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NOTA TÉCNICA PROPOSIÇÃO: PL 6.726/16 (EXTRATETO) EMENTA: Regulamenta o limite remuneratório de que tratam o inciso XI e os §§9º e 11 do art.37 da Constituição Federal AUTOR: Comissão Especial do Extrateto, tendo relatoria no Senado da Senadora Kátia Abreu Senhor (a) Deputado (a) A Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB, entidade civil sem fins lucrativos, representativa dos interesses da magistratura em âmbito nacional vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, apresentar Nota Técnica ao Projeto de Lei nº 6.726/16 (PL do Extrateto), já aprovado no Senado (PLS 449/16), conforme argumentos que seguem. Visa o presente Projeto de Lei regulamentar o limite remuneratório de que trata o artigo 37, inciso XI e §§9º e 11, da CF/88, disciplinando, em diversos dispositivos, quais parcelas estariam ou não submetidas ao teto constitucional. Inicialmente, cumpre registrar que a iniciativa legislativa de regulamentar tais dispositivos da Constituição, revela-se absolutamente desnecessária, tratando-se de normas de eficácia imediata, que dispensam complementação por outras normas para terem plena aplicabilidade. Não apenas desnecessária, mas também inconstitucional, porque ao legislador não é dado editar lei para interpretar o que a outra lei disse. O Supremo Tribunal Federal tem recusado essa modalidade de lei, qualificando-a como “interpretação autêntica”, ou seja, interpretação da lei pelo próprio legislador, o que somente é dado ao Poder Judiciário fazer.

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NOTA TÉCNICA

PROPOSIÇÃO: PL 6.726/16 (EXTRATETO)

EMENTA: Regulamenta o limite remuneratório de que tratam o inciso XI e os §§9º e 11 do art.37 da Constituição Federal

AUTOR: Comissão Especial do Extrateto, tendo relatoria no Senado da Senadora Kátia Abreu

Senhor (a) Deputado (a)

A Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB, entidade civil sem fins lucrativos, representativa dos interesses da magistratura em âmbito nacional vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, apresentar Nota Técnica ao Projeto de Lei nº 6.726/16 (PL do Extrateto), já aprovado no Senado (PLS 449/16), conforme argumentos que seguem. Visa o presente Projeto de Lei regulamentar o limite remuneratório de que trata o artigo 37, inciso XI e §§9º e 11, da CF/88, disciplinando, em diversos dispositivos, quais parcelas estariam ou não submetidas ao teto constitucional. Inicialmente, cumpre registrar que a iniciativa legislativa de regulamentar tais dispositivos da Constituição, revela-se absolutamente desnecessária, tratando-se de normas de eficácia imediata, que dispensam complementação por outras normas para terem plena aplicabilidade. Não apenas desnecessária, mas também inconstitucional, porque ao legislador não é dado editar lei para interpretar o que a outra lei disse. O Supremo Tribunal Federal tem recusado essa modalidade de lei, qualificando-a como “interpretação autêntica”, ou seja, interpretação da lei pelo próprio legislador, o que somente é dado ao Poder Judiciário fazer.

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Deve estar na lembrança do Congresso Nacional a alteração realizada no § 1º, do artigo 84, do Código de Processo Penal, visando obter do STF uma interpretação diversa do texto constitucional a respeito da questão do foro especial por prerrogativa de função. Na época o STF julgou a ADI 2797 proposta pela CONAMP procedente, oportunidade em que afirmou: “Tanto a Súmula 394, como a decisão do Supremo Tribunal, que a cancelou, derivaram de interpretação direta e exclusiva da Constituição Federal. 3. Não pode a lei ordinária pretender impor, como seu objeto imediato, uma interpretação da Constituição: a questão é de inconstitucionalidade formal, ínsita a toda norma de gradação inferior que se proponha a ditar interpretação da norma de hierarquia superior.” Observe-se, ainda, que pelo texto constitucional não serão submetidas ao teto remuneratório parcelas de caráter indenizatório previstas em lei. Logo, cabe à lei que cria a “parcela” detalhar a sua natureza, a qual, após fixada, se sujeitará de imediato ao regramento constitucional, podendo submeter-se ou não ao teto remuneratório, a depender do cunho remuneratório ou indenizatório que ostente. Esses fundamentos já são suficientes para demonstrar a inconstitucionalidade da lei em face de todo e qualquer servidor público e não apenas dos magistrados, na medida em que se busca, por via transversa, altera o texto constitucional por meio de norma de cunho inferior pretensamente “interpretativa”. A despeito do inciso XI do artigo 37, da CF não ser passível de regulamentação, o presente Projeto de Lei pretende fazê-lo e, da forma como redigido, apresenta alguns vícios de ordem formal e material, incorrendo em algumas inconstitucionalidades. Antes de adentrar o mérito da proposta, é imperioso reconhecer que a mesma apresenta insanável vício de iniciativa, pois ao estender à magistratura as disposições sobre o limite remuneratório e disciplinar questão atinente à composição da remuneração dos juízes, invade matéria de iniciativa privativa do Supremo Tribunal Federal, nos termos do artigo 93, caput, da Constituição Federal. Estabelece a Constituição Federal que é do STF a competência para iniciar o processo legislativo de matérias que afetem exclusivamente a magistratura, através de lei complementar, o que desde logo deixa evidente o vício insanável não apenas quanto à iniciativa, mas também quanto ao devido processo legislativo, uma vez que

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pretende o Projeto, impropriamente, disciplinar a matéria pela via da lei ordinária. Se fosse possível editar legislação infraconstitucional a respeito – e comprovou-se que não é – pelo menos em relação à magistratura a solução deveria se dar por meio de lei com exigência de quorum qualificado para aprovação.

Cabe, ainda, registrar outra inconstitucionalidade formal verificada no presente Projeto de Lei quando, em seu artigo 2º, §2º, impõe regras remuneratórias de observância obrigatória a Estados e Municípios, o que viola o pacto federativo, pois não está o legislador federal autorizado a criar normas de direito administrativo vinculantes para outros entes, senão quando a Constituição Federal expressamente autorizar.

Não poderia a Lei Federal, portanto, determinar alterações das

Constituições Estaduais, como pretendido no §2º do artigo 2º do PL (“Os Estados e o Distrito Federal poderão fixar, em suas Constituições e Lei Orgânica, subteto único, em substituição aos referidos no inciso I do caput deste artigo, correspondente ao subsídio mensal dos Desembargadores do respectivo Tribunal de Justiça, ao qual se submeterá também o Governador de Estado ou do Distrito Federal”), não sendo demais destacar que, neste ponto, a matéria dependeria, no âmbito Estadual, de iniciativa originária do respectivo Tribunal de Justiça. A par das inconstitucionalidades formais mencionadas, o texto padece, ainda, de inconstitucionalidades materiais relevantes que, acaso não sanadas, serão objeto de inúmeros questionamentos na esfera judicial, gerando uma indesejável insegurança jurídica em tão relevante tema. A fim de facilitar a análise, os vícios materiais encontrados serão destacados pontualmente, senão vejamos:

a) Natureza remuneratória e indenizatória das parcelas. Violação ao artigo 37, §11, CF – art. 6º do PL 6.726/16

É preciso aclarar, como ponto de partida, a distinção entre os conceitos de remuneração e indenização, pois somente com a delimitação clara destas definições vislumbra-se o quão diferenciadas e inconfundíveis são as naturezas destas parcelas. A remuneração consiste na contraprestação do serviço prestado, ou seja, à retribuição habitual devida pelos serviços desempenhados pelo agente. Diversamente, a indenização consiste em uma reposição eventual, uma compensação destinada a recompor o patrimônio do

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agente público em razão de dispêndios realizados no exercício de suas atribuições, ou em decorrência de algum outro prejuízo/lesão sofrido. Analisando o artigo 6º do PL 6.726/16 observa-se que o legislador pretende submeter ao teto constitucional parcelas que possuem inquestionável natureza indenizatória, o que viola diretamente o §11 do artigo 37, da CF, que expressamente assegura que “Não serão computadas, para efeito dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI do caput deste artigo, as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei”. Aliás, o STF já decidiu no Recurso Extraordinário com Repercussão Geral n. 609.381 – que tem efeito vinculante para a administração - que o teto estabelecido pela EC n. 41/03 tem eficácia imediata, mas que alcança exclusivamente as parcelas remuneratórias. Resta claro, então, que não pode o presente Projeto de Lei violar a Constituição Federal e fazer incidir o limitador do teto remuneratório também sobre verbas indenizatórias, como propõe fazer ao elencar, em seu artigo 6º, por exemplo, o auxílio moradia, a indenização de férias não gozadas e a licença-prêmio convertida em pecúnia, em razão da não fruição na atividade (incisos XXXII, b; XXXVII e XXXVIII). Essas parcelas não possuem natureza controvertida ou nebulosa, pois o seu cunho indenizatório já restou reconhecido, por diversas vezes, pelo Supremo Tribunal Federal. A licença prêmio consiste em uma licença remunerada a que alguns agentes públicos fazem jus na proporção de três meses para cada cinco anos de serviço. Trata-se, assim, de um benefício decorrente da assiduidade, cuja autorização de fruição encontra-se dentro da oportunidade e conveniência administrativa, que poderá indeferi-la, caso o interesse público assim o exija. Em casos tais, surge para o agente público o direito de conversão em pecúnia, compensando-o, ou seja, indenizando-o financeiramente pela impossibilidade de gozo no momento oportuno. A tentativa de reclassificar como remuneratório o que é indenizatório (verdadeiro “rebatismo”) com o fim único de submissão ao teto remuneratório revela-se, portanto, um equívoco do legislador, que viola o texto constitucional e acarreta prejuízos financeiros irreparáveis aos agentes públicos. De outra monta, é importante esclarecer que referida matéria já é disciplinada inclusive pelo Conselho Nacional de Justiça, através da

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Resolução nº 13, de 2006, cujo dispositivo pertinente é a seguir transcrito:

Art. 8º Ficam excluídas da incidência do teto remuneratório constitucional as seguintes verbas: I - de caráter indenizatório, previstas em lei: a) ajuda de custo para mudança e transporte; b) auxílio-moradia; c) diárias; d) auxílio-funeral; e) (Revogada pela Resolução nº 27, de 18.12.06) f) indenização de transporte; g) outras parcelas indenizatórias previstas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional de que trata o art. 93 da Constituição Federal. II - de caráter permanente: a) remuneração ou provento decorrente do exercício do magistério, nos termos do art. 95, parágrafo único, inciso I, da Constituição Federal; e b) benefícios percebidos de planos de previdência instituídos por entidades fechadas, ainda que extintas. III - de caráter eventual ou temporário: a) auxílio pré-escolar; b) benefícios de plano de assistência médico-social; c) devolução de valores tributários e/ou contribuições previdenciárias indevidamente recolhidos; d) gratificação pelo exercício da função eleitoral, prevista nos art. 1º e 2º da Lei nº 8.350, de 28 de dezembro de 1991, na redação dada pela Lei nº 11.143, de 26 de julho de 2005; e) gratificação de magistério por hora-aula proferida no âmbito do Poder Público; f) bolsa de estudo que tenha caráter remuneratório. IV - abono de permanência em serviço, no mesmo valor da contribuição previdenciária, conforme previsto no art. 40, § 19, da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional nº 41, de 31 de dezembro de 2003. Parágrafo único. É vedada, no cotejo com o teto remuneratório, a exclusão de verbas que não estejam arroladas nos incisos e alíneas deste artigo.

Inconteste, portanto, que além de desnecessária, a regulamentação proposta é inconstitucional, contrariando dispositivo expresso da CF/88 e violando jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal.

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b) Acumulação de cargos ou emprego, aposentadoria ou pensão. Somatório e submissão ao teto – art. 3º, do PL 6.726/16

Outro aspecto do PL 6.726/16 que desperta enorme preocupação

à AMB, refere-se ao artigo 3º, que estabelece que “O limite de rendimentos aplica-se ao somatório das verbas dessa natureza percebidas por uma mesma pessoa, ainda que provenham de mais de um cargo ou emprego, de mais de uma aposentadoria ou pensão, ou de qualquer combinação possível entre tais espécies de rendimentos, inclusive quando originados de fontes pagadoras distintas. ”

No caso específico da magistratura, de acordo com a previsão

deste artigo, aplicar-se-ia o teto remuneratório aos casos de acumulação lícita de remuneração/subsídio e remuneração/proventos ou remuneração/pensões, bem como aos casos de magistrados que exerçam funções de magistério (único acúmulo de cargo permitido, nos termos do art.95, parágrafo único, I, CF).

É de se registrar que o disposto no artigo 3º do PL 6.726/16, de

modo algum, se ajusta às decisões recentemente proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento de Recursos Extraordinários revestidos de repercussão geral, os RE’s nºs 612975 e 602043, que resultaram na fixação das teses nºs 377 e 384, ambas expressas nos seguintes termos:

“Nos casos autorizados constitucionalmente de acumulação de cargos, empregos e funções, a incidência do art. 37, inciso XI, da Constituição Federal pressupõe consideração de cada um dos vínculos formalizados, afastada a observância do teto remuneratório quanto ao somatório dos ganhos do agente público.”

A jurisprudência do STF é pacífica, então, no sentido de que nos

casos de acumulação lícita, os cargos, empregos e funções devem ser considerados isoladamente para efeitos do teto, assim, a remuneração de cada cargo não pode superar o teto, sendo possível, contudo, que a soma de ambos ultrapasse esse limite.

Isso se dá, nos termos da Constituição, apenas para os

magistrados, profissionais da saúde e professores, e no interesse público de que tais categorias possam exercer a acumulação prevista em benefício do Estado e da Sociedade, mas sem lhes impor uma obrigação de trabalhar sem receber, que esvaziaria a intenção da norma constitucional.

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É irracional, portanto, que a Constituição Federal assegure o direito ao exercício cumulativo de cargos, empregos e funções e o legislador ordinário impeça o pagamento dos respectivos rendimentos, impondo ao agente público o exercício gratuito de uma atividade pública profissional.

Percebe-se, então, que o dispositivo em análise

inviabiliza/restringe direito constitucional, frustrando por inteiro sua finalidade e despindo-o de eficácia, além de propiciar um inaceitável enriquecimento ilícito da Administração, que se vale e se beneficia da força de trabalho do servidor/agente público, sem remunerá-lo por isso.

No que pertine à percepção cumulativa de subsídios, remuneração

ou proventos, juntamente com pensão decorrente de falecimento de cônjuge ou companheiro(a), cumpre enaltecer, ainda, que o Conselho Nacional de Justiça, em sintonia com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, disciplinou a matéria no artigo 6º da Resolução CNJ 13/2006, com alterações empreendidas pela Resolução CNJ 42/07, para fixar que, em casos tais “observar-se-á o limite fixado na Constituição Federal como teto remuneratório, hipótese em que deverão ser considerados individualmente".

Insustentável, assim, a manutenção do dispositivo ora analisado,

que a um só tempo representa uma violação oblíqua ao principio constitucional da irredutibilidade salarial e uma afronta direta aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, além de, como demonstrado, contrariar a jurisprudência pacífica do STF.

c) Auxílio moradia – art. 6º, XXXII, “a” e 7º, III, “c” e §2º

Não há como aceitar, também, o tratamento atribuído no âmbito dessa proposição ao auxílio-moradia, devido aos membros da magistratura por força de lei (e decisão judicial), parcela cujo caráter indenizatório não se presta a qualquer confrontação. A parcela em questão tem origem no inciso II do art. 65 da Lei Orgânica da Magistratura em vigor (Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979), que prevê a concessão de ajuda de custo aos magistrados, para suprir despesas com moradia “nas localidades em que não houver residência oficial à disposição do Magistrado”. Esse fundamento precisa ser devidamente assimilado, para que não se desfigure a natureza da parcela, passando-se a tratar como retribuição normal um pagamento estabelecido a título de indenização. Primeiro, é preciso identificar, com indispensável precisão, qual direito, na verdade e ao cabo, é assegurado pelo dispositivo. O que se

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prevê, primordialmente, consiste em um pagamento in natura em favor dos magistrados (a residência oficial). O comando em questão somente prevê a concessão da ajuda de custo, em pecúnia, nos casos em que não se puder assegurar ao magistrado o exercício do direito efetivamente decorrente de seus termos, isto é, o acesso a uma residência oficial. A prerrogativa de residir em moradia de propriedade do Estado foi dada por uma lei complementar, razão pela qual só se pode afastar tal direito se a lei vier a ser alterada, por meio de proposta de iniciativa privativa do Supremo Tribunal Federal, em face do que determina o art. 93 da Constituição Federal. Cumpre esclarecer, ainda, que não há como aplicar o limite remuneratório previsto no inciso XI do art. 37 da Constituição a pagamentos promovidos in natura. Nesse contexto, aplicar o limite remuneratório a um pagamento que indeniza a impossibilidade do provimento de parcela in natura constitui, em última análise, um meio ilícito de submetê-la a parâmetro ao qual não se vincula. Já não bastasse o exposto acima, as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, no bojo das AO nº 1773, 1649 e ACO 2511, que asseguraram à magistratura federal, estadual e do trabalho referida parcela, restou assente a natureza indenizatória do auxílio moradia, senão vejamos:

“Ex positis, e considerando, primordialmente, que o CNJ já reconhece o direito à ajuda de custo para fins de moradia aos magistrados e Conselheiros que lá atuam, ex vi da sua Instrução Normativa nº 9, de 8 de agosto de 2012, tendo em vista que todos os magistrados desta Corte têm o direito à ajuda de custo assegurado por ato administrativo, haja vista que os Membros do Ministério Público Federal, inúmeros Juízes de Direito e Promotores de Justiça já percebem o referido direito, e em razão, também, da simetria entre as carreiras da Magistratura e do Ministério Público, que são estruturadas com um eminente caráter nacional,DEFIRO a tutela antecipada requerida, a fim de que todos os juízes federais brasileiros tenham o direito de receber a parcela de caráter indenizatório prevista no artigo 65, inciso II, da LC nº 35/79, aplicando-se como regra aplicável para a concessão da referida vantagem,: i) o artigo 65 da LOMAN ora referido, que, apenas, veda o pagamento da parcela se, na localidade em que atua o magistrado, houver residência oficial à sua disposição; ii) os valores pagos pelo STF a título de auxílio moradia a seus

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magistrados”. (AO 1773 MC-DF, Rel. Ministro Luiz Fux, 15.09.2014)

A Resolução CNJ 199/14 (lei em sentido material), que dispõe sobre o pagamento da ajuda de custo moradia no âmbito do Poder Judiciário, também deixa indene de dúvida a natureza da parcela em seu artigo 1º:

Art. 1º A ajuda de custo para moradia no âmbito do Poder Judiciário, prevista no art. 65, II, da Lei Complementar 35, de 14 de março de 1979, de caráter indenizatório, é devida a todos os membros da magistratura nacional.

Resta claro, assim, a inconstitucionalidade do disposto no artigo 6º, XXXII, “a”, do PL em apreço, bem como as disposições pertinentes a esta mesma parcela, mais adiante, no artigo 7º, que em seu inciso III, alínea “c”, pretende excluir do teto remuneratório o “auxílio-moradia concedido na forma de ressarcimento por despesa comprovada decorrente de mudança de ofício do local de residência”; acrescendo no seu §2º que “A natureza indenizatória ...fica condicionada à comprovação de que o beneficiário, seu cônjuge, ou filhos menores não possuem imóvel na localidade, bem como nenhum deles recebe auxílio com idêntico fundamento.” Atribui o PL 6.726/16 natureza indenizatória ao auxílio moradia apenas e tão somente “na forma de ressarcimento” e, ainda, exige “mudança de ofício” do local da resistência, tratando-se de inovação legislativa extremamente restritiva e desarrazoada, inaplicável à magistratura, seja pela questão dos vícios formais apontados, seja porque a magistratura faz jus à parcela nos termos de seu normativo próprio (Lei Complementar 35/73 e leis locais nos Estados) e da decisão judicial do Supremo Tribunal Federal (AOs 1773, 1649 e 2511). Importante destacar o quão irreal é a exigência da “mudança de ofício do local da residência”, pois ao aplicar-se à magistratura tal preceito, praticamente em nenhuma situação faria o magistrado jus a essa modalidade “indenizada”, haja vista que as mudanças do local da residência usualmente se dão por conta de remoções ou promoções realizadas a pedido do juiz, muito embora, frise-se, atendam ao interesse público de fixar um magistrado em unidade jurisdicional vaga. De mais a mais, há que se repisar, a respeito, que a garantia da ajuda de custo moradia não se vincula, na Lei Orgânica da Magistratura (LC 35/73), a que tenha ocorrido mudança de sede quando da investidura do beneficiário.

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Desta forma, o tratamento conferido ao auxílio moradia no presente Projeto de Lei, e que se pretende estender à magistratura, releva-se inconstitucional, ilegal e violador da jurisprudência do STF, não havendo como submeter referida parcela ao teto remuneratório, dado o indubitável cunho indenizatório que ostenta.

d) Indenização de férias não gozadas – art.6º, XXXVII e 7º, VI do PL 6.726/16

O PL 6.726/16 ao dispor em seu artigo 7º, VI, que ficam excluídos do teto, pelo seu caráter indenizatório, “a indenização de férias não gozadas, quando da passagem para a inatividade, limitada a 2 (dois) períodos adquiridos de 30 (trinta) dias;” incorre, uma vez mais, em inconstitucionalidade material insuperável. Primeiramente há de que se observar que referido dispositivo, tal como posto, viola direito social de relevo – direito constitucional às férias -, pois a indenização por férias não gozadas corresponde à fruição do próprio direito. A redação proposta contém, portanto, duas impropriedades: primeiro só confere natureza indenizatória a dois períodos de férias não gozados, ainda que o agente público possua diversos outros não usufruídos. Segundo, só confere dita feição indenizatória quando da passagem para a inatividade. A primeira impropriedade representa inaceitável locupletamento ilícito da Administração. Caso o magistrado não consiga usufruir suas férias – situação deveras comum nos Tribunais brasileiros, onde é publica e notória a insuficiência de magistrados – não poderá também por elas receber em atividade, vez que seu montante terá, de acordo com o artigo 6º, XXXVII, que se submeter, necessariamente, ao teto remuneratório. Ou seja: o Estado retira do agente público a possibilidade de usufruir férias e, ao mesmo tempo, inviabiliza a possibilidade de compensá-lo financeiramente pelo prejuízo que acarretou. Nada mais absurdo e ofensivo aos pilares que devem sustentar o Estado Democrático de Direito. A exigência contida no artigo 7º, VI, do PL, relativa “a passagem para a inatividade”, também se revela abusiva e, no caso da magistratura, inaplicável, especialmente se considerado o que dispõe a Resolução CNJ 133/11, lei em sentido material, que expressamente assegura à magistratura, em decorrência da simetria constitucional

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com o Ministério Público, o direito à “indenização de férias não gozadas, por absoluta necessidade de serviço, após o acúmulo de dois períodos”, sem qualquer limitação ou restrição de que a indenização somente poderá ocorrer quando da passagem para a inatividade. É de clareza solar que a indenização de férias não gozadas ostenta natureza indenizatória sempre, independente da quantidade de períodos não usufruídos e independente do seu pagamento dar-se na atividade ou inatividade, razão pela qual não pode esta parcela, jamais, submeter-se ao teto remuneratório, sob pena de ofensa ao disposto no §11 do artigo 37, da Constituição da República; de caracterização de enriquecimento sem causa do Estado e de violação a direito social de máxima relevância, o direito constitucional de férias (arts. 7º, XVII; 39, §3º da CF e arts. 66 e 67, §1º da LOMAN).

e) Pagamentos em atraso, adiantados ou por força de decisão judicial (passivos) – art.5º do PL 6.726/16 O PL 6.726/16, em seu artigo 5º, também padece de

inconstitucionalidade, na medida em que sujeita ao limite remuneratório os pagamentos em atraso, adiantados ou por força de decisão judicial

O Projeto tal como redigido (combinação dos artigos 3º, 5º, 6º e

10) submete ao teto remuneratório os denominados “passivos”, ou seja, pagamentos que são feitos pelo ente público em momento posterior ao devido e que, por isso, são adimplidos com juros e correção monetária.

De acordo com o PL, é possível que um agente/servidor público,

credor de determinada verba salarial do ente estatal, jamais venha a recebê-la, ainda que se trate de direito reconhecido por decisão judicial, bastando, para isso, que perceba, segundo o regime de competência, rendimentos em valor próximo ou equivalente ao teto constitucional.

Submete-se o servidor publico, assim, a uma dupla penalidade:

primeiro lhe é negado o direito à época própria e, depois, quando se pretende adimplir a verba devida, impõe-se a submissão ao teto remuneratório, o que poderá implicar, em diversos casos, em nova negativa do direito.

Imagine-se o que pode ocorrer, por exemplo, no Rio de Janeiro, no

estágio atual de incapacidade do Estado para pagar os seus servidores. Um servidor que possua remuneração de R$ 15 mil, por exemplo, e não tiver recebido por 3 meses, somente poderá receber R$ 30 mil dos R$ 45 mil devidos.

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Imagine-se os servidores da Justiça Eleitoral, que são chamados a trabalhar de forma ininterrupta no período pré-eleitoral, da eleição e após a eleição. Se ficarem impedidos de receber pelo trabalho realizado certamente se negarão a trabalhar.

Trata-se, novamente, de um enriquecimento sem causa da

Administração e da imposição de um ônus injustificável ao agente público, uma vez que o recebimento de parcelas atrasadas não se dá por culpa do credor, mas em razão de desídia da Fazenda Pública.

A limitação ao teto remuneratório destes valores a que faz jus o

agente público, na forma como disposto no artigo 5º e 10 (e também no art. 6º, III, quando ali inclui as parcelas de equivalência ou isonomia), é flagrantemente inconstitucional, violando o direito adquirido e o ato jurídico perfeito (art.5º XXXVI); a inafastabilidade do Poder Judiciário (art.5º, XXXV, quando nega a possibilidade de pagamento de passivos devidos inclusive por força de decisão judicial); além de configurar verdadeiro ato de confisco, vedado pelo artigo 150, IV da Constituição Federal.

* * * Por fim, imperioso destacar o alcance da proposta legislativa ora

em análise. Como dito, a proposta legislativa em questão está afastando a

possibilidade de exclusão do teto remuneratório, tal como existente atualmente, de inúmeras verbas indenizatórias, o que alcançará, indistintamente, todos os servidores e agentes públicos ou políticos de todos os poderes da União (Executivo, Judiciário e Legislativo).

Os Ministros de Estado (Executivo), assim como os Senadores

e Deputados (Legislativo), caso o subsídio esteja fixado no mesmo valor do subsídio dos Ministros do STF, NÃO poderão receber diversas verbas tipicamente indenizatórias, acima do teto constitucional, a exemplo do “auxílio-moradia”.

Alias, a respeito desta parcela, cabe recordar que Senadores e

Deputados que não ocupam imóveis funcionais também percebem ajuda de custo moradia decorrente dessa circunstância, a qual, a despeito de se vincular ao aluguel a ser ressarcido, evidentemente não decorre de “mudança de sede”, visto que não há representação parlamentar federal fora dos limites da capital da República.

Page 13: NOTA TÉCNICA - AMB · 2017-08-22 · NOTA TÉCNICA PROPOSIÇÃO: PL 6.726/16 (EXTRATETO) EMENTA: Regulamenta o limite remuneratório de que tratam o inciso XI e os §§9º e 11 do

Assim, fica claro que a proposta legislativa ao afetar indiscriminadamente os três Poderes da República acabará por (a) inviabilizar a regular atividade de Parlamentares, (b) assim como dos Ministros de Estado e, em menor extensão, (c) prejudicar a atividade dos membros do Poder Judiciário.

* * * Ante o exposto, considerando as graves inconstitucionalidades

formais e materiais aqui apresentadas, a Associação de Magistrados Brasileiros - AMB pede especial atenção a (o) ilustre deputado (a) para propugnar a integral rejeição do Projeto de Lei 6.726/2016, ou, sucessivamente, a rejeição/revisão dos dispositivos indicados acima.

Sendo o que havia para o momento, permanecemos à disposição

para quaisquer esclarecimentos que se façam necessários, renovando os protestos de estima e consideração.

Brasília, 22 de agosto de 2017.

Jayme Martins de Oliveira Neto Presidente