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O NICA – Núcleo de Instauração da Cerâmica Artística –, voltado à produção de arte e cultura, desenvolve o intercâmbio, a pesquisa e a construção de um conhecimento compartilhado entre alunos da graduação da UFRGS e artistas independentes da região metropolitana de Porto Alegre. Atua como uma ação de extensão da PROREXT-UFRGS, vin- culada ao LACAD – Laboratório de Cerâmica Artística do Instituto de Artes (www.ufrgs.br/LACAD). No triênio 2009-2011, no Depar- tamento de Artes Visuais, o NICA produziu e instalou Arte Pública no Campus da Universidade, criou o Acervo Cerâmico Itinerante da UFRGS e difundiu sua produção por meio de eventos artísticos e aca- dêmicos, registrados agora nesta publicação. NICA – No interior do cubo cerâmico REVISADO miolo completo FINAL.indd 1 05/10/2012 10:23:00

NICA – No interior do cubo cerâmico - UFRGS

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Page 1: NICA – No interior do cubo cerâmico - UFRGS

O NICA – Núcleo de Instauração da Cerâmica Artística –, voltado à produção de arte e cultura, desenvolve o intercâmbio, a pesquisa e a construção de um conhecimento compartilhado entre alunos da graduação da UFRGS e artistas independentes da região metropolitana de Porto Alegre.

Atua como uma ação de extensão da PROREXT-UFRGS, vin-culada ao LACAD – Laboratório de Cerâmica Artística do Instituto de Artes (www.ufrgs.br/LACAD). No triênio 2009-2011, no Depar-tamento de Artes Visuais, o NICA produziu e instalou Arte Pública no Campus da Universidade, criou o Acervo Cerâmico Itinerante da UFRGS e difundiu sua produção por meio de eventos artísticos e aca-dêmicos, registrados agora nesta publicação.

NICA – No interior do cubo cerâmico

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Page 2: NICA – No interior do cubo cerâmico - UFRGS

NICA – No interior do cubo cerâmico2 3 NICA – No interior do cubo cerâmico

Sumário

No interior do cubo cerâmico 6

O núcleo 8Um criativo inserido no coletivo artístico e acadêmico

Acervo Cerâmico Itinerante – ACI 12A poiética em uma redoma Arte pública 28É possível existir arte pública dentro da universidade?

Exposições 34Perceptos e afectos de uma visualidade táctil

Cerâmica artística, artesanato, ou arte popular? 42

Coordenação do NICA:

Carusto Camargo - Carlos Augusto Nunes Camargo

Monitorias:

Gilberto Menegaz - 2009/2010/2011 (projeto gráfica e editoração)

Helen Ferrando - 2009

Nadméa Carvalho - 2010/2011

Regina Veiga - 2010 Website/Fotografias ACI

Participantes:

NICA 2009: Adriana Castro Andricopulo, Carlos Alvariz Pereira, Isabel Goidanich

de Castro, João Goedert, Lara Espinosa, Maia Mena Barreto, Mairy Sarmanho, Artur

Alberto Almada Lernen, Cristiane Ferreira, Milena Hoffmann Kunrath.

NICA 2010: Carlos Alvariz Pereira, Jorge Eduardo da S. Rosa, João Goedert, Iarema

Jenisch Mendonça, Lara Espinosa, Sandra Azeredo de Menezes, Carmen Maria Pucci,

Daniela Roseli de Amorim, Julia Bacellar, Karen Ferreira Cerutti, Leonardo Leal

Loureiro de Lima, Marcia Braga, Milena Hoffmann Kunrath.

NICA 2011: Antônio Augusto Trois Bueno e Silva, Loren Cristina Gay, Iarema

Jenisch Mendonça, Daiana Schröpel, Daniela Amorin, Hamilton Pereira Nascimento,

Júlia de Moraes Vieira, Lara Espinosa, Luana Mitto, Luciana Kingeski Barbosa, Maritê

Englert, Milena Hoffmann Kunrath, Roseli Dickel Amorim, Tiago Pizzutti, Sandra

Azeredo de Menezes, Tamir Farina, Cristiane Bastos, Angela Venturella Alves, Jorge

Eduardo da Silva Rosa.

Ao entrarmos na Reitoria da UFRGS, somos recebidos por esculturas dentro de cúpulas de vidro. Este invólucro contém diferentes obras de arte, onde cada artista apresenta seus referenciais poéticos. Essas instalações que embelezam os espaços certamente despertam a curiosidade. As instalações transformaram espaços de circulação em espaços de apreciação, proporcionando aos passantes o encontro com a arte, criando deslocamentos uma vez que as obras promovem uma percepção da linguagem da cerâmica para além do contexto tradicional da cerâmica utilitária. O NICA – Núcleo de Instauração da Cerâmica Artística– representa “o fazer extensionista”, pois reúne estudantes, professores e comunidade externa em torno da produção da obra de arte. O grupo, que tem como ponto de encontro a UFRGS, desenvolve suas criações em um espaço coletivo e as obras dialogam entre si e com seus criadores. Com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão, o Acervo Cerâmico Itinerante tem agora o seu percurso sistematizado nesta publicação e cumpre mais um item no seu histórico, a difusão do conjunto da obra. Sandra de Deus Pró-Reitora de Extensão

C172i Camargo, Carlos Augusto Nunes. Nica - No interior do cubo cerâmico / Carlos Augusto Nunes Camargo - Porto Alegre : Imagens da Terra Ed. 2012 44 p. ilust. ISBN 9788589371186 1.Artes Plásticas 2. Artes em cerâmica I. Título II. Camargo,Carlos Augusto Nunes.

CDU (058)73.023 Bibliotecária Responsável Ana Maria Froner Bicca CRB 10-1310

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Page 3: NICA – No interior do cubo cerâmico - UFRGS

NICA – No interior do cubo cerâmico4 5 NICA – No interior do cubo cerâmico

Cerâmica em tempos entrelaçados

O Núcleo de Instauração da Cerâmica Artística (NICA) do IA/UFRGS apresenta trabalhos elaborados por docentes e discentes em espaços de circulação da UFRGS. Imprime nova dinâmica ao cotidiano dos que transitam diariamente por esses locais, instigando-os a observar, em seu percurso, as obras colocadas em dispositivos de vidro1. Uma exposição temporária e que sai dos espaços tradicionais para ir ao encontro do espectador.

Além de um contato mais direto com o público, a proposta do grupo oportuniza uma reflexão sobre os tempos próprios da cerâmica para se fazer enquanto arte: tempos da matéria, do fazer e do olhar.

Tempo da matéria. Ao tratarmos de cerâmica, mesmo a contemporânea, não há como esquecer sua ancestralidade, pois, embora com diferentes recursos, essa técnica acompanhou todas as civilizações, mantendo sempre inalteradas as etapas de elaboração. Deve-se considerar ainda a existência do barro como elemento in natura, que contém o tempo dos tempos, um tempo imensurável. O tempo da matéria deriva de sua especificidade. E, em razão de seus elementos básicos que a unem à natureza, é ela que determina quando a argila maleável abandona a docilidade de

1Breve descrição: No ACI – Acervo Cerâmico Itinerante –, os trabalhos em cerâmica situam-se no interior de um dispositivo de vidro de 33x14x14 cm, são colocados lado a lado, fixados nas paredes internas do saguão de entrada do prédio da Reitoria e distribuídos nos pavimentos do mesmo prédio, em um total de 36 peças.

sua plasticidade e passa a outro estado, tornando-se rígida, sólida, alterando cor e textura, mesmo que o resultado formal extrapole esses condicionantes. Nessa fase, a matéria age de forma imperativa e, mesmo que o artista domine todos os procedimentos técnicos calculados com precisão, ainda assim é subordinado ao tempo da espera do ar e do fogo.

É o tempo em que a ação e a intenção do artista se corporificam sem sua intervenção direta.

Tempo do fazer. A práxis artística, aqui centralizada na cerâmica, é o tempo do artista, identificado pelo contato direto com a matéria em todos os seus sentidos e que vai além da materialidade da argila. Tempo esse presente na duração e intensidade do contato físico, corporal, tátil de cada gesto que o artista imprime na massa flexível, ora firme, forte, tenso e presumindo um embate, ora suave como uma carícia. Por vezes, a matéria parece conduzir a ação do artista. E ele, mesmo seguindo a elaboração programada de um projeto, recompõe, fragmenta, altera, pois, nessa relação, há um enfrentar-se com e na matéria que lhe permite concretizar seus desejos ainda em potência. É o tempo de dar forma ao informe. É um tempo indeterminado, mas o artista é quem impõe o ritmo da ampulheta.

Tempo do olhar. A terceira etapa independe do artista e da matéria. É o tempo particular de cada espectador. Tempo de descobertas diante do que lhe é proposto pelo artista. Uma das bases para a existência de uma obra é estar disponível ao olhar, pois

é o observador que dá sentido à obra, como já anunciava Marcel Duchamp. É um tempo construído pela fruição individual. Ser vista é ainda uma etapa do processo de criação, em que todos os empenhos do artista se convertem em “arte”.

Se aqui mostramos os tempos da cerâmica como etapas sequenciais delimitadas, elas mantêm entre si uma interação, pois o fazer do artista está impregnado na matéria sólida que se apresenta ao observador; e este, ao contemplar uma cerâmica, tem diante de si o tempo do artista e da matéria, que se transforma em obra sob seu olhar.

A maneira como o trabalho é apresentado tem força e atuação próprias, lembrando que o espaço onde é colocado nunca é neutro, bem como a obra nunca está isolada no contexto espacial onde se encontra. Ela interfere no mesmo e dele também recebe emanações.

A particularidade desta exposição, que ocorre em um espaço de trânsito, adiciona novos elementos à forma de olhar, pois cria uma situação inesperada para os que a veem quando passam desprevenidos. Assim, geralmente, o primeiro olhar dirigido às obras é rápido, acompanhando os movimentos apressados dos que não se detêm. Aos poucos, e após alguma indecisão, os passos são mais lentos, o olhar se torna mais demorado, o corpo se aproxima, afasta-se e, por fim, detém-se diante dos suportes onde estão os trabalhos. A cada olhar, o observador descobre algo até então invisível, e passa a estabelecer diálogos com as potencialidades das obras, e essas, por

sua vez, passam a “falar” com ele. Estabelecer essa familiaridade demanda um aprendizado através do encontro com a obra, aqui sendo facilitado pela localização da mesma no espaço habitual de circulação, onde o passante pode vê-la inúmeras vezes. Novamente, é em seu tempo que cada espectador vai dando sentido ao que lhe está sendo mostrado. Tempos entrelaçados.

Nesta exposição do NICA, a forma como estão dispostos os trabalhos interfere na apreensão dos mesmos. Assim, os dispositivos de vidro, no interior dos quais se encontram os mais diversificados trabalhos em cerâmica, podem ser vistos como redomas protetoras. Eles estão fixados lado a lado, na parede, formando um alinhamento que induz a uma uniformidade, e indicam a possibilidade de, seguindo tendências da arte contemporânea, serem percebidos também como uma única obra.

Reconhecidos os tempos da cerâmica materializados nos trabalhos em exposição, as implicações de como e onde estão apresentados, e o fato de poderem ser vistos tanto como peças isoladas quanto como um conjunto possibilitam várias construções de sentido.

Profa. Dra. Blanca BritesPrograma de Pós-Graduação em Artes Visuais

DAV-IA-UFRGS

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Page 4: NICA – No interior do cubo cerâmico - UFRGS

NICA – No interior do cubo cerâmico6 7 NICA – No interior do cubo cerâmico

O objeto artístico apresenta e instaura um mundo. Podemos dizer que a obra é instaurada num mundo e simultaneamente sua presença instaura outro mundo a partir da modificação do já existente. Isso pode ser visto pelo fato de que a arte, na medida em que é experienciada, afeta nosso modo de perceber e de pensar a realidade. Todo trabalho de arte é, assim, a possibilidade de outro mundo, o deflagrar de um movimento, de um processo.

Noéli Ramme inInstauração: um conceito na filosofia de Goodman1

1 Colaborações da Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais • EBA|UFRJ • Ano XIV • Número 15 •2007. (http://www.baiadeguanabara.com.br/arte_ensaios_web/sumario.htm em 26/10/2022).

2 Termo proposto por Brian O’Doherty, ao considerar o espaço museográfico em “No interior do cubo branco: a ideologia do espaço na arte” (Brian O’Doherty, São Paulo: Martins Fontes, 2002).3 O significado de poiética afigura-se com definição dada em filosofia. Trata-se de uma forma alternativa a poesis, termo criado por Aristóteles. Se assim é, a definição de uma será também válida para a outra: poiesis é a atividade de criar ou de fazer; produção artística (Dagobert D. Runes, Dicionário de Filosofia, Lisboa, Editorial Presença, 1990).

No interior do cubo cerâmico A intenção inicial era elaborar um catálogo da produção

artística do primeiro triênio do NICA – Núcleo de Instauração da

Cerâmica Artística –, contendo imagens das exposições e das

instalações de arte pública realizadas e seus respectivos textos

críticos. Criar um espaço de diagramação visual clean, reduzindo as

possibilidades de interferência visual na percepção das imagens, um

espaço de silêncio conduzido pelos textos críticos cuidadosamente

posicionados no corpo da página. Dentro da página branca, criar uma

diagramação museográfica em alusão ao cubo branco2. Mas, sendo

um espaço de percepção do público e da crítica, constituído de acordo

com a visão que o artista e o curador têm do processo criativo e das

relações teóricas da produção com o campo das artes, o cubo branco

definitivamente está longe de ser um espaço de fluição imparcial. Ele

conduz às possibilidades de interação público-obra e, inevitavelmente,

um catálogo acabaria estabelecendo as mesmas restrições.

Ao considerar a produção artística desenvolvida no ateliê

de cerâmica do Instituto de Artes da UFRGS, podem-se também

construir relações entre a prática de ateliê do artista e o seu público.

Engana-se porém, quem espera encontrar detalhamentos dos

procedimento técnicos de conformação das produções. A prática

de ateliê se caracteriza também pela constituição da poiética3

do artista. Isto é, a forma como este pensa e insere seu trabalho

dentro do campo da arte contemporânea e estabelece estratégias

para transformar sua experiência individual, por vezes afetiva, em

um conceito artístico coletivo inserido no universo da percepção do

outro. Esta sim, objeto de conformação e desejo dessa nova proposta

de registro. Mais especificamente, registrar e conhecer os processos

de instauração artística e de construção de um saber cerâmico dentro

da universidade, inseridos dentro dos processos criativos do indivíduo

e do coletivo. Presentes estes nas práticas, exposições e curadorias

realizadas pelo NICA entre 2009 e 2011.Dentro desse novo conceito de catálogo, “NICA – No interior

do cubo cerâmico” apresentará a produção do NICA permeada por textos que ampliam a compreensão e as possibilidades de aproxima-ção da Cerâmica Artística, e será dividido nos seguintes capítulos: No interior do cubo cerâmico; O núcleo – um criativo inserido no coletivo artístico e acadêmico; Acervo Cerâmico Itinerante – ACI – a poiética em uma redoma; Arte pública – é possível existir arte pública dentro da universidade?; Exposições – perceptos e afectos de uma visua-lidade táctil; Cerâmica artística, artesanato ou arte popular? Uma abordagem de processos cerâmicos que se conceituam artisticamen-te e ocupam novos espaços no campo da arte contemporânea.

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Page 5: NICA – No interior do cubo cerâmico - UFRGS

9 NICA – No interior do cubo cerâmico

O Núcleo de Instauração da Cerâmica Artística do Instituto

de Artes da UFRGS, voltado à produção e difusão artística, é

constituído como uma ação presencial da Pró-Reitoria de Extensão.

Promove um intercâmbio entre os alunos da graduação e artistas

independentes da região metropolitana de Porto Alegre/RS. Sua

equipe de apoio é formada por um professor de artes visuais, que

orienta teórica e poeticamente a reflexão crítica; por um monitor

de ateliê, que realiza o auxílio técnico ao desenvolvimento da

produção; e por um monitor de difusão cultural, responsável pelo

encaminhamento dos projetos do núcleo, como exposições, oficinas,

instalações de arte pública, entre outros.

Uma intenção poética sempre permeia os diálogos e a

prática de ateliê, como em 2009, quando se elaborou um painel

cerâmico intitulado Prensautos, formado pela prensagem de objetos

autobiográficos em placas de argila de 20x20 cm. Nesse painel, os

conceitos de objeto de memória e de presença da ausência1 foram

elaborados verbal e/ou silenciosamente ao se observar a produção

do colega e os objetos biográficos que se inseriam na experiência

coletiva. 1 Do indivíduo e do objeto prensado sobre a argila.

Na vivência de ateliê do NICA, o exercício do ato da crítica

ocorre dentro do respeito ao olhar do outro e em constante confronto

entre as diferentes percepções artísticas e culturais dos envolvidos.

Já os conceitos artísticos se impregnam nos objetos cerâmicos e se

instauram nos participantes do núcleo, criando uma pulsação entre

as produções individuais e a proposta coletiva, entre a forma e o

conceito, entre comunicar e silenciar, entre afirmar e questionar, entre

o indivídual e o coletivo.

Por serem lentos e complexos, os processos de conformação

dos objetos cerâmicos ampliam a vivência de ateliê e por consequência

o exercício da reflexão coletiva. Os encontros são semanais e as

modelagens ficam nas prateleiras, aguardando o retorno dos alunos.

Todo o processo ocorre sob o olhar do outro. Há que se respeitar

as fases desse processo, as relações de maleabilidade e dureza do

material e a ação da gravidade em oposição à verticalização das

formas. Os processos de significação e decoração de suas superfícies

são indiretos, não se visualiza a cor no momento da aplicação.

Misturam-se óxidos e colorantes à base de argila e vidro e a textura

da cor somente se apresenta ao olhar e ao tato após a fusão dos

elementos submetidos a temperaturas de 980 a 1320°C.

Após os processos de queima e esmaltação, depois de abrir

a porta do forno da última queima, cerca de 30 a 40 dias decorridos

da primeira modelagem, finda-se o processo, sem possibilidades

de retorno, e nada mais pode ser acrescentado ou alterado. O

O núcleoUm criativo inserido no coletivo

artístico e acadêmico

Detalhe do painel cerâmico Prensautos, NICA 2009

Registros de ateliê, NICA 2009, Instituto de Artes – UFRGS

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Page 6: NICA – No interior do cubo cerâmico - UFRGS

NICA – No interior do cubo cerâmico10 11 NICA – No interior do cubo cerâmico

pensamento crítico do ceramista ocorre no intervalo das produções,

nas potencialidades do próximo objeto modelado e não no retorno

ao primeiro, como acontece, por exemplo, na pintura e na gravura.

Na cerâmica, a instauração dos conceitos artísticos

ocorre lentamente. Poética e teoricamente, podemos elaborar esses

conceitos em outros meios, como na escultura, no desenho, na

pintura ou mesmo na gravura, obtendo uma considerável redução do

tempo necessário para seus aprofundamentos. Formalmente, há que

se trabalhar os processos de conformação da cerâmica que respeitam

suas particularidades formais e poéticas, como a presença do vazio,

o confronto entre a estrutura e a deformação, a dialética entre o

controle e a submissão. Características que tão bem a distinguem

da escultura, seja pela não utilização de materiais rígidos como pela

ausência de armações de ferro que sustentam artificialmente as

modelagens.

As ações do núcleo se constroem em torno de desejos, de

parcerias e acordos internos presentes no dia a dia do ateliê. Na

produção artística existe uma distância muito grande entre objetivar

um conceito e este ser vivenciado durante a percepção do objeto

exposto, como também entre realizar uma produção artística e

difundi-la na prática. Fizeram-se necessárias parcerias mais amplas,

um processo de sedução e cumplicidade também da estrutura

acadêmica, formada por individualidades que compartilharam os

projetos propostos pelo NICA, como as professoras Sandra de Deus,

pró-reitora de Extensão, e Blanca Brites, coordenadora em 2010 do

acervo da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, do Instituto de Artes,

e Claudia Boetcher, diretora do Departamento de Difusão Cultural

DDC.

Parcerias que permitiram ao NICA, no final de seu primeiro

triênio, instalar o painel de arte pública Prensautos e o Acervo

Cerâmico Itinerante – ACI – no campus central da UFRGS; produzir a

exposição artística do NICA na sala Fahrion; apresentar as atividades

do núcleo no 3° Congresso Nacional de Cerâmica, no 28° Seminário

de Extensão Universitária da Região Sul e no 5° Congresso Nacional

de Extensão Universitária; receber o Prêmio Governo do Paraná

no 3° Salão Nacional de Cerâmica, entre outros eventos artísticos

e acadêmicos. Atividades estas apresentadas a seguir neste livro, o

qual também representa a realização de mais um dos desejos do

NICA, do Instituto de Artes e da PROREXT da UFRGS.

Produção coletiva em ateliê

Análise crítica coletiva do processo

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Page 7: NICA – No interior do cubo cerâmico - UFRGS

13 NICA – No interior do cubo cerâmico

Instalado nas paredes do prédio da Reitoria da UFRGS

pelo Departamento de Difusão Cultural (DDC), com curadoria

compartilhada sob a coordenação do Acervo do Instituto de Artes,

o Acervo Cerâmico Itinerante (ACI) desenvolvido pelo NICA é

composto de 36 objetos cerâmicos independentes. Acondicionados

em redomas de vidro com base quadrada de 14 cm de lado e altura

de 33 cm. O ACI é um acervo vivo, elaborado para preencher duas

lacunas inerentes ao ensino e à percepção da Cerâmica Artística

dentro da universidade: a vivência direta com o objeto produzido e

a falta de espaço físico disponível nas reservas técnicas dos acervos.

Sendo um acervo em constante exposição, cria um público de arte

formado pelo indivíduo que percorre os espaços da universidade e

transforma seu deslocamento diário em um exercício de percepção

artística. Um processo de formação realizado na presença da luz

refletida diretamente do objeto, em contato com suas texturas, com

a materialidade de seus volumes, com o vazio interno inerente às

superfícies cerâmicas. Um público que se encontra em constante

diálogo com os processos de instauração das poéticas dos artistas

do ACI difundidas por meio de ações educativas e/ou pelo site do

NICA: http://www.ufrgs.br/nica/Acervo_itinerante.htm.

Acervo Cerâmico Itinerante – ACI

Como cada indivíduo ocupa um espaço físico

prédefinido, como cada artista se posiciona diante da

sacralização, do confinamento, da transparência e da

sedução inerentes à redoma e à exposição pública?

Nas produções cerâmicas de Artur, Fernanda, Ellen, Marília,

Regina, Gilberto e Julia, podem-se observar modos distintos de

ocupação espacial e conceitual da redoma.

A poiética em uma redoma

ACI, NICA 2010, saguão do prédio da Reitoria da UFRGS

ACI no Acervo da Pinacoteca Barão de Santo ÂngeloApós a análise dos curadores Blanca Brites e Paulo Gomes, ocorrida no ateliê de cerâmica do Instituto de Artes, as redomas de Ana Flores,

Júlia Corrêa, Carusto Camargo, Gilberto Menegaz, Regina Veiga, Nico Giuliano, Eloisa Tregnago, Caren Czerwinski, Marianita Linck e Tamir

Farina foram incorporadas, em 2010, ao acervo da Pinacoteca Barão de Santo Angêlo do Instituto de Artes da UFRGS.

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Page 8: NICA – No interior do cubo cerâmico - UFRGS

NICA – No interior do cubo cerâmico14 15 NICA – No interior do cubo cerâmico

Marianita Linck Memorial dos Ratos: Memórias Que os Ratos Terão de Roer e Esquecer

Artur Lernen Fernanda Barroso Ellen Röpke Ferrando Marília Bianchini Regina Veiga Gilberto Menegaz Júlia Corrêa

Marianita Linck representa muito mais do

que a fundadora, em 1982, do Curso de Bachare-

lado em Cerâmica do Instituto de Artes da UFRGS.

Em 2012, comemorou seus 88 anos com a abertura

de sua exposição individual Pots, Why Not Pots?

na Galeria Tina Zappoli. Não se tratava de uma

retrospectiva, e sim da apresentação de 26 potes

de sua produção recente, dotada de todo o rigor

técnico e olhar primoroso que se fez presente em

toda a sua produção, seja enquanto ceramista, seja

como professora dedicada do Instituto de Artes. O

conceito de retrospectiva não cabe em seu universo. Na forma e na

significação de suas superfícies cerâmicas, percebemos as relações

com a história da cerâmica e das artes e uma potência expansiva

criadora possível somente aos eternos apaixonados pela cerâmica.

Sempre no porvir da sua próxima série de trabalhos, seu olhar nos re-

vela a genialidade da grande mestra dos ceramistas do Rio Grande do

Sul e do Brasil e a delicadeza da eterna aprendiz que discute cerâmica

com seus ex-alunos, hoje professores, nas manhãs das quartas-feiras.

Momentos em que, além de toda a sua simplicidade e sabedoria, nos

oferece chá com bolachas e outras histórias.

Artur e Fernanda sacralizam o objeto exposto e utilizam

a redoma como uma proteção, como um objeto de valorização

museográfica. Apesar de Fernanda ter estendido a materialidade das

superfícies de seus cubos para a base da redoma, ambos os trabalhos

poderiam ser expostos sobre cubos expositivos padrões sem ônus de

suas intenções artísticas. Para Ellen, Marília e Regina, a redoma é um

espaço a ser habitado, uma representação das relações ortogonais e

poéticas existentes entre o céu e a terra, entre as paredes e o piso de

uma ocupação afetiva. Apesar de a microinstalação de Ellen propor

em uma primeira aproximação a representação do interior da parede

de uma casa, ao posicionar uma figura feminina no interior do cano,

a artista extrapola a concepção arquitetônica e constitui a redoma

como um espaço psicológico. As paredes de vidro da redoma de

Gilberto confinam e sustentam a relação opressiva de sua expressiva

pilha de números pregados, enquanto as de Julia estabelecem um

recorte do olhar e expandem sua materialidade poética em direção

ao espaço do outro, externo à redoma da artista. Essa análise

estabelece um dos possíveis modos de aproximação crítica destes e

demais objetos do Acervo Cerâmico Itinerante apresentados a seguir.

Estes também devem ser percebidos como produções independentes

imersas nas especificidades técnicas, culturais, artísticas e poéticas

de cada um dos ceramistas, bem como do público que as percebe.

A padronização das redomas e de seus suportes de

fixação objetiva o rodízio do acervo entre os locais de instalação

e o estabelecimento de uma identidade visual para o projeto,

mas também conceitua a produção artística desenvolvida pelos

participantes do ateliê do NICA e demais ceramistas convidados.

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Page 9: NICA – No interior do cubo cerâmico - UFRGS

NICA – No interior do cubo cerâmico16 17 NICA – No interior do cubo cerâmico

Adriana AndricopuloGradeNovembro de 2009Temperatura de queima: 1200ºC

Ana FloresMônadasOutubro de 2010 Temperatura de queima: 1000ºC

Cristhiane FerreiraEspera de MoçaNovembro de 2009Temperatura de queima: 1200ºC

Artur LernenContrapeso2009/2010Temperatura de queima: 1200ºC

Fernanda BarrosoTempo EquilíbrioOutubro de 2010Temperatura de queima: 1200ºC

Ellen Röpke FerrandoSem títuloNovembro de 2009Temperatura de queima: 1200ºC

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Page 10: NICA – No interior do cubo cerâmico - UFRGS

NICA – No interior do cubo cerâmico18 19 NICA – No interior do cubo cerâmico

Tânia ResminiSem títuloNovembro de 2010Temperatura de queima: 1230ºC

Eloísa Tregnago Moça com Blusa ListradaNovembro de 2010 Temperatura de queima: 1000ºC

Cecília AkemiCubo (tijolo)Julho de 2006Temperatura de queima: 700ºC

João GoedertOrganonOutubro de 2007Temperatura de queima: 1200ºC

Nico GiulianoPlatipantoNovembro 2010Temperatura de queima: 980ºC

Dani AmorimMorphofônpila INovembro de 2010Temperatura de queima: 1100ºC

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Page 11: NICA – No interior do cubo cerâmico - UFRGS

NICA – No interior do cubo cerâmico20 21 NICA – No interior do cubo cerâmico

Alexandra EckertCoração de Luz IIINovembro de 2010Temperatura de queima: 1300ºC

Regina Veiga Sem títuloSetembro de 2010 Temperatura de queima: 1200ºC

Miriam GomesSem títuloJunho de 2006Temperatura de queima: 1230ºC

Maia Mena BarretoBrotaçõesOutubro de 2009Temperatura de queima: 1200ºC

Gilberto MenegazEstranhosNovembro de 2010Temperatura de queima: 1200ºC

Antônio Augusto BuenoForma Recorrente 2008 Temperatura de queima: 1200ºC

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Page 12: NICA – No interior do cubo cerâmico - UFRGS

NICA – No interior do cubo cerâmico22 23 NICA – No interior do cubo cerâmico

Carusto CamargoSem títuloSetembro de 2009 Temperatura de queima: 1200ºC

Simone NassifPrimeiro TangívelSetembro de 1998Temperatura de queima: 1150ºC

Nadmea CarvalhoDa série Estava nos Lençóis delaNovembro de 2010Temperatura de queima: 1200ºC

Rodrigo NúñezÁrvoreOutubro de 2009Temperatura de queima: 1200ºC

Lara EspinosaInflorescênciaMaio de 2009Temperatura de queima: 1200ºC

Iarema Jenisch MendonçaMonumento OrnamentalNovembro de 2010Temperatura de queima: 1200ºC

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Page 13: NICA – No interior do cubo cerâmico - UFRGS

NICA – No interior do cubo cerâmico24 25 NICA – No interior do cubo cerâmico

Karen CeruttiSem títuloSetembro de 2010Temperatura de queima: 1000ºC

Júlia CorrêaTramas InquietasOutubro de 2010Temperatura de queima: 1200°C

Carlos NegrãoCasuloAgosto de 2009Temperatura de queima: 1000ºC

João GoedertCadeira de SalaOutubro de 2007Temperatura de queima: 1100ºC

Caren CzerwinskiSem títuloOutubro de 2010

Leonardo LoureiroAcrobatasOutubro de 2009Temperatura de queima: 1200ºC

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Page 14: NICA – No interior do cubo cerâmico - UFRGS

NICA – No interior do cubo cerâmico26 27 NICA – No interior do cubo cerâmico

Milena KunrathAcomodação de IdeiasAgosto de 2009 a outubro de 2010Temperatura de queima: 900°C e 1200°C

Marília BianchiniSem títuloJaneiro de 2010Temperatura de queima: 1200ºC

Carlos FariasSem títuloOutubro de 2010Temperatura de queima: 1200ºC

Marianita LinckMemorial dos RatosDezembro de 2000Temperatura de queima: 1150ºC

Tamir FarinaFábula 6Junho 2009Temperatura de queima: 1200ºC

Marcia BragaBordado em Mim 1Outubro 2010Temperatura de queima: 1100ºC

Sandra MenezesGestos de Memória2009Temperatura de queima: 1200ºC

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Page 15: NICA – No interior do cubo cerâmico - UFRGS

NICA – No interior do cubo cerâmico28

Em 2010, o NICA (Núcleo de Instauração da Cerâmica Ar-

tística) e o DDC (Departamento de Difusão Cultural da PROREXT da

UFRGS) instalaram o painel cerâmico Prensautos e 36 objetos do ACI

(Acervo Cerâmico Itinerante) no campus central da UFRGS. O painel

ocupa uma parede de circulação externa e o acervo encontra-se dis-

tribuído dentro do prédio da Reitoria. Em uma primeira aproximação,

podemos afirmar que somente o painel é arte pública2 e o ACI, por

estar instalado no espaço interno, não pertence a esta categoria.

Existem protocolos de acesso ao prédio da Reitoria e o públi-

co encontra-se em um estado de percepção de seu entorno diferente

do que ocorre frente ao painel situado em uma área de convivência,

nas proximidades de uma grande lanchonete. Mas isso seria sufi-

ciente para justificar uma classificação diversa do acervo e do painel,

uma vez que o acesso é livre em ambos os casos?

Ao considerar a arte pública e não a arte em espaço aber-

to, devemos ampliar nossa análise além do simples posicionamen-

to relativo entre a obra e as edificações, entre a obra e os muros

que delimitam as instituições. Dependendo do público, do local e do

modo como é instalada a obra, ocorrem restrições de percepção mui-

to mais intensas do que as limitações de acesso físico e econômico.

Cabisbaixo e apressado, o indivíduo que circula nos grandes centros

urbanos não percebe seu entorno além de seu espaço de confronto e

segurança física. Como ocorre, por exemplo, na cidade de São Paulo,

onde o indivíduo não percebe uma escultura de ferro de cerca de

10 metros de altura, de Amilcar de Castro, instalada em frente ao

Itaú Cultural, e quase se choca com ela em plena Avenida Paulista.

A escultura foi instalada conforme as concepções do artista3, porém

Arte públicaÉ possível existir arte pública dentro da universidade?

Acho que existe um pequeno equívoco: as pessoas ten-dem a confundir “arte pública” e “arte em espaços públicos”. Creio que “arte pública” é o conjunto de obras que deve per-tencer a uma determinada comunidade, estar disponibilizada aos elementos que a constituem. Tal conjunto deve estar disponibi-lizado em museus e espaços de passagem (ruas, parques etc.), não apenas por meio de sua exposição, mas também através de serviços educativos que as tornem mais efetivamente claras para o público – seu proprietário. No Brasil, infelizmente, toda a discussão sobre “arte pública”, que, na verdade, é sobre “arte em espaços públicos”, não leva em consideração os acervos fixos de nossos museus, que pertencem a todos. Privilegiam apenas exposições periódicas em espaços públicos, exposições e/ou in-tervenções que, quase sempre, pouco ou nada contribuem para a ampliação da percepção estética do transeunte.

Tadeu Chiarelli1

Detalhe do painel cerâmico Prensautos, NICA 2009, Campus Central da UFRGS

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Page 16: NICA – No interior do cubo cerâmico - UFRGS

NICA – No interior do cubo cerâmico30 31 NICA – No interior do cubo cerâmico

o fluxo agitado dificulta a percepção do público. No museu, ou mes-

mo nas intervenções artísticas externas organizadas por coletivos de

artistas, o público vai ao encontro da obra, enquanto na arte pública

a obra se opõe ao percurso do indivíduo e se encontra dentro de um

invólucro arquitetônico/cultural imerso em um processo de desgaste

do olhar de um público que[...] em geral não está na rua para contemplar, mas sim para se encaminhar

o mais rapidamente possível de um ponto ao outro. Além disso, utiliza seu

olhar e seus sentidos para tentar evitar os múltiplos e variados perigos que

o espreitam a cada passo (BUREN, p.194, 2001).

Daniel Buren, em seu ensaio “À Força de Descer à Rua,

Poderá a Arte finalmente nela Subir”, introduz o tema em questão

confrontando a suposta liberdade fornecida ao artista quando pro-

duz uma exposição para um museu com as limitações inerentes à

instalação de uma encomenda4 de arte pública. Além das políticas

culturais inerentes aos gestores públicos e das ações educativas em

conformidade com a abordagem proposta por Chiarelli no início des-

te texto, qual seria a real responsabilidade do artista no processo de

formação continuada do transeunte, na consolidação de um público

de arte pública?

Trabalhar para a rua significa questionar mais de 100 anos de produção

artística designada ao museu. Para o artista significa também descer de

seu pedestal, ousar o risco e aceitar a humildade. Significa uma nova

maneira de pensar e trabalhar.

Daniel Buren ( p. 186, 2001)

Uma nova maneira de pensar e trabalhar... Há que se de-

sejar o transeunte e não utilizar o espaço público para obter reco-

nhecimento do museu e de seu público. Intrínseco à obra, deve-se

instaurar um processo de formação do indivíduo em um público de

arte pública, considerando os referenciais culturais, históricos e visu-

ais da comunidade, o imaginário e a vivência cotidiana dos sentidos

dos corpos que habitam seu entorno. Esse processo também pode

ocorrer pelo estranhamento e pelo confronto com o status quo, ques-

tionando verdades e apontando novos desdobramentos à vivência

urbana e cultural. Mas há de se partir do reconhecimento desse esta-

do inicial e elaborar ações educativas que discutam as intenções do

artista e estabeleçam um diálogo com o transeunte. Além do mais,

como pontuou Vera Chaves Barcellos (2008, p. 64), durante o 16°

Simpósio de Artes Plásticas: Experiências Atuais em Arte Pública,

realizado em 2007, na cidade de Porto Alegre (RS), o [...] artista deveria se tornar alguém que antes de criar objetos artísticos

pudesse interferir na nossa percepção da realidade, um criador de situa-

ções mais do que objetos acabados, um provocador de reflexões e, portan-

to, transformador das formas com que olhamos e percebemos o mundo ao

nosso redor.

Muito mais do que ser definida pela acessibilidade pública e

pelo posicionamento físico da obra em relação à edificação, a arte

pública se conceitua pelo processo continuado e cotidiano de trans-

formação do transeunte em um público de arte. Tanto devido a ações

educativas e institucionais como pelas características intrínsecas do

projeto do artista. Mais do que um espaço de passagem definido por

características físicas, uma zona de transição cultural.

Sim, dentro dessa abordagem, é possível existir arte pública

dentro da universidade, e o Acervo Cerâmico Itinerante o é por ter

sido concebido como um acervo vivo, pensado e elaborado para es-

tar em constante exposição pública, disponível a todos que transitam

livremente pelos espaços internos da universidade. Indivíduos em for-

mação artística continuada, observando e questionando criticamente

os processos de instauração da poética de 36 artistas que instalaram

suas produções cerâmicas no interior das redomas deste acervo e que

disponibilizam seus depoimentos técnicos e poéticos no site do NICA,

em http://www.ufrgs.br/nica/Acervo_itinerante.htm. Do ponto de vista

do artista e do transeunte, o ACI configura-se como arte pública, mes-

mo que dentro das definições institucionais do campo das artes esse

acervo possa não fazer parte dessa categoria.

Notas:1Professor de História da Arte Brasileira na ECA-USP, curador e crítico de arte (enquete: O que é arte pública?, seção “em obras”, de Trópico, http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/956,1.shl em 18/10/2011).2“O sentido corrente do conceito refere-se à arte realizada fora dos espaços tradi-cionalmente dedicados a ela, os museus e galerias. Fala-se de uma arte em espaços públicos, ainda que o termo possa designar também interferências artísticas em es-paços privados, como hospitais e aeroportos. A ideia geral é de que se trata de arte fisicamente acessível, que modifica a paisagem circundante de modo permanente ou temporário. O termo entra para o vocabulário da crítica de arte na década de 1970, acompanhando de perto as políticas de financiamento criadas para a arte em espaços públicos, como o National Endowment for the Arts (NEA) e o General Services Admi-nistration (GSA), nos Estados Unidos, e o Arts Council na Grã-Bretanha ”(Enciclopédia Itaú Cultural Artes Visuais http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=356, em 19/10/2011)”.3Como artista do movimento neoconcreto brasileiro, Amilcar de Castro concebia o espaço como um campo de vivência interativa e fluídica do olhar que pulsava entre as superfícies de suas esculturas e o entorno físico e perceptivo do público.4Neste texto, como para as reflexões de Buren, não estamos considerando a enco-menda pública de temática histórica dos monumentos comemorativos, e sim a Arte Pública Contemporânea.

Bibliografia: BARCELLOS, Vera C. Arte Pública: um Conceito Expandido. in Experiências em Arte Pú-blica Memória e Atualidade. Org. José Francisco Alves. Porto Alegre: Artfolio e Editora da Cidade, 2008, 72 p.

BUREN, Daniel. À Força de Descer às Ruas, Poderá a Arte finalmente Subir? in Da-niel Buren: Textos e Entrevistas Escolhidos (1967 – 2000). Org. Paulo Sergio Duarte, Rio de Janeiro: Centro Arte Helio Oiticica, 2001, 220 p. Professor de História da Arte Brasileira na ECA-USP, curador e crítico de arte (enquete: O Que É Arte Pública? se-ção “Em obras”, de Trópico, http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/956,1.shl, em 18/10/2011).

ACI, NICA 2010, saguão do prédio da Reitoria da UFRGS

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Page 17: NICA – No interior do cubo cerâmico - UFRGS

Prensautos é um painel cerâmico com cerca de 1 metro de

altura e 4 metros de comprimento, desenvolvido a partir da prensagem

de objetos autobiográficos em placas de argila. Sua execução iniciou-

se em 2008, com a participação de cerca de 130 alunos da graduação

Prensautos em Artes Visuais do DAV. Foi reformulado e ampliado durante as

primeiras ações do NICA – Núcleo de Instauração da Cerâmica

Artística – em 2009. Sua instalação no Campus Central da UFRGS,

em 2010, em uma ação conjunta entre o Departamento de Difusão

Cultural, a Prefeitura do Campus e o Departamento de Artes Visuais,

Painel cerâmico Prensautos, NICA 2009, Campus Central da UFRGS

disponibiliza os universos pessoais e afetivos que os alunos ‘carregam’

quando de seu ingresso à vida acadêmica. Particularidades formais de

um indivíduo que se desloca em direção à construção de um coletivo

institucional e artístico, que se percebe na percepção e na sensibilidade

do outro, seja ele vidente ou não.

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Page 18: NICA – No interior do cubo cerâmico - UFRGS

NICA – No interior do cubo cerâmico34 35 NICA – No interior do cubo cerâmico

ExposiçõesPerceptos e afectos de uma visualidade táctil

Se a arte conserva, não é à maneira da indústria, que acrescenta uma substância para fazer durar a coisa. A coisa tornou-se, desde o início, independente de seu “modelo”, mas ela também é independente de outros personagens eventuais, que são eles próprios coisas-artistas, personagens de pintura respirando este ar de pintura. E ela não é dependente do espectador ou do auditor atuais, que se limitam a experimentá-la, num segundo momento, se tem força suficiente. E o criador, então? Ela é independente do criador, pela autoposição do criado, que se conserva em si. O que se conserva, a coisa ou a obra de arte, é um bloco de sensações, isto é, um composto de perceptos e afectos.

Gilles Deleuze e Félix Guattari1

Após ser queimada a temperaturas superiores a 800°C, a argila

modelada torna-se cerâmica, uma matéria dura que praticamente não se decompõe no meio ambiente, fato constatado pela sua extensa presença na cultura material dos povos pré-históricos e pré-coloniais. Atualmente existe uma grande preocupação ecológica relacionada às práticas cerâmicas, devido aos elementos tóxicos que são eliminados nas redes de esgoto e fluvial, ao excesso de calor e gases gerados nos fornos cerâmicos e à transição da argila, matéria maleável e absorvível transformada em outra de difícil decomposição, a cerâmica. Esse questionamento, relativo às propriedades físicas da matéria, permeia a vivência de ateliê do NICA – Núcleo de Instauração da Cerâmica Artística – e se configura como um critério para determinar

Exposição do ACI na Sala João Fahrion

Acervo Cerâmico Itinerante, Sala João Fahrion, prédio da Reitoria da UFRGS, dezembro de 2010

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Page 19: NICA – No interior do cubo cerâmico - UFRGS

NICA – No interior do cubo cerâmico36 37 NICA – No interior do cubo cerâmico

Painel Cerâmico Prensautos, 3º Salão Nacional de Cerâmica, Prêmio Governo do Paraná, 2010

Detalhes do painel Prensautos

Exposição do NICA na Sala Ado Malagoli, em 2011

técnica, formal, conceitual e artisticamente o momento em que as modelagens podem ser queimadas e transformadas em objetos cerâmicos. Com a maturidade atingida pelo NICA, em seu primeiro triênio (2009/2011), o próprio termo objeto cerâmico se estende ao espaço de percepção do outro e a prática de ateliê passa a objetivar as percepções e sensações que serão provocadas no espectador durante as exposições. A essa preocupação ambiental, material, sobrepõe-se outra, filosófica e poética, quando observamos, no início desta página, as palavras de Deleuze e Guattari1 sobre a permanência não matérica da obra de arte potencializada como um composto de perceptos e afectos. Perceptos e afectos que inclusive superam o estado das sensações experimentado pelo espectador e são passíveis de serem compreendidos como “seres que valem por si mesmo e excedem qualquer vivido”. Esses conceitos foram abordados por Deleuze e Guattari ao analisarem as produções dos grandes mestres das artes, da música e da literatura e considerarem obras que “mesmo se o material só durasse alguns segundos, daria à sensação o poder de existir e de se conservar em si, na eternidade que coexiste com esta curta duração”. Guardadas as devidas proporções diante das produções cerâmicas elaboradas pelos integrantes do NICA e de outras linhas filosóficas que abordam os planos da matéria, das ideias e dos fenômenos, percebemos que o ato de expor, de colocar a produção desenvolvida nos ateliês da universidade para a apreciação e sensibilização do outro se torna uma atitude tão ou mais séria

1 veja: Perfectos, Afecto e Conceito. in O Que É Filosofia? Gilles Deleuze e Félix Guattari. – Rio de Janeiro: editora 34, 2010.

do que a transformação permanente da argila em cerâmica. No espaço expositivo, estaremos potencializando perfectos e afectos que poderão reverberar por toda a eternidade, independentemente do retorno das produções artísticas aos ateliês. Expor é um ato de coragem e desejo do outro e mesmo que temerosos do peso dessa responsabilidade artística e cultural, somos impelidos a fazê-lo. Já que disso se trata o fazer do artista, colocar-se outro, confrontar verdades, saberes e percepções individuais e coletivas e, mais especificamente, ao considerar neste capítulo a produção artística desenvolvida e exposta pelo NICA entre os anos de 2009 e 2011, ser um personagem de cerâmica respirando esse ar de cerâmica.

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Page 20: NICA – No interior do cubo cerâmico - UFRGS

NICA – No interior do cubo cerâmico38 39 NICA – No interior do cubo cerâmico

Exposição Ig Água, Galeria do DMAE, Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 2011 Título: ACI – Acervo Cerâmico Itinerante (Sala Fahrion)

Ano: 2010/2011

Tipo: exposição de produção artística do NICA – Núcleo de

Instauração da Cerâmica Artística

Duração: 30 de novembro de 2010 a 31 de janeiro de 2011

Curadoria : Carusto Camargo e Gilberto Menegaz

Local: Sala João Fahrion, Reitoria da UFRGS, Porto Alegre (RS)

Instituição promotora: Departamento de Difusão Cultural –

PROREXT – UFRGS, Porto Alegre (RS)

Autores integrantes do NICA e convidados:

Adriana Andricopulo, Alexandra Eckert, Ana Flores, Antônio

Augusto Bueno, Artur Lernen, Caren Czerwinskn, Carlos

Negrão, Carusto Camargo, Carlos Farias, Cristiane Ferreira,

Cecilia Akemi, Dani Amorim, Eloísa Tregnago, Ellen Röpke

Ferrando, Fernanda Barroso, Gilberto Menegaz, Iarema

Jenisch Mendonça, João Goedert, Julia Corrêa Bacellar,

Karen Ferreira Cerutti, Lara Espindola, Leonardo Leal

Loureiro de Lima, Maia Mena Barreto, Marianita Linck,

Marília Bianchini, Márcia Braga, Miriam Gomes, Milena

Hoffmann Kunrath, Nadmea Carvalho, Nico Giuliano, Re-

gina Veiga, Rodrigo Núñez, Tamir Farina, Tânia Resmine,

Sandra Azeredo de Menezes, Simone Nassif.

Quadro de exposições

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Page 21: NICA – No interior do cubo cerâmico - UFRGS

40 41 NICA – No interior do cubo cerâmico NICA – No interior do cubo cerâmico

Título: ACI – Acervo Cerâmico Itinerante, Reitoria da UFRGSAno: 2011 e 2012

Tipo: exposição de produção artística do NICA – Núcleo de Instauração da Cerâmica ArtísticaDuração: a partir de março de 2011Curadoria: Claudia BoettcherLocal: espaços internos do prédio da Reitoria da UFRGS

Instituição promotora: Departamento de Difusão Cultural –

PROREXT – UFRGS, Porto Alegre (RS)

Autores integrantes do NICA e convidados: Adriana Andricopulo, Alexandra Eckert, Ana Flores, Antônio Augusto Bueno, Artur Lernen, Caren Czerwinskn, Carlos Negrão, Carusto Camargo, Carlos Farias, Cristiane Ferreira, Cecilia Akemi, Dani Amorim, Eloísa Tregnago, Ellen Röpke Ferrando, Fernanda Barroso, Gilberto Menegaz, Iarema Jenisch Mendonça, João Goedert, Julia Corêa Bacellar, Karen Ferreira Cerutti, Lara Espindola, Leonardo Leal Loureiro de Lima, Maia Mena Barreto, Marianita Linck, Marília Bianchini, Márcia Braga, Miriam Gomes, Milena Hoffmann Kunrath, Nadmea Carvalho, Nico Giuliano, Regina Veiga, Rodrigo Núñez, Tamir Farina, Tânia Resmine, Sandra Azeredo de Mene-zes, Simone Nassif.

Título: Prensautos – Percepções do Utensílio Contemporâneo

(Sala Ado Malagoli)Ano: 2011

Tipo: exposição de produção artística do NICA – Núcleo de Instauração da Cerâmica ArtísticaEvento: Edital de Exposições Sala Ado Malagoli Duração: 31 de maio a 22 de junho de 2011Curadoria : Carusto Camargo e Gilberto MenegazLocal: Sala Ado Malagoli, Instituto de Artes, UFRGS, Porto Alegre (RS)Instituição promotora: Centro Acadêmico Tasso CorreaAutores integrantes do NICA: Antônio Augusto Bueno, Caruto Camargo, Carlos Negrão, Carmem Maria Pucci, Daiana Schröpel, Eduardo Rosa, Gilberto Menegaz, João Goedert, Iarema Jenish Mendonça, Lara Espinosa, Loren Cristina Gay, Nadmea Carvalho, Maritê Englert, Milena Kunrath, Sandra Azeredo de Menezes, Tamir Farina, Tiago Pizzutti.

Título: Prensautos – Percepções do Utensílio Contemporâneo

(Salão Nacional)Ano: 2010

Tipo: exposição de produção artística do NICA – Núcleo de Instauração da Cerâmica Artística

Evento: 3° Salão Nacional de Cerâmica Duração: 16 de março a 26 de outubro de 2010Premiação: Prêmio Governo do Paraná – categoria ArtísticaLocal: Casa Andrade Muricy, Curitiba (PR)Instituição promotora: Secretaria de Estado da Cultura, Governo do Estado do ParanáAutores integrantes do NICA: Carusto Camargo, Carlos Negrão, Carmem Maria Pucci, Eduardo Rosa, Gilberto Menegaz, João Goedert, Iarema Jenish Mendonça, Lara Espinosa, Milena Kunrath, Sandra Azeredo de Menezes.

Título: Prensautos – Impressões de Objetos AutobiográficosAno: 2008-2010

Tipo: inauguração de arte pública – painel cerâmico produzi-do no ateliê de cerâmica do DAV do Instituto de ArtesEvento: Arte Pública nos Campi Duração: permanente a partir de dezembro de 2010Curadoria: Carusto CamargoLocal: Campus Central da UFRGS, Porto Alegre (RS)

Instituição promotora: Departamento de Difusão Cultural – DDC/

PROREXT – UFRGS, Porto Alegre (RS)Autores: cerca de 130 alunos das disciplinas de Cerâmica do

primeiro semestre de 2008 do DAV – IA/UFRGS e

integrantes do NICA de 2009 – Adriana Castro Andricopulo,

Carlos Alvariz Pereira, Carusto Camargo, Gilberto Menegaz, Isabel Goidanich de Castro, João Goedert, Lara Espinosa, Maia Mena Barreto, Mairy Sarmanho, Artur Alberto Almada Lernen, Cristiane Ferreira, Milena Hoffmann Kunrath.

Título: Ig Àgua Ano: 2009

Tipo: exposição de produção artística do Bando de Barro com participação e apoio do NICA – Núcleo de Instauração da Cerâmica ArtísticaEvento: Edital dos Espaços Expositivos da Prefeitura de Porto Alegre (RS)Duração: 12 de agosto a 2 de outubro de 2009Curadoria: Rodrigo NúñezLocal: Galeria do DMAE, Porto Alegre (RS)Instituição promotora: Prefeitura Municipal de Porto Alegre (RS)Autores, integrantes do Bando de Barro e integrantes do NICA: Adriana Castro Andricopulo, Carlos Alvariz Pereira,Carusto Camargo, Gilberto Menegaz, Isabel Goidanich de Castro, João Goedert, Lara Espinosa, Maia Mena Barreto, Mairy Sarmanho, Artur Alberto Almada Lernen, Cristiane Ferreira, Milena Hoffmann Kunrath.

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Page 22: NICA – No interior do cubo cerâmico - UFRGS

NICA – No interior do cubo cerâmico42 43 NICA – No interior do cubo cerâmico

Cerâmica artística, artesanato ou arte popular? O termo “cerâmica artística” firmou-se entre os ceramistas brasileiros, a partir de 2004, com a realização do 16° Salão Paranaense de Cerâmica. Evento dividido nas categorias Artística, Industrial e Popular. A partir de sua nacionalização ocorrida em 2006, cria-se então o Salão Nacional de Cerâmica, composto das categorias Artística, Design e Popular, com comissões de julgamento autônomas, formadas por representantes das universidades, dos ateliês independentes e da crítica nacional1. Mas qual seria o campo da Cerâmica Artística e quais seriam seus cruzamentos e desvios em relação ao Artesanato, à Arte Popular e ao Design Cerâmico? Politicamente, em Crítica do Artesanato2, Mirko Lauer aborda a distinção entre Arte e Artesanato como uma necessidade de o colonizador desqualificar toda a produção anterior do colonizado e estabelecer um critério de valorização dominante. Com a Mostra do Redescobrimento, realizada em 2000, na cidade de São Paulo, a produção manual presente no artesanato regional e nas festas

1ver: 3° Salão Nacional de Cerâmica: artística, design, popular (catálogo). Curitiba: Secretaria do Estado da Cultura, 2010.2 LAUER, Mirko. Crítica do Artesanato: Plástica e Sociedade nos Andes Peruanos. São Paulo: Nobel, 1983.

populares é reconhecida pelo grande público como Arte Popular. Independentemente de toda uma formalidade inerente à Arte Popular presente na mostra, seu reconhecimento enquanto Arte se legitimou muito mais devido a essa produção significar os rituais culturais, religiosos e cotidianos dos povos regionais do Brasil, ou seja, muito mais devido a suas potencialidades comunicacionais em consonância com a definição comunicacional da Arte proposta por Dias no catálogo Arte, Arte Índia, Artes Indígenas3:

De acordo com a teoria estética, arte será uma atividade orientada

para a organização da forma das coisas, de que resulta um objeto

com qualidades de apelo visual (beleza), capaz de estimular no

espectador um modo específico de visão – a experiência estética.

As teorias comunicacionais da arte definem-na como uma

capacidade particular de usar as imagens para enfatizar a nossa

percepção do mundo e transformá-la. Nesse caso, um objeto é

artístico à medida que participa de um código visual de comunicação

de uma idéia, de uma metáfora transformadora.

Para a teoria institucional, arte é o que assim é designado pelos

membros do mundo da arte institucionalmente reconhecido.

José Antonio Dias

in “Arte, Arte Índia, Artes Indígenas”

(Mostra do Redescobrimento: Artes Indígenas, 2000, p. 46)

3Mostra do Redescobrimento: Artes Indígenas./ organização Nelson Aguilar. Fundação Bienal de São Paulo – São Paulo: Associação Brasil 500 anos Artes Visuais, 2000.

Tania RResmini (RS)Grafite IGrafite IIGrafite IIIPrêmio Museu Alfredo Andersen

Bruno Batocchio (PR)Moringaiaiá - Moringa D’ÁguaPrêmio Museu Alfredo AndersenDesign para produção industrial

Sebastião Pimenta (MG)Jarra Cristal III

Prêmio Governo do ParanáDesign para produção em ateliê

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Page 23: NICA – No interior do cubo cerâmico - UFRGS

NICA – No interior do cubo cerâmico44

É evidente que estamos falando de uma categoria específica do artesanato, diferentemente de parte de uma vasta produção utilitária que se comercializa nas feiras e nos mercados públicos brasileiros. Conceitualmente, as mesmas características comunicacionais que diferenciam esse artesanato da Arte Popular diferenciam a Cerâmica Artística do Design Cerâmico. Além da simples percepção formal do objeto modelado, o artista ceramista impregna no objeto produzido um pensamento crítico, uma intenção poética que deseja comunicar, confrontar o público e questionar sua compreensão prévia do campo da cerâmica. Diferentemente da Arte Popular que é elaborada por um povo que vivencia e significa uma cultura coletiva consolidada por uma memória regional estabelecida pela tradição, a Cerâmica Artística é determinada na relação subjetiva do artista com a contemporaneidade. Ao inserir sua iconografia pessoal na realidade vivida, o ceramista contemporâneo busca incessantemente dar sentido e construir enredos coletivos que serão percebidos enquanto unidade pelo outro. Essas categorias não são estanques e de acordo com o objeto cerâmico considerado torna-se muito tênue o reconhecimento das fronteiras entre a Cerâmica Artística, o Design e a Cerâmica Popular. Tanto que durante o 3° Salão Nacional de Cerâmica, realizado em 2010, na cidade de Curitiba – (PR), as comissões julgadoras migraram vários trabalhos de uma categoria para outra. Inclusive pontuaram que é inerente à Cerâmica Popular ter sido produzida por um artesão inserido na cultura em questão. Ele pode inclusive ressignificá-la, mas a cultura popular deve estar inserida em seu contexto cotidiano.

Marcelo de Castro Vieira (BA)Moringa MoçaPrêmio Museu Alfredo AndersenUtilitário/Decorativo

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