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1 Noeli Woloszyn Brum de Oliveira Os Trabalhadores do Rio Balsas e balseiros do Alto Uruguai - 1930-1960– Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em História, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Passo Fundo como requisito parcial e final para obtenção do grau de mestre em História sob a orientação do Prof. Dr. Mário Maestri. Passo Fundo 2006

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Noeli Woloszyn Brum de Oliveira

Os Trabalhadores do Rio

Balsas e balseiros do Alto Uruguai - 1930-1960–

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Passo Fundo como requisito parcial e final para obtenção do grau de mestre em História sob a orientação do Prof. Dr. Mário Maestri.

Passo Fundo

2006

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RESUMO

O Oeste catarinense foi colonizado por migrantes descendentes de italianos e

alemães, que vieram das colônias gaúchas a partir de 1917. Esse fato contribuiu

para o crescimento dos primeiros povoados, que apresentavam algumas

dificuldades. Entre elas, estava a de inserir a região no contexto econômico do

estado e do país, ocupando áreas desabitadas, produzindo riquezas e atendendo,

assim, a lógica capitalista. Com isso, surgiu umas das primeiras possibilidades

econômicas da região: a exploração da madeira, que era abundante nas florestas

subtropicais e com alto valor comercial.

A madeira era levada até São Borja/RS e de lá para o Uruguai e a Argentina,

onde eram comercializadas. Para transportar as toras utilizou-se do sistema de

balsas, que consistia em amarrar cerca de cento e cinqüenta a duzentas toras de

madeiras umas às outras. Em torno desta atividade, estavam muitos trabalhadores,

os balseiros, que realizavam várias tarefas: derrubar a mata e arrastar as toras, com

juntas de boi até o rio Uruguai e os transportar as madeiras.

Esse trabalho pretende apresentar a influência da atividade balseira no

desenvolvimento econômico dos municípios envolvidos, bem como a importância

desta no processo de povoamento da região Oeste catarinense e norte rio-

grandense. Buscamos informações através das fontes orais que fizeram parte desse

processo, bibliografias e material de acervo disponíveis.

PALAVRAS CHAVES: madeiras , balsas , trabalho , história regional , colonização.

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ABSTRACT

The west of Santa Catarina state was lived by immigrants descendants of

Italian and German, that came from “rio-grandenses” communities since 1917. This

fact contributed to the growth of the community that presented some difficulties.

Among them, it was to live the region in a economical context of the state and the

country. They occupied uninhabited areas, producing wealth and serving to the

capitalist logical. So, it appeared as one of the first economical possibilities of the

region: the wood exploration, that was abundant in subtropical forests and with a

great commercial value.

The wood was taken to São Borja-RS and from there to Uruguai and

Argentina, where it was traded. The wood was carried by ferries. The trunks were

tied up in each other by blocks. In each of them it was carried about one hundred

and fifty or two hundred trunks. There were many workers working in this activity:

the farm laborer cut down the plants and carried the trunks with steers help until

Uruguai river, the ferry boat workers were who carried the wood away.

This work intend to present the influence of this ferry boat activity in the

economical development of the involved municipalities, as well the importance of

this activity into the process of living at west region in Santa Catarina state and the

living in Rio Grande do Sul state. We went to pick information up through oral

sources that participated of this bibliography process and others material available.

Key Words: wood , ferry , work , regional history , colonization.

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LISTAS DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Mapa do Oeste catarinense ................................................................16

Figura 2 – Objetos de pedra e cerâmica...............................................................18

Figura 3 – Nativos capturados ............................................................................21

Figura 4 – Grandes caminhos de tropeiros e cidades surgidas ao longo destas

rotas......................................................................................................................24

Figura 5 – Tropeirismo de porcos ........................................................................28

Figura 6 – Exploração da madeira pela madeireira Lumber................................35

Figura 7 – Propaganda em alemão veiculada em jornais para atrair colonos

alemães ao Alto Uruguai, na década de 1920......................................................36

Figura 8 – Mutirão (forma de trabalho coletivo) ...................................................39

Figura 9 – Galpão comunitário .............................................................................41

Figura 10 – Colonização do Alto Uruguai ............................................................49

Figura 11 – Mapa do rio Uruguai - divisa entre Santa Catarina e Rio Grande do

Sul.........................................................................................................................51

Figura 12 – Estreito do rio Uruguai .......................................................................54

Figura 13 – Salto Grande......................................................................................56

Figura 14 – Pinheiro ou araucária.........................................................................62

Figura 15 – Mudanças na paisagem natural.........................................................65

Figura 16 – Retirada das madeiras das matas.....................................................75

Figura 17– Porto do Itá.........................................................................................79

Figura 18 – Preparação da balsa..........................................................................81

Figura 19 – Trabalhadores ao remo .....................................................................82

Figura 20 – A cozinha das balsas.........................................................................84

Figura 21 – A descida...........................................................................................87

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Figura 22 - Percurso da viagem...........................................................................91

Figura 23 - Ilha dos Peixes – perto de Iraí/SC......................................................93

Figura 24 - Caminhões usados como meios de transporte..................................97

Figura 25 – São Borja/RS na década de 1950...................................................101

Figura 26 – Porto de São Borja/RS....................................................................103

Figura 27 – Moinho, armazém, descascador de arroz, fábrica de rações e

silo.......................................................................................................107

Figura 28 – Alexandre Bellani.............................................................................109

Figura 29 – Aloísio Lauxen.................................................................................111

Figura 30 – Carlos Minella..................................................................................112

Figura 31 – Cilfredo Klein...................................................................................114

Figura 32– José Martins de Oliveira..................................................................119

Figura 33 – Salvador Rodrigues Gonçalves.......................................................124

Figura 34 – Selvino Prediger.............................................................................127

Figura 35 – Severino Carlos Aigner ....................................................................130

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Exportação brasileira de Pinho serrado (em toneladas) – 1934-

1948........................................................................................................67

Tabela 2 - Freqüência de respostas (%) sobre as espécies mencionadas de maior

valor madeirável (de 1927 a 1999), na Floresta Estacional Decidual,

região do Alto-Uruguai, SC .............................................74

Tabela 3 – Freqüência de respostas (%) sobre as espécies de valor madeirável de

maior densidade na Floresta Estacional Decidual, região do Alto-

Uruguai, SC........................................................................................77

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................................11

1 A COLONIZAÇÃO DO OESTE CATARINENSE...............................................16

1.1 A ocupação nativa..........................................................................................16

1.2 Do bandeirantismo ao tropeirismo .................................................................20

1.3 O tropeirismo e a colonização do ‘sertão’ catarinense...................................23

1.4 Importância econômica do caminho das tropas.............................................26

1.5 Termina o tropeirismo... a região continua habitada ......................................29

1.6 Caboclos versus coronéis...............................................................................31

1.7 Contestado: da economia de subsistência à mercantil...................................33

1.8 Os ‘novos colonos’ no Oeste catarinense.......................................................37

1.9 Da economia mercantil à exploração capitalista.............................................40

1.10 A linguagem dos habitantes locais...............................................................42

2 O CENÁRIO DA REGIÃO..................................................................................47

2.1 A exploração das terras e das riquezas..........................................................47

2.2 O rio Uruguai ..................................................................................................50

2.3 Um rio de obstáculos......................................................................................53

2.4 A mata da região Oeste catarinense.......................... ....................................58

2.5 A riqueza que vem da madeira.......................................................................60

2.6 A principal fonte econômica torna-se um recurso esgotável..........................63

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2.7 Exploração e Meio Ambiente.........................................................................66

3 AS BALSAS E COMÉRCIO DA MADEIRA........................................................71

3.1 Quem era o balseiro? ....................................................................................71

3.2 Comércio de Madeiras: uma atividade lucrativa ............................................73

3.3 À espera da enchente ....................................................................................78

3.4 Apesar dos perigos... finalmente a viagem ...................................................82

3.5 A segurança era a coragem ..........................................................................88

3.6 Fim de uma viagem... Preparação para outra ...............................................95

3.7 A cidade de São Borja e o comércio das balsas ...........................................98

3.8 Do rio para a estrada ...................................................................................104

3.9 Balsas vendidas, capital aplicado ................................................................106

4 OS TRABALHADORES DO RIO E SUAS HISTÓRIAS...................................109

4.1 Alexandre Bellani ..........................................................................................109

4.2 Aloísio Lauxen..............................................................................................111

4.3 Carlos Francisco Minella...............................................................................112

4.4 Cilfredo Klein.................................................................................................114

4.4.1 Um reencontro (in)esperado .....................................................................115

4.4.2 Uma enchente de dar medo! ....................................................................116

4.5 José Martins de Oliveira...............................................................................119

4.5.1 Histórias de trem .......................................................................................121

4.5.2 Ensaios no rio Uruguai ..............................................................................123

4.6 Salvador Rodrigues Gonçalves ...................................................... .............124

4.7 Selvino Prediger............................................................................................127

4.7.1 Eu versus a onça ......................................................................................128

4.8 Severino Aigner............................................................................................130

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CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................132

CRONOLOGIA ...................................................................................................135

GLOSSÁRIO ......................................................................................................138

REFERÊNCIAS..................................................................................................141

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INTRODUÇÃO

Ao longo dos anos, a historiografia regional do sul do Brasil tem recebido

contribuições importantíssimas acerca de temas de interesses locais. Foram

pesquisados assuntos diversos, envolvendo comunidades como a italiana, a alemã

e a polonesa, que encontraram nos estados meridionais a possibilidade de serem

proprietários de terra e de acumular capital. Esses estudos trouxeram igualmente

contribuições importantes sobre as comunidades cabocla e nativa, grupos que

ocuparam pioneiramente as terras sulinas e que foram ignoradas pela historiografia

tradicional. Tem sido também enfocada o passado do trabalhador escravizado, a

principal força produtiva do Brasil colonial.

Nossa proposta de dissertação de Mestrado, no campo da História Regional,

desenvolvida no Programa de Pós-Graduação da Universidade de Passo Fundo

(PPGH-UPF) centrou-se na atividade balseira no Alto Uruguai catarinense. Com o

término da guerra do Contestado, em 1916, a região Oeste de Santa Catarina

começou a ser colonizada por migrantes, vindos sobretudo das colônias rio-

grandenses. Uma das primeiras riquezas exploradas por essas comunidades foi a

madeira, abundante na região, que era vendida principalmente aos países

europeus, após ser escoada, através de sistema de balsas, pelo rio Uruguai, já que

nesse período não haviam estradas e meios de transporte que se prestassem a

essa atividade.

O comércio de madeiras, em toras ou tábuas, foi uma atividade basicamente

sazonal, já que dependia do volume de água que o rio Uruguai recebia. As

enchentes encobriam locais considerados perigosos para o trânsito das balsas,

como ilhas, ressorjos*, cachoeiras, peraus*, entre outros, que eram conduzidas até

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São Borja, no Rio Grande do Sul, de onde eram rebocadas por lanchas, até a foz do

rio da Prata, para serem exportadas.

O ‘negócio das balsas’ representou a possibilidade de que a população

ribeirinha ao rio Uruguai, com destaque para os pequenos agricultores, obtivessem

uma renda extra como balseiros. Além dos trabalhadores empregados na condução

das balsas pelo rio Uruguai, intervinham na atividade os cortadores da madeira, os

arrastadores, os armadores da balsa, etc. Não raro, alguns trabalhadores

empregavam-se sobretudo como balseiros, dependendo então fortemente das

condições de tempo para poderem trabalhar.

Procuramos evidenciar a participação dos caboclos, tanto no processo de

ocupação das terras do Alto Uruguai e Oeste catarinense, como uma das

fundamentais forças produtivas do negócio das balsas. Essa contribuição tem sido

ignorada comumente nos poucos trabalhos dedicados ao tema . O excelente

trabalho Madeiras, balsas e balseiros no rio Uruguai , de Eli Maria Bellani, que

descreve a atividade balseira, sobretudo das madeireiras da região de Chapecó,

especialmente a Empresa Colonizadora Bertaso, Maia & Cia que, pouca atenção dá

à contribuição cabocla e aos conflitos sociais advindos da exclusão social dessa

comunidade. O importante estudo O Velho Balseiro: A saga dos balseiros do rio

Uruguai, de Heitor Lothieu Angeli, aborda a pujança de sua família, as peripécias

dos balseiros, as festas em São Borja, no Rio Grande do Sul e na Argentina.

Lamentavelmente, quase desconhece as categorias subalternizadas deste

processo. Na nossa pesquisa, utilizamos textos igualmente valiosos que se referem

diretamente ou episodicamente ao tema, como: Madeireiros, comerciantes e

granjeiros: Lógicas e contradições no processo de desenvolvimento socioeconômico

de Passo Fundo (1900-1960), de João Carlos Tedesco e Roberto Sander; Balsas e

balseiros no rio Uruguai, de Eli Maria Bellani e Tropeiros, Ervateiros e Balseiros:

Memoráveis personagens da História do Sertão Catarinense, de Delmir Valentini.

O ‘negócio das balsas’ estendeu-se basicamente pelo período de 1930-1960.

Esse período, relativamente curto no contexto da história regional, teve, entretanto,

grande importância social e econômica para as comunidades sede dos balseiros,

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que nos levou a estudá-lo. A exportação fluvial de madeira impulsionou a criação de

várias serrarias e de importantes melhorias da infra-estrutura nas estradas da

região, possibilitou a abertura de novos mercados e o escoamento da produção

agropecuária dos colonos. Acreditamos igualmente importante abordar a questão

pois ainda vivem diversos balseiros na região em questão. Em verdade, eles se

transformaram na nossa principal fonte de pesquisa. Registramos, portanto, nosso

sentido agradecimento pelos gentis depoimentos prestados por esses protagonistas

de um pedaço de nosso passado regional.

Procuramos fazer uma descrição da área de estudo, desde a ocupação nativa

até o período em que se interrompeu a atividade balseira, como vimos, em torno de

1960. Para essa descrição, utilizamos trabalhos valiosos, como o de Antenor

Geraldo Ferreira, Concórdia: o rastro de sua história; de Maria da Graça Büchele,

Retalhos históricos das comunidades I e II, com informações sobre a história do

município de Concórdia, em Santa Catarina; de Paulo Pinheiro Machado,

Lideranças do Contestado: a formação e atuação das chefias caboclas (1912 1916);

de Marli Auras, Guerra do Contestado: a organização da irmandade cabocla; de

Delmir Valentini, Da cidade santa à corte celeste: memórias de sertanejos e a

Guerra do Contestado e de Maurício Vinhas de Queiroz Messianismo e Conflito

Social: A guerra sertaneja do Contestado (1912-1916). Nos foram de grande

utilidade as obras de Jaci Poli Caboclo: pioneirismo e marginalização; de Arlene

Renk A luta da erva: um ofício étnico no Oeste catarinense; de Nilson Thomé 1949,

Ciclo da madeira: história da devastação da floresta da araucária e do

desenvolvimento da indústria da madeira em Caçador e na região do Contestado no

século XX e de Alceu Werlang, A colonização do Oeste catarinense. Elas nos

ajudaram sobretudo na descrição da região Oeste de Santa Catarina e das

comunidades que ali viveram e vivem.

Diversos outros trabalhos nos serviram como apoio bibliográfico

complementar. Destacamos e agradecemos, sobretudo, a contribuição do Museu

Histórico de Concórdia, que nos cedeu importante acervo de fotos da atividade

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balseira. Agradecemos igualmente ao Centro de Desenvolvimento Ambiental (CDA)

de Itá que também nos forneceu fotos e relatórios importantes para nossa pesquisa.

Nossa escolha dos “balseiros do rio Uruguai” como tema de dissertação deve-

se igualmente a iniciativa como a da Fundação Municipal de Cultura de Concórdia,

que promoveu encontros de balseiros, procurando valorizar a contribuição histórica

desses trabalhadores do rio Uruguai. Outro motivo da escolha desse tema é que

muitas cidades e povoados que serviram de cenário à atividade balseira fazem hoje

parte de projetos de construção de usinas hidrelétricas, sendo importante, portanto,

contribuir para o resgate desse passado. A canção “Balseiros do rio Uruguai”

também nos despertou a atenção para a atividade, antes mesmo de pensarmos

empreender pós-graduação em História.

A maior dificuldade ao desenvolvimento da pesquisa foi a raridade de fontes

documentais escritas relacionadas especificamente do tema. Assim sendo, os

depoimentos orais foram, como assinalado, determinantes em nosso estudo.

Interpretamos os dados apoiando-nos no método histórico dialético, que parte da

base material para analisar a produção social dos homens no curso da história.

Pretendemos que essa pesquisa constitua uma contribuição para o conhecimento

da história regional, especialmente do Alto Uruguai catarinense, sem perder de vista

o contexto sócioeconômico-político que a desencadeou.

Procuramos desmistificar a figura do balseiro como um “herói” que recebia

“rios de dinheiro”, para apresentá-lo no seu verdadeiro conteúdo de simples

trabalhador que recebia remuneração para desenvolver tarefas de alto ricos,

descendo o rio Uruguai em dias de enchente. Ao buscarmos organizar o texto

destacando os principais elementos de nossa pesquisa: o homem, a natureza e a

economia, dividimos o trabalho em cinco capítulos.

No primeiro capítulo – “A colonização do Oeste catarinense” – abordamos

aspectos referentes à ocupação inicial da região Oeste de Santa Catarina, objeto de

nossa pesquisa. A partir de bibliografias disponíveis, referimo-nos à ocupação

nativa, à ação bandeirante, à importância do tropeirismo, aos caboclos e à guerra do

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Contestado e, por fim, à ocupação colonial -camponesa por descendentes de

imigrantes europeus, vindos do Rio Grande do Sul.

No segundo capítulo – “O cenário da região” –, procuramos apresentar o

espaço em que a atividade balseira desenvolveu-se, ou seja, o principal cenário da

pesquisa. Descrevemos o rio Uruguai, que se constituiu na principal via e meio de

transporte das balsas até a cidade de São Borja, no Rio Grande do Sul, e a mata da

região com sua variedade vegetal disponível. Nesse tópico, destacamos a cobertura

florestas, sobretudo no que se refere à área explorável. Sempre, procuramos

analisar o processo histórico que envolveu a apropriação desses recursos naturais

para obtenção de capital.

No terceiro capítulo – “Os trabalhadores do rio” – propusemo-nos evidenciar

quem foram os balseiros. Para isso, analisamos a origem e as motivações desses

trabalhadores. Historicizamos, também, fragmentos da vida de alguns balseiros

entrevistados, para melhor contextualizar os espaços em que se desenvolveram

suas vidas.

O quarto capítulo – “As balsas e comércio da madeira” – constitui-se de uma

descrição de toda a atividade madeireira, desde a retirada das toras das matas até a

viagem a São Borja, no Rio Grande do Sul, com o retorno dos balseiros às

comunidades de origem. Nesse capítulo, procuramos evidenciar a atividade como

alternativa de sobrevivência dos caboclos, possibilidade de renda extra dos

agricultores e fonte de riqueza aos madeireiros.

Por fim, o quinto capítulo – “Histórias de balseiros” – contém algumas das

histórias de viagem dos trabalhadores do rio, relatadas pelos entrevistados, que,

entre outros cenários, descrevem situações de risco enfrentadas no rio. Mesmo não

encontrando fontes diversas que atestasse a veracidade dos fatos descritos,

apoiamos nosso trabalho essencialmente na memória múltipla e concordante

desses trabalhadores, tão esquecidos pela historiografia regional.

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CAPÍTULO 1

A COLONIZAÇÃO DO OESTE CATARINENSE

Figura 1 – Mapa do Oeste catarinense

Adaptado de LAGO, Paulo Fernando. Santa Catarina: Dimensões e Perspectivas. Florianópolis: EdiUFSC. 1978. p. 155.

1.1 A ocupação nativa

Ao abordar-se a análise histórica do Oeste e Meio-oeste catarinense, torna-se

imprescindível examinar o seu processo de colonização. Os relatos sobre o

povoamento da região fazem referência às “terras virgens” desbravadas pelos

imigrantes europeus. Porém, os vestígios materiais e a documentação confirmam a

existência de povos nativos nessa região de Santa Catarina, muito antes da

chegada dos colonizadores. Em Dos índios e brancos no sul do Brasil: a dramática

experiência dos Choclengs, o historiador catarinense Silvio Coelho dos Santos

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propõe: “[...] os primeiros grupos humanos a pertencer ao território de Santa

Catarina foram grupos de caçadores e coletores, que teriam atingido a região

através do vale do rio Uruguai. Isto por volta de 5.500 a.C.”1

Para o historiador catarinense Cyro Ehlke, em A conquista do planalto

catarinense: bandeirantes e tropeiros do sertão de Curitiba, esses povos “eram

bastante sociáveis e viviam em harmonia com os silvícolas [sic] das Reduções.

Ajudavam eles a trabalhar, prestavam socorros quando necessitassem e indicavam,

inclusive, os lugares onde se poderia encontrar a erva-mate ou congonha.

Alimentavam-se de caça e de mel silvestre e do produto de suas pequenas

plantações.” 2 Esses nativos possivelmente descendiam dos tupi-guaranis. Várias

foram as etnias que se desenvolveram no sul do país, como os choclengs,

localizados nas porções litorâneas e no planalto, e os caingangues, que habitavam

o sertão catarinense. Cyro Ehlke complementa: “Os guañana ou guaianá, segundo

Gabriel Soares e Telêmaco Borba [...], seriam os atuais caingangues ou coroados.

Teriam eles habitado o baixo Iguaçu e Uruguai, sendo que, por 1610, segundo o

cônego João Pedro Gay [...] existiam numerosas malocas de guaianá às margens

dos rios Iguaçu e Santo Antônio, bem acima do rio Chopim (antigamente Peritiba).” 3

Esses povos foram descritos como semi-nômades, já que viviam em

pequenos grupos e não tinham tradição de cultivar grandes áreas agrícolas. Viviam

da caça, da pesca, da coleta e da horticultura. Dentre os alimentos coletados,

destacavam-se o mel, o pinhão, o palmito, as frutas e a erva -mate. Colhiam plantas

medicinais, gramíneas e cipós, que eram utilizados na confecção de cestaria,

cordas e outros objetos de uso cotidiano e religioso. É sabido que os caingangues

conheciam algumas técnicas de cultivo e praticavam uma agricultura rudimentar –

horticultura –, em que o milho destacava-se como produto base da alimentação.

Cultivavam também o feijão e a moranga. Essas práticas societárias e produtivas

1 SANTOS, Silvio Coelho. Dos índios e brancos no sul do Brasil: a dramática experiência dos Xokleng.

Porto Alegre: Movimento.. 1987. p. 28. 2 EHLKE, Cyro. A conquista do planalto catarinense: bandeirantes e tropeiros do sertão de Curitiba. Rio

de Janeiro: Laudes. 1973. p.36. 3 Ibidem. p.36.

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obrigam-nos a concluir que as terras colonizadas pelos europeus não eram

definitivamente ‘terras virgens’.

A presença da população nativa caingangue sempre foi mais acentuada nas

áreas conhecidas hoje como Meio e Extremo-oeste de Santa Catarina. Em função

disso, descreveremos apenas o modo de organização desse povo. Vários objetos,

como as cerâmicas e as pontas de flechas, têm sido encontrados ao longo dos anos

nessa região, conforme mostra a figura abaixo:

Figura 2 - Objetos de pedra e cerâmica

Fonte: GERASUL, CSN, Itambé. Itá – Memória de uma Usina . Itá: Takano, 2000. p. 24

Algumas narrativas fazem referência a atos ‘violentos’ desses povos. Em

Concórdia: o rastro de sua história, Antenor Ferreira aborda essa situação: “Relata-

se que, em 1600, vindas pela bacia do rio do Prata, expedições de espanhóis e

jesuítas aproximaram-se da região compreendida entre os rios Uruguai e Iguaçu. As

expedições encontraram dificuldades para a exploração da região por ser muito

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acidentada, com espessas florestas, sendo habitada, nas margens dos rios, por

indígenas considerados ferozes [sic].” 4

Acrescenta-se a isso o fato de que os caingangues perderam a maior parte

de seus territórios históricos. A arqueóloga catarinense Arlene Renk lembra: “As

terras que antes eram dos indígenas, foram registradas em nome dos brancos.

‘Quem não registra não é dono’, esse era o princípio da lei. Pelo que se vê, é uma

lei que só favorece àqueles que a fizeram. Era a lei dos caras-pálidas [sic.] e não

dos kaingangs. E aí, o novo ‘dono’, aquele que tinha em mãos os papéis, vai exigir a

retirada dos índios. Para estes, as fronteiras entre estados, municípios e fazendas

eram uma ficção. Afinal tudo era deles. E agora, devem retirar-se de uma área rica

em pinhões e erva -mate.” 5

A conquista do território nativo foi facilitada pela a ação dos caciques que se

tornaram aliados dos colonizadores e colaboraram na conquista dos grupos

resistentes. Esses líderes ficaram famosos por seus atos, sendo hoje

homenageados com seus nomes ligados a cidades, estádios, rádios, jornais. Na

região em estudo, podemos citar o chefe Condá, de Chapecó. Em Paraná

Sudoeste: ocupação e colonização, o historiador Ruy Wachowicz lembra que a

colaboração do cacique foi fundamental para a concretização da ocupação dos

territórios pretendidos pelos conquistadores. 6

Uma grande parte das florestas foi derrubada por serrarias fixadas nos

territórios caingangues. Suas melhores terras foram doadas ou vendidas para

fazendeiros e para os próprios órgãos indigenistas. Os nativos viram seus hábitos e

costumes serem destruídos e substituídos pelos do colonizador. Hoje, as

comunidades caingangues sobrevivem, decaídas, das roças familiares, do trabalho

prestado a produtores rurais e da venda de artesanato. Assim, lentamente, o vasto

4 FERREIRA, Antenor Geraldo Zanetti. Concórdia: O rastro de sua história. Concórdia: Fundação

Municipal de Cultura. 1992. p. 27. 5 RENK, Arlene. Migrações . Chapecó: Grifos. 1999. p. 08 6 Cf. WACHOWICZ, Ruy Christovam . Paraná Sudoeste: ocupação e colonização. Curitiba: Litero-técnica,

1988. pp.17-8.

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território antes ocupado pelos caingangues foi reduzido a pequenas áreas, ou

‘toldos’*.

1.2 Do bandeirantismo ao tropeirismo

A região Oeste catarinense começou a ser explorada por luso-brasileiros,

ainda no século XVIII, quando passou por essas terras o primeiro grupo de paulistas

a caminho do atual território rio-grandense. Com o Tratado de Madrid, de 1750, o

território foi vasculhado. Por esse tratado, Portugal cedia a Colônia de Sacramento e

algumas possessões da Ásia, para a Espanha. No entanto, ficava reconhecido o

domínio português sobre o litoral sul, até as proximidades do rio da Prata. Pelo

interior, a fronteira chegava ao rio Uruguai. O principal objetivo era definir as

fronteiras entre o Brasil e o vice-reinado do Prata, o que ensejaria uma melhor

exploração colonial dessas regiões. Em História de Santa Catarina, o historiador

catarinense Osvaldo Rodrigues Cabral lembra que, “pelo Tratado de Madri (1750),

Portugal e Espanha deveriam demarcar seus limites na região das Missões, o que

motivou a designação de Comissários de ambas as partes, formando uma

Comissão composta de militares, engenheiros, astrônomos e geógrafos, a viagem

que Gomes Freire realizou ao sul e a campanha que teve que encetar, quando

atacado pelos indígenas. [...] Exploraram as margens do rio Uruguai até a foz do

Peperi [...]. Depois das demarcações, a região continuou inexplorada, sertão bruto,

habitada pelo gentio [sic]”. 7

Após o contato inicial com o nativo habitante dessas terras, sucederam-se

inúmeras outras expedições que tinham o claro objetivo de capturar nativos

aldeados nas reduções jesuíticas, concentrados e adaptados ao modelo de trabalho

europeu, para que fossem explorados como trabalhadores escravizados, no centro

e no nordeste do Brasil, sobretudo. Eram, assim, o principal alvo de interesse dos

escravizadores paulistas. Em fins do século XVIII, com a descoberta do ouro na

7 CABRAL, Oswaldo. História de Santa Catarina. 2 ed. Florianópolis: Laudes.. 1970. p. 333.

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região das Minas Gerais, a ocupação colonial intensificou-se no sul do país.8 Mais e

mais, os luso-brasileiros massacraram e exploraram o trabalho das populações

nativas dessas regiões, no seu processo de expansão.

Figura 3 – Nativos capturados

Prisioneiros - Jean Baptiste Debret

Fonte: GERASUL, CSN, Itambé. Itá – Memória de uma Usina. Itá: Gráfica Takano, 2000. p.26

Da região sul, retirou-se igualmente gado muar e bovino, ali introduzidos, nas

Missões, sobretudo pelos jesuítas, que serviu como meio de transporte e alimento

ao contingente populacional das minas. Uma importante característica da mula é a

infertilidade, já que ela é produto do cruzamento da égua com o jumento. Entretanto,

pela resistência, herdada do jumento, associada à velocidade, herdada da égua, era

o mais importante meio de transporte da época. Por seu valor, a mula tornou-se a

escolha ideal para a atividade tropeira. 9

Em função do exposto, desenvolveu-se na região uma atividade econômica

que predominou no século XVIII, época em que a mineração era a principal riqueza

do país. Em Manifestações populares e o tropeirismo, João Lori de Abreu lembra

8 Cf. MAESTRI, Mário. Uma história do Rio Grande do Sul: A ocupação do território: Da luta pelo

território à instalação da economia pastoril-charqueadora escravista. Passo Fundo: EdiUPF.. 2006. 9 Cf. FLORES, Moacyr. Tropeirismo no Brasil. Porto Alegre: Nova Dimensão. 1998.

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que “toda atividade humana é motivada por uma necessidade e/ou oportunidade

econômica. Assim foi [com] o tropeirismo”. 10 Em verdade, o conceito de tropeirismo

é relativo ao período histórico estudado. Em A especificidade de um lugar chamado

Sorocaba: o tropeirismo sobre o enfoque geográfico, o historiador Rafael Straforini

assinala que “tropeirismo não pode ser concebido como um sistema social único e

homogêneo para toda a imensa área em que atuou [entre o Rio Grande do Sul e

São Paulo].” 11

Nesse sentido, o historiador rio-grandense Moacyr Flores comenta: “[...] no

século XVIII, era chamado de tropeiro o dono da tropa, os demais eram o arrieiro,

camarada ou peão. O que conduzia a mula ou égua madrinha era o madrinheiro. No

início do século XIX, o termo tropeiro designava também o capataz da tropa. Mais

tarde, esse termo generalizou-se, referindo-se a todos que trabalhavam com a tropa

de vacuns, cavalares e muares.” 12

Desde o século XVIII, no sul do Brasil, inicialmente, o ‘caminho das tropas’

seguia a trilha utilizada pelos nativos. As tropas saíam do Rio Grande do Sul, com

destino a Sorocaba na, então, província de São Paulo. A feira de Sorocaba era

muito popular porque estava no meio do caminho que ligava o criatório de muares,

no sul do Brasil e no Prata, à principal região consumidora dos animais – Minas

Gerais. As feiras de Sorocaba reuniam milhares de pessoas, para comprar ou

vender muares, ou com outros objetivos. Para atender os visitantes, os artesãos da

cidade especializaram-se na confecção de redes, arreios, facas, ponches e mantos.

Também eram oferecidos espetáculos artísticos, jogos de azar e esportivos, etc. 13

10 ABREU, João Lori de. Manifestações Populares e o Tropeirismo. In: SANTOS, Lucila Maria Sgarbi;

BARROSO, Vera Lucia Maciel. Bom Jesus na rota do tropeirismo no Cone Sul. Porto Alegre: EST. 2004. p. 626.

11 STRAFORINI, Rafael. A especificidade de um lugar chamado Sorocaba: o tropeirismo sobre o enfoque geográfico. In: SANTOS, Lucila Maria Sgarbi; BARROSO, Vera Lucia Maciel. Bom Jesus na rota do tropeirismo no Cone Sul. Porto Alegre: EST. 2004. p. 348..

12 FLORES, Moacyr. As cidades nas Trilhas das Tropas. In: SANTOS, Lucila Maria Sgarbi; BARROSO, Vera Lucia Maciel. Bom Jesus na rota do tropeirismo no Cone Sul.. Porto Alegre: EST. 2004. p.47

13 Cf. STRAFORINI, Rafael. A especificidade de um lugar chamado Sorocaba: o tropeirismo sobre o enfoque geográfico. In: SANTOS, Lucila Maria Sgarbi; BARROSO, Vera Lucia Maciel. Bom Jesus na rota do tropeirismo no Cone Sul. Porto Alegre: EST. 2004.

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1.3 O Tropeirismo e a colonização do ‘sertão’ catarinense

Em Para uma história dos índios no Oeste Catarinense, o historiador Wilmar

D’Angelis assinala que as mulas eram “criadas soltas ou alçadas”. 14 O criatório das

mulas estendia-se para além dos limites brasileiros. Em Tropas, Pedro Veríssimo da

Fonseca propõe que “o transporte encontrava-se no criatório de mulas ao norte da

Argentina. Criatório este que abastecia de mulas as minas de prata andinas, já em

decadência pelo esgotamento da prata [...]. O fluxo do tropeirismo tende a se

deslocar das montanhas andinas para as montanhas de Minas Gerais e do Rio de

Janeiro, via Rio Grande do Sul”.15

No entanto, foram inevitáveis os conflitos envolvendo nativos, comerciantes

locais e tropeiros. O historiador Paulo Zarth assim descreve: “No século XIX, as

queixas mais veementes em relação aos indígenas partiam dos comerciantes de

bestas que cruzavam as áreas em que estavam sujeitos aos ataques dos indígenas.

Para os comerciantes de bestas [e] para os tropeiros, o índio deveria ser

simplesmente eliminado, pois constituía em sério obstáculo para o livre trânsito das

tropas de muares que rumavam à feira de Sorocaba, em São Paulo. [...] A política

oficial em relação ao índio nem sempre concorria com o imediatismo dos tropeiros e

dos estancieiros locais, para os quais tratava-se de resolver o problema a qualquer

custo. O governo imperial e o provincial enxergavam o índio de outra forma, como

elemento povoador da zona fronteiriça com as repúblicas do Prata. Tratava-se,

portanto, de submeter os nativos e não de eliminá-los.” 16

14 D’ANGELIS. Wilmar da Rocha. Para uma história dos índios no Oeste Catarinense. Cadernos do

CEOM. Ano 4, n. 6. Chapecó: FUNDESTE. 1989. p. 14. 15 FONSECA, Pedro Ari Veríssimo da. Tropas. In: SANTOS, Lucila Maria Sgarbi; BARROSO, Vera Lucia

Maciel. Bom Jesus na rota do tropeirismo no Cone Sul. Porto Alegre: EST. 2004. p. 49. 16 ZARTH, Paulo Afonso. História agrária do planalto gaúcho 1850-1920. Ijuí: UNIJUÍ. 1997. p.41.

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Figura 4 - Grandes caminhos de tropeiros e cidades surgidas ao longo destas rotas.

Fonte: ZIMMERMANN, Florisbela Carneiro. Biribas: a contribuição do tropeiro à formação

histórico-cultural do Planalto médio Sul-rio-grandense. Sorocaba (SP): Fundação Ubaldino do

Amaral, 1991, p. 8.

A princípio, as tropas vacuns e muares eram levadas da Colônia de

Sacramento até Laguna, em Santa Catarina, onde os animais eram embarcados,

através do litoral – Caminho do Mar. Nos anos 1730, devido à difícil travessia dos

rios do litoral, as tropas começaram a subir a Serra, através de Santo Antônio da

Patrulha e Vacaria, no Rio Grande do Sul, embocando, a seguir, a Estrada Real, em

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direção à feira de Sorocaba. Com a consolidação desta rota, decaiu Laguna e

desenvolveu-se a ocupação do planalto catarinense. 17

Em Lideranças do Contestado: a formação e atuação das chefias caboclas

(1912-1916), o historiador catarinense Paulo Pinheiro Machado descreve: “[...] [esse

caminho] não seguia um traçado único, possuía variantes que eram transitáveis

dependendo da época do ano. Normalmente, as regiões de maior altitude e as

serras que serviam de divisor de águas para diferentes bacias eram os locais

preferidos de cursos dos tropeiros. Evitavam pelo caminho os rios mais caudalosos,

as matas mais fechadas e as escarpas mais inacessíveis. [...] A vantagem do

caminho de Cima da Serra, sobre aquele do litoral, devia-se também à existência de

grandes extensões de campos naturais, local apropriado para descanso e invernada

das tropas de mulas”. 18

Quanto ao território rio-grandense, no artigo Genocídio coroado , o historiador

Mário Maestri comenta: “Apenas a resistência coroada impediu que se abrisse um

caminho direto, das Missões, para a feira de Sorocaba, através do passo de Goio-

en, no rio Uruguai, e dos campos de Guarapuava, no Paraná. Sem alternativa,

desde 1816, os tropeiros passaram a cortar, horizontalmente, o Planalto sulino para,

após ultrapassar Vacaria, atravessar o rio Pelotas, no Passo do Socorro, e

prosseguir para Sorocaba. Ao longo do ‘Caminho Novo da Vacaria’ nasceram as

povoações de Cruz Alta, Carazinho, Passo Fundo e Lagoa Vermelha [...]. Sob

crescente pressão, em 1845, o cacique principal Nonoai acordou a abertura do

passo de Goio-en e o trânsito direto das Missões para Sorocaba, inaugurando a

Estrada das Missões ou de Palmas.” 19

A atividade tropeira foi uma das grandes responsáveis pelo povoamento de

algumas áreas do sul do Brasil. Os velhos pontos de pouso e as antigas sesmarias

doadas aos tropeiros deram origem a aldeias e vilas e, algumas vezes, a cidades

nascidas entre o século XVIII e XIX. Em Santa Catarina, entre outras, podemos citar 17 MAESTRI. Uma história do Rio Grande do Sul: A ocupação do território. Ob.cit. pp. 81-93. 18 MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado: a formação e atuação das chefias caboclas

(1912-1916). Campinas: EdiUNICAMP. 2004. p.61. 19 MAESTRI, Mário. “Genocídio coroado: um faroeste no Sul do Brasil”. La Insígnia. 13/07/2000. Site:

http://www.lainsignia.org/2000/julio/ibe_048.htm . Acessado em 26/10/2005

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Lages, Curitibanos, Campos Novos. Em Formação econômica do Brasil, o

historiador Caio Prado Júnior faz referência a essa realidade: “As estâncias, em

conseqüência, vão se deslocando para oeste; em 1820, o caminho que conduzia de

Viamão para os campos de Cima da Serra (Vacaria), e daí para São Paulo, e por

onde seguiam as boiadas e sobretudo as tropas de bestas, estava quase

abandonado e reduzindo a uma simples picada.” 20

Assim, na sua totalidade, as terras do Planalto foram tomadas por enormes

sesmarias, terras doadas pelo governo imperial a proprietários que, muitas vezes,

nelas não residiam. Essa ocupação, porém, jamais foi democrática. Até mesmo

impossibilitados de requerer títulos de propriedade de terras que já pertenciam ao

sesmeiro, o tropeiro, o caboclo [nativo aculturado], o homem pobre que desejam

instalar-se na região eram obrigados a fixar-se nas terras devolutas e inexploradas,

sempre na condição de posseiro, ou seja, aquele que está na terra, mas não é seu

proprietário.

O encontro entre os povos nativos e os colonizadores no Oeste catarinense,

na década de 1720, ocorreu quando a expedição do bandeirante Zacarias Dias

Cortes chegou ao rio Chapecó, com o objetivo de buscar gado vacum e muar. Cyro

Ehlke assim descreve esses fatos: “Zacarias Dias Cortes em 1723 se fez em

expedição da Vila de Curitiba para os sertões do Sul, atravessando, nessa ocasião,

grande parte das terras do futuro litígio entre os Estados do Paraná e Santa

Catarina. [Seu destino eram os] Campos de Vacaria, no Rio Grande do Sul, de onde

pretendia trazer gado vacum e muar. Embora não tenha consumado o propósito e a

empreitada, contribuiu, contudo, para o melhor conhecimento da região [...].” 21

1.4 Importância econômica do caminho das tropas

Em Concórdia: o rastro de sua história, o historiador Antenor Geraldo Ferreira

refere-se à contribuição do tropeirismo para o processo de ocupação da região

20 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 6 ed. São Paulo: Brasiliense.1961. p. 47. 21 EHLKE, Cyro. A conquista do planalto catarinense: bandeirantes e tropeiros do sertão de Curitiba. Ob.

Cit. p.72.

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oeste de Santa Catarina. Para ele, “o território, com suas terras férteis às margens

do rio Uruguai e seus afluentes, rico em pinhais, ervais, faxinais* e campos, após a

abertura do caminho das tropas, passou a ser ocupado, dispersamente, por

fazendeiros oriundos, principalmente, da região de Guarapuava, no Paraná, que

marcaram presença até por volta de 1850.” 22

A partir do final do século XIX, ocorreu o declínio da atividade tropeira, devido

à construção e ao desenvolvimento das estradas de ferro, que substituíram o

transporte anteriormente feito por tropas de mulas. A baixa qualidade dos rebanhos,

as pastagens naturais empobrecidas, o não-reinvestimento de capitais na atividade

pecuária e o isolamento da região por falta de boas estradas foram também fatores

que colaboraram para a crise do setor.

A crise da produção-comércio de mulas provocou a ruína da estrutura

montada para atendê-la. Em Lideranças do Contestado: a formação e atuação das

chefias caboclas (1912 1916), o historiador Paulo Pinheiro Machado lembra: “O

antigo caminho das tropas foi à extinção quase completa, levando à depressão

econômica trilhas inteiras pontilhadas de vendas, locais de pouso, descanso e

invernada das tropas, principalmente no interior dos municípios de Lages, Campos

Novos, Curitibanos e Canoinhas.” 23

Apesar da decadência, permaneceu o costume de tropear ani mais pelas

trilhas deixadas pelos nativos. Em épocas diferenciadas, além do comércio de gado

e de mulas, a região destacou-se pelas tropas de porcos e de mercadorias; sendo

que a última prática iniciou-se na região no início do século XX. Em Retalhos

históricos das comunidades II, Maria da Graça Büchele descreve: “[...] criavam

suínos e levavam até Piratuba ou Concórdia para vender. Eram tocados a pé e

muitos se perdiam pelo caminho.” 24 O tropeirismo de porcos, utilizado para

transportar os animais aos abatedouros da região, contribuiu intensamente à

22 FERREIRA, Antenor Geraldo Zanetti. Concórdia . Ob.cit.. pp. 32-34. 23 MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado: a formação e atuação das chefias caboclas

(1912 1916). Ob. cit. p. 143. 24 BÜCHELE, Maria da Graça. Retalhos históricos das comunidades II . Ob. Cit. p. 116

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implantação das agroindústrias no Oeste catarinense. Atualmente, a agroindústria é

a mais importante atividade econômica do município de Concórdia.

Figura 5 – Tropeirismo de porcos

Fonte: NOSSWITZ, Ivanete Mora e STOCKMANN, Vânia Kilpp. Vivências e memórias: a história de Ipira. Concórdia: UnC, 2004. Monografia de graduação.

Até ao final do século XIX, o povoamento da região tinha características bem

definidas, do ponto de vista étnico e econômico. A área era já habitada por

comunidades nativas caingangues e choclengs, por alguns trabalhadores

escravizados fugidos do Paraná e do Rio Grande do Sul e por luso-brasileiros que,

por diversas razões, ali haviam se estabelecido. Da miscigenação desses grupos

originou-se o caboclo da região, também conhecido, como veremos, por ‘brasileiro’.

Segundo Jaci Poli, em seu artigo Caboclo: pioneirismo e marginalização: “O mais

importante é saber que a conceituação de caboclo é muito mais econômica, que

social”25

Em Documentário histórico de Porto Novo, Roque Jungblut lembra que,

quando os colonos rio-grandenses chegaram na região em estudo, encontraram

25 POLI, Jaci. Caboclo: pioneirismo e marginalização. In: Centro da Memória Sócio-cultural do Oeste.

Para uma história do oeste catarinense: 10 anos de CEOM. Chapecó: UNOESC.. 1995. p. 99.

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habitantes de etnias diferentes. Alguns eram parecidos com índios, outros eram

morenos, sem aparência nativa. Genericamente, eles mesmos se denominavam

caboclos ou brasileiros. Havia centenas de famílias de caboclos residindo nas duas

margens do rio Uruguai. Os caboclos provavelmente falavam padrões populares do

português e do espanhol e alguns, o guarani. Essas comunidades tinham

consciência de que não eram proprietários legais das terras, não reagindo ao serem

desalojados. Segundo Roque Jungblut, viviam pelos matos, sem moradia

permanente.26

1.5 Termina o tropeirismo... a região continua habitada

O Planalto catarinense era uma região pouco habitada. Dentre os poucos

moradores da região podemos destacar os sesmeiros e posseiros, a maioria

composta por pequenos criadores e lavradores, além dos ervateiros, peões,

agregados e ex-escravos. Além desses, podemos mencionar os descendentes de

rio-grandenses, escorraçados da invasão espanhola, de Rio Grande, de 1763 a

1776, da Guerra Farroupilha, de 1835 a 1845, da Guerra do Paraguai, de 1865 a

1870 e da Revolução Federalista, de 1893 a 1895.

O caminho das tropas contribuiu para ligar o Rio Grande do Sul a São Paulo,

especificamente à região de Sorocaba. Em Santa Catarina, esse caminho passava

por Lages, Curitibanos, Mafra, Rio Negro, Porto União, entre outros povoados. Para

a antropóloga Maria José Reis, os “rebanhos bovinos e, também, muares

transformados em cobiçada mercadoria, destinados a abastecer de carne e de

animais de carga a zona mineradora das ‘Gerais’, e de couro (através de Buenos

Aires) os mercados europeus, nuclearam uma série de atividades. Essas atividades

acabaram por resultar na ocupação das áreas campestres do sul do Brasil e será a

26 Cf. JUNGBLUT, Roque. Documentário histórico de Porto Novo. São Miguel do Oeste: Arco íris.. 2000.

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partir delas, que ocorrerá a ocupação de suas áreas florestadas, entre as quais se

inclui o Alto Uruguai”. 27

Ao longo desses caminhos, de passagem de gado muar e vacum, formaram-

se comunidades habitadas, especialmente por comerciantes, tropeiros e caboclos,

estes últimos, elementos surgidos, como veremos, da aculturação do nativo e de

sua miscigenação com europeus e africanos. As comunidades caboclas estavam

unidas por laços familiares e de compadrio. Elas habitavam os faxinais – assim

chamados os terrenos de vegetação rala e àqueles que já tinham sido anteriormente

devastadas, apresentando pouca dificuldade ao aproveitamento agrícola ou pastoril,

ao contrário das áreas de mata virgem –, de onde os caboclos exploravam a erva-

mate e desenvolviam agricultura familiar de subsistência.

Era na mata que o caboclo encontrava as condições mais favoráveis a

sua sobrevivência, já que parte considerável de sua alimentação era

assegurada pela pesca e pela coleta. O sociólogo Ricardo Abramovay

considera que a primeira característica da economia cabocla é justamente o

papel relativamente secundário que as atividades agrícolas assumem em seu

interior, em função das fontes de abastecimento existentes diretamente na

mata. 28 Por outro lado, as florestas ofereciam condições mais favoráveis para

as atividades agrícolas dos caboclos, considerando-se o limitado

desenvolvimento técnico de sua produção, apoiada sobretudo no uso do fogo,

para o desmatamento, que também tinha função fertilizante [cinzas] e limitadora

do desenvolvimento de ervas daninhas. Entretanto, o uso do fogo,

freqüentemente, implicava em sistema de rotação de terras, o "pousio florestal",

que exigia itinerância constante, em busca de novas terras, após um ou dois

anos da abertura de uma clareira. Essa técnica agrícola de derrubada e

queimada, denominada, também, de ‘coivara’, era praticada tradicionalmente

pelas populações horticultoras tupi -guaranis, de quem os caboclos tomaram de 27 REIS, Maria José. Espaços vividos, migração compulsória, identidade: os camponeses do Alto Uruguai

e a Hidrelétrica de Ita. Tese (Programa de Doutorado em Ciências Sociais). Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Campinas (SP). 1998. p. 05.

28Cf. ABRAMOVAY, RICARDO. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo: Hucitec. 1992.

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empréstimo. Além do cultivo do feijão, do amendoim, do arroz, sobretudo a

mandioca e o milho tinham lugar de destaque na horticultura cabocla.

Entretanto, como destacam os vários autores referidos, é indispensável não

extremar o caráter autárquico dos caboclos, registrando a existência, vínculos

comerciais dos mesmos, com as ‘bodegas’*, onde trocavam, nesses pequenos

estabelecimentos comerciais, de produtos agrícolas como o fumo, o milho, o

feijão, a erva-mate, etc. por sal, bebidas, querosene, pólvora, instrumento de

trabalho, etc.29

1.6 Caboclos versus coronéis

No artigo “A aldeia ausente”, o historiador Mário Maestri argumenta: “Os

aldeões tupis mudavam o local das aldeias, transportando apenas armas e

instrumentos familiares. Era também comum que as aldeias fracionassem-se

durante a transferência, quando ultrapassavam o tamanho ideal determinado pelo

modo de produção em vigor. Essa ruptura não ensejava grandes tensões, já que

não havia produção nos celeiros para dividir, desconhecia-se culturas de ciclo longo

e não se incorporara trabalho à terra.”30 Isso evidencia que, enquanto houve

abundância relativa de terra capaz de ser ocupada, os caboclos não possuíam

maior preocupação em ‘ser’ ou ‘não ser’ donos da terra.

Os caboclos – ‘brasileiros’ – ocupavam vasta região do Oeste catarinense.

Semi -isolados em locais que, por muito tempo, serviram de passagem para

tropeiros entre o sudeste e o sul do Brasil, dedicavam-se, sobretudo a atividades

produtivas de subsistência, vendendo o excedente da produção ou produzindo

alguns produtos para a venda, com destaque para a extração da erva-mate, como já

assinalado. Paulo Pinheiro Machado lembra que “a produção do mate era 29 Cf. REIS, Maria José. Dos primeiros tempos e lugares ao tempo dos colonos . (cap. 1). In: REIS, M.

J. Espaços vividos, migração compulsória, identidade: os camponeses do Alto Uruguai e a Hidrelétrica de Ita. Tese (Programa de Doutorado em Ciências Sociais) . Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Campinas (SP). 1998.

30 MAESTRI, Mário. A aldeia ausente: índios, caboclos, escravos e imigrantes na formação do campesinato brasileiro. In COLÓQUIO MARX-ENGELS DO CENTRO DE ESTUDOS MARXISTAS, II. IFCH – Unicamp, Campinas, Brasil, 21 nov. 2001.

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31

extremamente trabalhosa, envolvendo a mão-de-obra de toda a família cabocla,

normalmente nos meses de inverno, quando a pecuária e a agricultura não

demandavam de muito tempo”.31 Os caboclos cultivavam igualmente abóbora, arroz,

banana, feijão, mandioca, melancia e milho. Em Messianismo e Conflito Social : a

guerra sertaneja do Contestado (1912-1916), o sociólogo Maurício Vinhaz de

Queiroz assinala que “os métodos não diferiam do cultivo seminômade, em clareiras

abertas a machado e a fogo, que predominava noutras regiões menos altas e mais

quentes”. 32 Do milho, eram e são feitos os principais elementos da comida típica

cabocla: a canjica, a farinha e a quirera *.

No início do século XX, um fenômeno de ordem econômico-político-social

acarretou profundas mudanças para a região e, em especial, para a população

cabocla. A construção da estrada de ferro São Paulo – Rio Grande, cujo objetivo

inicial era ligar o sul com o sudeste do Brasil, provocou um dos maiores conflitos

sociais da história do país. Essa obra foi a estratégia adotada pelo governo para a

introdução e o desenvolvimento na região da economia mercantil hegemônica na

República.

Nesse período, quando mencionamos ‘governo’, referimo -nos sobretudo à

ordem dos coronéis – grandes proprietários de terra, extremamente conservadores,

detentores do poder local-municipal, possuidores, inclusive, de guardas pessoais.

Em Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil,

Vitor Nunes Leal afirma que "o ‘coronelismo’ é, sobretudo, um compromisso, uma

troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a

decadente influência social dos chefes locais, notadamente os senhores de terra.

[...] Desse compromisso fundamental resultam as características secundárias do

sistema ‘coronelista’, como sejam, entre outras, o mandonismo, o filhotismo, o

falseamento do voto, a desorganização dos serviços públicos locais.” 33

Diante dessa realidade, em 1906, foi autorizada a construção do trecho 31 MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado.. Op.cit. p. 133. 32 QUEIROZ, Maurício Vinhas de. Messianismo e Conflito Social: A guerra sertaneja do Contestado.

(1912-1916). São Paulo: Ática.. 1981. p. 36. 33 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 3

ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira.. 1997. pp. 40 e 41.

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32

catarinense da ferrovia, sendo destinados à companhia construtora, propriedade do

americano Percival Farquhar, quinze quilômetros para cada lado dos trilhos. O

traçado da ferrovia passava pelo território contestado entre Paraná e Santa

Catarina, desde 1853. Em Messianismo e Conflito Social : a guerra sertaneja do

Contestado (1912-1916), Vinhas de Queiróz acrescenta que “dois anos antes, os

trilhos, partindo de São Paulo, haviam chegado à União da Vitória e tinha sido

inaugurada uma ponte sobre o rio Iguaçu. Até aquela época, a concessão da

estrada pertencia a uma companhia francesa, mas esta cedera os seus direitos à

Brazi l Railway Company, organizada na cidade de Portland, Estado de Maine,

Estados Unidos.”34

Como conseqüência dessa decisão, milhares de camponeses foram

expulsos das terras que ocupavam e exploravam pois – conforme a lógica mercantil

– não possuíam os títulos de propriedade das mesmas e não orientavam

centralmente sua produção para o mercado. Expulsos dos territórios nos quais

sempre trabalharam e viveram, passaram a viver em acampamentos* ou redutos*,

sob a direção de um líder religioso conhecido como Monge.35

1.7 Contestado: da economia de subsistência à mercantil

Para a construção da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande, foram trazidos

cerca de oito mil operários de todo o país. Segundo a visão preconceituosa de

Oswaldo Rodrigues Cabral, em A Campanha do Contestado, “a maior parte desta

gente foi conseguida nos centros populosos, entre a escória [sic] da sociedade. O

rebotalho [sic] das ruas, malandros [sic] e criminosos [sic], gente sem profissão e

sem qualquer formação, egressos da Justiça e fugitivos das cadeias, capoeiras

afamados e facínoras [sic] de toda a espécie, de todas as procedências, foi o que a

polícia, em suas batidas, recolheu e compulsoriamente deportou para o Contestado,

34 QUEIROZ, Maurício Vinhas de. Messianismo e Conflito Social . Ob. cit. p. 69. 35 Cf. D’ ANGELIS, Wilmar. Contestado: a revolta dos sem-terras . São Paulo: FTD..1991.

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33

metendo-os, sem possibilidade de fuga, no mato, para obrigá-los ao trabalho

necessário [sic].” 36

Em Lideranças do Contestado, o historiador Paulo Pinheiro Machado lembra

pertinentemente que “Cabral não cita a fonte de suas informações. Examinando-se

os relatórios policiais do Rio de Janeiro, Pernambuco, São Paulo e Bahia, os

grandes centros da época, não se verifica que a polícia desses estados tenha

deportado condenados e criminosos para o Contestado”. 37 Destaque-se que a

população subalternizada da cidade adaptaria-se com dificuldade esse tipo de

trabalho, realizado em zona rual. O fato é que, ao término do trecho, aos poucos, os

trabalhadores envolvidos nos trabalhos da ferrovia foram sendo demitidos e

abandonados na região, juntando-se aos sertanejos desapropriados.

O empreendimento mais importante de Farquhar foi a Southern Brazil Lumber

and Colonization Company, a maior madeireira da América Latina e a segunda

maior do mundo, que serrava diariamente trezentos metros cúbicos de madeira.

Nessa exploração, foram utilizados equipamentos de alta tecnologia, importados da

Europa e dos Estados Unidos. Além disso, a mão-de-obra também era selecionada,

tendo sido contratados cerca de oitocentos operários permanentes, a maioria

descendentes de imigrantes ou estrangeiros, além de caboclos responsáveis pelo

corte e transporte das toras, pagos por empreitada – conforme quantidade e/ou

extensão de madeira a ser extraída. 38 Vinhas de Queiroz acrescenta: “Por outro

lado, a Lumber loteou e começou a vender aos colonos estrangeiros terrenos ao

longo da estrada de ferro, depois que dali tinham sido expulsos os posseiros e

antigos proprietários.” 39

36 CABRAL, Oswaldo Rodrigues. A campanha do Contestado. Florianópolis, Lunardelli. 1979. p. 101. 37 MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado. Ob. cit. p.144. 38 Cf. AURAS, Marli. Guerra do Contestado: a organização da irmandade cabocla. Florianópolis: UFSC.

1997. 39 QUEIROZ, Maurício Vinhas. Messianismo e Conflito Social. Ob. cit. p.74.

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34

Figura 6 – Exploração da madeira pela madeireira Lumber

Fonte: D’Angelis. Contestado: a revolta dos sem-terras. p. 25.

Este cenário levou à eclosão da Guerra do Contestado, que incendiou a

região, de 1912 a 1916, dizimando em torno de vinte mil caboclos. O confronto

representou a luta pelo território e a oposição ao capital internacional, mas foi

essencial para impor um novo padrão de acumulação sócio-econômico-política na

região, baseada na apropriação privada da terra, na produção mercantil, na

acumulação de capitais.

A guerra do Contestado pode ser caracterizada como o divisor de águas no

processo de ocupação e de implantação do novo modelo de acumulação na região.

Habitada antes por caboclos, essas terras passaram, aos poucos, a ter uma

economia essencialmente mercantil, atendendo à lógica de acumulação de capitais,

que marginalizou a população nativa regional. Em História econômica do Brasil,

Caio Prado Júnior comenta que “houve dois tipos de imigração para o Brasil: uma

de iniciativa oficial, que objetivava povoar zonas desocupadas, geralmente longe

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35

dos latifúndios; e a outra particular, que buscava mão de obra para o latifúndio, em

substituição da mão-de-obra escrava”. 40

Para garantir a posse definitiva das terras, o governo entregou às companhias

colonizadoras, em sua maioria de propriedade de empresários do Rio Grande do

Sul, que deviam lotear as terras e promover migração dirigida a grupos específicos:

o colono-camponês de origem européia – alemão, italiano, polonês, etc. –, com

destaque para as comunidades estabelecidas no Rio Grande do Sul. Lá, já haviam

demonstrado serem trabalhadores “ordeiros” capazes de explorar a terra numa

ótima mercantil. Entre essas companhias estavam a Eberle, Ahrons & Cia e a Luce,

Rosa & Cia, responsáveis pela propaganda e venda das terras do Alto Uruguai

Catarinense.

Figura 7 – Propaganda em alemão veiculada em jornais para atrair colonos alemães ao

Alto Uruguai, na década de 1920.

Fonte: GERASUL, CSN, Itambé. Itá – Memória de uma Usina. Itá: Gráfica Takano, 2000.

p. 42.

Ao mesmo tempo que faziam a propaganda das terras, as companhias

colonizadoras vendiam a idéia de que havia um tipo nativo na região que deveria ser

expulso, pois não trabalharia, vivendo como verdadeiro parasita do que a natureza

40 PRADO JR., Caio. História econômica do Brasil. 12. ed. São Paulo: Brasiliense. 1970. p. 19.

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36

fornecia. Os colonos-camponeses, em geral, e os italianos, em particular, já

orientavam, em grau crescente, a produção agrícola e artesanal para a

mercantilização. Portanto, eles viam o caboclo como sujeito atrasado ou

degenerado, pois a lógica mercantil pressupõe como única forma de viver a

direcionada à acumulação de bens.

1.8 Os ‘novos colonos’ no Oeste catarinense

Em Colonização ítalo-brasileira, teuto-brasileira e teuto-russa no Oeste de

Santa Catarina: atuação da Cia. Territorial Sul Brasil, Alceu Werlang analisa em

forma simplista os motivos que levaram à saída do colono-camponês do Rio Grande

do Sul, já que não destaca a incapacidade dessa população de impor a divisão dos

latifúndios sulinos ou proletarizar-se, em condições relativamente positivas: “[...] a

fragmentação da propriedade foi outra causa da vinda de famílias gaúchas a Santa

Catarina. Propriedades retalhadas e com baixa produtividade dificultavam o

sustento da família, geralmente numerosa. Como as terras já não podiam mais ser

divididas, sob pena de inviabilizá-las economicamente, a alternativa encontrada foi a

migração. Era comum famílias numerosas venderem seu pequeno lote, por não

mais garantir o sustento da família. Além disso, havia a preocupação dos pais em

viabilizar o futuro dos filhos. Como na época não havia condições para os filhos

estudarem e ingressarem em outras atividades, a solução era conseguir mais terras.

O que, no Rio Grande do Sul, não era fácil de conseguir para quem não tivesse

dinheiro.” 41

Os ‘novos colonos’ vieram para a região na segunda metade do século XX e

depararam-se com o habitante local. Foi inevitável o confronto cultural, já que as

percepções de mundo e de vida eram muito diferentes. Isso se comprova a partir

dos relatos obtidos por Maria da Graça Buchele, em Retalhos das Comunidades II:

“Para chegar ao local, tiveram que atravessar cerrado, muito mato, pois não 41 WERLANG, Alceu A. Colonização ítalo-brasileira, teuto-brasileira e teuto-russa no Oeste de Santa

Catarina/ Atuação da Cia. Territorial Sul Brasil. Cadernos do CEOM - Centro de Organização da Memória do Oeste de Santa Catarina. Chapecó: Grifos. 1999. p. 19.

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37

existiam caminhos, apenas notavam-se vestígios de pequeno carreiro, por onde

passavam os poucos caboclos que habitavam a região e viviam em cabanas, sem

nenhum conhecimento de cultura e progresso [grifo meu]”.42 Os migrantes eram

vistos como superiores porque seu trabalho gerava acúmulo de riquezas, sob a

forma de bens, de mercadoria e de dinheiro. Sua concepção de riqueza estava

centrada na produção excedente de bens. O caboclo via o trabalho como meio de

garantir a sobrevivência. Portanto, produziam o que precisavam para manter-se e

para obterem o que não podiam produzir.

O caboclo desconhecia a visão mercantil introduzida na região, patrocinada

por companhias colonizadoras. Estando à margem dessa sociedade, não tendo os

meios e não compreendendo o interesse em adquirir uma propriedade, tornou-se

força de trabalho complementar nas lavouras do novo proprietário ou eram

afastados da fronteira agrícola, pelas companhias colonizadoras, e isolados em

regiões distantes. Em Caboclo: pioneirismo e marginalização, o historiador Jaci Poli

descreve essa situação: “Com a instituição da propriedade privada e com as

concessões de grandes áreas a quem tivesse prestígio político, os habitantes delas

passaram a ser empurrados para terras mais distantes, onde não havia colonização

ou reclamação da terra pelos proprietários, ou, então, permaneciam em lugares

onde as terras não prestavam à exploração pecuária ou para as atividades agrícolas

mais racionalizadas.” 43

De posse da terra, os colonos recém-chegados dedicaram-se à abertura de

estradas, à derrubada das matas e ao cultivo de novos produtos a serem

comercializados. Mas nem tudo ocorreu conforme havia sido acordado com a

companhia colonizadora. Em Retalhos Históricos das Comunidades II, Maria da

Graça Buchele lembra: “Quando vendeu as terras, a Empresa Mosele, que era

responsável pela colonização, prometeu abrir a estrada até Concórdia, com largura

de quatro metros, mas não cumpriu o acordo. Então, mais tarde, os moradores

abriram a estrada em regime de ‘puxeirões*’ (mutirões), com três metros de largura. 42 BUCHELE, Maria da Graça Silva. Retalhos Históricos das Comunidades II. Concórdia: Gráfica

Equiplan. 2000. p. 44. 43 POLI, Jaci. Caboclo: pioneirismo e marginalização. Chapecó: FUNDESTE. 1991. p. 65.

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Levaram três anos de trabalho forçado, com pás e picaretas.” 44

Figura 8 – Mutirão (forma de trabalho coletivo)

Fonte: FERREIRA, Antenor Geraldo. Concórdia: o rastro de sua história. p. 75

Diante dessa realidade, um modelo econômico implanta-se na região, no qual

os colonos procuram produzir o necessário para a subsistência e para ser

mercantilizado, apoiados na economia familiar. Os ‘novos colonos’ que chegaram na

região destinavam-se a substituir a população cabocla, já que ela não se inseria na

nova ordem mercantil de apropriação e acumulação.

Em A colonização do Oeste catarinense, Alceu Werlang descreve esse fato,

ao referir-se a Carlos Culmey, que, nascido na Rhenania, em 1879, formou-se em

engenharia civil e, em 1926, foi contratado pela Cia Territorial Sul Brasil para

exercer a função de diretor-gerente. Ele foi o responsável pelo planejamento e

execução da colonização dessa companhia, morrendo tragicamente em 1939, no rio

Uruguai: “Culmey tinha claro que o retorno dos investimentos nas colonizações não

seria imediato. Enquanto os empresários do setor queriam lucros imediatos com a

simples comercialização de terras, Carlos Culmey buscava o desenvolvimento da

região e dos colonos, vislumbrando grandes lucros a médio prazo. Esta atitude de

acompanhar os colonos nas suas inúmeras dificuldades rendeu-lhe certo respeito e

44 BUCHELE, Maria da Graça Silva. Retalhos Históricos das Comunidades II . Ob. cit. p. 16.

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39

admiração junto a eles.” [grifo meu] 45

1.9 Da economia mercantil à exploração capitalista

A exaltação ao trabalho é uma característica observada nos relatos dos

migrantes, como o registrado por Maria da Graça Büchele, em Retalhos Históricos

das Comunidades II: “Ia bem cedo para a roça, e quando sentia fome, comia aipim,

batata doce, pepino e, às vezes, ainda com muita fome, ‘enchia a barriga de água’;

só voltava para casa ao meio-dia. Sua esposa [..] teve um filho atrás do outro, mas

quando podia, ia para a roça junto. [...] Lembra que foram tempos maravilhosos e de

muita união, embora muito trabalhosos.” 46

Observamos, também, que a religião católica representava um aspecto

importante para os colonos. A cada comunidade edificada, a capela estava entre as

primeiras construções, muitas vezes antes mesmo da abertura de estradas. Em

verdade, na região de imigração italiana do sul do Brasil, a capela cumpria diversas

outras funções, além da religiosa, como local de socialização comunitária, centro de

lazer, sede de deliberação da comunidade, etc. 47 Em contrapartida, a construção da

escola ficava em um plano inferior. São inúmeros os relatos que apontam

estratégias adotadas pelos pais, que mandavam os filhos para a escola em dias

alternados, para melhor aproveitar essa ‘mão-de-obra’, sobretudo na lavoura.

Na região Oeste catarinense predominaram as pequenas propriedades

familiares. Para fazer as roças, cortavam as árvores maiores com o machado e as

menores, assim como o capim, com foice. Queimavam a mata derrubada e o

terreno estava pronta para plantar. Cultivava-se arroz, batata, feijão, mandioca,

milho, trigo e outros produtos, que serviam como alimento básico para a família. O

excedente era comercializado. Destaque-se que, por determinações geo-ecológicas

profundas, os métodos produtivos e os gêneros plantados pelos colonos pioneiros

45 WERLANG, Alceu Antonio. A colonização do Oeste Catarinense. Chapecó: Argos.. 2002. p. 20. 46 BUCHELE, Maria da Graça Silva. Retalhos Históricos das Comunidades II . Ob. cit. p. 122. 47 Cf. MAESTRI, Mário. Os senhores da Serra: a colonização italiana do Rio Grande do Sul. 2 ed. rev. e

ampl. Passo Fundo: EdiUPF. 2005. pp. 125-130.

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40

eram muito parecidos aos dos caboclos, dos quais haviam sido, em boa parte,

adquiridos. Além da atividade agrícola, destacou-se também a pecuária –

especialmente bovina e suína, ainda que, em geral, insuficiente para uma rica

adubação dos terrenos. A pecuária suína contribuiu para o surgimento, mais tarde,

de importantes frigoríficos na região. Outra grande contribuição foi a extração e o

comércio da madeira, principalmente até 1950.

Figura 9 – Galpão comunitário

Fonte: BUCHELE, Maria da Graça Silva. Retalhos Históricos das Comunidades I. p.26.

Em Santa Catarina: sua história, Walter Piazza lembra: “O extremo oeste, à

beira do rio Uruguai, funcionando como via integradora, é, inicialmente, uma área de

exportação de madeira, e, à proporção que vão se localizando às suas margens e

nas de seus tributários, os refluxos populacionais, oriundos das antigas colônias

alemãs e italianas, do Rio Grande do Sul, desenvolve-se como área de produção

agrícola e, subsidiariamente, de suinocultura.”48

O transporte de madeiras pelo rio Uruguai até a Argentina, tornou-se uma

48 PIAZZA, Walter Fernando. Santa Catarina: sua história: Florianópolis: ediUFSC/ Lunardelli. 1983. p.

609.

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41

atividade paralela e/ou complementar, já que só era possível em período em que

ocorriam as enchentes. Como veremos em detalhes, a renda obtida era utilizada

para melhorar as condições de trabalho na agricultura, pecuária e comércio desses

trabalhadores. Mas, movidos pelo ‘espírito aventureiro’ e pelos eventuais ganhos

obtidos em cada viagem, bem maiores do que os da lavoura, eles não passaram de

braços ao serviço do capital, o grande privilegiado pelo ‘negócio das balsas’, o

objeto central de nosso trabalho.

1.10 A linguagem dos habitantes locais

O português, derivado do latim, é a língua majoritária e oficial do Brasil.

Entretanto, a maioria desconhece a complexidade da formação deste idioma,

especialmente em nosso país, devido à diversidade étnica do território brasileiro. No

século XVI, período áureo da economia portuguesa, devido ao mercantilismo e às

grandes navegações, que levaram à descoberta de novas terras e ao contato com

outros povos, a língua portuguesa incorporou muitos elementos estrangeiros,

sobretudo lexicais, mas também morfológicos e fonológicos.

No Brasil, a língua portuguesa entrou em contato com falares nativos e

africanos. Durante os séculos XVI e XVII e boa parte do século XVIII, os

portugueses tiveram dificuldade em impor sua língua no Brasil, devido ao seu

pequeno número comparativamente ao dos nativos, sobretudo do litoral, que

praticavam extensamente o tupi-guarani, sobretudo sob a forma de língua geral . A

língua dominante no país continuou, assim, a ser o tupi -guarani, que influenciou

fortemente até mesmo o português dito culto, que incorporou palavras como mirim,

urubu, jaguatirica. Mais tarde, com a chegada no Brasil de milhões de trabalhadores

escravizados, o português passou a ser fortemente influenciado pelas línguas

africanas, tanto no seu léxico – que incorporou palavras como moleque, moringa,

tanga, bunda etc. –, quanto na sua fonologia, que se afastou progressivamente da

fonologia do português europeu.

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42

Mas, à medida que se consolidava o processo colonizador, mais e mais

portugueses foram chegando e cresceu o esforço do Estado colonial para impor

língua, religião, tradição e costumes lusitanos, com a criação de escolas e igrejas,

por um lado, e, por outro, com forte política glotocida. Mesmo assim, sobretudo os

padrões populares da língua portuguesa, falado especialmente pelas comunidades

caboclas, possuem idioma com contribuições culturais das mais variadas. 49

A região Oeste catarinense é um típico exemplo dessa variedade lingüística,

nascida do entrecruzamento de comunidades cultural e socialmente diversas. Sem

qualquer pretensão à um estudo mesmo superficial dessa realidade, pareceu-nos

necessários ressaltar e abordar uma realidade tão importante. Várias palavras,

originárias dos povos nativos dessas regiões, foram incorporadas ao vocabulário

dos habitantes do território em estudo, conforme destacou o professor Nilson

Thomé, em Sangue, suor e lágrimas no chão contestado: “typoia (faixa para

carregar crianças; depois tipóia), kuia (prato ou disco de porongo; depois cuia),

guyrapuca (arapuca), aypí (mandioca doce; depois aimpim), paris (represa de ramos

para pesca), jurum (abóbora, depois jerumim). Entre tantos nomes próprios, a ‘nova

civilização’ aceitou: xá (queda d’água), xim (pequeno), erê (campo), xanxá

(cascavel), pecó (ratinho), goio (água), que deram origem aos nomes de Xaxim,

Xapecó, Xanxerê, Erexim, Goio-Erê [sic], e outros.”50 [grifo meu] Essas palavras ou

expressões de origem nativa sofreram mudanças mais ou menos profundas, sendo

simplificadas e adaptadas, sobretudo ao hábitos fonéticos dos habitantes

majoritários na região.

Em relação à linguagem do caboclo, Nilson Thomé acrescenta: “O nosso

caboclo aplicava a ‘lei do menor esforço’ [sic.], numa cultura baseada mais no ouvir

do que no ler, evitando grupos consonantais que exigissem esforços nas

pronúncias, e encontramos em escritos antigos, e mesmo nos modos de falar atual:

coroné (coronel), hôme (homem), tava (estava), in riba de (ao redor de) [sic], dotô

49 CARBONI , Florence e MAESTRI, Mário. A linguagem escravizada: língua, história, poder e luta de

classes. 2 ed. rev. e ampliada. São Paulo: Expressão Popular. 2005. p. 18. 50 THOMÉ, Nilson. Sangue, suor e lágrimas no chão contestado. Caçador: INCON Edições/EdiUnC.

1992. p. 20

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43

(médico), inté (até), cumpade (compadre), orêia (orelha), trabáio (trabalho), mió

(melhor), vencê (você), tarvês (talvez), moiáda (molhada), baruio (barulho), das veis

(às vezes), etc. “51

Segundo alguns estudiosos, as influências sobretudo das línguas africanas

na língua portuguesa não se restringiram apenas ao vocabulário. Isso é defendido

pelo pesquisador Jacques Raimundo, em O elemento afro-negro na língua

portuguesa, onde são apontadas algumas mudanças fonéticas, observadas a partir

da fala dos trabalhadores escravizados, mas que ainda se mantêm em variações do

português do Brasil. Segundo ele, as vogais "e" e "o" passam a ser pronunciadas,

respectivamente, como "i" e "u" (mininu, nutiça); as vogais tônicas terminadas em

"s", mesmo as grafadas com "z", tornam-se ditongos (atrais, mêis, vêis); e ainda, a

conjugação dos verbos do pretérito perfeito, terceira pessoa do plural, se reduz a "o"

(fizero, caíro, tocaro)52.

Concepções como estas evidenciam que as variações fonéticas não-padrão,

próprias de classes subalternizadas, continuam sendo discriminadas de forma

sistemática. Florence Carboni e Mário Maestri, em A linguagem escravizada,

assinalam: “Apesar da censura lingüística, as comunidades subalternizadas

influenciaram a própria versão culta do português falado no Brasil. Essa ação foi

sobretudo lexical, determinando que numerosos étimos americanos e africanos

invadissem as mais castiças formas do falar português, para o terror dos puristas de

então.”53

A influência cultural e lingüística na região Oeste catarinense, completou-se

com a vinda dos colonos rio-grandense, descendentes de imigrantes italianos e

alemães. É tangível a interferência fonética dos dialetos italianos em pronúncias

como “pom” (para pão), “caroça” (para carroça), “cassias” (para Caxias). A

miscigenação lingüística deu-se igualmente em nível lexico-semântico, por exemplo

51 Thomé, Nilson. Obra citada. 1992. p. 35 52 RAIMUNDO, Jacques. O elemento afro-negro na língua portuguesa. Rio de Janeiro: Renascença.

1933. 53 CARBONI , Florence e MAESTRI, Mário. A linguagem escravizada. Obra citada. p. 29

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em expressões como: “pena agora” (para recém), “ponhá” (para colocar), “dá de í”

(para posso ir), “não levei” (para não trouxe), “vô indo” (para estou indo).

Além das características lingüísticas próprias dos descendentes de imigrantes

italianos, há outras características para-lingüísticas originadas nessa comunidade,

como o tom alto da voz e o uso das mãos ao falar. Para Osvaldo Savoldi,

descendente italiano: “O italiano fala com as mãos, se cortar elas fora, ele fica

mudo” 54. Essa característica do habitante da região tende a ser discriminada,

conforme aponta a fonoaudióloga Josiane Sandi, em entrevista às jornalistas Gisele

Silveira e Lisângela Brandalise: “Essa maneira de falar não pode ser considerada

errada, de forma alguma. A linguagem que se formou com a mistura de raças [sic] é

o que ocorre também em outros lugares. O problema disso está ‘na exigência da

sociedade’. Isso é inadmissível nos meios de comunicação, por exemplo. Apesar de

ainda hoje, existirem comunicadores com dificuldade na pronúncia do ‘r’”. 55

Sobre o exposto, Florence Carboni e Mário Maestri, em Linguagem, Escritura

e Luta de Classes, complementam: “[...] os aparatos culturais institucionalizados –

escola, universidade, gramáticas, mídia, etc. – discriminam igualmente sotaques* de

grupos étnicos ou de regiões socialmente não prestigiosos. Por exemplo, os

sotaques caipira e ítalo-gaúcho – caro por carro; revoluçón por revolução – são mal

vistos e reprimidos, enquanto o chiado carioca é valorizado por ser originário de

uma metrópole e ex-capital.”56

Esse tipo de discriminação, infelizmente, tem continuado. Mas já existem

considerações bastante relevantes na superação desse pensamento. Em seu livro

didático direcionado ao aluno do ensino médio, Marina Ferreira diz: “ É importante

estar ciente de que, em princípio, não existe uma forma melhor ( “mais certa”) ou

pior ( “mais errada”) de falar. Trata-se apenas de uma diferenciação que se

estabelece com base em critérios sociais e em situações de uso efetivo da língua.”

54 IN: SILVEIRA, Gisele e BRANDALISE, Lisângela. A Imigração italiana: Influência da cultura e do

dialeto no contexto social de Concórdia. Concórdia: UnC, 2004. Monografia de Graduação. p. 46. 55 Ibidem. p.46. 56 CARBONI , Florence e MAESTRI, Mário. Linguagem, Escritura e Luta de Classes. Revista Espaço

Acadêmico. Nº 48. Maio/2005. Ano IV. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/048/48 carboni_ maestri.htm. Acessado em 05/04/2006.

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57 A variante lingüística da região é uma das principais características da identidade

local. Considerá-la insignificante seria o mesmo que negar a pluralidade cultural e

descaracterizar a contribuição dada pelas classes subalternizadas ao idioma oficial.

57 FERREIRA, Marina. Português. São Paulo: Atual. 2004. p.

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CAPÍTULO 2

O CENÁRIO DA REGIÃO

2.1 A exploração das terras e das riquezas

A ocupação intensiva das terras do Oeste catarinense ocorreu a partir de

1920, com o fim da Guerra do Contestado. O acordo conhecido como ‘questão do

Contestado’ pôs fim às disputas sobre aquelas regiões pelos governos do Paraná e

de Santa Catarina, ensejando que o governo catarinense se dedicasse à

organização administrativa da região onde o conflito se desenvolvera. Em História

de Santa Catarina , o historiador Oswaldo Rodrigues Cabral lembra: “Imediatamente

cuidou o Estado [de Santa Catarina] de dar-lhe organização administrativa,

restabelecendo juridicamente municípios já de fato anteriormente existentes sob a

jurisdição paranaense, criando outros que dantes neles se incluíam e incorporando

aos municípios catarinenses limítrofes áreas que até então eram as mais

conturbadas, por se encontrarem justamente nas linhas até onde cada um dos

Estados disputava a sua soberania.”58

Para garantir a posse definitiva do território conquistado e para incorporá-lo à

economia mercantil, o governo catarinense entregou às companhias colonizadoras

a tarefa de lotear e vender as terras. Como assinalado, em sua maioria, as

empresas colonizadoras pertenciam a proprietários rio-grandenses. Cabia a cada

uma delas promover a efetiva ocupação desses terrenos. Para tal, as empresas

58 CABRAL, Oswaldo Rodrigues. História de Santa Catarina. 2 ed. Florianópolis: Lunardelli. 1970. p. 325.

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optaram por loteamento de terras dirigido prioritariamente a grupos de colonos-

camponeses descendentes das etnias alemã e italiana, estabelecidos no Rio

Grande do Sul, que já haviam demonstrado a capacidade de fixar-se e explorar a

terra, em forma “ordeira”, em um sentido claramente mercantil.

Em Retalhos históricos das comunidades II, Maria da Graça Büchele registra

essa leitura apologética sobre a qualidade dos migrantes: “Os colonos com sua

inquebrantável [sic] energia de progredir [sic], tornaram-se verdadeiros pioneiros

[sic] desta zona, a qual era nada menos que uma mata virgem [sic]”.59 O fato de que

essa região fosse coberta em boa parte por florestas não significa que a paisagem

fosse espaço incivilizado. Ao contrário, era o lócus espacial de comunidades

produtoras formadas de nativos e caboclos. 60 Os colonos-camponeses que

ocuparam essa região eram sujeitos históricos de carne e osso, submetidos às

duras determinações econômico-sociais da economia mercantil. O fato de que a

historiografia étnica não destaque as duras condições de existência de maior parte

dessa comunidade e os inevitáveis fracassos plenos e parciais da operação, não

significa que não tenham existido.

Os ‘novos colonos’ trouxeram a reboque sua cultura e os valores de uma

sociedade crescentemente mercantilista. Foram tendencialmente ignorados a

presença e os costumes dos habitantes caboclos, que há muito tempo ocupavam

essas terras, como apenas assinalado. Em A luta da erva: um ofício étnico no Oeste

catarinense, a arqueóloga catarinense Arlene Renk registra: “[...] o trabalho e a

representação do trabalho ocupam o espaço privilegiado no discurso dos colonos e

ex-colonos de origem ‘que se fizeram’, como marca étnica. O seu papel será

sempre o da honra, admiração e respeito, porque o trabalho só é compreensível na

lógica do sacrifício e da recompensa.”61

As terras da região foram vendidas a esses migrantes que eram, em sua

maioria, agricultores. Vários fatores motivaram a vinda desses colonos. O

historiador Geraldo Ferreira, em Concórdia: o rastro de sua história, assim define 59 BUCHELE, Maria da Graça Silva. Retalhos Históricos das Comunidades II. Ob. cit. p. 232. 60 Cf. BRUNELLO, Piero. Pionieri: gli italiani in Basile e il mito della frontiera. Roma: Donzelli..1994. 61 RENK, Arlene. A luta da erva: um ofício étnico no Oeste Catarinense. Chapecó: Grifos. 1997. p. 83.

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algumas dessas razões: “Segundo os próprios imigrantes [sic], o que mais motivou

a vinda foram o solo, o clima, a agricultura e a semelhança dessa região com

regiões européias de onde vieram os imigrantes para o Rio Grande do Sul, além da

facilidade de pagamento das terras oferecidas pela Companhia Mosele.” 62

Alguns estudos citam o ‘excedente populacional’ e a ‘saturação dos solos’

como uma das causas determinantes para a saída dos agricultores descendentes

de imigrantes do Rio Grande do Sul. Em Concórdia: O rastro de sua história,

Geraldo Ferreira lembra: “A saturação das terras em várias colônias do Rio Grande

do Sul, motivou, após a I Guerra Mundial, o deslocamento de muitos colonos para

as terras oferecidas pelas companhias colonizadoras no estado de Santa Catarina

[...]”. 63 O relatório Itá: Memória de uma Usina propõe: “Nesse mesmo período [início

do século XX], nas velhas colônias do Rio Grande do Sul não havia mais terra

disponível para os descendentes dos imigrantes europeus que tinham colonizado

diversas áreas 40 anos antes.” 64

Figura 10 – Colonização do Alto Uruguai

Fonte: GERASUL , CSN, Itambé. Itá – Memória de uma Usina . Itá: Gráfica Takano, 2000. p.46

62 FERREIRA, Antenor Geraldo Ferreira. Concórdia: O rastro de sua história. Ob. cit. p. 82. 63 Ibidem. p. 42 .. 64 GERASUL, CSN, Itambé. Itá – Memória de uma Usina.. Itá: Takano.. 2000. p. 46.

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As razões da imigração eram sociais, e não naturais. O esgotamento das

terras devia-se sobretudo ao fato de que era economicamente mais interessante

obter lotes novos, em outras regiões, do que investir na recuperação do solo,

prática, em geral, muito difícil para o pequeno agricultor. A falta de terras no Rio

Grande do Sul era sobretudo devida à forte elevação dos preços das terras

oferecidas aos colonos-camponeses, já que se mantinham intocáveis os estoques

do latifúndio, sobretudo pastoril. Havia igualmente outras razões para a migração.

2.2 O rio Uruguai

Os vestígios arqueológicos encontrados ao longo do vale do Uruguai

evidenciam a importante ocupação humana pré-histórica da região. Acredita-se que

os nativos vivessem na região há aproximadamente quatro mil anos. Os guaranis,

nas margens do rio Uruguai, caçavam, pescavam, coletavam, praticavam a

horticultura. Eles alimentavam-se abundantemente de peixes, pegos nas corredeiras

de águas límpidas. Os caingangues viviam em altitudes superiores. A incorporação

da região ao espaço colonial ibérico foi difícil. “[...] os contatos e as trocas [entre

portugueses da região das missões] com a região acima da parte navegável do rio

Uruguai, sempre foram pequenas. Além de ser de difícil acesso, o território era

habitado por índios considerados ‘hostis’ à conversão e aos métodos jesuítas,

especialmente os caingangues, inimigos seculares dos guaranis.” 65

No início do século XX, a chamada ‘frente pioneira’, composta por colonos-

camponeses sul-rio-grandenses descendentes de imigrantes europeus, chegou ao

Oeste catarinense. Algumas levas populacionais saíram das colônias velhas e

novas do Rio Grande do Sul, ultrapassaram o rio Uruguai para estabelecerem-se

próximo a ele. Outras, prosseguiram em direção ao oeste – Santa Catarina,

Paraná, etc. Em O velho balseiro, o ex-balseiro Heitor Lothieu Angeli propõe que o

65 GERASUL, CSN, Itambé. Ob. cit., p. 28.

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rio fosse “gerador de várias riquezas. O vale era de terras férteis, e a sua produção

agrícola farta e abundante”. 66

Oficialmente, o rio Uruguai nasce na Serra Geral e se forma a partir da junção

dos rios Canoas e Pelotas, dividindo os estados de Santa Catarina e Rio Grande do

Sul. No relatório Itá: Memória de uma usina, registra-se: “O Canoas e o Pelotas, pai

e mãe do Uruguai, nascem a mais de 1.200 metros de altitude, nos reversos da

Serra Geral. O Canoas um pouco mais ao norte, no meio de Santa Catarina, e o

Pelotas mais ao sul, nas frias montanhas de São Joaquim. Um e outro descem

rápido, fazendo gretas, alisando lajes, entornando cascatas, cachoeiras e peraus,

cortando campos, lavouras e florestas. [...] Quando chegam em Campos Novos

[Santa Catarina], os dois se juntam e formam o Uruguai.”67 Durante o inverno o rio

Uruguai fica coberto pela neblina, o que representava um dos perigos aos balseiros,

conforme veremos.

Figura 11 – Mapa do rio Uruguai - divisa entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul

Fonte: CDA – Centro de desenvolvimento Ambiental (Itá/SC)

66 ANGELI, Heitor Lothieu. O Velho Balseiro: A saga dos balseiros do rio Uruguai. Porto Alegre: EST..

2000. p. 54. 67 GERASUL, CSN, Itambé. Ob. cit. p. 21.

SANTA CATARINA

RIO GRANDE DO SUL

ARGENTINA

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Maria José Reis em Espaços vividos, migração compulsória, identidade:

os camponeses do Alto Uruguai e a Hidrelétrica de Itá, acrescenta que “o rio

Uruguai [é], formado pela junção do rio Pelotas e do Canoas, deságua no

estuário do Prata. Servindo de fronteira natural entre os Estados do Rio Grande

do Sul e Santa Catarina é, de fato, do ponto de vista geográfico, o elemento mais

marcante da paisagem da região. Como seus afluentes de ambos as margens,

escoa suas águas por terrenos acidentados seguindo, assim, seu curso, ora

deslizando calmamente e serpenteando por vales acentuados, formando

cotovelos e lajeados, ora acelerando sua marcha e precipitando-se em

corredeiras, saltos e cascatas. Suas águas piscosas, pelo menos até a chegada

de indústrias poluidoras, a partir da década de sessenta do século [vinte], foram

habitadas por diferentes espécies como as dos pintados, surubins, traíras e

dourados.” 68

Muitos moradores das ‘barrancas do Uruguai’, no Alto Uruguai, desde

crianças, aprendem que o rio Uruguai é o único que possui duas nascentes.

Essa informação é relatada por Chico Faganello, no documentário Histórias do

Oeste. Segundo ele: “Apesar dos livros e mapas, não existe lugar exato onde

isso acontece. Uns dizem que ele nasce na serra [da junção dos rios Canoas e

Pelotas], outros dizem que ele nasce aqui [da junção dos rios Pelotas e do

Peixe]. O Uruguai é um rio que nasce em dois lugares diferentes. Moços e

velhos daqui aprendem que o rio Uruguai [...] nasce aos pés da ponte de ferro.”69

Em Marcelino Ramos, no Rio Grande do Sul, o traçado da estrada de ferro

São Paulo-Rio Grande toca as águas do rio do Peixe, seguindo em direção geral

leste-oeste. Na margem direita do rio Uruguai, estão os rios Chapecó e Peperi-

guaçu e, na margem esquerda, os rios Forquilha, Ligeiro, Passo Fundo, Ijuí, Ibicuí,

Quaraí, Guarita,Turvo, Santa Maria e Negro. Na cidade de Itapiranga, em Santa

Catarina, quando o rio Uruguai recebe as águas do rio Peperi -guaçu, serve de 68 REIS, Maria José. Dos primeiros tempos e lugares ao tempo dos colonos. (cap. 1). REIS, M. J.

Espaços vividos, migração compulsória, identidade: os camponeses do Alto Uruguai e a Hidrelétrica de Ita. Tese de doutoramento em Ciências Sociais. Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Campinas.. 1998. p.1

69 FAGANELLO, Chico. Historias do Oeste . Florianópolis: Everson Faganello Comunicações. 1998.

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fronteira entre o Brasil e a Argentina, seguindo em direção ao sul, sempre limitando

os dois países.

No município de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, o rio Uruguai junta-se ao

rio Quaraí, atuando como fronteira entre o Brasil e o Uruguai. Desse ponto, segue

para o sul até a localidade de Nueva Palmira, no Uruguai, onde lança suas águas no

rio da Prata. Seu percurso total é de 1.770 km. A junção de seus formadores até a

foz do Quaraí perfaz 1.262Km. Os restantes 508 km, correm entre terras uruguaias

e argentinas.

O relevo acidentado do rio Uruguai não permite a navegação fluvial em toda a

sua plenitude. O rio é navegado no trecho da fronteira Uruguai-Argentina, até a

cidade de Concepción, na Argentina. Acima desse local, a navegação é mais difícil,

podendo ser feita por pequenas embarcações até a cidade de Salto, no Uruguai.

Quanto mais segue em direção à nascente, mais a navegação é difícil, devido aos

inúmeros rápidos e corredeiras. A navegação por embarcações de pequeno porte é

possível através de 210 quilômetros, de São Borja e Uruguaiana. 70

2.3 Um rio de obstáculos

Diariamente muitas pessoas cruzam a fronteira entre Santa Catarina e Rio

Grande do Sul, pelo rio Uruguai. Na região oeste de Santa Catarina não é possível

definir com precisão quem é catarinense e quem é rio-grandense. As águas do rio

Uruguai correm por vales estreitos, possíveis de serem visualizados à distância. Um

deles localiza-se no Oeste catarinense, entre os municípios Concórdia (SC) e de

Marcelino Ramos (RS), onde o rio apresentava leito rochoso. O Estreito do rio

Uruguai, conhecido também por Augusto César, em homenagem ao caboclo

Augusto de Oliveira Penteado que, segundo Chico Faganello, no documentário

“Histórias do Oeste”, foi homenageado por seu ‘heroísmo’:: “Augusto César se

70 Informações retiradas do site: http://www.portalbrasil.net/brasil_hidrografia.htm.. Acessado em

27/10/2005.

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arriscou, perdeu a canoa, mas conquistou esse longo e tortuoso canal. As águas

são violentas e traiçoeiras e quem entra aqui, nunca mais aparece.”71

No jornal catarinense A Notícia, jornalista Jean Carlos Souza descreveu esse

estreitamento: “Quem nunca viu o Estreito de perto tem dificuldades para imaginar a

transformação que ocorre no rio Uruguai no trecho que passa por Alto Bela Vista,

município que se emancipou de Concórdia em [19]95. O leito do rio, que

normalmente possui 400 metros, estreita-se de repente e fica comprimido num

corredor de pedras que nunca ultrapassa os 20 metros de largura.”

Figura 12 – Estreito do rio Uruguai

Fonte: Museu Histórico Municipal Hermano Zanoni – Concórdia/SC

Segue o jornalista: “Num determinado ponto do Estreito, conhecido como

Passo da Formiga, é possível colocar um pé em Santa Catarina e outro no Rio

Grande do Sul, tendo abaixo o rio Uruguai, divisa natural entre os dois Estados. O 71 FAGANELLO, Chico.. Ob. Cit..

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perigo é proporcional à beleza. Na época em que o Uruguai está cheio, é preciso

muito cuidado para aproximar-se do Estreito. Nos períodos de seca, como

aconteceu no início deste ano [1999], o acesso torna -se mais fácil. Até abril, quando

as chuvas reiniciaram, os visitantes puderam vislumbrar cavernas, esculturas nas

rochas feitas pela água e um visual que em poucos momentos o rio Uruguai permitiu

ser observado.”72

Chico Faganello destaca ainda no documentário citado que, no início do

século vinte, o governo brasileiro pretendia construir uma usina hidrelétrica no

Estreito do rio Uruguai, para utilizar a queda natural d’água. “Nos anos vinte, o

governo pesquisou a instalação de uma usina, que pudesse aproveitar a violência

das águas para a geração de energia elétrica. Entusiasmados, os técnicos viam

uma grande força que ajudaria o Brasil a desenvolver a exploração de minérios e a

eletrificação das estradas de ferro. Mas a usina não foi construída.”73

A possibilidade de geração de energia elétrica, a partir das águas do rio

Uruguai, veio somente no final do século vinte. Só que desta vez com um custo

social muito grande, com a desapropriação de famílias, as indenizações injustas e o

prejuízo ao meio ambiente que uma usina hidrelétrica tem proporcionado. Com a

formação do reservatório para a Usina Hidrelétrica Itá, que teve seu funcionamento

iniciado no segundo semestre de 2000, o Estreito do Uruguai ficou debaixo d´água,

desaparecendo as possibilidades de tornar o local em centro turístico ou de

aproveitar a força natural das águas para a geração de energia elétrica, como

pretendeu o governo federal na década de 1920.

O salto Yucumã – Salto Grande, em guarani –, no município de Derrubadas,

no Rio Grande do Sul, constitui -se de 1.800 metros de queda d’água no sentido

longitudinal, com altura que pode chegar a 25 metros, em épocas de seca. O Salto

fica na divisa entre o Brasil e a Argentina, pertencendo ao lado argentino. Naquele

local, há uma fenda no leito do rio, a partir da qual o rio, por um lado, continua a

72 SOUZA, Jean Carlos. Estreito do Rio Uruguai: Ainda há tempo para se conhecer a beleza natural mais

fascinante da região de Concórdia. ANTurismo, quarta-feira, 4 de agosto de 1999. Disponível em: http://an.uol.com.br/1999/ago/04/0tur.htm - Acessado em 10/11/2005

73 FAGANELLO, Chico.. Ob. Cit.

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correr por seu leito e, por outro, cai pelo paredão da fenda.74 Este era um dos locais

mais temidos pelos balseiros que conduziam a madeira pelo rio Uruguai.

Figura 13 – Salto Grande

Fonte: ANGELI, Heitor Lothieu. O velho balseiro. p. 123.

Em Álbum de Família, o balseiro Biagio Aurélio Paludo descreve outros

obstáculos aos trabalhadores do rio, que conduziam as balsas de madeiras até São

Borja [RS] San Tomé [Argentina]: “[...] tem o remanso do Uvá com muitos

redemoinhos. [...] Logo em seguida vem a Pedra do Saltinho, também lugar

perigoso e que deve ser passado com um mínimo de três a quatro metros acima do

nível normal. [...] Daí para baixo, os lugares perigosos são ‘Pedra da Fortaleza’, em

seguida, o ‘Macaco Branco’, perto de Itapiranga [SC]. [...] Depois da divisa com a

Argentina, vem o Salto Grande [...]. Depois vem o Saltinho, o Santa Maria e o Santo

Egídio. Passados esses obstáculos o único perigo até San Tomé ou Libres, [...] era

o vento forte que formava ondas altas. [...]”75

74 Informações retiradas do site: http://www.riogrande.com.br/turismo/uruguai.htm. Acessado em

13/11/2005 75 PALUDO, Biagio Aurélio. Álbum de Família. Chapecó: Grafisel. 1985. p. 16.

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Durante uns trinta anos, através de suas cheias, que viabilizavam sua

navegabilidade, o rio Uruguai foi o mais importante meio de transporte para escoar a

principal riqueza da região. O citado relatório Itá: Memória de uma usina descreve:

“Até 1950, o rio Uruguai foi fundamental para a primeira atividade econômica que

permitiu grande acumulação de capital nas novas colônias: o corte e a

comercialização de madeiras. Ricas em espécies nobres de florestas subtropicais

como o cedro e a canela, e outras espécies das florestas de araucária,

especialmente o pinheiro; a atividade madeireira predominou em todas as novas

comunidades. Abatia-se a floresta, e a madeira, em pranchas ou toras, era

carregada para as margens do rio Uruguai.” 76

Mas o aproveitamento das águas do rio Uruguai não parou por aí. Em fins da

década de 1960, quando se iniciava o ‘Milagre Econômico’, o governo ditatorial

pretendeu ampliar o potencial energético nacional para suportar o crescimento

econômico em curso. Para tal, foi feito um estudo do potencial energético tanto da

parte alta, como da parte baixa do rio. “Toda a bacia foi estudada, relacionando-se

os locais com potência de referência superior a 10 megawatts.”77 Para os rios

Canoas e Pelotas foram previstos quatorze projetos e, mais treze, de menor porte,

para os rios Chapecó e Chapecozinho, todos afluentes do Uruguai.

A partir do crescimento agrícola, do surgimento-expansão dos frigoríficos e da

construção de usinas hidrelétricas na região Oeste catarinense, o cenário mudou de

configuração. Os aspectos naturais – mata e rio – sofreram transformações do

ponto de vista ambiental: desmatamento, poluição, assoreamento, erosão, etc. De

certa forma, repetindo o início do processo, a região presenciou a saída de

migrantes em direção ao estado do Paraná e ao centro-oeste do Brasil, por diversos

motivos. Alguns pequenos proprietários tiveram suas terras atingidas pelas

barragens, outros partiram movidos pela propaganda de terra barata, emprego fácil

e uma solução econômica para suas vidas.

76 GERASUL, CSN, Itambé. Ob. cit., p. 34. 77 Ibidem. p. 38.

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57

2.4 A mata da região Oeste catarinense

Em Santa Catarina: dimensões e perspectivas, Fernando Lago lembra: “[...]

as terras catarinenses, abundantes em recursos arbóreos, se apresentam como

‘Canaãs’, em virtude da possibilidade de comercialização de madeira. Muitos

colonos se deslocaram do Rio Grande do Sul não porque as terras haviam se

saturado de ocupantes, mas porque os recursos a serem explorados no Meio-oeste

catarinense prometiam retornos mais compensadores. As terras novas eram, pelo

menos, uma hipótese de viabilidade ocupacional [...].” 78

Portanto, a mata da região foi um importante atrativo de migrantes para o

Oeste catarinense. Em Ulisses va in América : História, historiografia e mitos da

imigração italiana no Rio Grande do Sul (1875-1914), a historiadora Dilse Piccin

Corteze comenta que: “[...] para além dos discursos retóricos, para o imigrante a

mata sulina era, sobretudo, sinônimo de terra fértil e de madeira a ser

mercantilizada e aproveitada como matéria-prima, ou seja, ele não fugia, mas

procurava as terras arborizadas.”79 O comércio com a Argentina e o Uruguai crescia

cada vez mais, assim como a publicidade sobre as possibilidades desse ramo de

negócio. Em verdade, a retirada e venda garantidas da madeira ofereciam

comumente a possibilidade de lucro imediato. As árvores forneciam lenha e seriam,

igualmente, de matéria-prima nas construções dos lotes coloniais.

Tal fato comprova o caráter ideológico do discurso tradicional da historiografia

étnica da imigração sobre o ‘terror’ do imigrante ‘abandonado no meio das florestas’:

“O Brasil era conhecido na Itália, sobretudo pelas suas florestas tropicais povoados

de terríveis habitantes – índios, cobras, leopardos, macacos, etc. Os imigrantes

partiam com a imaginação povoada de histórias sobre este habitat inóspito.”80 Em

“A travessia e a mata: memória e história”, o historiador Mário Maestri assinala: “Na

Itália, o emigrante vivera no seio de comunidades aldeãs – paese.. As matas e as

78 LAGO, Paulo Fernando. Santa Catarina: dimensões e perspectivas. Florianópolis: EdiUFSC. 1978. p.

128 79 CORTEZE, Dilse Piccin. Ulisses va in América: História, historiografia e mitos da imigração italiana no

Rio Grande do Sul (1875-1914). Passo Fundo: EdiUPF. 2002. p. 100. 80 Ibidem. p. 98.

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florestas brasileiras assombravam se imaginário desde o momento que se decidira

a partir para o Brasil e sintetizavam – material e simbolicamente – o caráter inculto e

selvagem dos territórios americanos que deveriam ser desbravados[...].”81

Em Aspectos fitofisionômicos da Floresta Estacional da Fralda da Serra Geral

(RS), o pesquisador Roberto Klein82 assinala que a mata da região Oeste

catarinense pode ser classificada como Floresta Estacional Decidual. O site

“Ambiente Brasil” descreve essa cobertura vegetal: “Acompanhando o rio Uruguai,

de 600 a 800 metros de altitude, apresenta-se uma floresta totalmente isenta de

pinheiro-do-paraná e com estrutura distinta, compostas por árvores deciduais como

Apuleia leiocarpa (grápia), a Parapiptadenia rigida (angico), a timbaúva

(Enterolobium contortisiliquum) e outras. Sob esta cobertura, caracteriza-se uma

formação densa formada por árvores perenifólias, predominando as canelas.” 83

Nessas matas era e é possível encontrar plantas de grande valor medicinal,

especialmente em áreas de baixa altitude ou próximo às margens dos rios. Essa

realidade era fundamental, visto que a população nativa da região Oeste

catarinense utilizou-se sistematicamente de tais espécies vegetais como principal

fonte de recurso terapêutico. Desassistidos pelo poder governamental, pela

medicina tradicional e pela Igreja, os caboclos procuravam nas ervas medicinais a

cura para suas doenças. Boa parte dessa tradição terapêutica vai ser absorvida

pelos colonos-camponeses estabelecidos na região.

Em Sangue, suor e lágrimas no chão contestado, o historiador catarinense

Nilson Thomé descreve essa situação: “Não havia médicos na região. Inexistia

também a assistência hospitalar. Os remédios eram escassos. Nosso caboclo,

mesmo assim, superava e sobrevivia a muitas doenças, graças a uma série de

conhecimentos adquiridos dos índios, dos negros [sic] e dos desbravadores, que

passavam de geração a geração, sempre acrescidos de novas descobertas. Muitas

81 MAESTRI, Mário et, al. A travessia e a mata: memória e história. In: DAL BÓ, Juventino (Org.).

Simpósio Internacional sobre imigração italiana e estudos. Caxias do Sul: Educs. 1996. p. 203. 82 KLEIN, R. M. Aspectos fitofisionômicos da Floresta Estacional da Fralda da Serra Geral (RS). In.: Anais

Congresso Nacional de Botânica. Porto Alegre. 1983, 2v. pp.73 -110. 83http://www.ambientebrasil.com.br/composer.php3?base=./estadual/index.html&conteudo=./estadual/sc6.

html . Acessado em 09/11/2005

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‘receitas’ chegaram às suas mãos pelos monges. Os mais experientes nas lidas

com plantas e ervas medicinais eram mais conhecidos por curandeiros. No

isolamento em que vivia, com tal falta de assistência médica [grifo do autor],

desenvolveu recursos próprios de medicação, a maior parte herdada dos índios, e

passou os ensinamentos às gerações seguintes. Ainda hoje o caboclo só procura

assistência médica depois de esgotados todos os recursos e só recorre às

farmácias, em busca de medicamentos fabricados em laboratórios, quando suas

ervas se tornam ineficazes nos combates às doenças.”84

A mata da região Oeste catarinense era composta por uma significativa

quantidade de espécies vegetais que, durante muito tempo, servi u como principal

fonte de recursos aos colonos-agricultores. Maria José Reis em Memória,

territorialidade e migração compulsória: a reação dos agricultores à instalação da

hidrelétrica Itá, “A floresta, contudo, não apenas encobria a terra, sendo obstáculo à

sua apropriação como meio de produção. Mais que isto, ela própria foi percebida

como fonte de uma riqueza incalculável, com seus cedros, pinheiros, imbuías,

canelas, perobas, entre várias outras espécies igualmente valorizadas, geralmente

explorada pelas próprias Empresas Colonizadoras ou por Empresas Madeireiras.

Este tipo de atividade produtiva contou, também, com a participação dos colonos,

em suas diferentes etapas. Tanto no árduo e perigoso ofício da derrubada das

árvores, como no preparo dos troncos ou tábuas, em forma de balsa ou, ainda, no

seu transporte pelo rio Uruguai, com destino à Argentina. 85

2.5 A riqueza que vem da madeira

A erva-mate (Ilex paraguariensis) foi outra espécie vegetal muito consumida e

explorada na região. A princípio, a extração era puramente para consumo

doméstico, sem objetivo comercial. A erva-mate, de consumo comum entre os 84 THOMÉ, Nilson. Sangue, suor e lágrimas no chão contestado.. Caçador: INCON Edições/EdiUnC.

1992. 85 REIS, Maria José. Memória, territorialidade e migração compulsória: a reação dos agricultores à

instalação da hidrelétrica Itá.. In: REIS, M. J.; RADOVICH, Juan Carlos; Balazote, Alejandro. (Orgs) Disputas territoriales y conflictos interétnicos em Brasil y Argentina. Buenos Aires: Ferreyra. 2005. p.6

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guaranis, possivelmente adotado pelos bandeirantes paulistas e difundido pelos

tropeiros, tornou-se produto comercializado a partir de 1820. Em Messianismo e

conflito social , o sociólogo Maurício Vinhas de Queiroz registra: “Só às vésperas da

‘Independência’ é que se percebiam indícios de que a extração do mate se tornava

atividade própria. Em 1817, referindo-se à província de São Paulo [...] observa: ‘o

grande uso dessa bebida se faz na província, e nas de santa Catarina e Rio Grande,

e já adotado por muita gente na metrópole, augura ao país outro ramo de comércio’

[...] Apenas três anos depois, seus prognósticos principiavam-se a tornar-se

realidade [...]”86

Entre as madeiras de valor comercial do Alto Uruguai catarinense destaca-se

o pinheiro, ou araucária. Na localidade de maior altitude da região havia grandes

extensões de pinheirais. O pinheiro cresce a mais de trinta metros. Entretanto, à

altura do peito de um homem adulto, o diâmetro do tronco quase nunca ultrapassa a

um metro e meio. 87 Em Os caminhos da madeira, a historiadora Liliane Wentz

lembra: “O seu fruto é ótimo alimento e foi largamente utilizado pelos primeiros

imigrantes e na criação de suínos. O pinho era muito utilizado para assoalhos,

forros, mastros, vergas; sua resina substituía a terebintina e seus nós prestavam-se

para obras de adorno, bem como para combustível, fornecendo excelente carvão,

muito apreciado na fabricação de pólvora.”88

86 QUEIROZ, Maurício Vinhas de. Messianismo e Conflito Social: A guerra sertaneja do Contestado

(1912-1916). São Paulo: Ática. 1981. p. 32. 87 Ibidem. p. 18. 88 WENTZ, Liliane Irma Mattje. Os caminhos da madeira: região norte do Rio Grande do Sul (1902-

1950). Passo Fundo: EdiUPF.. 2004. p. 26.

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Figura 14 – Pinheiro ou araucária

Fonte: CEOM / Reprodução: Júlio Gomes

Com a chegada à região em questão de colonos-camponeses do Rio Grande

do Sul, teve início o ciclo do extrativismo vegetal, no qual as madeiras ‘nobres’

foram extraídas das matas. As espécies mais exploradas foram o açoita-cavalo, a

cabreúva, a cangerana, o cedro, a imbuia, o louro, e o pinheiro. Essas árvores

foram extraídas, principalmente, em matas próximas ao rio Uruguai, devido, como

veremos, à possibilidade de escoamento, até os mercados, oferecida pela via fluvial.

Como também veremos, o processo de extração era feito pelas companhias

colonizadoras ou pelos próprios colonos, dependendo do tipo de contrato

estabelecido em ambas as partes. Com relação à fauna da mata, Maria José Reis,

em Espaços vividos, migração compulsória, identidade : os camponeses do Alto

Uruguai e a Hidrelétrica de Itá, acrescenta: “Entre os animais que a ocupavam [a

mata do rio Uruguai], quando da chegada dos “colonos" foram citados a presença

do jaguar, de felídios de menor porte como a jaguatirica e o gato do mato, de antas,

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capivaras, pacas e de uma infinidade de pássaros como jacutingas, macucos e

tucanos.” 89

Segundo o já citado relatório Itá: Memória de uma Usina, toda “a região do

Alto Uruguai era coberta por imensas florestas. A infra-estrutura, quase inexistente,

transformou os primeiros anos de vida desses colonos numa verdadeira luta contra

os obstáculos que a natureza oferecia”. 90 Os colonos-camponeses procuram

também superar tais ‘obstáculos’, certamente não postos apenas pela natureza, a

partir da comercialização da madeira.

O principal objetivo dos colonos era ocupar áreas ‘desabitadas’ – às custas

da expulsão dos caboclos, se fosse necessário –; organizar economia familiar que

produzisse boa parte do que era consumido; inserir-se no circuito mercantil local,

regional, nacional e, no caso da madeira, internacional. Nesse processo,

aprofundava-se a implantação da lógica mercantil-capitalista. O relatório do CDA,

Manejo e conservação da flora e da fauna, complementa: “Sem qualquer

preocupação ecológica, simplesmente era exigido o ressarcimento monetário para

emissão de título ao proprietário.”91 Diante disso, surgiu a atividade extrativa

madeireira, ramo de comércio lucrativo que se utilizou da exploração da natureza,

nesse momento, em sentido absolutamente predatório.

2.6 A principal fonte econômica torna-se um recurso esgotável

A madeira tornou-se um recurso econômico muito importante para o oeste de

Santa Catarina. Na década de 1920, com a chegada dos novos colonos-

camponeses, a exportação aumentou mais de vinte vezes. Segundo o historiador

89 REIS, Maria José. Dos primeiros tempos e lugares ao tempo dos colonos. (cap. 1). In: REIS, Maria

José. Espaços vividos, migração compulsória, identidade: os camponeses do Alto Uruguai e a Hidrelétrica de Ita. Tese (Programa de Doutorado em Ciências Sociais) . Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Campinas (SP)..1998. p. 2.

90 GERASUL, CSN, Itambé. Ob.cit, p.46. 91 CENTRO DE DIVULGAÇÃO AMBIENTAL USINA HIDRELÉTRICA ITÁ. Manejo e Conservação da

Flora e Fauna: Conservação e Resgate da Fauna. Itá: Consórcio Itá, Tractebel, CSN, Itambé. 1999. p.43.

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catarinense Nilson Thomé 92, no início da década de 1940, a madeira representou

mais de vinte por cento do valor total das exportações do Estado. Em Projeto de

madeira em Santa Catarina, o ambientalista catarinense Raulino Reitz afirma que,

no período de 1950-1960, a madeira representou cinqüenta por cento do volume

exportado no estado catarinense. Os lucros obtidos nessa atividade possibilitaram o

desenvolvimento dos municípios e os investimentos em novos negócios. 93

No período 1950-1960, as serrarias multiplicaram-se e a venda de terras nas

margens do rio Uruguai intensificou-se. Maria da Graça Büchele afirma que os

“agricultores compraram as terras de segunda mão dos balseiros que, durante os

anos de 1930 até 1940, tiraram sistematicamente a madeira de lei, como cedros e

louros, formando suas afamadas balsas sobre o rio Uruguai, em prejuízo do valor

dos terrenos.”94 Destaque-se que o valor dos terrenos decaíam, em função da

retirada das árvores.

Muitos colonos-camponeses não se dedicaram à exploração das madeiras,

mas derrubavam a floresta para poder utilizar a terra para a agricultura e pecuária.

Toras eram fornecidas às madeireiras que, em troca, devolviam madeira beneficiada

para os proprietários dos lotes construírem suas casas e instalações. O corte das

árvores era feito com o machado e a serra manual. O transporte das madeiras era

feito com tração animal.95

A intensa exploração modificou profundamente a paisagem, provocando

alterações na disponibilidade de recursos florestais. Devido à comercialização

intensiva, as espécies que outrora foram de grande valor comercial, hoje se

encontram em um número muito limitado. Acrescente-se a isso o desgaste do solo

provocado pelo desmatamento. Segundo o relatório do “Manejo e conservação da

flora e da fauna” [CDA], os “agricultores dispunham da terra como bem lhes

aprouvesse. Assim, o desmatamento – primeira tarefa que lhes era imposta

92 THOMÉ, Nilson. 1949 – Ciclo da madeira: história da devastação da floresta da araucária e do

desenvolvimento da indústria da madeira em Caçador e na região do Contestado no século XX. Caçador: Universal.. 1995.

93 REITZ, R.; KLEIN, R.M.; REIS, A. Projeto madeira de Santa Catarina . Sellowia, Itajaí, v. 28.. 1978. 94 BUCHELE, Maria da Graça Silva. Ob. cit. p. 232. 95 Cf. BELLANI, Eli Maria. Madeiras, Balsas e Balseiros no Rio Uruguai. Florianópolis: EdiUFSC. 1991.

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naturalmente e, penosa, por sinal – eram feita de forma empírica. O passo seguinte

era a queimada e, colimando [sic] a aradura.”96

Figura 15 – Mudanças na paisagem natural

Fonte: Acervo da autora

É importante destacar que a madeira, como outros recursos naturais, têm seu

valor limitado à disponibilidade dos mesmos. A exploração predatória, o

contrabando e, paradoxalmente, as leis impostas pelo governo, especialmente a

partir da criação do Instituto Nacional do Pinho, em 1941, promoveram a exaustão

relativa dessa riqueza. 97 Entre outras, o I.N.P tinha as seguintes atribuições –

promover o fomento do comércio do pinho no interior e exterior do país; contribuir

para o reflorestamento nas zonas de produção do pinho; fixar preços mínimo s;

estabelecer quotas de produção e de exportação; organizar o registro obrigatório

dos produtores, industriais e exportadores; providenciar a construção, em locais

adequados, de usinas de secagem e armazéns para depósito de madeiras; regular

a instalação de novas serrarias, fábricas de caixas e de beneficiamento de madeira; 96 CENTRO DE DIVULGAÇÃO AMBIENTAL USINA HIDRELÉTRICA ITÁ. Ob. cit, p. 43. 97 Disponível em: www.soleis.adv.br/pinhoinstitutonacional.htm . Acessado em 11/11/2005.

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fiscalizar a execução das medidas e resoluções tomadas, punindo os infratores de

acordo com as penalidades que forem fixadas no regulamento do I.N.P.

2.7 Exploração e Meio Ambiente

A exploração das matas nativas iniciou-se, com maior intensidade, a partir de

1909, com a instalação da empresa estadunidense Southern Brazil Lumber and

Colonization Company’ – a maior serraria da América Latina, de propriedade do

capitalista Percival Farquhar, que recebeu do governo brasileiro a concessão de

quinze quilômetros de cada margem da ferrovia São Paulo-Rio Grande – o

equivalente a uma área de 3.248 km2. A Lumber seguiu a lógica da acumulação

capitalista, sendo uma das primeiras empresas multinacionais a se instalar no

Brasil.

O principal objetivo da Lumber era explorar as grandes reservas de araucária.

Por isso, escolheu as regiões mais ricas em pinhais e firmou contrato com os

fazendeiros locais, comprometendo-se a serrar e retirar a madeira dos campos e

liberar a área para pastagens. Com a conivência dos governantes, Percival

Farquhar e os fazendeiros locais viam na exploração da madeira uma possibilidade

de obter lucro fácil. Segundo o historiador Nilson Thomé, em Ciclo da Madeira,

durante setenta anos, de 1920 a 1990, a região do Contestado produziu madeira a

partir da extração do pinheiro e, em menor escala, da imbuia, do cedro, da canela e

da peroba. Além da madeira utilizada pelas serrarias, extraiu-se da mata lenha,

erva-mate, carvão vegetal e nó-de-pinho. Mas a principal agressão às matas foram

a derrubada de árvores para a produção de tábuas.98.

Essa situação de exploração e degradação, promovida pela Lumber, foi

denunciada por Frederico Carlos Hoehne, chefe de botânica e agronomia do

Instituto Biológico de Defesa Agrícola e Animal do Estado de São Paulo, em 1928,

quando passou pela região Contestada. O relatório feito pelo botânico destaca:

"Alguém disse que o nosso caipira é semeador de taperas, fabricante de desertos e

98 Cf, THOMÉ, N.. Ob. Cit.. 1995.

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um inimigo das matas. [...] Assim procederam e continuam agindo as vanguardas da

nossa civilização, que denominamos pioneiros e desbravadores do sertão. [...] Que

lucro advirá ao nosso país, ou ao Estado de Santa Catharina ou Paraná, das

concessões feitas às empresas estrangeiras, para a exploração de nossas florestas

mais úteis e mais fáceis de explorar? Ao nosso ver, nenhum. É possível que

particulares tirem proventos pecuniários temporários desse negócio. Mas o país fica,

incontestavelmente, enormemente prejudicado com elas. [...] Urge que os governos

oponham um dique à onda devastadora de madeiras, que ameaça transformar

nossa terra em um deserto." 99

Segundo relatos, os Campos de Palmas, que por muito tempo foram

disputados pelos estados de Santa Catarina e Paraná, eram um imenso ‘tapete de

araucária’, sendo impossível determinar a quantidade dessas árvores ali existente.

Podemos, entretanto quantificar o montante dessa madeira exportada aos países

europeus.

Anos Toneladas

1934 110 973

1935 130 750

1936 144 198

1937 205 262

1938 215 543

1939 307 704

1940 247 043

1941 203 701

1942 321 076

1943 272 064

1944 282 556

1945 238 529

99 Disponível em: http://www.spvs.org.br/salaimprensa/ler_noticia.php?i=786. Acessado em: 21/04/2006.

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1946 450 208

1947 476 412

1948 564 387

TABELA 1 - Exportação brasileira de Pinho serrado (em toneladas) – 1934-1948

Fonte: INP (apud BELLANI, 1991. p. 121)

Mas não foi apenas o meio ambiente natural que sofreu. A maior agressão foi

sofrida certamente pelo elemento humano, pelo nativo e, sobretudo, pelo caboclo

que habitava as matas e dela retirava o seu sustento básico, a erva -mate. Com a

instalação da Lumber, novamente com a conivência dos governos, os caboclos

foram expulsos das terras que habitavam há mais de um século.

Com o fim do conflito do Contestado [1912-16], as terras da região Oeste

catarinense, antes habitada por caboclos, foram vendidas a colonos rio-grandenses,

sobretudo, que, como citado anteriormente, foram atraídos pelas terras e matas na

região. Segundo a lógica mercantil, o que interessava era a possibilidade de lucro

imediato através da venda da madeira. Além disso, as matas eram evidência da

existência de terras férteis, pois onde há florestas certamente os solos são propícios

à agricultura, atividade econômica essencial ao colono-camponês.

Em A questão ambiental na produção agrícola: um estudo sócio-histórico-

cultural no município de Concórdia, Jairo Marchesan (SC) destaca outras formas de

aproveitamento da madeira: “A farta existência de mata nativa era um bem natural

imprescindível e decisivo que propiciava aos colonos uma relativa auto-suficiência

econômica. Das matas de suas propriedades eram extraídas as madeiras que por

eles eram serradas e com elas edificadas as suas construções (casas, pocilgas,

estábulos, paióis, cercados, pontes e móveis, etc.). Não só isso! Também

confeccionavam recipientes para o armazenamento de bebida, grãos e alimentos,

equipamentos, ferramentas de trabalho e outros utensílios.”100

100 MARCHESAN, Jairo. A questão ambiental na produção agrícola: um estudo sócio-histórico-cultural no

município de Concórdia (SC). Ijuí: EdiUNIJUÍ. 2003. p.72.

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A partir da década de 1930, a possibilidade de lucro com a venda da madeira

tornou-se real. Os colonos, proprietários de extensas matas virgens às margens do

rio Uruguai passaram a derrubá-las e, no rio, fazer o processo de amarração das

madeiras, umas às outras, em sistema de balsas, conforme veremos

oportunamente, e levá -las pelo rio, em épocas de cheias, até São Borja, de onde

partiam para serem comercializadas na Argentina. Em Retalhos Históricos das

Comunidades II, baseando-se em relatos orais, Maria da Graça Büchele assinala:

“Os colonos, em sua inquebrantável energia de progredir [sic], tornaram-se

verdadeiros pioneiros [sic] desta zona, a qual era nada menos que uma mata virgem

[sic]. Estes agricultores compraram terras de segunda mão [sic] dos balseiros que,

durante os anos de 1930 até 1940, tiraram sistematicamente a madeira de lei, como

cedros e louros, formando suas afamadas balsas sobre o rio Uruguai, em prejuízo

do valor dos terrenos.” 101

Em Os caminhos da madeira: região norte do Rio Grande do Sul – 1902-

1950, a historiadora Liliane Wentz registra a exploração madeireira e a degradação

ambiental: “Duas eram as formas principais de devastação das matas: a primeira

era a derrubada excessiva, geralmente para povoar e construir casas, pontes e

utensílios, desprezando o restante; a segunda era o corte clandestino nas margens

dos rios para a exportação por balsas. Nesse caso, os produtores eram acusados

de cortar a madeira em época imprópria, de não tomar cuidados necessários para

fazê-la secar, de serrá-la irregularmente, de prepará-la em polegadas incompletas e,

também, de embarcá-la em péssimas condições.”102

Felipe Barreto, habitante de São Borja, que trabalhou no transporte de

balseiros e madeiras com lanchas, refere-se a essa época, 1940-50, com

entusiasmo e melancolia. “As maiores divisas de madeira de lei, hoje não existem

mais. Hoje, não existe mais cedro, não existe mais louro, não existe mais ipê.

Compreendeu como é? E outras madeiras tantas. Queria que você visse, eram

milhas e milhas de toras de viga, quinze, dezesseis metros de largura por setenta a 101 BÜCHELE, Maria da Graça. Ob. cit. p.232 102 WENTZ, Liliane. Os caminhos da madeira: região norte do Rio Grande do Sul – 1902-1950. ob. cit. p.

67.

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oitenta metros de topo de madeiras, assim. Aquilo parecia umas velas, coisa mais

linda aquilo tudo. Eu vou te dizer uma coisa, naquela época era tudo irregular como

estão fazendo na Amazônia hoje..”103

O comércio de madeiras, de caráter ilegal, feito com os mercados da

Argentina, contou com a omissão cúmplice do governo brasileiro. A imprensa

regional denunciou de maneira incisiva tal fato, além de criticar a expropriação dos

recursos naturais, feita de maneira desenfreada e exploratória. Essa situação é

relatada pelo jornal A Voz de Chapecó que, de certo modo, defende esses

interesses: “É um erro combater os efeitos sem procurar eliminar a causa

determinante do mal. Será, pois, necessário um esforço no sentido de mudar a

mentalidade de grande parte da população em relação a este assunto.”104 Em torno

da atividade madeireira estava a lógica da acumulação de capital e, portanto, o

descaso com a degradação ambiental e suas conseqüências humanas.

É certo que, ao longo de aproximadamente um século de ocupação humana

intensiva, o Oeste catarinense sofreu outras alterações ambientais significativas.

Entre elas encontram-se a poluição dos rios, devido à falta de políticas que

proporcionem o destino correto para o esterco de suínos e para os resíduos das

agroindústrias locais, o que contribui para a contaminação das águas. Faz parte da

memória dos balseiros ‘o tempo em que era possível beber a água dos rios’, assim

como está na memória de caboclos e nativos a saudade ‘do tempo em que se podia

viver nas matas, sem a interferência do colonizador e seu desejo desenfreado por

capital’.

103 Felipe Barreto trabalhou como lancheiro em São Borja/RS, na época das balsas. Entrevista concedida

à autora em 02/02/2006. 104 A VOZ DE CHAPECÓ. Chapecó. 21/04/1940. p.1 Apud BELLANI, Eli Maria. Madeiras, Balsas e

Balseiros no Rio Uruguai. Florianópolis: EdiUFSC.1991. p. 108.

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70

CAPÍTULO 3

AS BALSAS E COMÉRCIO DA MADEIRA

3.1 Quem era o balseiro?

Na região em estudo, o balseiro era o trabalhador que exercia

esporadicamente a função de conduzir as balsas, com toras ou tábuas cortadas,

pelo rio Uruguai, até São Borja, no RS. Era um trabalho sazonal, já que dependia

das cheias do rio Uruguai, geralmente de junho a setembro. Em geral, esses

trabalhadores eram agricultores que se dedicavam ao cultivo da terra, na condição

de colonos-camponeses, agregados ou posseiros. Severino Aigner, que também foi

balseiro, informa: “Naquela época uns plantavam feijão, milho e [criava] mais uns

porquinhos. Mas do porco vendia só banha naquela época. Eu me lembro, eram 400

mil réis por quilo de banha. Vendia só banha, não tinha frigorífico, não tinha nada

naquela época. Era tempo de cargueiro, sabe. Não tinha moinho, tempo do arroz

com o pilão, socava o arroz. Era vida diferente. Naquela época não tinha

querosene, os lampiões eram com banha.” 105

Nos períodos da entressafra agrícola, os colonos-camponeses buscavam

uma renda extra, trabalhando como peões dos madeireiros na derrubada das

árvores, arrastadores, armadores ou balseiros. O capital adquirido com essas

atividades era utilizado para atender as necessidades da família ou investir em uma

nova safra. Devido ao grande isolamento da região, que dificultava a

105 Severino Aigner foi balseiro. Entrevista concedida à autora em 01/10/04.

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comercialização dos produtos agrícolas, as atividades relacionadas com a

exportação da madeira eram fundamentais para a produção de uma renda

monetária. No documentário Histórias do Oeste, produzido por Chi co Faganello,

Aloísio Lauxen, que trabalhou como balseiro, relata: “O cara [agricultor] não fazia

dinheiro se não fosse esse negócio das balsas, porque produto tinha bastante, mas

não tinha estrada para transportar”.106

Os trabalhadores envolvidos nessa atividade eram de diferentes etnias,

habitando, mais comumente, as regiões próximas aos portos de onde partiam as

balsas. O Alto Uruguai foi colonizado sobretudo por descendentes de alemães e

italianos, vindos do Rio Grande do Sul. Como apontado anteriormente, os caboclos,

que viviam nas matas e ‘barrancas do rio Uruguai’, exerciam praticamente todas as

funções da atividade balseira. Cortavam árvores, arrastavam toras com o auxílio dos

bois, armavam as balsas, desciam o rio com as balsas. Porém, segundo parece,

raramente ocupavam a função melhor remunerada da atividade, ou seja, a de

prático. Apesar disso, a relação entre colonos-camponeses, madeireiros e caboclos

foi relativamente pacífica, conforme destaca Jaci Poli, em Caboclo: pioneirismo e

marginalização. “A maioria deles [caboclos] respeitava muito esses colonizadores e

madeireiros, por serem mais instruídos [sic] e por terem condições de lhes dar

algum dinheiro em troca.”107

Na visão dos habitantes de São Borja, que trabalhavam como lancheiros no

transporte das balsas até a Argentina, os trabalhadores do rio eram mal alimentados

e sofridos, contrastando com a idéia de heroísmo relatado por alguns autores e por

muitos balseiros, quando relatam a viagem até São Borja. De acordo com Afonso

Pedebos, de São Borja: “Essa gente era a gente mais sofrida. Eles saíam de lá, eu

acho que muitas vezes passavam fome.” Felipe Barreto acrescenta: “Todos eles, ele

vinham muito mal de lá. Vinham carentes de alimentação. Eles vinham judiados,

quando chegavam aqui era uma tranqüilidade, aí eles embarcavam e retornavam.”

106 FAGANELLO, Chico.. Ob.cit. 107 POLI, Jaci. Caboclo: pioneirismo e marginalização. Ob. Cit. p. 96.

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As condições de trabalho também eram igualmente precárias. O trabalhador

do rio não dispunha de nenhum equipamento de segurança, também não contava

com assistência médica e social. Os possíveis acidentes de trabalho não eram

indenizados e era um risco que o balseiro tinha que enfrentar sozinho. Tratava-se

de uma mão-de-obra barata e sem encargos trabalhistas e sociais ao madeireiro.

A atividade balseira proporcionou aos colonos-camponeses a possibilidade de

novos investimentos na propriedade ou em outros negócios que pudesses gerar

novos lucros, como por exemplo, em alambiques, casas comerciais e madeireiras,

como veremos na seqüência. Em relação ao caboclo, entretanto, continuou

marginalizado e explorado., conforme destaca Jaci Poli: “Em todo o oeste, o caboclo

raramente conseguiu se manter como proprietário. Por isso, formou, em quase toda

a sua área, a mão-de-obra assalariada das indústrias madeireiras”. 108

3.2 Comércio de Madeiras: uma atividade lucrativa

As árvores eram geralmente compradas no mato. Os madeireiros compravam

também hectares de mato às margens do rio Uruguai, com o único objetivo de

explorar a madeira para vender. Abatida as árvores, as terras eram vendidas aos

colonos para o cultivo agrícola. Comumente os caboclos eram expropriados das

terras nas quais viviam sem títulos de propriedade. O caboclo constituiu a principal

mão-de-obra dos madeireiros, já que, sem terra, necessitava de trabalho

remunerado para garantir o sustento da família. Segundo Aloísio Lauxen, que

trabalhou como balseiro e cozinheiro no transporte fluvial de madeira, em 1947,

pagava-se de vinte a vinte e cinco mil réis por árvore. “Eles [os madeireiros]

compravam madeira no mato, ficavam junto para derrubar o cedro, e também já

tinha boi e tudo. Então, eles mandavam levar para o rio. Aqui no mato, pagava

naquele tempo vinte a vinte cinco mil réis a árvore”. 109 Segundo os depoimentos

obtidos, o cedro era a madeira de maior valor madeirável sendo, por isso, a mais

cobiçada. Essa constatação é comprovada a partir das pesquisas feitas por Ademir

108 Ibidem. p. 107. 109 Atualmente mora em Itá/SC. Entrevista concedida à autora em 01/10/04. Acervo Particular.

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Roberto Ruschel e outros em Evolução do uso e valorização das espécies

madeiráveis da floresta Estacional decidual do Alto - Uruguai, SC.

Categoria de entrevistados

Nome Comum Colonizadores Madeireiros

Ex-

madeireiros Média

n = 20 n = 13 n = 8

Cedro 100 100 100 100

Cabreúva 90 100 100 96,7

Louro-pardo 100 100 88 96

Guatambu 85 92 88 88,3

Grápia 60 50 63 57,7

Pinheiro 35 54 75 54,7

Ipê-roxo 20 54 25 33

TABELA 2 - Freqüência de respostas (%) sobre as espécies mencionadas de maior valor

madeirável (de 1927 a 1999), na Floresta Estacional Decidual, região do Alto-Uruguai, SC. Em

que: n = tamanho da amostra. Fonte: RUSCHEL, Ademir Roberto e outros. Evolução do uso e valorização das espécies madeiráveis da

floresta Estacional decidual do Alto - Uruguai, SC. Ciência Florestal. Santa Maria. v. 13, n. 1, 2003. p.

153-166.

O valor pago a cada roliço representava soma considerável com a qual, na

época, era possível comprar dois alquei res de terra – aproximadamente cinco

hectares. Para o patrão, no entanto, o lucro era maior, conforme a descrição de

Biagio Aurélio Paludo. Segundo ele, nos anos de 1931-32, a partir de uma

sociedade feita com Adalberto Pritch, também balseiro, conseguiram vender oito

balsas, o que rendeu a 72.000$000 – setenta e dois contos de réis – cabendo a

cada um a metade desse valor. Com a soma que correspondeu a Aurélio Paludo,

36.000$000, comprou o Clube de Itá, por dois contos e quinhentos mil réis, e doze

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colônias de terras, aproximadamente cento e vinte alqueires e trezentos hectares,

possivelmente por trinta contos de réis. 110

A extração da madeira era feita, geralmente, de janeiro a setembro, a uma

distância máxima de três a quatro quilômetros da barranca do rio Uruguai, o que

viabilizava e facilitando o arrasto até o leito do rio. Primeiro os trabalhadores, a

maioria caboclos, escavavam em torno da árvore até que ficasse o mais próximo

possível da raiz. Em seguida, cortavam a tora com machado. Após isso,

descascavam a madeira e cortavam o cimo da árvore. Finalmente, arrastavam e

encarreiravam as toras, colocando-as cada uma ao lado da outra.

Para tirar as toras do mato, eram necessárias três, quatro ou até cinco juntas

de bois. Das glebas, primeiramente, o transporte da madeira era feito com

carretão*, ou seja, espécie de carroça sem a caixa, puxada por burros ou por juntas

de bois. Mais tarde, como assinalado, depois da Segunda Guerra Mundial [1939-

1945], começaram a ser utilizados os primeiros caminhões, movidos, inicialmente, a

gás de carvão, popularmente chamado de gás pobre , e, mais tarde, a óleo diesel.

Figura 16 - Retirada das madeiras das matas

Fonte: PALUDO, Biagio Aurélio. Álbum de Família. p. 15

110 Cf. PALUDO, Biagio Aurélio. Ob. cit..

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Em Balsas e Balseiros no Rio Uruguai (1930-1950), a historiadora Eli Maria

Bellani lembra que o pelotão era formado “de 10 a 15 toras, amarradas a uma

travessa de madeira de lei, forte, cuja espessura variava de 20 a 25 cm de diâmetro,

chamada pelos balseiros de ‘lata’. A lata possibilitava a amarração e a fixação da

madeira”. 111 Em seguida, as madeiras eram atadas com cipó, doze voltas de cada

lado da vara, para que ficassem bem firme. O nó, nas carroças que levavam a

madeira até o rio, e nas balsas, que transportavam as madeiras, era feito com cipó,

o gaimbé , ou seja, parasita que se aloja nos troncos das árvores. Quando amarrado

às madeiras, formando as balsas, era chamado de gravata.. Conforme Bellani,

normalmente os madeireiros compravam o cipó, para realizar esse tipo de amarra,

dos caboclos, que exerciam a atividade complementar de coletá-la nas matas. Nas

amarras, era utilizado o arame galvanizado, embora o cipó oferecesse maior

segurança, devido à sua maleabilidade. Isso dava a devida aderência à madeira,

formando um pelotão compacto, que era unido a outro pelotão* por mais uma

gravata*112 Procedendo-se do mesmo modo, sucessivamente, tinha-se a balsa,

formada por dez pelotões ou mais.

Em média, cada balsa possuía de 180 a duzentas toras. Seu tamanho era de

dez metros de largura, por noventa a cem metros de comprimento. Em cima das

toras, eram construídas duas casinhas, ou ranchos*, como eram chamadas. Um

rancho era utilizado para armazenar os mantimentos e fazer a comida, o outro, um

pouco maior, servia de depósi to e de dormitório, ou seja, para proteger as mochilas,

as roupas dos balseiros e para abrigar os peões quando a balsa estava ancorada.

Na região do Alto Uruguai Catarinense, o cedro era a principal madeira

destinada ao comércio por meio das balsas. Comercializava-se também o louro, a

guajuvira, a araucária, a açoita, e a cabriúva. Para fazer o transporte das madeiras

pesadas, como o pinheiro, que flutuavam com dificuldade, era preciso intercalá-las

com o cedro, muito mais leve. Nesse caso, também era necessário fazer uma

111 BELLANI. Eli Maria. Balsas e Balseiros no Rio Uruguai (1930-1950). IN Centro de Organização da

Memória Sócio-Cultural do Oeste. Para uma História Catarinense: 10 anos de CEOM. Chapecó: EdiUNOESC. 1995. p.118.

112 Id.ib. p.116-117.

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amarração bem resistente, para que as toras não afundassem. Afonso Pedebos,

que trabalhou como lancheiro em São Borja/RS, descreve: “Eles [os balseiros]

traziam 500 dúzias de pinho, em tábuas. As outras madeiras vinham em roliço,

chamavam roliço porque a madeira vinha inteira. O cedro o louro e a gabriúva eles

cortavam roliço.”113 A seleção entres as madeiras que deveriam serem serradas em

tábuas e aquelas que deveriam ser amarradas em roliço, era feita em função da

densidade das toras - as espécies de maior densidade podem ser observadas no

quadro abaixo. As madeiras com pouca densidade ou com densidade intermediária,

como o pinho, deveriam ser serradas.

Categoria de Entrevistados

Nome Comum Colonizadores Madeireiros

Ex-

madeireiros Total

n = 20 n = 13 n = 8

Grápia 100 100 100 100

Angico-vermelho 95 100 100 98,3

Guatambu 85 92 88 88,3

Açoita-cavalo 80 85 88 84

Canela-loura 75 92 75 80,7

Guajuvira 70 92 75 79

Alecrim 80 69 63 70,7

Cedro 55 77 63 65

Canela-pinha 60 92 38 63,3

Cabreúva 70 69 50 63

Canjerana 75 38 75 62,7

Canafístula 40 62 63 55

Maria-preta 65 46 38 49,7

Rabugio 30 69 50 49,7

113 AFONSO PEDEBOS foi lancheiro e transportava as balsas de São Borja/RS até Concórdia, na

Argentina.

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TABELA 3 – Freqüência de respostas (%) sobre as espécies de valor madeirável de maior

densidade na Floresta Estacional Decidual, região do Alto-Uruguai, SC. Em que: n = tamanho

da amostra.

Fonte: RUSCHEL, Ademir Roberto e outros. Evolução do uso e valorização das espécies

madeiráveis da floresta Estacional decidual do Alto - Uruguai, SC. Ciência Florestal. Santa

Maria. v. 13, n. 1, 2003. p. 153-166.

Para evitar o saque das toras durante a viagem, cada madeireiro possuía

uma espécie de martelo, com uma marca, aplicada às toras, que geralmente era

uma palavra ou sigla que o identificasse. Severino Aigner explica: “Cada balseiro

ou empresário tinha marca. Por exemplo, a nossa marca era Uvá, porque era um

martelo escrito Uvá. Então batia aquele martelo, cravado, batia na tora então ficava

em cima ‘Uvá’, que era marca da firma. Então se extraviasse a madeira pelo rio, a

gente recuperava. Umas era ‘Bósio’, era tudo assim, a nossa marca era Uvá..”

Sobre isso, Barbosa também assinala: “André chegou. Distribuiu ordens. Trepou na

pilha de tábuas que traziam as letras R + C, iniciais de Reinaldo Cherubini,

fabricante e proprietário.”114 Segundo o ex-balseiro Alexandre Bellani, a marca das

madeiras da família era J. B, cujo significado era José Bellani. Felipe Barreto, ex-

lancheiro em São Borja/RS, também destacou a prática, ao comentar: “A madeira era

da marca cipó”. Felipe Barreto, afirmou ainda: “A madeira toda era marcada, ela

tinha iniciais do dono”, o que ajudaria no processo de recuperação das madeiras,

em Porto Saladero, em São Borja. Segundo, ele as balsas “quebravam muito. Às

vezes quebravam as vigas, porque as águas eram bravas e as pessoas não podiam

dominar, aí quebrava. Tinha gente que às vezes pagava para outras pessoas juntar

as madeiras por dúzia ou por vigas. A gente juntava e ganhavam uma comissão.”

3.3 À espera da enchente

Depois de firmemente atadas as toras, as balsas ficavam à espera de uma

enchente que elevasse o nível da água, permitindo que fossem levadas, rio abaixo, 114 BARBOSA, Fidélis Dalcin. Semblantes de Pioneiros . Ob. cit. p.69.

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até São Borja, no Rio Grande do Sul, e dali para a Argentina e o Uruguai, onde

seriam, finalmente, comercializadas. Porém, a viagem impunha aos trabalhadores

do rio importantes dificuldades e obstáculos. No artigo “Tropeiros, ervateiros e

balseiros: memoráveis personagens da história do sertão catarinense”, o historiador

catarinense Delmir José Valentini lembra: “Pronta a balsa, era só aguardar a

enchente, indispensável para a largada e requisito para vencer o itinerário dos

obstáculos naturais que se compunham de cachoeiras, remansos, pedras, peraus,

ilhas, curvas, corredeiras, neblina, chuva e frio. Tudo dependia das condições

climáticas, dos número e da habilidade dos balseiros.” 115

O nível das águas deveria aumentar, em quatro metros, no mínimo, quando

alcançava o chamado de ponto de balsa, ou seja, o limite mínimo de elevação do

nível da água capaz de permitir o transporte fluvial das ma deiras, em segurança,

sem que elas encalhassem.. Quanto maior o nível da água, mais rápida era a

correnteza e, portanto, menor o tempo da viagem. Porém, a crescente velocidade

aumentava as dificuldades e perigos.

Figura 17 - Porto do Itá

Fonte: PALUDO, Biagio Aurélio. Álbum de Família. p. 16

115 VALENTINI, Delmir José. Tropeiros, Ervateiros e Balseiros: Memoráveis personagens da História do

Sertão Catarinense. IN: Ágora: Revista de divulgação científica da Universidade do Contestado. Caçador (SC): EdiUnC. 1994. v.1, nº 1 (jan/jul), p. 85.

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As balsas de toras eram preparadas no leito, ao longo de todo o rio Uruguai.

Os locais de partida eram chamados de pontos baixos e ficavam em Entre Rios,

Porto Itá, Barra do Uvá e Linha Simon, todos no estado de Santa Catarina. De

Chapecó, no porto de Goio-En, saíam as balsas feitas com madeira serrada de

pinheiro. Em O velho balseiro, o balseiro Heitor Angeli comenta o fato e menciona

os principais comerciantes envolvidos na atividade: “A partir da década de quarenta,

muitos madeireiros partiram para a construção de balsas de pinho serrado. Muitos

foram os que adotaram esse meio de transporte para a Argentina, possuindo uma

liderança destacada o coronel Francisco Bertazo e seu filho Serafim Bertazo, a

Cooperativa Chapecó, Irmãos Pagnondelli, Emílio Grando, Germano Hoffmann,

Ernesto Fronza, Nenê Barthier e os Frare de Nonoai.” 116

As balsas, de toras e tábuas, seguiam até São Borja, onde era feita a

contagem da madeira e, de lá, eram enviadas para a Argentina, até a foz do rio da

Prata, de onde eram exportadas. Felipe Barreto, que trabalhou no transporte das

balsas, diz que a madeira “era conferida daqui [de São Borja] e descia já com outro

despacho, porque a madeira que vinha de lá [do Alto Uruguai] não vinha conferida,

era conferida somente aqui em São Borja. Tinha escritórios, aonde os madeireiros

vinham e ficavam esperando que as madeiras chegassem.” Afonso Pedebos, que

também trabalhou no transporte de balsas com lanchas, complementa: “Mas tinha

madeireiro de Santa Catarina que já tinha sócio na Argentina, como esse Balduíno

Gay, esse tinha um sócio na Argentina. Então a madeira vinha de lá, só chegava

aqui e os fiscais passavam no remorque* pra contar, pra dar uma conferida na

quantia. E seguia a madeira pra baixo.”

A opção pela venda do pinho deu-se especialmente a partir da Segunda

Guerra Mundial [1939-45], quando essa madeira teve um aumento de valor

considerável. Apesar das dificuldades, como a distância do rio para encontrar as

árvores e o fato de que a madeira de pinho flutuava de maneira precária, como já

116 ANGELI, Heitor Lothieu. O Velho Balseiro: A saga dos balseiros do rio Uruguai. Porto Alegre: EST.

2000. p. 58.

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vimos, os madeireiros dedicaram-se com afinco ao transporte de toras e de tábuas

de pinho.

Figura 18 - Preparação da balsa

Fonte: PALUDO, Biagio Aurélio. Álbum de Família. p. 16

Durante muitos anos, a balsa foi a principal fonte de renda para os balseiros

que, mais comumente, também eram pequenos agricultores, sobretudo devido ao

caráter sazonal da atividade. Entretanto, o rendimento obtido na atividade balseira

era bem maior do que o conseguido com a produção e venda de produtos

cultivados. Concluídas as viagens, muitos balseiros compravam terras com os

salários, que também eram investidos nas propriedades, na construção de

benfeitorias, ou em outros negócios, como madeireiras, alambiques ou mesmo no

comércio. 117

117 Cf. REIS, Maria José. Memória, territorialidade e migração compulsória: a reação dos agricultores à

instalação da hidrelétrica Itá.. In: REIS, M. J. ; RADOVICH, Juan Carlos; Balazote, Alejandro. (Orgs) Ob.cit.

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3.4 Apesar dos perigos... finalmente a viagem

A viagem era um misto de perigo e aventura. Em média, eram necessários de

dez a doze homens para conduzir uma balsa, cada qual com funções determinadas.

Em O velho balseiro, o ex-balseiro Heitor Lothieu Angeli narra: “Geralmente eram

utilizados cinco homens para cada remo, dois para levantar e três para puxar a

remada. Em poucas passadas a balsa obedecia e rumava para o lado desejado; em

cada extremidade da balsa eram colocados dois remos.” 118

Figura 19 – Trabalhadores ao remo

Fonte: CEOM / Reprodução: Júlio Gomes

Segundo o dicionário Globo, remo é uma “peça comprida de madeira,

achatada num dos lados, que serve para fazer avançar na água embarcações

pequenas”. Angeli assim descreve o remo das balsas: “[...] esses remos de uns oito

metros de comprimento eram feitos de madeira menos propensa a quebrar. A

118 ANGELI, Heitor Lothieu. O Velho Balseiro: A saga dos balseiros do rio Uruguai. Porto Alegre: EST..

2000. p. 57.

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preferência era para o guatambu e a gramixinga marfim [...] eram muito bem

falquejados e alisados para dar maior conforto e melhores condições de remar.” 119

O guatambu é madeira de coloração amarelada, com superfície lustrosa e

lisa, pesada e dura, que se encontra do Rio de Janeiro e Minas Gerais até Santa

Catarina. Ela é usada na construção civil, para caibros, vigas e assoalhos; em obras

externas, na confecção de móveis, peças torneadas e cabos de ferramentas. Por

sua vez, o gramixinga marfim é madeira pesada, de cerne branco-palha-amarelado,

de textura fina e superfície lisa ao tato, medianamente lustrosa. É utilizada na

fabricação de móveis, laminados decorativos, molduras, peças torneadas, peças

para esporte e outros artefatos; na construção civil, serve para a fabricação de

vigas, caibros, ripas, rodapés, tábuas e tacos para assoalhos, cabos de

ferramentas, etc. Em boa parte, os remos das balsas eram utilizados também como

lemes, ou seja, para orientar a direção em que elas tomavam, ao serem levadas

pela correnteza, conforme aponta José Martins de Oliveira, que trabalhou como

balseiro: “O remo serve pra governar a balsa, a água que [a] leva. Ele serve pra

defender das via braba que pega numa ilha e quebra tudo”

Um dos trabalhadores era responsável pela alimentação, tarefa que, segundo

parece, não era prazerosa, já que de relativa complexidade. Nesse sentido, Aloísio

Lauxen relatou: “Eu fui umas quantas vezes o cozinheiro. Então quando tinha uma

defesa braba, eu ajudava a remar, senão eu ficava na cozinha. Pra mim, o pior

trabalho era fazer comida, eu não gostava muito.” Os mantimentos eram fornecidos

pelo patrão, o dono da balsa.. Levavam feijão, arroz, farinha de milho, carne suína e

frango, charque, pão, erva para o chimarrão, banha, água, e aguardente. A popular

‘pinga’ tinha boa utilidade, devido ao frio e ao esforço físico. Ao ser entrevistado, o

ex-balseiro José Martins de Oliveira comentou: “[...] [a gente] levava cinco até seis

garrafões. De noite, naquele frio do inverno, ou lá para baixo, onde tinha vento de

dia e à noite frio; a solução era tomar uma pinga.” 120

119 Ibidem. p. 57. 120 Entrevista concedida à autora em 01/07/2005. Atualmente reside em Linha Santa Catarina –

Concórdia/SC

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A água era levada em garrafões, cerca de dez a doze, mas que acabava logo

nos primeiros dias, já que cada trabalhador dispunha, em média, de um garrafão de

água para beber em um período de pelo menos cinco dias. Acrescente-se a isso a

quantidade necessária para fazer a comida. Quando a água acabava os balseiros

utilizavam formas diferentes de obtê-la. Alguns atavam a balsa nas barrancas do rio

Uruguai e procuravam por alguma vertente de água limpa. Uns utilizavam um

bambu oco ao meio e sugavam a água da profundidade, que era mais limpa. Outros

tomavam a água do próprio rio que, por ser de enchente, era barrenta.

O fogão, onde se preparavam as refeições, era um caixão com terra, com

uma chapa de ferro, coberto com folhas e galhos de taquara, sendo que mais tarde

foram utilizadas tábuas. Fazia-se um estaleiro para pendurar as panelas, também

de ferro. Embarcada no início da viagem, a lenha era sempre mantida em local

protegido, já que era necessário que estivesse sempre seca para fazer o fogo. Após

preparar a refeição, o cozinheiro ajudava habitualmente no controle dos remos,

enquanto os demais balseiros abandonavam suas posições para alimentar-se. Não

raro, a refeição ficava mal cozida, pela falta de lenha seca. Os trabalhadores

alimentavam-se rapidamente ou comiam comida fria, pois deveriam voltar logo aos

remos e fazer a defesa de pontos perigosos do rio.

Figura 20 – A cozinha das balsas

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Fonte: CEOM / Reprodução: Júlio Gomes

De maio a setembro, no inverno, iniciava a época das chuvas torrenciais e os

balseiros preparavam-se para partir, pois as águas provocavam as enchentes

necessárias para o bom transporte das balsas, já que, mesmo as paragens

habitualmente não navegáveis do rio Uruguai permitiam suas passagem.. Como

assinalado, geralmente agricultores, os balseiros aceleravam a colheita, recolhiam a

lenha para a família, guardavam o pasto para os animais, tudo faziam para deixar a

família abastecida durante a ausência devida à esperada viagem pelo rio.

Em Madeireiros, comerciantes e granjeiros: lógicas e contradições no

processo de desenvolvimento socioeconômico de Passo Fundo (1900-1960), o

historiador João Carlos Tedesco assinala que outras categorias de profissionais

viajavam com as balsas: “Havia, em meio aos peões (que se deduz serem, em

grande parte, caboclos), os cortadores, os arrastadores, o rolador, os armadores, os

buscadores de cipó, os fazedores de roça, o pescador, o cozinheiro e o ajudante. A

balsa era uma atividade que exigia precisão, perspicácia, previsão, projeção (das

condições do tempo, do tempo e da maneira de chegar ao destino), coordenação,

aventura e paixão.” 121

Entre os trabalhadores do rio estava o prático, que era o grande responsável

pelo bom andamento da viagem e pela segurança dos companheiros. Para chegar a

esse posto, era necessário fazer algumas viagens, adquirindo um conhecimento

profundo da constituição e do manejo das balsas e, sobretudo, dos perigos e

dificuldades apresentados do rio o rio e seus perigos. O prático tinha a melhor

remuneração, em função do cargo que ocupava. Recebia de três a quatro vezes

mais que os outros profissionais.

Em Balsas e balseiros no rio Uruguai, a historiadora Eli Maria Bellani

descreveu o capitão da balsa: “O prático era o elemento indispensável para o

manejo da balsa. Homem que tinha grande esperteza e vivacidade conhecia tudo,

121 TEDESCO, João Carlos e SANDER, Roberto. Madeireiros, comerciantes e granjeiros : Lógicas e

contradições no processo de desenvolvimento socioeconômico de Passo Fundo (1900-1960). Pas so Fundo: EdiUPF. 2002. p. 222.

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desde a formação da balsa, a época certa para o início da viagem, o nível do rio, os

perigos das corredeiras, ressorjos ilhas e os chamados chefadores, que são as

pontas de mata que avançam sobre o rio.”122 O ressorjo era espécie de redemoinho

que sugavam as balsas, debulhando-as.

Todos os balseiros viajavam em cima das madeiras, ou seja, das balsas.

Quando o rio estava manso e o trajeto ocorria tranqüilo, após alguns dias,

interrompia-se a viagem, para que a balsa fosse amarrada às margens do rio e os

tripulantes pudessem dormir e descansar, antes de prosseguir a descida até seu

destino final. Às vezes, o patrão, ou seja, o armador-balseiro, acompanhava os

balseiros na viagem rio-abaixo. Porém, mais costumeiramente, ele seguia, por terra,

livrando-se dos perigos e dos trabalhos da viagem, aguardando as balsas, com os

empregados e as madeiras, em São Borja.

Devido à instabilidade do clima da região, não havia uma época precisa para

realizar as viagens, que se efetuavam, como vimos, quando ocorria muita chuva o

que permitia que o rio alcançasse o nível e a vazão necessários para a viagem das

madeiras. Segundo depoimentos, nos anos de 1944 e 1945, não ocorreram

enchentes. Situações como essas traziam prejuízos ao patrão, que mantinham suas

balsas no rio Uruguai com o risco de as mesmas apodrecerem. Além disso, a

economia das comunidades de origem dos balseiros também passava por

instabilidades, já que comumente esses trabalhadores gastavam seu dinheiro no

comércio local. Entretanto, no ano seguinte, em 1946, choveu o ano inteiro, o que

ensejou que o nível de água no rio, muito elevado, tenha permitido que fossem

preparadas e levadas balsas praticamente o ano inteiro, dando um lucro muito

grande aos madeireiros.

122 BELLANI. Eli Maria. Balsas e Balseiros no Rio Uruguai (1930-1950). Ob. cit. p. 129.

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Figura 21 – A descida

Fonte: CEOM / Reprodução: Júlio Gomes

A viagem de Itá, em Santa Catarina, até São Borja, no Rio Grande do Sul,

durava em média sete dias. Nos fatos, a duração da viagem dependia, sobretudo,

do volume d’água. Isto porque, como assinalado, quanto mais chovia, e, portanto,

quanto mais cheio se encontrasse o rio, mais rápida era a duração da viagem, pois

mais rápida era a vazão das águas que empurravam as balsas rio-abaixo.

Os moradores que viviam às margens do rio Uruguai preparavam-se para os

possíveis pedidos de socorro, durante as noites de enchentes, devido aos possíveis

acidentes, ou para fornecer remédios aos balseiros doentes. Maria José Reis

registra o relato de um agricultor, que também trabalhou como balseiro: “Acontecia

muito acidente nesse rio. Aconteceu um, muito triste, que eu me recordo. Não

aconteceu na nossa viagem, foi na de um colega. Ele perdeu um companheiro, de

noite, no rio. Chefe sempre tem um prático. Então ele pediu pros peões que

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estavam na frente se retirar; ele era um homem de coragem, não viu o perigo. Ele

ficou lá; daí o remo atirou ele fora e ele ficou lá; não acharam mais ele.”123

José Martins de Oliveira, ex-balseiro, também descreveu uma situação

semelhante: “Uma vez aconteceu de morrer de um rapaz de Mariano Moro, Dejanir,

rapaz solteiro, que estava junto com nós na balsa era o irmão dele. Esse Dejanir

estava na outra barca, é o que morreu. Daí nós tínhamos atado lá embaixo, nas

Nove Voltas, de frente pra Argentina, e lá já fica em frente município de Santa

Rosa, que é pra baixo de Três Passos, no Rio Grande do Sul. Daí eles passaram

por nós de noite, nós estávamos atado e eles gritaram: ‘Água Mansa’ e era de dia.

Aí, dizem que ele deitou, dormiu um sono e quando acordou parecia meio tonto,

meio bobo e se ‘boleou’ na água nadando, pro lado da Argentina. Só que ali o rio

era muito largo, ele foi longe... Pensei: ‘Esse cara tá dormindo mesmo, tava deitado

foi se boliar lá longe’.. Ele foi lá longe dos 50 metros abaixo e afundou.” Sobre esses

acidentes Felipe Barreto, ex-lancheiro de São Borja, relatou: “Por sinal, morria muita

gente, numa certa época em que eles não tinham muita prática e havia pouco

interesse pela vida das pessoas. Pegavam lá do mato, do sertão, e traziam o

empregado, mas ninguém tinha prática com a lida d´água.”

3.5 A segurança era a coragem

Cada trabalhador das balsas recebia o pagamento por dia trabalhado. O valor

dessa remuneração variava entre oitocentos mil-réis a um conto de réis por dia

trabalhado. Os primeiros dias, depois que saíam de Itá, eram os mais atribulados,

pois havia muitas corredeiras e ilhas, que apresentavam maiores perigos para as

balsas e para os balseiros, exigindo mais atenção e maior destreza dos

trabalhadores do rio. Independente das condições de tempo, chovesse ou fizesse

sol, os balseiros deveriam continuar remando. 123 REIS, Maria José. Memória, territorialidade e migração compulsória: a reação dos agricultores à

instalação da hidrelétrica Itá.. In: REIS, M. J. ; RADOVICH, Juan Carlos; Balazote, Alejandro. (Orgs) Disputas territoriales y conflictos interétnicos em Brasil y Argentina. Buenos Aires: Ferreyra Editor. 2005. p. 08.

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Heitor Angeli descreve o caminho seguido:

“O percurso da viagem

1. Rio Dourado e sua Ilha

2. Empresa do Velho Balseiro [em Mariano Moro – RS]

3. Porto de Jorge Lucas

4. Rio Jacutinga - SC, a conhecida Volta Fechada e Ilha

5. Rio Novo [Aratiba – RS] e Ilha, Almoço

6. Itá, Porto e Vila

7. Barra do Rio Uvá e Ilha

8. Rio Paloma e Ilha

9. Remanso do Tigre

10. Enseada da Pedra

11. Rio Irani

12. Porto Reiúno, atualmente Goio-Em

13. Ilha Cerne

14. Ilha Dom José

15. Ilha da Luzia

16. Rio Chapecó

17. Corredeira Comprida

18. Ilha Redonda

19. Ilhas Farinhas

20. Irai

21. Ilha do Mel

22. Porto Feliz, atual Mondai

23. Ilha das Ervas

24. Barra do Rio Pardo

25. Capelas

26. Ilha da Fortaleza ou Pedra

27. Itapiranga

28. Bananeiras

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29. Macaco Branco

30. Salto Grande

31. Ilha do Alto Uruguai

32. Nove Voltas

33. Alba Posse

34. Ilha Roncador

35. Canal Torto

36. Ilha do Biguá

37. Cancha dos Ingleses

38. Porto Lucena

39. San Javier

40. Cordão do Silva

41. Ilha do Ijuí

42. Ilha de Santa Marta

43. Ilha San Isidoro

44. Tragador do Mercedes (no lado Argentino)

45. Gartruchos

46. Saladero

47. Barra do Macuco, conhecido como Porto do Geraldo

48. San Tomé

49. São Borja”124

124 ANGELI, Heitor Lothieu. Ob. cit, p. 63

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Figura 22 - Percurso da viagem

Fonte: ANGELI, Heitor Lothieu. O Velho Balseiro. p.62

O caminho percorrido faz parte da memória coletiva dos balseiros, que

desciam pelo rio Uruguai. É comum ouvi -los fazer menção a cada corredeira,

cachoeira, ilha ou comunidade por onde passavam. José Martins de Oliveira lembra:

“Eu contava as cachoeira e as corredeira abaixo. Daqui do Porto Brum, por

exemplo, até lá em São Borja”

O sucesso da viagem e era medido pelo mínimo de toras que se perdia. A

perda das madeiras diminuía logicamente a rentabilidade da operação. As perdas

de toras aconteciam sobretudo quando a balsa batia nas pedreiras, nas ilhas ou em

uma corredeira, quebrando-se o cipó ou o arame que as prendiam, o que ensejava

que as madeiras se soltassem no rio, algumas vezes, irremediavelmente. Cilfredo

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Klein125 lembra: “[...] o remanso do Uvá fazia um ressorjo muito grande [...] A balsa

entrava lá, chupava e saia todas as toras soltas, debulhava tudo, [...] dava umas

três voltas e virava um funil até que, por fim, ela ia retornando até fechava em cima

e as toras saltavam fora, hoje não tem mais nada disso. O passo do Uvá encheu de

terra e de madeira é hoje um poço só”.

A madeira constituía mercadoria valiosa, facilmente negociável. Portanto,

muito logo, surgiram oportunidades para a apropriação indébita das toras, ajudada

sobretudo pelos percalços da viagem. Os depoentes escutados lembram que,

muitas vezes, havia, próximos aos locais conhecidos como mais perigosos, homens

esperando a oportunidade de apropriar-se das madeiras desgarradas, para vendê-

las clandestinamente, apesar das marcas de propriedade. Lamentavelmente, por

razões óbvias, não foi possível entrevistar nenhum desses balseiros-piratas. A

documentação judiciária, certamente, fornecerá informação, direta e indireta, sobre

essa atividade e seus executores. Severino Aigner assinala, nesse sentido: “Eles

[os ladrões] cortavam a marca, a das toras, e roubavam as madeiras [...]. Ficavam

nos rios que entram no Uruguai. A madeira ficava represada e era levada para

dentro do rio onde eles estavam, aí eles a escondiam. E depois mais tarde,

vendiam.” 126 Timóteo Ávila, morador de São Borja, afirma que essa era uma prática

conhecida nas barrancas do rio Uruguai, naquela região. Segundo ele: “Aqui tinham

ladrões de madeiras. Eles mergulhavam nas águas e soltavam as madeiras. [....]

Eles tiravam as marcas. [....] Aí na primeira oportunidade que dava, eles juntavam a

madeira e vendiam Eram ladrões argentinos e brasileiros.”

Havia trechos bastante perigosos, como o Salto Grande, a ilha Comprida, as

Nove Voltas, as ilhas Gêmeas. Como esses locais exigiam toda a atenção possível

dos balseiros, eles passavam dia e noite sem dormir, quando atravessavam essas

regiões. Tedesco narra: “[...] os perigos maiores eram, em ordem crescente: as

pequenas ilhotas, o saltinho do Lameu, a Rapadura, a Ilha do Chapecó, a

Corredeira Comprida, Passarinhos; adiante vinham as Ervas, a Fortaliza, Macaco

125 Cilfredo Klein foi balseiro. Entrevista concedida à autora em 13/08/2004. 126 Severino Aigner foi balseiro e filho de madeireiro. Entrevista concedida à autora em 01/10/2004.

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Branco, Salto de Macunã; aí então vinha o ressorjo do Cipó, as Nove Voltas, o

Saltinho do Sertão, a Corredeira do Santo Ezídio, a Cancha de Santa Maria;

seguindo o Salto Grande, que era muito perigoso, totalizando dezesseis quilômetros

com uma caída e uma velocidade intensa de água.” 127

Figura 23 - Ilha dos Peixes – perto de Iraí/SC

Fonte: Acervo particular de Cilfredo Klein

Uma grande dificuldade nas viagens das balsas era a superação do Santo

Grande. Em verdade, para protegê-las, ao se chegar ao Salto Grande, era

necessário colocá-la na entrada do canal. Para tal, o prático ordenava o

recolhimento dos remos. Quando a balsa chocava-se com as marretas*, que eram

altas ondas, era necessário recolher os remos para que eles não fossem sugados

pela violência das águas. Então, os balseiros permaneciam todos no meio da balsa,

agarrados às toras, pois nas pontas era perigoso, devido às ondas motivadas pela

agitação das águas e deixavam que a força das águas os levassem. Ninguém

estava protegido. Para Cilfredo Klein, “a segurança era a coragem”.

Ao descerem o rio, as balsas e os balseiros encontravam, em alguns locais,

como no Uvá, em Itá, em Santa Catarina, os célebres ressorjos, como vimos, os

127 TEDESCO, João Carlos. Ob.cit. p. 222.

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perigosos redemoinhos que, ao envolverem as balsas, com sua força centrífuga,

tendiam a enfraquecer e, a seguir, romper os nós de cipó e de arame, dispersando

– debulhando – as toras e madeiras das balsas, com perigo para a operação e para

os trabalhadores do rio. O risco foi assim descrito por Barbosa: “Aqui os balseiros

novatos ou distraídos, por vezes, passavam horas rodopiando, rodopiando, sem

poder sair”128. Os ressorjos era um dos motivos pelos quais era necessário esperar

para que o nível do rio se elevasse ao máximo, já que, a maior vazão das águas

tendia anular esses redemoinhos, permitindo uma viagem rio-abaixo sem grandes

traumas.

Os trabalhadores do rio deveriam estar atentos à neblina no Uruguai, pois

ficavam sem visão, o que acrescia a possibilidade de que a balsa se chocasse aos

barrancos, encalhando e arrebentando os nós que ligavam as toras e as madeiras.

Quando a neblina encobria o rio, os balseiros tinham que estimar, apoiados na

duração da viagem, a altura em que se encontravam no rio Uruguai. Eles

procuravam, igualmente, se comunicar entre si, através de gritos e assobios, para

obter maior segurança na perigosa viagem por entre a névoa que permitia uma

muito escassa visibilidade.

Em Tropeiros, Ervateiros e Balseiros : Memoráveis personagens da História

do Sertão Catarinense, o historiador Delmir Valentini lembra que a “neblina

dificultava a localização da altura da viagem. O relógio e o eco dos gritos ou assobio

dos balseiros permitiam que os mesmos pudessem orientar-se e determinar mais ou

menos em que ponto do trajeto se encontravam”.129 Acrescente-se a isso, como

assinalado, o fato de que próximo a esses locais de perigo, em algum afluente do

rio Uruguai, estavam os ‘ladrões’, esperando agourentos que alguma balsa se

desfizesse, para abaterem-se como aves de rapina sobre seus restos.

128 BARBOSA, Fidélis Dalcin. Ob.cit. p. 71. 129 VALENTINI, Delmir. Ob.cit. p. 85.

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3.6 Fim de uma viagem... Preparação para outra

Quando os balseiros chegavam ao seu destino, em São Borja, no Rio Grande

do Sul, encontravam com o patrão, que já estava à espera dos empregados e das

madeiras. Algumas vezes, eram recepcionados com um churrasco, para comemorar

a chegada. Ali mesmo, os trabalhadores recebiam o pagamento. Alguns balseiros

gastavam o seu dinheiro em São Borja, em diversões e mercadorias em geral,

impossíveis de obter nos seus locais de residência. Entretanto, a maioria dos

trabalhadores do rio trazia o ganho para casa, para investir nos negócios familiares,

como registrado.

Para Heitor Angeli, havia muitas formas de gastar o dinheiro: “A descida de

balsa para o peão era uma aventura gostosa. Além de viajar e conhecer outros

lugares, ganhavam um bom dinheiro. Em cinco dias, recebia o valor de dois meses

de trabalho, mas, como não tinha noção de economia, gastava tudo em supérfluos,

principalmente coisas da Argentina. O rio Uruguai era uma esperança, uma porta

que se abria para o futuro, para as aventuras, as farras nas descidas, os cabarés de

São Borja que na época de enchente se enchiam de mulheres de todos os cantos e

principalmente correntinas .... O balseiro quase sempre era explorado [sic] pelas

damas da noite, e muitas vezes um velho remador tinha que pedir dinheiro

emprestado para voltar, porque gastara todo o seu em uma única noite.”130

Diferente da visão heróica sobre as viagens, Salvador Gonçalves relata que a

vida de balseiro era uma sofrida, mesmo recebendo uma remuneração

considerável: “História de balseiro é história de muito sofrimento. Era um trabalho

muito duro, porque ficavam dias controlando os remos, passando fome, porque a

comida era muito mal feita e com a água barrenta do rio. Além disso, passavam

muito frio, porque as viagens eram no inverno e a gente viajava molhado o tempo

todo. [...] Eu nunca mais faria uma viagem dessas, apesar de ter ganhado um bom

dinheiro.”131

130 ANGELI, Heitor Lothieu. Ob.cit. p. 65. 131 Salvador Gonçalves foi balseiro. Entrevista concedida à autora em 10/05/2006.

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O retorno acontecia por via terrestre. De São Borja até Santa Maria, os

balseiros vinham de trem. De Santa Maria a Erechim, de ônibus e de lá, vinham a

pé até Itá (aproximadamente cinqüenta quilômetros). A partir dos anos 1950, era

utilizado o caminhão como meio de transporte, de São Borja até Erechim. De lá até

Itá, os trabalhadores viajavam em ônibus. Muitas vezes, os balseiros voltavam de

caminhão, às vezes de propriedade do patrão e, outras, contratado em São Borja.

Eram os balseiros que pagavam a viagem. Felipe Barreto, de São Borja, relata que:

“Naquele tempo, do Alto Uruguai vinham muitos cereais de alimentação, banha,

salame e embutidos. Lá tudo era muito baratinho. Então eles [os caminhões]

levavam num frete compensativo as pessoas e traziam os produtos de lá.” Afonso

Pedebos, também de São Borja, complementa: “Eu me inventei de levar uns

balseiros uma vez, tinha uns quarenta [...] eram eles que pagavam. Eu cobrava

naquele tempo 100 mil-réis cada um.”

O retorno demorava de três a quatro dias. Mesmo durante essa viagem, os

riscos dos balseiros não terminavam. Afonso Pedebos presenciou um acidente que

vitimou muitos trabalhadores: “Inclusive aconteceram acidentes. Aqui perto mesmo

virou um caminhão e morreram todos, foram vinte e cinco homens. E lá perto de

Santo Ângelo, naquela baixada bem grande, perto de uma curva, ali virou um

Scania, que eu vi. O caminhão travou e morreram quarenta e cinco pessoas. O

motorista perdeu a direção, o caminhão virou e morreram todos.”

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Figura 24 - Caminhões usados como meios de transporte

Fonte: CEOM / Reprodução: Júlio Gomes

Enquanto os balseiros retornavam para casa, o patrão, eventualmente,

permanecia em São Borja para comercializar a madeira que, a seguir, continuava a

viagem, rio-abaixo, em direção à foz do rio da Prata, de onde era exportada. Muitas

vezes, a negociação era difícil, em função da superprodução e da especulação, o

que podia prolongar a permanência em São Borja. No entanto, era comum a

madeira chegar ao porto Saladero, em São Borja, com destino certo, conforme

relata Afonso Pedebos: “A madeira vinha despachada de Santa Catarina. Aqui eles

compravam também. Mas tinha madeireiro de Santa Catarina que já tinha sócio na

Argentina [...]. Então a madeira vinha de lá, só chegava aqui e os fiscais passavam

no remorque pra contar, pra dar uma conferida na quantia. E seguia a madeira pra

baixo.”

A madeira era vendida em varas . Dezoito varas equivaliam um metro cúbico.

Os compradores eram brasileiros e argentinos. Eles adquiriam as toras para

exportar. Em relação ao preço da madeira, Afonso Pedebos complementa: “A tábua

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naquele tempo valia 20 mil-réis a dúzia. O roliço era por vara. A vara era 25 cm por

25 cm por 80 cm de comprimento. Quando a madeira chegava aqui, vinha um

argentino medir a madeira, pra ver quantas mil varas dava, pra despachar daqui pra

Argentina.”

Dependendo das condições do tempo, muitas vezes, os trabalhadores

apenas chegavam de volta ao local de residência e iniciavam os preparativos para

uma próxima viagem pelo rio Uruguai. Em 1946, por exemplo, que teve enchentes

praticamente o ano inteiro, como já foi relatado, os balseiros puderam fazer de duas

a três viagens até São Borja. Acumulavam, assim, em um mês, o salário

comumente ganho em seis a oito meses de trabalho normal.

3.7 A cidade de São Borja e o comércio das balsas

São Borja originou-se da redução de São Francisco de Borja, a primeiro

redução dos Sete Povos das Missões, fundados em 1682, pelo padre jesuíta

espanhol Francisco Garcia, da Companhia de Jesus, em boa parte em resposta à

fundação da colônia do Sacramento, pelos portugueses, no extremo-sul do atual

Uruguai, diante de Buenos Aires, em 1680. A aglomeração urbana localiza-se à

margem esquerda do rio Uruguai, quase na fronteira da redução de Santo Tomé,

estabelecida na margem direita do mesmo rio. Por suas características econômicas,

geográficas e políticas, as Missões, em geral, e São Borja, em particular, foram

muito disputada, entre espanhóis e portugueses.

Em A vila de São Borja (1834-1887) numa conjuntura de transição : histórica,

sócio-econômica e geopolítica, o historiador João Rodolpho Amaral Flores assinala:

“Quando nos referimos às histórias de São Borja, estamos tratando da identificação

de dois momentos distintos do processo histórico desta área [...]. O primeiro deles,

denominamos de história espanhola, que teve início com a fundação da redução no

ano de 1682 e seguiu, de 1756 até 1801, com a administração militar dos prepostos

espanhóis, quando da destruição dos Sete Povos. A outra história de São Borja, a

luso-brasileira, iniciou-se em função do processo de definição de fronteiras em

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1801, quando da conquista do espaço missioneiro pelos portugueses, estendendo-

se até os dias de hoje.”132

O município de São Borja foi palco de acontecimentos importantes, com

destaque para a Guerra do Paraguai. A cidade é também conhecida por ali terem

nascido Getúlio Vargas e João Goulart, que chegaram a Presidência do país e

foram protagonistas de alguns dos momentos e situações mais decisivas da história

do Brasil. De acordo com o arquivo da revista Veja, de 22 de agosto de 1979: “Muito

mais presente é a lembrança de Vargas na cidade de 70 000 habitantes pendurada

nas barrancas do rio Uruguai, a 600 quilômetros de Porto Alegre, na fronteira do

Brasil com a Argentina.” 133 Por sua contribuição para a história rio-grandense e

brasileira, a cidade tricentenária recebeu recentemente o título de "Cidade

Histórica".

Como vimos, a partir da década de 1930, inicia-se o comércio de madeiras

que eram enviadas, em balsas, sob a forma de tora ou madeiras serradas, desde as

margens do rio Uruguai, no Oeste catarinense, até o porto fluvial de São Borja.

Afonso Pedebos assinala, sobre esses fatos: “Isso começou em 1936-38. E

continuou durante toda a época da guerra com a Alemanha [II Guerra Mundial]”. 134

As balsas chegavam ao local conhecido como Porto Saladero, localizado a sete

quilômetros de distância do centro de São Borja eram, aproximadamente sete

quilômetros. Felipe Barreto nasceu em 1924, criou-se no Bairro do Passo, às

margens do rio Uruguai, em São Borja, e trabalhou no transporte de passageiros

com lancha, tendo transportado muitos balseiros. 135 “Quando eles [os balseiros]

chegavam aqui , as balsas ficavam lá em cima, no Saladero, e a gente ia de lancha

buscar o pessoal. ‘Chegaram os balseiros!’, como diziam. Aí, rolava o dinheiro,

todos eles ganhavam bem, sabe? Aqui, tinha uns barzinho pequeninho, naquele 132 AMARAL, João Rodolpho Amaral. A vila de São Borja (1834-1887) numa conjuntura de transição:

histórica, sócio-econômica e geopolítica. São Leopoldo: EdiUNISINOS. 1996. p.13. Dissertação de Mestrado.

133 ARQUIVO VEJA. Ele voltará. 22 de agosto de 1979. Disponível em: http://vejaonline.abril.com.br. Acessado em 23/04/2006

134 Afonso Pedebos, nascido em 1925, trabalhou no transporte das balsas de São Borja/RS à Concórdia, na Argentina. Entrevista concedida à autora em - 02/02/2006, em São Borja/RS.

135Felipe Barreto trabalhou com lanchas em São Borja/RS no período das balsas. Entrevista concedida à autora em 02/02/2006, em São Borja/RS.

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tempo. Todos eles, ele vinham muito mal de lá. Vinham carentes de alimentação,

não é? Eles vinham judiados e quando chegavam aqui era uma tranqüilidade, aí

eles embarcavam e retornavam.”

Na época do comércio das madeiras, de 1930 a 1960, a cidade de São Borja,

por sua antiguidade e importantes atividades como centro comercial e de serviços,

apresentava realidade econômica, social e cultural bastante diferenciada à do Oeste

catarinense e, colonizado, como vimos, por migrantes colonial-camponeses rio-

grandenses, a partir de 1920 e, portanto, de perfil profundamente agrícola.

Era grande o impacto dos trabalhadores do rio, ao desembarcarem,

sobretudo por primeira vez, nessa, para eles, verdadeira metrópole, para

conhecerem realidades sociais, econômicas, culturais, etc. comumente de todo

desconhecidas. Portanto, para os balseiros, inseridos momentaneamente como

assalariados de prática exportadora internacional, a viagem significava a expansão

dos horizontes existenciais que, através deles, terminava sendo mais ou menos

socializada com toda a população vivendo e trabalhando ao longo do rio Uruguai.

O balseiro Severino Aigner relata: “São Borja, naquela época, já era uma

cidade bem adiantada. O primeiro asfalto que eu conheci foi lá. Tinha campo de

aviação, tinha quartel, tinha fórum.[...] . A gente não conhecia nada. Conheci a

primeira cidade foi São Borja. Conheci o trem, asfalto, fórum, todas essas coisas. Eu

cheguei em uma ocasião, em São Borja, já estava há três semanas no hotel, tinha

oito quadras ali no centro pra chegar até a praça. Ali tinha o Fórum, mas eu não

sabia o que era isso. Porque aqui [onde eu vivia] não tinha rádio, não tinha jornal,

não tinha aula, não tinha nada. E lá já tinha Fórum. Era uma época importante, né..

Contar parece mentira.”

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Figura 25 – São Borja/RS na década de 1950 Fonte: http://www.acarj.org.br

As casas comerciais eram muito visitadas pelos balseiros, que

frequentemente compravam mercadorias, não raro exóticas e desconhecidas pela

comunidade colonial-camponesa, chegadas da distante Buenos Aires, para serem

levadas na torna-viagem . A inserção dos balseiros como assalariados da

exportação de madeira, com ganhos relativamente elevados, que permitiam a

compra de mercadores em geral impossíveis de serem adquiridas pela dos colonos-

camponeses, ensejou modificações comportamentais e culturais registradas, até

hoje, pela memória regional.

Heitor Angeli refere-se a esse processo: “Na bagagem desses homens

arrojados [sic] iam os presentes para a família: sedas, crepes, gabardinas, mantos,

chales e perfumes. As mulheres dos balseiros eram as damas mais bem vestidas da

região.”136 Afonso Pedebos relata que as principais lojas eram: “Casa do Cavalinho,

a loja do Oscar Bandeira, a Casa Demarco”. Timóteo Ávila complementa: “Tinham

as Casas Lopes e as Casas Pernambucanas.” 137

136 ANGELI, Heitor Lothieu. Ob. cit. p. 149. 137 Timóteo Ávila, nascido em 1935, acompanhou o transporte de balsas até os portos argentinos.

Entrevista concedida à autora em 03/02/2006, em São Borja/RS.

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Muitos balseiros e madeireiros utilizavam os estabelecimentos bancários de

São Borja para realizarem transações comerciais. Em São Borja em perguntas e

respostas : monografia histórica e de costumes, Apparicio Silva Rillo relata: “O

primeiro [banco] a instalar-se em São Borja, no ano de 1910, foi o Banco da

Província, tendo como gerente o dr. Raphael Escobar. Em seguida, no ano de 1912,

[foi instalado] o Banco Pelotense, gerenciado pelo sr. Antonio Sarmanho, sogro do

dr. Getúlio Vargas. Antes da instalação dos bancos, os fazendeiros, especialmente,

transformavam seus recursos financeiros em libras e guardavam em locais secretos

de suas casas e estâncias. Ou, segundo a tradição oral, depositavam suas

economias com os comerciantes mais fortes da cidade, cujos estabelecimentos

dispunham de cofres à prova de arrombamentos e assaltos.”138 Timóteo Ávila

assinala que em São Borja foram abertas sucursais do Banco do Rio Grande, do

Banco Nacional do Comércio e do Banco do Brasil, o que registra a pujança da

economia do município.

A cidade de São Borja possuía muitos hotéis, locais privilegiados das

transações comerciais das madeiras, onde os madeireiros ficavam hospedados por

alguns dias, à espera de compradores e de melhores preços. Heitor Angeli afirma

que: “Os donos das balsas alojavam-se no Hotel Silva, o melhor da cidade e bem

em frete à Igreja Matriz.”139 No mesmo sentido, Afonso Pedebos complementa:

“Naquela época, que eu me lembro, tinha o hotel Guedes, o hotel Müller e o hotel

Glória”.

Normalmente, os balseiros retornavam no mesmo dia em que chegavam ao

Porto Saladero para suas moradias, aonde, como vimos, embarcavam-se,

eventualmente, em uma nova viagem. Os gastos e as tentações da cidade eram,

logicamente, grandes e elevados. Quando isso não acontecia, os balseiros jamais

alojavam-se nos hotéis utilizados pelos madeireiros, de alto preço. Felipe Barreto

refere-se a esta distinção: “Quer dizer, os hotéis que tinham, era pra eles [os

madeireiros] de um nível meio elevado. Eles [os balseiros] eram gente pobre, 138 RILLO, Apparicio Silva. São Borja em perguntas e respostas: monografia histórica e de costumes. São

Borja: Coleção Tricentenário. nº 2. 1982. p. 16. 139 ANGELI, Heitor Lothieu. Ob. cit. p. 147.

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trabalhadores. Então, aqui no Passo, por aqui, tinham casas que agasalhavam e

muitas vezes eles ficavam lá nas balsas.” Heitor Angeli também relata: “Em São

Borja, a peonada se alojou como podia, uns se hospedaram no hotel do Aguinelo,

no Porto, outros se mandaram para a estação ferroviária, à espera da composição

que só partiria na manhã seguinte.”140

Figura 26 – Porto de São Borja/RS

Fonte: Acervo particular de Timóteo Ávila

Os balseiros que ficavam em São Borja podiam procurar ‘diversão noturna’.

São muitos os relatos sobre essa realidade, a qual Heitor Angeli refere-se: “À noite,

os cabarés ficavam lotados e as mulheres faziam festa com o dinheiro dos balseiros

que, não poucas vezes, tiveram que arranjar dinheiro para a volta.” 141 Em Populário

são-borjense, Apparicio Silva Rillo descreve o cabaré Verde Velho: “Alguns

depoentes referem (a pedido, não lhes cito os nomes, todos em meus registros) que

ouve [sic] um cabaré/casa de jogo/bailanta, com o nome de Verde [que mais tarde

ficou Velho também]”. 142

140 Ibidem. p. 146. 141 Ibidem. p. 147. 142 RILLO, Apparicio Silva.. Ob. cit. p.89.

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Timóteo Ávila relatou em sua entrevista que, quando menino, sabendo onde

se encontravam as ‘corujas’, ou “damas da noite”, conduzia os balseiros até as

casas noturnas. Um ouro local conhecido era o “Cabaré da Dona Luíza” ou “Casa

do Catavento”, localizado estrategicamente no bairro do Passo, hoje próximo ao

Jóquei Clube. Segundo Timóteo: “Muitos já vinham me procurando de longe.

Quando chegavam aqui já vinham, correndo. Eles diziam: – Esse gurizinho sabe

onde é. Eu cobrava um pila de cada um.” No local, ainda segundo Timóteo, existiam

mais de cem mulheres, a maioria de outras cidades, prontas para prestações

sexuais para os balseiros, sob remuneração monetária. O cabaré tinha muitos

quartos, a música era tocada o dia inteiro, as mulheres se alternavam no ‘trabalho’.

Nenhum dos trabalhadores entrevistados, no Oeste Catarinense e em São

Borja/RS, mencionam a existência de jornais em São Borja. Segundo Apparicio

Silva Rillo, a “vila de São Borja, a contar do último quarto do século passado, contou

com jornais comunais. Dentre alguns títulos de efêmera duração destacou-se o que

teria sido o mais antigo deles, o ‘Eco das Missões’ . A este se seguiram ‘O

Missioneiro’, ‘O Movimento’ [...] – a favor do abolicionismo republicano, o ’13 de

janeiro’[...], e ‘O Uruguay’ – este o de vida mais longa, havendo circulado até 1950.

Contemporaneamente o ‘Jornal de São Borja’, até 1965, o ‘Sete Dias’ e o ‘O Jornal’,

já extintos [...]”143.

3.8 Do rio para a Estrada

O comércio de madeiras, pelo sistema de balsas, representou a possibilidade

de novos investimentos capazes de render altos proveitos. O desmatamento e a

falta de uma legislação eficaz foram responsáveis pela ‘limpeza florestal’ da região

oeste de Santa Catarina. Chico Faganello, em Histórias do Oeste, ressalta: “Com a

silenciosa cumplicidade dos argentinos, o mercado crescia com poucas regras. O

governo brasileiro foi avisado sobre o contrabando e a devastação, mas dificuldades

143 Ibidem. p. 16.

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de comunicação e desinteresse político impediam o controle” 144

Com a abertura de novas estradas e a utilização do caminhão como meio de

transporte, a madeira deixou de ser escoada pelo rio Uruguai, passando a ser

transportada por terra. Ao balseiro, trabalhador do rio, substituiu-se o motorista,

trabalhador da estrada. Porém, nesse momento, a atividade já se encontrava

arrefecida, pois o cedro, madeira mais cobiçada por esse comércio, tornara-se

escassa, devido a décadas de extração. Entretanto, na tradição oral, as razões da

interrupção da atividade não foram sempre econômicas. Para o balseiro Alfred

Gerhd Schefler, o “comércio da madeira com a Argentina começou, mais ou menos,

em 1918 e terminou em 1965 porque o governo proibiu”.145 Chico Faganello, no

documentário “Histórias do Oeste” propõe: “Depois de quase 40 anos, com o

aumento da economia interna e das crescentes restrições do governo, o transporte

de madeiras por balsas até a Argentina, foi gradativamente acabando. Os balseiros,

que arriscavam suas vidas, ganhando pouco e sem nenhum contrato profissional,

fazem parte da memória romântica do rio Uruguai.”146

Com o fim das balsas, encerrava-se uma modalidade de trabalho tão

importante para a região e para os trabalhadores que tiravam dela, não raro, o

capital para potenciar a pequena propriedade de que dispunham ou iniciar uma

nova atividade. Como assinalado, a acumulação permitida por algumas viagens

ensejou o investimento dos balseiros em madeireiras, em alambique s, etc. Outros,

na terra e na agricultura. Outros, porém, como também vimos, gastaram os salários

em mercadorias e diversões.

De um modo geral, desde o Estreito do rio Uruguai, em Marcelino Ramos

[RS], até Goio-En, em Chapecó [SC], a atividade balseira foi muito intensa. Os

salários obtidos pelos balseiros foram igualmente um importante incentivador do

comércio regional. Heitor Angeli descreve: “Uma coisa era evidente: o crédito dado

aos balseiros tinha retorno certo. Podia demorar, porque devia-se esperar o 144 FAGANELLO, Chico. Ob. Cit. 145 GERASUL. Os trabalhos e os Dias : Histórias de vida de antigos moradores da barragem da UHE – Itá.

Caxias do Sul: EdiUCS. 2000. p.60 146 FAGANELLO, Chico. Ob. cit.

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regresso de San Tomé [e São Borja], mas voltava.” 147

O comércio de balsas acabou. Os madeireiros usaram o capital adquirido na

modernização das madeireiras ou aplicaram em atividades comerciais, com retorno

quase certo. O trabalho balseiro também deixou de ser atividade complementar

para os agricultores da região Alto Uruguai, que continuaram trabalhando na

agricultura e pecuária nas pequenas propriedades. Quanto aos caboclos, que

haviam constituído importante mão-de-obra, da retirada das madeiras à condução

das balsas até a Argentina, despossuídos e sem terras, tornaram-se a principal

mão-de-obra assalariada nas serrarias das cidades da região Alto Uruguai, onde se

estabeleceram nas áreas periféricas.

3.9 Balsas vendidas, capital aplicado

O comércio de balsas constituiu atividade lucrativa, especialmente para os

madeireiros que compravam as toras no mato par vendê-las na Argentina.

Madereiros e balseiros aplicaram os ganhos obtidos na atividades. O madeireiro

Biagio Aurélio Paludo vendeu dezessete balsas, de 1929 a 1936. Como assinalado,

em 1934, comprou o Clube Itá, em Itá/SC, e cinco colônias de terras, na Barra do rio

Engano, às margens do rio Uruguai; pagando pelos dois investimentos a quantia de

quinze contos e quinhentos mil réis. Em 1935, ele comprou a casa de comércio de

Ricardo Bortolini, em Nova Milano (atual Seara/SC), pela qual pagou dez contos de

réis. Aplicou, igualmente, cinqüenta contos de réis. Em 1937, doou o Clube Itá para

a comunidade.

Em 1941, Aurélio Paludo ampliou sua casa comercial, que passou a

denominar-se Irmãos Paludo & Cia Ltda. Já em 1942, negociou o edifício em que

funcionava o comércio por outra maior, sede do hotel da cidade. Em 1945, comprou

outro imóvel, em Paca [atual Caraíba], no interior de Seara/SC. Tratava-se de loja,

com terrenos, prédio e surtido estoque. Por esse negócio, pagou trezentos contos

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de réis. Em 1946, viajou para São Paulo com a esposa, Diamantina, adquirindo um

automóvel Champion, zero quilômetros. Como não pode usar o automóvel, porque

na época não havia estradas em Nova Milano, foi para Porto Alegre, trocando-o por

botões, fivelas e miudezas para sua loja. Segundo Aurélio Paludo, a loja ficou

abastecida com esses acessórios aproximadamente trinta anos.

A partir de 1948, os ramos de negócio da família mudaram. Como a região

produzia quantia considerável de trigo e milho, investiram na construção de um

moinho para produzir as farinhas. A energia acionada para mover as máquinas era

fornecida por um motor estacionário que tocava um gerador de 240 KWA. A

capacidade de produção do moinho era de 15.600 quilos por dia e, ao final do

primeiro ano, os lucros pagaram o capital investido na construção do moinho. O

negócio foi ampliando através da construção de estruturas complementares – silo,

armazéns, frigorífico e escritórios. Em São Francisco do Sul/SC, foi construído uma

unidade de moagem de grãos, descascador e classificador de arroz e uma fábrica

de ração. Tudo com sede própria. 148

Figura 27 – Moinho, armazém, descascador de arroz, fábrica de rações e silo.

Fonte: PALUDO, Biagio Aurélio. Álbum de Família. p. 50

148 Cf. PALUDO, Biagio Aurélio. Ob. cit..

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Severino Aigner, filho de madeireiro, conta que na atividade balseira fez um

pouco de tudo. Foi raspador, ponteiro, cuidou de bois, arrastou e encarreirou

madeiras, foi balseiro. Além disso, trabalhou em atividades do campo como

agricultor e criador de porcos. Quando terminou a atividade balseira, Severino

aplicou seus investimentos no ramo de bebidas, no Comércio de Bebidas Aigner,

em Aratiba/RS e no Comércio de Bebidas Seara Ltda, em Seara/SC. Cilfredo Klein,

agricultor em Itá/SC, aplicou o capital obtido com as viagens de balsa na lavoura e

na montagem de uma serraria, em Ipumirim/SC. Aloísio Lauxen investiu em um

alambique, que continua a ser administrado por seu filho.

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CAPÍTULO 4

OS TRABALHADORES DO RIO E SUAS HISTÓRIAS

Apresentamos, na seqüência alguns desses trabalhadores, que hoje vivem na

região do Alto Uruguai e que partiam com as balsas dos portos em Itá/SC.

4.1 Alexandre Bellani

Figura 28 - Alexandre Bellani

Acervo particular da autora

Alexandre Bellani nasceu em 1de setembro de 1925 na comunidade de Rio

Novo, hoje Aratiba/RS. Filho de José e Hélia Bellani que, além deste, tinham mais

oito filhos: Ambrósio, Atílio, Gentil, Alcides, Adelino, Diamantina, Ademir e Egídio.

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Quando ainda era bebê, Alexandre saiu de Rio Novo juntamente com sua família e

foi morar em Erechim/RS. De lá, foram para Santa Maria, Pelotas, também no Rio

Grande do Sul, depois voltaram para Erechim.

Seu pai, José Bellani, era sócio de uma madeireira, a Alberto Boher

&Companhia LTDA. Segundo Alexandre, quando ainda era menino com quatro ou

cinco anos de idade, ainda residia em Pelotas/RS, na rua Manduca Rodrigues, o

sócio de seu pai desviou seis vagões de madeiras para a Argentina e sumiu com o

dinheiro. Isso fez com que a família tivesse que retornar para Rio Novo/RS.

O recomeço foi em outros investimentos, como o moinho, o engenho de cana

e a serraria. O capital obtido com esses negócios proporcionou a compra de terras

próximas ao rio Uruguai, eram aproximadamente seis colônias de terra com puro

mato. Ali, José Bellani e seus filhos Ambrósio, Atílio e Gentil montaram um

acampamento para extrair a madeira e embalsar. Os demais membros da família

ficaram com a mãe, em Rio Novo.

Aos treze anos, em 1938, Alexandre fez a primeira de três viagens até São

Borja/RS. Foi uma viagem longa, de sete dias e oito noites, pois o nível do rio

estava baixo. Seu pai e seus irmãos mais velhos já haviam feito muitas viagens,

afinal esse era o principal investime nto da família.

Alexandre fez sua última viagem aos dezenove anos, em 1944. Nessa época

foi para Seara/SC, onde trabalhou de motorista na casa de comércio de Biagio

Aurélio Paludo, seu cunhado. Nesta mesma cidade conheceu Gema Zonta, nascida

em Encantado/RS e que estava morando em Seara. Casaram-se no dia 1de

setembro de 1951. Dessa união nasceram: José Antônio, Sandra Regina, Eliane

Maria, Mara Lúcia e Luís Carlos.

Além de motorista, Alexandre trabalhou como viajante e foi nomeado para

assumir o posto de escrivão na cidade de Xavantina/SC. Lá trabalhou até

aposentar-se e voltou a morar em Itá/SC, onde vive atualmente.

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4.2 Aloísio Lauxen

Figura 29 – Aloísio Lauxen

Fonte: Acervo particular da autora

Aloísio Lauxen nasceu em Montenegro, no Rio Grande do Sul, em 1922. Aos

seis anos, juntamente com sua mãe Elizabete, dois irmãos (José e Leopoldo) e uma

irmã (Maria), mudou para Itá. Nessa época, já era órfão de pai. Isso fez com que o

avô materno, João Grübler, comprasse terras em Itá, porque ali a terra era mais

barata. Desde cedo, Aloísio entrou em contato com o ramo das balsas. Sua mãe

casou-se novamente com João Simon, que trabalhava nessa atividade. Por isso,

aos doze anos, já trabalhava como chamador de bois* e, a cada ano, sua

responsabilidade foi aumentando. Auxiliou na derrubada das árvores, no arrasto das

madeiras até o rio e na amarração das madeiras. Quando tinha dezessete anos, fez

sua primeira viajem como balseiro. As lembranças são presentes. Segundo ele, a

viagem foi muito bonita, especialmente porque foi realizada no mês de outubro,

época em que não dava muito frio e havia noites de lua cheia.

Para Aloísio, a melhor maneira de ganhar dinheiro era viajar com as

madeiras, pois não dava para depender somente da produção agrícola, já que não

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havia estradas próximas à região em que viviam, para transportar as mercadorias.

Ele trabalhou também como cozinheiro e, somente depois de dezoito viagens, foi

prático*.. Casou-se aos 25 anos com Maria Iunges. Ela, natural de São Leopoldo,

conta sobre seus pais: “Vieram com a mudança de carroça, levaram um mês ou um

mês e pouco.” Tiveram seis filhos: Adelar, Adair, Valdir, Renildo, Isolde e Nair.

Além de trabalhar com a atividade balseira, Aloísio dedicava-se à agricultura.

Cultivava os produtos básicos – feijão, arroz, milho – para a alimentação da família

e um pouco para vender. Com o dinheiro que recebeu, montou um alambique em

Linha Simon, onde morou durante 44 anos, negócio que hoje é mantido pelo seu

filho Adelar. Atualmente Aloísio Lauxen e sua esposa Maria moram em Itá.

4.3 Carlos Francisco Minella

Figura 30 – Carlos Minella

Fonte: Acervo particular da autora

Carlos Francisco Minella nasceu em 26/12/1913 na cidade de Caxias/RS.

Quando estava com a idade de cinco a seis anos, sua família mudou-se para

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Erechim/RS. Seus pais, Rafael e Maria, descendentes diretos de imigrantes italianos,

eram agricultores e enfrentavam dificuldades para produzir e vender porque, como

citado em outras situações, a região possuía péssimos meios de comunicação. Carlos

Minella teve sete irmãos: Vilmar e Juracema [que morreram pequenos], Alberto,

Tranqüilo, Mateus, Leonilda e Metilde.

Carlos Francisco ouvira falar, desde criança, do comércio de madeira como

alternativa de obtenção de capital. Segundo ele, vizinhos seus vinham freqüentemente

para as barrancas do rio Uruguai para trabalhar nesta atividade. Aos 16 anos, Carlos

entrou em contato com a atividade balseira, fazendo, em 1930, sua primeira viagem

até São Borja. Ele conta que a viagem foi uma das melhores que fez e que, apesar da

inexperiência, tudo correu com tranqüilidade. Carlos fez de nove a dez viagens.

Entretanto, sua principal atividade foi retirar as toras do mato.

Em 1938, quando estava com 25 anos, casou-se com Maria Elvira, empregada

de uma farmácia em Rio Novo (atual Aratiba/RS). Dessa união nasceram Sabino, Altair,

Ana Lúcia, Sueli, Miguel, Antônio, Irineu, Mário e Noeli. Moraram muitos anos em Barra

do Rio Azul (que pertencia a Erechim/RS), de onde mudaram-se para Rio Novo e, em

1986, com a desapropriação das terras onde viviam, para Itá/SC, onde vive atualmente.

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4.4 Cilfredo Klein

Figura 31 – Cilfredo Klein

Fonte: Acervo particular de Cilfredo

Cilfredo Arthur Klein nasceu em 1926, na cidade velha de Itá, em Santa

Catarina. O local hoje é uma represa e nele foi sendo construído um balneário de

águas termais. Morou em vários lugares: Linha Teutônia, interior de Seara, em

Santa Catarina, onde foi trabalhar dos 17 aos 22 anos; Itá, dos 22 aos 24 anos;

Ipumirim, também em Santa Catarina, dos 24 aos 29 anos; Caraíba (Itá), dos 29 aos

32 anos; Paial (Itá), dos 32 aos 54; e, por fim, estabeleceu-se em Concórdia,

sempre em Santa Catarina.

Cilfredo teve doze irmãos: Orlando, Urbano, Norma, Lauro, Iracema, Célio,

Leonora, Valeska, Amandio, Loreni , Loreno e Nair. Casou-se com 29 anos, com

Erna Madalena Paludo, e teve dois filhos, José Carlos e Ana Maria. Seus avós,

Nicolau e Ana Klein, eram imigrantes alemães que moraram em Montenegro, no Rio

Grande do Sul, e migraram para Itá, com toda a família, quando os filhos já eram

adultos. O local onde estabeleceram residência, no início da década de 1920, era

privilegiado, já que se localizava às margens do rio Uruguai e possuía muita

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madeira. Aos poucos, a mata nativa foi dando lugar à moradia, às roças e ao

alambique, um dos negócios importantes para a família. A residência de Cilfredo

encontra-se na cidade velha de Itá, atualmente barragem do Itá.

Desde criança, Cilfredo entrou em contato com a atividade balseira. Aos seis

anos, em 1932, já ajudava o pai a tirar as toras de cedro e levar até o rio, onde as

balsas estavam sendo amarradas. Uma balsa era composta por 150, 180 ou até

duzentas toras de madeiras, amarradas umas às outras com cipó, com duas

‘casinhas’ em cima que funcionavam como cozinha e dormitório. Daí em diante, ia

sempre ao rio Uruguai para ver a preparação e a saída dos balseiros, em tempos de

enchente. Em 1946, com ainda dezenove anos, Cilfredo realiza sua primeira viagem

de balsa, mesmo contrariando o pai que considerava que a viagem fosse perigosa.

Somente naquele ano, fez seis viagens, de um total de quinze. Para tal, Cilfredo e o

irmão Urbano organizaram-se para que um deles ficasse sempre em casa, pois

precisavam ajudar o pai no alambique.

4.4.1 Um reencontro (in)esperado

Leolpodo Simon fez uma inesperada viajem de balsa com o seu pai, que

era um prático conhecido por suas habilidades. Leopoldo foi servir no exército em

Porto Alegre, ficando dois anos por lá. Estava retornando para casa e, quando

chegou em Erechim, ouviu dizer que tinha chovido muito, que os rios estavam

cheios e os balseiros estavam saindo. Pegou, então, um animal emprestado de um

conhecido da família, que também era balseiro, viajando para Aratiba/RS, mais

precisamente para uma localidade conhecida como Encantado , onde pagou um

peão para levar o animal de volta ao seu dono, em Erechim.

Quando chegou em casa, perguntou a sua madrasta:

– O pai está aonde? Ela respondeu:

– Está no rio. Ele vai soltar as balsas ainda hoje.

Leopoldo pegou a mochila e se foi para o remanso do Uvá. Chegando lá,

viu seu pai saindo com a balsa, um quilômetro à frente, no sentido da corrente do

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rio. Seu pai estava partindo. Dizem que Leopoldo chorou. Em seguida, encontrou

outro madeireiro pronto para a partida, mas sem um prático para conduzir os

balseiros. Disse o madeireiro:

– Eu não posso viajar, porque não tenho prática. Os peões estão todos ali, tem

mantimentos e eu não tenho prática.

Leopoldo prontamente apresenta-se para tal função:

– Eu levo! Disse Leopoldo.

– Mas você fez um a viajem só – Falou o madeireiro.

– Eu levo! Insistiu Leopoldo. As toras que eu perder, eu pago.

Saiu feliz por poder reencontrar o pai. Duas horas depois, encontrou o pai,

que havia atado a balsa na barranca do rio. Chegou e encostou na balsa do pai. A

viagem foi um sucesso, pois não perdeu uma única tora. Depois dessa primeira

viajem, fez mais setenta e cinco viagens, na condição de prático.

4.4.2 Uma enchente de dar medo!

Certa ocasião, em 1950, fiquei muitos dias lá em São Borja junto com o

Alfredo Loss. Ele ficou para vender sua balsa e obter um bom preço. Neste ano,

aconteceu a maior enchente que eu vi. Chegamos lá em um domingo de manhã,

abaixo de um temporal. Encostamos do lado da Argentina, onde não podia encostar.

Nenhum caiqueiro ou lancheiro podia encostar naquele ponto, porque ali havia uma

escadaria para a prática de esporte. Por causa disso fomos presos, então, eu e o

patrão.

Ficamos ancorados naquele local, com a presença constante de muitos

soldados argentinos lá na balsa, não podíamos nos mexer. Ali o patrão foi multado e

o soldado ordenou que saíssemos daquele local. Alfredo Loss disse:

– Eu saio o mais rápido possível. Se vocês me arranjarem duas lanchas,

porque uma só não leva a minha balsa. Talvez sejam necessárias até três lanchas,

porque precisamos atravessar o rio até o outro lado. Lá tem o lugar de amarrar.

Então, providenciem as três lanchas que eu saio agora mesmo.

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Então os soldados foram até São Borja. O Alfredo Loss foi junto. Voltou junto

com as lanchas e transferimos a balsa. O local onde atamos era um próximo a um

ingazeiro, tinha quatro metros de barranco até chegar em um campo. As chuvas

torrenciais continuavam e no domingo à noite, já faltava somente um metro para

cobrir o barranco. O rio estava enchendo, foi uma enchente muito grande. À noite,

eu amarrei a balsa no ingazeiro ou em um angico, não sei, porque naquele campo

não se avistava mais árvores grandes, no chão. Quando foi de manhã tinha água,

que eu nunca vi na vida. Ali perto tinha um caboclo que me prometeu:

– Olha vocês não precisam se desesperar. Todo mundo começou abandonar

a madeira e ir para São Borja. A situação está feia, além da chuva tem o vento.

Vocês não precisam sair. Quando eu perceber que está, não há mais alternativa, eu

venho buscar você se nós vamos sair. A um quilômetro daqui, tem uma cochilha, lá

mora meu irmão que tem um mercado e é fazendeiro. Vamos até lá, que lá não

pega água e teremos o que comer.

Mas ele de noite, segunda à noite, começou o vento devagar. Aí, quando

vimos não dava mais para sair nem com o caico. A velocidade das águas fazia

ondas, de mais de dez metros de altura, porque o vento soprava rio acima e a água

ao invés de descer rio abaixo, voltava pra trás. Quando clareou o dia, eu acordei

com o barulho das toras batendo. Chamei o Alfredo e avisei que o chimarrão estava

pronto. Alfredo levantou preocupado e me falou:

– Fique aqui cuidando da balsa que eu vou lá no mato.

– Fazer o que no mato? Perguntei.

– Eu vou lá amarrar uma corda em alguma árvore, caso seja necessário. Se o

rio subir muito a gente se amarra pra não descer rio abaixo.

– Mas tu se você for, eu vou junto. Tem corda o suficiente.

Quando entramos no mato, eu vi lá perto o caboclo que havia conversado

comigo. Ele estava numa casinha de quatro pau assim de pé, a casinha tinha uns

três metros de altura e em cima tinha uma prancha. Era necessário subir uma

escada pra chegar onde ele estava sentado. Ao lado dessa casinha toda aberta,

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onde ele morava, tinha outra casinha ao lado que eram os quartos. Lá estava ele,

tomando chimarrão. Aí eu olhei pra ele e disse:

– Vamos lá no teu irmão?

– Não vai dar mais tempo, vem aqui.

Quando fui amarrar o em que eu estava pra poder chegar à casinha do

caboclo, veio uma onda de água que chegou até na casinha dele, a uns cem metros

de onde eu estava. O Alfredo Loss vinha descendo num caico sentado, bem firme.

Demorou um pouco para chegar, devido à violência das águas. Colocamos o caico

em cima, em um local seguro, e fomos tomar chimarrão com o caboclo. Ficamos

das oito horas da manhã, mais ou menos, até o outro dia, às cinco e meia, seis

horas da manhã. Não vimos o tempo passar, ninguém tinha fome, sentados

naquela casinha, eu o Alfredo Loss, o caboclo, a mulher dele e um piazinho de seis

anos, sentado no colo do caboclo.

Pensamos: Vamos fazer o quê? A água chegava e batia ali, as ondas batiam

nas tábuas da casinha. Nós pegávamos água pro chimarrão com o caneco do rio,

enchia a chaleira, botava no fogo e esquentava. Aí começou a dar fome. Pela

manhã, em torno das cinco e meia, seis horas a surpresa: o rio estava baixando, já

havia baixado um metro começou de repente e baixou. O vento também começou a

parar. E às sete horas da manhã não vi mais água em cima do campo. O Alfredo

disse:

– Vamos lá na nossa balsa que a balsa deve estar toda debulhada.

Descemos lá ligeiro, dava uns cento e cinqüenta metros até a balsa. Quando

chegamos lá, a balsa estava toda debulhada. Conseguimos pegar todas as

madeiras, a nossa madeira e as dos vizinhos também. Foram encontradas toras a,

pelo menos, de sete quilômetros do porto. Foi necessário usar caminhões resgatar

as madeiras e arrastá-las até o rio.

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4.5 José Martins de Oliveira

Figura 32 – José Martins de Oliveira

Fonte: Acervo particular da autora

José Martins de Oliveira nasceu em 10 de agosto de 1925, em uma

comunidade que hoje pertence ao município de Mariano Moro, no Rio Grande do

Sul. Seus pais eram Hilário Martins e Oliveira e Maria Terícia de Souza, ambos

viúvos do primeiro casamento. José Martins de Oliveira é filho dessa segunda união.

Em função disso, teve doze irmãos: Úrsula, que era cega; depois nasceu a Lucinda;

em seguida a Luciana e a Maria, ambas mudas; na seqüência o Sebastião, que

morreu aos dezessete anos e uma irmã gêmea, que foi doada ainda quando era

bebê; Valdir, Joventina, Lucia e Leontina. Havia igualmente mais dois irmãos: um,

filho de sua mãe com o primeiro marido, que era dez anos mais velho que José, e

foi quem ajudou os pais a cuidar dos irmãos; o outro, também filho do primeiros

casamento, que morreu quando bebê. Desses dois últimos, José não lembrava o

nome.

Os pais chegaram de canoa nessa localidade, do município de Mariano Moro,

onde haviam decido morar. Para fazer a canoa, cortaram um tronco de cedro e

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cavucaram ao meio. Na região, não existia serraria, era uma floresta. Moraram

nessa localidade durante muito tempo. Na situação de trabalhadores da terra e

posseiros, viveram em vários lugares. José Martins não soube dizer em quantos

lugares a família morou.

José Martins de Oliveira casou-se em 3 de abril de 1949, com Elvira Pereira,

filha de balseiro e proprietário de balsas. Juntos tiveram quatorze filhos: Jandira,

José Jandir, [....], Valcira, Laudelina, Rosa, Jair, Hilário, Argemiro, Melânia,

Terezinha, Rosane, [....], Davi. Desses, as duas filhas mais velhas morreram e

apenas um está solteiro. Aos quatro anos, seu pai, Hilário Martins de Oliveira, foi

assassinado. Na ocasião, embriagado, acabou dormindo em cima de um pedaço de

madeira, no terreno de uma sua comadre. Apesar de armado com espada e

revólver, foi desarmado por parentes dessa comadre que lhe acertaram várias

pauladas na cabeça, arrastam o corpo por mais de 300 metros e jogaram-no no rio.

Até hoje a família desconhece o motivo do assassinato.

Desde criança, José Martins de Oliveira tinha contato com a atividade

balseira, pois além da agricultura esta era a única atividade capaz de proporcionar

alguma fonte de renda à família. Aos dezessete anos, quando moravam na Barra do

Rio Queimado, às margens do rio Uruguai, José Martins de Oliveira desceu

algumas vezes o rio, até o remanso do Uvá, em Itá/SC. As madeiras eram levadas

até esse ponto, com o rio baixo. Ali, havia um ressorjo, espécie de redemoinho, que

debulhava as balsas, por isso, os balseiros esperavam as enchentes que elevasse o

nível do rio e, assim, para seguir até São Borja/RS.

José Martins de Oliveira trabalhou em várias atividades: cortou madeira nas

matas, utilizando-se de machado; embalsava madeiras, atando as toras umas às

outras. Aos vinte e um anos, em 1946, fez sua primeira viagem até São Borja,

conduzindo balsas: os dois anos anteriores foram de seca. Segundo José, sua

maior habilidade estava em dominar o rio.

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4.5.1 Histórias de trem

Uma vez nós vínhamos de Uruguaina. O trem fez sua parada em Alegrete,

porque toda estação ele faz uma parada. Ali o trem ficou mais ou menos meia hora.

Quando saiu começou devagar, mas logo depois quando pegou velocidade

ninguém mais consegue alcançá-lo, nem um carro pequeno. A cada parada era

complicado, porque tinha muito peso, ele estava com vinte dois vagões e cada um

desses tinha onze metros.

O trem estava em alta velocidade e quando foi começar a subir um morro

uma mulher no trilho. Era uma velhinha que estava com uma trouxa de roupa e ia

lavar em um tanque que ficava perto do trilho. Ela queria passar por cima do trilho,

mas quando viu o trem ela se apavorou e parou muito próximo do trilho. O trem

bateu nela, ela caiu sobre o trilho e ficou toda quebrada. Nós fomos uns trezentos

metros para frente, até diminuir a velocidade do trem e voltamos de ré até o local do

acidente. Ficamos umas duas horas lá parado até que chegaram as autoridades lá

pra fazer o registro do acidente, depois subimos de novo.

_____________________

Outra vez nós estávamos vindo perto daquele lugar mesmo, quando o

comandante do trem veio lá de dentro de um quarto que eles guardam as jóias. Ele

veio conversar com a gente e disse:

- Olha balseirada eu fiquei sabendo que vocês estavam nesse trem quando

ele descarrilou da outra vez. Vejam, agora colocaram outro trem.

Eu olhei pela janela afora e vi um pontilhão todo trincado, provavelmente

porque tinha dado muita chuvarada. O trem vinha carregado com seiscentos bois,

tinha boi de até seiscentos quilos. Quando passou por aquele pontilhão em alta

velocidade, o pontilhão baixou. A máquina continuou puxando os vagões, mas o

pontilhão cedeu e aquela boiada que estava nos últimos vagões caíram. Aquela

boiada morreu toda, seiscentos bois. Eles ficaram sem saber o que fazer, porque

eles não iriam conseguir tirar aquela boiada toda de lá. Chamaram o pessoal que

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morava ali por perto pra aproveitar pelo menos a carne daqueles bois todos. Era até

bonito de se ver, acho que tinha umas trezentas pessoas ali recolhendo aquela

carne.

_____________________

E uma outra vez a gente estava vindo de trem, longe ainda de Santa Maria

bem abaixo ainda, em uma serra próximo a cidade de São Pedro. Lá tinha dois

municípios de São Pedro, um perto do outro – um é São Pedro e outro é São Pedro

Velho. Então antes de chegar em São Pedro Velho em um lugar chamado Vila

Ermanda, tinha um campo próximo à estação ferroviária. Ali o trem fazia uma volta e

uma curva, só que no meio dessa curva aqui tinha um morro e do lado de baixo era

uma planície só.

Lá nos campos tinha muitas fazendas e para que o gado não passasse pelos

trilhos foi colocado umas chapas de ferro com um parafuso alto. Só que

provavelmente alguns bois tinham passado por aquele lugar. Foi aí que o trem

chegou, pegou um boi que estava em cima do trilho e moeu todo. O chifre do boi

ficou enroscado no trilho e descarrilou o trem. A sorte nossa é que o trem pendeu

para o lado onde estava o morro. Três vagões ficaram encostados no paredão e o

restante dos vagões parou em um local em que não tinha a muralha e foram pro

chão. A máquina era de puro ferro, as portas também eram de ferro, muito pesadas,

o rodado, os eixos também de puro ferro e tudo ficou destruído. Chegou a

arrebentar o trilho da estrada de ferro. No lado em que bateu no morro desceu

pedra e terra pra tudo quanto foi lado. Dois vagões ficaram enterrados, dentro deles

tinham alguns animais, que se batiam lá dentro. Isso aconteceu lá pelas duas e

meia da tarde.

Ficamos o resto da tarde, a noite inteira e só no outro dia, às oito horas da

manhã, é chegou um outro trem de Santa Maria lá pra pegar nós. Era um trem de

carga que chegou de ré, porque o trilho ficou trancado. Provavelmente iriam ter que

trazer outros equipamentos pra tirar a máquina de lá e liberar o trilho. Neste

acidente morreram duas pessoas. Um era o foguista, aquele que ficava fazendo

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fogo. Com a batida foi uma pressão muito forte e depois ainda o vapor de água

quente que veio feriu muito ele. Aí o maquinista, que conseguiu se livrar das barras

de ferro, saiu correndo de lá perdendo sangue. Chegou e disse prá nós, porque a

gente era muito conhecido por causa das viagens que tínhamos feito. Ele disse:

- Olha, balseirada vocês que são gente de coragem, que andam por esse rio

velho que só falta morrer, vão lá dentro e vêem se salvam meu companheiro. Do

jeito que ele está lá acho que ainda está vivo ainda, eu vi ele ainda gemendo.

Fomos até lá, eu o meu irmão e mais outros, mas quando chegamos lá não

adiantava mais, o maquinista já estava morto. Eu sei que quando a gente pegava

ele, já estava despedaçado. O maquinista naquela hora conseguiu um carro e veio

até Santa Maria, mas quando chegou ao hospital já não adiantava mais. Também já

estava morto.

4.5.2 Ensaios no rio Uruguai

Era janeiro de 1946, tinha passado quatro anos sem dar enchente. Em janeiro

normalmente é bastante calor, o rio enche rapidamente, a terra está quente e ele

baixa logo também. Naquela enchente, de 1946, eu desci de balsa até lugar

chamado Barra do Navio, que é um povoado na costa do rio bem em frente ao

município de Paial, em Santa Catarina. A denominação Barra do Navio é do estado

sul-riograndense. Lá tinha uma pedra e um perau, na margem esquerda do rio

Uruguai, no lado do Rio Grande do Sul e aqui de cima o rio estava cheio, bufando.

Nós conseguimos nos defender das pedras, mas um pouco mais abaixo a água veio

tão forte que pegou a balsa quebrou toda.

Foi a nossa sorte ter quebrado ali, porque, se nós fôssemos mais adiante,

teriam morrido todos. Então eu voltei para casa e, quando foi fevereiro, deu um

repiquezinho d’água, enchentinha pouca, eu tava ajudando atar uma balsa lá no

Uvá, que era do Rafael Ióres, ele foi presidente da cooperativa colonial. Quando

percebi o Antoninho Caçador, que era um prático bom, pegou uma balsa, já atada, e

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estava meio preocupado para descer, porque já havia acertado uma viagem com a

balsa do Julio Longo, da Várzea, e a outra do Jacomino Trindade, lá de Sarandi.

Eu não percebi que haviam outros balseiros remando ali perto. Os outros

todos eram mais velho do que eu. Naquilo eu estava atando, e a gente precisava

puxar firme o cipó pra que a balsa ficasse bem firme; eu estava, inclusive, de

casaco porque era frio. O local em que eu estava, era na beira do rio Uruguai, de

repente vi um homem nadando no meio do rio, em uma situação perigosa. Quando

percebi, larguei o cipó e tudo o que eu tinha e saí nadando com roupa e tudo. Fui

até o meio do rio voltei ajudando o homem a sair. Então o Antoninho disse para os

outros me chamar que ele queria que eu fosse junto viagem.

Fui criado nas barrancas do rio, eu sabia nadar muito bem. Com isso, fiz

minha primeira e depois disso tudo que era balseiro queria que eu fosse junto com

eles. Lá em casa, tinha o meu irmão que era mais novo, era fortão e era bom na

água, então ele também ia. Nós cansamos de passar esse Uruguai nadando. Uma

vez passei seis vezes para lá e para cá sem parar. [...]

4.6 Salvador Rodrigues Gonçalves

Figura 33 – Salvador Rodrigues Gonçalves

Fonte: Acervo particular da autora

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Salvador Rodrigues Gonçalves nasceu em dez de dezembro de 1931, em

Concórdia, então distrito de Cruzeiro, atual Joaçaba. Seus pais, Pedro Gonçalves e

Maria Rodrigues, ambos de origem cabocla, conheceram-se em Nonoai, mas

moraram por muito tempo em um local conhecido por Toldo dos Bugres, em

Chapecó, vindo, mais tarde, para Concórdia. Seu pai, Pedro Gonçalves, teve sete

filhos de um primeiro casamento, dois quais Salvador conheceu apenas três, sem

se lembrar, atualmente, do nome de nenhum. Da união com Maria Rodrigues, sua

mãe, nasceram Silvia, Vitória, Aparício, Gumercindo, Manoel, Artur e Salvador.

Quando Salvador estava com seis anos de idade, sua família foi morar no

Faxinal dos Guedes, em Santa Catarina, mudando-se de lá para Porto União para

retornar, novamente, à Concórdia. Em 1948, aos dezessete anos de idade, Salvador

Gonçalves conheceu a atividade balseira, quando foi convidado para tal, por

Aparício, seu irmão, que já fizera três viagens, por um primo e pelo o dono da balsa,

Nelson Arns. Na ocasião, o rio estava cheio e a balsa, pronta, faltando apenas um

cozinheiro, Salvador, tranqüilizado pelos companheiros, prontificou-se a seguir

viagem. A balsa partiu do porto de Rancho Grande, próximo à Concórdia, com cento

e vinte toras de madeira de grápia e vinte quatro de dúzia de tábuas.

A primeira situação que ensejou forte medo a Salvador foi o ressorjo do Uvá,

em Itá, onde as balsas eram tradicionalmente sugadas. Por isso, era necessário

passar muito próximo ao barranco do rio Uruguai, para desviar-se do redemoinho.

No decorrer da viagem, encontraram ainda ilhas, peraus e o Salto Grande, que

causou grande pavor ao balseiro neófito. Segundo ele, ao chegar nesse local, todos

soltaram os remos e agarraram-se às tora já que, devido à pressão da água, a balsa

foi fundou sob as água para, a seguir, retornar à superfície do rio.

Ao chegar a São Borja, Salvador permaneceu doze dias em cima das balsas,

aguardando o patrão que havia viajado até San Tomé, na Argentina, para vendê-las.

Salvador recorda, com certo exagero, que recebeu 3.000$000 (três contos de réis)

por dia, o que representava uma grande quantia. Com tal soma, poderia ter

comprado uma casa ou mesmo um carro, embora só tivesse visto automóvel em

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São Borja. Entretanto, a soma recebida foi aplicado de outra maneira. Para retornar

de São Borja, Salvador precisou pagar as despesas do irmão e do primo, que

tinham gasto o dinheiro em roupas e mulheres. O que sobrou foi gasto por Salvador,

aos poucos, conforme as suas necessidades e da família.

Apesar de ter recebido pagamento considerável, Salvador não queria fazer

outras viagens de balsa, procurando trabalho diverso. Assim sendo, foi contratado

como ajudante de pedreiro pela Prefeitura Municipal de Concórdia e seu salário

inicial era 2.200$000 (dois contos e duzentos mil réis) mensais. No município, que

se emancipara em 1934, estavam sendo construídas a praça e a prefeitura da

cidade. Salvador trabalhou nessas obras e em outras, pois ficou no emprego até

aposentar-se, em 1996.

Em quinze de dezembro de 1953, com 23 anos, Salvador casou-se com

Isaura, de 17 anos, que morava em Volta Fechada, localidade de Rio Novo (hoje

Aratiba/RS). Tiveram nove filhos: Aparício e Antoninho [falecidos quando bebês],

Derci, Geni, Gerci, Maria, João, Luiz e Ademar. Segundo ele, nunca mais conseguiu

reunir o montante de dinheiro que recebera na viagem de balsa. Para complementar

a renda familiar, Isaura trabalhava de empregada doméstica. Não possuíam casa

própria e moraram em residências pequenas para as necessidades da família.

Salvador recebeu um terreno, doado por Atílio Fontana, onde construiu a casa onde

vive atualmente.

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4.7 Selvino Prediger

Figura 34 – Selvino Prediger

Fonte: Acervo particular da autora

Selvino Prediger nasceu em 23 de janeiro de 1924 em Itá/SC. Era filho de Carlos

João Prediger, nascido em Arroio Seca (Estrela/RS), e Amanda Justina Kirinus, nascida

em Cachoeira do Sul/RS. Teve oito irmãos: Selma, Albano, Herta, Erna, Helmo, Arno,

Vilma, Gestrudes, Amanda e Carlos. Viveu sua infância na comunidade de Borboleta

Baixa, interior de Itá/SC, onde seus pais vieram morar em 1922. A família trabalhava na

agricultura, cultivando feijão, milho, mandioca e arroz. O pai de Selvino foi um dos

primeiros vereadores de Itá, após sua emancipação político-adminstrativa em 1956.

Segundo Selvino, sua avó materna, cujo nome desconhece, era judia, natural da

Palestina. Nos primeiros anos do século dezoito, devido a uma ocupação daquela

região pelos turcos, a família da avó fugiu pelo Mediterrâneo para a Europa. O navio em

que estavam com os demais tripulantes naufragou, sendo que apenas a avó e um

irmão salvaram-se, após ficaram cinco dias agarrados nos destroços do navio, sem

comer e sem beber, enfrentando as altas temperaturas do dia e as baixas temperaturas

da noite. Ao serem encontrados por um navio grego, foram levados para a Grécia, onde

a avó estabeleceu-se e terminou casando com um grego de sobrenome era Kirinos. Da

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Grécia foram para a França e, de lá, para a Alemanha, de onde viajaram para o Brasil,

estabelecendo-se em Cachoeira do Sul/RS.

Desde criança Selvino entrou em contato com a atividade balseira pois,

segundo ele, na localidade em que morava, vivia um caboclo de nome Marcelo

Soares que trabalhava no corte da madeira. Quando Selvino estava com 16 anos,

seu pai comprou um engenho de cana e, para pagar o equipamento, precisou

vender cedro. Cortaram quarenta e cinco cedros, vendidos por 2.500$000 (dois

contos e quinhentos mil-réis), que e pagaram o engenho de cana. A partir daí,

Selvino passou a trabalhar freqüentemente com balsas, já que, segundo ele, era o

único ramo de negócio que dava dinheiro.

Selvino conta que sofreu muito em sua primeira viagem, porque a água do rio

Uruguai baixou rapidamente e os trabalhadores não podiam parar de remar, pois

precisavam aproveitar a água disponível. O único local em que pararam foi em Porto

Lucena, próximo às corredeiras de Santo Ezidio e Santa Maria. Ali, a balsa ficou

atada por aproximadamente duas horas, único momento em que pode dormir. Foi

uma viagem de seis dias até São Borja, de muito sofrimento e cansaço. Depois

dessa viagem, continuou trabalhando na atividade balseira, fazendo

aproximadamente vinte viagens, em geral na função de prático.

Em 6 de junho de 1956, Selvino casou-se com Anni Kerschner, natural de

Igrejinha/RS. Tiveram oito filhos: Norma, Leonelo, Marlene, Helena, Leoni, Carlos, Sirlei

e Silvana. Permaneceram morando sempre em Borboleta Baixa, interior de Itá/SC

onde, após terminar a atividade balseira, montaram um viveiro de mudas.

4.7.1 Eu versus a onça

Naquela época eu tinha onze anos. Eu era um menino esperto, canela fina e, por

isso, corria muito. Olha numa corrida ninguém podia me alcançar. Então certa vez

minha irmã, que era casada com Paulo, pediu-me que eu fosse encontrá-lo na mata e

levá-lo pão. Meu cunhado e seu irmão tinham um rancho na mata, onde passavam a

semana inteira cortando as toras para, mais tarde, embalsar e vendê-las. Eu havia

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chegado da escola, então prontamente atendi o pedido de minha irmã.

Subi o morro tranqüilo, observando tudo ao meu redor. Eu era muito curioso e

observador. Lá em cima do morro as madeiras já estavam prontas para serem

arrastadas. Eu fui caminhando até que achei o rancho deles lá adiante. Era perto do

meio dia. Entreguei os pães ao meu cunhado pedi que me entregassem suas roupas

sujas para que eu pudesse levar para minha irmã lavar. Quando já estava pronto para

voltar eles disseram:

- Não. Já está perto do meio dia fique mais um poço conosco. Nós vamos

trabalhar só depois das duas horas, por enquanto vamos descansar e você pode ficar

por aqui.

Fiquei por lá, caminhei pelos arredores para conhecer um pouco do local. A

cabana deles ficava perto da estrada e eu aproveitei pra andar um pouquinho por lá.

Quando eram duas horas eles levantaram, começaram a afiar a foice e o machado e eu

peguei a mala com as roupas sujas e saí. Assim que comecei a descer o morro, percebi

que estava acompanhado. Eu já imaginei que era uma onça, mas não consegui ver,

porque quando uma onça está seguindo alguém ela não faz nenhum barulho.

Eu seguia caminhando olhando tudo, porque sempre fui muito curioso e ela me

acompanhando. Quando cheguei perto de um riozinho saí correndo em disparada e a

onça me acompanhando. Ela estava dentro do mato, distante de mim uns cinco metros.

De repente percebi que ela deu um pulo e a minha canela fina correu tudo o que podia

naquele dia. Eu nem sei como ela era, porque não consegui ver ela, de tanto que corri.

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4.8 Severino Aigner

Figura 35 – Severino Carlos Aigner

Fonte: Acervo particular da autora

Severino Carlos Aigner nasceu em 16 de agosto de 1932, em Itá. Era

descendente direto de alemães, pois seu pai era imigrante. Desde os oito anos de

idade, começou a auxiliar o pai nas tarefas relativas à sua idade. Cuidava de bois e

era ponteiro, pois seguia à frente dos animais indicando-lhes o caminho a ser

seguido. Orientava até quatro juntas de bois, utilizadas para o arrasto das madeiras.

Surgiu daí a paixão pela atividade que viria a desempenhar por longos anos de sua

vida.

Filho de balseiro conviveu desde a infância com o trabalho do pai,

juntamente com os demais irmãos Carlos, Nilo, Valdemar e Orlando. Segundo ele,

“naquela época esse era o único ramo de ganhar dinheiro”. Desde pequeno ficava

observando a movimentação do pai e dos peões, na preparação das balsas. Aos

doze anos, fez sua primeira viagem. A sensação que teve nesse dia foi indescritível,

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pois era um adolescente e pela primeira vez conheceria aquele de que ouvira falar a

vida inteira: o rio Uruguai.

Depois disso, Severino trabalhou nas mais variadas funções: foi raspador*,

ponteiro, cuidador de bois, arrastador de madeira do mato, amarrador de balsas,

balseiro e prático. Além disso, foi agricultor e criador de porcos. Quando terminou a

atividade balseira, trabalhou como distribuidor do ramo de bebidas. Com 26 anos,

casou-se com Libra. Severino a conheceu quando foi extrair madeira na terra dos

pais de Libra, em Anita Garibaldi, atual Linha das Palmeiras, município de

Xavantina/SC. Namoraram durante quatro anos e casaram-se em 1958. Tiveram

cinco filhos: Cleiton, Clademir, Clair, Clarice e Cleonice. Moraram em Linha

Borboleta Alta, município de Itá/SC, depois foram para Aratiba/RS, onde Severino

trabalhou em um comércio de bebidas. Somente em 1976 é que vieram para

Seara/SC, onde vivem atualmente. Em Seara montou um comércio de bebidas, que

rendeu recursos para garantir uma boa qualidade de vida à família.

O depoente lembra-se da atividade balseira com carinho. Para ele, esse

trabalho permitiu-lhe conhecer cidades e locais que nem imaginava existir, como o

Fórum de São Borja. Na região onde vivia não tinha rádio, jornal, nem escola.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A região Oeste catarinense caracterizou-se por um processo de colonização

tardia. Foi somente com o fim da guerra do Contestado, 1912-16, e a assinatura do

acordo de Limites entre Paraná e Santa Catarina, que as terras foram vendidas a

colonos descendentes de imigrantes europeus, vindos sobretudo do Rio Grande do

Sul. Até esta data, a região era habitada por caboclos, frutos de um processo de

miscigenação de etnias, que viviam de um uma economia de subsistência, baseada

na horticultura e coleta de erva-mate. A chegada dos ‘novos colonos’ expulsou os

caboclos para regiões mais afastadas. Eles tiveram, também, que trabalhar como

peões nas propriedades dos colonos rio-grandenses ou em atividades sazonais,

como o plantio, a colheita ou a exploração de madeiras.

O ‘negócio das balsas’ foi atividade que gerou grande volume de capital e

provocou o primeiro impacto ambiental na região do Alto Uruguai. A atividade

interrompeu-se há quase de cinqüenta anos. Sua história é hoje representada nos

palcos de teatro, no cancioneiro nativo e em contos da região. Sua maior

importância é que representou a principal fonte de renda para muitos trabalhadores,

alicerçando a economia regional. As principais categorias envolvidas no ‘negócio

das balsas’ comprovam essa afirmação.

Para os caboclos, a balsa foi uma opção de emprego e renda, necessária à

sobrevivência de núcleo familiar desprovida de terra. Depois de serem expulsos

pelas companhias colonizadoras das terras que ocupavam, os caboclos foram os

responsáveis pelas principais tarefas da atividade balseira, desde a retirada da

madeira da mata, até a guarda das balsas, na Argentina. Mesmo sendo bons

profissionais e conhecedores de todo o processo de produção, além de conhecerem

cada detalhe do rio Uruguai, como se fosse o seu próprio lar, raramente chegaram a

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melhor remuneração da atividade, ou seja, à função de prático. Ao caboclo sempre

couberam as menores remunerações, não permitindo que se capitalizasse. Com o

fim da exploração madeireira e envio de balsas à Argentina, restou a possibilidade

trabalhar como assalariado nas cidades, ou de peões e agregados dos granjeiros.

Os colonos descendentes de imigrantes europeus, principalmente italianos e

alemães, trabalhavam na atividade balseira para obter uma renda extra, para ser

aplicada na propriedade ou em outros negócios. Os agricultores cultivavam as

terras, colhiam os produtos e, quando das enchentes, seguiam com as balsas até a

Argentina, recebendo remuneração superior ao trabalho com a terra. Muitos, no

entanto, deslumbrados com as opções oferecidas na cidade de São Borja,

gastavam parte do pagamento por lá mesmo. Em geral, compravam-se engenhos,

ferramentas e equipamentos ou em alambiques.

A atividade balseira concretizou a possibilidade de acumulação de capitais

para os madeireiros, que compravam, em geral, as toras no mato, administrando a

retirada das mesmas e o processo de embalsamento. Por ocasião das enchentes,

os patrões seguiam por terra até São Borja, San To mé ou Uruguaiana para melhor

vender as balsas. Os rendimentos dessa atividade proporcionaram aos patrões

investimentos especialmente no comércio e na agroindústria. Era comum que

comprassem terras com madeira abundante, expropriando os pequenos produtores

e caboclos.

Ao contrário do proposto tradicionalmente, o ‘negócio das balsas’ negócio

arriscado e trabalho duro e perigoso. Os madeireiros tinham grandes perdas por

ocasião das secas, que impediam que a madeira seguisse pelo rio Uruguai. As

madeiras apodreciam à espera de uma enchente. Os balseiros arriscavam-se

durante as viagens rio-abaixo, devido à violência das águas, sofrendo chuva e frio,

sem dormir, alimentando-se mal ou passando fome.

A atividade balseira representou a principal fonte de renda para muitas famílias

da região, contribuindo para o surgimento de povoados à margem do rio Uruguai,

assim como de estrutura capaz de atender ‘necessidades’ dos trabalhadores que

desciam rio-abaixo, como casas de comércio e de prostituição. A atividade

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proporcionou o crescimento econômico de cidades do Alto Uruguai catarinense e

rio-grandense. O fim da referida atividade levou à decadência muitos desses

empreendimentos e a estagnação de algumas dessas cidades, especialmente

aquelas não se industrializaram.

A pesquisa pautou-se essencialmente em pesquisas bibliográficas e

entrevistas orais. Em muitas situações, foi necessário rever conceitos, contrapor

informações para descrever os fatos, como no caso dos relatos obtidos em São

Borja, onde dois trabalhadores envolvidos no passado no ‘negócio das balsas’

relataram que a madeira chegava ao Porto Saladero vendida. A informação

contrariou depoimentos anteriores que afirmaram categoricamente que a venda da

madeira era feita em São Borja ou San Tomé, na Argentina. Quanto ao destino final,

todos foram unânimes em afirmar que a madeira seguia para a Europa.

Muitos aspectos da atividade ficaram ainda por serem estudados, como a visão

e a função das mulheres de balseiro, seus receios, suas expectativas, seus ciúmes

e responsabilidades assumidas na ausência dos maridos. Outros assuntos a serem

aprofundados relacionam-se à quantificação de madeira, especialmente de cedro e

louro, retirados do Alto Uruguai, aos madeireiros e às vendas de madeiras.

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CRONOLOGIA

1720 – O bandeirante Zacarias Dias Cortes chega ao rio Chapecó

1723 - Zacarias Dias Cortes fez uma expedição da Vila de Curitiba para os

sertões do Sul

1750 – Tratado de Madri

1845 - Inauguração da Estrada das Missões ou de Palmas

1850 – Lei de terras

1853 – Criação do estado do Paraná

1889 – Concessão a Teixeira Soares para a construção da estrada de ferro São

Paulo-Rio Grande

1906 - Percival Farquhar recebe a concessão para a construção da Estrada de

Ferro São Paulo-Rio Grande . Inicia a construção no território contestado.

1910 – Término da construção da ferrovia em território contestado

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1912-16 – Guerra do Contestado

1914- 18 – Primeira guerra mundial

1916 – Assinatura do acordo de limites entre Paraná e Santa Catarina

1917 – Inicia o loteamento e a colonização das terras do Oeste catarinense

1920-1950 – Ciclo da madeira

1922 – Nascimento de Aloísio Lauxen

1925 – Nascimento de José Martins de Oliveira e Alexandre Bellani

1926 – nascimento de Cilfredo Artur Klein

1932 – Nascimento de Serevino Carlos Aigner

1934 – Emancipação político-administrativa de Concórdia/SC

1939-45 – Segunda guerra mundial

1941 – Criação do Instituto Nacional do Pinho

1944-45 – Não houve enchentes

1946 – Grande enchente

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1950 - Grande enchente

1965 – Decadência da atividade balseira

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GLOSSÁRIO

Balseiro – Trabalhador responsável pelo envio das balsas até a São Borja ou

Argentina, pelo rio Uruguai.

Bodegas – o mesmo que bar.

Capital – Lucro obtido com o trabalho de balseiro.

Carretão – Espécie de carroça, sem a caixa. Era puxada por burros ou por juntas

de bois.

Chamador de bois - Responsável pelo cuidado e alimentação dos bois no mato.

Defesa – Preservação da balsa, evitando locais perigosos.

Espia – Espécie de cabo que servia para atar a balsa e os remos, geralmente em

número de quatro.

Estaleiro – Suporte, geralmente de ferro, utilizado para perdurar as panelas.

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Faxinais – designações dadas a terrenos em que a vegetação era rala, por terem

sido anteriormente devastadas. Eram nessas clareiras abertas na mata, que os

caboclos desenvolviam sua agricultura familiar, especialmente as atividades

agrícola e pastoril.

Gravata - Nome dado ao nó, feito de cipó, que amarrado às madeiras, formavam as

balsas.

Lata – Espécie de vara de madeira colocada nas extremidades das toras para, após

atadas com cipó, formarem os pelotões.

Lancheiro – trabalhador que conduzia as balsas com lanchas pelo rio Uruguai.

Marretas – espécie de ondas, que se formavam no rio a partir da violência das

águas.

Pelotão – Subdivisão de uma balsa. Também conhecido por quartel.

Peraus – O mesmo que precipício, abismo.

Ponteiro – Seguia à frente dos bois, indicando-lhes o caminho a ser seguido.

Prático – Balseiro experiente, responsável pela condução das balsas pelo rio

Uruguai.

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Puxeirões – Trabalho coletivo; o mesmo que mutirão.

Quirera – É um subproduto do milho, que é quebrado e sem pele.

Rancho – Habitação rústica; casebre.

Raspador – Fazia a raspagem (tirava os galhos) da madeira.

Remorque – Várias balsas atadas umas as outras.

Redutos – Acampamentos que serviam de abrigo. Nesses locais reuniam-se

centenas de pessoas e eram, geralmente, chefiadas por um líder.

Ressorjos – Espécie de redemoinho que se formava no rio Uruguai, por ocasião

das cheias.

Sotaques – Pronúncia característica dos habitantes de uma determinada região.

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ENTREVISTAS

Cilfredo Arthur Klein - em 13/08/2004 – Concórdia/SC

Aloísio Lauxen – em 01/10/04 – Itá/SC

Severino Carlos Aigner – em 01/10/04 – Seara/SC

José Martins de Oliveira - 01/07/2005 – Concórdia/SC

Alexandre José Bellani - 14 / 11/ 2005 - Itá/SC

Afonso Pedebos - 02/02/2006 – São Borja/RS

Felipe Barreto - 02/02/2006 – São Borja/RS

Timóteo Ávila - 03/02/2006 – São Borja/RS

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Selvino Prediger – 01/05/2006 - Itá/SC

Carlos Francisco Minella – 01/05/2006 - Itá/SC

Salvador Rodrigues Gonçalves - 10/05/2006 - Concórdia/SC

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http://www.lainsignia.org/2001/noviembre/dial_008.htm .. Acessado em 14/11/2005.

http://www.portalbrasil.net/brasil_hidrografia.htm. Acessado em 27/10/2005.

http://www.riogrande.com.br/turismo/uruguai.htm. Acessado em 13/11/2005

www.soleis.adv.br/pinhoinstitutonacional.htm . Acessado em 11/11/2005.

http://www.espacoacademico.com.br/048/48carboni_maestri.htm. Acessado em

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http://vejaonline.abril.com.br. Acessado em 23/04/2006

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OUTRAS FONTES

Biblioteca Municipal de Concórdia – Concórdia / SC

Biblioteca da UnC - Concórdia / SC

Biblioteca da UPF – Passo Fundo / RS

Centro de Desenvolvimento Ambiental (CDA) – Itá / SC

Museu Histórico Municipal Hermano Zanoni – Concórdia/SC

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