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nortemédico REVISTA DA SECçãO REGIONAL DO NORTE DA ORDEM DOS MéDICOS / JULHO-SETEMBRO 2000 / ANO 2 Nº 3 / 1002$00 / 5. OO 4 TRIMESTRAL ISSN 0874 - 7431 MEDICINA FAMILIAR MÉDICOS ESTÃO SOBRECARREGADOS

nortemédicodicos. Cito, como exemplo, a suspensão de projec-tos que visavam atribuir a outros profissionais de saúde competências que só os médicos possuem e ainda a decisão

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  • nortemédicoREVISTA DA SECçãO REGIONAL DO NORTE DA ORDEM DOS MéDICOS ⁄ JULHO-SETEMBRO 2000 ⁄ ANO 2 — Nº 3 ⁄ 1002$00 ⁄ € 5.OO

    4T R I M E S T R A L

    ISSN 0874 - 7431

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    ANO

    3 —

    MEDICINA FAMILIAR

    MÉDICOS ESTÃO SOBRECARREGADOS

  • EDITORIAL

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    nortemédico

    As relações da Ordem dos Médicos com o PoderPolítico, seja qual for a respectiva origem partidá-ria, são, inevitavelmente, relações dialécticas de per-manente convergência e divergência. O resultadodepende, obviamente, da postura, dos métodos,das convicções e das capacidades dos interlo-cutores. Não sendo a Ordem dos Médicos umaorganização vocacionada para aceitar prebendas doPoder Político (como já aconteceu no passado re-moto e no passado recente) exige-se uma perma-nente postura de reivindicação de forma a cumpriros objectivos constantes do seu Estatuto.É este o posicionamento da SRN da OM, quer emmatérias que são da sua competência regional querem matérias de âmbito nacional, sujeitas à decisãodo Conselho Nacional Executivo da Ordem dosMédicos. Por isso foi recentemente apresentado àSenhora Ministra da Saúde um conjunto de pro-postas relativas à revisão da legislação sobre inter-natos, à revisão de normas relativas à prescrição demedicamentos e à revisão do Estatuto Disciplinardos Médicos e das competências da Inspecção Ge-ral dos Serviços de Saúde. A primeira destas pro-postas é agora publicada na nortemédico, enquan-to as outras foram já divulgadas em números ante-riores. Todas elas correspondem à expressão dosprincípios defendidos pelo CRN e, felizmente, edada a sua relevância nacional, são hoje propostasde toda a Ordem dos Médicos. Espera-se agora queestas iniciativas possam culminar em êxito, reflec-tindo, no plano prático, o tipo de relacionamentoque tem caracterizado os contactos do ConselhoNacional Executivo da Ordem dos Médicos com oMinistério da Saúde.

    Haverá, contudo, que ter em atenção que em ma-térias decisivamente importantes para a Ordem dosMédicos, não pode haver confusão entre cordiali-dade institucional e os resultados de negociaçõesque, afinal, traduzem a vontade, a convicção e acredibilidade dos interlocutores. Haverá, pois, quealargar a outras áreas conquistas recentemente ob-tidas pela Ordem dos Médicos e que foram desdesempre motivo de interesse dos actuais corpos ge-rentes da SRN. Refiro-me, por exemplo, à consa-gração do papel primordial da Ordem dos Médi-cos na verificação da qualidade técnica de unida-des privadas de saúde que prestam serviços noâmbito de hemodiálise e diálise peritoneal, medi-cina física e reabilitação, medicina nuclear, radio-logia, radioterapia, patologia clínica e anatomia

    patológica. Refiro-me, ainda, à consagração da ex-clusiva competência dos médicos em proceder àprescrição de medicamentos, com garantias de quea sua prescrição não é alterada nas farmácias e coma faculdade de, no caso de prescrição de genéricos,vincularem a respectiva dispensa, à indicação dolaboratório responsável pela sua produção.Mas se é verdade que os assuntos acima referidosaguardam resolução, certo é, que no que se refere aassuntos de natureza estritamente regional, exis-tem exemplos reais que indiciam o reconhecimen-to, de facto, das competências da Ordem dos Mé-dicos. Cito, como exemplo, a suspensão de projec-tos que visavam atribuir a outros profissionais desaúde competências que só os médicos possuem eainda a decisão histórica, do ponto de vista técnicoe político, da Senhora Ministra da Saúde, de satis-fazer o pedido do CRN para que a Ordem dos Mé-dicos passasse a integrar as Comissões de Acom-panhamento de unidades de saúde com novos mo-delos de gestão, como é o caso do Hospital da Fei-ra e da Unidade Local de Saúde de Matosinhos. Naverdade, e pela primeira vez no que refere a unida-des públicas de saúde, é reconhecida à Ordem dosMédicos o direito de intervir na avaliação da quali-dade dos serviços de saúde, como decorre do arti-culado e do espírito do Estatuto da Ordem dosMédicos e da Lei de Bases da Saúde. Pena é quenem tudo sejam rosas, como se verificará pelos re-latos desta Revista referentes ao Hospital do Con-de de Ferreira e que traduzem, numa palavra, asconsequências de uma política de saúde mental queparece destinar-se mais aos seus autores ideológi-cos que aos utentes rotulados de doentes psiquiá-tricos.

    Não posso terminar este editorial sem uma men-ção muito especial a alguém que é o mais antigo“dirigente” da Ordem dos Médicos. Refiro-me aoDirector de Serviços da SRN, o Sr. Fernando Allen,recentemente homenageado em sessão pública dosactuais corpos gerentes da SRN a que se associa-ram antigos dirigentes desta Secção. A Medalha quelhe foi entregue é um gesto mínimo para quem foi,é e será uma referência de honestidade, cortesia,abnegação e credibilidade da Ordem dos Médicos.Para que conste em forma de letra relevo o privilé-gio de ter podido agradecer, em nome de todos osmédicos do Norte, tudo aquilo que o Sr. FernandoAllen fez, faz e continuará a fazer pelos médicos da“Sua” Ordem.

  • AS Q UEIXAS SÃ O MUITAS : O S ESPECI-ALISTAS EM MEDICINA GERAL E FA-MILIAR SENTEM NA PELE O DESCO N-F O RTO D O S CENTRO S DE SAÚ DE, AANIM O SIDADE DE MUITO S ENFERMEI-RO S E A IMPACIÊNCIA D O S UTENTES.E NÃ O É TUD O : A FALTA DE RECO NHE-CIMENTO PELO TRABALH O DESENVO L-VID O NÃO FAZ DA ESPECIALIDADE UMAOPÇÃO ATRACTIVA PARA OS INTERN OSGERAIS, Q UE, AN O AP Ó S AN O , PRE-FEREM O UTRO S RAM O S DA MEDICI-NA. O RESULTAD O É O AGRAVAMEN-

    POLÍTICA DE SAÚDE4

    TO D O DÉFICE DE PRO FISSI O NAIS DAÁREA E A S O BRECARGA DE Q UEM ESTÁN O TERREN O . EM ENTREVISTA À nor-temédico, FÁTIMA O LIVEIRA DIS-CUTIU O S PRO BLEMAS DA ESPECIALI-DADE, REFLECTIU S O BRE O S DESAFI O SD O M O MENTO E APELO U À CO LAB O-RAÇÃ O C O M A SECÇÃ O REGI O NALN O RTE DA O RDEM D O S MÉDIC O S(SRN O M), Q UE Q UER SER U M APARCEIRA CO MBATIVA NA LUTA PELAMELH O RIA DAS CO NDIÇ ÕES DE TRA-BALH O D O S MÉDICO S DE FAMÍLIA.

  • FÁTIMA OLIVEIRA ESTÁ PREOCUPADA COM A FALTA DE ESPECIALISTAS EMMEDICINA GERAL E FAMILIAR

    -MÉDICOS ESTÃOSOBREC�RREG�DOS”

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    Gostaria de começar por pedir-lhe que des-crevesse as condições em que trabalham osmédicos da carreira de Medicina Geral e Fa-miliar, nomeadamente no que se refere a ins-talações, meios auxiliares e equipamentos,condições de higiene e segurança.Quando se fala em condições de trabalho, pensa-se imediatamente na estrutura física dos centrosde saúde, mas essa não é a única dimensão em jogo.A esse nível, é correcto reconhecer que já há umbom número de centros de saúde novos que foramconstruídos a pensar na necessidade de garantirum determinado leque de condições de funciona-mento, das quais eu saliento a estruturação do ser-viço em módulos com relativa autonomia. Masexistem ainda inúmeros centros de saúde que nãopossuem essas condições e funcionam em locaisimprovisados que não preenchem os requisitosmais básicos: as instalações são exíguas, os gabine-tes insuficientes, as salas de espera desconfortáveis,a acessibilidade inadequada. E há também centrosde saúde que, apesar de novos, não estãoestruturados como deveriam: alguns têm até umaspecto muito institucional, muito frio, quaseintimidatório, o que os torna inadequados à pres-tação de cuidados personalizados.

    No que toca aos equipamentos e meios auxili-ares de diagnóstico, qual é o ponto da situa-ção?De um modo geral, os centros de saúde estão razo-avelmente apetrechados. Mas a definição dos equi-pamentos essenciais depende da localização do ser-viço: no caso de uma unidade situada numa regiãobem equipada, com hospital e laboratórios próxi-mos, não faz sentido, tendo em vista uma gestãoadequada dos recursos disponíveis, que se concen-trem mais equipamentos. A situação já é outra seconsiderarmos os centros de saúde de zonas peri-féricas, em que a distância relativamente a hospi-tais e instituições prestadoras de exames comple-mentares de diagnóstico é significativa. A avalia-

    ção só pode ser feita caso a caso. Mas, de um modogeral, os centros de saúde vão tendo o equipamen-to necessário para cumprir a sua função.

    E em matéria de recursos humanos?Tanto em termos de pessoal administrativo, comem termos de enfermeiros, os recursos são muitoexíguos na generalidade dos casos. Já para não fa-lar do sector médico, em que o défice é ainda maisgrave. Mas o problema não reside apenas na faltade profissionais destes ramos: muito frequentemen-te, o que acontece é que não são se proporciona às

    EXISTEM AINDA INÚMEROS CEN-TRO S DE SAÚDE A FUNCI O NAREM LO CAIS IMPROVISAD O S Q UENÃ O PREENCHEM O S REQ UISI-TO S MAIS BÁSICO S.

    pessoas que estão no terreno um ambiente de tra-balho satisfatório. O médico nem sempre dispõeda colaboração necessária, quer por parte dos en-fermeiros, quer por parte do pessoal administrati-vo, para poder estar mais disponível para os seusutentes. Para que possa estabelecer uma relaçãosatisfatória com o utente, o médico tem de ser ali-viado nalguns aspectos burocráticos e administra-tivos. Há um mundo vastíssimo de situações queimpedem um maior rendimento dos médicos.

    A informatização dos centros de saúde podecontribuir decisivamente para a racionaliza-ção das tarefas e para a rentabilização dosrecursos. Que balanço pode ser feito dessamedida?A informatização dos centros de saúde já atingiuum patamar interessante: quase todos os centros

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    de saúde estão informatizados, o que oferece enor-mes vantagens. Uma delas é a possibilidade, aindapor explorar, de fazer uma correcção dos ficheiros,estimando com alguma exactidão, através do car-tão de utente, quais os utentes que realmente estãoinscritos nos centros de saúde. Essa contabilizaçãopermitiria programar melhor o funcionamento doscentros de saúde, porque uma gestão adequada dosrecursos implica um conhecimento mais rigorosoda população e das suas necessidades reais emmatéria de saúde.

    Enfermeiros nem sempre coope-ram

    Quais são as principais queixas entre os mé-dicos desta especialidade no Norte?A exigência dos utentes. Os utentes são muito agres-sivos na crítica, o que é, sem dúvida, uma conse-quência dos estímulos que lhes são fornecidos doexterior, nomeadamente pelos meios de comuni-cação social. A imagem que passa é a do profissio-nal irresponsável, negligente, desinteressado. Aspessoas ficam apreensivas, e essa insegurança geraagressividade. Resolver isto passa por uma campa-nha de esclarecimento: as pessoas têm de saber queos médicos só não fazem melhor porque as condi-ções não o permitem. Na Medicina Geral e Famili-ar, este problema sente-se com particular agudeza,devido à personalização do atendimento. Cada con-

    género. Também é muito vulgar o utente zangar-seporque o seu médico não lhe prescreve exames queno hospital lhe mandaram solicitar no centro desaúde. Ora essa não é uma atribuição do médicode família, nem é justo que os centros de saúdesejam sobrecarregados com tarefas que podem serresolvidas nos hospitais. No meio de tudo isto, outente vira-se contra o médico do centro de saúde,porque é com ele que se sente mais à vontade. Háainda outra prática que complica toda a situação:quando um utente sem consulta marcada vai a umcentro de saúde, é atendido por um administrati-vo, sem que haja intervenção de um enfermeiroantes de chegar ao médico. Ora, o administrativonão é obviamente a pessoa indicada para avaliarda necessidade do atendimento. Teria toda a lógi-ca que esse utente fosse previamente atendido porum enfermeiro. Só que, de há uns tempos para cá– e esta situação foi herdada do antigo Conselhode Administração da ARS-Norte –, começou uma

    O MÉDICO NEM SEMPRE DISPÕEDA COL�BOR�ÇÃO NECESSÁ-RI�, Q UER P O R PARTE D O S EN-FERMEIRO S, Q UER P O R PARTED O PESS OAL ADMINISTRATIVO .sulta acaba por ser polivalente em conteúdo e emnúmero, porque o utente transporta os problemasde outros elementos do seu agregado familiar. Essapolivalência é tremendamente desgastante para oprofissional, sobretudo porque o tempo é limita-do. Além do desgaste enorme das consultas pro-gramadas, há que contar também com outras soli-citações extra, como é o caso da consulta de ur-gência dos utentes do seu ficheiro e aquelas situa-ções, que não configurando propriamente uma ne-cessidade em saúde, são essenciais na vida dos uten-tes. É o caso da passagem de inúmeras declaraçõespara diversos fins, que constitui mais uma sobre-carga para o médico, que tem dificuldade em pro-gramar para hora e dia mais apropriados, sendo-lhe impensável negar esse atendimento, sob penade deteriorar uma relação de anos. Estas coisas ori-ginam muitos conflitos: a maioria das reclamaçõesnos centros de saúde deve-se a situações deste

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    campanha pela defesa da “dignidade” dos enfer-meiros que eu ainda não percebi muito bem ondequer chegar nem que razão a despoletou.

    Uma campanha que prejudicou a relação en-tre médicos e enfermeiros...Efectivamente. Até porque começou a advogar-seo direito do enfermeiro a uma actividade autóno-ma no centro de saúde, a que também se achoupor bem chamar “consulta” – o que, na minha opi-nião, é pernicioso, porque o conceito de consultatem uma abrangência que nada tem a ver com oatendimento da enfermagem. Tudo isto é muitograve: o enfermeiro não pode senão aplicar técni-cas conforme orientação médica. Se aspira a mais,deve ir frequentar o curso de Medicina... Aliás, oúnico responsável pela saúde dos doentes que cons-tam do seu ficheiro é o médico de família. E não éconcebível que ele seja responsável por um utenteque recebe, sem o seu aval, e mesmo sem o seuconhecimento, conselhos de saúde no mesmo es-paço físico. Os enfermeiros foram industriadosnesse sentido por chefias directas dos centros desaúde que, por sua vez, também eram orientadas

    estava enraizada, ou porque a própria prática dashierarquias de enfermagem continua a estimularno sector essa aspiração de autonomia e a contrari-ar os princípios definidos pela ARS-Norte, não hou-ve uma mudança real de postura. Mas julgo que daparte da enfermagem há já uma maior abertura emais disposição para cooperar.

    Qual poderá ser o papel da Ordem dos Médi-cos na luta pela melhoria das condições detrabalho nos centros de saúde? Gostaria quecomentasse em particular uma das propostaseleitorais da actual direcção da SRNOM: a elei-ção de um delegado em cada local de trabalhoque funcionasse como porta-voz junto da OM.Essa é uma tarefa que ainda não está acabada. Aideia foi exactamente esta: como é impossível àOrdem aperceber-se das problemáticas específicasde cada local de trabalho, tentou resolver essa defi-ciência criando a figura do delegado, que é eleitopelos seus colegas e funciona como interlocutordirecto da OM. Além disso, a SRNOM tem concre-tizado outras diligências, fazendo deslocar elemen-tos dos órgãos dirigentes aos locais de trabalho paradialogar com os colegas, nos casos em que há pro-blemas que têm vantagem em ser analisados in loco.Este é um trabalho que tem sido profícuo e quetem contribuído para corrigir certas anomalias.

    A SRNOM propunha também que a eleição dodirector do centro de saúde fosse feita pelosmédicos. Qual é a situação actual?Há um novo regulamento dos centros de saúde,ainda não em vigor, que já contempla em parte essemecanismo. O erro desse regulamento, neste capí-tulo, é a obrigatoriedade de eleição conjunta de umadirecção clínica constituída por um médico e umenfermeiro. Trata-se de uma regra inadmissível,porque a eleição pressupõe a apresentação de umprojecto para o centro de saúde, o que não deveser feito em conjunto com a enfermagem, pela di-ferença de especificidades. Como se trata de umadirecção clínica, cada grupo profissional deve vo-tar só no elemento da sua área. Isto é condicionar àpartida a eleição.

    Médicos de Família não chegampara as encomendas

    Na sua opinião, existe um défice real de espe-cialistas em Medicina Geral e Familiar ou ve-rifica-se apenas uma inadequada distribuiçãodos profissionais existentes?A falta de cobertura médica às populações inscri-tas nos centros de saúde é uma realidade na esma-

    O ÚNIC O RESP O NSÁVEL PELASA Ú D E D O S D O E N TES Q U ECO NSTAM D O SEU FICHEIRO ÉO MÉDICO DE FAMÍLIA.

    superiormente. Com o novo Conselho de Admi-nistração da ARS-Norte, as coisas mudaram umpouco, mas subsiste um hábito muito prejudicialaos serviços: a Direcção de Enfermagem dá ordensdirectas aos locais de trabalho, a ponto de as direc-ções dos centros de saúde, que são órgãos colegi-ais, se tornarem inoperantes. A articulação com aenfermagem acaba por ser difícil. E as direcçõesdos centros de saúde também são culpadas, por-que o desânimo acaba por fazê-las demitirem-sedas suas responsabilidades, sobretudo quando sedefrontam com estas barreiras estimuladas e pro-tegidas no exterior.

    A SRNOM chegou a denunciar casos de cen-tros de saúde onde os enfermeiros praticavamrealmente consultas mediante orientações quelhes eram dadas nesse sentido. Essa situaçãocontinua a verificar-se?Com a mudança do Conselho de Administraçãoda ARS-Norte, houve pelo menos uma mudançade princípios. Na prática, ou porque a situação já

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    gadora maioria dos casos. Existem nestas unida-des inúmeros utentes a descoberto – e que, lem-bre-se, têm igual direito à assistência médica. Opróprio ratio previsto por lei para os centros desaúde, que recomenda uma população de cerca de1500 utentes por médico, é desrespeitado: quasetodos os médicos têm um ficheiro mais volumoso.E mesmo os 1500 recomendados já são excessi-vos: bastava cumprir os programas de vigilânciaanuais e assegurar um acompanhamento razoáveldos idosos e dos adolescentes para já não seremsuficientes as horas todas do horário de atendimen-to do ano. E há a agravante de todos os inscritossolicitarem consultas nos centros de saúde. Osmédicos têm assim de assegurar não só o atendi-mento dos utentes do seu ficheiro, mas também aconsulta de recurso para os utentes sem médico defamília atribuído, que acabam por procurarfidelizar-se para não mudar sistematicamente demédico, o que, na prática, é equivalente a um au-mento do número de utentes sob a sua responsa-bilidade.

    Quais são as soluções possíveis para diminuireste défice?Desde logo, tornar a especialidade mais atractiva.Porque este panorama que lhe estou a traçar é co-nhecido dos médicos recém-formados, que, no seuinternato geral, fazem estágio em centros de saú-de. Das duas uma: ou o interno tem um perfil ex-cepcional que se adapta a este tipo de exigência,

    de. É urgente reconhecer o trabalho desenvolvidopelos profissionais desta especialidade, criar con-dições, dar importância à satisfação dos profissio-nais, porque sem ela não pode haver satisfação dosutentes.Uma das propostas constantes do programaeleitoral dos actuais responsáveis pela SRNOMpassava por “lutar por uma melhor adequa-ção do ensino pré-graduado ao exercício daMedicina Geral e Familiar”. Onde residem osdesajustamentos actuais?A experiência das faculdades com os centros desaúde é ainda muito curta. Os estudantes de Medi-cina já passam por alguns centros de saúde, mashá um princípio que está errado: os locais de está-gio são especialmente escolhidos para o efeito, oque proporciona uma visão deturpada do funcio-namento de um serviço deste tipo. Os estudantesacabam por não ter contacto com os problemas reaisda maioria dos centros de saúde. Por outro lado, aeducação médica ainda continua a insistir muitona especialização, orientando o médico para a pa-tologia e não para a visão do doente como um todo.Para quem escolhe outras especialidades, isto faztodo o sentido; para quem vem para a MedicinaGeral e Familiar, as coisas não são assim. E acabapor caber ao internato a responsabilidade decolmatar as falhas da formação pré-graduada.

    Mas até que se consiga estimular o interessedos internos pela Medicina Geral e Familiar,como é que se resolve o problema? O recursoa médicos estrangeiros e à realização de con-venções na área parecem-lhe boas opções?As convenções poderão ser um passo mais acerta-do do que o recrutamento de médicos estrangei-ros. Nesta especialidade, é ainda mais relevante osucesso na comunicação com o utente, de forma aestabelecer-se uma relação de empatia e confiança.

    O S MÉDICO S VÊEM A CLÍNICAGERAL CO M O UMA ESPECIALI-DADE TO D O-O-TERREN O .

    ou foge da especialidade. Que, além de não seratractiva, não é reconhecida como mereceria: ain-da há muito quem argumente que os médicos nãocumprem horários, que estão sempre com pressapara outras actividades. Mas só passam para a opi-nião pública as situações-defeito, que não consti-tuem regra. A regra são aqueles que se esforçam eque acabam por colmatar a falta de recursos nestaárea.

    De que forma será possível conferir mais dig-nidade ao estatuto desta especialidade?A questão não é conferir mais dignidade, que é algoque a especialidade possui por si só. O problema éque os médicos dos Cuidados Secundários vêem aMedicina Geral e Familiar como uma especialida-de todo-o-terreno, e o encaminhamento dos do-entes para estes cuidados contribui para a sobre-carga dos colegas das outras especialidades. Noshospitais, compreendem-se mal as condições deexercício da Medicina Familiar no centro de saú-de, o que influencia a atitude dos novos médicos,diminuindo a sua motivação para esta especialida-

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    Ora, os médicos portugueses, porque têm em co-mum com os seus utentes as suas raízes culturais,estão mais aptos a estabelecer uma comunicaçãomais adequadas, podendo assim melhor atingir osobjectivos propostos. Nas faculdades de Medicina,tem-se constatado que há jovens suficientementetalentosos que, se, no seu tempo de formação, fos-sem estimulados para esta área, ficariam menosreceosos e talvez já não recorressem a especialida-des hospitalares mais tradicionais e, portanto, commais garantias de estabilidade.

    AS CO NVENÇ ÕES PO DERÃO SERUM PASS O MAIS ACERTAD O D OQ UE O RECRUTAMENTO DE MÉ-DICO S ESTRANGEIRO S.E quanto às convenções?No que toca às convenções, há um obstáculo debase: é preciso médicos para elas... Se eles não exis-tem no terreno da especialidade para o centro desaúde, também me custa a crer que existam para aconvenção... De qualquer forma, ainda que não deum modo ideal, os centros de saúde estão a cum-prir a sua função, embora à custa de uma sobrecar-ga para os médicos. Convém não esquecer que,além da consulta de recurso, ainda há os Serviçosde Atendimento de Situações de Urgência (SASU),que também estão sob a alçada dos centros de saú-de. Aliás, os números das consultas de SASU nãoparam de aumentar em resultado da incapacidadedos centros de saúde para resolverem todos os seusproblemas, que vão sendo empurrados para os ser-viços de recurso.

    A entrada em funcionamento dos SASU veioacentuar o problema da sobrecarga dos médi-cos?A sobrecarga nota-se num cansaço maior: por ve-zes, o médico faz o seu atendimento programado,assegura o recurso, e ainda preenche horas deSASU. Mas o problema não é o SASU em si: é aforma como ele é frequentado. A maior parte dassituações que vão ter ao SASU deviam ser resolvi-das no centro de saúde. Só que o utente vai maisfacilmente ao SASU do que ao centro de saúde porvárias razões.

    A conveniência do horário...Sem dúvida. A acessibilidade aos SASU é muitomaior do que a centros de saúde, onde as consul-tas estão mais organizadas. E o tempo de esperanem é sequer muito significativo, até porque os

    médicos têm a preocupação constante de evitar aacumulação de utentes. Outra característicaapelativa é a certeza do atendimento: ninguém vaiembora sem uma resposta. Evitar esta procura des-necessária passa pelos responsáveis, que devemexplicar aos utentes as desvantagens do atendimen-to em SASU. Por outras palavras: os SASU estãosobrecarregados com situações para as quais nãoestão vocacionados. E esta é a maior problemáticados SASU. E há ainda um outro problema: os mé-dicos que fazem urgência em domingos e feriadostêm todo o direito a folga. E essa folga deve proces-sar-se na semana seguinte. O que vale é que, nor-malmente, os médicos não fazem essa exigência,caso contrário haveria alturas em que os centros desaúde seriam obrigados a fechar por falta de pro-fissionais disponíveis. Ao contrário do que se jul-ga, os médicos são pessoas de boa vontade e cola-boram na resolução das problemáticas dos servi-ços, caso contrário estes estariam seriamente com-prometidos.

    Autonomia do médico não podeser posta em causa

    No segundo número da Nortemédico, a minis-tra da Saúde afirmou que a “relação entre omédico e o doente se tinha quebrado um pou-co ao nível dos cuidados primários”. Pedia-lhe que comentasse esta afirmação.Infelizmente, tenho de estar de acordo com essaafirmação. A explicação para essa quebra reside emtodos os factores negativos que tenho vindo a refe-rir e que contribuem para o empobrecimento des-sa relação.

    Acha que essa relação tem piorado ao longodos últimos anos?Nessa perspectiva, sim. Direi melhor: tornou-semais difícil, devido aos obstáculos que se criaram.Um dos maiores obstáculos é a exigência dos uten-tes: os utentes têm muitos direitos. E têm direito atudo... Não percebem que os direitos de cada umesbarram nos direitos dos outros. Reclamam se al-guém lhes passa a frente, mesmo que realmente setrate de uma situação mais urgente. Ninguém lhesexplica até onde vão os seus direitos – e isso tam-bém compromete um pouco a relação.

    Apesar de reconhecer esses obstáculos, aSRNOM comprometeu-se a lutar pelo equilí-brio na relação entre o médico e o doente. Ali-ás, outro compromisso da actual direcção daSRNOM é a luta contra a degradação da qua-lidade dos actos médicos, insistindo nomea-

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    damente na fixação de um número máximode 1500 utentes por médico de família e tam-bém na recusa de qualquer tentativa de deter-minação arbitrária do tempo de consulta. Atéque ponto esta luta está ganha?É uma luta que nunca ficará ganha. As respostastêm de ir surgindo sempre que se colocam casosconcretos no âmbito destas problemáticas. Mas aOM só pode actuar se as situações anómalas foremdenunciadas, o que é uma responsabilidade dosmédicos. Tem de haver uma dinâmica de denún-cia. Os médicos não podem esperar que os seuscolegas da OM tomem a iniciativa sem um conhe-cimento aprofundado dos problemas. Temo-nosdeslocado a alguns locais para averiguar certas si-tuações concretas. Mas isso só é possível, e esse éum alerta que aqui deixo, se os médicos não dele-garem nos outros as suas preocupações. Não che-ga eleger representantes na Ordem: é preciso fazerchegar-lhe os problemas. Esta medida do delegadoé muito importante, mas não deve demitir os mé-dicos das suas responsabilidades de comunicar coma Ordem. Os médicos lucrariam muito mais se trou-xessem os seus problemas cá para fora bem alto.Isso permitiria desfazer algumas ilusões na popu-lação, que continua convencida de que é possívelfazer outro tipo de trabalho com os recursos queexistem. Se a realidade transparecesse mais, já nãoseria tão fácil que esta campanha de difamação dosmédicos fosse tão bem sucedida. Costumo dizerque já passou o tempo do Muro das Lamentações:agora temos de partir para a acção. E agir é exigirtambém que nos dêem condições. É verdade queas pessoas, enquanto se lamentam, vão desabafan-do – mas os médicos podem fazer esse desabafocom a Ordem, que terá sempre interesse em ouvirtodas as queixas dos colegas. Aliás, posso aprovei-tar para lembrar que, na terceira quinta-feira decada mês, a SRNOM promove um encontro paratroca de experiências destinado aos médicos de Me-dicina Geral e Familiar. Houve uma interrupçãopara férias, mas penso retomar este espaço emOutubro.

    A Ordem tem-se batido também por uma cla-rificação das regras do sistema remuneratórioexperimental, de modo a que a sua aplicação(que condiciona a adesão a determinados for-mulários terapêuticos) não comprometa a au-tonomia técnica do médico e desvirtue a rela-ção com o doente. Que balanço faz deste sis-tema remuneratório?A Ordem ainda não procedeu a uma avaliação for-mal do sistema remuneratório experimental: nestemomento, ainda não possuo elementos quer sobrea satisfação dos médicos, quer sobre o impactoobtido na eficiência dos serviços. Pelas informa-ções que me vão chegando, eu sei que há váriosníveis de descontentamento – e um deles até tem aver com pagamentos em atraso. No que diz respei-to aos protocolos, a situação não ficou esclarecida:não se percebe se a intenção foi deixar essa possi-

    bilidade nas entrelinhas e, em qualquer altura, usá-la como uma arma de coacção. Não estou senão afazer especulações... Isto não aconteceu ainda, maspode vir a acontecer.

    A verificar-se essa situação, considera que aautonomia técnica do médico seria posta emcausa?Claro. Isso não pode acontecer de modo nenhum.Mas foi esse o meu receio quando li as regras dojogo: isto é uma arma, porque faz depender a ma-nutenção dos médicos no sistema do cumprimen-to de um certo número de regras, o que equivale acolocá-los entre a espada e a parede.. Tenho, aliás,outras reservas: se a ideia foi estimular os médicos,proporcionando-lhes melhores condições físicas,recursos humanos e informáticos optimizados, eestímulos económicos, não percebo por que moti-vo não se testou o sistema em meia dúzia de cen-tros de saúde para comparar depois o seu rendi-mento com o daqueles que funcionam nos moldeshabituais. Neste momento, ainda não é possíveluma análise objectiva – e seria até interessante queos médicos que optaram por esse sistema fizessemchegar à Ordem as suas opiniões.

    Articulação com hospitais emalta

    Há pouco referiu as dificuldades de articula-ção entre centros de saúde e hospitais. Quebalanço faz dessas relações?Numa casa onde não há pão, todos ralham e nin-guém tem razão. A primeira tendência das pessoasque se sentem assoberbadas e incapazes de resol-verem os problemas é atirar as culpas para os ou-tros. Como é que se ultrapassa isto? Se as pessoasse conhecerem melhor. É o que está a acontecer.Da parte dos hospitais, já se sente uma compreen-são diferente dos problemas dos centros de saúdee um reconhecimento dos limites da suapolivalência. Nos centros de saúde também já há anoção de que os médicos hospitalares estão dispo-níveis para cooperar na resolução dos problemasurgentes de um utente. As reuniões que têm vindoa ser promovidas, inclusivé nos centros de saúde,e que trazem os médicos dos hospitais para con-versar sobre experiências profissionais ou discutirdeterminada patologia, têm contribuído para umatroca de experiências enriquecedora para ambas aspartes.

    No contexto da articulação entre hospitais ecentros de saúde, como avalia a experiênciados SASU?A articulação dos SASU com os hospitais tem sido,de um modo geral, bastante positiva. Os SASU ali-viaram os serviços de urgência daquelas situaçõesque estão dentro do âmbito do atendimento emcuidados primários. De um modo geral, os utentestransferidos para as urgências hospitalares, sem-

  • nortemédico Texto Inês Nadais • Fotografia António Pinto

    pre com carta de referência, são aqueles que ne-cessitam de cuidados de outras especialidades ouque exigem exames auxiliares de diagnóstico espe-cíficos. Claro que, pontualmente, dá-se um ou ou-tro desentendimento. Mas é raro: além de situa-ções pontuais, quer de muito boa quer de má arti-culação, não tenho um conhecimento geral maispormenorizado. Também aqui seria importante quenos fosse dada uma visão objectiva das dificulda-des desta área por parte dos colegas.

    O S MÉDICO S DE FAMÍLIA PRE-CISAVAM DE DISP O R DE MAISTEMP O PARA ACTIVIDADES DEFO RMAÇÃ O – O S 15 DIAS Q UEESTÃ O PREVISTO S NÃ O SÃ O SU-FICIENTES.

    Formação continuada é indis-pensável

    A formação continuada é uma necessidadeparticular em Medicina Geral e Familiar?Sem dúvida. É uma necessidade de todas as espe-cialidades, mas que se sente de forma mais agudanesta área, em que faz falta uma formaçãomultifacetada e polivalente. Convém não esquecertambém que outra das vantagens da formação se-ria o alívio da sensação de isolamento que a maio-ria dos colegas experimenta na prática diária daMedicina Familiar.

    Em que moldes poderá processar-se essa for-mação?Os serviços terão de desempenhar o papel princi-pal. A OM também pode actuar, nomeadamenteno levantamento das necessidades dos colegas daárea. E a intervenção das Regiões e Sub-regiões deSaúde é nuclear – para já, vão proporcionando umaformação adequada. Mas também é preciso que opróprio centro de saúde tome essa tarefa em mãose se preocupe em perceber quais os assuntos con-cretos que os colegas gostariam de ver abordados.No meio de toda esta problemática de falta de re-cursos, o problema é que não sobra tempo paraisto: é complicado libertar gente para a formação.Os médicos de família precisavam de dispor de maistempo para actividades de formação – os 15 diasque estão previstos não são suficientes.

    Uma especialidade “aliciante”

    Que balanço faz da actuação do Colégio daEspecialidade?O Colégio ainda está a começar, é muito cedo parafazer um balanço. Aliás, os colegas têm estado muitoocupados com situações que herdaram dos mem-bros anteriores, de que são exemplo os pedidos deverificação de idoneidade, o que atrasa um poucoo desenvolvimento das iniciativas que preconizam.De resto, conheço as pessoas, sei que não lhes fal-tam ideias e vontade de avançar para o terreno, deforma a sentir os problemas dos colegas. O Colé-gio está bem entregue: os dirigentes estão atentosaos factores que podem fazer retroceder os avan-ços da Medicina Geral e Familiar, como é o caso daentrada de médicos estrangeiros nos centros de saú-de. Confio neles.

    Antes de terminar esta entrevista, pedia-lheque reflectisse sobre o papel específico daMedicina Geral e Familiar numa fase de evo-lução científica em que a ultra-especializaçãoé a nota dominante.Exactamente porque a Medicina se ultra-especi-alizou é que a especialidade de Medicina Geral eFamiliar faz cada vez mais falta. O utente vê-se con-frontado com um médico que só acompanha umaárea cada vez mais diminuta do seu organismo – esente, por isso, necessidade de colocar os seus pro-blemas a alguém que os articule e que possua umavisão do todo, até para efeitos de medicação... Poroutro lado, só o médico de família pode articularas queixas dos utentes com as dos seus familiares,construindo assim uma visão transversal dos pro-blemas de saúde da família. Há uma relação que seestabelece entre o médico e os agregados familia-res, o que pode ser pernicioso para os médicos,que acabam por envolver-se muito nos problemaspessoais dos utentes. Mas as coisas melhorarammuito desde a criação da especialidade. .

    Quais são então as qualidades que deve pos-suir um bom médico de família?Não são precisas mais qualidades do que aquelasque se pedem a qualquer pessoa. É preciso algumhumanismo... E gostar de comunicar com gente,como, aliás, em qualquer ramo da Medicina quefaça consultas e lide directamente com os doentes.Para os mais novos, apesar de todos os problemas,julgo que pode constituir uma especialidade alici-ante. Até porque permite, mais do que qualquerespecialidade hospitalar, uma dinâmica própria emargem de manobra para iniciativas pessoais.

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  • BERÇO DA PSIQUIATRIA PORTUGUESA

    12 INSTITUIÇÕES

    O Hospital do Conde de Ferreira sempre foi, ao longo detoda a sua rica história, uma unidade hospitalar de referên-cia, especializada na prestação de cuidados de Psiquiatria eSaúde Mental, com mais de um século de funcionamento,prestando cuidados de saúde a um denso grupo populacional,abrangendo hoje uma área de intervenção constituída teori-camente pelas freguesias da parte oriental da cidade do Por-to e por diversos concelhos limítrofes, mas na prática co-brindo, de facto, as carências organizativas e técnicas de to-dos os distritos do norte e centro de Portugal.A actividade assistencial que tem vindo a desenrolar-se en-volve as várias componentes da moderna intervenção psi-quiátrica e estende-se pelas áreas do internamento, consultaexterna, ambulatório, hospital de dia, psiquiatria de ligação(apoio aos hospitais do Porto, particularmente Hospital deSanto António e Hospital de S. João, este ao nível do Serviçode Urgência, psiquiatria consiliar, privilegiando com especi-al atenção a ligação aos centros de saúde, apoio aos médicosde família, apoio psicossocial no ambulatório, apoio aos es-tabelecimentos prisionais, apoio aos tribunais através doServiço de Psiquiatria Forense.Outras actividades que sempre mereceram a atenção e o ca-rinho do H.C.F. expandiram-se pelas áreas do ensino, da in-vestigação, do apoio às diversas academias, promovendosempre a difusão da cultura pelos campos da medicina epelos campos das humanidades, muito particularmente nasvertentes psicológica e filosófica.São estas as cores da sua história. Os homens que a escreve-ram foram sobretudo anónimos que dedicadamente empres-taram ao bem comum o que de melhor Deus lhes tinha dado.Seria porém injusto não recordar neste memorando as pes-soas que plantaram no chão do Porto o majestoso edifício eque plantaram no chão da história o mais rico e importantehospital português dedicado às neuro-ciências. São estes os

    nomes primeiros: Joaquim Ferreira dos Santos (Conde deFerreira), António Maria de Sena, Júlio de Matos, Magalhãesde Lemos, Maximiano Lemos. Para eles o nosso profundorespeito.

    Recordando a história recente. Setembro de 1995.Com a publicação do Dec. Lei nº. 232/95 iniciou-se um pro-cesso de intenção (quer por parte do estado, quer por parteda Santa Casa da Misericórdia do Porto) de reprivatizaçãodo Hospital do Conde de Ferreira, tendo o Conselho deAdministração sido substituído por uma Comissão de Ges-tão, constituída por sete elementos: três representando a SantaCasa da Misericórdia do Porto, três representando o H.C.F.(oex conselho de administração) e ainda o então Presidente daAdministração Regional de Saúde do Norte que presidia àreferida Comissão. Este órgão teria como objectivo a regula-ção e o acompanhamento do processo de devolução do hos-pital à Santa Casa da Misericórdia, processo que haveria deestar concluído (segundo o diploma em apreço) em 31 deDezembro de 1995, já que a privatização estava decretadapara ter início formal em 1 de Janeiro de 1996.Conhecidas alterações políticas no país, ocorridas no fim de1995, conjugadas com idênticas alterações verificados nagestão da Santa Casa da Misericórdia do Porto a partir deDezembro do mesmo ano, provocaram uma demissão fun-cional das entidades que estavam a conduzir o referido pro-cesso de privatização. Entre 1 de Janeiro e 12 de Agosto de1996 o Hospital do Conde de Ferreira viveu uma situaçãode grande instabilidade funcional, já que o hospital existia efuncionava, era nomeadamente suportado por duodécimosdo O.G.E., mas legalmente estava de facto privatizado desde1 de Janeiro de 1996, sem estrutura de gestão legalizada esem quadro de pessoal.Esta situação, semelhante a uma “realidade virtual”, de atri-

    PRO F. CARLO S M OTA CARD O S O

  • HOSPITAL DO ONDE DE FERREIRA

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    e terapêutica, face aos condicionalismos indicados, sobretudo ten-do em conta a enorme diminuição de efectivos.No aspecto económico-financeiro, partindo de um orçamento dereceitas restritas, suportado fundamentalmente pelo chamado “sub-sídio de exploração”, também ele reduzido, elaborou-se e impri-miu-se uma gestão orçamental dos custos, limitada ao estritamen-te necessário à manutenção do normal funcionamento do hospi-tal, estabilizando ou reduzindo mesmo, comparativamente a anosanteriores, a percentagem do orçamento de compras, sem dimi-nuição acentuada da lotação, procurando manter um equilíbriofinanceiro que as restrições orçamentais exigiam.Os resultados obtidos nos finais de 1996 poderiam ser considera-dos normais, sobretudo se comparados com anos anteriores, ten-do evidentemente em conta uma gestão tão condicionada como arelatada; este facto permite-nos concluir pelo cumprimento do ri-gor orçamental, aliás sempre exigível, para um desempenho ondea afectação de recursos económicas, humanos e materiais se limi-tam, como no caso presente, ao conceito de “gestão corrente”.A tutela foi insistentemente alertada para a degradação que se per-filava no horizonte, tendo em conta a lamentável indefinição eirresponsabilização que envolvia o processo do “Conde de Ferreira”.Sentia-se que muitos responsáveis políticos não tinham e não têma menor sensibilidade em relação à bondade das intenções daque-les que defendem ainda a pertinência dos hospitais psiquiátricosem Portugal, embora evidentemente reconvertidos.É então neste cenário que começa o desmantelamento da institui-ção, primeiro no plano formal (perda da sua personalidade jurídi-ca ficando na dependência do Hospital de Magalhães de Lemos),depois no plano clínico com a desvalorização e indiferenciação dohospital (o exemplo mais flagrante foi o encerramento do serviçode toxicodependência, meses antes vivamente elogiado por algunsdos mais categorizados técnicos ligados ao sector).A gravidade da situação a que se chegou no plano clínico, o climade suspeição que grassa por todos os lados, a indecisão e desorien-tação da S.C.M.P., a grave responsabilidade do estado em todo estelamentável processo e, sobretudo, o espectro do trágico vazio queseguramente virá no “dia seguinte”, impõe que a Assembleia daRepública aconselhe o governo a revogar o diploma da privatizaçãodo HCF, restituindo à instituição a autonomia e a personalidadejurídica que caracterizaram a sua história nos últimos vinte e qua-tro anos. Só por ignorância ou manifesta má fé se argumenta que épossível (resta saber se é legítimo), colocar os 250 doentes de evo-lução prolongada nas suas famílias, em lares, ou em apartamentosadquiridos para o efeito.Ciclicamente são difundidas informações, incorrectas umas, falsasoutras, respeitantes às alternativas que o estado e as instituiçõesprivadas põem à disposição dos cidadãos quando o H.C.F. deixarde garantir a cobertura das áreas que legalmente lhe estão atribuí-das no âmbito do Serviço Nacional de Saúde. Quem acredita queGaia, Valongo, Vale do Sousa, Bragança, Travanca e Ponte da Pedratenham a curto prazo condições para servirem de alternativa ao“Conde de Ferreira”?Convém aliás vincar que, não obstante o espantoso avanço no cam-po psicofarmacológico observado nos últimos anos, continuam asobrar, infelizmente, muitas situações para as quais a única res-posta sensata se resume à protecção do doente no terreno físicohospitalar. O resto, bom o resto são meias verdades e a meia verda-de distingue-se muito mal da demagogia!

    buições e competências diluídas numa Comissão Mista que só exis-tia no papel mas que na prática não funcionava, acabou por ser dealguma forma corrigida com a publicação do Decreto-Lei n.º 126/96, de 12 de Agosto, que veio suspender até 31 de Dezembro de1996 a vigência do Decreto-Lei n.º 232/95, restituindo ao Conse-lho de Administração do Hospital do Conde de Ferreira poderesinstitucionais de gestão financeira e funcional.Toda a actividade desenvolvida entre 13 de Agosto e 31 de De-zembro de 1996 vida a reflectir-se no clima de instabilidade verifi-cado a partir de 13 de Setembro de 1995.De facto, o Conselho de Administração herdou um hospital quetinha estado privatizado, nomeadamente sem orçamento aprova-do, mas também agora com uma perspectiva de funcionamento aprazo, sem qualquer projecto ou plano de actividades delineado,na medida em que os próprios objectivos estratégicos estavam li-mitados à reprivatização ao fim de cinco meses e por isso o funci-onamento restrito ao conceito de simples manutenção.Foi um período sem linhas programáticas que apontassem o ob-jectivo final do seu funcionamento, com sucessivos adiamentos deorientações tutelares, política e funcionalmente incapazes de defi-nir a forma do processo de transição e a estrutura a legar à SantaCasa da Misericórdia do Porto.A instabilidade funcional do hospital viria a ter repercussões nanormalidade do funcionamento, sendo a mais evidente a instabili-dade sócio-profissional gerada na globalidade dos técnicos de saú-de e demais funcionários do hospital, vivendo-se um período algoconturbado mas, fundamentalmente, assistindo-se a um esvazia-mento dos efectivos de pessoal do quadro, devido às inúmerassituações de reforma desencadeadas e mesmo à “fuga” de um enor-me número de funcionárias para outros serviços do Estado (no-meadamente chefias, por transferência e/ou concurso), situaçãodesencadeada por alguma precariedade do ambiente jurídico-fun-cional, e desconhecimento dos termos da futura transição.A situação quase atingiu pontos de rotura, nomeadamente no sec-tor administrativo onde, por exemplo, deixou de haver funcioná-rios com categoria de chefia, estando os serviços sob a responsabi-lidade de oficiais administrativos.Também ao nível da gestão dos recursos materiais, nomeadamen-te no que se refere às instalações e equipamentos, face à inexistênciade investimento e, tendo em conta a idade do hospital e a deterio-ração de algumas instalações, foi extremamente difícil manter oequilíbrio entre a funcionalidade dos serviços, o evitar da sua de-gradação, a própria imagem interior e exterior do hospital e o con-trolo das despesas de manutenção e conservação que eram e sãoelevadas.De realçar o espírito de grande elevação de todos os trabalhadoresda instituição, que apesar das brutais limitações acima explicitadasajudaram a garantir e a manter a dignidade dos serviços. Mesmona ausência de qualquer tipo de investimento financeiro e huma-no no hospital (situação aliás que já se vinha verificando de há unsanos a esta parte), o aspecto assistencial não foi descorado, namedida em que se procurou garantir ao longo deste período, onível de qualidade já atingido, nomeadamente na área dahumanização dos serviços, conseguindo-se manter a valência co-munitária e as unidades de cuidados diferenciados, tentando-senão deixar cair os indicadores de gestão, tais como a taxa de ocu-pação, a demora média, procurando-se mesmo aumentar o núme-ro médio de consultas e de meios complementares de diagnóstico

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    HOSPITAL DO CONDE FERREIRASECTOR MÉDICO

    Exmo. SenhorPresidente do Conselho Regional do Norte daOrdem dos Médicos

    Antes de mais, um cordial abraço e saudações amigasao Conselho a que preside.Aproveitando a disponibilidade que o Exmo. Colegame transmitiu em relação aos problemas do Hospitaldo Conde de Ferreira, aqui os venho expor sucinta-mente.Tais problemas vêm sendo vividos pelos médicos querepresento num registo angustioso de difícil descri-ção mas que, inapelavelmente, reverberam no actuarclínico quotidiano, envenenando também o trabalhode todos os outros técnicos e demais funcionários.Este penoso clima arrasta-se há perto de seis anos,em cescendo, fruto de um “diálogo” ambíguo entre aTutela e a Santa Casa da Misericórdia do Porto, ambasmovendo as suas peças num tabuleiro virtual comnebulosas regras de jogo, sob um “campo magnético”que varia entre duas polaridades: o “politicamentecorrecto” governamental de reprivatizar a todo o cus-to e os interesses, pouco claros, de uma Instituiçãoque em vez de expor os merecidos galões de benevo-lência multissecular, aparece mais propensa a mos-trar-se como uma “empresa” insegura, oscilando en-tre o propósito legítimo de reaver o que por direito/obrigação lhe cabe e os cumes das ondulações deopinião que, em cada ano que passa, ganhamfisionomias mutantes intra-institucionais.Todo este percurso culminou no Decreto-Lei nº 131/98, de 13 de Maio, por mim designado “Da incúriaem forma de Decreto-Lei”.Incúria porquê? Porque não ganha o merecimento deoutro termo um diploma que, oferecendo embora umafisionomia formal correcta, determina algo que a rea-lidade vem apontando como não crível: a possibili-dade de o Estado poder criar, no concreto e até finaldo ano 2000, espaços físicos que substituam os exis-tentes no Hospital do Conde de Ferreira para os do-entes agudos da área de intervenção deste e, menosainda, espaços adequados aos doentes crónicos (per-to de 300).Acresce que a política de desactivação até agora se-guida tem vindo a facilitar a saída de técnicos, comespecial relevo para os enfermeiros experientes, subs-tituindo estes por recém formados.Tudo isto desagua em insegurança, desmotivação,diminuição da qualidade de cuidados, pese embora aboa vontade de muitos, o que é um traço de caráctere não uma finura técnica.Em suma, a Tutela é, para a avassaladora maioria dosmédicos que represento, arguida de incúria ao per-mitir e até estimular tal situação.Como se tudo isto não bastasse e em directa conse-quência do diploma supra citado, a gestão do Hospi-

    tal está, desde 01/01/99, entregue ao Conselho deAdministração do Hospital de Magalhães Lemos, oqual, num exercício de duvidosa diplomacia, conse-guiu que a Ministra da Saúde aceitasse, excepcional eanormalmente, nomear um Conselho de Administra-ção de sete membros: os 4 do HML e os 3 da anteriorComissão de Gestão do HCF. Esta solução poderiaser um acto de bom senso se, o que não acontece, oHCF tivesse um Director Clínico em vez de um vogaldo Conselho de Administração. Um entre sete mem-bros... Não se esqueça que o HCF só desaparecerá (?)formalmente no final do ano 2000. Haverá aqui, porcerto, algo a ponderar...Enfim, aquilo a que há seis anos se configurava nohorizonte como pacífico, natural, justo, lícito e lógi-co, tranformou-se em algo contra o que há necessi-dade e dever de lutar.Ponto da situação actual:1. Deram já entrada na Assembleia da República as

    mais de 30.000 assinaturas contra a desactivaçãodo Hospital. Este processo já baixou à Comissão deSaúde que elegeu como Relator o nosso Colega, De-putado Dr. Roque da Cunha.

    2. Representantes da União dos Amigos do HCF fo-ram recebidos, em 24/03/99, na Assembleia da Re-pública, pelos partidos políticos.

    3. Tanto quanto me é dado saber, haverá intenção deouvir mais médicos e outras personalidades.

    Auxílio pretendido:Os bons ofícios desse Conselho Regional no sentidode conseguir uma posição do CNE que ajude a travarpoliticamente o processo de desmantelamento de umHospital centenário, indispensável e desejado pelapopulação.

    Porto, 29 de Março de 1999

    DR. BERNARD O TEIXEIRA C OELH O

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    Constitui a primeira um imperativo ético, desdeHipócrates, numa perspectiva técnico-centífica sinteti-zado no lugar comum que "O médico estuda até mor-rer", ou parafraseando Nuno Grande, "O médico quenão estuda uma semana, atrasa-se um mês; se não estu-da durante um mês, desactualiza-se um ano e, se estáum ano sem estudar, então, provavelmente, deixou deser médico"; o segundo alarga o seu horizonte a áreasafins ou não à vertente científica, destacando-se a ges-tão, administração, enquadramento jurídico, sistemas definanciamento, etc., presentes na actividade diária e,como tal, de exigência crescente quando pensamos oMédico integrado num sistema prestador de cuidadosde saúde (L. Harvey - Congresso Nacional de Medicina -Coimbra 2000).Definidos pela UEMS (União Europeia dos Médicos Es-pecialistas), como actividade voluntária, as pressões daSociedade, Sistemas Reguladores das actividades de Saú-de, Direitos dos Utentes, o Esclarecimento Informado,os "media" e toda a "entourage" que a informática demassas proporciona, exigem que a educação médica con-tínua (EMC) constitua uma "mais valia" no mercado deemprego, se não de uma forma ostensivamente positiva,pelo menos numa nuance velada aos profissionais quenão atestam curricularmente a sua formação contínuaou não a quantificam, levando-os a ser preteridos para odesempenho de determinados cargos, ou contratações(caso das Seguradoras).Destas premissas surge a ideia da quantificação dessaactividade de educação permanente, em créditos, nasmais diversas vertentes e imagens que a EMC possa as-sumir, desde o estudo/leitura em horas, às revisõescasuísticas, comunicações, publicações, assistência aCongressos ou frequência de Cursos ou Seminários, etc.,etc., etc.. Como consequência directa deste conceito, háque creditar, ou seja, definir o valor relativo em créditosque cada uma destas actividades proporciona. Por forçade necessidades, estes eventos ocorrem em Instituiçõesque na prática, tutelam o credor ou que promovem asacções de formação creditadas, daqui a necessidade detambém qualificar as Instituições formadoras, as Socie-dades Científicas, as diferentes acções de formação, etc.,por forma a proporcionar aos Médicos X créditos em Yanos, promulgando-lhe a capacidade profissional de con-tinuar a desempenhar a sua Especialidade.As Reuniões ou Congressos cuja frequência fornece cré-ditos permitiu criar nos promotores do processo (USA)um enorme lobby que se evidencia nos "mega-Congres-sos" onde se creditam dezenas de milhar de Congressis-tas, cuja organização é suportada por centenas de expo-sitores da Indústria Farmacêutica e Tecnológica, que aíencontram o escaparate ideal para a promoção dos seusprodutos, junto da potencial clientela finamente selecci-

    onada, muitas vezes sob a forma de Symposia paralelosque, embora não forneçam créditos, não deixam de in-teressar uma substancial fatia de presentes ou futurosutilizadores.Daqui ao conceito de "recertificação" vai um pequenosalto baseado na falácia de que "muitos créditos fazembons Médicos". A preocupação assim assumida da ne-cessidade de obtenção de créditos, de atestar uma apren-dizagem contínua a par e passo de um desenvolvimentoprofissional permanente levaram, em alguns Centros, àcompleta inversão do desiderato uma vez que, o tempodispendido nestas actividades pouco deixa para o de-sempenho prático, atraiçoando definitivamente a basede aprendizagem clínica de "saber de experiência feito"(Hans Hölm).Os mecanismos de pressão já mencionados e que nosUSA surgiram há mais ou menos trinta anos, necessaria-mente viriam a ter o seu simulacro na Europa como setem tornado patente nos anos mais próximos; de ummomento para o outro a Comunidade Médica Europeiaparece ter consciencializado e assumido uma práticamédica de segunda categoria, de menor qualidade edesactualizada, mesmo nos Países da Comunidade nosquais tradicionalmente é reconhecida uma Medicina deelevado coeficiente. Por orientação da UEMS são pro-movidos inquéritos à Educação Médica Contínua nosdiferentes membros, com obtenção de dados absoluta-mente dispares, desde a estruturação existente, àimplementação dos sistemas de creditação, passandopelas vertentes de voluntariado ou obrigatoriedade e soba ordem de quem; sente-se, no entanto, que de formacontrita, os diferentes sistemas se penitenciam pela suafalha, prometendo solenemente a criação, tão breve quan-to o desejado, do seu próprio sistema de creditação, àrevelia de uma análise objectiva da qualidade da Medi-cina que neles se pratica, por forma a que possam sertrocados entre si, com os restantes sistemas e vice-versa.Algumas Sociedades Científicas, nomeadamente as mai-ores, mais ricas e consequentemente mais influentes, logoviram no processo uma via para a liderança, assumindo-se autonomamente, como fiéis depositários da qualida-de seja das Instituições seja das acções de Formação, fa-zendo um verdadeiro "by-pass" às Organizações de Mé-dicos, legalmente instituídas como representantes daClasse (entre nós Ordem dos Médicos), regulamentadorasem cada Estado Membro, da prática médica. Tal escala-da é de tal modo flagrante que se impõe a necessidadede criar um organismo internacional, encarregue do câm-bio, equiparação e registo autenticado dos créditos quede todos os lados lhe são propostos, sob a égide da livrecirculação dos Médicos na Europa Comunitária; tal or-ganismo está já criado e em funções desde Janeiro dopresente ano, sob a designação de Conselho deAcreditação Europeia para a Educação Médica Contínua(EAC CME), como órgão da UEMS.

    EDUC�ÇÃO MÉDIC� CONTÍNU�:DESENVOLVIMENTO PERM�NENTE

    AINDA A PROBLEMÁTICA DOS CRÉDITOS

    DR. HERNÂNI VILAÇA

    OPINIÃO

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    nortemédico Fotografia António Pinto

    A problemática desenvolve-se em catadupa: "quem cre-dita quem" ... "quem deve financiar" ... "quem deve tu-telar" ... "papel das Universidades" ... " a indústria comoagente financeiro" ... "as Sociedades" ... etc..Alguns Países como a Holanda, abraçam a "recertificação"como se, de um momento para o outro, a qualidade dasua Medicina fosse posta em causa; outros, como o Rei-no Unido, legislam no mesmo sentido, aparentementeesquecidos do elevado coeficiente de desempenho queao longo dos anos se afirmou na comunidade científicainternacional. Outros ainda, como a França, produzemlegislação "para a gaveta", ou seja propõem a mudançapara que "tudo fique na mesma".Um facto a ter em conta diz respeito à dificuldade deharmonizar os sistemas europeus, dada a diferente reali-dade em termos de mercado de trabalho nos países queintegram os blocos nórdico (medicina predominante-mente socializada - sem desemprego médico), centro(medicina eminentemente privada ou convencionada -desemprego condicionado pela competição) emediterrânico (sistema misto - alguns países com eleva-da taxa de desemprego, como Espanha e Itália).Na discussão de todo este processo, pergunta-se qual aposição portuguesa e como compatibilizar a nossa reali-dade face aos caminhos ditados pela Comunidade; comojá tive ocasião de escrever em outro artigo de opinião,entendo que Portugal é, provavelmente, um dos paíseseuropeus mais próximos dos "desideratos" teóricos enun-ciados:• A formação pós-graduada em Portugal, é toda ela ba-seada em educação médica continuada, com uma avali-ação curricular anual (avaliação teórica) conjugada coma vertente de desempenho (avaliação contínua) culmi-nando numa avaliação final global a qual confere a Es-pecialidade; segue-se a inscrição no Colégio da Especia-lidade, órgão da Ordem dos Médicos, fiel depositária egarante da qualidade exigida.• A instituição e os seus diferentes Serviços, enquanto"formadores", são periodicamente sujeitos a verificaçãode idoneidade para a formação (idêntico a creditação),não de forma aleatória mas por uma "comissão de pares"como consignam as normas da UEMS (peer review).• Segue-se a carreira profissional numa sequência de anosdurante os quais a panóplia de interesses se vai concen-trando traduzindo áreas de interesse acrescido e investi-gação, determinando a frequência de Reuniões, Simposia,Cursos, avaliação de dados institucionais, numa pers-pectiva pessoal ou sectorial (auditoria interna), sua dis-cussão pública, comparação com dados idênticos deoutras Instituições ou históricos (auditoria externa), comresultados comunicados à comunidade científica, oupublicados em revistas científicas acreditadas, dados es-tes que progressivamente vão enriquecendo o seu"Curriculum Vitae"; nos Serviços, a experiência de cadaum vai sendo partilhada, sedimentando progressivamentenovas técnicas ou práticas, sob a vigilância, orientação e

    coordenação das respectivas chefias. Progressivamente onível de responsabilidade técnico-científico e humanovai-se incrementando, diferenciam-se outras áreas de or-ganização, planificação de objectivos, avaliação e gestãode recursos humanos e técnicos (desenvolvimento pro-fissional contínuo), inscrito nos dados curriculares e ava-liado em alíneas específicas contempladas nas normasque regulamentam os Concursos de Graduação da Car-reira Médica e pontuadas segundo um escalonamentode importância relativa (creditação).• Segue-se uma nova etapa, mais ou menos longa, até àpossibilidade de provimento em Chefe de Serviço, delugar vago; novamente é apreciado o Curriculum doCandidato, agora numa perspectiva mais organizacionaldo que técnica, de novo com valorização de diferentesalíneas, face ao desempenho de funções de administra-ção da unidade em que se integra. Conforme se verificanão há verdadeiramente hiatos nem de Educação Médi-ca Permanente nem tão pouco de Desenvolvimento Pro-fissional Continuado.

    À Ordem dos Médicos compete, no âmbito das suas com-petências, vigiar pela qualidade formativa ou assistencialdas Instituições, definir as estruturas "acreditadas" paraformar, promover acções de formação, organizar Reuni-ões de âmbito mais ou menos alargado e recolher noProcesso Individual de cada Médico, os relatórios críti-cos das acções de formação por ele frequentadas. Tal re-gisto é perfeitamente acessível a qualquer Médico emqualquer etapa da sua formação, em exercícioinstitucional ou prática livre, autorgando à Ordem dosMédicos a autenticação do seu envolvimento na forma-ção contínua ou desenvolvimento profissional.• Deve ainda a Ordem dos Médicos providenciar peran-te a entidade empregadora (Estado ou outros) pelo di-reito à Educação Contínua.• Deve ainda envidar esforços para que as despesashavidas com a formação possam gozar de bonificaçãofiscal, independentemente do seu regime de trabalho ouentidade empregadora.• Em conclusão entendemos que deve ser a Ordem dosMédicos o interlocutor previligiado com o Comité Euro-peu de Acreditação para a Educação Médica Contínua(EAC CME), sendo igualmente o garante do direito deexercício profissional dos Médicos Estrangeiros, atravésda sua inscrição, cumpridos os requisitos legais.A terminar não posso deixar de manifestar a minha es-tranheza face ao “purismo” e exigências europeus para oexercício do acto médico quando, flagrantemente, assis-te pacificamente à instalação e legislação de práticas semevidência científica, ditas "alternativas" e em franca ex-pansão "un peu partout"...

  • PARA UMA HISTÓRIA MÉDI�APORTUENSE

    AMÉRICO PIRES DE LIMA

    1 8 CULTURA

    Assim procedendo, espero estar sempre correcto, con-fiando alcançar, no final, uma vitória, no desafio inici-almente proposto!Neste caso concreto não farei nem uma crónica exaus-tiva da corporação, nem biografias completas dosintervenientes. Mas também não gostaria de procedera amputações importantes que levem à deformação dosperfis e do carácter das pessoas porque, afinal, foramesses traços singulares da personalidade de cada umdeles que eu me esforcei por pesquisar e relatar. Doque foi, ou é, comum, procurei passar ao lado.Porquê cometer a injustiça de falar somente dos Presi-dentes?! perguntarão!Não se trata de injustiça, mas de apenas um dos múl-tiplos critérios e limites condicionantes deste trabalho,neste local, neste espaço e tempo disponíveis! Referi-rei, aliás, muitos mais nomes para além dos Presiden-tes! Mesmo antevendo que este trabalho vai ficar pre-nhe de aspectos criticáveis, acho que vale a pena iniciá-lo: como um modesto, mas decidido contributo parauma futura e imprescindível, história, mais profundae mais desenvolvida, dos temas aqui aflorados, da Or-dem dos Médicos, e, mais concretamente deste Con-selho Regional.Seguro que estou de que muitos médicos actuais des-conhecem como surgiu a actual Ordem dos Médicos,

    DR. A. S. MAIA G O NÇALVES

    É sempre bom, para não dizer indispensável, começarpor explicar o porquê das coisas. Antes de tudo o mais,porque é um acto de boa educação, e respeito pelosleitores. Logo a seguir, porque assim se evitam, à nas-cença, mal-entendidos, ou até erros e conclusões apres-sadas, que são dois males perfeitamente dispensáveis.O que na verdade aconteceu, foi eu não ter tido a cora-gem suficiente para dizer "não" ao convite que me foidirigido pela actual Direcção da Secção Regional doNorte da Ordem dos Médicos (SRNOM) para elaboraras biografias dos médicos que, desde o começo daOrdem dos Médicos até hoje, desempenharam a pre-sidência deste mesmo Conselho (ou Secção) Regional.A vaidade tem destas coisas: tolda os espíritos, fazen-do-nos perder a lucidez.Mas, querendo ser justo, devo acrescentar que não foisó a vaidade a comandar a minha reacção! Ao concor-dar que era uma ideia interessante e louvável, acabeipor encarar o convite como um desafio, e aí, a minhacostela de antigo desportista, reagiu, pela afirmativa,aceitando-o! Ainda por cima este desafio vai, direiti-nho, ao que eu próprio, desde há algum tempo, andoa "batalhar", isto é: entendo que precisamos de quemcuide, estude, e estime, a História da Medicina e dosMédicos Portugueses.Deveríamos crescer e ser educados, na Escola comum,a ouvir e a conhecer os nomes e as respectivas bio-bibliografias, da pleiade de todos os médicos portu-gueses ilustres, que tantos foram (e ainda permane-cem "lá", à espera de quem os descubra)... como sepertencêssemos todos à mesma família! Deveria haverum projecto educacional verdadeiro e assumidamentepatriótico (não patrioteiro!), para que nunca fosse maisfácil conhecer os estrangeiros que os da casa!Para que conhecendo melhor os da casa, melhor nosconheçamos a nós próprios e à família a que pertence-mos, convivendo e dialogando, lucidamente, sobre oque verdadeiramente interessa e serve os elevados ob-jectivos de uma profissão simultaneamente tão peculi-ar, tão vulnerável, tão necessária e tão universalmenteimportante.Mas se a vaidade é uma coisa, o cumprimento da pala-vra dada é outra.Eis, pois, porque estou aqui, hoje, a dar início à taltarefa prometida, assumindo os riscos das vossas críti-cas e sentenças.Gostaria também de deixar bem expresso que tenhoperfeita consciência de que não sou historiador habili-tado: apenas aspiro a simples pesquisador e obreiro,construtor de frases de conteúdo e sentido, históricosverdadeiros, e trazê-las à vossa consideração.nortemédico Fotografia António Pinto

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    pensei que fará algum nexo começar por trazer umpouco de luz sobre esses primórdios, numa espécie deanamnese em busca dos antecedentes pessoais e fami-liares da mesma Ordem, ainda que restringidamenteao que se passou na cidade do Porto. Verão que sãocuriosos, cheios de interesse e, acima de tudo, únicos.Recordemos que o diploma (assinado pelo Presidentedo Conselho de Ministros A. O. Salazar) que legaliza aexistência da Ordem dos Médicos tem a data de 24 deNovembro de 1938, i.e: cento e treze anos após aoficialização do ensino da Medicina em Lisboa e noPorto, em 1825, o que é, confessemos, manifestamen-te tardio! (Mas se nos lembrar-mos que neste ano 2000ainda não fomos capazes de definir, ou melhor, de apro-var o que é um Acto Médico! então o que poderão osestrangeiros dizer de nós?!).Assim, a actual Ordem dos Médicos surge como umainstituição historicamente muito jovem: irá completarapenas 62 anos de idade, no penúltimo mês deste ano2000. Não é, pois, difícil de conceber que os médicosportugueses já muito antes de 1938 tivessem tentadoreunir-se e constituir-se associativamente! Aliás o artº.49º desse mesmo diploma, rezando como rezava:"São extintas as associações de classe médicas de Lis-boa, Porto e Coimbra, que constituirão os núcleos dassecções regionais da Ordem dos Médicos", é uma pro-va fiel de que naqueles anos já existiam, dispersos pelopaís, múltiplos núcleos associativos de classe médica,de inscrição, naturalmente, não obrigatória e comple-tamente desligados entre si, para não dizer cultivandouma certa rivalidade entre si!Na cidade do Porto, àquela data, a respectiva Associa-ção de Classe existente chamava-se Associação MédicaLusitana (AML) que foi o nome que, em 1914, a pré-existente Associação dos Médicos do Norte de Portugal(AMNP) justamente num esforço de alargamento dasua jurisdição e influência a todo o território nacional,reformulando os seus Estatutos, decidiu adoptar.

    Os Estatutos daquela AMNP estavam legalizados des-de o Alvará Régio de 19/V/1909 (ainda em tempo deMonarquia, gosto de lembrar!) enquanto os da sua su-cessora AML foram aprovados pelo Alvará de 31/12/1913.A sede social da AMNP estava instalada na Travessa daFábrica, nº6, onde também funcionou a AML até 1927,altura em que se mudou para a Rua Cândido dos Reis,nº74 - 1º.Um dos antecedentes mais vezes referido e, com justi-ça, reclamado para "honra e glória" da iniciativa portista(ou nortenha!) nestes propósitos associativo-profissio-nais médicos, foi, sem sombra de dúvida, a organiza-ção do I Congresso Nacional de Deontologia e Inte-resses Profissionais que se realizou, na cidade do Por-to, de 21 a 24 de Fevereiro de 1912, ainda sob o patro-cínio, portanto, da AMNP. Foi um acontecimentocharneira no movimento associativista da classe médi-ca em Portugal, porque dele resultou, para além deoutros aspectos positivos, a elaboração do CódigoDeontológico, verdadeiro "monumento de inteligên-cia" e "pedra-de-toque" da profissão médica.Para a elaboração desse Código Deontológico muitocontribuiu "o médico bom, probo e desinteressado, ocidadão exemplar e digno, o idealista realizador, Cân-dido da Cruz (de Ponte de Lima) que nos deixou, emhonrosíssima herança, esse dom precioso" e "ante cujamemória todos os médicos se devem inclinar reveren-temente".Mas, já muito antes daquelas datas, concretamente em1882, fora fundada na cidade do Porto uma respeitá-vel agremiação de médicos com o nome de SociedadeUnião Médica (SUM). De acordo com Maximiano Le-mos (um dos nossos mais prestigiados historiadoresda Medicina Portuguesa) a Sociedade União Médicapropunha-se alcançar 3 objectivos:1 - constituir um foco de instrução;2 - um Instituto de previdência e3 - um centro que presidisse às relações entre os médi-cos.Melhor explicação e melhor síntese, para definir os ob-jectivos de uma tal associação, não poderia haver!A primeira Assembleia Geral da SUM teve lugar emFevereiro de 1882 nas salas da Sociedade de GeografiaComercial do Porto.Salvo melhor opinião, esta Sociedade União Médicadeverá, pois, ser considerada como a primeira organi-zação da classe médica na cidade do Porto.Quem se debruça sobre a história médica da cidade doPorto (a capital do Liberalismo em Portugal) descobrefacilmente que, na segunda metade do século XIX, che-garam à maturidade intelectual, uma pleiade de indi-víduos médicos notáveis que imprimiram no meio cul-tural e social da cidade, uma actividade e efervescênciainvulgares, que deixaram marcas objectivas e indelé-veis.

    OS B OLETINS DA AMNPE DA AML, MUITO

    SIMILARES Q UER N OASPECTO EXTERIOR

    Q UER N OS ARRANJOSINTERIORES.

  • A simples enunciação dos seus nomes bastaria paracomprovar o que digo, tal é o prestígio e fama de queesses médicos ainda hoje, passado quase um século emeio, disfrutam entre nós!Podemos, com propriedade, dizer que os seus nomesconvivem hoje connosco: alguns, através do patrimó-nio construído, e muitos na toponímia da Urbe...Eram eles: Aires de Gouveia, Ricardo Jorge, MaximianoLemos, Júlio Matos, Magalhães Lemos, João Meira,Pedro Dias, Alfredo Magalhães, Azevedo Maia, MaiaMendes, Plácido Pinto, Almeida Garrett, etc., etc.A história desta SUM é, por isso tudo e muito mais, defundamental importância para a compreensão da his-tória da própria cidade do Porto, dos seus médicos,assim como da Medicina Portuguesa em geral.Interrompida desde 1886, a SUM entrou novamenteem exercício em Dezembro de 1893. As discussões en-tão travadas entre os grupos chefiados por AzevedoMaia e Ricardo Jorge apaixonaram profundamente aclasse médica do Porto e do Norte do País, dando lu-gar, mais tarde (em 1897), a uma cisão, origem da novacolectividade Sociedade de Medicina e Cirurgia doPorto (SMCP).Esta cisão levou à divisão da comunidade médica por-tuense, pelo menos durante algum tempo, em 2 gru-pos distintos! Através dos nomes dos médicos que apartir de então passaram a fazer parte de uma e daoutra destas duas Sociedades, poderemos, por certo,compreender a constituição e dinâmica dos gruposassim formados.Na antiga Sociedade União Médica permaneceram:Oliveira Monteiro, Sousa Maia, Alexandrino de Souza,Mendes Correia, Forbes Costa, Azevedo Maia, Maga-lhães Lemos, Agostinho Sousa, Silva Carvalho, DiasVale, Joaquim Urbano e Pina Vaz.Para a nova Sociedade de Medicina e Cirurgia do Portodeslocaram-se: Augusto Brandão, J. Dias d'Almeida,Carlos Lima, Alberto de Aguiar, Artur Maia Mendes,Tito Fontes, Morais Caldas, Clemente Pinto, Souza Oli-

    veira, Júlio Franchini, Roberto Frias, Agostinho doSouto, Ricardo Jorge, Alberto Ferrer de Sampaio, Luizde Freitas Viegas e Maximiano Lemos. Isto é (e curio-samente!): a esmagadora maioria dos então professo-res na Escola Médica ficaram do mesmo lado ... danova agremiação ... com Ricardo Jorge!Do outro lado (o de Azevedo Maia), o nome mais co-nhecido (sem menosprezo pelos restantes, naturalmen-te) terá sido (e curiosamente, também!) o de, a todosos títulos respeitável, Magalhães Lemos!Como todos sabem, por caprichos do acaso, e da pestebubónica declarada no Porto em 1899, Ricardo Jorgeviu-se obrigado a transferir-se, nesse mesmo ano, paraa Escola Médica de Lisboa, onde decorreu toda a suarestante e brilhante carreira.

    Desde 1939 até à presente data, o número total de mé-dicos que foram Presidentes da SRNOM é de 18. Al-guns (justamente metade) já não habitam entre nós.Mas, felizmente, com a outra metade ainda podemosconversar, e foi o que fiz com o maior prazer e apro-veitamento pessoal, pois foi para mim altamenteenriquecedor conviver e dialogar, por pouco tempoque tenha sido, com tantos médicos tão ilustrados eque, pelo seu exemplo de entrega e abnegação na de-fesa e dignificação da profissão médica, assim comodos interesses profissionais dos outros milhares de co-legas, foram (os que já faleceram) e são (os que aindaestão vivos) tão singulares e tão dignos do maior res-peito, consideração e estima, por parte de todos nós,os restantes!Porque seria impraticável falar-vos de apenas um decada vez, num tão reduzido número de oportunidadesdesta Revista, até ao fim deste mandato, terei de sermuito sintético e, de certeza, muito desigual(involuntariamente, claro) de uns para outros.Desta primeira vez (após esta, a meu ver, indispensá-vel introdução) falar-vos-ei do que foi o primeiro Pre-sidente do CRNOM: Américo Pires de Lima.Logo em relação ao primeiro devo confessar-vos a mi-nha surpresa e, ao mesmo tempo, a minha profundaadmiração! para não dizer perplexidade! Escolher, em1939, qual deveria ser o médico a chefiar a primeiraSecção Regional do Porto da Ordem dos Médicos nãodeve ter sido tarefa fácil. Nem da parte do "convida-do", convenhámos, em aceitar!Aliás, as palavras de Américo Pires de Lima, no seudiscurso inaugural, são disso denunciadoras: "É comverdadeira emoção e nítido sentimento das minhas res-ponsabilidades que ocupo este lugar. Não me pare-ceu lícito escusá-lo, dados os termos em que me foiintimado. Muito grato lhes estou, mas receio bem quese tenham iludido aqueles que, tão confiada e impru-dentemente, me alçapremaram até aqui. Presumiramde mais da têmpera do meu ânimo, aliás combalido eassolado, muito mais pelas neves da vida, do que pelasdos anos".Mas quando nos confrontamos com todo o curriculumdo Prof. Américo Pires de Lima, em 1939, somos leva-dos a crer que talvez nem tenha sido tão difícil teremalcançado as proximidades de uma unanimidade paraconcluirem pela justeza da escolha!

    EM 2 DE JANEIRO DE1931, A AML FOI

    OFICIALMENTE DECLA-RADA DE UTILIDADE

    PÚBLICA.

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  • Os dados biográficos de A. P. Lima (1886-1966) são,na verdade, extraordinários, e até servem para ilustrarem como os tempos vão, inexoravelmente, mudando:hoje não seria possível, penso, uma tão abundante acu-mulação de "pergaminhos".Nascido em Areias, Santo Tirso, a 23-II-1886, era omais novo de uma geração de irmãos que foram mes-tres insignes. Em 1911, com cerca de 25 anos de ida-de, licenciou-se, no Porto, em Medicina.Já aqui, A. P. Lima foi um homem de transição! Comotodos sabem, a Real Escola de Cirurgia (REC) foi fun-dada no Porto por D. João VI, em 1825, e "abrigada",precariamente, em instalações cedidas pela Misercórdiado Porto no seu Hospital de Santo António; após asreformas introduzidas pelo Matosinhense (de Guifões)Passos Manoel, em 1836, aquela REC passou a cha-mar-se Escola Médico-Cirúrgica (EMC); só após a re-volução de 5 de Outubro de 1910 a Escola passou aFaculdade de Medicina do Porto. Melhor ainda: sóapós o Decreto de 23 de Fevereiro de 1911, que pro-mulgou a respectiva Reforma do Ensino Médico.Estudante distinto, a sua Tese Inaugural (O Valor Higi-énico do Leite do Porto) obteve a classificação de 20valores. Nesse mesmo ano fez concurso para médicomilitar e, em 1915, foi incorporado na expedição aMoçambique. Como militar alcançou o posto de Te-nente-Coronel médico e foi louvado por 3 vezes, con-decorado com a Comenda da Ordem Militar de Aviz, ecom as medalhas das campanhas de Moçambique e daVitória.Em 1912 foi escolhido para 2º Assistente de ClínicaMédica da Faculdade do Porto. Em 1913 foi nomeadoAssistente de Ciências Biológicas, mais tarde 1º Assis-tente de Botânica, passando a Professor desta cadeiraem 1921.Desde 1935 a 1945 foi Director da Faculdade de Ciên-cias. A partir de 1920 leccionou também na Faculda-de de Farmácia, primeiro como encarregado de Cursoe depois como professor ordinário até 1942.Era também um excelente escritor, de reconhecidosméritos. Foi Presidente da Assembleia Geral e Vice-Presidente da Direcção da Associação dos Jornalistas.Publicou, entre outros, os volumes: "Pregar no Deser-to", "Na Costa de África", "Confissões a um FradeMouco", "Explorações em Moçambique" e "Micróbi-os".E assim somos levados a concluir que, em 1939, o 1ºPresidente da Secção Regional do Porto da Ordem dosMédicos, contava 53 anos de idade, era um médicomilitar (onde atingiu o posto de Tenente-Coronel) comcondecorações e louvores, Professor de Farmácia e Di-rector da Faculdade de Ciências.Fora escolhido, penso, pelo brilho da sua personagemna cena médica nacional, mas também porque já fize-ra parte dos corpos dirigentes da Associação Médica

    Lusitana, onde já demonstrara ser um intemerato de-fensor do prestígio do ensino superior da Medicina,mas também da Farmácia, assim como das justas rei-vindicações dos médicos.Daquele seu discurso inaugural, para além da referên-cia que fez ao colapso moral e económico da classemédica da época, também se podem tirar outros as-pectos emblemáticos daqueles tempos, e de algum in-teresse recordar, como, por exemplo: que a Farmáciaandava pelas ruas da amargura ("não existe sombra defiscalização séria"; "fabrica-se pomada mercurial queem vez de mercúrio tem grafite; comprimidos que emvez de um grama de sublimado têm dois ou trêsdecigramas; extratos de beladona com couves ou ou-tra coisa no género" e "pelo que respeita às especiali-dades estrangeiras, é, além de tudo mais, deprimentepara os nossos brios de nação civilizada, mas tratada eexplorada por traficantes estrangeiros, como um Paísde beócios") e ele um seu acérrimo defensor ("por ve-zes era um pouco duro ... pela sua voz e sua pena, eratemido por alguns sujeitos que procuravam ludibriar aopinião pública ou pescar nas águas turvas").A plétora médica ("o número de diplomados tem cres-cido vertiginosamente") e a consequente degradaçãomoral decorrente das misérias salariais que alguns pro-fissionais se viam forçados a aceitar era outro dos as-pectos mais realçados e altamente preocupantes.No entanto a sua opinião era que: "... a decantadaplétora, por enquanto, não passa de uma ilusão, e que,rigorosamente, demais são apenas os médicos maus".As instalações (“questão de honra" de todas as primei-ras direcções de todas as associações) tal como, aliás, omobiliário e a tesouraria, foram todos herdados daAML.Mas, se as instalações (na Rua Cândido dos Reis) eramexíguas, o mesmo não se poderia dizer dos saldos fi-nanceiros, já que Pires de Lima, no relatório de fim demandato, escreveu: "os fundos herdados da Associa-ção, somados ao fundo de reserva já constituído poresta Secção, possivelmente reforçados por um peque-no empréstimo, permitem encarar a hipótese da aqui-sição de uma sede própria condigna... velho sonho jáda Associação Médica", cuja concretização teve quepassar, porém, para a gerência seguinte.O mandato de Américo Pires de Lima foi, por impera-tivo legal, o menos duradoiro de todos: o artº 55º (eúltimo, por acaso) do próprio diploma legal impunha:"As primeiras entidades eleitas pela Assembleia Gerale pelas Assembleias Regionais terminarão o respectivomandato no dia 31 de Janeiro de 1940".E assim aconteceu.Depois que abandonou a presidência da Secção Regio-nal do Porto da Ordem dos Médicos, em 1940, o Dr.Américo Pires de Lima continuou, pois, a laborar e aintervir ainda durante bastantes mais anos.Faleceu, com quase 80 anos de idade, em 1966.

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    NOTÍCIASHOMENAGEM DA SRNOM AO

    SENHOR FERNANDO ALLEN

    NOTÍCIAS

    O Conselho Regional do Norte da Ordem dos Mé-dicos comemorou, no passado dia 7 de Julho, os50 anos de serviços prestados à classe pelo funcio-nário Fernando Jorge Ramos Allen, actual directorde serviços da Secção Regional do Norte da Or-dem. A ocasião serviu para lembrar um percursode meio século ao serviço dos médicos e tambémpara render homenagem à permanente disponibi-lidade que o Sr. Allen sempre dedicou à casa que oacolheu quando tinha apenas 17 anos de idade.Natural do Porto, Fernando Jorge Ramos Allennasceu a 17 de Março de 1932 e foi admitido comofuncionário da Secção Regional do Norte da Or-dem dos Médicos em Dezembro de 1949. Come-çou na carreira administrativa como praticante, efoi percorrendo os diversos degraus da hierarquiaaté atingir o posto de director de serviços, lugar aque foi promovido em Janeiro de 1980. Actual-mente com 68 anos, o Sr. Allen continua no de-sempenho das funções que desempenha há já duasdécadas.Mais de meio século passado sobre a sua chegada àOrdem dos Médicos, a instituição decidiu prestar-lhe uma justa homenagem pela sua dedicação àcausa dos médicos, numa cerimónia marcada pelodiscurso do presidente do Conselho Regional daOrdem, Dr. Miguel Leão, e pelas palavras de agra-decimento do homenageado.Fernando Allen:

    50 anos de serviços prestados à Classe nortemédico Texto Inês Nadais • Fotografia Arquivo O rdem dos MédicosPROTOCOLO DE CCOPERAÇÃO CULTURAL ENTRE A SRNOM

    E O CORAL DO ICBASA 8 de Junho de 2000, o Presidente da Direcção daOrdem dos Médicos - Secção Regional do Norte –Dr. Miguel Leão – e o Presidente do Coral do Insti-tuto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (CICBAS)– Dr. Pedro Guimarães Cunha – assinaram um Pro-tocolo de Cooperação Cultural para o Biénio 2000/2001, que «tem por objectivo institucionalizar deforma sólida as relações entre ambas as institui-ções». O protocolo «formaliza a vontade deenvolvimento conjunto na área cultural, recreativae de animação da Cidade e Área Metropolitana doPorto e Região Norte, abrindo uma linha de comu-nicação preferencial entre as duas instituições, nessesentido».Mediante a sua assinatura, «o CICBAS propõe-se:a) Informar antecipadamente a SRNOM das inicia-tivas que pretende organizar, permitindo um estu-do de eventuais possibilidades de envolvimento dainstituição e permitindo paralelamente um acom-

    Fotografia Ar q

    u ivo

    do

    CIC

    BAS

    panhamento assíduo da actividade do CICBAS eda sua capacidade de iniciativa.b) Está disponível para presença em qualquer ini-

  • ciativa de cariz cultural, recreativo ou de animaçãoque a SRNOM organize e na qual ache por bemincluir o CICBAS (excepto em caso de compromis-sos prévios já assumidos pelo CICBAS e inadiáveis).c) Disponibilizar-se a apoiar a organização de qual-quer iniciativa que a SRNOM levar a cabo com to-dos os meios ao seu alcance, desde que para talseja solicitado.d) Divulgar as iniciativas que a SRNOM decide le-var a cabo, independentemente de nelas intervirdirectamente.e) Publicitar o presente protocolo e apoio da

    SRNOM em cada uma das iniciativas que levar acabo».Em contrapartida, «a SRNOM propõe-se:a) Receber o plano de actividades do CICBAS, es-tudando nele possibilidades de envolvimento con-junto nas áreas cultural, recreativa e de animaçãoda Cidade/Área Metropolitana do Porto e RegiãoNorte.b) Propor actividades de conjunta intervenção cul-tural, recreativa e de animação da Cidade/ÁreaMetropolitana do Porto e Região Norte ao CICBAS.c) Apoiar a divulgação das actividades do CICBASna medida das suas possibilidades».

    SEMINÁRIO COMUNICAÇÃO SOCIAL E MEDICINA

    Na Casa do Médico, em 17 e 18 de Junho de 2000,realizou-se um encontro da Ordem dos Médicoscom profissionais da Comunicação Social especi-almente ligados à área da Saúde.Cerca de 20 jornalistas tiveram a oportunidade deouvirem várias palestras de dirigentes da Ordemdos Médicos e de várias outras individualidademédicas sobre temas que habitualmente mereceminteresse mediático e para os quais nem sempreexiste a melhor preparação dos profissionais da co-municação social.A Abertura esteve a cargo do Dr. Miguel Leão quedeu as boas-vindas e apresentou os objectivos doencontro.A primeira sessão teve como moderador o Dr. Ma-chado Lopes e como tema a “Estrutura e FunçõesExecutivas e Consultivas da Ordem dos Médicos”.Participaram os Drs. Gomes da Silva, Nelson Pe-reira e Mesquita Montes.

    Na Sessão II, sob moderação do Dr. José PedroMoreira da Silva debateu-se “O CódigoDeontológico e as Relações com a Comunica-ção Social” (Prof. Doutor Rui Nunes), “Negli-gência, Erro e Dolo (Drª Inês Folhadela),“Tramitação Disciplinar na Ordem dos Médicos”(Dr. Gonçalo Correia da Silva) e “Casos-proble-ma nas Relações dos Médicos com a Comuni-cação Social” (Drª Maria José Cardoso e Dr.Miguel Leão).No domingo, 18 de Junho, a Sessão III foi mo-derada pelo Dr. Machado Lopes. Teve como par-ticipantes o Dr. Miguel Guimarães (que abor-dou o tema “Prescrição e Liberdade de Prescri-ção”), o Prof. Doutor José Pedro Nunes (“Co-mercialização de Medicamentos”) e Drª Mariado Carmo Aguiar Branco (“MedicinaConvencionada: Condições de Acesso e Con-trolo de Qualidade”).Após o almoço decorreu um debate geral comintervenção dos jornalistas presentes, sob o tema“Os Médicos vistos pela Comunicação Social”.O evento terminou com a Cerimónia do Dia doMédico e entrega do Prémio Ordem dos Médi-cos 2000, a que se faz referência na página se-guinte.

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    SRNOM COMEMORADIA DO MÉDICO

    No dia 18 de Junho, pela segunda vezcomemorou-se o Dia do Médico. Inicia-tiva da Secção Regional do Norte, quecontou com a presença do Presidente daOrdem dos Médicos, visa fortalecer arelação entre as organizações vocaciona-das para o ensino pré-graduado e o de-senvolvimento profissional.Durante o evento, foi en