado

diz respeito ao aprofundamento do individualismo competitivo.

A flexibilização das relações de trabalho constitui o terceiro tema

recorrente nas pesquisas sobre o trabalho docente. A diversificação dos

estabelecimentos, a contenção dos gastos públicos com contratos temporários

de trabalho, incluindo os professores substitutos nas grandes universidades

públicas, compõe um mercado de trabalho heterogêneo e fragmentado.

Apresenta-se um número reduzido de trabalhadores estáveis e com alta

remuneração à um número cada vez maior de professores em situação precária

de vida e de trabalho (temporário), facilmente substituíveis, como bem observou

Antunes (1999, 2006) nos seus estudos sobre a nova morfologia do trabalho.

O quarto tema mais recorrente nas pesquisas sobre o trabalho docente no

Brasil é a questão da descentralização na gestão do trabalho em que há

aumento das responsabilidades e atribuições sem, no entanto, não se partilhar

poderes. Por fim, Mancebo (2007) identificou na produção acadêmica a questão

dos sistemas de avaliação evidenciando um modelo gerencial com exigência

(quantitativa) da eficiência e da produtividade do professor e a consequente

segmentação no campo docente em função dos indicadores de produtividade:

a análise dos textos permitiu detectar políticas postuladas para a formação de professores, fundadas em projetos políticos e perspectivas históricas diferenciadas, o que faz com que a formação desses profissionais seja tratada ou como elemento impulsionador e realizador de reformas (no sentido de adequar o sistema educacional ao processo de reestruturação produtiva e

118

aos novos rumos do Estado), ou como elemento que cria condições para transformação da própria escola, da educação e da sociedade, contrapondo-se, assim, às políticas reformistas neoliberais. (Mancebo, 2007, p.472)

Condições de trabalho dignas e permanentes são fundamentais para o

exercício do trabalho docente, mesmo quando este visa medidas de caráter mais

emergencial no conjunto das ações sócio-educativas. Democratizar o acesso à

educação massificando o ensino está na contramão das necessidades sociais e

históricas que uma educação emancipadora exige. As reformas reguladoras na

educação, de cunho liberal e conservador, buscam alterar os aspectos físicos e

organizacionais das instituições públicas sob critérios de produtividade e

excelência ancorados no mercado e, “Em função disso, o trabalho docente vem

se intensificando cada vez mais, ao mesmo tempo em que se diversifica se

segmenta e se precariza.” (Educação & Sociedade, 2007, p. 324). Neste sentido,

é fundamental resgatar a importância da organização sindical na luta pela

universalização da educação e por melhores condições de trabalho. A própria

definição da organização sindical livre e autônoma foi uma conquista no âmbito

das lutas pela democratização do Estado em fins de 1970 e início de 1980.

Os trabalhadores da educação pública reclamaram o reconhecimento da

categoria de forma mais ampla, isto é, incluindo os demais funcionários de

escola e do sistema educacional. Também a discussão por novos projetos de

educação alternativos e a necessidade da organização classista, da unidade dos

trabalhadores em geral na defesa de seus direitos e de uma política educacional

que atenda aos interesses da maioria trabalhadora. Não obstante, esses

sindicatos conseguiram estabelecer certa autonomia com relação às

organizações religiosas, partidos políticos, empregadores e o Estado.

Na resistência ao regime autoritário, movimentos de base se estruturaram em torno da defesa da educação popular. Muitas dessas propostas tinham inspiração socialista ou libertária. A luta por nova sociedade trazia a luta por novo projeto educativo, tendo o trabalho como princípio de formação humana. Essas lutas de caráter eminentemente humanista vincularam a defesa da universalização da educação à melhoria das condições de trabalho docente. Estava na base dessa discussão o reconhecimento da necessidade de organização classista da

119

sociedade em defesa dos direitos dos trabalhadores em geral.” (Oliveira, 2007, p.364)

Recortando a América Latina os sistemas educacionais se estruturaram

sob conflitos e desigualdades de classe erigindo um sistema elitista, sustentando

uma cultura política dominante. Ou seja, a história de estruturação e regulação

dos sistemas educacionais latino-americanos é atravessada pela miséria,

violência e pelo autoritarismo que conformaram os estados nacionais. Florestan

Fernandes (1975, p.94) já apontava a necessidade secular da rebelião

intelectual da universidade, da expansão do conhecimento crítico independente

e politizador, valores que são fundamentais à universidade livre e democrática:

Sem esse momento de vontade política, inicialmente calibrado por motivos e alvos nacionais, ela não pode servir de elo entre o desenvolvimento da educação e da cultura e a negação e a superação da dependência. Portanto, esse momento de vontade política é substancial e deve animar a visão das várias missões centrais e concomitantes da universidade, até que o progresso obtido permita instaurar uma filosofia pedagógica nova, livre das determinações e das injunções fomentadas por um estado de dependência cultural.

Sendo nossas raízes históricas moldada pela colonização européia,

elementos culturais e pedagógicos de modelos institucionais europeus por muito

se reproduziram nas universidades latino-americanas, inspirando políticas

educacionais estreitas e imediatistas. A rigor, a transplantação de instituições da

metrópole esbarrava no vazio histórico de uma sociedade colonial e escravista.

Assim, a realidade educacional emergente não refletia as potencialidades dos

modelos europeus e sim o que a sociedade brasileira podia fazer com e através

destas instituições. A estrutura social durante a Primeira República manteve

quase intacto o poder oligárquico e a dominação patrimonialista, mesmo que

extinto o regime do trabalho escravo. A composição do corpo docente e discente

era basicamente elitista (recrutados nos estratos superiores dos “estamentos

dominantes”. Com esta herança histórica: “A sociedade brasileira empobreceu

aqueles modelos, converteu a sobra residual no padrão brasileiro de escola

superior e submeteu esta última a uma utilização sistematicamente precária”.

(Fernandes, 1975, p.102, grifo do autor) Então, para Fernandes, o fulcro

estrutural e dinâmico localiza-se no modo pelo qual a sociedade brasileira

participa da civilização ocidental moderna, o que quer dizer que para se corrigir o

120

problema educacional, seria preciso atingir os ritmos históricos de uma

sociedade nacional dependente e as determinações de suas inconsistências ou

deficiências em face padrão de civilização que se seguiu. Com efeito, não houve

ruptura dos laços de dependência econômica e cultural seja durante a

desagregação do regime escravista e senhorial seja no decorrer da formação do

regime de classes.

É no contexto desenvolvimentista que o padrão cultural herdado passa a

manifestar as necessidades técnico-científicas da sociedade urbano-industrial. A

partir da década de 50 as comunidades urbanas requeriam um tipo de ensino

superior capaz de responder às exigências intelectuais, sociais e culturais,

capaz de responder à formação de uma mentalidade pragmática, científica e

universitária que libertasse o pessoal docente daqueles papéis secundários e

marginais. Entretanto, ainda assim os interesses e valores sociais que

direcionaram o crescimento institucional do ensino superior mantinham sua

função original: mobilizar a expansão do ensino na direção da continuidade da

dependência educacional e cultural dentro de uma ordem econômica e social

estrutural e historicamente dependente. Dos efeitos educacionais do

desenvolvimento dependente o padrão brasileiro de escola superior apresentou

uma composição de resíduos educacionais (ou institucionais) arcaicos com

interesses estamentais ou de classes próprios da formação do capitalismo

dependente do Brasil. Servia às relações de dependência econômica com uma

orientação tipicamente conservadora, como diz Fernandes:

O conceito de alienação é insuficiente para descrever o substrato material ou moral e o clima de idéias em que se movia aquele ensino superior. Mais que alienação, o que ficava por trás do padrão brasileiro de escola superior era um farisaísmo intelectual sistemático, tão tosco e provinciano quão arrogante e anti-social. Ele não só entretinha “ilusões de progresso”. Alimentava uma consciência educacional perversa, que projetava a realidade de forma invertida e segundo categorias intelectuais inviáveis. Tudo isso possuía sentido, mas não para a negação dos laços de dependência cultural e a superação do subdesenvolvimento: para um jogo de simulação histórica que pretendia infundir à sociedade civil as aparências ideais de uma “sociedade altamente civilizada”. (1975:113, grifo do autor)

Neste cenário, as sociedades centrais e hegemônicas controlam,

monopolizam ambos os processos e absorvem os melhores dividendos

121

históricos. Fernandes denomina tal relação como duas dialéticas de

desenvolvimento: a primeira, como o domínio ultra-acelerado das nações

hegemônicas sobre o mundo capitalista subdesenvolvido, impondo novas

condições externas de dependência econômica e cultural; a segunda, as nações

dependentes se condenam ao crescimento do tipo “desenvolvimento

dependente”. Neste sentido, Fernandes ressaltou a maciça interferência

norte-americana na direção do ensino superior no Brasil, especialmente, através

de mecanismos como: Aliança para o Progresso, MEC-USAID, OEA, Banco

Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento e União Pan-Americana.

(...) os Estados Unidos estão tentando formar e orientar dois tipos de influências: 1) de desintegração do padrão brasileiro de escola superior (ou de universidade conglomerada); 2) de formação e consolidação de padrões de ensino superior adaptados aos requisitos educacionais de uma sociedade competitiva e de massas. (...) Fazem parte dos processos desencadeados e controlados a partir de fora, que reorganizam o espaço econômico, sociocultural e político do mundo subcapitalista para o novo estilo de dominação das nações hegemônicas e, principalmente, das superpotências. O que importa, no conjunto, é a extrema debilidade da América Latina e o fato dela precisar tão amplo suporte externo para poder participar dos avanços, dos proventos e das espoliações inevitáveis do desenvolvimento dependente. E o fato, sumamente mais grave, dela aceitar (ou de pleitear) formas de “assistência” e de “colaboração técnico-financeira”, que expõem os seus sistemas de ensino e o renascimento do ensino superior ao controle de forças centrífugas extras e antinacionais. (Fernandes, 1975, p. 116)

Os avanços da iniciativa privada no período já evidenciaram o fenômeno

do controle do mercado sobre o ensino superior que exerciam influências e

controle direto sobre a direção e administração dos estabelecimentos ou

universidades públicas. A preocupação em ajustar o ensino e a pesquisa às

exigências da sociedade urbano-industrial colocando a produção intelectual da

universitária a serviço dos interesses do grande capital.

Novas configurações no campo educacional só foram possíveis pelas

lutas de democratização do Estado e, neste cenário, os movimentos insurgentes

na educação foram expressão mais nítida de amplas demandas sociais que

clamaram por direitos de inclusão e de participação na esfera pública:

122

São índios, negros, mulheres, camponeses, mas, sobretudo, pobres, grupos que se identificam e reclamam condição social distinta, em que a educação é meio indispensável. Esses movimentos têm traduzido uma difícil equação, em que políticas de ações afirmativas são reclamadas em um contexto onde os direitos mínimos universais não estão assegurados. É neste contexto que justiça social e eficácia econômica se misturam, afetando diretamente a organização e gestão escolares. (...) A crença na escola como meio de inserção social qualificada resiste em meio às crises de desemprego e vulnerabilidade das economias nacionais, que põem em risco cada vez mais a promessa de futuro para as gerações mais jovens. A escola formal ainda é objeto de luta – acesso e qualidade – nos movimentos organizados da América Latina, enquanto o direito à educação for algo a ser conquistado para a grande maioria da população latino-americana. São essas lutas que, em muitos casos, levam a educação regular a comunidades longínquas, pobres ou mesmo a periferias dos grandes centros urbanos. As políticas educacionais mais recentes têm refletido a busca de resposta a esses movimentos, ao mesmo tempo em que trazem uma nova conformação da coisa pública, alterando o sentido do que seja atendimento e cobertura. (Oliveira in Educação & Sociedade, 2007, 360-361)

No contexto de retomada do liberalismo econômico (1990) os

trabalhadores da educação na América Latina sofreram o arrocho salarial e a

desregulamentação dos direitos do trabalho no conjunto da classe trabalhadora.

Ressalta-se a deterioração das condições de trabalho docente e os contratos

temporários, sobretudo, no setor público. A diversificação salarial também

contribuiu para as desigualdades regionais e internas da própria categoria. O

setor público brasileiro apresenta uma grande diversidade nos vencimentos dos

docentes como aponta Oliveira:

em função da carreira, do contrato de trabalho – efetivo ou temporário -, do cargo, do regime de trabalho, do nível e da classe, do tempo de serviço, das gratificações incorporadas, da titulação. Outro elemento que contribui nessa diversificação é a diferença econômica regional que o país comporta, apresentando enormes discrepâncias entre os trabalhadores de diferentes redes públicas municipais e estaduais com mesma formação e titulação, trabalhando em condições idênticas, sem, contudo, terem a isonomia salarial garantida. (2007, p. 365)

123

A situação precária das condições de trabalho e do ensino massificado

constitui atualmente os grandes desafios para os sindicatos que vivem um

período histórico de grande desgaste político e de profundas transformações na

sua base organizativa provocados pela reestruturação produtiva, a informalidade

do trabalho e o grande desemprego em massa. O confronto por melhores

salários e por melhores condições de trabalho ainda constitui a sua base

reivindicatória, ainda é o que motiva a ação sindical no campo educacional na

América Latina. Para Oliveira (2007) ainda que reorientadas pela insurgência de

governos progressistas as políticas educacionais na América Latina não

apresentam grandes mudanças no que se refere às reformas de perfil neoliberal,

o que frustra grande parte das expectativas dos setores populares:

Mesmo em realidades nacionais marcadas pela mudança radical nas orientações de governo, observa-se um forte acento às políticas de caráter temporário, compensatórias, destinadas, portanto, aos grupos mais vulneráveis socialmente, em detrimento daquelas regulares, orientadas por princípios universais e de caráter estável (...) Programas como o Bolsa-Escola (Brasil, México, Argentina) e as políticas de cotas nas universidades públicas (Brasil) são alguns desses exemplos. Somadas a isso, a manutenção dos sistemas de avaliação externa nos mesmos padrões dos governos anteriores (Chile, Brasil e Argentina) e, ainda, a instituição do financiamento per capita, orientado por uma lógica mercantil (Chile, Brasil, Argentina, entre outros), herança da monetarização das relações sociais, introduzida no contexto escolar pelas reformas neoliberais. (...) A defasagem entre os projetos educativos construídos sob a referência dos trabalhadores na luta, na experiência, é negligenciada ante aqueles pensados, normalmente por peritos dos organismos internacionais, como a salvaguarda para a América Latina e África, condenadas à pobreza. É a revalorização da técnica em detrimento da política, mas sob o eufemismo da participação. A dependência político-econômica desses governos com tais organismos e o lugar secundário que ocupa a educação nesse cenário talvez expliquem a pouca força que os movimentos instituintes têm tido mesmo nos governos que saíram de suas bases.” (Oliveira, 2007, p. 370-371)

Conforme explicitamos anteriormente, as reformas educacionais no

contexto latino-americano se sustentam, sobretudo, na contenção de gastos

públicos, de ajustes estruturais dos Estados, que atribuem à educação a tarefa

124

de formação da força de trabalho condizente às necessidades do modelo

econômico e de alívio dos conflitos mais emergenciais decorrentes das

desigualdades sociais. As reformas educacionais na América Latina seguem um

mesmo eixo operativo: descentralização financeira e do sistema, mudanças

curriculares e alteração na estrutura dos níveis de ensino acompanhados de

ajuste fiscal e restrição orçamentária que atingem diretamente o trabalho

docente seja nas condições pedagógicas, de trabalho ou salariais.

Os docentes de uma forma geral não têm participado na definição das

políticas educativas quando efetuadas as reformas. Esse aspecto tem sido uma

bandeira de luta sindical - a exigência de uma maior participação no debate e na

formulação das políticas educacionais na defesa da educação pública na

contramão das políticas de privatização e exclusão imposta pelos organismos

internacionais no contexto da globalização do capital. A perspectiva de formação

e de educação no campo das reformas conservadoras não possibilita e não

permite o exercício da reflexão teórica, filosófica e crítica. A resolução do

imediato encerra-se nele mesmo, na ação pragmática, restrita ao campo

empírico, colaborando para a formação desinteressada de socialização e de

profundidade crítica, científica, na elaboração do pensamento. O produto do

trabalho docente é justamente a formação e a produção do conhecimento

científico, então, essas mudanças de caráter ideo-políticas repercutem,

imediatamente, na formação estudantil e profissional já que se forja uma

educação direcionada para a esfera da produção competitiva do mundo

globalizado, profundamente individualizada, disseminando-se valores

empresariais de competência e de qualidade total.

No que diz respeito às orientações metodológicas na produção escrita

sobre o trabalho docente, Mancebo (2007) observou de um lado análises

determinadas por movimentos mais gerais da globalização, dando visibilidade

teórica aos impactos destas transformações na educação e na docência. De

outro, análises focadas numa determinada realidade regional, institucional e

cultural, estudos direcionados para uma pequena perspectiva da realidade social

e que perfazem investigações mais detalhadas de sujeitos institucionais, grupais

e pessoais. De acordo com Frigotto e Mancebo (2007) estas investigações

apresentam uma problemática própria das teorias e das análises pós-modernas

125

pois evidenciam o indivíduo, o particular, o fragmento, o evento, a

descontinuidade histórica, a supervalorização do singular:

Nesta linha, os procedimentos metodológicos centram-se primordialmente na perspectiva dos sujeitos, utilizando-se principalmente a técnica da entrevista semi-estruturada ou, conforme a natureza do objeto das pesquisas, as histórias de vida de professores e professoras. Em algumas circunstâncias, denunciam as barbáries do capitalismo, tentam averiguar as apropriações concretas feitas pelos docentes das reformas educativas, mas sucumbem, infelizmente, com certa regularidade, a uma visão de mundo individualista e fragmentária. (Mancebo, 2007, p. 476)

Em direção contrária, Mancebo apresenta outra perspectiva do trabalho

docente: como mediador e interlocutor social ou, mais precisamente, como um

intelectual orgânico das classes empobrecidas. Nesta direção, sua função vai

muito além do nível técnico à ele compreendido e passa a configurar uma

importante dimensão política em sociedade. A sua presença no âmbito de

tensões, pressões e conflitos sociais não pode ser (e não é) neutra. Sua

participação politicamente ativa no campo educacional intervém, por sua vez,

num espaço recortado pelas desigualdades econômicas e sociais.

O conceito gramsciano de intelectual orgânico faz o elo mediador entre a

classe social e a consciência de classe o que constitui tarefa fundamental relativa

à hegemonia. Na hegemonia ou na contra-hegemonia é tarefa do intelectual

unificar a dimensão do saber e do fazer social. Ou, como segue:

Ao intelectual orgânico à classe dominante cumpre a função de legitimar o domínio, manipulando os meios de comunicação e publicidade, as artes, a educação e a política. Por meios persuasivos, tentam acabar a contestação, procurando fazer aparecer como normal o que de fato é absurdo, fortalecendo deste modo sua hegemonia. O intelectual orgânico ligado às forças populares emergentes entra em cena pela necessidade histórica da superação de uma hegemonia por outra quando representa não apenas um aliado, um companheiro, um teórico e artista, mas também uma força organicamente ligada ao proletariado em luta pela contra-hegemonia. (Jesus, 1989, p.61)

126

Nos Cadernos, Gramsci analisa o termo intelectual sob dois aspectos

essenciais: o sociólogo e o histórico. O primeiro corresponde a sua função na

estrutura social e sua relação com a classe social a ele vinculado. O segundo, o

aspecto histórico porque se preocupa com a direção social e histórica de sua

função intelectual. Neste último aspecto, cabe contextualizar que a tendência

marxista à época é de se ocupar com tarefas construtivas para uma nova ordem

social e não apenas criticar a sociedade burguesa. Assim, a II e a III Internacional

(1889 e 1919) influenciaram definitivamente o pensamento filosófico e as

preocupações político-científicas de Gramsci.

A intelectualidade orgânica à classe dominante pode se expressar nos

meios de comunicação de massa, de publicidade, nas artes, na educação e na

política vigente legitimando a sua situação histórica e propagando a passividade

social. A dimensão contrária significa a tarefa de construir as bases para uma

nova cultura desenvolvendo uma consciência de classe que liberte o homem de

sua prisão econômica e social. Significa conhecer e pensar seu passado,

presente e futuro. Significa o seu agir no mundo. Neste sentido, o intelectual

orgânico está empenhado na tarefa de acentuar as crises, evidenciar as

contradições e contribuir na organização de estratégias na luta hegemônica:

conscientizar sua própria classe por uma atuação constante nas diferentes organizações (partido, escola, jornais) com o objetivo de chegar a uma concepção de mundo homogênea e autônoma. Este trabalho de conscientização implica destruir a falsa consciência formada pela classe dominante e exige um trabalho pedagógico entre massa e intelectual. (...) A ação pedagógica, se for individual, jamais será “crítica”, pois à medida que o intelectual se isola, agindo em separado do povo-massa, deixa de ser intelectual, torna-se um pedante que opõe o saber-sem sentir ao sentir-sem-saber das massas populares. (Jesus, 1989, p.70-71)

Trata-se de conquistar uma organização de forças que permita o exercício

de direção intelectual e moral das massas e pelas massas; significa a unidade

entre o pensar e o agir, entre o ato da filosofia e o ato da política na perspectiva

de uma nova concepção de mundo. Pensar e modificar a própria história dos

trabalhadores pelos trabalhadores supõe a própria filosofia da práxis como

prática pedagógica.

127

Na sua dimensão molecular a educação constrói as individualidades,

mas este é um dos momentos na formação humana em sociedade. A dimensão

coletiva e societária da educação é, em última instância, o fator primordial de sua

função pedagógica. O indivíduo é também histórico e universal, então o

processo educativo não se limita às instituições educacionais.

No quarto e último capítulo de nossa tese faremos então uma

apresentação do que buscamos em campo de análise, este recortado em dois

estados da região sul e um estado da região sudeste do Brasil. Esse recorte do

objeto de pesquisa, entretanto, contém a historicidade e a universalidade da qual

nos referimos para significar o seu sentido na totalidade social.

128

CAPITULO 4

PRECARIZAÇÃO E INTENSIFICAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE NO

ENSINO SUPERIOR: UM ENFOQUE NA REGIÃO SUL E SUDESTE DO

BRASIL.

Como é possível delimitar e identificar a intensificação do trabalho em

meio a tantas transformações? Como é possível mensurar o esforço nas

atividades laborativas em serviço ou nas chamadas atividades imateriais? Como

a teoria da mais-valia é necessária para a plena compreensão do fenômeno?

São questões centrais que “emprestamos” de Dal Rosso (2008) de forma a

substanciar nossa investigação no campo da educacional.

Entre outras questões, a substituição de cargos com funções específicas

por um sistema de polivalência é um aspecto próprio das novas relações de

trabalho exigidas pelo mercado. Significa uma exigência da intensidade de

trabalho, de maior empenho e consumo de energias físicas, emocionais e

cognitivas. Pergunta, então, Dal Rosso:

O fato de atividades industriais não serem mais os principais empregadores de mão-de-obra implica que o trabalho em atividades de serviço ou atividades também chamadas de imateriais não seria marcado por crescentes demandas de redobrado esforço ou por cargas cada vez maiores? (2008, p.14)

Alguns serviços como educação e saúde, pesquisa e comunicação,

telefonia e finanças, cultura e comércio permitem explorar a prevalência do

trabalho intelectual, emocional e relacional, isto é, de natureza imaterial. Esta é

uma das questões que reiteramos em nossa pesquisa porque partimos do

trabalho imaterial, intelectual, científico e educacional.

A questão do trabalho material e imaterial suscita problemas de primeira ordem em relação à teoria do valor trabalho, no sentido de como pensá-la e utilizá-la para interpretar características da sociedade contemporânea, tarefa ainda completamente aberta nos campos da reflexão teórica e dos estudos concretos. (Dal Rosso, 2008, p.43)

129

Importante é evidenciar que as fontes de dados estatais e institucionais

(por exemplo, o IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Caged –

Cadastro Geral de Empregados e Desempregados e o Rais – Relação Anual de

Informações Sociais) não se apropriaram de dados sobre a intensificação do

trabalho conforme indicou Dal Rosso (2008) quando da sua pesquisa no Distrito

Federal, portanto não dão conta e não demonstram as condições de

superexploração do trabalho em números. Dessa forma, é imprescindível

estudos, pesquisas, levantamentos de casos, levantamentos amostrais junto

aos trabalhadores.

Sem essa pretensão, talvez nosso trabalho seja uma contribuição neste

sentido quando nos propusemos ilustrar o campo do trabalho docente no Ensino

Superior nos estados de Santa Catarina, Paraná e São Paulo. A técnica das

entrevistas, dos diálogos e depoimentos absorvidos junto aos trabalhadores

docentes (lideranças sindicais, ou não, temporários e efetivos) permitiu o

levantamento de questões objetivas da pesquisa bem como análises subjetivas

nas falas dos nossos entrevistados:

O estudo de pontos de conflito, acumulação de contradições, enfrentamentos, nós sensíveis e situações que pertubam o funcionamento normal de uma ordem, de um processo ou de uma instituição constitui meio de inestimável valor para a descoberta de aspectos insuspeitos da realidade social e para captar onde se localizam as contradições e se dão os grandes embates, quem são os agentes, suas ideologias, a forma como constroem fatos e verbalizações. O processo de intensificação pode se expressar em meio a movimentos de massa, como pode permanecer oculto como brasa embaixo das cinzas, como se não existisse. Para que possa ser percebido e capturado, requer que seja buscado junto aos trabalhadores que vivem a realidade cotidiana das condições de trabalho.” (Dal Rosso, 2008, p.93)

A leitura e a demonstração mais particularizada do trabalho docente,

sobretudo, aquele temporário no Ensino Superior permitiu evidenciar outros

elementos que contextualizam o ritmo e a velocidade, a gestão por resultados e

a polivalência como características de intensificação do trabalho intelectual a

partir da amostra realizada. Pois, conforme argumenta Dal Rosso (2008):

Um trabalho é considerado mais intenso do que o outro quando, sob condições técnicas e de tempo constantes, os trabalhadores

130

que o realizam despendem mais energias vitais, sejam físicas, emocionais, intelectuais ou relacionais, com o objetivo de alcançar resultados mais elevados quantitativamente ou qualitativamente superiores aos obtidos sem esse acréscimo de energias. A categoria intensidade do trabalho é reservada para descrever o fenômeno que reúne distintas formas e maneiras de fazer com que o trabalhador produza resultados quantitativa ou qualitativamente superiores, mantidas constantes as condições técnicas, a jornada e o número de funcionários. (Dal Rosso, 2008, p.196-197)

Como já nos referimos não tivemos a pretensão de um estudo quantitativo

ou de um levantamento exaustivo sobre a questão nos três estados que

adentramos. O que de fato buscamos foram ilustrações significativas em três

grandes Instituições de Ensino Superior na região sul e sudeste do país, a partir

de contextos e sujeitos significativos nesta realidade. O interesse de nosso

estudo é demonstrar o trabalho docente temporário como uma tendência em

potencial no contexto da cultura de mercado na educação. Como expressão de

um fenômeno social e economicamente global constitui um desafio a ser

enfrentado concretamente, na particularidade dessas regiões e no conjunto das

Instituições de Ensino Superior.

Neste sentido, as nossas possibilidades são as de uma pesquisa

qualitativa. Os nossos limites foram os de esbarrar em determinadas questões

que por este perfil de estudo ficaram em aberto e instigaram novas perguntas,

novos estudos, novas necessidades investigativas no campo científico da teoria

e da prática. Das implicações epistemológicas de nosso trabalho cabe ressaltar

nosso interesse em exercitar estudos no campo da filosofia da práxis e da

sociologia do conhecimento sem, contudo, maiores pretensões. Desejamos sim,

dentro de nossas condições, um passo metodológico, analítico e crítico do objeto

em questão.

Como foi possível observar, percorremos na exposição da tese um estudo

teórico da tradição marxista, do seu humanismo histórico, traçado e inspirado

para a leitura dos sujeitos aqui no particular e para a compreensão e explicitação

do trabalho na sociedade contemporânea em geral. Concretamente,

consideramos em especial seu viés próprio e particular no campo da

superestrutura social: a produção social imaterial e eminentemente política do

trabalho docente.

131

4.1 Dos contratos temporários na Universidade Federal de Santa Catarina:

as greves e o Reuni.

Entendemos que a precarização das relações de trabalho é produto do reordenamento do capitalismo em nível mundial, da reestruturação produtiva e da intensificação da exploração sobre o trabalho. Esta tem como expressões a desregulamentação dos direitos e a sua flexibilização, a terceirização e o subemprego, afetando diretamente a carga e as condições de trabalho. Somos a expressão concreta desta barbárie. (...) De fato, a educação não é prioridade. Não obstante, o Estado é reestruturado, fortalecido para os interesses do mercado e a (contra) Reforma Universitária em curso vem consolidar este projeto51.

Conforme já situamos no terceiro capítulo deste estudo os professores da

Universidade Federal de Santa Catarina paralisaram suas atividades em 2005

somando-se ao movimento nacional de greve das IFES. Também já indicamos

que esse momento histórico foi fundamental como experiência e motivação para

o nosso interesse científico pelo tema, especialmente por participarmos no

processo de mobilização e luta junto aos demais professores substitutos que

naquele momento aderiram à greve.

No conjunto de ações que demonstraram nesse período certa resistência

às políticas de mercantilização da educação e, por sua vez, também resistência

ás políticas de precarização do trabalho docente e do ensino vale registrar a

greve dos estudantes da UFSC. Frente a situação absurda da grande

quantidade de contratos temporários, da falta de professores, de concursos

públicos e dos impactos de tudo isso na qualidade de ensino, a paralisação dos

estudantes do Curso de Graduação em Serviço Social no ano de 2007 foi, sem

dúvida, um momento de contestação e de resistência que deve ser ilustrado.

Reunidos em assembléia no dia 09 de agosto de 2007 com 230

estudantes setenta por cento deles (112 votos) decidiram pela greve estudantil

diante do quadro insustentável em que se apresentava o Curso. De acordo com

51 Carta Aberta dos Professores Substitutos da Universidade Federal de Santa Catarina para a Comunidade Universitária datada do dia 12 de setembro de 2005.

132

o comunicado interno do movimento estudantil, em 11 de agosto de 2007, cinco

disciplinas foram canceladas no Curso de Serviço Social sendo que no segundo

semestre de 2007, aproximadamente, 10 disciplinas (22 créditos) estavam sem

professores.

Cabe ressaltar que antecedeu a decisão pela greve e resultou da

discussão e mobilização dos estudantes organizados em assembléias, entre

outros encaminhamentos, a elaboração de um documento para o Reitor da

UFSC, na ocasião professor Lúcio Botelho, no dia 18 de julho de 2007 que

relatava o seguinte:

É primordial ressaltar que a contratação insana de professores substitutos que se dá de maneira generalizada na Universidade, ocorre para suprir a carência de professores efetivos na tentativa de garantir a ampliação e o aprofundamento da formação do ser humano. Entretanto, além das condições desiguais de trabalho e salário a que estes profissionais contratados temporariamente estão submetidos, a sobrecarga de trabalho sob seus ombros compromete a qualidade de ensino e impossibilita a realização de pesquisa e extensão fazendo com que uma solução aparentemente coerente revele-se absolutamente contraditória: tampouco importa o ser humano ou sua formação, é preciso cumprir carga horária e zelar pelos números. Por acreditarmos que somos mais do que números estamos aqui. Mas não somente por isso: também porque ao retomar algumas velhas/novas deficiências queremos fazer ecoar o que tem sido silenciado na Universidade – muito embora esteja comprometendo os pilares da retórica que a sustenta. Falamos de velhas deficiências em virtude do tempo em que ocorrem e que as solidificam. Falamos de novas deficiências em virtude dos acontecimentos recentes que não somente as renovam como agravam seriamente a velha calamidade.

Em agosto de 2007 este movimento desencadeou uma paralisação. O

motivo imediato foi o impedimento na homologação de dois contratos

temporários determinado pelo Ministério Público devido ao excesso de contratos

temporários na UFSC. Duas professoras substitutas já estavam em sala de aula

e, por essa razão, o fato prejudicou cerca de duzentos alunos já que não foi

possível dar continuidade e invalidar as aulas já ministradas. O documento do

Tribunal de Contas da União de Santa Catarina (FL.02 do Ofício

n.1719/2007-TCU/SECEX-SC) afirma o seguinte:

133

Contratação em excesso e sem amparo legal de professores temporários, sendo 27 contratações no ensino superior (32% a mais) e 23 contratações no ensino básico (460% a mais), que não se justificam, segundo os critérios previstos na lei que rege a matéria, e existência de professores com contratos temporários com mais de 2 anos, considerando o período 2001-2005 (arts. 2 e 4 da lei n. 8745/1993; vide itens 6.5.27 e 6.5.28, fl.621-622);

O que foi a “gota d´água” na verdade refletiu o desdobramento de um

problema que vinha se aprofundando ao longo dos últimos anos naquele

Departamento. Uma relação apresentada no Planejamento Departamental do

Curso de Serviço Social a partir de 1997/01 apresentou uma relação de 12

professores efetivos para 16 professores substitutos no segundo semestre de

2003, média que se apresentou a mais crítica no período. O número exorbitante

de professores substitutos apresentou uma diminuição para 09 contratos

temporários até o primeiro semestre de 2007. Ainda assim, foi este o último o

quadro de defasagem de professores alocados no Curso que levou à discussão

e à definição sobre a paralisação dos estudantes de Serviço Social a partir de

suas assembléias.

Tal situação refletia, por sua vez, uma problemática de amplitude muito

maior e muito mais complexa manifestada também em outras áreas, outros

cursos, outras universidades federais e outras instituições de ensino superior

como as estaduais52.

Como resultado das duas primeiras assembléias foi deliberado por 70%

dos estudantes uma paralisação das atividades acadêmicas justificando que

“ESTA SE DARÁ EM DEFESA DA QUALIDADE DE ENSINO E PELA

52 Podemos situar como ilustração dessa problemática em instituições estaduais (públicas) de ensino superior a situação que foi apresentada pelo Prof. Luiz Fernando Reis do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Unioeste, Campus Cascavel, ao relatar a situação dos docentes com contratos temporários no estado. Afirma ele: “Depois de concluídos os trabalhos de checagem da produção acadêmica nas universidades o governo estadual autorizou a contratação de professores. Entretanto, a contratação será efetivada por meio de teste seletivo ao invés de concurso público. Foi autorizada a contratação de 690 professores ao invés dos 1.314 solicitados pelas universidades. A contratação de professores temporários significa uma precarização do trabalho docente uma vez que tais professores são obrigados a assumir carga horária de ensino, em sala de aula, bastante superior em relação aos docentes efetivos.” (Reforma Universitária ou os Caminhos da Contra-reforma. Andes – Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior, 2005, p.58)

134

CONTRATAÇÃO DE PROFESSORES EFETIVOS NO QUADRO DO

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL”, conforme grifado em Ata do dia 09

de agosto de 2007.

Neste sentido, retomamos a discussão sobre a Reforma do Ensino

Superior e o Serviço Social realizada pela Associação Brasileira de Ensino e

Pesquisa em Serviço Social – ABEPSS (Revista Temporalis, 2004) justamente

no momento de ebulição das questões que afetavam as Instituições Federais de

Ensino Superior (IFES):

Com isto queremos dizer que sua compreensão e debate não devem limitar-se à dimensão de suas consequências para o Serviço Social apenas, pois enquanto profissão situada na divisão sociotécnica do trabalho é condicionada (por) e condicionante de outros processos que a extrapolam. O entendimento desses processos é, assim, uma condição para se entender com maior precisão e propriedade as mudanças que se operam no interior da profissão. Segundo, entendido o significado dessas questões na sua totalidade, e nas suas determinações para a educação brasileira, o debate deve ter como horizonte a busca de uma compreensão o mais aproximada o possível de suas implicações, não só para a formação, mas igualmente para o exercício profissional. (p. 7-8)

A decisão de continuidade da paralisação dos estudantes no dia 17 de

agosto diante da falta de professores no Curso de Serviço Social da UFSC foi

publicada no artigo da Associação dos Professores Seção Sindical (APUSFC)

no dia 20 de agosto com o seguinte manifesto diante das precárias condições de

funcionamento do Curso naquela ocasião:

O curso de Serviço Social vem sofrendo cronicamente com a falta de professores desde 1999, quando houve ampliação de vagas (duplicação de entradas no vestibular), com abertura do curso noturno, contudo, sem a decorrente ampliação do quadro docente. Para sanar essa situação, desde então, a administração central paliativamente vem recorrendo à contratação de professores substitutos. Legalmente a contratação destes professores está condicionada à aposentadoria, doença, óbito e afastamento para formação. Este profissional é remunerado apenas para as horas dedicadas ao ensino, impossibilitanto sua dedicação à pesquisa e extensão – tripé fundamental da universidade. Ainda, possuem contratação temporária de no máximo dois anos. Essas características fragilizam o vínculo de trabalho destes profissionais com a universidade, pois não garantem seus direitos trabalhistas básicos e mesmo, a estabilidade no

135

emprego, portanto, não se trata de questionar a qualidade do professor substituto em si – se é bom ou ruim – mas da precarização da sua condição de trabalho. (...) Assim, os estudantes de Serviço Social reivindicam a abertura imediata de concurso público, entendendo que não é mais possível camuflar a realidade da universidade pública, o descaso com a educação de qualidade e acima de tudo, para garantir o nosso direito à educação53

Em 15 de outubro de 2010, na cidade de Florianópolis (SC),

entrevistamos a Dra. Bartira Cabral Grandi professora aposentada da UFSC, da

sua base sindical e vice-presidente da Regional Sul do Sindicato Nacional dos

Docentes das Instituições de Ensino Superior – ANDES-SN. Perguntamos,

inicialmente, qual era a avaliação sindical sobre as políticas de Ensino Superior

no Brasil, sobretudo no que diz respeito ao trabalho docente nas Instituições

Federais de Ensino Superior (IFES) após a implantação do Reuni. A professora

então evidenciou a sobrecarga do trabalho docente, a perda de sua autonomia,

de seus direitos, a fragmentação e desqualificação de seu trabalho. Salientou

que a política econômica de corte nos gastos com a educação é materializada no

projeto de Reestruturação das Universidades Federais.

Segundo a sua avaliação, entre outras questões, o Reuni objetivou o

aumento de vagas nas IFES sem, no entanto, aumentar a quantidade de

docentes (efetivos) necessários para atender o aumento dessa demanda. Assim,

para diminuir tal defasagem as instituições recorrem de forma abusiva à

determinadas formas precarizadas e intensificadas do trabalho docente como:

os professores substitutos - contratos temporários que já apresentavam muito

antes do Reuni números alarmantes em várias instituições no país; e, o

professor-equivalente (ou a média de três professores (20h) por um professor

com Dedicação Exclusiva-40h). Além disso, o cenário em que se aprovou o

Reuni em determinadas Instituições Federais de Ensino Superior apresentou

práticas de extremo autoritarismo. Sendo assim, para o ANDES-SN a posição do

Estado em favor dos interesses mercantis foi incontestável no contexto de

aprovação da (contra) Reforma Universitária conforme observamos a seguir:

53 Boletim da Associação dos Professores da Universidade Federal de Santa Catarina do dia 20 de agosto de 2007.

136

O ANDES se posicionou desde a eleição do Reuni, contrário ao Reuni. Não contrário a expansão das Instituições Federais de Ensino Superior, claro que não. A expansão, as vagas nas Universidades Federais é uma luta de muitos anos do sindicato, mas a gente sempre foi contrária a questão do Reuni pela forma como está sendo feito. (...) Havia uma idéia de democracia na instalação do Reuni que as universidades iriam aderir se quisessem (...) só que as que aderissem teriam um complemento de recursos. Embora essa quantia de recursos fosse pequena frente ao conjunto de Universidades Federais do país para instituições federais que estavam a míngua há muitos anos houve uma corrida (...). Os reitores usaram de toda a força que tinham para aprovar nos Conselhos Universitários a adesão das universidades ao Reuni. Nós tivemos casos no Brasil de universidades cercadas pela Polícia Militar como em Juiz de Fora. Nós temos fotos da reitoria cercada pela Polícia Militar para que pudesse votar a adesão da universidade ao Reuni porque começou a ter muita manifestação, em especial, de estudantes. Tivemos Conselhos Universitários se reunindo dentro de quartéis como aconteceu no norte do país para poder aprovar a adesão da universidade ao Reuni. (...) agora... nós temos que buscar fazer com que os efeitos, as conseqüências que a gente dizia que viriam sejam menores. Os professores (...) já vinham com uma sobrecarga de trabalho. Com o Reuni, aumentando o número de estudantes por professor em sala de aula e aumentando o número de estudantes na universidade, sem o aporte de professores necessários e de técnicos administrativos, a sobrecarga de trabalho vai ser muito maior. E mais, como a sobrecarga vai ser maior vai ser difícil se manter a qualidade da universidade. Como os professores vão ter que dar mais aulas para dar conta deste adicional de estudantes a pesquisa vai sofrer. E a extensão também. (...) Então, o que a gente entende que vai acontecer com o Reuni: a instalação, o fortalecimento de centros de excelência entre universidades e universidades que darão somente ensino. Isto entre universidades, mas existirá também dentro das próprias universidades centros de excelência e centros que darão só aula. (...) Nós entendemos que o Reuni vai contra a idéia que a gente tem de um padrão unitário de qualidade para as universidades brasileiras e é por isso que nós somos contra.

Ocorre para a implantação do Reuni foram efetuados cálculos que

consideravam o número de estudantes, de professores, a nota dos cursos, o

número de cursos de pós-graduação e suas respectivas avaliações para definir

em quanto aumentaria o número de vagas nas universidades. Obviamente, as

universidades que apresentaram melhores índices, especialmente na

pós-graduação tiveram uma redução no número de estudantes por professor. No

sentido dos impactos dessas medidas em seu conjunto nas universidades

federais é possível visualizar alguns aspectos, embora com a ausência de dados

137

oficiais, conforme analisa a representante do ANDES-SN:

A gente tem tido muita dificuldade em conseguir dados. Como é que a gente consegue os dados? a partir das seções sindicais, dos grupos de trabalho de política educacional dos setores sindicais, mas também é preciso que as reitorias forneçam os dados. Quando as reitorias assinaram a adesão ao Reuni tinha um termo de acordo, um termo de adesão assinado e são poucas as universidades que divulgaram este termo de adesão. Então, em muitas universidades se quer se sabe o que o reitor assinou. O que a gente tem visto é muitos cursos criados para dar conta de aderir ao Reuni e dar conta de conseguir a verba... primeiro atinge a meta para depois vir o recurso (e se tiver recurso)... tanto que o Haddad (Ministro da Educação) já disse em 2009 que já tinha acabado o dinheiro do Reuni e que o próximo ministro ia ter que dar um jeito de arrumar mais verbas para as universidades federais. Bom, mas aí teve universidade que criou os cursos mais estapafúrdios possíveis, em geral, à noite. Cursos que não estão tendo procura... Nós temos cursos noturnos sem a infra-estrutura condizente. Nós temos cursos que não estão tendo procura, nós temos muito professor substituto, nós temos semestres que não iniciam por conta de não ter infra-estrutura física, não ter professor. Isso tudo a gente está avaliando (...), mas está sendo muito difícil.(...) Quando a gente viaja pelo país para discutir o Reuni a gente vê que existe muita construção. Aqui na UFSC mesmo. Agora mesmo foi feito um concurso pra quase 200 professores (...) nunca se fez um concurso tão grande na UFSC (...) pararam a universidade. Só que se a gente for olhar os números da própria UFSC que a própria reitoria divulga de 2000 à 2009 o número de professores efetivos ficou constante, até diminuiu um pouco, e o número de professores substitutos passou de aproximadamente 200 para quase 400...A UFSC criou três novos campus (um em Araranguá, um perto de Joinvile...) aí eu digo que ensino de qualidade é este que este concurso se quer cobriu o número de substitutos. (...) que ensino de qualidade é este que aumenta absurdamente o número de estudantes e não dá professor? Continua utilizando o professor substituto que é um trabalho completamente precarizado.

Conforme podemos observar a sobrecarga se manifesta no trabalho do

professor efetivo. Entretanto, no caso do contrato temporário dos professores

substitutos a sobrecarga de trabalho é muito maior porque se concentra em sala

de aula. Isto significa mais turmas, mais disciplinas, mais alunos, mais

avaliações, mais trabalho! Além do que os salários e as condições de trabalho

estão longe, muito longe de atender as necessidades deste tipo de trabalho. De

138

acordo com Dal Rosso (2008), a intensidade do trabalho diz respeito ao gasto de

energia física e/ou psíquica em uma atividade concreta qualquer. A intensidade

está presente em maior ou menor grau em qualquer tipo de trabalho. Não

depende do desempenho das máquinas ou das tecnologias, mas do próprio

sujeito que trabalha.

Uma atividade concreta demanda em medida variável o concurso de todas as capacidades do trabalhador, ainda que a atividade faça uso mais focalizado, esta do esforço físico, aquela do cognitivo e uma terceira do afetivo. É o trabalhador em sua totalidade de pessoa humana que desenvolve a atividade. (2008, p.20-21)

Porém, diante da realidade que recortamos, há um ponto específico que

nos leva a discordar com o autor (p.21), pois o trabalho intelectual também exige

resultados quantitativos tanto quanto qualitativos. O que nos permite afirmar isso

é, por exemplo, a quantidade de turmas atendidas pelos professores substitutos

nas universidades federais visto que o seu trabalho se exerce unicamente no

campo do ensino, nas salas de aula. O próprio Dal Rosso afirma mais adiante:

“Intensidade são aquelas condições de trabalho que determinam o grau de

envolvimento do trabalhador, seu empenho, seu consumo de energia pessoal,

seu esforço desenvolvido para dar conta das tarefas a mais.” (2008, p. 23).

Assim, embora o movimento sindical não tenha um levantamento preciso dessa

situação em números, considera que:

(...) os cálculos para ver quanto em cada universidade que estava aderindo ao Reuni ia ter que aumentar de vaga (...) isso foi feito em cima dos números de 2007, dos professores efetivos de 2007. Já havia uma defasagem grande de professor no Brasil inteiro, de professores e de técnico-administrativos. Então se pegou um valor lá e aquilo congelou. Ah, se instituiu também o plano do professor equivalente que foi outra forma de precarizar ainda mais o trabalho docente e de uma forma de levar um rebaixamento maior ainda do ensino, do trabalho da universidade, do trabalho acadêmico porque pela forma do professor equivalente o professor DE (Dedicação Exclusiva) poderia ser substituído por três professores 20 horas. (...) junto com o Reuni veio a instituição do banco de professor equivalente (...) começaram a “reunir” as coisas (...) o banco de professores equivalentes é que realmente pegou o número de professores existentes em 2007 e congelou. (...) aí começou a dar problema porque o professor ele tem um cargo, o professor 40 horas DE é um cargo no serviço público, ele não pode ser transformado em

139

três cargos (...). Os professores substitutos também ajudaram a compor o banco do professor equivalente. Mas nós não temos um levantamento do número de professores substitutos... O sindicato está se estruturando (...) para 2011 constituir um grupo de trabalho pra fazer esses levantamentos.

O professor substituto mesmo que seja um professor que tenha mestrado, doutorado, se dedique, mas como o salário é rebaixado mais ainda que o professor efetivo, ele acaba tendo que trabalhar em vários locais para dar conta de suas necessidades... não pode fazer pesquisa, não pode orientar, se a gente entende que um ensino de qualidade, uma educação, uma formação feita com qualidade tem que ter a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, quando tu contrata um professor pra só dar aula tu tá rompendo com isso. Então ou tu admite que a indissociabilidade não é necessária, ou tu tem que concluir realmente que a formação está precarizada.

Importante salientar que as discussões necessárias no movimento

sindical dos docentes com relação aos impactos das medidas do Reuni na

situação de precarização do trabalho docente e a qualidade de ensino, em

particular, a situação abusiva dos contratos temporários na universidade ficaram

comprometidas por uma questão de disputa política entre a base e a Direção

Sindical. A origem do conflito que resultou na saída da APUFSC do ANDES-SN

se deu justamente por um problema de fundo nas políticas educacionais

voltadas para a mercantilização: as Fundações dentro da universidade. Vejamos

o que enfatiza a vice-presidente da região sul do ANDES-SN a esse respeito:

Aqui, não se discutiu mais porque a gente ficou quatro anos na disputa de poder pra tentar manter o ANDES-SS na UFSC e aí, infelizmente, 60% dos professores decidiu e mostrou que queria sair do ANDES-SN. (...) é claro que não se pode obrigar um professor, não se pode obrigar um trabalhador a fazer parte de um sindicato. Só que se saíssem da APUSFC pra construir outra coisa eles teriam que partir do zero e eles não queriam perder toda a infra-estrutura e todos os recursos que tem porque eles pegaram a APUFSC com recursos de três milhões de reais, algo em torno disso (...).

Na realidade, encontrou um solo fértil porque o professor vem sendo desvalorizado há muitos anos, há muitas décadas, então essa desvalorização do professor que se concretiza pelo rebaixamento do salário, por reajuste salarial dado em cima de gratificação, do produtivismo (...) veio junto uma sobrecarga de

140

trabalho porque se instalou na universidade a questão do produtivismo. A gratificação veio em cima de critérios produtivistas então o professor tem que dar conta do produtivismo para ter gratificação. (...) O professor perdeu a possibilidade de ter tempo de discutir o que fosse dentro da universidade. O professor não tem mais tempo de discutir o que ele quer pra universidade, não tem mais tempo de discutir qual o projeto de universidade que ele quer, não tem mais tempo de discutir se a carreira dele está boa ou não (...). Ele trabalha 12 horas por dia, 14 horas por dia pra dar conta deste produtivismo. Então quando veio essa história das fundações o professor viu nas fundações uma forma de complementar seu salário (...) pegando mais trabalho e todas as mazelas que vem com isto como privatizar a universidade por dentro, colocar estudante de pós-graduação para dar aula (...).

Neste contexto, as palavras de Florestan Fernandes pronunciadas em

1975 são bastante atuais para ilustrar a situação dos docentes que decidiram

pela saída no Andes-Sindicato Nacional dos Docentes no contexto de

implementação das medidas do Reuni e do acirramento dos conflitos

político-educacionais: “Portanto, ao nível institucional não se pode esperar muito,

por enquanto, dos avanços dos professores. Eles tendem a preferir “soluções

técnicas” que restringem, solapam ou neutralizam o alcance e os efeitos da

“reforma universitária”. (1975, p.125)

Aprovaram taxas absurdas! (...) Alguns relatórios do Banco Mundial que fala do Ensino Superior para os países em desenvolvimento, a gente vê que tudo que está acontecendo na Universidade Federal no Brasil hoje foi arquitetado já lá em (19)90, 95. (...) lá está tudo escrito, tudo. (...) Os países em desenvolvimento devem diversificar o máximo possível primeiro os modelos de instituições (Universidade, Faculdade, Centro Tecnológico, Escola Técnica, Centro Universitário, diversificar ao máximo. Diversificar as formas de financiamento: uma das possibilidades é fazer com que os estudantes paguem taxas, fazer parcerias com empresas (...) A publicação de 1995 do Banco Mundial (...) está tudo escrito lá, tudo. Diminuir verbas para atividades não-acadêmicas, por exemplo, alojamento estudantil, restaurante universitário, retirar verbas. Então o que aconteceu ao longo destes anos todos... o governo agora cria por portaria o Plano Nacional de Assistência Estudantil, agora em junho de 2010, um conjunto de boas intenções do governo para ter assistência estudantil, só que não diz da onde virá financiamento pra isso, então são só intenções. Fere novamente a autonomia da universidade porque coloca lá os critérios que a universidade tem que seguir para dar ou não recursos para um estudante (...)

141

Eu creio que o professor substituto até está achando interessante essa criação, tanto o Reuni quanto a criação de tantas universidades novas e tantos institutos federais de educação tecnológica porque são novas vagas surgindo, então isso está dando oportunidade para muitos professores que eram substitutos de ter um emprego. Agora eles estão entrando numa universidade completamente precarizada com um trabalho completamente precarizado e com uma sobrecarga absurda.

A atual diretoria da APUFSC não tem debatido sindicalmente. No máximo copia e põe no site alguns textos, mas não chama pra discussão, não chama assembléia pra discussão, não chama seminários para discutir as questões de carreira que estão batendo aí, a questão da previdência, a questão salarial sabe, não chama pra discutir. Menos chance ainda de discutir alguma coisa sobre o trabalho do professor substituto, não existe, não vejo discussão sobre isso.

Em 2009 e 2010, o ANDES-SN fez uma luta muito grande pra tentar recuperar a plenitude do seu registro sindical que estava suspenso. Em junho de 2009 a gente recuperou o nosso registro sindical... a gente gastou muito energia nisso e algumas outras lutas pararam de ser travadas. Houve uma luta muita tensa (...) também no fortalecimento de uma nova central sindical que na época era o CONLUTAS. Então se gastou muito tempo, muita energia nisso e outras lutas ficaram menos intensas. Fizemos uma luta grande, um trabalho muito grande de informação sobre a questão da Reforma Universitária que estava tramitando e estávamos com receio que fosse aprovado o texto que estava no Congresso, mas parece que isso deu uma segurada. Mas agora terminada as eleições, pode retornar. Então vários destes temas não foram prioridades, porque nós tínhamos essa prioridade da retomada de nosso registro por conta que nós estamos sendo atacados também por uma entidade paralela criada por um grupo de professores que é contra o ANDES e está aí para dar força para o governo.

Professores agora não são mais contratados por uma escola existe cooperativas de professores, aí uma escola precisa de um professor de geografia para quatro meses, telefona para a cooperativa, a cooperativa manda o professor pra lá... Não existe mais relação empregatícia, não existe mais segurança, não existe mais décimo-terceiro, não existe mais férias, não existe mais nada! Então, há uma quebra uma retirada de direitos do trabalhador muito grande, nas universidades, em todos os setores.

Essa fragmentação existe quase em todo o país. Nós temos algumas regiões onde a coisa não é tão séria. Temos um fortalecimento muito grande no setor das estaduais, as estaduais se organizando tendo o Andes como referência. Estão sendo construídos planos de carreira. Então o Andes está se enraizando, em especial, está crescendo muito nas estaduais. Nas federais continua sendo a referência.

142

Mesmo nas novas universidades com novos professores o Andes continua sendo a referência (...) Eu acho que há uma renovação muito grande, eu acredito que muitos professores que enfrentaram até o momento uma situação muito precária, vivendo de bolsa de mestrado, doutorado, de pós-doc, sem nenhum direito trabalhista, quando eles conseguem um emprego eles dizem: “não agora vamos nos organizar” porque o ataque está muito grande em cima desses novos professores. (...)

Conforme Dal Rosso (2008) há um grau de diversidade próprio na marcha

de intensificação do trabalho contemporâneo. Ocorrem manifestações distintas

nos setores e ramos de atividades sócio-econômicos. No que diz respeito a

saúde do trabalhador pode-se conformar um perfil próprio de problemas

decorrentes da precarização e da intensificação do trabalho. A gestão por

resultados no sistema educacional, sem dúvida, alimenta a tendência de

adoecimento do professor:

A cobrança de resultados pode ser entendida como forma de intensificação num sentido mais subjetivo. Cobrar resultados impõe uma pressão interior ou exterior sobre o trabalhador. Aparece assim igualmente como meio ou forma de intensificação e não apenas como fim ou objetivo almejado. (Dal Rosso, 2008, p.131)

Segundo o autor, há uma hipótese de que esteja se conformando outro

padrão de problemas com relação à saúde do trabalhador visto que existem

duas condições objetivas para isso. A primeira delas é o deslocamento da força

de trabalho empregada nas atividades industriais para outras atividades

subsidiárias ou de serviço (imateriais). A segunda condição é porque esses

trabalhos estão mais intensos em quaisquer condições que se realizem. A

exigência de mais resultados materiais e imateriais implica em mais energia

física e mental, pois o trabalho fica mais denso e mais intenso.

Na prática, a absorção do mercado sobre um determinado serviço

lucrativo (por exemplo, a educação) e os decorrentes impactos na saúde do

trabalhador com o aumento da intensidade de suas atividades, configuram na

pesquisa do autor (no âmbito do Distrito Federal) o índice de 42,9% as doenças

ocasionadas pelas atividades imateriais e de serviços. Referem-se

143

especialmente a saúde psíquica e aos problemas decorrentes de um trabalho

intelectual e relacional. Sobre isso, detalha o autor:

Tratados juntos os diversos tipos de lesões por esforços repetitivos mais estresse, depressão, hipertensão e gastrite começa-se a obter um perfil dos problemas de saúde decorrentes da intensificação do trabalho imaterial. De alguma maneira, esse conjunto de condições negativas da saúde do trabalhador decorre de qualidades próprias do trabalho imaterial denso: tarefas que se repetem ininterruptamente por períodos prolongados, pressão sobre os trabalhadores sob a forma de cobranças de resultados por chefes e administradores, pressão através da forma de controle sobre a quantidade e a qualidade do trabalho realizado, pressão por parte das exigências da clientela que impõem um esforço mental e um controle emocional sobre-humanos e efeitos sobre o lado psíquico e relacional do trabalhador, que deixam marcas sobre o corpo nas formas de tendinites, gastrites, hipertensões e que extrapolam o ambiente de trabalho com reflexo sobre a vida e societária dos indivíduos. (Dal Rosso, 2008, p.145)

No âmbito que investigamos a gestão por resultados e de perfil

produtivista no campo do ensino superior e que produz implicações diretas na

saúde do professor também configurou alguns aspectos que levantamos e que

sentimos a necessidade de evidenciar do ponto de vista do movimento sindical,

conforme nos relatou a professora Bartira na entrevista do dia 15 de outubro de

2010:

Sim, o ataque é tão grande que os professores vão se dar conta. Tem alguns professores que já estão se dando conta. Isso porque eu não coloquei pra ti ainda a questão da saúde que é um tema que está sendo muito discutido no Brasil inteiro: a questão da saúde do professor. Porque com essa sobrecarga de trabalho os professores estão todos ficando doentes. Câncer, avc, depressão, suicídio, (...) Tive em um debate agora que houve em Cascavel sobre a saúde do professor. Teve uma professora da Unesp que apresentou a pesquisa dela e quando ela começou a listar tudo o que um professor tem que fazer hoje em dia para dar conta do trabalho acadêmico é de assustar! Ela elencou, assim, uns trinta itens. Tudo o que o professor tem que fazer para dar conta da demanda de trabalho e pra dar conta do produtivismo pra conseguir subir na carreira e pra conseguir aprovar o projeto de pesquisa, pra dar conta da sua pesquisa, do seu laboratório... o professor está doente! E muitos nem se dão conta do porque estão doentes! (...) Agora a gente tem que mobilizar e conversar com os professores pra que eles entendam como está o trabalho deles, como era, como está e como se deve fazer pra reverter isso, tudo tendo como

144

parâmetro o padrão unitário de qualidade.

Buscamos também o ponto de vista de um professor substituto na

Universidade Federal de Santa Catarina o qual teve participação ativa na greve

das federais de 2005, defendendo o seu direito (mesmo na condição de

temporário) de paralisação junto aos demais professores. Reproduzimos a

seguir o seu desabafo na ocasião da greve, mais precisamente no dia 15

dezembro de 2005. Seu posicionamento foi amplamente divulgado nos

Comandos de Greve de outras universidades federais motivando, inclusive, a

paralisação de outros professores substitutos. Publicado na Revista Caros

Amigos, edição n.103, v.9, de outubro de 2005, p.40, o artigo diz o seguinte:

CARTA ABERTA AOS ESTUDANTES: desabafo de um professor substituto que aderiu à greve Caros alunos. Estou aderindo ao processo de greve que foi deflagrado em nossa instituição. Não poderia mais ficar de fora enquanto vários de nossos colegas se debatem por melhorias nas nossas condições de trabalho. Sei que muitos estudantes, mais preocupados com as questões imediatas de formatura, se posicionam contra o movimento. Entretanto, a preocupação deveria ser com a formação e não com a formatura. E formação pressupõe uma visão de longo alcance. Não somente o imediatismo das aulas, que não conseguem conter toda a riqueza que espelha a formação do ser humano. Este se forma muito mais na prática, na interação com o outro, no processo de construir coletivamente, do que em uma simples e, algumas vezes, medíocre aula teórica, um monólogo onde um professor repete conceitos que nem mesmo ele consegue entender direito, em uma atividade individualista onde o outro não importa, sendo apenas um meio fornecedor de dados para o meu desejado emprego no Estado, através de um... concurso! Se formos imediatistas, vamos inevitavelmente nos preocupar com as aulas que estamos perdendo, com as provas e com os trabalhos. Vocês devem perceber que isso tudo é a superfície do processo de aprendizado, apenas a casca da noz da questão principal. A greve é um direito coletivo dos trabalhadores. Está garantida na nossa Constituição. Todos nós repetimos isso com insistência em nossas aulas legalistas. Mas, quando ela é deflagrada, infelizmente, nem sempre conseguimos entender quem é o verdadeiro inimigo e acabamos culpando os grevistas, que são as vítimas do processo e não os seus algozes. O verdadeiro culpado de um processo de mediocrização da carreira do magistério de nível superior, o verdadeiro culpado pela insistente tentativa de privatização branca de nossas universidades “públicas, gratuitas e de qualidade” acaba ficando esquecido.

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A greve não é somente por reposição salarial e melhores condições de trabalho. Mas, ainda que o fosse, seria por si só absolutamente legítima. A greve é pela manutenção da universidade pública e gratuita para “todos” os cidadãos brasileiros. Nossa juventude menos favorecida está sendo ganha para o tráfico de drogas e para a criminalidade. Vivemos uma situação de guerra de classes. Deveríamos lutar para ganhá-la para a universidade, garantindo os meios de acesso a ela, como, por exemplo, o transporte coletivo gratuito para estudantes. No entanto, se os tão decantados caminhos de uma política neoliberal que prega o desmonte do Estado-nação continuarem sendo trilhados, não haverá mais qualquer universidade por que lutar. Todos nós, em virtude dos baixos salários, acabaremos indo trabalhar em instituições privadas por necessidade vital. Setecentos e vinte reais. É isso que nós estamos, como professores substitutos, “ganhando” no final do mês! E, volto a repetir, apesar de muitos de vocês não acreditarem que isso ainda possa existir: por puro idealismo! Estamos coadjuvando na formação de profissionais que dentro de três ou quatro anos, no máximo, estarão confortavelmente percebendo uma faixa salarial de 10.000 reais como agentes do Estado, magistrados, promotores e delegados. Os alunos querem bons professores em sala de aula. Mas os bons professores não resistem muito tempo a tal desprendimento. E acabam abandonando o barco que estão lutando por manter navegando. Aí, os alunos reclamam que não tem professores de qualidade ministrando aulas preparadas. E, no final das contas, o velho ditado popular do “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come” acaba se concretizando e todos nós, professores, funcionários e estudantes, acabamos perdendo, sendo engolidos pelo bicho papão que tem nome e se chama privatização. Porque não soubemos eleger o inimigo a ser combatido, um inimigo que, com certeza, não somos nós, professores, não são os funcionários nem sequer os estudantes. É preciso pensar nisso. Os professores substitutos são os mais culpabilizados nesse processo. Basta dizer que seus salários são pagos com os mesmos fundos de despesas com os quais se pagam o papel higiênico de nossos sanitários e o material de limpeza. Os professores efetivos nos vêem como trabalhadores meramente provisórios, que passarão sem deixar muitas lembranças. Mas nós também somos trabalhadores e trabalhadores qualificadamente explorados por este sistema. Porque somos utilizados como massa de manobra pelo Estado para diminuir o quadro dos professores efetivos, dando mais um passo em direção à privatização. Nossa luta deve ser pelo reconhecimento de que uma universidade verdadeira não deveria sequer ter colaboradores. Que todos nós deveríamos ser absorvidos pela instituição como professores efetivos, para que pudéssemos gozar das mesmas condições de trabalho de um professor com esse status. Para que pudéssemos nos dedicar a isso integralmente, estudando e oportunizando a vocês, alunos, cada vez mais e melhores oportunidades de conhecimento. É esse estado de coisas contra o qual nos revoltamos. É essa constante sublimação de nossas

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necessidades em prol de um ideal não correspondido. É essa constante exigência de assumirmos uma condição quase religiosa de abnegação, porque não quisemos escolher trabalhos mais estratégicos para o desenvolvimento do mercado, do capital financeiro nacional e internacional e nem sequer uma posição mais estratégica no aparelho repressivo do Estado que se ocupa de manter o establishment capitalista como está: os trabalhadores cada vez mais miserabilizados enquanto os gestores do capital cada vez mais ricos. Poucas semanas antes de assumir a função da qual me orgulho, professor substituto da Universidade Federal de Santa Catarina, recebi convite de duas instituições privadas para lecionar minha disciplina, com remuneração superior ao dobro do que hoje recebemos e optei, franciscanamente, pela pública, em detrimento da privada. Até quando continuaremos resistindo? Até quando vamos conseguir escapar desse redemoinho cuja descarga nos levará, inevitavelmente, para os fundos mais recônditos da privada? Matheus Felipe de Castro é doutorando e professor substituto na UFSC, disciplina de direito processual penal, Centro de Ciências Jurídicas.

O professor Matheus foi nosso entrevistado no dia 19 de outubro de 2010

na cidade de Florianópolis e falou sobre sua participação na greve das IFES de

2005. Avaliou também a situação dos contratos temporários na instituição

considerando, sobretudo, as condições salariais após o REUNI. Cabe observar a

diferença no conteúdo de sua avaliação sobre o ensino superior e principalmente

sobre as condições de trabalho do professor substituto considerando o momento

anteriormente exposto:

Naquele momento eu havia acabado de ingressar na UFSC como professor substituto e ainda conhecia muito pouco a estrutura e a correlação de forças existente. Uma vez que a categoria, por intermédio de nosso sindicato (como substituto eu estava devidamente sindicalizado), aderiu por maioria simples a ela, achei justo aderir também, embora não entendesse, ainda, muito bem, as suas finalidades. Posteriormente, embora houvessem bandeiras reais de reivindicação, fui percebendo que a estrutura sindical nacional, representada pela ANDES e mesmo a dos docentes da UFSC, fazia uma oposição unilateral ao governo Lula, acusando-o de privatista e liberalizante. Frente ao governo FHC, seria um erro histórico acusar o governo Lula de privatista. Criou dezenas de novas universidades e novos campi universitários, melhorou significativamente o valor das bolsas de estudo CAPES/CNPQ, conferiu aumento real para os professores substitutos, que hoje recebem vencimentos

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equiparados aos dos docentes efetivos. Meu salário mesmo teve aumento significativo nos últimos anos, sendo que até mês passado, quando fui substituto na UFSC, recebia valor idêntico a de um professor efetivo 40 horas. Melhorou bastante, (...), embora ainda não seja o tipo ideal de relação trabalhista. Na verdade, quanto a questão salarial, também os professores efetivos sofrem de histórica defasagem que precisa ser corrigida. Nesse sentido, a luta de uns e de outros deve estar interligada, sob pena de não avançar no rumo das mudanças.

Os contratos temporários foram evidentemente criados para solapar o emprego público, ainda no governo FHC. O governo Lula acabou melhorando bastante a condição dos professores temporários, embora o ideal seja que eles não existam. Compreende-se que a estrutura criada pelo governo neoliberal de FHC seja difícil de ser sepultada, mas, evidentemente, o contrato temporário de trabalho é uma medida para o enfraquecimento do trabalho publico.

A entrevista nos permitiu capitular algumas dimensões mais amplas do

trabalhador como, por exemplo, dos aspectos emocionais e relacionais que

envolvem o seu trabalho no campo educacional. Mais ainda que o trabalho

material, o trabalho imaterial faz uso da inteligência, da capacidade de

concepção, reflexão, lógica. Também usufrui dos componentes da afetividade

no quadro de suas relações de trabalho. Por exemplo, se pensarmos a relação

político-pedagógica entre professores substitutos e efetivos na UFSC como

apresenta o professor Matheus em nossa entrevista: “Os professores efetivos

tratam os substitutos com evidente desprezo. Cria-se uma formação em “castas”,

onde o substituto ocupa o lugar mais baixo e subordinado na relação”.

Neste sentido para Dal Rosso (2008) como mais-valia relativa em

constante transformação que recai no setor de serviços (de educação, de cultura,

atividades de pesquisa, saúde, serviços sociais, comunicação, telefonia, etc.), as

atividades imateriais não podem ser consideradas improdutivas, sob pena de

desvirtuar toda a teoria do valor trabalho na atualidade. Segundo o autor:

O crescente desenvolvimento da divisão social do trabalho em direção ao campo da imaterialidade estabelece a necessidade de desenvolver a noção de mais-valia relativa para responder às questões do trabalho intelectual e do envolvimento afetivo na geração do valor. (Dal Rosso, 2008, p.32) A transição do material para o imaterial abre outra fonte de problemas para o trabalho por conta dos desgastes intelectuais

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e relacionais que a atividade imaterial impõe sobre o trabalhador. (Dal Rosso, 2008, p.36)

Com efeito, é preocupação teórica e investigativa repensar a importância

do trabalho no setor de serviços. Não unicamente como trabalho improdutivo,

mas como trabalho que contribui para a produção de valor - as atividades

intelectuais e emocionais do trabalho na sociedade contemporânea sofrem e

expressam o processo de intensificação. Para Dal Rosso é importante distinguir

intensidade do trabalho de extensão da jornada. Esta última diz respeito ao

aumento da duração do trabalho o que é bem diferente da sua intensificação – o

esforço e energia despendida, a velocidade e o ritmo de trabalho e o grau de

envolvimento intelectual e emocional. Em outras palavras, o trabalho docente na

forma temporária como analisamos neste estudo também produz mais trabalho.

4.2 A crítica dos professores na Universidade Federal do Paraná

(...) confesso que a APUFPR não teve pernas pra fazer essa briga (...) uma briga intestina na categoria. O que a gente nota é que o substituto é superexplorado na sua condição de trabalho. Essa superexploração se faz como: pela quantidade de hora-aula a qual ele é submetido. Então primeiro: ele não tem direito a se vincular a grupos de pesquisa. Raríssimas exceções você conseguir encontrar algum substituto altamente qualificado que pudesse estar associado a projetos e grupos de pesquisa (...). O primeiro absurdo é isso, a gente fala do tripé ensino, pesquisa e extensão e você pega uma parte da categoria que não teve a oportunidade do concurso e alijá-lo de outros aspectos da vida acadêmica. Dentro da atividade de ensino a carga horária dele era muito maior que dos pares concursados, ou seja, ele se transformava num “burro de carga” letiva do espaço acadêmico. Então isso a gente notou em muitos departamentos aqui na UFPR. (...)

No dia 16 de junho de 2011 na sede da Associação dos Professores da

Universidade Federal do Paraná (APUFPR) o professor Dr. Luis Allan Künzle,

atual presidente da Seção Sindical do ANDES-SN no estado do Paraná foi o

nosso entrevistado. Iniciamos este item com uma parte de sua entrevista acima

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porque expressa as condições do trabalho docente precarizado que queremos

evidenciar. Ainda que tenha diminuído o número de professores substitutos no

total de contratos da instituição nos últimos anos e mesmo que estejam dentro

de índices permitidos dentro da legislação, ainda assim, trata-se de uma

situação de proletarização do trabalho docente que, por sua vez, atende aos

interesses do mercado na educação.

Dessa forma, inicialmente perguntamos ao professor se há uma discussão

no sindicato sobre a situação dos contratos temporários dos professores na

Universidade Federal do Paraná. Depois, se houve alguma mudança nesse

quadro com a implantação do REUNI. Por fim, pedimos ao professor que nos

falasse sobre alguns elementos das condições e da carga de trabalho do

professor, das condições salariais e das diferenças entre trabalho efetivo e

temporário de forma a evidenciar, no aspecto pedagógico, as implicações

dessas condições para a qualidade de ensino. Relatou, então, o professor:

Comecemos por um histórico. O primeiro ponto para o qual nos deparamos foi que durante o período do governo FHC fecharam-se as portas para concursos públicos de professores efetivos. (...) Desde o começo do governo FHC a Universidade tem aumentado muito a oferta de vagas e não tem tido o correspondente aumento de quadros. No governo FHC isso foi mais dramático. Grande parte, a parcela dos substitutos representava muito da força de trabalho nas universidades públicas... eu creio que em média a gente ficava entre 25 a 30%. (...) Sendo que em algumas universidades o coeficiente era bem maior, entre 40 a 45%. O trabalho temporário então representava muito da força de trabalho docente. Esses professores na época sofriam vários problemas. Do ponto de vista das condições de trabalho, carga horária elevada, etc. Do ponto de vista das condições salariais eles tinham um salário que era completamente distorcido em relação aos salários dos efetivos. Os salários dos efetivos era extremamente baixo, o salário dos substitutos era pior ainda.

Do ponto de vista sindical era uma situação extremamente complexa porque quando os sindicatos foram criados, logo depois de 88, no setor público, época em que havia poucos professores substitutos. (...) No momento da criação das Associações Docentes que depois vieram a se transformar em Seções Sindicais (...) A maior parte dos substitutos não é abrigado pelo espaço sindical. Não que as Associações não façam a defesa, muitas delas fazem e compraram belas

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lutas pelos substitutos, mas isso não está amparado na sua constituição legal, então isso é um problema. O ideal é que o substituto pudesse se sindicalizar, mesmo que temporariamente, e aí ele ter amparo sindical, amparo legal, a questão do seu contrato de trabalho ser discutida. A APUFPR é uma das seções sindicais que não tem o amparo (...). É um ponto de difícil correção... Tem haver com a forma, com o regimento da seção sindical (...). Na APUFPR, por exemplo, quando ela foi criada provavelmente era uma associação com cem, duzentos filiados. E ela prevê que qualquer mudança regimental obriga um quórum presencial de metade mais um. Hoje a gente é um sindicato, uma seção sindical com quase três mil filiados. Eu não vejo uma assembléia hoje mais de 1500 pessoas pra alterar isso (...). Essa é uma discussão longa com a categoria (...), ou seja, poder abrigar o substituto de forma legal hoje tem empecilhos dessa natureza, dessa ordem. Esse é um ponto que está dado pela conjuntura. Não se previa isso e a gente tem dificuldade até de atualizar os regimentos e os estatutos dos sindicatos pelo novo código civil em função dessas cláusulas...

O erro sindical pode ser o seguinte: uma coisa é eu ser contra um determinado tipo de contrato de trabalho; e a outra é eu defender as pessoas que estão submetidas a ele por uma conjuntura que eu não consigo mudar ou que vai levar muito tempo pra mudar. Acho que o sindicato tem que entender bem isso. É uma discussão complexa, mas acho que é inevitável (...). É lógico que idealmente a gente sonha que tenha um efetivo de quadros que de conta de licenças, de adoecimentos, de afastamentos diversos, etc.. O substituto a gente poderia até aceitar se ele simplesmente fosse um quadro marginal, com condições corretas de trabalho e de contrato de trabalho e que suprisse situações eventuais que a gente poderia não estar prevendo (...). É verdade que num sindicato há resistências muito grandes, de você preferir negar a situação pra dizer que você é contra ela. Mas ainda acho que é marginal, a maior parte do pessoal que eu me lembro nas lutas defende o trabalhador nessa condição, não o contrato temporário. Mas a gente nunca aprofundou muito essa discussão...

Agora, ultrapassaram os limites porque não havia controle nenhum (...). Com o governo Lula, com a reabertura dos concursos, já antes do REUNI já tinha tido uma certa reposição de quadros, o REUNI intensificou a reposição de quadros (...) O governo passou a limitar o percentual de substitutos. Por exemplo, aqui na UFPR a gente viu que diminuiu muito o número de substitutos (...). Eles chegaram a representar 25%, 30% do quadro, eles hoje caíram, eles haviam caído a menos de 10% do quadro nas federais e aí aparentemente se diminuiu muito o problema. (...) Houve também uma correção durante o governo Lula da remuneração do substituto que passava a ser equivalente a titulação. Então melhorou um pouquinho a condição do substituto, não resolveu completamente porque ele não tem gratificações que o efetivo tem...

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Claramente, pra mim, foi “falta de pernas” mesmo de poder pegar mais essa frente de luta. Mas é uma luta que a gente vai ter que fazer e aí não contra o poder estabelecido, é uma luta com os próprios pares. Essa sensibilização a gente vai encarar agora (...). A gente está enfrentando um paralelo parecido com os professores contratados pelo REUNI. Visitando os diferentes espaços da universidade, num desses espaços um professor me perguntou o seguinte: Qual a diferença do “professor REUNI” para o professor que não é REUNI? Eu falei: não há diferença alguma! REUNI foi um programa do governo que criou recursos de investimentos e recursos humanos tanto na parte técnico-administrativa como de docentes. Mas no momento que a vaga é criada você é um professor concursado como qualquer outro. Ele me olhou espantado e disse assim: Eu sou um professor como qualquer outro?! Eu disse: sim. Não, porque eu estou aqui há seis meses e notei que estou dando muito mais aula que meus colegas de curso. E eu perguntei pra eles: porque eu estou dando muito mais aulas que vocês? E os colegas mesmo disseram: porque você é um professor REUNI. (...) Se um coletivo é capaz de fazer isso com um colega concursado, eu temo que esse coletivo se sinta mais a vontade pra aumentar a carga de maldade sobre um colega substituto.

Se o contrato é um contrato precarizado, é um contrato mal-remunerado e isso é uma maldade do governo, e mesmo sendo um governo de esquerda é uma maldade do governo de esquerda, progressista etc, que se diz, é uma maldade que esse governo poderia ter corrigido (...) se o número diminuiu, ele não representa tanto em termos de valores monetários, então ele poderia ter corrigido efetivamente a remuneração, ou seja, ele ganharia igual a qualquer outro.

O problema das condições de trabalho não é uma pauta com o governo federal, é uma pauta interna da universidade e é, sobretudo, uma pauta com a categoria docente. E aí fica que os sindicatos nessa maré em que você tem primeiro a dificuldade de quadros pra militar no sindicato, não há atividade remunerada, não tem liberados (...) os diretores dão aula, os diretores fazem pesquisa, orientam alunos e tal, então já tem dificuldade na mobilização da categoria, (...) essa é uma briga muito mais dolorosa... Está nesse limbo... É uma força dispersa, os substitutos não se reconhecem quanto segmento de uma categoria com características próprias, então cada um está perdido no seu canto, e os sindicatos não estão efetivamente na sua defesa.

Depois disso, o que a gente está sentindo agora, o governo em função de entrar em ajuste fiscal está retomando com força os substitutos. Então saiu agora a Medida Provisória 525, foi aprovada anteontem à noite no senado, ela reabre a porteira pro docente substituto dentro dos IFETs (Institutos Federais de Educação Tecnológica). Ao invés de o governo abrir concurso para professor efetivo ele reabriu a porteira. Então, esse problema vai se recolocar. Vai se recolocar numa situação

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ainda mais complexa.

Os IFETs não estão com seus espaços sindicais estabelecidos nem para os efetivos. A gente vê aqui pelo IFET-PR. Não sabe que rumo sindical tomar, esse pessoal está ainda definindo os seus rumos. E esse espaço vai estar sobrecarregado de docentes temporários que vão estar menos amparados ainda. Acho que isso a gente vai ter que colocar como pauta no sindicato nacional...

Nos IFETs a carga de hora aula do efetivo é muito maior que nas federais. Muitos estão se transformando em grandes escolas de terceiro grau. Se já está mais pesado pro efetivo, me apavora a situação para os substitutos nesses espaços. (...) Se cria também uma relação de subserviência sutil sob a qual o docente se coloca e que a gente pode compreender. Por quê? Ele passou por um processo seletivo simplificado. Se ele já é titulado ele sonha muito em participar de um concurso, de uma vaga que venha a ser aberta no futuro. Ele não vai comprar uma briga local. Ele não vai. Porque ele tem medo que no próximo concurso ele seja preterido. Então ele vai ser submisso, ele vai tentar mostrar serviço, ele vai nessa sobrecarga vai tentar mostrar que também pode fazer pesquisa, vai entrar numa condição muito piorada. (...)

Em outra entrevista com o professor Luis Allan Künzle, realizada no dia 05

de julho de 2011, na sede da APUFPR na cidade de Curitiba, buscamos saber

sobre a última reunião do Setor das Federais no ANDES-SN que tratou, entre

outros pontos, da Medida Provisória nº 525. Esta medida permite a contratação

temporária, em caráter emergencial, de docentes para atender as Instituições

Federais de Ensino Superior (IFES) em expansão e altera a Lei 8.745/93 que

trata das contratações dos substitutos conforme já nos referimos no terceiro

capítulo desta tese. Segundo nota da Agência de Notícias da Câmara dos

Deputados no dia 17 de fevereiro de 2011 a MP 525 também cria a possibilidade

de contratação temporária de professor substituto para:

ocupar cargo de direção de reitor, vice-reitor, pró-reitor e diretor de campus. Antes, essa contratação só era possível em caso de exoneração ou demissão, falecimento, aposentadoria, afastamento para capacitação e afastamento ou licença de concessão obrigatória.

Sem dúvida, além do problema dos contratos temporários ser recolocado

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na ordem do dia vem de maneira mais agressiva diante do aumento de 10% para

20% no limite de contratação. O que se impõe como uma medida emergencial do

governo para atender a expansão das IFES poderá a depender da história se

estabelecer como uma saída permanente das políticas de ajuste fiscal, de

redução dos custos com a educação. Ainda, citando a Agência de Notícias da

Câmara do dia 17 de fevereiro de 2011:

A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, e o ministro da Educação, Fernando Haddad, argumentam que a contratação temporária dos docentes é necessária à implementação do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) e de projetos de educação técnica e tecnológica. O objetivo é atender a razão média de 1 docente para cada 20 alunos. De acordo com os ministros, a demanda total de docentes do Reuni é de 15.755 professores de 3º grau. "Este quadro está sendo formado dentro do cronograma estabelecido, e as autorizações de concurso ocorrem paulatinamente. Contudo, a efetiva realização dos mesmos, tendo em vista as exigências que caracterizam o processo de recrutamento e seleção de docentes, por vezes leva a atrasos e demoras no ingresso dos servidores", argumenta o ministro.

Diante desse novo quadro buscamos saber do presidente da Seção

Sindical do ANDES-SN no Paraná que se discutiu no âmbito sindical em nível

nacional com respeito a MP 525, isto é, o que vem afetar ainda mais o trabalho

docente, sua precarização e intensificação com a reafirmação e com o aumento

dos quadros temporários nas universidades federais. Depois da apresentação

de um quadro conjuntural da situação, especialmente, naquelas instituições

mais afetadas pelos contratos temporários como o Colégio de Aplicação da

Universidade Federal do Rio de Janeiro e o CEFET de Minas Gerais o professor

Luis Allan Künzle apontou alguns encaminhamentos do ANDES-SN junto às

suas Seções Sindicais. Vejamos sua exposição a respeito:

A reunião que temos periodicamente (não com calendário fixo) é uma reunião do Setor das Federais do Sindicato. Cada Seção Sindical enviou um representante e a gente fez um pouco a análise da conjuntura do momento para o Setor das Federais. Em relação a (MP) 525 não era o foco da reunião. O foco da reunião era o fato de que parte das Seções Sindicais está

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indicando greve então a chamada foi em função disso. Mas na discussão específica da (MP) 525 alguns aspectos me chamaram a atenção sobre os quais merece uma leitura mais atenta (a qual eu não tive tempo de fazer) que é: o aumento para 20%, então isso assustou muito as instituições; promete o governo que essa Medida Provisória é de tempo curto enquanto ele negocia com o Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão a abertura de concursos definitivos. (...)

O que me parece importante analisar em relação aos professores substitutos, nós tivemos dois outros momentos da reunião que o tema substituto voltou e que isso me deixou bastante preocupado. Um foi na pauta dos Colégios de Aplicação. Não é uma realidade da Federal do Paraná mais trinta e poucas universidades possuem Colégio Aplicação. (...) A primeira questão sobre a qual nós focamos nossa atenção foi o fato de que a maior parte desses Colégios está em greve e essa greve se dá por falta de docentes. O governo diz que não há professores porque esses Colégios de Aplicação não fizeram nenhum contrato de gestão com o MEC (Ministério da Educação). Curioso isso...

Basicamente, o que dá para apreender disso é o seguinte: primeiro, eles não consideram os Colégios de Aplicação como parte integrante da IFE (Instituição Federal de Ensino). A maior parte das universidades que possui Colégio de Aplicação entrou no Reuni. A Universidade assinou um contrato de gestão com o MEC. O Reuni implica uma taxa mínima da relação aluno/professor e uma taxa mínima de aprovação, mas o MEC considera que o contrato assinado pela IFE não compromete o Colégio Aplicação, do qual ela integra completamente, os docentes recebem pela mesma folha e tal. Mas não, o MEC aparentemente quer contrato de gestão específico. Em função disso, dessa alegada não presença de um contrato, de um pacto de metas, o MEC não está permitindo que estas Escolas, que estes Colégios tenham concurso para docentes. O caso emblemático aí foi do Colégio Aplicação da UFRJ. Nesse Colégio, especificamente, faltavam para o início do ano letivo do ano de 2011, 26 professores. O Reitor da UFRJ conseguiu um acordo com o MEC para contratar 26 professores pelo regime de professor substituto. (...) Ele considerava que esse acordo estava bem estabelecido e ele aí voltou para o Rio de Janeiro e realizou o teste seletivo e supriu as 26 vagas. Passou fevereiro, passou março, passou abril, passou maio e nenhum desses professores recebia. Quando o pessoal pressionava a Reitoria da Universidade, a Pró-reitoria de Gestão de Pessoas e de Recursos Humanos dizia que até agora eles não conseguiam o “Código SIAPE”. Quando os professores entraram em greve é que a Reitoria foi se mexer pra descobrir o que estava acontecendo. A situação absurda aí - e aí a gente vê a condição a que está submetido o professor substituto. Eu não imaginava que isso pudesse acontecer! O MEC prometeu as 26 vagas, mas quem implementa as vagas é o Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão que é quem gerencia o “SIAPE”. Ora, o

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MPOG (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão) diz assim: o acordo é do MEC não é meu e eu não concordo com essas 26 vagas. E não implementou o “Código SIAPE”. E não implementou mesmo com a greve dos docentes. Pra você ter uma idéia esses docentes receberam por recibo via prestação de serviços. Eles não têm registro em carteira, eles não têm contrato, eles não têm nada, nada, nada, nada. Então é uma situação tão precarizada. E aí uma das docentes que vivencia isso, que está nesta situação foi levada pela Federal do Rio de Janeiro para dar o depoimento dela na reunião. (...) Paralisação houve em mais sete Colégios de Aplicação! Uberlândia fez greve, a Rural do Rio de Janeiro fez greve, no Rio Grande do Sul dois Colégios de Aplicação fizeram greve, Viçosa fez uma boa greve. A diferença do Rio de Janeiro para os demais é que nos demais o problema era com cinco, seis professores, no RJ eram 26. E no RJ é que se explicitou esse problema do MEC ter feito um acordo que o MPOG não assinava embaixo e não implementou. Então, veja o Reitor fez um acordo no MEC, esse acordo foi rompido pelo próprio governo num outro Ministério. Então nem a palavra do MEC serve mais para universidade, o que é inconcebível! A situação mais dramática que eu acho ali é que os docentes do Rio de Janeiro hoje sonham com um contrato de substituto. A situação ficou tão precarizada que a expectativa deles (do contrato precário) é um sonho. Então isso assustou bastante. (...) Bom, os Colégios de Aplicação estão em greve. (...) Eles estão em estado de greve. Quando a reitoria pagou o salário dos professores, eles fizeram um acordo com a reitoria e eles voltaram a dar aula com a condição de que o Ministério do Planejamento recuasse e abrisse as vagas de substituto (ainda não é nem de concurso!)

O professor Künzle informou que esteve presente na reunião o presidente

da Associação Docente do CEFET de Minas Gerais e contextualizou,

brevemente, a situação destas instituições que se expandiram por todo o Brasil e

se tornaram uma referência de boa qualidade do ensino técnico e tecnológico.

Segundo Künzle, o governo Lula acabou com a rede de CEFETS criando os

IFETS. Entretanto, havia três instituições em condição diferenciada - do Paraná,

de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Estas já tinham ou Curso de Engenharia

Plena ou alguns Programas de Pós-graduação recomendados pela Capes.

Neste sentido, para o governo não interessava transformar em IFET.

Há diferenças de legislação entre os referidos tipos de instituição que

fazem uma grande diferença do ponto de vista da autonomia universitária. O

IFET é uma instituição que não tem estatuto próprio. O estatuto é definido pelo

MEC o que constitui para o presidente sindical pouca liberdade acadêmica. As

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Universidades, por sua vez, têm estatuto próprio, portanto, total liberdade

acadêmica, casos em que se situavam os CEFETS. Afirma o professor:

Aí da para entender porque que o governo Lula preferiu extinguir, ele criou uma rede nova e extinguiu a rede antiga porque era uma rede sobre a qual ele não tinha controle, eles tinham liberdade acadêmica. Daí entra a velha questão da autonomia. Aí a gente vê o quanto isso não interessa para os governos: que as entidades de Ensino Superior tenham autonomia.

O CEFET no Paraná, de grande potencial, se transformou em

universidade. Depois disso, o governo não transformou mais nenhuma

instituição. Os CEFETS pequenos se transformaram em IFETs perdendo a

autonomia, mas acrescendo na burocracia, pois o aparelho ganhava um pouco

mais de status. No caso de Minas Gerais uma grande instituição, quase

universidade retroceder não fazia sentido. Da mesma forma, o CEFET do Rio de

Janeiro. Ou seja, de toda a rede sobraram os dois que, como afirma Künzle:

(...) os dois estão no limbo. O Reuni veio para as universidades, mas não veio para os CEFETS, então eles não tiveram contrato de meta estabelecido. (...) o governo fechou qualquer possibilidade de concurso nessas instituições... O CEFET-MG ele tem mais de 1000 professores. (...) ele está com 45% do corpo docente de professores substitutos, ou seja, mais de 400 substitutos. Como o contrato de substituto dura só dois anos ele tem que a cada ano renovar (...) 45% é renovado a cada dois anos, 20 e poucos por cento são renovados todo ano. Então ele diz que toda hora eles têm edital de teste seletivo de dezenas de professores. (...) Esse indivíduo que entra é um contrato precário, se ele consegue um emprego melhor ele rompe... e quem perde é a instituição e os alunos. Então, a situação mais dramática no caso dos substitutos hoje é o CEFET-MG que é a situação mais complexa. (...) Eles estão sendo penalizados por algo que eles não têm culpa. (..) Eles estão sendo extintos pela força da desatenção.

Importante ressaltar que na reunião do ANDES-SN citada pelo presidente

sindical da APUFPR as questões que envolvem os professores substitutos

apresentam casos extremamente graves em diferentes instituições do Setor das

Federais. È neste cenário caótico do Ensino Superior que se aprova a Medida

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Provisória nº525. O estado de greve dos professores substitutos de,

aproximadamente, nove Colégios de Aplicação no país tendo o caso do Rio de

Janeiro como o mais emblemático, e a situação de abandono do CEFET de

Minas Gerais conforme relatou o líder sindical confirmam e somam,

lamentavelmente, as ilustrações que demonstramos em nossa tese.

No conjunto, esses acontecimentos tornam ainda mais difíceis as

questões no âmbito das organizações político-sindicais dos trabalhadores.

Inclusive o problema de sua fragmentação. As transformações no mundo do

trabalho e as políticas de mercado que afetaram o campo da educação e que

temos esboçado no decorrer de nosso estudo vem pressionando a pauta dos

trabalhadores nas políticas defensivas, isto é, em torno da não retirada dos

direitos do trabalho. Nessa conjuntura desfavorável as discussões sobre a

fragmentação no campo da docência, tensionadas ainda mais pelo abuso dos

contratos temporários, e suas implicações para a organização e mobilização

sindical perdem espaço e sentido.

Obviamente que os problemas com a falta de docentes e com os

professores substitutos até agora relatados não constituem casos isolados em

suas regiões. Ao contrário, em seu conjunto, representam de forma nítida,

concreta e inquestionável a proletarização da força de trabalho docente, uma

das dimensões do trabalho intelectual. Configuram um problema extremamente

grave no campo das Instituições Federais de Ensino Superior no Brasil. Como

vimos, o que prometia ser enfrentado com um projeto de Reestruturação e

Expansão das Universidades, ao longo de sua implantação passa a se constituir

em um novo “fantasma” do Ensino Superior. Diga-se, um “fantasma bem

encorpado”, grande em tamanho e extensão. Neste sentido, argumenta o

presidente da APUFPR, Seção Sindical do Andes no Paraná:

Esse é um “retorno dos mortos vivos”... Foi um problema serissimo que tinha tocado em todas as Universidades Federais em 20 e 25% de substitutos. Com a onda de concursos e de vagas, de concurso efetivo do REUNI (...) diminuiu essa taxa. A Federal do Paraná eu estive analisando nós estamos hoje com menos de 5% de substitutos (...). Então, a gente está com um número pequeno de substitutos. (...) Com o REUNI que a gente diminuiu o substituto e contratou. Só que agora com a Medida Provisória, com os Colégios de Aplicação e com os

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CEFETS voltou o problema. Porque que volta esse problema na análise que nós fizemos no ANDES? O problema voltou porque o governo criou com o REUNI uma condição de incremento de vagas, ou seja, de incremento de carga de trabalho que a estrutura não dá mais conta. Então quando a gente descobre que mesmo que mesmo na Federal do Paraná a gente tem alguns cursos em alguns campi que estão ameaçando não abrir novas vagas agora no segundo semestre. Não tem condições. (...) Nós só estamos crescendo o número de alunos ou crescendo novas turmas. Já está se tornando inviável com a absorção de primeiros e segundos anos, imagina os cursos de cinco anos que eu tenho que acumular cinco turmas, à essas cinco turmas você agrega retenção (reprovação e ocupação de espaços intermediários) até o momento que eu começar a ter as primeiras saídas. O sistema hoje, com a quantidade de professores que tem, não dá conta do número de pessoas que vão estar transitando na Universidade até as primeiras turmas do REUNI saírem.

Então, há um desespero muito grande. Ou seja, o governo criou um programa de reestruturação em que ele mesmo admite agora que o número de vagas que ele forneceu não dá conta. (...) a solução inteligente e normal pra quem se diz responsável é abrir novas vagas de concurso. Não, volta agora a solução do professor temporário, substituto. É o que a gente está definindo como governo esquizofrênico. Por um lado, vai contra a privatização do ensino no momento em que ele abre mais vagas públicas. Por outro lado, ele quando não cria as condições e o investimento necessário ele faz com que o aparelho público seja visto pela população como um aparelho ineficiente. (...) Isso é muito esquizofrênico. Essa é a grande dificuldade de trabalhar com esse governo. (...) A porta do substituto reabriu. Reabriu como a solução, o temporário como a solução do ensino. (...) E do jeito que está a Medida Provisória dá uma sensação que pode perdurar por muito tempo. Ele abriu agora de 10 à 20%, mas não acabou de entrar a quantidade de novos alunos, aquilo que falei das turmas acumuladas. Então, a tendência no ano que vem (como ele não abriu vagas agora de concurso), a tendência é de ter que reeditar uma Medida Provisória dizendo: “olha o limite não é mais 20%, é 30%. E depois 40%.” Até o sistema ter estabilidade e a gente ter um corpo, um número estável de substitutos em torno de 30, 40% o que é absurdo. A gente vê maneiras transversas de aplicar políticas neoliberais.

(...) na América Latina... os países que mais aderiram a onda neoliberal como o Chile por exemplo... O Chile tem o quê na Universidade Pública hoje? Tem algo em torno de 30% só de professores com Dedicação Exclusiva e 70% de professores horistas. O governo Lula está fazendo por outros caminhos, mas do jeito que a gente está indo a gente vai ter um corpo, um número permanente de substitutos suprindo aulas (e só aulas porque o substituto não tem direito à pesquisa, não tem direito à extensão), suprindo aulas e com um

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corpo em Dedicação Exclusiva (DE) mais reduzido. Às vezes me parece que no Brasil o substituto virou a forma de implementar por vias transversas o mesmo modelo neoliberal. E acho que ele (o governo) não sabe medir as suas limitações. A classe trabalhadora teve grande dificuldade de se localizar em termos de lutas e reivindicações com o governo Lula. Mas o Lula era um mito. Ainda o é. Dilma não é mito.

E acho que as últimas mobilizações dos servidores públicos em que na Marcha que aconteceu em Brasília há duas semanas, o que foi possível notar? Que a política de enrolação do governo começa a levar à exaustão as hostes cutistas. A tendência, acho, é aumentar esse desgaste. Já tem seu desgaste na base política, nas negociações. Agora os servidores já estão começando a dizer que estão no limite no seu processo de acordo. O que mais dificulta a gente aceitar, por exemplo, a institucionalização da precarização é exatamente o sucesso econômico. Um país que o PIB não pára de crescer, a gente não consegue admitir. A arrecadação do governo tem acrescido mês a mês de forma continuada nos últimos anos.

Importante salientar então o contexto de aprovação da Medida Provisória

525 e da sua transformação em Lei Ordinária nº 12.425/2011 meses mais tarde.

Momento em que o governo federal anuncia ajuste fiscal, redução nos gastos

com a educação implicando, entre outras questões, no congelamento de vagas

no Ensino Superior e na necessidade de interromper os processos de abertura

de concursos públicos - exigência vital para enfrentar os amplos quadros de

precarização e de intensificação do trabalho docente.

Nessa perspectiva de redução dos gastos com o Ensino Superior público

no Brasil fica evidente a condução política do governo em (re) configurar um

Estado mínimo e assim abrir espaço e condições para o mercado da educação,

“afundando” a qualidade do ensino e da formação profissional. Ainda que se

tenha algumas concessões, ainda que se atenda algumas demandas históricas

dos trabalhadores no campo da educação, o poder institucionalizado não rompe

com os setores empresariais que tem no Estado o alicerce para a expansão de

suas atividades lucrativas. Esse é, no nosso entendimento, o significado

substancial da proletarização intelectual no campo do Ensino Superior público.

Com a palavra, o Presidente Sindical dos Docentes no Paraná:

(...) O governo que tirou a capacidade política, de ação

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política dos Ministérios e centralizou toda a decisão de recursos num espaço burocratizado e tecnicista. A própria escolha da Ministra que você tira um político e coloca uma técnica é simplesmente para tirar o caráter reivindicatório, o caráter de política, o caráter de mediação. [Isso me lembrou a situação aqui no Paraná com a Alcione Saliba na ocasião, uma técnica do Banco Mundial] Exatamente, a mesma coisa. Era uma técnica do Banco Mundial. Tanto é que se você procurar ela na internet hoje você vai encontrar ela na Indonésia, em algum lugar, fazendo as barbaridades que fez aqui. Mas não tem compromisso nenhum com a política e com a realidade local. Isso é apavorante...

A medida em que a gente visita outras universidades, campus no interior você vai vendo esta situação degradável. Um aspecto interessante que a gente também tem notado no REUNI é que a gente encontra alguns professores nas universidades federais que fizeram concurso (...) na esperança de depois obter Dedicação Exclusiva (DE). Mas o governo criou mecanismos tão, uma artimanha tão complicada...limitou o número de cargos nas universidades com possibilidade de progressão que eles chamam de professor equivalente e essas pessoas que sonhavam com a DE na universidade não conseguem mais. Então a gente tem situação de professores com 20 horas, 40 horas que tem o mesmo trabalho igual só não tem o salário condizente. O que eu quero dizer é que a universidade hoje está, nesta parte da precarização do corpo docente, com diferentes quadros de precarização. Você tem o DE (Dedicação Exclusiva) estável, você tem pessoas com 20, 40 horas que sonham com DE e não conseguem muitas vezes, localizadas em espaços físicos que não permitem outra ocupação... Além dessas situações você ainda tem o substituto. Ou, pior ainda, como no Rio de Janeiro você tem o indivíduo que nem substituto é está recebendo (...) então, há um leque de situações de precarização muito clara na universidade (pública) hoje. (...) Já tem mais trabalho todo mundo, todo esse leque – do estável em DE até o “quase substituto” – todo esse leque já sofreu com a reestruturação. Essas pessoas hoje têm mais horas-aula com turmas mais numerosas esse é o primeiro ponto. (No caso dos substitutos) eles não têm como atuar no todo da universidade e em geral eles têm uma carga de horas superior aos demais professores do mesmo departamento ou do mesmo colegiado de curso. Então, eles são duplamente precarizados. (...)

A informação que a gente tinha aqui de algumas escolas, de algumas instituições privadas era de situações lamentáveis. (...) Eu me lembro na época em que eu estava na Direção Nacional (Andes-SN) que a gente recebeu reclamações de professores da Uniandrade que eles recebiam o cheque salário só que eram avisados que não tinham fundo. Só teria fundos dali um mês e meio, dois meses. Em alguns casos, eles mostraram o papelzinho que receberam de um agiota que trocaria aquele salário (...) ou seja, o indivíduo recebeu um salário e o salário ele tem que negociar com um

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agiota! (...)

Eles privatizaram o ensino superior e a classe média brasileira ela se dobrou com muita facilidade a esse modelo. Então ela paga, ela paga. A ponto de que as instituições mais fortes nesse processo são aquelas que oferecem do maternal à universidade. Ou seja, a família quando começa a pagar a criança tendo cinco, seis anos, sabe que vai pagar até os 22, 23 anos. (...) É uma estrutura que o movimento organizado não conseguiu se por contra, (...) então toda a vez que a gente tentou criou criar sindicato em instituições privadas, as diretorias ganhavam, eram empossadas e no dia seguinte eram inteiras demitidas, mesmo tendo a lei que proíbe a demissão de direção sindical. Numa dessas instituições (...), quando a gente questionou essa ilegalidade, os custos disso, a direção respondeu que era mais barato pagar todos os custos desses dirigentes sindicais do que as pessoas acharem que poderia ter sindicato lá dentro.

De forma a ilustrar a realidade dos contratos temporários na UFPR não só

do ponto de vista da liderança sindical, mas também do ponto de vista do

professor efetivo, concursado, isto é, de sua base sindical, entrevistamos no dia

21 de junho de 2011 a professora do Departamento de Educação da

Universidade Federal do Paraná Dra. Taís de Moura Tavares.

Inicialmente, perguntamos como se apresenta a carga e as condições de

trabalho dos professores temporários no Departamento ao qual ela está

vinculada e se houve alguma mudança do quadro após a implantação do REUNI.

Também perguntamos com relação à prática político-pedagógica, quais os

maiores impactos para a qualidade do ensino. Por fim, perguntamos como ela

observa o posicionamento do Sindicato diante da situação dos professores

substitutos na universidade e se podemos afirmar que esta situação nas IFES

seja uma expressão da cultura de mercado no Ensino Superior. A seguir

reproduzimos na íntegra o conteúdo de sua exposição sobre nossas questões:

Nós temos tido contratação de professores temporários regularmente, eu acho que desde o final dos anos 90 quando o setor e o meu departamento fizeram investimento pra saída dos professores para o doutorado. Porque o meu departamento foi o último que fez esse investimento, os outros departamentos os professores saíram antes e o meu departamento foi protelando isso e chegou o momento que precisava sair assim, mais ou menos em grande número. Relativamente saíam uns três,

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quatro por ano. Então, eu acho que a possibilidade de se contratar professores substitutos foi dada, assim permitiu que professores saíssem. Esses contratos já vinham por retenção de vagas de professores às vezes aposentados porque durante um bom tempo a gente não teve liberação regular de vagas. Mudou a sistemática de vagas, elas antes estavam alocadas na Universidade nos respectivos departamentos e depois foram alocadas todas no Ministério (MEC) e cabe ao Ministério ir liberando essas vagas pra universidade. Então, já apareceu a precarização do trabalho por essa via. Acho que ela tem duas origens: uma foi de fato uma substituição mesmo que velada do trabalho do professor efetivo pelo trabalho temporário, estava em discussão a reforma do estado e a própria idéia de que o setor de educação não faria parte do núcleo duro do Estado e portanto ele podia ser outra forma de organização não-governamental, não-estatal, os contratos poderiam se transformar todos em CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Mas isso teve um dado importante para a qualificação dos professores porque os alunos ficaram cobertos. Eles tinham condição de ter aula com o afastamento dos professores efetivos. Essa positividade teve. Progressivamente, eu acho que hoje você tem (...), ainda continua tendo substitutos para essa última condição. Depois (...) a partir de 2003, nós começamos a ter, antes disso (...) começamos a ter ultimamente mais vagas, mais concursos para professores efetivos. Então hoje nós temos professores temporários no lugar dos professores que ainda estão se afastando para a qualificação, nem todos se doutoraram e o meu departamento ele é especialista em fornecer quadros para o Estado (...). Eu diria assim que regularmente nós sempre temos alguém que está no Ministério, na Secretaria de Educação, (...) então esses professores temporários também cobriram esse tipo de ausência. A gente tem tido vagas (...). Enquanto não se libera a vaga dele pra efetivo. Veja, é bom por um lado porque significa que você não está constituindo um corpo de professores que são temporários, mais por outro lado para o contratado, ele fica contratado em menos tempo. A condição dele fica mais precária. Porque enquanto ele poderia ter um contrato de um ano e acaba tendo um contrato de 6 meses, vamos dizer assim. É melhor do ponto de vista da estrutura da universidade porque não se consolida a substituição do efetivo pelo temporário, mas as condições do temporário ficam ainda mais precarizadas porque a condição dele é mais insegura. Hoje, os professores substitutos costumam ter uma carga didática maior que a dos professores efetivos. A justificativa é que eles não assumem encargos de outra natureza como (...) eles não são obrigados a fazer pesquisa, (...) tem uma série de obrigações que o professor efetivo tem e que o professor temporário não tem e que eles são justamente contratados para cobrir as necessidades de ensino.

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O problema são as implicações disso para a qualidade do trabalho. Porque esses professores fazem testes, não são concursos são testes, processos seletivos para uma determinada disciplina ou área de conhecimento, mas acabam de fato ministrando aulas de outras disciplinas que não aquela no sentido de cobrir todos os buracos que aparecem de professores. Então, do ponto de vista lá que você perguntou dos impactos na prática pedagógica, as condições de trabalho desses professores tem tido impactos importantes e denunciados com freqüência pelos alunos. Eles não chegam a formalizar isso porque aluno continua tendo muito medo do enfrentamento e porque também eles não conseguem ver isso no conjunto. Então eles fazem queixas pontuais daquilo que eles estão vivendo naquele ano. Mas se você pegar o conjunto do curso, quando você transita pelo conjunto dos alunos você vai ter uma somatória de queixas de professores que tem uma carga de trabalho alta, por exemplo, eles têm 12 horas-aula para uma carga de 20 horas e que estão dando três, quatro disciplinas diferentes e algumas delas que eles não têm domínio, mas que foram improvisadas na hora da distribuição da carga horária porque faltou professor para aquela disciplina. E eles costumam também, há uma preocupação, é claro que como eles são professores 20 horas então eles costumam ter outro emprego, nenhum chefe de departamento. Há uma negociação. Mas há uma destinação destes professores para os horários em que os professores efetivos não podem ou não querem assumir. Então, assim, há uma implicação direta. Há professores substitutos muito bons. Eles são muito elogiados pelos alunos, etc., mas também há problemas. Mesmo quando não há queixas dos alunos, você conversando com os professores você sente o que significa essa sobrecarga pra eles. Tem outro fato que (..) a medida que foram aparecendo as vagas pra concurso efetivo, muitas pessoas vêem a possibilidade de trabalhar como substituto como uma ponte para ser aprovado num concurso, na medida em que se familiariza com o ambiente da universidade, do setor, do próprio departamento, conhecem os professores, etc. Então nós temos no Setor de Educação muitos ex-alunos do curso de pedagogia, alunos de mestrado ou ex-alunos de mestrado que fazem os testes seletivos. Esses, por exemplo, acabam se envolvendo em outras atividades que não só de ensino. Como atividades de pesquisa, etc., porque é a forma de inserção na carreira acadêmica. É uma forma precária, mas é uma saída que eles encontram para entrar num espaço muito competitivo. É assim, em termos de acesso ao que é necessário para dar aula (laboratórios, equipamentos) não há nenhuma diferenciação. Esses professores não vão diferenciar se é professor efetivo ou substituto, etc...Quando você perguntou uma questão da cultura de mercado, eu acho que nós estamos

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vivendo uma situação muito interessante. Porque o movimento do MEC (Ministério da Educação) e o REUNI foi uma amostra disso foi de liberação de vagas para concursos para professores efetivos. Não que seja suficiente, não que tenha resolvido as avalanches de aposentadoria que tivemos desde o período Collor, etc., mas, assim, dá pra perceber um esforço no sentido de recomposição do quadro das Universidades Federais. Então, esse movimento, eu não tenho um estudo pra te dizer isso, mas parece ir no sentido contrário da cultura de mercado. Porque significa você ter professores com melhores condições de trabalho, com segurança, com vínculo, com carreira... Mas, ao mesmo tempo, eu entendo que você tem traços muito fortes da cultura de mercado dentro da cultura da universidade, por dentro. E aí que eu acho que se coloca entre outras coisas a relação dos professores efetivos com os professores substitutos. Então essa conivência, por exemplo, do corpo docente com a idéia de que o professor substituto pode dar as disciplinas que sobram nos horários que sobram, sem parar para pensar no impacto disso para esses próprios trabalhadores e para as condições de funcionamento do curso. Você tem uma política do Ministério que hoje aponta numa outra direção, mas aquilo que está instituído na forma de funcionar interna vai no sentido da hierarquia e de uma secundarização (pra usar uma palavra forte) é quase como se você tivesse lidando com bóia-fria. Então dentro dessa forma de ver, dessa cultura, acontece por exemplo, os professores são alocados nos espaços sobrantes dos gabinetes e são recebidos de forma diferente (..) uma preocupação em fazer uma distinção entre quem era professor efetivo, que era professor substituto. Você têm os mais diversos tipo de situação, de tratamento.(...) Eu posso te dizer que a cultura permite com que alguns professores tratem os professores substitutos como se fossem menores e isso você associa a questão da tradicional hierarquia acadêmica com um princípio de competitividade que é a cultura de mercado. Eu não sei te dizer se o sindicato se ocupou alguma vez dos professores substitutos. Eu acredito que eles não são nem sindicalizados. (...) eles me parecem praticamente invisíveis. As preocupações tem sido com assédio, assédio moral, com a saúde do trabalhador, a carreira, até a questão de vagas para os efetivos, etc. Uma defesa professores enquanto trabalhadores para que tivessem melhores condições de trabalho eu não vi isso pautado. Não ouvi falar sobre essa discussão.

Neste aspecto, cabe registrar uma das ações do campo sindical. Criado

em setembro de 2010 o Fórum de Saúde do Trabalhador da Universidade

Federal do Paraná constituídos pela APUFPR e SINDITEST foi uma forma

coletiva de enfrentar os problemas de adoecimento vividos na UFPR e foi um

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marco na discussão de diretrizes para uma política de saúde dos trabalhadores

no ambiente universitário. Importante destacar os encaminhamentos da plenária

final do Seminário organizado pelo Fórum em 29 de março de 2011 na cidade de

Curitiba. Os trabalhadores definiram pela criação de uma Comissão com a

participação das três entidades presentes para elaborar um diagnóstico dos

casos de assédio moral, dos ambientes insalubres que geram riscos à saúde e

dos demais adoecimentos relacionados às condições e carga de trabalho na

instituição. A partir deste mapeamento se definirá um plano de metas para

redução do problema na UFPR.

Também foi consenso entre os trabalhadores a rejeição à Orientação

Normativa nº02, de 19 de fevereiro de 2010, da Secretaria de Recursos

Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (SRH/MPOG).

Para os trabalhadores o documento é inconstitucional e tem por objetivo cortar

gastos do governo com o funcionalismo público sendo, portanto, um retrocesso

para a saúde do trabalhador no ambiente acadêmico e para a autonomia

universitária. De acordo com a sua publicação especial em 2011:

Não. Na minha leitura (o REUNI) veio no sentido inverso. Eu entrei na Universidade como aluna na década de 70. O REUNI fez aqui coisas que eram inimagináveis, por exemplo: criou, induziu um conjunto de cursos a abrirem turmas a noite. Cursos que se recusavam a ampliar vagas e no noturno. Porque a visão era muito elitizada de que a Universidade estava aberta para aqueles que podiam estudar de dia. Assim como os professores substitutos são invisíveis, o aluno trabalhador também era invisível. A partir do REUNI com as vagas para professores e inclusive recursos para certo tipo de equipamentos, etc. ficaram vinculados à abertura de vagas (...) têm cursos que a gente (...) eu quando estudante, há trinta anos brigava no diretório, etc, para ampliar vagas no noturno, abriram agora com o REUNI. Demorou trinta anos pra esses cursos abrirem e o que fez abrir foi o REUNI. Então, se eu vejo a trajetória do Ensino Superior do Brasil eu entendo que o REUNI foi a tentativa, embora insuficiente ainda, mas das mais agressivas no sentido de ampliar vagas públicas quando todo o movimento foi de privatizar, da expansão no Ensino Superior se dar pela via privada. O REUNI foi uma pressão muito forte do Ministério (MEC) que funcionou. Na Universidade Federal do Paraná funcionou. Nós tivemos a abertura de vaga. Curso de Pedagogia já tinha um grande número de vagas. Já funcionava no noturno há muito tempo, mas outras licenciaturas inclusive passaram a ofertar com o

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REUNI (...) ele pegou duas faces que pra mim são de publicização:uma foi a expansão de vagas e outra foi, pois em questão a evasão e a repetência de alunos. Porque a gente além de não dar acesso... dar acesso a poucos se você contar a demanda de alunos que querem entrar no Ensino Superior e tem que fazê-lo na forma pública, e tem direito de fazê-lo na forma pública, nós temos índices de evasão e de repetência muito altos que é heterogêneo, se você pega o conjunto dos setores, mas existe. (...) assim, tinha como meta aumentar a taxa de aprovação e retenção, o que eu acho absolutamente justo porque combate uma perspectiva elitista que existe dentro da instituição pública. Em que um professor reprova mais de 50% da turma e isso é encarado como absolutamente normal porque afinal a universidade é só para os mais capazes, só para os melhores, etc, etc. Nós analisamos aqui no Núcleo de Políticas, os professores vinculados ao Núcleo. A nossa posição não foi de que o REUNI vinha como instrumento neoliberal, não. Nós tivemos mais recursos, nós tivemos mais vagas para professores, nós tivemos pressão para aumentar as vagas para alunos e para melhorar a qualidade dos cursos.

No que diz respeito a abertura de vagas no Ensino Superior, elemento

positivo na avaliação da professora Tavares, o Governo Federal anunciou no dia

16 de agosto corrente que abrirá 250 mil vagas de ingresso nas Universidades

Federais e de 600 mil matrículas nos Institutos Federais de Educação, Ciência e

Tecnologia em 2014. É a previsão e o objetivo do governo na sua terceira fase

de expansão universitária e profissional. O discurso governamental é de inclusão

social para o desenvolvimento econômico e para o atraso cultural “para que

jovens e trabalhadores possam dele se beneficiar em todos os recantos do país

(...) Em dois anos, só a Petrobrás vai gerar uma demanda de 230 mil técnicos em

petróleo e gás”, argumenta o governo que alerta para a necessidade de quadros

preparados para atender setores internacionais de alta tecnologia que estão se

instalando no Brasil.

A previsão de expansão é de quatro Universidades Federais e a abertura

de 47 campus universitários, sendo 20 instalados até 2012 e os outros 27, até

2014. Na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica a

expansão será de 208 unidades, distribuídas no território nacional. A previsão

orçamentária é de cerca de R$ 7 milhões por unidade de educação profissional e

R$ 14 milhões no caso de câmpus universitário, segundo o Ministro da

Educação. No sentido da política de inclusão os critérios para definir os números

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da expansão foram orientados, entre outros, pelos baixos Índices de

Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e pela porcentagem de jovens de

14 a 18 anos nas séries finais do Ensino Fundamental.

Assim, a tendência nos últimos anos têm sido de reverter isso. Nós temos dois concursos abertos Vão abrir mais concursos no Setor. O meu Departamento realiza um, agora já abre outro. Outros Departamentos já fizeram concursos nos últimos anos depois do REUNI. Então nós estamos fazendo o contrário. Eu não posso te dizer até quando essa tendência permanece porque o Ministério a qualquer hora pode suspender isso, pode reter as vagas de novo e aí você tem um quadro em que todas as aposentadorias, por exemplo, estão cobertas por professores temporários e não por professores efetivos. (...) Houve, inclusive, uma contenção de vagas aí. Algumas vagas deixaram de existir. Mas agora estão vindo vagas (...) O movimento que a gente teve nos últimos (...) quatro anos tem sido interessante (... ) eu nunca sei quanto tempo ele pode durar. (...) Porque inclusive a adesão dos Departamentos ao REUNI se deu pela perspectiva de vagas. Como eu venho da Escola Básica e trabalho e pesquiso a Escola Básica, etc., eu sempre acho as condições de trabalho dos professores efetivos nas instituições públicas muito, muito boa. No sentido de você ganhar 40 horas de Dedicação Exclusiva e dar 08 horas-aula é uma condição muito favorável. Nós temos outros encargos, claro, de pesquisa, de extensão, os trabalhos junto às escolas, mas se você contar com o que é a Escola Básica e com a própria condição do professor temporário é uma condição favorável de trabalho. (...) Eu tenho um pecado estrutural. A minha preocupação é sempre a Escola Básica. Então eu li o Plano (Plano Nacional de Educação 2011-2020) muito mais preocupada com as metas que se voltam para Escola Básica do que para o Ensino Superior. O que eu acho que tá no nosso Plano é a nossa pauta clássica, no sentido de autonomia, no sentido de recursos suficientes, de condição de trabalho, etc. e, portanto, liberação progressiva de vagas, etc.. Como eu estudo legislação eu sei que lei nenhuma muda a realidade, até porque as leis têm que se transformar em políticas. Então, leis ruins criam mais empecilhos, não criam todos os empecilhos, criam mais empecilhos, outros empecilhos. Leis boas podem criar algumas facilidades, mais elas não concretizam nada. O que concretiza são as políticas do Estado e o que concretiza as políticas do Estado é a pressão social. Então, eu acho importante todo o processo de participação em torno do Plano, a disputa do Plano no próprio Congresso, etc., mas não acho que o Plano vá resolver os nossos problemas do Ensino Superior. Até porque pra mim as contradições hoje estão muito mais na forma, por exemplo, na forma como está sendo conduzida a política de pós-graduação, a política de pesquisa do país... Até isso explica porque os professores temporários no país são

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invisíveis, porque o ensino progressivamente se torna invisível diante da importância da pesquisa. Então, a política de pesquisa ela têm sido sim a indutora da cultura de mercado. E a indutora desta conduta, da conduta dos professores diante do seu trabalho, das condições de trabalho, etc. Os professores efetivos, eles querem melhores condições de trabalho para fazer pesquisa e não para ensinar. O que as pessoas não entendem é que este ranqueamento ele se faz para a contenção de recursos. Se todas as Instituições de Ensino Superior Públicas forem, tiverem a maior nota e, portanto, tiverem mérito para receber os recursos não há recursos suficientes para que todas sejam as melhores. Aí a lógica é de mercado. Você pode brigar para ser uma das melhores, mas alguém vai ser excluído, vai ser pior... essa é a lógica de mercado, muito claramente. E isso induz a prática docente. Claro que se a atividade de ensino está secundarizada vc não tem porque se preocupar se as condições de trabalho do professor temporário vão acarretar prejuízos na atividade de ensino para os alunos.

Neste sentido, cabe destacar que em 2004, o Relatório Final do

Seminário da Associação Brasileira do Ensino e Pesquisa em Serviço Social

sobre a Política de Ensino Superior no Brasil – a regulamentação da LDB e as

implicações para o Serviço Social traz uma importante referência sobre a

necessidade e desafio “da unidade política na condução da resistência ao

aligeiramento e desqualificação da formação acadêmica“ (p. 170), o que implica

por sua vez em graves consequências para o exercício profissional, inclusive

para o trabalho docente.

Buscamos também o ponto de vista de uma professora que manteve

contrato temporário no Departamento de Educação da UFPR nos dois últimos

anos. A profa Ms. Gisele Pereira foi nossa entrevistada no dia 21 de junho de

2011 na cidade de Curitiba. Inicialmente ela nos falou sobre seu contrato de

trabalho, como ela sentiu a carga e as condições de trabalho. Depois falou

acerca da relação político-pedagógica com os alunos e com os outros

professores do Departamento. Vejamos a seguir:

Tem esta questão que não pode exceder os dois anos e aí acho que isso é o ponto negativo. O primeiro ano eu acho que é muito sofrível pra gente, principalmente para mim que estava recém-formada então terminei a graduação, passei no mestrado, fiz a prova para a seleção de professores, fui aprovada, mas, no entanto, como primeira experiência, acho que é bastante difícil. Porque são várias disciplinas

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embora seja de um Departamento haviam várias disciplinas. E aí a questão do estudo, mesmo a preparação de aulas. E aí no segundo ano vc está mais familiarizada e aí a coisa flui com mais naturalidade e aí a coisa acaba. Tem ficar dois anos afastada e depois tentar voltar novamente. No período em que eu entrei, nós iniciamos ganhando cerca de R$500,00 mais ou menos. Aí teve aquela equiparação e ficou um pouco mais atrativo. Mais num primeiro momento era mesmo uma questão de adquirir experiência do que propriamente a questão financeira.

Pelo fato de a gente estar chegando, por exemplo, no último ano eu tinha 14 horas-aulas. E aí pesa um pouco. Ainda que tenha sido uma opção minha, preferi ficar com um pouco mais de aulas e concentrar numa disciplina só. Neste último ano, eu consegui ficar com duas disciplinas apenas, não três, quatro, como aconteceu no primeiro ano. Então embora tivesse um número de aulas excedentes, mas duas disciplinas.

Sempre uma questão de... uma construção coletiva mesmo de trabalho. Embora houvesse uma ementa, a gente sempre discutia questões para ler e além de oferecer uma disciplina que eles podiam fazer estágio, então também tinha essa discussão de escola, então essa articulação entre conhecimento, as experiências deles e o mundo da escola mesmo. Qual a impressão que eles tinham nas entrevistas com os diretores, com os professores, com alunos, as observações, alguma medida com os pais, todo esse envolvimento de escola. Eu me sinto agraciada por fazer parte de um Departamento onde eu já conheci muitos professores que grande parte foram meus professores na graduação. Então eu tinha total liberdade pra discutir com eles, por exemplo, disciplinas que a gente dava a mesma disciplina, mais em cursos diferentes. Então, sentava, planejava junto, conversava, eles eram muito prestativos, emprestavam material, davam sugestões, a gente trocava experiências, então neste sentido eu posso dizer que fui muito feliz. Embora, de outra perspectiva, de outros professores que derepente não tiveram a mesma aceitação.

E ai mais o mestrado junto... se fosse uma opção pessoal minha hoje eu não teria feito as duas coisas juntas. Mas eu vejo que isso também de alguma forma acabou favorecendo os meus alunos. Porque vindo da graduação nesta instituição mesmo eu me colocava a pensar o que ficou na minha formação que eu posso oferecer pra eles. Digamos da minha perspectiva de aluna e depois enquanto professora. (...) Para além disso, o que eu posso desenvolver junto com eles, esse encaminhamento de pesquisa mesmo que nem sempre a gente encontra lá na graduação (.. ) Eu pude escolher de acordo com a minha afinidade no segundo ano as disciplinas que eu mais me

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identifiquei. (...) Aí a todo um diferencial. Há uma diferenciação quando você chega e pega várias disciplinas e em outro momento não, eu prefiro ficar com tais disciplinas. Então, é uma outra condição de trabalho. Acho que isso influencia bastante.

Não. Talvez com aqueles que sejam depois. Porque tem as reuniões e a distribuição das aulas e ainda assim, claro que os professores efetivos escolhem primeiro... Mas como o processo que a gente faz é com o Departamento então ele engloba uma série de disciplinas correspondentes [no ano passado foram cinco turmas com mais de trinta alunos - 20 horas você tem que estar preparado para qualquer uma delas já que você se submeteu a essa questão. Mas eu vejo que quem vem depois vão ter, claro, com certeza maior dificuldade (...). Nós não somos professores de uma disciplina, nós somos professores de um Departamento. Eu penso que é uma construção que tem muita coisa pra melhorar, mas se a gente perder essa perspectiva de que é possível então não tem porque a gente estar aqui ensinando se não pensa que pode cada vez melhorar. Não digo que é o ideal, mas tem avançado muito. Porque mesmo dentro do mestrado... a maioria dos professores são também os professores do Departamento ... E aí eu penso que pra você ser professor, você também tem que estar estudando, investigando... Mas eu vejo que a universidade privada ela tem mais condições materiais, melhor, tem uma estrutura, fazendo uma relação da minha experiência enquanto aluna da escola privada e da escola pública. E também a questão do apoio financeiro como aluno pra você apresentar trabalhos... Se cobra que você pesquise, que você publique, mas ao mesmo tempo você não encontra as condições favoráveis pra fazer isso... [sobre o movimento sindical dos docentes] É aquela questão de força mesmo. A gente precisa ter um grupo fortalecido. Então, eu penso que eu preciso estar mais atuante, que eu preciso estar mais engajada nos movimentos. É fundamental. É muito mais fácil você manobrar um do que o coletivo. É de suma importância. É nisso que eles nos enfraquecem enquanto categoria... eu não tenho esse olhar, não tenho um engajamento político nestas questões de sindicato, de movimento... Eu mesmo preciso ter mais consciência de grupo e tal. [sobre a cultura de mercado na educação] Eu vejo que nosso curso por ele ser gratuito então já é um diferencial. Nós temos programas de especialização ou só no mestrado, mas como pós-graduação que é distinto de alguns cursos. Ainda que você pense que o conhecimento ou tudo vai se tornando mercadoria, é passível de, mas ainda acho que dentro do nosso âmbito da educação, talvez não tanto quanto...

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Enquanto aluno (na pós) nós tivemos um movimento que era a questão da suficiência em língua estrangeira, não como um requisito mas como a condição do processo. Algumas instituições então colocam que o aluno já tem que ter uma proficiência numa língua estrangeira antes de se submeter ao processo de mestrado. No cuidado de não excluir mais dar condições para que as pessoas tenham acesso. Muito tempo que não se teve concurso público e acho que agora o movimento está voltando. E é necessário. Embora a gente seja professor substituto e, digamos, precise (dessas) que não se abra concurso pra ser um professor substituto, mas também precisamos que abra concurso pra que você se torne professor efetivo. Então, eu penso que seja importante o processo de seleção via concurso sim. Mas que é um movimento que mais recentemente tem se retomado no Ensino Superior. Mas vendo do inicio desse ano pra frente a gente já sente que não é tão freqüente quanto ou no ano passado ou no anterior. Não sei se essa mudança de (...), ainda que seja o mesmo partido na presidência, se tem alguma relação, mas senti que há um freamento digamos assim. É a precarização do trabalho! É como eu te falei a gente precisa do trabalho mas se fosse em outras condições (seria) melhor, como professor não substituto, mas efetivo. Pra isso precisa abrir concurso. È muito pouco tempo um contrato apenas. Não temos direito a nada praticamente a não ser ao salário mesmo. Vejo que é importante ter uma oportunidade de trabalho, ainda que seja temporário, mas melhor, o ideal seria como professor concursado e efetivo. Que se abra mais concursos! E, ao mesmo tempo, que haja a possibilidade de contratação de mestres. Porque algumas instituições isso é possível e em outras não Muito recentemente, abriu concurso para o nosso Depto, mas apenas para adjunto. Penso que a gente tem esse compromisso. Vindo de uma universidade pública a gente tem essa função social de devolver isso para o público. Porque nós não estudamos aqui, não nos formamos gratuitamente. (...) A gente tem essa contrapartida, esse dever. Fazer uma devolução mesmo do investimento que todos fazem para que estejamos aqui. Os professores não têm essa consciência e os alunos também não. Mesmo os alunos que vão se formando aqui... pelas instituições públicas. Formam-se os quadros e ao mesmo tempo não são absorvidos... Eu vejo que isso é generalizado... é uma possibilidade de mercado. Da forma que tem se oferecido... principalmente, esses cursos à distância que é algo que me preocupa muito enquanto professora, enquanto acadêmica. Assim, minha visão. Não sou totalmente contra, mas não pra formação inicial do professor. Vejo isso com muita preocupação. (...) Com todos os problemas que há nos cursos presenciais, mas vejo que

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à distância isso abre uma brecha muito maior. (...) A gente tem que fazer a diferença! Eu tive muita sorte de ter professores que fizeram a diferença. (...)

[Sobre a breve experiência como professora] Que foi bastante válida. Que a gente fica com essa sensação de que quero mais, que produzi, que me transformei ao mesmo tempo essa vontade de compartilhar, de poder contribuir de alguma forma, de aprender com os alunos, aprender com os professores, ampliar conhecimentos, trocar experiências. (...) Tentar transformar o mundo acho que a questão é essa da transformação das pessoas, da gente mesmo, não é só olhar para o outro, mas para si próprio... Pensar assim o que a gente pode. Embora nem sempre a gente encontra as condições favoráveis, mas que a gente não pode perder de vista os nossos ideais e para o quê que a gente veio. Se estamos na docência é essa a nossa função...

No terceiro e último item faremos uma ilustração da situação de

precarização e de intensificação do trabalho docente, agora, em uma instituição

de natureza comunitária – a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. A

nossa entrevista com a líder sindical do movimento docente apontou vários

elementos que retrocedem as relações de trabalho dos professores na

instituição como a maximização dos contratos de trabalho que intensificou a

carga e precarizou as condições em que se exercem as atividades acadêmicas.

4.3 Reestruturação e intensificação do trabalho docente na Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo: o ponto de vista sindical

No que diz respeito à natureza da instituição podemos afirmar que na prática mais se aproxima de uma instituição privada do que comunitária? Na realidade a PUC que é uma universidade comunitária e filantrópica ela teve até os anos 70 a menor mensalidade das universidades particulares do país. Porque na realidade (e não que concordamos com isso porque no nosso entendimento a verba pública é para a escola pública, laica, gratuita e universal) havia um repasse de recurso do governo federal para as universidades comunitárias. Quais seriam: as PUCs, a metodista, enfim, as chamadas filantrópicas. Isso significava que era possível manter um modelo de universidade com ensino, pesquisa e extensão de qualidade e ao mesmo tempo com

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baixas mensalidades. A partir dos anos 70 com a expansão do ensino público no país de um lado e também com a expansão do boom das escolas privadas, portanto mercantis, fruto já da linha do Banco Mundial, do Fundo Monetário, do imperialismo em relação à massificação e em detrimento à democratização, acesso e qualidade que foi a expansão das universidades privadas, isso significou também, por outro lado, uma retração do dinheiro, do recurso que era repassado para as universidades comunitárias. (...) Com esse processo todo nos anos 80 foi ampliando um endividamento da PUC e que a partir dos anos 80 passa a se comprometer com o financiamento com os grandes bancos. Num primeiro momento com 14 bancos, hoje com dois bancos que são, respectivamente, o Santander (antigo Real) e Bradesco. E esse endividamento, portanto, muito mais que um problema de gestão embora houvesse problema de gestão durante um período, na verdade ele é fruto de um comprometimento com o capital financeiro, com o capital bancário que passa a regular e orientar inclusive para onde vai a universidade, a autonomia, o projeto de universidade.

No terceiro e último item de nossa amostra sobre a intensificação e a

precarização do trabalho docente no Ensino Superior apresentaremos o ponto

de vista sindical dos professores da PUC-SP. Trata-se de uma instituição de

natureza comunitária, mas com fortes características das políticas de mercado

como podemos observar acima em um dos trechos de nossa entrevista, no dia

26 de maio de 2011, com a presidente da APROPUC – Associação dos

Professores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - Dra. Maria

Beatriz Abramides. Ela nos apresentou um panorama atual sobre os contratos

de trabalho dos docentes na instituição, as condições, a carga de trabalho e os

impactos da maximização na qualidade de ensino. Reproduzimos a seguir a

primeira parte de sua exposição à esse respeito:

A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo é uma universidade comunitária que foi fundada em 1946, portanto, nós já temos um largo tempo de existência. Importante dizer que a PUC-SP (até pra gente poder discutir a precarização do trabalho e consequentemente os seus rebatimentos na precarização do ensino) foi a primeira universidade no país a ter um conjunto de conquistas. A primeira delas foi de que foi a PUC-SP pioneira em estabelecer, em conquistar o contrato por tempo para o professor. O que é o contrato por tempo: se contrapondo a idéia da hora-aula o contrato por tempo é aquele que inclui no tempo do trabalho docente: o ensino, a pesquisa e a extensão. Seja esse tempo integral ou parcial (40, 30 ou 20 horas). Hoje, no acordo, conseguimos recuperar no mínimo dez

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horas (...) porque o professor não é só aquele que está em sala de aula, ele é um professor, ele é um docente, ele é um pesquisador, ele tem que colocar o seu trabalho docente, a sua pesquisa, o ensino e a extensão como fundamentais para o processo de formação profissional. Isso significa dizer que essa é uma resistência histórica. Nesses 35 anos a entidade têm sido uma entidade de luta, de resistência em relação a qualidade de ensino, em relação aos direitos do conjunto dos trabalhadores, funcionários, professores e estudantes nessa qualidade de ensino e a luta pela autonomia e democracia universitárias.... A PUC-SP foi a primeira universidade no Brasil a ter eleição direta para cargo de reitor que na ocasião foi eleita a professora Dra. Nadir Gouveia Kifouri do Serviço Social. Então também é uma referência do ponto de vista da autonomia e democracia universitárias. A APROPUC foi uma das fundadoras da antiga “ANDES”, hoje ANDES-SN. Isso significa dizer que então essa trajetória em defesa da qualidade do ensino não se inicia com essa ou aquela gestão da entidade, mas ela tem um traço de continuidade. Então eu costumo dizer que a crise da PUC é uma crise de modelo de universidade, um modelo de ensino, pesquisa e extensão que foi a construção e, de outro, uma crise financeira violenta cujo caminho adotado de uma forma mais pragmática, a partir de 2006, foi a intervenção da Fundação São Paulo que hoje é o órgão máximo de deliberação que é o Consad (que são dois secretários executivos da Fundação, dois padres e o reitor). (...) Em 2006, na gestão Maura Veras, portanto, entra a Fundação São Paulo (esta intervenção) e com uma demissão em massa de professores e funcionários. No momento fomos contrários, inclusive discutindo possibilidades de negociação da reposição das nossas perdas salariais, de que não houvesse uma diferencial salarial entre o topo da carreira e o auxiliar de ensino que a gente poderia pensar em formas de gradação num período inclusive de equacionamento à esse processo, mas eles adotaram a via das demissões. Então nós tivemos um grupo de quase mil pessoas entre professores e funcionários demitidos. Então essa foi a primeira medida violenta de destruição de um legado de construção de uma profissão, de conhecimento e de formação profissional de fato voltada aos interesses sociais, à função social da universidade e não à perspectiva do mercado.

Desde 2006 vem se introduzindo modificações nos contratos dos

professores tornando-os irregulares e intensificando o trabalho, ocasião em que

houve a demissão massiva de professores. Diante da situação é uma prioridade

para a APROPUC a unificação das tabelas salariais hoje divididas em três

tabelas: uma antiga, outra para os professores que se titularam a partir de 2006,

porém ficaram represados por um período e, uma terceira, para professores que

ingressaram depois de 2006 contratados por uma tabela então rebaixada. Essa

divisão implica que o mesmo trabalho docente receba diferentes remunerações.

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Dessa forma, os professores enfrentam e lutam pelo fim da maximização

que amplia o trabalho docente pelo mesmo salário e reduz outros contratos

prejudicando as atividades de ensino, pesquisa e extensão. Compõe a sua pauta

de luta o fim do represamento e dos contratos “quebrados”. Sobre esse quadro

da intensificação e precarização do trabalho docente na PUC-SP nos explica a

presidente sindical:

Em segundo lugar, com a anuência do próprio Conselho Universitário aplicaram a maximização. O que é o projeto da maximização? Eles diziam que era um projeto por um ano do qual nós também nos opusemos e esse processo de maximização permanece desde 2006 e a última medida agora é a maximização da maximização. Hoje, nós temos uma forma contratual de trabalho chamada 65/78 (uma resolução de número 65 em 1978) que regula o trabalho docente onde tem uma tabela ( ..) para quarenta horas que seria o tempo integral do professor na universidade nós teríamos 40 horas para 16 créditos. Com a maximização hoje nós temos 40 horas para 18 créditos. Isso significa que o professor pelo mesmo salário vai ter um acréscimo no seu trabalho, ou seja, aí é um processo de intensificação da exploração do próprio trabalho. Esse é um aspecto. Na realidade nós voltamos à situação em que hoje, até porque as nossas grades curriculares, os projetos curriculares eles foram montados de acordo com o projeto pedagógico dos cursos, da área de conhecimento e concentração e ao mesmo tempo com esse tripé do ensino, pesquisa e extensão. Portanto, o número de créditos organizados e que corresponde às diretrizes curriculares de cada curso, número de horas, etc. ele foi baseado nesse projeto pedagógico, portanto, as disciplinas com quatro, três e dois créditos. Com a maximização o que vai ocorrer? Uma situação que nem sempre você consegue ter 18 créditos, além de ser a precarização, de 18 passa para 20. É como se tivesse mais dois créditos a mais. Isso significa que hoje nós temos professores que, por exemplo, (...) tem que dar oito turmas, seis programas diferentes em vários campos diferenciados. Então, temos uma professora nossa mesma aqui da diretoria da APROPUC que é da área da Educação que dá aula nas Ciências Exatas, Ciências Humanas, nas Biológicas, ou seja, vai para Sorocaba, dá aula na Marquês, dá aula em Santana, dá aula em Barueri, dá aula aqui no Campus Monte Alegre, de lá pra cá e de cá pra lá, com várias turmas de vários cursos, com composição social diferente, com formação diferenciada, mesmo sendo o mesmo conteúdo mas com adaptações diferenciadas. Isso chama-se super exploração, maximização e precarização do trabalho. O outro aspecto é que na realidade eles instituíram, e aí há uma ilegalidade, uma tabela diferenciada para os novos ingressantes

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a partir de 2006. Ou seja, hoje nós temos três tabelas vigorando, uma que eles chamam de tabela de extinção que seriam dos professores que estão aqui há 25, 30 anos e foi conquista em relação à reposição das perdas, etc, nas grandes campanhas salariais, nas grandes greves e mobilizações chegamos no final dos anos 80 com greve de três meses de mobilização pra recuperação, salários na época atrasados,(...) Então, esta tabela que eles chamam de extinção uma tabela nova onde o mesmo professor, ao invés de salário igual para trabalho igual, recebe 1/3 do que ele o professor pra dar a mesma disciplina. Isso tem significado de um lado, uma ilegalidade, uma injustiça, uma precarização do trabalho e uma rotatividade desse professor (...) tem uma universidade pública que faz um concurso ele vai para uma pública, o que se assemelha muito ao sistema das universidades privadas. Num outro aspecto, em relação à questão do contrato de trabalho eles, que é uma outra irregularidade, professores que se titularam a partir de 2006 tiveram em função da retração e de responder à crise, e a resposta da crise recaiu sobre o sangue dos trabalhadores dessa universidade, eles represaram as carreiras. Isso significa dizer, por exemplo, eu me doutorei em 2006, somente em 2010 eu passo a receber como doutora e assim todos os outros. Ou seja, quatro anos... Como se não bastasse, e aí é outra irregularidade fruto do assédio moral que você é obrigado a assinar um termo de compromisso, você migra pra tabela nova. Então, embora eu tenha 30 anos de PUC eu estou na tabela dos recém-contratados. O que significa dizer que um doutor (eu vou falar doutor porque é a minha carreira) eu recebo na mesma carreira R$1.200 reais a menos do que outro doutor que está na universidade. Então isso chama-se precarização do trabalho, chama-se na realidade destruição, superexploração da força de trabalho. (...)

Em Carta Aberta ao Conselho Universitário (CONSUN) aprovada na

Assembléia Geral do dia 24 de novembro de 2010, os professores recusaram a

proposta de alteração contratual apresentada pela Comissão de Revisão do

Contrato Docente, visto que retrocedia conquistas históricas precarizando ainda

mais o trabalho docente na instituição. Assim, os professores defenderam o fim

imediato da maximização e a não introdução da hora-aula de forma a respeitar

as diretrizes de ensino, da pesquisa e da extensão e de forma a garantir o

exercício da atividade docente em condições dignas. Segue abaixo fragmentos

da Carta a que nos referimos apresentando o posicionamento político da

categoria diante dos riscos da precarização e da intensificação do trabalho na

instituição:

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(...) entendemos que a proposta é danosa aos interesses dos professores, uma vez que, ao invés de solucionar o problema surgido com a maximização da deliberação 65/78, aprofunda os prejuízos que os docentes, desde 2006, vêm sofrendo com a redução de contratos para muitos e a ampliação da carga de trabalho para a maioria. (...) a proposta da Comissão defende a sistemática da hora-aula. Os professores são frontalmente contra este retrocesso, pois entendem que ele abre caminho para o fim do contrato por tempo, desconfigurando assim o sentido da docência. Por fim, entendemos que a proposta dá continuidade a um modelo de precarização do trabalho e do ensino, instaurado em nossa universidade, a exemplo de tantas outras unidades de ensino privadas que têm no lucro a sua principal justificativa de existência.

Ainda sobre o contrato docente ressaltamos a argumentação de um

professor durante entrevista concedida ao Sindicato Dr. Edson Passetti da

Faculdade de Ciências Sociais e representante sindical no Consun:

(...) imagino que a Fundação tenha base para dizer quanto ela economizou com a maximização, quanto do nosso trabalho foi fundamental para que a universidade permanecesse em pé e respeitável e, por isso, acredito que o final da maximização deve ser o investimento numa universidade de ponta, de pesquisa, de formação de professores. (...) Que não seja nos moldes de estratificação de salário para desempenho das mesmas funções, pois isto é muito humilhante para o professor novo. Um professor que entra jovem na universidade deve entrar com todo o carinho que podemos lhe dar, e não dá para começar a sua carreira ganhando metade do que ganha outro professor para desempenhar as mesmas funções, porque os jovens têm que produzir hoje muito mais do que produziu a minha geração.

Entretanto, contrariando os apelos, a decisão do CONSAD determinou

um aumento do trabalho docente na PUC-SP pois o professor tem que trabalhar

mais horas para receber o mesmo salário que recebeu em 2010. No limite, essa

decisão pode causar a demissão de professores que tiverem que ceder suas

aulas para a composição de contratos de outros professores conforme avaliou o

Sindicato. Afirma sua diretoria no Jornal Semanal de 20 de dezembro de 2010:

“Mais uma vez a instituição prefere resolver seus problemas financeiros

atacando as condições de trabalho e sobrevivência de seus trabalhadores que

durante toda a história da PUC-SP fizeram com que ela conquistasse a

respeitabilidade que hoje possui.” Nessa condução político-administrativa

podemos visualizar muito bem a política de reestruturação no âmbito da

178

universidade, da gesta do custo-benefício que permite, por exemplo, a existência

e proliferação da figura do trabalhador polivalente que opera no conjunto das

atividades e serviços desenvolvidos e necessários para a instituição, conforme

nos relata a presidente sindical:

Bom, outro aspecto é de que eles reduziram barbaramente os trabalhadores da área administrativa. Então, hoje além do seu trabalho intelectual, de preparação de aula, de pesquisa, etc, você faz toda a parte administrativa, desde pegar um computador, de pegar um lap-top, de pegar, de ir no áudio visual, enfim. Enfim você se parece um maluco, saindo pra cima e pra baixo, descendo rampa, subindo rampa... . Claro é o trabalho polivalente. Veja na realidade as medidas são as mesmas medidas da reestruturação produtiva e do processo de acumulação flexível que é o quê? Trabalho igual pra salário desigual, precarização do trabalho, maximização das horas de trabalho, do ritmo de trabalho, então você tem aí mais-valia relativa e absoluta, ou seja, o trabalho como mercadoria, embora a PUC não tenha a questão mercantil (...), na realidade você sofre a mesma destruição da precarização do trabalho nesse momento da acumulação flexível... A natureza dela não é esta! Então, como é que a PUC vai aplicar o modelo mercantil quando na realidade as grandes empresas mercantis hoje não são mais os donos de uma escola pequena, são os grandes oligopólios, as grandes multinacionais, as internacionais... Inclusive com a contra-reforma do Ensino Superior que possibilita que o capital externo entre e enfim invista na educação em detrimento dessa educação laica e de qualidade. (...)

Um trabalho é mais intenso quando, sob condições técnicas e de tempo

constantes, os trabalhadores liberam mais energia vital, física e intelectual para

alcançar resultados mais elevados. O que distingue o trabalho mais intenso do

mais produtivo é o acréscimo de energias adicionais do trabalhador e não o

avanço técnico-científico. Um maior envolvimento ou desgaste do trabalhador

nos níveis físicos, psíquicos e/ou emocionais já constituem por si só a

intensificação do trabalho. Quando o avanço dos resultados decorre tão

somente dos meios materiais e tecnológicos então isso indica um aumento de

produtividade. Gestão por resultados e polivalência constitui um produto das

escolas modernas de gestão do trabalho e que também penetram com força o

terreno das empresas e atividades do Estado. Entre estes setores estatais

destacamos a educação e nela o ensino superior como lócus privilegiado de

nossa atenção investigativa.

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Os professores da Faculdade de Educação da PUC-SP, por exemplo,

tiveram uma redução de 10 horas contratuais e o Curso de Psicologia iniciou o

ano de 2011 com o fechamento de 14 turmas. De forma a conhecer mais a fundo

as atuais mudanças Comissões Temáticas foram tiradas na Assembléia dos

professores do dia 15 de fevereiro do ano corrente. Entre elas uma para discutir

o contrato de trabalho docente. Assim, o primeiro encontro dessas Comissões

Temáticas definiu pela realização de um mapeamento das condições de

precarização do trabalho docente como: professores que tiveram que se

submeter à ampliação do número de turmas, fechamento de disciplinas e turmas,

redução de horas no contrato de trabalho. Cenário que esboça “uma

universidade mercantilizada, onde as condições de trabalho e de ensino contam

cada vez menos diante do financeiro” como afirma a direção sindical em seu

Jornal Semanal do dia 26 de fevereiro de 2011.

No dia 12 de março de 2011 o sindicato publicou em seu boletim os

primeiros resultados das Comissões Temáticas. Optamos por centrar em alguns

pontos destacados ainda que todo o conteúdo seja importante para explicar

nosso objeto de estudo. Primeiramente que a precarização vem gradativamente

destruindo o corpo docente da PUC, pois em 2006 forçou a demissão de parte de

seus professores (altamente qualificados) e contratou novos professores com

salários inferiores. Já em 2005 a instituição maximizou o trabalho dos auxiliares

de ensino, mestres e doutores, além do que impediu a promoção na carreira de

docentes que se titularam. Atualmente, a universidade amplia a política de

maximização para todos os níveis incluindo associados e titulares e vem

exercendo uma pressão para extinção de alguns cursos (renomados) de forma a

priorizar a otimização dos custos financeiros.

Também nos interessa destacar que com as políticas de maximização do

trabalho docente os professores se obrigaram a ministrar disciplinas diferentes,

fora de sua área de especialização, o que diminui bastante a qualidade dos

cursos. Os professores também trabalham com o número excessivo de alunos

dificultando o preparo das aulas e as avaliações sendo que os mais jovens não

dispõem de tempo para titulação que precisam. Afirma a Comissão que a

maximização e as 17 semanas elevaram em mais de 30% a carga de trabalho

semestral em relação às regras tradicionais.

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A partir do levantamento realizado pela Comissão de Contrato de

Trabalho foi possível identificar o processo de intensificação do trabalho docente

na instituição a partir do tempo gasto pelos docentes para cumprir as tarefas

exigidas de um docente de tempo integral (TI): o que deveria ser 40 horas

semanais de dedicação pelas tarefas que lhe são atribuídas acaba por somar 44

horas de trabalho. Frente à intensificação do trabalho o professor dificilmente

tem tempo para a pesquisa, para extensão ou orientação científica, muito menos

para escrever artigos ou participar de seminários, congressos ou encontros

acadêmicos e de pesquisa. Para a professora Marijane Lisboa do Depto. De

Sociologia isto representa a dilapidação de um patrimônio cultural, conforme

entrevista concedida ao sindicato no dia 15 de abril de 2011:

Do ponto de vista da PUC-SP, creio que ela está dilapidando o seu patrimônio cultural que foi construído nestes 60 anos. Gradativamente seu nível de qualidade irá caindo e quando isto se tornar evidente nas avaliações externas, menos alunos concorrerão à PUC-SP, e com isso a sua crise se agravará, já que ela não é barata. Eu não sei em quanto tempo os nossos professores garantirão a qualidade do ensino, porque eles estão cansados, dão muitas aulas e não têm tempo de estudar. Outro problema é o da renovação do corpo docente. Como temos estes salários extremamente aviltantes para os professores que entram na universidade, eles não ficam. Os professores jovens entram, passam um ano ou dois, que é suficiente para eles passarem em outro concurso, em outra universidade pública ou particular que pague melhor e eles vão embora. (...) Assim, quando o patrimônio cultural da PUC-SP for dilapidado inteiramente ele não se reconstruirá rapidamente e isto, do ponto de vista econômico, é uma grande ignorância... fazer economia em cima do salário do professor, rebaixando a qualidade de ensino.

Também do Departamento de Sociologia recortamos um trecho da

entrevista com a professora Matilde Melo realizada no dia 08 de abril de 2011 e

da entrevista com o professor Rubens Sawaya do Departamento de Economia

no dia 20 de abril de 2011, ambos, respectivamente, para testemunhar a

situação de precarização do trabalho docente de professores que para manter a

qualidade de ensino são obrigados a reduzir seus contratos de trabalho ou

deixarem de ser especialistas em suas áreas de estudo e pesquisa:

181

Eu tive que recusar outras orientações por falta de tempo, o que sem dúvida prejudicou os alunos, porque são vários professores que chegam ao limite e não podem absorver mais alunos. Se eu fizer as contas, com um contrato de 35 horas, eu trabalho para a PUC-SP semanalmente 40 a 45 horas. (...) Acho que temos que parar e rever a questão do contrato, que vem sendo pedida há muito tempo. Por exemplo, orientação de alunos de graduação não ser remunerada é um absurdo. Você contar crédito por número de aulas e não considerar a diversidade de cursos que são ministrados faz com que o professor deixe de ser um especialista e passe a ser um generalista e isto aumenta a precarização da sua condição de trabalho. Na Economia, em geral, as turmas têm 50 alunos, isto significa que, com a maximização atingimos uma média de 250 alunos pois temos de dar uma turma e uma disciplina a mais. (...) E os alunos perceberam a mudança dos padrões de qualidade e têm reclamado através de seus Centros Acadêmicos. Os professores estão extremamente cansados, eles entram em sala de aula para falar de temas diferentes com excessivas horas de trabalho. Isto é extremamente desgastante.

Frente ao cenário caótico que fora esboçado também ressaltamos a

importância da contradição: no dia 17 de março professores e estudantes

debateram “Deliberação 01/2011: Como ficamos e para onde vamos?”

organizado pela APROPUC, Centros Acadêmicos e o conjunto do movimento

estudantil. Desse evento resultou um Comitê Unificado (professores, estudantes

e funcionários) para aprofundar as discussões e articular a mobilização da

comunidade universitária.

Na perspectiva da gestão por resultados a queixa dos docentes está na

cobrança por qualificação e formação contínua sem, no entanto, ter condições

para tal realização. Controle, repressão e a chamada da responsabilidade por

pontualidade e cumprimento dos deveres são características dessa visão

produtivista da educação conforme bem observa Dal Rosso em sua pesquisa

sobre a intensificação do trabalho no Distrito Federal:

(...) os professores são pagos em sua quase totalidade por produção, a saber, à base de horas lecionadas. Como tal especificidade do pagamento do docente por horas-aula não é própria do Distrito Federal, a questão das longas jornadas é um problema para os docentes do Brasil inteiro. (Dal Rosso, 2008, p.178)

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De outro lado, a própria infraestrutura da universidade está cada vez mais deplorável, do ponto de vista das salas, enfim, laboratórios, você não tem computadores, você não tem uma sala de trabalho, então se você for ver em termos de quanto você gasta indiretamente (...). Diferentemente da universidade pública (com toda a precarização que há), mas você vai lá você tem as salas, tem o computador dos professores, tem os núcleos de pesquisa, etc. Aqui você faz o trabalho na sua casa (...). Como se isso não bastasse, no caso da PUC, nós estamos com o 766 que é a reposição de perda salarial que eles não nos pagam desde 2005. Isto está ilegal. Fomos obrigados a entrar na justiça como último recurso. Eles até aceitaram negociar o que eles nos devem mediante os atrasos, mas a reposição não. Nós dissemos que não porque a ausência da reposição da 766/2005 significa arrocho salarial. Significa passar por cima inclusive daquilo que trabalhisticamente é legal - acordo coletivo entre o patronato e os trabalhadores, o Sindicato dos Professores, daquilo que foi inflação (...) Qual a medida que eles adotam? Eles tentam quebrar a espinha dorsal da organização dos trabalhadores, mas uma vez com assédio moral, no sentido de abrirem acordos individuais. Ou seja, sem o 766 mas pagando 60% do que é devido. Acabamos de ganhar na justiça e obviamente eles entraram com recurso (...) é parte deste caráter destrutivo. Paralelamente, outra precarização, que também é irregularidade, é que na universidade você tem a figura do Professor Substituto – como o nome está dizendo que é um professor que vem substituir aquele que foi para um pós-doc, que foi para um cargo público, (...) A partir do momento que o professor volta (...) esse professor enfim, como substituto ele não é da carreira. O que tem ocorrido? Muitos professores que entraram como substitutos aquele professor já se aposentou, já morreu, já saiu da universidade e eles não abrem novas vagas, então ele fica como substituto não podendo ter ascensão à carreira. Então, nós temos aqui dois diretores da APROPUC um com doze anos, outro com 16 anos de universidade ainda como professores substitutos. Isso chama-se precarização das relações de trabalho. Há outro elemento ainda importantíssimo. Você entra. É uma doutora. Mas você entra como auxiliar de ensino e recebe como auxiliar de ensino, não recebe como doutora. Só passará a receber como doutora a partir do momento em que abrir o desrepresamento de carreiras que demora em média quatro à seis anos. Então, isso significa também que nós temos doutores, pós-doutores dando aula na graduação, na pós-graduação que ficam por um tempo, da maior qualidade, e vão se embora. (...) Tudo isso gera a rotatividade e implica na qualidade de ensino. Porque diferentemente, num período anterior onde você tinha professores como é o nosso caso que estamos a 20, 30 anos na universidade, consumimos a pesquisa, o ensino, a produção acadêmica, a monitoria, a iniciação científica, etc., hoje você tem

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uma rotatividade, uma precarização, uma atomização, além de que hoje até o semestre passado com as tais 5 horas, essas cinco horas significavam a hora-aula menor que a hora-aula na universidade privada (...) Com a tabela que eles fizeram eles passam por cima, embora eles digam que vão respeitar o acordo interno feito entre a Fundação, a Reitoria e a APROPUC que é no mínimo dez horas, “porém nos casos de exceção adotaremos cinco horas”. (...) Então é esse o quadro que está colocado. Afora isso, eu chamaria de precarização do ensino e da formação (e isso integra a PUC) as medidas gerais que hoje atacam o ensino brasileiro, por exemplo, o ensino à distância. O ensino a distância é a distorção do ensino, é a massificação, é o acordo da OMC - Organização Mundial do Comércio. (...) O que entra nesse modelo de mercado: o ensino à distância, 20% de ensino a distância na graduação. Nós, no caso (eu não vou falar como APROPUC vou falar como Serviço Social porque sou Assistente Social e professora do Curso de Serviço Social) temos resistido, mas há cursos que livre, leve e solto aplicam os 20%.na graduação. (...) Nesse sentido, ainda vou fazer a vinculação com a categoria profissional a ABEPSS – Associação de Ensino e Pesquisa em Serviço Social e o CFESS que é o Conselho Federal de Serviço Social que vem resistindo. E de que maneira vimos resistindo? Dissemos não ao ensino à distância, não ao mestrado profissionalizante, fomos contrários neste processo as chamadas inovações tecnológicas que longe de serem inovações que de fato veio ampliar a qualificação e o conhecimento ela estão voltadas para um aligeiramento e para uma concepção racionalista, a chamada razão instrumental. (...)

Frente ao cenário lamentável que vem se expandindo com à Educação à

Distância no Brasil é importante ressaltar uma iniciativa bastante positiva no

âmbito do Serviço Social para enfrentar a incompatibilidade dessa política com

os Cursos de Graduação. A partir dos debates e reflexões as entidades

nacionais no campo de Serviço Social (CFESS, CRESS, ABEPSS e ENESSO

construíram um Plano de Lutas em Defesa do Trabalho e da Formação e Contra

a Precarização do Ensino Superior. A iniciativa teve origem em setembro de

2008 no 37º Encontro Nacional CFESS-CRESS e seus estudos finalizados em

abril de 2009. Na ocasião, as entidades definiram por coletar o máximo de

informações sobre a precarização do ensino, especialmente no que diz respeito

ao Ensino à Distância (EaD) no Serviço Social. Hoje esse processo culmina com

uma Campanha Nacional em Defesa da Formação com Qualidade - Educação

não é fast-food: diga não para a graduação à distância no Serviço Social. Entre

outras questões foram produzidos 14 documentos retratando a precária situação

de oferta de graduação à distância nas cinco regiões do Brasil.

184

A política de Educação à Distância não foi diretamente nosso foco de

estudo, mas indubitavelmente complementou nossas argumentações

considerando que nesse âmbito prevalece o trabalho docente precário pago por

contratos precários. Ao lado do EaD, reconhece o levantamento do a que nos

referimos, o aumento dos cursos privados geralmente de baixa qualidade em

função das condições de trabalho: contrato horista, sem a pesquisa e a extensão,

enorme quantidade de alunos por turma, estágios sem a supervisão acadêmica

e de campo necessárias para a formação profissional de qualidade.

Um outro processo que é parte da precarização foi a lógica racional e instrumental utilizada na PUC que em nome de uma reorganização, digamos assim, dos Cursos, das Áreas de Concentração, na realidade foi uma junção de cursos chamado “Redesenho Institucional”. Antidemocrático, que a comunidade não discutiu, culminando inclusive (acho que é importante colocar) não só com a quebra da autonomia, mas também da democracia. Num momento em que os estudantes se manifestaram, se organizaram, ocuparam a Reitoria na gestão passada, na gestão Maura Veras, houve não só uma repressão, mas houve a polícia, aquilo que ocorreu em 77 na Ditadura Militar, quer dizer, uma universidade democrática, uma universidade que sempre lutou pela autonomia e democracia. Outro elemento importante que interfere é você ter hoje uma Comissão de Pesquisa na universidade onde tem a predominância dos cúrias, dos padres, quando a ética na universidade, uma Comissão de Ética ela é parte do conhecimento, da pesquisa, não como uma abstração, mas do que se produz para quem se produz conhecimento e para onde se volta esse conhecimento.

Diante do panorama traçado pela presidente sindical perguntamos: Quais

são as maiores dificuldades e desafios para o movimento sindical nessa

conjuntura, considerando a fragmentação e precarização do trabalho docente na

PUC e no conjunto das Instituições de Ensino Superior, incluindo as públicas?

Com a relação à resistência, nós (APROPUC e ANDES-SN região de São Paulo) estamos discutindo a precarização do trabalho com rebatimento na precarização do ensino, na formação profissional não só nas públicas, mas nas universidades particulares. Uma perspectiva de unificação de luta destes trabalhadores também na luta em defesa do ensino público. (...) Claro que há problemas em que direção, por exemplo, o Andes quando era a Associação Nacional dos Docentes ela aglutinava todas as associações hoje como Sindicato ele tem as Seções Sindicais, porém a base das universidades privadas quem negocia o contrato sempre foi o

185

Sinpro - Sindicato dos Professores. Então essa é uma luta! Porque de um lado, nós temos uma negociação política com o Andes-SN, mas do ponto de vista, na hora da negociação de contrato de trabalho é o Sinpro. A não ser que a gente tivesse energia, fôlego, força e novos militantes que a gente não consegue ter, porque os jovens militantes ou vão para as públicas ou mediante a redução de número de alunos na universidade por seu caráter, mercantil, elitista e cada vez mais caro, nós estamos tendo uma redução do número de alunos. Então, nós não estamos conseguindo renovar quadros. Parte do professorado de fato capitulou, parte se acomodou, parte saiu e a juventude, os jovens doutores que entram se inserem, ficam pouco tempo e depois vão pra universidade pública, com toda a razão. Então, esse é o caminho da resistência. Qual que é o caminho? Pra nós é o caminho coletivo, é o caminho de resistência, muitas vezes de unificação das lutas, muitas vezes essa resistência ela é o da denúncia porque não tem uma base organizada que responda. (...) Mas veja, se vc pensar a média da sindicalização do país (...) nós temos 50% de sindicalizados que significa dentro da média e poucos se desfiliam, vc não tem uma desfiliação em massa, se desfiliam aqueles que são contrários a essa linha política que são coniventes a tudo que está aí, mas ao mesmo tempo não há uma resposta. Porque que não há uma participação ativa? Bom só isso já seria uma entrevista...

186

CONSIDERAÇÕES FINAIS

PERSPECTIVA DO TRABALHO E DA EDUCAÇÃO PARA ALÉM DO

CAPITAL

Considerando as possibilidades de superação do capitalismo como modo

de produção, buscaremos refletir alguns dos desafios do trabalho e da educação

como possibilidades mediadoras para uma sociedade objetivada para além dos

limites do capital. Neste sentido, citaremos inicialmente Teixeira que (inspirada

em Paulo Freire) reflete com uma bela narrativa a necessidade histórica de

nossas escolhas sócio-culturais, de nossa opção em torno de uma perspectiva

societária distinta que envolva o sentido e o horizonte do devir intelectual, da

prática docente, no sentido da emancipação humana:

o exercício da docência envolve escolhas de projetos de homem e de sociedade, reafirmando a sua natureza política. Ademais, tais processos são dinâmicas de constituições identitárias, são processos de identificação. Tratam-se de movimentos de subjetivação que poderão ir em uma direção ou outra, dependendo de seus conteúdos e formas. Na relação que instaura a docência estão postas questões pertinentes às identidades sociais, à possibilidade de se construírem experiências e subjetividades democráticas, como muito desejamos. Trata-se, assim, de uma relação com forte compromisso e envolvimento com os destinos e enredos humanos, individuais e coletivos. E, por tudo isso, com a amorosidade , no sentido do gosto, do compromisso, da afeição pelas questões dos homens e mulheres de cada tempo, de cada lugar. Nesse sentido, a amorosidade e o político se encontram nos tempos, espaços e processos de docência, como Paulo Freire nos ensinou. Ou, ainda nos termos de Freire, há, nos processos de formação humana implicados no exercício da docência, acabamentos e inacabamentos éticos e estéticos, da ordem da boniteza, na expressão do autor. (...) A relação docente/discente poderá favorecer ou desfavorecer, impedir ou realizar experiências emancipatórias e humanizadoras, ou o seu inverso nos (in)acabamentos éticos e estéticos nela implicados. (Teixeira, 2007, p.432-433)

Seria o trabalho e a educação instrumentos para a emancipação social?

O trabalho e a educação são passíveis de ensejar um conteúdo revolucionário

nas massas de que deles sobrevivem? Para refletir as questões que

187

evidenciamos partiremos da crítica de Tumolo (2005) sobre o trabalho como

princípio educativo, concepção adotada por muitos autores marxistas. Segundo

ele, na medida em que o trabalho alienado se constitui pela degradação do ser

humano, pela destruição de suas capacidades criadoras, pela sua negação e

reificação atendendo às necessidades da propriedade privada a concepção de

trabalho como princípio educativo para emancipação social, como interpretam

algumas vertentes dentro do marxismo, não seria materializável reconhecida a

lógica, a dinâmica e os limites desta ordem. Como o processo de alienação e de

fetiche do capital caminha na contramão das possibilidades históricas de

liberdade humana não haveria condições de desenvolvimento das

potencialidades do homem na direção da sua liberdade e do usufruto do seu

trabalho. No capitalismo o homem vive preso pelas condições de sua

reprodução enquanto tal: força de trabalho geradora de mais valor para a

existência e continuidade do sistema.

As idéias de liberdade política e social disseminadas pela burguesia no

século XIX e revigoradas nos quadros de um capitalismo contemporâneo são

determinadas pela sua necessidade econômica e liberdade política segundo as

condições da propriedade privada. Esta objetivação da vida social justifica a sua

mercantilização, obviamente, sem nenhum problema de ordem ética e moral

para as políticas de orientação burguesa. Com efeito, para Tumolo (2005), a

questão central na discussão sobre o trabalho como princípio educativo é a

distinção entre trabalho em geral (ou trabalho na forma social genérica) e o

trabalho assalariado próprio da forma capitalista de produção.

Num primeiro exercício analítico percebe-se que o trabalho concreto (valor de uso) está subsumido pelo trabalho abstrato (valor), em razão de que o capitalismo é uma sociedade essencialmente mercantil, cujo objetivo não é a produção de valores de uso para a satisfação das necessidades humanas, do estômago à fantasia. Mais do que isto, trata-se de uma relação na qual a afirmação do trabalho abstrato é a negação do trabalho concreto e vice-versa. O desenvolvimento da força produtiva do trabalho, que é uma tendência inelutável do capital, agudiza tal contradição. (Tumolo, 2005, p.4-5)

188

Na ordem do sistema capitalista poderia ser o trabalho considerado como

uma estratégia revolucionária e emancipadora desta mesma ordem? Num

modelo de sociedade centrado na não propriedade privada dos meios de

produção caberia o trabalho como um meio de emancipação uma vez que sua

existência seria única e exclusiva para produção de valores de uso e não

viveríamos para isso, mas com isso teríamos condições de melhor viver? Essas

são questões que, resumidamente, reproduzimos do autor para exemplificar a

complexidade teórica que circunscreve o debate sobre o trabalho como princípio

educativo.A priori, independente de qualquer forma social historicamente

determinada o processo de trabalho implica na produção de valores de uso. Do

trabalho abstrato ao trabalho concreto surge a ação mediadora da relação

ontológica homem e natureza.

As atuais transformações no mundo do trabalho sob a denominação de

reestruturação produtiva e suas implicações mais perversas como: o

desemprego estrutural e o subemprego, a terceirização, o mercado informal de

trabalho, a flexibilização, a precarização das relações de trabalho, arrocho

salarial, trabalho infantil, trabalho escravo, o aumento da jornada de trabalho, etc,

expressam a atualidade das contradições do capital na sua lógica destrutiva do

trabalho e de sua reprodução como sistema.

Neste cenário, a função da escola e da educação sob o ponto de vista do

capital é de oferecer condições para a sua reprodução como um meio de

subsistência do trabalhador para garantir sua força de trabalho geradora de valor

e de mais-valor. Contudo, a intensificação de sua força de trabalho e a sua

qualificação para a produção constitui entre outros elementos condições de

diminuir o seu valor ao contrário do que parece.

Do ponto de vista do capital há, segundo Frigotto (2006) a elaboração de

duas estratégias centrais combinadas para recompor os lucros e o domínio do

capital no contexto de sua crise estrutural. De um lado o domínio

técnico-científico sobre o processo produtivo, como capital morto, produzindo

uma grande massa de trabalhadores descartáveis, desempregados, ao lado de

189

um grande contingente de trabalhadores que sofrem com mais intensidade os

efeitos da exploração do trabalho sob formas precarizadas. De outro lado o

consenso dos centros hegemônicos do capital, “Consenso de Washington”, em

torno de ajustes impostos aos países periféricos sob o modelo de reformas de

abertura das economias nacionais e de desregulamentação dos direitos sociais.

Privatizações e cultura de mercado na educação e na saúde pública ganham

maior visibilidade.

Nesta concepção, o significado da educação é determinado pela

produção das qualificações necessárias ao funcionamento do sistema capitalista

e pela formação de quadros e métodos que garantam o controle político

dominante. A totalidade destas relações é a de produção e de reprodução do

poder econômico e político de uma classe que, hegemonicamente, garante uma

direção à natureza do trabalho e da educação na sociedade capitalista.

É nos países periféricos, sobretudo, que a ideologia neoliberal vai ter um efeito letal tanto na afirmação do senso comum que o rumo que assumiu o processo de globalização e as reformas a ele associadas é irreversível e, portanto, não há alternativa, quanto na construção de reformas educativas cujo escopo é de reproduzir um conjunto de noções alienadoras e despolitizadoras e de reduzir a função da escola ao alívio à pobreza como estratégia do controle social. (Frigotto apud Alves, 2006, p.13)

A natureza e a função da educação e do trabalho na forma determinada

pelo capitalismo, conforme Tumolo (2005), não permite afirmar que é possível

reverter a lógica de sua reprodução concebendo-os como princípio educativo.

Não é possível considerá-los como estratégia de superação desta ordem haja

vista seus pressupostos, suas funções, suas condições e os seus limites dentro

do modo capitalista de produção. Assim, a conclusão de Tumolo sobre o trabalho

como principio educativo é negativa para a forma social capitalista. Não porque

anula a forma genérica de sua existência e necessidade histórica, mas porque

compreende que a partir desta e de sua valorização como mercadoria para o

capital, o trabalho se transforma em degeneração da liberdade humana. A

190

reificação do sujeito, a aniquilação das potencialidades criadoras e

emancipadoras do gênero humano nada poderão conter de educativo, pois: “na

forma social do capital, a dimensão de positividade do trabalho se constitui pela

dimensão de sua negatividade, o seu estatuto de ser criador da vida humana se

constrói por meio de sua condição de ser produtor da morte humana.” (Tumolo,

2005, p. 21).

Considerando a análise de Tumolo nosso ponto de vista sobre as

questões que inicialmente apresentamos tem um horizonte afirmativo e não

menos concreto. Isso porque embora as forças destruidoras que o capital produz

e reproduz tenham maior amplitude, profundidade e complexidade no atual

estágio de seu desenvolvimento, concebemos dialética e radicalmente o

conteúdo revolucionário que preenche as formas metamoforseadas do trabalho

na forma social capitalista. Com efeito, vislumbramos seu papel histórico para

além da reprodução do capita. Entendemos que na relação dialética com o

trabalho a educação pode e deve potencializar o campo ideo-político, filosófico e

cultural de forma a desvendar o caráter alienador do mercado. Deve travar na

batalha das idéias o contra-discurso e produzir o consenso em torno de

estratégias no campo das forças sociais do trabalho em defesa de uma

sociedade fundada na liberdade e emancipação humana.

Diante das dificuldades históricas postas pela ordem do capital no atual

estágio de seu desenvolvimento sabemos que não é tarefa fácil a tomada de

consciência e a organização dos trabalhadores para definição de estratégias

políticas. Contudo, não são impossíveis a concretização das necessidades que

ora apontamos em virtude da dimensão revolucionária da práxis, a sua própria

contradição como expressão dos antagonismos entre capital e trabalho. Ou, de

acordo com Frigotto (apud Alves, 2006, p.10):

A postura determinista e fragmentária da realidade social, que define o pensamento que fornece as bases teóricas e/ou ideológicas do modo de produção capitalista, contrapõe-se uma visão de totalidade histórica da realidade. Vale dizer, tanto as práticas e concepções no âmbito econômico, quanto no âmbito educacional são produtos de determinadas relações sociais. Determinados seres humanos, em determinado tempo e espaço,

191

são os artifícies desta prática e relações. Por isso, não são eternas já que outros seres humanos, em determinado tempo e espaço, podem convercer-se da necessidade de mudá-las radicalmente porque tais relações e práticas atentam contra a vida e os direitos elementares da maioria.

A busca das determinações originárias da desigualdade social é o que

caracteriza a dimensão revolucionária da práxis: evidenciar a natureza destrutiva

das relações econômicas sob domínio do capital globalizado e as contradições

do mundo material são condições indispensáveis do pensamento e da prática

social no sentido de potencializar a capacidade de ação coletiva através do

conhecimento crítico e vivido – uma ação politizada e politizadora. Trata-se da

filosofia para a liberdade humana. Neste sentido, a importância dos intelectuais

está na capacidade de influência política sobre as lideranças sociais, os

militantes de partidos, sindicatos e do movimento estudantil conforme afirma

Petras (2005). Segundo ele, a defesa de regimes políticos, de modelos de

sociedade, de lideranças e de movimentos pelos intelectuais pode contribuir e

definir politicamente determinados campos e classes sociais em torno de

análises e estratégias políticas para uma determinada direção social. O autor

ressalta que no interior e fora de agrupamentos sócio-políticos - que ele distingue

como extrema-direita (neoliberais e conservadores), esquerda revolucionária

(marxistas), centro-direita (sociais liberais) e centro-esquerda (social

democratas) - é possível localizar ecologistas, feministas, movimentos de

identidade e de orientação sexual, racial e étnica, jornalistas, professores,

intelectuais de partidos, assessores de movimentos sociais, de campos

religiosos e literários. Apesar da grande diversidade cultural aí presente uma

característica em comum é a capacidade de fluidez entre identidades políticas

de determinados intelectuais de esquerda, pois:

Uma identidade política do passado não serve como indicativo de uma posição política no presente ou no futuro. Há vários ex-guerrilheiros por toda a América Latina, revolucionários nos anos 1960 e 1970, que hoje são ministros de Estado, senadores e deputados neoliberais defendendo os militares, o imperialismo, o agronegócio e políticas anti-insurreicionais. São raros os intelectuais da CE que migram para a esquerda revolucionária, em particular depois dos anos 1990, e mais raros ainda os que o fazem após os 50 anos de idade. (Petras, 2005, p. 20)

192

Segundo o autor, há uma preponderância dos acadêmicos universitários

na composição da atual intelectualidade pública e a grande maioria dos

intelectuais de esquerda está no campo reformista (considerando o período

entre 1980 e 2005). A defesa da transição democrática é uma característica

marcante destes intelectuais que entenderam ser suficiente a liberdade política e

civil para definir uma sociedade democrática, considerando, sobretudo, as

mudanças graduais. Contudo, o limite das argumentações reformistas está na

crítica do período da política democrática na América Latina, principalmente, no

que diz respeito as mudanças econômicas e sociais que foram efetivamente

implementadas nos países latino-americanos. O resultado foi de um

aprofundamento de políticas regressivas, conservadoras, de favorecimento ao

capitalismo e, portanto, de concentração da riqueza produzida socialmente. A

estrutura militar, política, jurídica e econômica do Estado latino-americano

favoreceu o direcionamento e a formulação de políticas regressivas. As decisões

econômicas mais amplas e profundas ainda estão sob controle das grandes

instituições financeiras e de estruturas políticas autoritárias.

Passada a conjuntura de transição democrática (conservadora) os

intelectuais reformistas se voltam para uma nova preocupação: a definição e

reconhecimento dos sujeitos sociais e políticos que conferiram movimento e

identidade aos novos movimentos sociais. Neste sentido, focalizam identidades

e privilegiam diferentes individualidades no âmbito social. Para os reformistas

não é mais possível analisar o período histórico e os sujeitos sócio-políticos nele

presentes com aquelas “antigas” categorias do capital e do trabalho. Na visão

pós-modernista os novos movimentos sociais estariam substituindo a (velha)

estrutura de classes54.

Considerando as questões que Petras evidenciou nesta realidade,

destacamos a análise de Mészaros (2005, 2006) para refletir a educação como

54 Sob outro ponto de vista e sem subestimar os novos sujeitos sociais que se expressaram a partir da década de 70 e 80, os intelectuais revolucionários: “(...) apontaram as lutas de massas de movimentos sociais étnicos e de classe, tais como a Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), os cocaleros na Bolívia, os zapatistas no México e os movimentos rurais de classe como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) no Brasil, como sendo as principais forças em movimento por mudanças sociais básicas.” (Petras, 2005, p. 23)

193

transcendência positiva da auto-alienação do trabalho. Tal perspectiva diz

respeito à transformação radical da práxis, tendo como pressuposto ontológico

as necessidades e as condições materiais de produção e de reprodução social.

Das contradições das relações sociais de produção há um movimento

permanente e histórico de resurgimento e rupturas, de transformações daquelas

necessidades e condições orgânicas do trabalho em direção de sua liberdade e

emancipação social. É nesta direção intelectual que, de acordo com o autor,

vislumbramos as possibilidades concretas de transformação radical das

dimensões produtivas e reprodutivas de existência social a partir do seu núcleo

originário – o trabalho social.

Este será o modo explicativo e orientador de uma estratégia

revolucionária ampla e gradual que vislumbre uma nova ordem societária

rompendo com a lógica destrutiva da sociedade capitalista. Esta nova sociedade

corresponde ao novo metabolismo reprodutivo e social dos produtores

livremente associados que deverá ser conquistada e afirmada não somente pela

sua negação – ainda que este seja um momento imprescindível da consciência e

da ação – mas, sobretudo, pela busca concreta e permanente de sua síntese

histórica, das tentativas de sua superação de modo a construir um novo modo de

ver e agir, uma nova relação entre ser e consciência de ser.

A educação, nesta perspectiva, deverá ultrapassar seus próprios limites

históricos e romper com a alienação internalizada que produz e se reproduz na

relação capital e trabalho. A educação é parte essencial da „engrenagem

histórica‟, sendo a luta de classes o seu motor revolucionário. Na totalidade das

relações sociais de produção e reprodução da vida social e enquanto ferramenta

social inevitável no processo de luta histórica, a educação move-se no terreno da

contraconsciência à ordem vigente, exigindo uma visão consistente, sólida e

abrangente dos processos sociais. De acordo com Mészáros:

a negação radical de toda a estrutura de comando político do sistema estabelecido deve afirmar-se, na sua inevitável negatividade predominante, na fase inicial da transformação a que se vise. Mas, mesmo nessa fase, e na verdade antes da conquista do poder político, a negação necessária só é

194

adequada para o papel assumido se for orientada efetivamente pelo alvo global da transformação social visada, como uma bússola para toda a caminhada. (2005, p.61)

Diante das experiências reais com relação às estratégias reformistas no

campo da educação Mészáros não reluta em afirmar que estas experiências

situaram a negação e a ação de forma fragmentada. Observe-se, neste sentido,

as críticas pós-modernas às grandes narrativas. A questão reformista se

constitui como uma tentativa de conciliação de interesses (irreconciliáveis) na

estrutura do sistema capitalista. A negação reservada nela mesma não conduz

ao movimento histórico de ruptura necessário como condição revolucionária. A

negação deve ser condição inicial e permanente à realização de estratégias

favoráveis no seu tempo histórico. Há que se (re) criar novas capacidades de

resistência e de aniquilação da ordem burguesa a partir das condições concretas

de produção da vida social. Assim, nos explica Mészáros:

Portanto, o papel da educação é soberano, tanto para a elaboração de estratégias apropriadas e adequadas para mudar as condições objetivas de reprodução, como para a automudança consciente dos indivíduos chamados a concretizar a criação de uma ordem social metabólica radicalmente diferente. É isso que se quer dizer com a concebida „sociedade de produtores livremente associados‟. Portanto, não é surpreendente que na concepção marxista a “efetiva transcendência da auto-alienação do trabalho’ seja caracterizada como uma tarefa inevitavelmente educacional. A esse respeito, dois conceitos principais devem ser postos em primeiro plano: a universalização da educação e a universalização do trabalho como atividade humana auto-realizadora. (Mészáros, 2005, p.65)

A necessidade de universalização do trabalho e da educação como

atividade de automudança consciente dos indivíduos, realizadora e

emancipadora, constitui a sua dialética, a contradição da sua face alienante e de

dominação. A crise global do capital é também uma época histórica de transição

e, portanto, propensa para que a classe trabalhadora elabore estrategicamente

uma transformação radical no campo da educação contribuindo no processo de

195

superação da ordem burguesa. De acordo com Mészáros, a educação não pode

funcionar suspensa no ar. A negação com fim nela mesma, na verdade, é a

negação da concretização das possibilidades históricas - a negação da sua

dimensão dialético-revolucionária.

O conjunto das ações, mesmo que e necessariamente, na sua

imediaticidade bem como o conjunto dos desafios históricos que tais ações

devem ultrapassar exige uma síntese global e estratégica por uma nova ordem

societária. Nesta nova ordem a educação não será mais o momento de

reprodução das condições materiais de existência sob o capitalismo - de uma

concepção de mundo fundada e sustentada na sociedade de mercado. A

educação para o capital é instrumento de alienação humana, de dominação e

controle do trabalho humano. A educação para além do capital, contrariamente,

está centrada na liberdade humana, no pensar e no agir consciente sobre o

mundo como interação radicalmente nova e (re) criadora da natureza e do meio

social. No caminho a ser percorrido, entre o que existe e o que pode vir a ser, as

mediações históricas são reais e necessárias, ainda que se apresente sob a

força incontrolável do capital. Neste sentido e de forma similar Wanderley (2010)

nos fala de utopia com realismo utópico sustentando-se numa perspectiva

freiriana desse termo:

Cientes dos limites, contradições, transformações, com efeitos positivos e negativos que as situações mundiais demonstram. É preciso, pois, aprender – a conhecer, a fazer, a viver junto, a ser – sempre com maior empenho e vontade política para melhor resistir, denunciar, propor. Utópico, tentando compor os sonhos de asas e raízes, traduzindo o inédito-viável freiriano em todas as latitudes e longitudes, detectando os sinais dos tempos, antecipando metas e caminhos. (2010, p. 117)

Para ser outra coisa e decifrar o estranhamento do homem diante do

mundo que ele mesmo produz, a educação deve ser libertada dos estigmas

liberais que a conduzem para a o modelo de „educação cidadã‟ ou da educação

para a „cidadania democrática‟. As propostas e ideais reformistas ainda que

como críticas (morais) à sociedade industrial não rompem e tampouco diminuem

196

com a lógica e a dinâmica de reprodução da ordem capitalista. Entendidas sob

esse ponto de vista, as políticas reformistas atendem as estratégias de controle

dos conflitos e crises que constituem a totalidade reguladora sistêmica.

Sobretudo porque suas determinações fundamentais são irreformáveis, então:

(...) corrigir algum detalhe defeituoso da ordem estabelecida, de forma que sejam mantidas intactas as determinações estruturais fundamentais da sociedade como um todo, em conformidade com as exigências inalteráveis da lógica global de um determinado sistema de reprodução. Podem-se ajustar as formas pelas quais uma multiplicidade de interesses particulares conflitantes se deve conformar com a regra geral preestabelecida da reprodução da sociedade, mas de forma nenhuma pode-se alterar a própria regra geral. (Mészáros, 2005, p. 25-26)

Trabalho intelectual e a unificação da luta social: um enfoque necessário.

Para Gentili (2008, p.118) a emergência de novos governos

latino-americanos, considerada a diversidade cultural de cada país abre

horizontes e desafios no novo século prevenindo-nos das armadilhas herdadas

pelos governos neoliberais (ainda presentes em governos de perfil democrático

popular como o Brasil). As políticas de cunho reformista às margens dos

impactos e das consequências do mercado produzem certo fôlego à estrutura

geral do capitalismo e sua reprodução. Os conflitos, lutas e resistências

movem-se ora avançando, ora declinando no processo de transformação radical

das condições impostas pelo poder econômico e seus sistemas políticos e de

poder. Fruto de lutas populares e de processos mobilizadores, o novo cenário

político latino-americano deve iluminar a esperança do nosso continente e do

planeta (porque não?). Nesse espectro, a luta da comunidade universitária é

necessária e inquestionável frente aos mecanismos ideo-políticos e econômicos

que se rompem na ordem do dia.

Hoje mais do que nunca, devemos enfatizar que um projeto de universidade que constrói sua “excelência” sobre a base da omissão ou da indiferença diante das condições de vida de milhões de seres humanos e de sua incapacidade, declarada ou

197

não, para lutar contra a opressão e contra a persistência das desigualdades produzidas todos os dias pela tirania do mercado, costuma ser um projeto de universidade no qual a “excelência” acaba sendo o álibi, o pretexto, talvez mais eficaz para justificar seu cinismo e sua petulância intelectual. Há 90 anos, o Manifesto Liminar da Reforma de Córdoba nos alertava: “[nossas universidades se transformaram no] lugar onde todas as formas de tirania e insensibilidade encontraram a cátedra que as ditasse.”

Na perspectiva da universidade democrática não há outra razão para a

produção e difusão do conhecimento senão a de contribuir para a transformação

das relações democráticas em sociedade nas suas diversas dimensões:

econômica, social, política, cultural, étnica, sexual, de gênero, etc. Ou, como

afirmou Mariatégui (apud Ouriques, 2005, p.174) “não é possível democratizar o

ensino de um país sem democratizar sua economia e sem democratizar, em

consequência, sua superestrutura política.” O conceito de “excelência

acadêmica” deve ser entendido como a democratização efetiva dentro e fora das

universidades, como a democratização do processo de produção e de

reprodução social, como a difusão dos saberes socialmente significativos para o

conjunto da população, principalmente, dos mais pobres.

Dessa forma, a “excelência acadêmica” encontra sentido nas oportunidades efetivas que as universidades criam para “revolucionar as consciências”, como dirão os reformistas; nas condições materiais e simbólicas que elas oferecem para desestabilizar os dogmas impostos pelos poderosos; na luta contra o autismo intelectual que os donos do poder nos propõem, acompanhados em coro por seus medíocres acólitos, ocultos por trás da toga da prepotência. (...) A universidade constrói valores e, ao fazê-lo, constrói a si mesma como aparelho de reprodução da tirania ou como espaço público de produção e invenção de utopias. (Gentili, 2008, p.119)

Há, pois, a necessidade urgente de como intelectuais acadêmicos

repensar práticas, normas e discursos. Refletir a dimensão político-científica da

universidade no conjunto da sociedade se se quer mudar a ordem e o sentido

das coisas. Obviamente, há célebres estudiosos que se dedicaram e se dedicam

no aprofundamento destas questões (como Florestan Fernandes). Entretanto,

também há muito de nebuloso, de disperso, de fragmentado do trabalho

intelectual e da produção social das universidades, que segundo Gentili (2008,

198

p.120): para encontrar e traçar seu sentido histórico, não podem fugir ao desafio

de se pintarem de negro, de mulato, de índio, de operário, de camponês, de povo,

como disse Che Guevara em seu célebre discurso na Universidade Central de

Villas, em 28 de dezembro de 1959. O legado da esperança é o legado das

utopias que nunca morre e que precisa ser reacendido no pulsar das lutas

sociais e históricas.

Sustentado na concepção leninista de crise revolucionária Mészáros

confia nas reais condições favoráveis e insurgentes para uma alternativa

emancipadora. Frente aos desafios e ao fardo do tempo histórico, afirma o autor,

resta-nos a insurgência, o despertar da humanidade no tempo de crise. Também,

dialogando com as formulações gramscianas Mészáros nos explica que todo ser

humano contribui, independentemente de sua forma e conteúdo, para uma

determinada concepção de mundo predominante. Esta contribuição pode

manter ou modificar o mundo em que se vive. Ou, até mesmo, de forma

simultânea abarcar as duas possibilidades, independente do grau de

consciência dos antagonismos sociais. O que irá acentuar um determinado

campo de ação (conservador, “reformista” ou revolucionário) será a própria

dinâmica das forças em luta. A educação deverá, assim, ser orientada pela

insubordinação e rebeldia dos trabalhadores e das classes oprimidas pela

radicalização das relações entre capital e trabalho em direção à um novo tempo

histórico que permita a transcendência do trabalho de sua forma capitalista de

produção. Isto é, um tempo histórico de superação da auto-alienação do trabalho

e de suas formas de reprodução.

Enfrentar o modo capitalista de produção e sua relação social predatória

consiste em uma necessidade histórica que nos desafia a fazer uma opção:

socialismo ou barbárie! Neste plano, pensar o sentido da educação - das

configurações determinadas pelo mercado às possibilidades de sua superação -

é uma tarefa urgente com vistas à outra perspectiva de educação e de trabalho

no conjunto da vida social. Durante o exercício para elucidar o movimento

complexo da realidade que constitui nossas preocupações de pesquisa,

perseguimos as forças presentes e a capacidade de luta, suas formas de

resistência e de fortalecimento social, enfim, a visibilidade de suas

199

manifestações na realidade e questão. Nossa busca foi em direção ao momento

crítico, ao momento de negação, mas também ao momento propositivo e de

afirmação das possibilidades, pois acreditamos em um novo tempo.

Vale ressaltar que nosso objetivo com alguns dados como referência na

realidade foi unicamente de evidenciar uma situação histórica e de organização

político dentro da amostra que elegemos das IFES e, em particular, da amostra

de uma instituição comunitária, a PUC-SP. Assim, retomamos alguns pontos nas

entrevistas que expressaram bem nossas questões.

Primeiramente, a pesquisa como a política indutora da cultura de

mercado na educação, a invisibilidade dos professores substitutos no âmbito

sindical e na própria academia e as contradições do REUNI que atendeu

demandas do trabalho com a abertura de vagas, com a abertura de cursos

noturnos e com a reposição, em parte, do corpo docente na UFPR, foram todos

aspectos importantes na argumentação da professora Dra. Taís Tavares.

Segundo, a questão do tempo de contrato que entre outras dificuldades

para o professor substituto e rompe com a possibilidade da construção

pedagógica e com a qualidade do ensino, o absurdo de trabalhar com diversas

disciplinas diferentes em tão pouco tempo, foram aspectos que evidenciamos na

entrevista com a professora Gisele Pereira, também da UFPR.

Terceiro, da mesma instituição, seu presidente sindical, Prof. Dr. Künzle

nos apontou características do individualismo e da fragmentação entre os

próprios docentes; a reposição (e a intensificação) do problema dos contratos

temporários com a Medida Provisória 525 ( agora transformada em Lei

Ordinária/12.425/2011); e o grande desafio sindical hoje: conhecer o problema,

a proliferação e massificação dos contratos temporários nas universidades, suas

condições e sua carga de trabalho. Reiteramos esse desafio apresentado pelo

professor: da importância do mapeamento, agora mais do que nunca, de forma

a permitir condições concretas de luta e de proposição na pauta educacional

Obviamente que a defesa por concursos públicos é uma pauta clássica

no movimento sindical e também no estudantil. Mas essa reivindicação, por si só,

não faz o devido enfrentamento. Confirma nossa tese e nossas argumentações

a realidade do Colégio Aplicação do Rio de Janeiro e do CEFET de Minas Gerais,

ambas denunciadas no ANDES-SN e situadas na entrevista com o prof. Künzle.

A greve (ou o estado de greve) dos professores substitutos nestas instituições,

200

embora não esteja no campo delimitado de nossa investigação, veio contribuir e

acrescentar o nosso objeto de estudo. Contextualizou o problema da

proletarização do trabalho docente no conjunto da região sudeste do Brasil o que

lhe dá uma dimensão bem maior e mais complexa.

Das questões na UFSC, reiteramos a crítica da Profa. Dra. Bartira:

como efetivar o REUNI, isto é, a expansão do Ensino Superior sem professores?

Ou como permitir ainda mais contratos temporários e mais exploração do

professor para bancar uma promessa de inclusão social? Ainda que atenda

algumas demandas do trabalho e com visíveis avanços nas políticas sociais

conforme a fala do prof. Matheus Felipe de Castro, não há dúvida de que

prevalece uma condução mercantil nas políticas do Ensino Superior. Mesmo que

não adentremos a investigação no campo das instituições privadas.

Nossa tentativa, por ora, foi trazer à tona a situação generalizada da

precarização docente em uma instituição comunitária – a PUC-SP – que pela

atual política de maximização dos contratos de trabalho e pelas altas

mensalidades, entre outras questões, muito se apropria de um modelo

mercantilista de educação, de acordo com todos os depoimentos que aqui

apresentamos e, em especial, da profa.Dra. Beatriz Abramides, presidente

sindical dos docentes desta instituição. Cabe ainda, observar que a situação

alarmante pela qual passa o corpo docente também é vivenciada pelos

professores substitutos nas IFES, com um diferencial: os salários destes são

ainda menores. Não queremos com isso justificar tão situação, jamais. O que

queremos é evidenciar a situação escandalosa dos contratos temporários nas

federais e que se tornará ainda mais agressiva com as últimas conduções do

governo federal. Trata-se da reafirmação de uma legislação que precariza o

trabalho do professor universitário, que amplia em número e extensão (de 10%

para 20%) e que potencializa a inclusão às custas da proletarização do trabalho

docente e da precária qualidade de ensino.

Foram ilustrações que demonstraram as formas de precarização e de

intensificação do trabalho docente que no seu conjunto constituem o que

entendemos como proletarização do trabalho imaterial. Expressões da (super)

exploração da força de trabalho intelectual, situadas no campo educacional e

que refletem o avanço e as determinações da cultura e da política de mercado.

Ou seja, amostras que trouxeram a visibilidade da concepção e do projeto de

201

educação que prevalece no Ensino Superior no Brasil. Isto é, as implicações no

plano do saber, do conhecimento, da produção científica vinculada a um

determinado projeto de sociedade e, por outro lado e nas mesmas proporções,

das implicações severas no campo das relações econômicas, da distribuição da

riqueza, do domínio hegemônico das relações mercantis.

No sentido de fazer frente e tentar reverter esse quadro foi importante

registrar as lutas no campo educacional em determinadas conjunturas e

determinados espaços, o posicionamento político de professores e estudantes,

as mobilizações da comunidade universitária em defesa de uma educação com

qualidade e do trabalho com dignidade. São “veias abertas” de contestação e de

bandeiras que trilham por um novo horizonte. A grande contribuição pedagógica

e política que se vislumbra no conjunto das resistências é manter “acesa a

chama” das lutas e da solidariedade entre as lutas, dos sonhos e das

possibilidades que deles insurgem. E isso não pode ser compreendido de outro

jeito, senão pela dimensão da totalidade social.

Neste sentido histórico, o papel fundamental que tem exercido as

instituições, movimentos e lutas de resistência. O movimento docente, o

movimento estudantil, os fóruns de discussão e deliberação sobre a educação

nos diferentes níveis, as lutas em conjunto das causas educacionais e sociais,

populares, étnicas, ambientais, de gênero, enfim, o conjunto das expressões

diferenciadas da classe trabalhadora, ou como na expressão de Antunes: das

classes-que-vivem-do-trabalho. Se a visão do conjunto dos trabalhadores sobre

o papel da educação e da universidade para (e na) sociedade de produtores

livremente associados, conforme as palavras de Mészáros atende a mesma

perspectiva, ainda que o processo de alienação do trabalho mistifique essa

relação, então a luta solidária e unificada dos trabalhadores é um desafio deve

ser conquistado no cotidiano das diferentes pautas e reivindicações, nas

diferentes estratégias e objetivações.

A construção de estratégias coletivas de enfrentamento das forças de

esquerda é uma necessidade histórica e, mais ainda, uma necessidade urgente

e inadiável. A resistência acontece todo dia, desde o momento em que o

trabalhador cotidianamente luta e reluta com a dimensão desumanizadora do

seu próprio trabalho. Mas a resistência social, fortalecida, unificada e consciente

do seu poder de ação transformadora precisa ser realimentada política,

202

pedagógica e culturalmente, frente à cultura da sociedade de mercado. De outra

forma, como afirmou Antunes, a tendência é de nos depararmos com as

consequências perversas de uma era de ensino e pesquisa totalmente

determinada pelos interesses do mercado:

O ensino universitário tem papel vital para o desenvolvimento de qualquer país. É óbvio que, para a geração desse conhecimento, há necessidade de recursos. No entanto, ao se recorrer ao dinheiro privado, há evidente possibilidade de comprometimento dessa missão. Na pesquisa, subvenções particulares não raro levam à distorção dos fins públicos. O dinheiro investido, em geral, é destinado a áreas de interesse do próprio setor privado, relegando a um segundo plano projetos de natureza pública. Assim, ao invés de o país determinar os rumos do que se pretende, estrategicamente, pesquisar, quem o faria seriam os investidores, os tais novos mecenas, as corporações55.

É com essa perspectiva que Löwy (2006), frente aos mecanismos de

homogeneização cultural do capitalismo, nos chama a atenção para a

resistência social e revolucionária dos povos oprimidos e acrescenta: é

necessário unificar estas lutas no horizonte inalienável do socialismo, da

socialização dos meios de produção, da definição democrática e coletiva sobre a

produção e da distribuição dos bens e riquezas socialmente produzidos. Em

afinidade teórica, política e filosófica com o que vimos construindo ao longo de

nosso trabalho, constitui no conjunto um horizonte revolucionário, uma nova

cultura universal, uma cvilização da solidariedade. As forças políticas contrárias

ao capital insurgem e avançam contra a ordem autoritária e destruidora da vida

social e estão presentes nos movimentos anti-globalização, estão agregados no

Fórum Social Mundial e nos governos de inspiração anti-imperialista (de

centro-esquerda e de esquerda) da América Latina. O desafio histórico para

Löwy é estabelecer uma convergência política e socialmente democrática

respeitando a autonomia das expressões culturais dos povos oprimidos. Essa é

uma tarefa a ser exercida no centro da economia política. Não se trata tão

somente de um embate ideológico ou utópico – de afirmação do existente

(ideologia) ou de luta por ideais ainda não existentes (utopia) -, mas incide sobre

55 Antunes, Ricardo. Jornal Folha de São Paulo. Tendências e Debates, 02 de julho de 2010.

203

e nas próprias condições de sobrevivência, na práxis vivida e refletida, no modo

de resistência social em defesa da vida e da liberdade humana.

A fórmula marxista que determina que uma época de revolução social só se abriria quando as relações sociais se convertessem em obstáculos ao desenvolvimento das forças produtivas não autoriza a conclusão inversa de que as transições históricas seriam conseqüência direta de impasses econômicos. A estagnação das forças produtivas e o crescimento das destrutivas foram identificados como condição necessária, mas não suficiente, para transformações que exigem rupturas políticas que dependem de muitos outros fatores: em primeiríssimo lugar, do despertar de uma disposição revolucionária de luta daqueles sujeitos sociais em posição de classe para agir. O marxismo de Lowy bebeu nessa promessa de uma subjetividade autolibertadora dos trabalhadores – o que ele mesmo reivindicou como um “messianismo” ativo, ou seja, uma aposta de que, mais cedo do que tarde, as resistências diretas se unirão a um discurso estratégico ... (2007, p.33).

Cabe ressaltar aqui que o reconhecimento da diversidade cultural e de

suas expressões sociais está longe de representar as teses pós-modernistas: de

pulverização, de fragmentação do real, de negação da totalidade que

circunscreve a vida social. Segundo Löwy (2006, p.32) é verdade que o discurso

iluminista foi muitas vezes utilizado pelas potências coloniais e imperiais para

justificar em nome do “progresso”, da “civilização” e “da modernidade” seus

projetos de dominação e opressão dos povos da periferia. Mas essa constatação

– já formulada pelos críticos socialistas do imperialismo há mais de um século –

não implica que se deva invalidar qualquer projeto universalista de emancipação.

Os ideólogos pós-modernos celebram o particularismo, a fragmentação, a

dissociação e a dispersão dos vários movimentos “identitários” – culturais,

étnicos, de gênero ou de orientação sexual – e rejeitam qualquer proposta de

unificação, articulação ou universalização das lutas como uma tentativa

anacrônica de reviver as “Grandes Narrativas” do passado. Fundamentalmente,

Löwy nos instiga a discussão sobre a práxis revolucionária apontando-nos que

ser socialista no século XXI significa retomar a radicalidade das lutas sociais

enfrentando, nestes termos, a propriedade capitalista dos meios de produção.

Todavia, o autor rejeita as afirmações de que as condições e contradições

sociais do sistema ainda não estão amadurecidas. Segundo ele, é inadiável o

enfrentamento e a construção revolucionária neste “imenso canteiro de obras”

das condições sólidas e culturalmente novas de viver em sociedade.

204

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