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NOTAS DE AULA DE AN ´ ALISE EM R n OLIVAINE S. DE QUEIROZ Departamento de Matem´ atica Instituto de Matem´ atica, Estat´ ıstica e Computa¸c˜ ao Cient´ ıfica UNICAMP Campinas 2010

NOTAS DE AULA DE ANALISE EM´ R - ime.unicamp.brolivaine/AnaliseRn.pdf · Revis˜ao de Topologia em Rn ... Um subconjunto C⊂X ´e chamado de fechado se seu complemento X−C

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NOTAS DE AULA DE ANALISE EM Rn

OLIVAINE S. DE QUEIROZ

Departamento de MatematicaInstituto de Matematica, Estatıstica e Computacao Cientıfica

UNICAMP

Campinas2010

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Capıtulo 1

Revisao de Topologia em Rn

Neste capıtulo inicial vamos apresentar conceitos basicos essenciais que necessitaremos no decor-rer do curso.

1.1 Comentarios preliminares sobre o espaco Rn

O espaco Euclidiano Rn e definido como o conjunto de todas as n-uplas x = (x1, . . . , xn) denumeros reais xi, i = 1, . . . , n. Um ponto x ∈ Rn e tambem chamado de vetor, ja que comas operacoes x + y := (x1 + y1, . . . , xn + yn) e ax := (ax1, . . . , axn) (a ∈ R), Rn se torna umespaco vetorial. O vetor (0, . . . , 0) ∈ Rn sera denotado somente por 0. Quando n = 1, tambemchamamos os pontos de R = R1 de escalares.

A nocao se soma de vetores e multiplicacao por escalares, apesar de determinar uma estru-tura de espaco vetorial em Rn, nao e suficiente para definir a nocao de distancia. Para tantonecessitamos do conceito de produto interno, que e uma funcao que associa a cada par de vetoresx, y ∈ Rn um escalar e que ainda satisfaz certas propriedades que listaremos a seguir para umexemplo particular. O produto interno euclidiano em Rn e definido por

〈x, y〉 :=n∑

i=1

xiyi, x = (x1, . . . , xn), y = (y1, . . . , yn).

Outros produtos internos em Rn tambem podem ser considerados. Sao 4 as principais pro-priedades do produto interno.

Proposicao 1.1 Sejam x, y ∈ Rn e a ∈ R quaisquer. Temos as seguintes propriedades:

(i) simetria: 〈x, y〉 = 〈y, x〉;

(ii) bilinearidade: 〈ax, y〉 = 〈x, ay〉 = a〈x, y〉, 〈x+ z, y〉 = 〈x, y〉+ 〈z, y〉 e 〈x, y + z〉 = 〈x, y〉+〈x, z〉;

(iii) positividade: 〈x, x〉 ≥ 0 e 〈x, x〉 = 0 se, e somente se, x = 0;

(iv) identidade de polarizacao: 4〈x, y〉 = 〈x+ y, x+ y〉 − 〈x− y, x− y〉

A norma euclidiana (ou comprimento) de um vetor x ∈ Rn e definida por

‖x‖ := 〈x, x〉1/2.

3

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4 CAPITULO 1. REVISAO DE TOPOLOGIA EM RN

Proposicao 1.2 Sejam x, y, z ∈ Rn e a ∈ R quaisquer. Temos as seguintes propriedades:

(i) ‖x‖ ≥ 0 e ‖x‖ = 0 se, e somente se, x = 0;

(ii) Desigualdade de Cauchy: |〈x, y〉| ≤ ‖x‖‖y‖;

(iii) Desigualdade triangular: ‖x+ y‖ ≤ ‖x‖+ ‖y‖;

(iv) ‖ax‖ = |a|‖x‖.

Send Rn um espaco vetorial de dimensao n, qualquer subconjunto linearmente independentev1, . . . , vn com n vetores forma uma base deste espaco.

Uma base v1, . . . , vn paraRn e chamada ortonormal se 〈vi, vj〉 = δij , onde δij = 0 se i 6= j eδii = 1 (sımbolo de Kronecker). A base canonica de Rn e e1, . . . , en, onde ei = (0, . . . , 1, . . . , 0),com 1 na i-esima coordenada.

Concluiremos esta secao com alguns comentarios sobre transformacoes lineares e matrizes.

Se T : Rn → Rm e um a transformacao linear, a matriz de T com relacao as bases canonicasde Rn e Rm e a matriz A = (aij), onde

T (ei) =

m∑

j=1

ajifj.

Observe que as coordenadas aji do vetor T (ei) (com relacao a base (f1, . . . , fm)) aparecem nai-esima coluna de A. Por linearidade obtemos entao que o vetor y = T (x) = Tx pode serencontrado pela expressao

y1...ym

=

a11 . . . a1n...

...am1 . . . amn

x1...xn

.

Reciprocamente, se A e uma matriz m×n entao T (x) := Ax, x ∈ Rn, define uma transformacaolinear de Rn em Rm. Assim, existe uma relacao biunıvoca entre o conjunto L(Rn,Rm) dastransformacoes lineares de Rn em Rm com o conjunto das matrizes m× n.

Primeira aula ↓

1.2 Espacos metricos

Nesta secao vamos formalizar o conceito de metrica ou distancia em um conjunto, definindoassim os espacos metricos.

Definicao 1.3 Um conjunto X e chamado de espaco metrico se existe uma funcao d : X ×X → R satisfazendo as seguintes propriedades para quaisquer x, y, z ∈ X:

(1) d(x, y) ≥ 0 e d(x, y) = 0 se, e somente se, x = y;

(2) d(x, y) = d(y, x);

(3) d(x, z) ≤ d(x, y) + d(y, z).

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1.2. ESPACOS METRICOS 5

Qualquer funcao d que satisfaz as tres propriedades acima e chamada de metrica (ou distancia).

As vezes utilizamos a notacao (X, d) significando que X e um espaco metrico com metrica d.

Exemplo 1.4 Seja X = Rn e d1(x, y) = ‖x − y‖ =√

(x1 − y1)2 + . . .+ (xn − yn)2, x, y ∈ Rn.Das propriedades de produto interno segue que (Rn, d1) e um espaco metrico. Alem disso,podemos ainda definir d2(x, y) = |x− y| = maxi|xi − yi|. Verifica-se sem muitas dificuldadesque (Rn, d2) e tambem um espaco metrico. As metricas d1 e d2 sao chamadas de metricaeuclidiana e metrica do sup, respectivamente. Elas estao relacionadas de varias maneiras. Emparticular,

|x− y| ≤ ‖x− y‖ ≤ √n|x− y|, para quaisquer x, y ∈ Rn.

Exemplo 1.5 Seja X qualquer conjunto nao vazio. Dados x, y ∈ X defina d(x, y) = 1 se x 6= ye d(x, x) = 0. Entao, apesar de parecer meio artificial, d define uma metrica em X.

Suponha que d seja uma metrica em X e que Y ⊂ X. Entao existe automaticamente umametrica dY em Y (e portanto (Y, dY ) e um espaco metrico) definida pela restricao de d a Y ×Y ,isto e,

dY = d |Y×Y .

Exemplo 1.6 Seja S2 a esfera de raio 1 em R3. Dados x, y ∈ S2, defina d(x, y) como sendoo comprimento do menor arco sobre S2 que une x a y. Entao d e uma metrica em S2. Alemdisso, note que d 6= d1 |S2×S2 , onde d1 e a metrica euclidiana. De fato, a seguinte desiguladadee satisfeita:

d1(x, y) ≤ d(x, y) ≤π

2d1(x, y), para quaisquer x, y ∈ S2.

Recorrendo a nocao de distancia podemos definir os conceitos fundamentais de conjuntosabertos e fechados.

Definicao 1.7 Seja (X, d) um espaco metrico e x0 ∈ X. dado ε > 0, o conjunto

U(x0, ε) := x ∈ X | d(x, x0) < ε

e chamado de ε-vizinhanca de x0. Um subconjunto V ⊂ X e chamado de aberto se, paraqualquer x0 ∈ V , existe ε > 0 tal que U(x0, ε) ⊂ V . Um subconjunto C ⊂ X e chamado defechado se seu complemento X −C = X \ C = Cc e aberto.

Observacao 1.8 Seja (X, d) um espaco metrico e Y ⊂ X. Entao uma ε-vizinhanca de umponto x0 ∈ Y na metrica dY e dada por U(x0, ε)∩Y , sendo essa ultima entendida na metrica d.

Proposicao 1.9 Seja (X, d) um espaco metrico e Uα | α ∈ A uma colecao de subconjuntosabertos de X, onde A e um conjunto de ındices qualquer. Entao o conjunto

⋃α∈A Uα e aberto

de X. Se supormos que que A e finito, isto e, A = 1, . . . , k, entao ⋂kα=1 Uα e aberto.

Corolario 1.10 Se Y ⊂ X e A e aberto em Y com relacao a dY , entao existe um conjuntoaberto U em X tal que A = U ∩ Y .

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6 CAPITULO 1. REVISAO DE TOPOLOGIA EM RN

Demonstracao. Sendo A aberto em Y , para qualquer x ∈ A existe εx > 0 tal que U(x, εx)∩Y ⊂A. Definamos

U =⋃

x∈AU(x, εx).

Temos entao pela Proposicao 1.9 e pela Observacao 1.8 que U e aberto deX. Note que U∩Y ⊂ A.Alem disso, como a uniao e tomada em todo x ∈ A, temos que A ⊂ U . Logo, A ⊂ U ∩ Y .Conclui-se que A = U ∩ Y .

Em Rn as ε-vizinhancas nas duas metricas d1 e d2 que vimos anteriormente recebem nomesespeciais. Se x0 ∈ Rn, a ε-vizinhanca de x0 na metrica euclidiana d1 e chamada de bola aberta decentro x0 e raio ε, e e denotada por Bε(x0). A ε-vizinhanca de x0 na metrica do sup e chamadade cubo aberto de centro x0 e raio ε, sendo denotado por Cε(x0). Pelo Exemplo 1.4 temos que

Bε(x0) ⊂ Cε(x0) ⊂ Bε√n(x0),

para qualquer x0 ∈ Rn e qualquer ε > 0. Podemos refrasear este fato na maneira apresentadano proximo resultado.

Proposicao 1.11 Um subconjunto U ⊂ Rn e aberto com relacao a metrica d1 se, se e somentese, e aberto com relacao a metrica d2.

Definicao 1.12 Um ponto x0 de um espaco metrico X e chamado de ponto limite de umsubconjunto A ⊂ X se para toda ε-vizinhanca de x0 U(x0, ε), o conjunto U(x0, ε) ∩ A possuiinfinitos elementos. Se x0 ∈ A nao e ponto limite de A dizemos que x0 e ponto isolado de A.

Um subconjunto D ⊂ X e denso em X se todo ponto de X e ponto limite de D ou umponto de D.

O conjuntoA := A ∪ x ∈ X | x e ponto limite de A

e chamado de fecho de A.

Em particular, o fecho de qualquer subconjunto de X e um subconjunto fechado.

1.3 Limites e continuidade

Consideremos dois espacos metricos (X, dX ) e (Y, dY ), uma funcao f : X → Y e x0 ∈ X.

Definicao 1.13 Nas condicoes acima, dizemos que f e contınua em x0 se, dado ε > 0, existeum δ > 0, δ = δ(ε), tal que

dY (f(x), f(x0)) < ε sempre que dX(x, x0) < δ.

Dizemos que f e contınua se f e contınua em todo x0 ∈ X.

Uma formulacao alternativa para a definicao de continuidade pode ser apresentada na formade teorema.

Teorema 1.14 A funcao f e contınua se, e somente se, para qualquer subconjunto aberto U deY , tem-se que a pre-imagem f−1(U) e aberta em X.

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1.4. INTERIOR E EXTERIOR 7

Definicao 1.15 A funcao e chamada de homeomorfismo se ela e inversıvel e ambas, f e f−1,sao contınuas. Os espacos metricos (X, d) e (Y, d) sao homeomorfos se existe um homeomor-fismo de X em Y . Duas metricas d e d′ definidas no mesmo conjunto X sao equivalentes seexiste um homeomorfismo de (X, d) em (X, d′).

Tambem definimos o limite de uma funcao f em termos da metrica.

Definicao 1.16 Seja A ⊂ X e f : A→ Y . Seja ainda x0 um ponto limite do domınio A de f .Dizemos que o limite de f em x0 e y0 se, para cada ε > 0, existe um δ > 0 tal que

dY (f(x), y0) < ε sempre que x ∈ A e 0 < dX(x, x0) < δ.

Limites e continuidade de funcoes em espacos metricos satisfazem as mesmas propriedadesque limites e continuidades de funcoes em R com relacao a soma, produto e composicao.

1.4 Interior e exterior

Definicao 1.17 Seja (X, d) um espaco metrico e A ⊂ X. o conjunto

IntA := (Ac)c

e chamado interior de A.

Note que x ∈ IntA se, e somente se, existe ε > 0 tal que U(x, ε) ⊂ A, e assim o interior deA e aberto.

Definicao 1.18 O exterior de A e o conjunto ExtA := Int(Ac). O bordo, (ou fronteira) deA e o conjunto ∂A := X \ (ExtA ∪ IntA).

Notemos que sempre vale X = IntA ∪ ExtA ∪ ∂A.

1.5 Compacidade em Rn

Passamos a relembrar nesta secao o importante conceito de subconjuntos compactos. Para issoalgumas definicoes e observacoes serao necessarias e, como usual, denotaremos por (X, d) umespaco metrico.

Seja A ⊂ X. Uma cobertura de A e uma colecao de subconjuntos Uα | α ∈ I, sendo I umconjunto de ındices, tal que A ⊂ ⋃

α∈I Uα. Se cada Uα e aberto, entao dizemos que a coberturae aberta.

Definicao 1.19 Um subconjunto A ⊂ X e chamado de compacto se toda cobertura aberta deA possui uma subcolecao finita que tambem forma uma cobertura aberta de A.

Um subconjunto B de um espaco metrico (X, d) e dito limitado se existe uma constanteM > 0 e x0 ∈ X tal que d(x, x0) ≤M para qualquer x ∈ B.

Em Rn os compactos sao caracterizados como sendo os subconjuntos fechados e limitados.Uma parte desse rsultado possui uma prova simples e daremos a seguir. Na verdade, enunciamossomente para Rn mas ele vale para qualquer espaco metrico.

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8 CAPITULO 1. REVISAO DE TOPOLOGIA EM RN

Teorema 1.20 Seja X um subespaco compacto de Rn. Entao X e fechado e limitado.

Demonstracao. Por equivalencia, basta demonstrarmos o resultado com relacao a metrica d2.

Mostremos incialmente que X e limitado. Para cada N ∈ Z+ definimos o cubo abertoUN := CN (0). Entao:

U1 ⊂ U2 ⊂ . . . e Rn =∞⋃

N=1

UN .

Em particular, o conjunto UN | N ∈ Z+ e uma cobertura aberta do compacto X, existindoassim uma quantidade finita de inteiros positivos N1, . . . , Nk tais que

X ⊂k⋃

j=1

UNj.

Assim, sendo M = maxjNj, segue que X ⊂ UM e X e limitado.

Agora demonstremos que Rn\X e aberto, isto e, queX e fechado. Para isso, seja x0 ∈ Rn\Xe, para cada N ∈ Z+, definamos o cubo fechado CN := C1/N (x0). Entao

. . . ⊂ C2 ⊂ C1 e∞⋂

N=1

CN = x0.

Seja VN := Rn \ CN . Segue que VN e aberto e que

Rn \ x0 =∞⋃

N=1

VN .

Novamente, usando a compacidade de X obtemos que existe uma quantidade finita de subcon-juntos VN1 , . . . VNl

que cobrem X. TomandoM = maxiNi obtemos que X ⊂ VM e em particularCN ∩X = ∅. Notando que x0 ∈ IntCM temos que Rn \X e aberto.

Segunda aula ↓

Corolario 1.21 Se X e um subconjunto compacto de R entao X possui maximo e mınimo.

Teorema 1.22 Seja X um subconjunto compacto de Rn e f : X → Rm contınua. Entao f(X) ⊂Rm e compacto e, se m = 1, f assume maximo e mınimo.

Definicao 1.23 SejaX ⊂ Rn. Dado ε > 0, o conjunto⋃

x∈X Bε(x) e chamado de ε-vizinhancade X na metrica euclidiana. Similarmente, substituindo Bε(x) por Cε(x) definimos a ε-vizinhancade X na metrica do sup.

Teorema 1.24 Sejam X ⊂ Rn um subespaco compacto e U ⊂ Rn um aberto que contem X.Entao existe ε > 0 tal que a ε-vizinhanca de X esta contida em U (em qualquer metrica d1 oud2).

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1.5. COMPACIDADE EM RN 9

Demonstracao. Por equivalencia das metricas, basta provarmos o resultado para a metrica dosup.

Dado um subconjunto C ⊂ Rn, para cada x ∈ Rn definimos a distancia entre x e C pelaexpressao

d(x,C) := infc∈C|x− c|.

Assumiremos por um momento que, fixado C, a funcao x 7→ d(x,C) e contınua de Rn em R.

Sejam U aberto tal que X ⊂ U e f : X → R dada por

f(x) := d(x,Rn \ U).

Como f e contınua e X e compacto, pelo Teorema 1.22 temos que f assume um mınimo. O valormınimo de f deve ser positivo, caso contrario, f(x0) = 0 para algum x0 ∈ X, o que mostrariaque x0 ∈ Rn \ U , pois este ultimo conjunto e fechado, obtendo assim uma contradicao. Segueque existe ε0 > 0 tal que f(x) ≥ ε0 para qualquer x ∈ X e assim a ε0-vizinhanca de X estacontida em U .

Falta mostrarmos que x 7→ d(x,C) e contınua de Rn em R. Sejam x, y ∈ Rn e c ∈ C.Entao, pela desigualdade triangular,

d(x,C)− |x− y| ≤ |x− c| − |x− y| ≤ |y − c|.

Tomando o ınfimo em c na desigualdade acima obtemos

d(x,C)− d(y,C) ≤ |x− y|.

Como a mesma desigualdade vale se trocarmos os papeis de x e y, obtemos

|d(x,C)− d(y,C)| ≤ |x− y|.

Segue a continuidade e a prova do teorema.

O Teorema 1.24 nao vale se retirarmos a hipotese de compacidade em X, como verificaremosnos exercıcios deste capıtulo.

Provaremos a seguir um resultado familiar.

Teorema 1.25 Seja X ⊂ Rn um subespaco compacto e f : X → Rm contınua. Entao f euniformemente contınua no seguinte sentido: dado ε > 0, existe δ > 0, dependendo somentede ε, tal que, para quaisquer x, y ∈ X,

‖f(x)− f(y)‖ < ε sempre que ‖x− y‖ < δ.

Este mesmo resultado vale se considerarmos a metrica do sup.

Demonstracao. Consideremos o produto cartesiano X ×X ⊂ Rn × Rn e seu subconjunto

∆ := (x, x) | x ∈ X,

o qual chamaremos de diagonal de X ×X. Notemos que ∆ e um subconjunto compacto de R2n

ja que e imagem de X pela aplicacao contınua h(x) = (x, x).

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10 CAPITULO 1. REVISAO DE TOPOLOGIA EM RN

Consideremos a funcao g : X ×X → R definida por

g(x, y) := ‖f(x)− f(y)‖.

Notemos que g e contınua ja que pode ser escrita com soma e composicao das funcoes contınuasf e d1. Segue que, dado ε > 0, o conjunto V dos pontos (x, y) ∈ X×X para os quais g(x, y) < εe aberto em X ×X e, como tal, deve ser escrito como a interseccao de um aberto U ⊂ Rn ×Rn

com X ×X. Como ∆ ⊂ V , temos que ∆ ⊂ U .

A compacidade de ∆ e o Teorema 1.24 implicam na existencia de um numero δ > 0 tal quea δ-vizinhanca de ∆ ainda esta contida em U . Note que, se x, y ∈ X sao tais que ‖x − y‖ < δ,entao

‖(x, y)− (y, y)‖ = ‖(x− y, 0)‖ = ‖x− y‖ < δ,

ou seja, (x, y) pertence a δ-vizinhanca de ∆. Segue que (x, y) ∈ U e assim g(x, y) < ε, comodesejado.

A prova para o caso da metrica do sup segue por equivalencia das metricas.

Para finalizarmos a caraterizacao dos subconjuntos compactos em Rn necessitaremos aindade um fato basico.

Lema 1.26 O retangulo Q := [a1, b1]× . . . × [an, bn] ⊂ Rn e um subconjunto compacto.

Teorema 1.27 Seja X ⊂ Rn um subconjunto limitado e fechado. Entao X e compacto.

Demonstracao. Seja A uma colecao de abertos que cobrem X. Adicionemos a esta colecao oaberto Rn \X. Temos assim uma cobertura aberta de Rn. Como X e limitado, podemos tomarum retangulo Q como no Lemma 1.26 tal que X ⊂ Q. Em particular a cobertura aberta deRn cobre o compacto Q. Extraımos entao uma subcobertura finita que ainda cobre Q. Se estasubcobertura de Q ainda conter Rn \X, tiramos este conjunto obtendo ainda outra subcolecaoda cobertura inicial A. Tal subcolecao pode nao cobrir Q, mas certamente cobre X ja que oconjunto Rn \X descartado nao contem pontos de X.

1.6 Conexidade em Rn

Nesta secao daremos a definicao de espacos conexos e apresentaremos algumas propriedades quenecessitaremos.

Definicao 1.28 Um subconjunto Y de um espaco metrico X e conexo se ele nao e igual auniao de dois subconjuntos abertos, disjuntos e nao vazios.

Exemplo 1.29 O conjunto Q dos numeros racionais e desconexo, sendo x ∈ R | x >√2 ∩Q

e x ∈ R | x <√2 ∩Q uma decomposicao.

Teorema 1.30 Os unicos subconjuntos de R que possuem mais que um ponto e sao conexos saoo proprio R e os intervalos (abertos, fechados ou semi-fechados).

Uma caracterizacao de subconjuntos conexos e dada no proximo resultado.

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1.7. EXERCICIOS DO CAPITULO 11

Teorema 1.31 Seja X um espaco metrico. Sao equivalentes:

1. X e conexo;

2. os unicos subconjuntos de X que sao abertos e fechados sao o proprio X e ∅;

3. nenhuma funcao contınua f : X → 1, 2 e sobrejetiva.

Usaremos o seguinte fato basico sobre espacos conexos.

Teorema 1.32 (Teorema do valor intermediario) Sejam X e Y espacos metricos. Se X econexo e f : X → R e contınua entao f(X) e conexo.

Demonstracao. Se f(X) nao fosse conexo, pelo Teorema 1.31 existiria uma funcao g : f(X)→1, 2 contınua e sobrejetora. Assim, a composicao g f : X → 1, 2 seria tambem contınua esobrejetora, contradizendo o fato de X ser conexo.

Em particular, uma funcao contınua de um espaco metrico conexo X com valores em R

assume todos os valores entre dois quaisquer pontos de sua imagem.

Uma importante classe de conjuntos conexos em Rn e dada pelos conjuntos convexos, quepassamos a definir.

Dados x1, x2 ∈ Rn, o segmento de reta unindo x1 a x2 e dado por t 7→ x1 + t(x2 − x1),0 ≤ t ≤ 1.

Um subconjunto A ⊂ Rn e convexo se o segmento de reta unindo quaisquer de seus pontosesta inteiramente contido em A. Notemos que qualquer subconjunto convexo de Rn e conexo.

1.7 Exercıcios do capıtulo

Exercıcio 1 Se x, y ∈ Rn, prove que ‖x + y‖ ≤ ‖x‖ + ‖y‖. Quando vale a igualdade? (Aresposta nao e “quando x e y forem linearmente dependentes”).

Exercıcio 2 Sejam x = (x1, . . . , xn) e y = (y1, . . . , yn). Prove que∣∣∣

n∑

i=1

xiyi

∣∣∣ ≤ ‖x‖‖y‖, com a

igualdade valendo se, e somente se, x e y forem linearmente dependentes.

Exercıcio 3 Sejam f e g funcoes integraveis em [a, b].

(i) Prove que∣∣∣∫ b

afgdx

∣∣∣ ≤(∫ b

af2dx

)1/2(∫ b

ag2dx

)1/2

.

Sugestao: considere separadamente os casos 0 =

∫ b

a(f − λg)2dx para algum λ ∈ R e

0 <

∫ b

a(f − λg)2dx para todo λ ∈ R.

(ii) No caso em que temos igualdade, e verdade que f = λg para algum λ ∈ R? E se f e gforem contınuas?

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12 CAPITULO 1. REVISAO DE TOPOLOGIA EM RN

(iii) Existe alguma relacao entre a desigualdade do item (i) com a desigualdade do Exercıcio2?

Exercıcio 4 Uma transformacao linear T : Rn → Rn preserva norma se ‖Tx‖ = ‖x‖ paraqualquer x ∈ Rn e preserva produto interno se 〈Tx, Ty〉 = 〈x, y〉 para quaisquer x, y ∈ Rn.Prove que estas duas propriedades sao equivalentes. Prove ainda que, neste caso, T e bijetora eT−1 tambem satisfaz as mesmas propriedades.

Exercıcio 5 Definimos o angulo entre dois vetores nao nulos x, y ∈ Rn por

∠(x, y) := arccos

( 〈x, y〉‖x‖‖y‖

).

A transformacao linear T : Rn → Rn preserva angulo se T e bijetora e ∠(Tx, Ty) = ∠(x, y)para vetores nao nulos x e y.

(i) Prove que se T preserva norma, entao T preserva angulo.

(ii) Suponha que exista uma base x1, . . . , xn ortonormal de Rn e numeros λ1, . . . , λn tais queTxi = λixi, i = 1, . . . , n. Prove que T preserva angulo se, e somente se, |λi| sao todosiguais.

Exercıcio 6 Sejam 0 ≤ θ < π e T : R2 → R2 dada na forma matricial por

[cos θ sen θ− sen θ cos θ

].

Mostre que T preserva angulo e que, se x 6= 0, ∠(x, Tx) = θ.

Exercıcio 7 Se T : Rm → Rn e uma transformacao linear, mostre que existe uma constanteM > 0 tal que ‖Tx‖ ≤M‖x‖, para qualquer x ∈ Rm.

Sugestao: estime ‖Tx‖ em termos de ‖x‖ e das entradas da matriz de T .

Exercıcio 8 Seja X um espaco metrico e suponha que a11, . . . , amn sejam mn funcoes contınuasde X em R. Para cada p ∈ X, seja Ap a transformacao linear de Rn em Rm cuja matriz e(aij(p))m×n. Mostre que p 7−→ Ap e contınua de X em L(Rn,Rm).

Exercıcio 9 Dois vetores x, y ∈ Rn sao ortogonais se 〈x, y〉 = 0. Prove ou de um contraexemplo:

(i) se x e ortogonal a y, entao ‖x+ λy‖ ≥ ‖x‖ para qualquer λ ∈ R;

(ii) se ‖x+ λy‖ ≥ ‖x‖ para qualquer λ ∈ R, entao x e ortogonal a y.

Exercıcio 10 Seja f uma funcao contınua em Rn. Suponha que f(x) > 0 para qualquer x 6= 0 eque f(cx) = cf(x) para qualquer x ∈ Rn e qualquer c ∈ R, c > 0. Mostre que existem constantesa > 0 e b > 0 tais que a‖x‖ ≤ f(x) ≤ b‖x‖.

Sugestao: Considere primeiramente o conjunto x ∈ Rn : ‖x‖ = 1.

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1.7. EXERCICIOS DO CAPITULO 13

Exercıcio 11 Seja (X, d) um espaco metrico. Mostre que, para cadaM > 0, existe uma metricadM tal que dM (x, y) ≤M , para quaisquer x, y ∈ X e ainda (X, d) e (X, dM ) sao homeomorfos.Equivalentemente, todo espaco metrico e homeomorfo a um espaco metrico limitado.

Exercıcio 12 (Conjunto de Cantor) Seja C = [0, 1] \ (A1 ∪ A2 ∪ . . .), onde A1 = (13 ,23),

A2 = (19 ,29) ∪ (79 ,

89), A3 = ( 1

27 ,227) ∪ . . . ∪ (2527 ,

2627 ) e Aj e a uniao de 2j−1 intervalos abertos de

comprimento 3−j escolhidos similarmente. Mostre que C e fechado e que nao existe conjuntoaberto no qual C seja denso.

Observacao: uma das propriedades interessantes do conjunto de Cantor e que ele nosda um exemplo de conjunto nao enumeravel de medida nula, conceito que trabalharemos maisadiante no curso.

Exercıcio 13 Seja α um numero irracional fixado e Rα o conjunto de todas as retas da forma

y = αx+ (n− αm),

onde n,m ∈ Z. Mostre que R e um subconjunto denso de R2.

Sugestoes:

1- basta provar que o conjunto n− αm | n,m ∈ Z e denso no eixo y;

2- assuma que, dado ε > 0, existem numeros inteiros n′ e m′ suficientemente grandes tais

que 0 <n′

m′ − α <1

m′2 e1

m′ < ε. Este fato pode ser utilizado sem a prova. Para uma prova

consulte [8].

Exercıcio 14 Seja R+ o conjunto dos numeros reais positivos.

a) Mostre que a funcao contınua f : R+ → R dada por f(x) =1

1 + xe limitada mas nao

possui maximo nem mınimo.

b) Mostre que a funcao contınua g : R+ → R dada por g(x) = sen1

xe limitada mas nao

uniformemente contınua em R+.

Exercıcio 15 Sejam X = (−1, 1)×0 ⊂ R2 e U = B1(0) ⊂ R2. Note que X ⊂ B1(0). Mostreque nao existe ε > 0 tal que a ε–vizinhanca de X em R2 esteja contida em U .

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14 CAPITULO 1. REVISAO DE TOPOLOGIA EM RN

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Capıtulo 2

Diferenciabilidade

Neste capıtulo vamos estudar o calculo diferencial de funcoes f : Rn → Rm. As vezes, chamare-mos uma funcao de varias variaveis com valores em Rm de uma aplicacao. A teoria se baseiana aproximacao linear local dessas aplicacoes como no caso em que m = n = 1. Dentre osresultados que obteremos esta o que trata da diferenciabilidade da composta de duas funcoes(Regra da Cadeia). Alem disso, sendo a derivada uma aproximacao linear da uma funcao emum ponto onde ela e diferenciavel, estudaremos que tipo de informacoes qualitativas podemosobter analisando somente a derivada. Os principais resultados nessa direcao sao o Teorema daFuncao Inversa e o Teorema da Funcao Implıcita. O primeiro destes teorema ainda nos forneceraconsequencias importantes que sao as Formas Locais das Imersoes e das Submersoes e o Teoremado Posto.

Segunda aula (continuacao)↓

2.1 Definicoes basicas

Uma primeira tentativa para definirmos a diferenciabilidade de uma funcao f : Rn → Rm seria aseguinte: fixamos n− 1 variaveis e tratamos f como sendo uma funcao de apenas uma variavel.Isto feito, supondo que f esta sendo considerada como funcao de xi, definimos a derivada parcialde f na direcao xi como no caso de uma variavel. Assim, as derivadas parciais dao informacoesa respeito de f ao longo das direcoes dadas pelos eixos coordenados. Existe porem uma pequenamodificacao deste conceito que estuda a variacao de f localmente em direcoes dadas por umvetor fixado u.

Definicao 2.1 Sejam A ⊂ Rn um aberto, x0 ∈ A, u 6= 0 um vetor em Rn e f : A → Rm. Aderivada direcional de f em x0 na direcao de u, denotada por f ′(x0;u), e definida por

f ′(x0;u) := limh→0

f(x0 + hu)− f(x0)h

,

sempre que este limite existir.

Outra notacao para f ′(x0;u) e∂f

∂u(x0).

15

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16 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

Observacao 2.2 No caso em que u = ei, onde ei e o i-esimo vetor da base canonica de Rn,temos que a derivada direcional de f na direcao de u coincide com a derivada parcial de f

na direcao ei, e denotamos por∂f

∂xi.

Exemplo 2.3 Seja f : Rn → R dada por f(x) = ‖x‖2 e u ∈ Rn qualquer vetor fixado. Entao

f(x+ hu)− f(x) = 〈x+ hu, x+ hu〉 − ‖x‖2

= ‖x‖2 + 2h〈x,u〉+ h2‖u‖2 − ‖x‖2

= 2h〈x,u〉+ h2‖u‖2.

Segue que f ′(x;u) = 2〈x,u〉.

Ao tentarmos obter informacoes sobre a continuidade de uma funcao analisando suasderivadas direcionais encontraremos alguns problemas.

Exemplo 2.4 Seja f : R2 → R dada por

f(x, y) =

x+ y se xy = 0,1 caso contrario.

Entao∂f

∂x(0, 0) =

∂f

∂y(0, 0) = 1. Entretanto, f nao e contınua na origem. Note ainda que, para

qualquer direcao u = (a, b), com a 6= 0 e b 6= 0, temos que

f(0 + ha, 0 + hb)− f(0, 0)h

=f(ha, hb)

h=

1

h

e assim, nao existe f ′(0, 0;u).

No exemplo anterior a derivada direcional nao existia em direcoes diferentes daquelas dadaspelos eixos. Existem ainda funcoes que possuem derivadas direcionais em todas as direcoes emum dado ponto x0 mas que supreendetemente sao descontınuas em x0.

Exemplo 2.5 Seja f : R2 → R dada por

f(x, y) =

xy2

x2 + y4se x 6= 0,

0 se x = 0.

Consideremos um vetor u = (a, b) qualquer. Temos entao que, se a 6= 0,

f(0 + ha, 0 + hb)− f(0, 0)h

=h3ab2

h(h2a2 + h4b4)=

ab2

a2 + h2b4).

Segue que

f ′(0, 0;u) =

b2/a se a 6= 0,0 se x = 0.

Assim, existem as derivadas direcionais de f em (0, 0) em todas as direcoes. Entretanto, f naoe contınua em (0, 0). De fato, f(0, 0) = 0 mas, se calcularmos o limite de f em (0, 0) sobre aparabola x = y2 obteremos 1/2.

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2.1. DEFINICOES BASICAS 17

Terceira aula ↓

Para obtermos continuidade necessitamos de um conceito mais forte que derivadas dire-cionais que e a diferenciabilidade. Recordemos o caso de funcoes de R em R.

Dada uma funcao f : R→ R, definimos a derivada de f por meio do limite (se ele existir)

f ′(x) := limh→0

f(x+ h)− f(x)h

.

Definamos

g(h) :=f(x+ h)− f(x)

h− f ′(x).

Entao g nao esta definida em h = 0, mas

limh→0

g(h) = 0.

No caso em que h 6= 0 podemos escrever

f(x+ h)− f(x) = f ′(x)h+ hg(h).

Definindo g(0) = 0 observamos que a relacao acima continua sendo verdadeira em h = 0. Alemdisso, podemos substituir h por −h se substituirmos g por −g. Acabamos de verificar que, se fe diferenciavel, existe uma funcao g tal que

f(x+ h)− f(x) = f ′(x)h + |h|g(h),limh→0

g(h) = 0.(2.1)

Reciprocamente, suponha que existe λ ∈ R e uma funcao g tal que

f(x+ h)− f(x) = λh+ |h|g(h),limh→0

g(h) = 0.(2.2)

Se h 6= 0 temos quef(x+ h)− f(x)

h= λ+

|h|hg(h).

Logo, tomando o limite h→ 0 na expressao acima e observando que

limh→0

|h|hg(h) = 0,

obtemos que f e diferenciavel e que sua derivada f ′(x) vale justamente λ.

Segue dessa analise que a existencia de um numero λ e de uma funcao g satisfazendo (2.2)poderia ser usada como definicao de diferenciabilidade de funcoes de uma variavel real. Notemosainda na expressao (2.1) que a quantidade T (h) := f ′(x)h e linear em h. A derivada total deuma funcao de varias variaveis sera definida preservando as propriedades acima.

Definicao 2.6 Seja A ⊂ Rn e f : A → Rm. Suponha que A contenha uma vizinhanca de x0.Dizemos que f e diferenciavel em x0 se existe uma matriz B, do tipo m× n, tal que

limH→0

f(x0 +H)− f(x0)−B ·H|H| = 0.

A matriz B e chamada de derivada ou diferencial de f em x0, e e denotada por B = Df(x0).

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18 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

Na Definicao 2.6 utilizamos a norma do sup, mas poderıamos ter utilizado a norma eucli-diana sem nenhuma perda. Para que esta definicao faca sentido devemos observar que a matrizDf(x0), quando existe, e unica.

Lema 2.7 A derivada de f : A ⊂ Rn → Rm, quando existe, e unica.

Demonstracao. Suponha queB e C sejam duas matrizes que satisfazem a condicao na definicaode derivada. Segue que

limH→0

(C −B) ·H|H| = 0.

Fixado u 6= 0, tomamos H = tu e fazemos t → 0. Segue que (C − B) · u = 0 e, como u equalquer, C = B.

Mostremos que a definicao de diferenciabilidade que acabamos de dar, na qual a matrizDf(x0) e conhecida como derivada de Frechet, e mais forte que o conceito de derivada direcional,conhecida como derivada de Gateaux. De fato, diferenciabilidade implica em continuidade.

Teorema 2.8 Seja A ⊂ Rn e f : A→ Rm. Se f e diferenciavel em x0 ∈ A entao f e contınuaem x0.

Demonstracao. Para H pequeno de forma que x0 +H ∈ A temos que

f(x0 +H)− f(x0) = |H|(f(x0 +H)− f(x0)−Df(x0) ·H

|H|)+Df(x0) ·H.

Como a expressao dentro do parenteses tende a 0 quando H → 0 temos que

limH→0

f(x0 +H)− f(x0) = 0.

Logo f e contınua em x0.

Podemos ainda recuperar o conceito de derivada direcional utilizando o conceito de dife-renciabilidade.

Proposicao 2.9 Seja A ⊂ Rn e f : A → Rm. Se f e diferenciavel em x0 ∈ A entao f ′(x0;u)existe para qualquer vetor u ∈ Rn e

f ′(x0;u) = Df(x0) · u.

Em particular, se m = 1 entao

Df(x0) =( ∂f∂x1

(x0), . . . ,∂f

∂xn(x0)

).

Demonstracao. Seja B := Df(x0). Tomemos H = tu, t 6= 0, e substituimos na definicao dediferenciabilidade. Obtemos que

limt→0

f(x0 + tu)− f(x0)−B · tu|tu| = 0. (2.3)

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2.1. DEFINICOES BASICAS 19

Multiplicamos (2.3) por |u| ou por −|u|, dependendo se t > 0 ou t < 0, respectivamente. Emambos os casos obtemos

limt→0

(f(x0 + tu)− f(x0)t

)−B · u = 0.

Segue que f ′(x0;u) = B · u.Suponhamos agora que m = 1. Entao, por definicao, Df(x0) e uma matriz 1 × m que

escrevemos comoDf(x0) = (λ1 . . . λm).

Pela primeira parte deste teorema temos que

∂f

∂xj(x0) = f ′(x0; ej) = Df(x0) · ej = λj, j = 1, . . . ,m.

O resultado segue.

Observacao 2.10 No caso em que f : A ⊂ Rn → R e diferenciavel em x0, usamos a notacao

∇f(x0) :=( ∂f∂x1

(x0), . . . ,∂f

∂xn(x0)

),

chamado de gradiente de f em x0.

Sejam e1, . . . , en e u1, . . . , um as bases canonicas de Rn e Rm respectivamente. Dadaf : A ⊂ Rn → Rm diferenciavel em x0 ∈ A, definamos a transformacao linear T : Rn → Rm por

T (ei) := Df(x0) · ei = f ′(x0; ei).

Suponhamos que f = (f1, . . . , fm), isto e,

f(x) =

m∑

j=1

fj(x)uj .

Com esta notacao temos que

f ′(x0; ei) = limt→0

f(x0 + tei)− f(x0)t

= limt→0

m∑

j=1

fj(x0 + tei)− fj(x0)t

uj . (2.4)

Fazendo o produto interno de ambos os lados da igualdade (2.4) com uj, j = 1, . . . ,m, vemos

que cada termo na soma possui limite, o qual e justamente∂fj∂xi

(x0), ou seja

m∑

j=1

∂fj∂xi

(x0)uj = f ′(x0; ei) = T (ei).

Segue que a matriz de T com relacao as bases canonicas de Rn e Rm e

∂f1∂x1

(x0)∂f1∂x2

(x0) . . .∂f1∂xn

(x0)

......

......

∂fm∂x1

(x0)∂fm∂x2

(x0) . . .∂fm∂xn

(x0)

.

Tal matriz e chamada de Jacobiana de f em x0, sendo denotada por Df(x0). Ela estadefinida em qualquer ponto de Rn onde f e diferenciavel.

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20 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

2.2 O Teorema do Valor Medio

Para uma funcao diferenciavel g : R→ R, o Teorema do Valor Medio afirma que

g(x) − g(y) = g′(z)(x − y),

para algum z ∈ (x, y). Entretanto esta relacao nao e valida em geral para funcoes de Rn emRm. Vamos demonstrar que uma versao corrigida do teorema e valida. Utilizaremos a seguintenotacao: para x, y ∈ Rn, definimos

L(x, y) := tx+ (1− t)y | 0 ≤ t ≤ 1.

Teorema 2.11 (Teorema do Valor Medio) Sejam A ⊂ Rn um aberto e f : A → Rm dife-renciavel em todo ponto de A. Sejam x, y ∈ A tais que L(x, y) ⊂ A. Entao, para todo a ∈ Rm,existe z ∈ L(x, y) tal que

⟨a, (f(y)− f(x))

⟩=

⟨a,Df(z) · (y − x)

⟩.

Demonstracao. Seja u = y − x. Como A e aberto e L(x, y) ⊂ A, temos que existe δ > 0 talque x + tu ∈ A, para qualquer −δ < t < 1 + δ (basta usar o Teorema 1.24). Agora fixemosa ∈ Rm e definamos F : (−δ, 1 + δ)→ Rm por

F (t) :=⟨a, f(x+ tu)

⟩.

Notemos que

limh→0

F (t+ h)− F (t)h

=⟨a, f ′(x+ tu;u)

⟩.

Em particular, F e diferenciavel em (0, 1). Segue do Teorema do Valor Medio de uma variavelque existe 0 < θ < 1 tal que

F (1) − F (0) = F ′(θ) =⟨a, f ′(x+ θu;u)

⟩=

⟨a, f ′(z; y − x)

⟩=

⟨a,Df(z) · (y − x)

⟩,

onde z := x+ θu ∈ L(x, y). O resultado segue notando que F (1)−F (0) =⟨a, (f(y)− f(x))

⟩.

Observacao 2.12 1. No caso em que m = 1, tomando a = 1, o Teorema 2.11 implica que

f(y)− f(x) =⟨∇f(z), (y − x)

⟩,

para algum z ∈ L(x, y).

2. Tomando a de norma 1 segue do Teorema 2.11 que

‖f(y)− f(x)‖ ≤M‖y − x‖,

onde M e a norma de Df(z), para algum z ∈ L(x, y). Em particular, se A e convexo e asderivadas parciais de f sao limitadas em A, entao f e Lipschitz.

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2.3. UMA CONDICAO SUFICIENTE PARA DIFERENCIABILIDADE 21

2.3 Uma condicao suficiente para diferenciabilidade

Ate agora obtemos resultados que sao consequencias da hipotese de diferenciabilidade de umafuncao. Entretanto, vimos tambem que nem a existencia das derivadas direcionais em todasas direcoes de uma certa funcao em um dado ponto nao implicam na diferenciabilidade destafuncao neste ponto (ja que pode acontecer de nao termos nem mesmo continuidade). O proximoresultado mostra que a continuidade das derivadas parciais e suficiente para garantirmos adiferenciabilidade.

Teorema 2.13 Seja A ⊂ Rn um aberto e f : A → Rm, com f = (f1, . . . , fm). Suponha que as

derivadas parciais∂fj∂xi

das funcoes componentes existem em cada ponto de A e sao contınuas

em A. Entao f e diferenciavel em A.

Demonstracao. Primeiramente notemos que e suficiente provarmos o teorema no caso deuma funcao com valores em R. De fato, e um exercıcio mostrar que a diferenciabilidade de f =(f1, . . . , fm) e equivalente a diferenciabilidade de cada componente (compare com os argumentosno final da Secao 2.1 quando falamos de matriz Jacobiana).

Dados x0 ∈ A e ε > 0, consideremos o pontos x ∈ A tais que |x− x0| < ε.

Seja H = (h1, . . . , hm) ∈ Rm com 0 < |H| < ε. Consideremos entao os seguintes pontos deRm que sao vertices de um paralelepıpedo retangulo centrado em x0:

p0 = x0,

p1 = x0 + h1e1,

...

pm = x0 + h1e1 + . . .+ hmem = x0 +H.

Podemos escrever

f(x0 +H)− f(x0) =m∑

j=1

(f(pj)− f(pj−1)

). (2.5)

Suponhamos hj 6= 0 e definamos φ(t) := f(pj−1 + tej), t ∈ [−δ, hj + δ], para algum δ > 0.Notemos ainda que φ e difereciavel em t. Aplicando o Teorema do Valor Medio a φ concluimosque

f(pj)− f(pj−1) = φ(hj)− φ(0) = φ′(cj)hj =∂f

∂xj(qj)hj , (2.6)

para algum cj ∈ (0, hj), onde qj = pj−1 + cjej . Notemos que se hj = 0, entao (2.6) valeautomaticamente. Substituindo (2.6) em (2.5) concluimos que

f(x0 +H)− f(x0) =m∑

j=1

∂f

∂xj(qj)hj . (2.7)

Subtraindo 〈∇f(x0),H〉 em ambos os lados da igualdade (2.7) e dividindo por |H| nos da

f(x0 +H)− f(x0)− 〈∇f(x0),H〉|H| =

m∑

j=1

( ∂f∂xj

(qj)−∂f

∂xj(x0)

) hj|H| .

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22 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

Fazendo H → 0, vemos que qj → x0. Usando a continuidade das derivadas pariciais e a limitacaodo quociente hj/|H| obtemos o resultado.

Uma funcao f : A ⊂ Rn → Rm cujas derivadas parciais existem e sao contınuas em A echamada de continuamente diferenciavel ou de classe C1 em A. No decorrer deste texto usaremosainda a notacao

Djf(x) :=∂f

∂xj.

Suponha que f : A ⊂ Rn → Rm e que as derivadas pariciais das componentes de f , dadaspor Djfi, existam. Estas sao, portanto, funcoes de A em Rm. Podemos entao considerar as suasderivadas parciais Dk(Djfi) = Dk,jfi, que sao as chamadas derivadas parciais de segunda ordemde f . Similarmente definimos as derivada de terceira ordem, e assim por diante. Se as derivadasparciais de f ate ordem r existem e sao contınuas, dizemos que f e de classe Cr. Dizemos aindaque f e de classe C∞ se as derivadas parciais de todas as ordens de f existem.

2.4 O Teorema de Clairaut-Schwarz

Esta secao nao foi trabalhada em sala de aula.

O Teorema de Clairaut-Schwarz nos da condicoes sob as quais temos a igualdade dasderivadas parciais de segunda ordem mistas Dk,jf e Dj,kf .

Teorema 2.14 (Teorema de Clairaut-Schwarz) Seja A ⊂ Rn um aberto e f : A → R umafuncao de classe C2. Entao, para cada x0 ∈ A,

DkDjf(x0) = DjDkf(x0).

Demonstracao. Nao faremos por enquanto a demosntracao deste resultado. Os interessadospodem consultar a referencia [9]. Mais adiante, ao estudarmos o Teorema de Fubini teremoscondicoes de dar uma prova elementar deste teorema.

Quarta aula ↓

2.5 A Regra da Cadeia

Para funcoes f e g tais que a composta h = f g pode ser calculada, a regra da cadeia nos dizcomo calcular a derivada total de h em termos da derivada total de f e de g.

Teorema 2.15 Sejam A ⊂ Rn e B ⊂ Rm. Consideremos as funcoes f : A→ Rm e g : B → Rp

tais que f(A) ⊂ B e com f(x0) = y0. Se f e diferenciavel em x0 e g e diferenciavel em y0,entao a composta g f e diferenciavel em x0 e, alem disso,

D(g f)(x0) = Dg(y0) ·Df(x0),

onde o ponto “·” indica o produto das matrizes jacobianas de g e f respectivamente.

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2.5. A REGRA DA CADEIA 23

Demonstracao. Pela continuidade de g em y0, podemos tomar ε > 0 tal que g esta definida noconjunto Cε(y0). Similarmente, escolhemos δ > 0 tal que f esteja definida em Cδ(x0) e ainda,f(x) ∈ Cε(y0), para qualquer x ∈ Cδ(x0). Segue que a composta g f esta definida em Cδ(x0).

f g

cy0x0

δ ε

Tomemos H ∈ Rn tal que 0 < |H| < δ. Assim,

g f(x0 +H)− g f(x0) = g(f(x0 +H))− g(f(x0)) = g(z + y0)− g(y0),

onde y0 = f(x0) e z = f(x0 +H)− f(x0). Pela diferenciabilidade de f em x0 podemos escrever

z = f(x0 +H)− f(x0) = Df(x0) ·H + |H|Ef (H),

onde limH→0

Ef (H) = 0.(2.8)

Analogamente, a diferenciabilidade de g em y0 implica que

g(z + y0)− g(y0) = Dg(y0) · z + |z|Eg(z),

onde limz→0

Eg(z) = 0.(2.9)

Substituindo (2.8) em (2.9) obtemos

g(z + y0)− g(y0) = Dg(y0)[Df(x0) ·H

]+ |H|Dg(y0)Ef (H) + |z|Eg(z)

= Dg(y0)[Df(x0) ·H

]+ |H|E(H),

onde

E(H) := Dg(y0)Ef (H) +|z||H|Eg(z), H 6= 0, E(0) = 0.

A prova estara completa se provarmos que

limH→0

E(H) = 0.

Notemos que z → 0 quando H → 0. Logo, Ef (H) → 0 e Eg(z) → 0 quando H → 0. Vamos

entao mostrar que o quociente|z||H| esta limitado quando H → 0, o que finalizara a prova. Segue

de (2.8) que

|z||H| =

|Df(x0) ·H + |H|Ef (H)||H| ≤ |Df(x0)|+ |Ef (H)| ≤ Df(x0) +M, (2.10)

onde |Ef (H)| ≤M .

Abaixo temos duas consequencias da regra da cadeia.

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24 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

Corolario 2.16 Sejam A ⊂ Rn e B ⊂ Rm. Consideremos as funcoes f : A→ Rm e g : B → Rp

tais que f(A) ⊂ B. Se f e g sao de classe Cr, entao a composta g f tambem sera de classeCr.

Corolario 2.17 Sejam A ⊂ Rn aberto, f : A → Rm com f(x0) = y0. Suponha que g e umafuncao definida em uma vizinhaca de y0 com imagem em Rn que ainda satisfaz g(y0) = x0 e

g(f(x)) = x

para todo x e uma vizinhanca de x0. Se f for diferenciavel em x0 e g for diferenciavel em y0,entao

Dg(y0) = [Df(x0)]−1.

Demonstracao. Seja i : Rn → Rn a funcao identidade. Sua derivada e a matriz In. Segue que

Dg(y0) ·Df(x0) = In.

Como a inversa a direita de uma matriz e tambem inversa a esquerda (veja o Teorema 2.5 de[9]), temos o resultado.

2.6 O Teorema da Funcao Inversa

Nesta secao consideraremos um dos teoremas mais basicos da teoria que desenvolveremos nocurso. Juntamente com o Teorema da Funcao Implıcita, o Teorema da Funcao Inversa ilustra aideia de que um sistema nao linear de equacoes se comporta essencialmente como sua linearizacaoenquanto os termos lineares dominarem (em um certo sentido) os termos nao lineares. Resultadosdessa natureza sao muito importantes em Analise, em particular em equacoes diferenciais.

A demonstracao que apresentaremos nestas notas e baseada Teorema do Ponto Fixo deBanach (Teorema 2.24). Para uma demonstracao baseada em estimativas elementares encora-jamos a leitura de [12] ou [9]. Historicamente, o uso do Teorema 2.24 na prova do Teoremada Funcao Inversa possui suas raızes no metodo iterativo de Goursat ([3]), que e inspirado nometodo iterativo de Picard para existencia de solucoes de equacoes diferenciais ordinarias. Foijustamente o fato de o mesmo prinıpio utilizado na demonstracao ser utilizado em outras areasda Analise que nos motivou a apresentar esta prova.

Definicao 2.18 Sejam U e V subconjuntos abertos de Rn. Dizemos que f : U → V e umdifeomorfismo de classe Cr se:

1. f e um homeomorfismo;

2. tanto f quanto f−1 sao de classe Cr.

Exemplo 2.19 Fixados a, b ∈ Rn, a aplicacao Ta,b : Rn → Rn dada por Ta,b(x) = x+ (b− a) e

um difeomorfismo de classe C∞.

Exemplo 2.20 Dada uma matriz An×n nao singular (detA 6= 0), a funcao TA : Rn → Rn dadapor TA(x) = Ax e um difeomorfismo de classe C∞.

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2.6. O TEOREMA DA FUNCAO INVERSA 25

O seguinte resultado reflete o fato da existencia de um difeomorfismo ser uma relacao deequivalencia entre os subconjuntos abertos de Rn.

Lema 2.21 Sejam U, V,W subconjuntos abertos de Rn. Consideremos as funcoes f : U → Ve g : V → W a composicao h = g f : U → W . Se quaisquer duas destas funcoes forem umdifeomorfismo, entao a terceira tambem sera.

Enunciamos agora o principal resultado desta secao.

Teorema 2.22 (Teorema da Funcao Inversa) Seja W um subconjunto aberto de Rn e con-sidere f : W → Rn uma funcao de classe Cr, r = 1, 2, . . . ,∞. Se x0 ∈ W e Df(x0) e naosingular, entao existe uma vizinhanca aberta U de x0, U ⊂ W , tal que V = F (U) e aberto eF : U → V e um difeomorfismo de classe Cr. Alem disso, se x ∈ U e y = f(x), entao temos aseguinte formula para a derivada de f−1 em y:

Df−1(y) =[Df(x)

]−1.

Para demonstrarmos o Teorema 2.22 ainda necessitamos alguns fatos, ja que faremos aprova baseando-nos no Teorema do Ponto Fixo de Banach.

Definicao 2.23 Seja (X, d) um espaco metrico. Dizemos que xnn∈N ⊂ X e uma sequenciade Cauchy em X se d(xi, xj)→ 0 quando i, j →∞. O espaco X e chamado de completo setoda sequencia de Cauchy em X e convergente.

Teorema 2.24 (Teorema do Ponto Fixo de Banach) Seja (X, d) um espaco metrico com-pleto e T : X → X uma funcao. Suponhamos que exista uma constante 0 ≤ λ < 1 tal que, paraquaisquer x, y ∈ X,

d(T (x), T (y)) ≤ λd(x, y).Entao T possui um unico ponto fixo em X.

Demonstracao. Aplicando T repetidamente temos que d(T n(x), T n(y)) ≤ λnd(x, y).Afirmacao: se escolhemos x0 ∈ X arbitrario e definimos xn := T n(x0), entao existe uma

constante K ≥ 0 independente de n,m tal que d(xn, xn+m) ≤ λnK. De fato,

d(xn, xn+m) = d(T n(x0), Tn(Tm(x0))) ≤ λnd(x0, Tm(x0)).

Pela Desigualdade Triangular,

d(x0, Tm(x0)) ≤ d(x0, T (x0)) + d(T (x0), T

2(x0)) + . . .+ d(Tm−1(x0), Tm(x0))

≤ (1 + λ+ . . . + λm−1)d(x0, T (x0)) ≤1

1− λd(x0, T (x0)).

A afirmacao segue se tomarmos K =1

1− λd(x0, T (x0)).Segue que xn possui um limite, o qual denotamos por a. Como xn+1 possui obviamente

o mesmo limite, temos que

d(a, T (a)) = limn→∞

d(xn, T (xn)) = limn→∞

d(xn, xn+1) = 0.

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26 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

Logo T (a) = a. Note que, se tivessemos dois pontos fixos a e b, entao

d(a, b) = d(T (a), T (b)) ≤ λd(a, b),

contradizendo o fato de 0 ≤ λ < 1.

Demonstracao do Teorema 2.22.

Vamos organizar a prova em varios passos.

Passo (i): podemos assumir que x0 = 0, f(0) = 0 e Df(0) = In, a matriz identidade.

De fato, o caso geral segue da seguinte forma: compondo com os difeomorfismos do Exemplo2.19 podemos transladar a origem para x0 e depois y0 para a origem; apos isso, compomos afuncao resultante com o difeomorfismo do Exemplo 2.20 com A = [Df(x0)]

−1; finalmente usamoso Lema 2.21.

Definamos agorag(x) = x− f(x).

Entao g(0) = 0 e Dg(0) = 0n (a matriz nula de ordem n).

Passo (ii): existe um numero real r > 0 tal que Df e nao singular na bola fechada B2r(0) ⊂We, para quaisquer x1, x2 ∈ Br(0), temos que

|g(x1)− g(x2)| ≤1

2|x1 − x2| (2.11)

e|x1 − x2| ≤ 2|f(x1)− f(x2)|. (2.12)

Para verificarmos esta afirmacao tomamos inicialmente r1 > 0 tal que B2r1(0) ⊂W . Alemdisso, como det(Df(x0)) e uma funcao contınua de x ∈ W e nao se anula em uma vizinhancade 0, selecionamos r2 > 0 tal que det(Df(0)) nao se anula em B2r2(0). Finalmente, como‖Dg(0)‖ = 0, podemos tomar r3 > 0 tal que ‖Dg(x)‖ ≤ 1/2 para x ∈ B2r3(0). Consideremosr = minr1, r2, r3. A desigualdade (2.11) segue do item 2 da Observacao 2.12. A desigualdade(2.12) por sua vez segue substituindo g(xi) por xi − f(xi), i = 1, 2. De fato:

|x1 − f(x1)− x2 + f(x2)| ≤1

2|x1 − x2|

por (2.11), e Pela continuidade da norma,

|x1 − x2| − |f(x1)− f(x2)| ≤ |(x1 − x2)− (f(x1)− f(x2))|.

Combinando estas duas desigualdades teremos (2.12).

Passo (iii): se |x| ≤ r, entao |g(x)| ≤ r/2, isto e, g(Br(0)) ⊂ Br/2(0). Alem disso, para cada

y ∈ Br/2(0), existe x ∈ Br(0) tal que f(x) = y.

A primeira parte da afirmacao segue de (2.11) tomando-se x1 = x e x2 = 0. Ja a segundaparte necessitara do Teorema 2.24. Para cada y ∈ Br/2(0) e cada x ∈ Br(0) temos que

|y + g(x)| ≤ |y|+ |g(x)| ≤ r

2+r

2= r.

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2.6. O TEOREMA DA FUNCAO INVERSA 27

Segue que a aplicacao Ty : Br(0) → Br(0) dada por Ty(x) := y + g(x) esta bem definida. Alemdisso satisfaz

|Ty(x1)− Ty(x2)| = |g(x1)− g(x2)| ≤1

2|x1 − x2|.

Assim, como Br(0) e um espaco metrico completo, Ty possui um unico ponto fixo x e Ty(x) = xse, e somente se, y = x − g(x) = x − (x − f(x)) = f(x). Como isto e valido para qualquery ∈ Br/2(0), vemos que f−1 fica definida neste conjunto.

Segue da continuidade de f que U = f1(Br/2(0)) e aberto em W . Seja V = Br/2(0).

Passo (iv): f e um homeomorfismo do conjunto aberto U ⊂W sobre o conjunto aberto V .

Como a existencia de f−1 segue do passo (iii), falta mostrarmos sua continuidade. Sejamx1, x2 ∈ U e y1 = f(x1), y2 = f(x2). Segue de (2.12) que

|f−1(y1)− f−1(y2)| ≤ 2|y1 − y2|,

e f−1 : V → U e contınua.

Passo (v): seja b = f(a) em V . Entao f−1 e diferenciavel em b e Df−1(b) = [Df(a)]−1.

Pela diferenciabilidade de f em a podemos escrever:

f(a+H)− f(a) = Df(a) ·H + |H|Ef (H),

onde limH→0Ef (H) = 0. Tomando x := a+H, segue que

f(x)− f(a) = Df(a) · (x− a) + |x− a|R(x, a),

onde R(x, a) → 0 quando x → a. Pelo passo (ii), Df(a) e nao singular. Seja A = [Df(a)]−1.Multiplicando ambos os lados da expressao anterior por A e usando y = f(x) nos obtemos

A · (y − b) = f−1(y)− f−1(b) + |f−1(y)− f−1(b)|A ·R(f−1(y), f−1(b)).

Isto implica quef−1(y)− f−1(b) = A · (y − b) + |y − b|R(y, b),

onde

R(y, b) := −|f−1(y)− f−1(b)||y − b| A · R(f−1(y), f−1(b)).

Para finalizarmos a prova do passo (v) falta mostrarmos que R(y, b) → 0 quando y → b. Paratanto notemos que a desigualdade (2.12) implica que

∣∣∣− |f−1(y)− f−1(b)||y − b|

∣∣∣ ≤ 2.

Como f−1 e contınua e A e uma matriz consante segue que R(y, b)→ 0 quando y → b. Tomandoy = b+ H segue que f−1 e diferenciavel em b e que

Df−1(b) = A = [Df(a)]−1.

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28 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

Quinta aula ↓

Para finalizarmos a demonstracao do Teorema da Funcao Inversa temos que demonstrar oseguinte:

Passo (vi): se f e de classe Cr em U , entao f−1 e de classe Cr em V .

Para y ∈ V , vimos que Df−1(y) = [Df(f−1(y))]−1. Agora notemos que f−1 e contınua emV e sua imagem e U , Df e de classe Cr−1 e nao singular em U e, finalmente, as entradas dainversa de uma matriz nao singular sao funcoes C∞ das entradas da matriz. Segue que Df−1 epelo menos contınua em V e f−1 e C1. Com um raciocınio indutivo vemos que f−1 e de classeCr.

Temos como consequencia imediata do Teorema 2.22 o seguinte corolario:

Corolario 2.25 Se Df e nao singular em todo ponto de W , entao f e uma aplicacao aberta,isto e, aplica W e subconjuntos abertos de Rn contidos em W em subconjuntos abertos de Rn.

Exemplo 2.26 Seja g : R2 → R2 dada por g(s, t) = (cosh s cos t, senh s sen t). Entao

Dg(s, t) =

[senh s cos t − cosh s sen tcosh s sen t senh s cos t

].

Segue que det(Dg(s, t)) = senh2 s cos2 t + cosh2 s sen2 t = senh2 s + sen2 t, onde usamos quecos2 t+ sen2 t = 1 e cosh2 s = 1 + senh2 s.

Definamos ∆ := (s, t) ∈ R2 | s > 0. Segue que, em ∆, senh s > 0 e assim det(Dg(s, t)) >0. Segue do Teorema da Funcao Inversa que g e localmente inversıvel. Pela periodicidade decos e de sen, temos que g(s, t + 2π) = g(s, t). Assim g nao e injetora. Mas pelo Corolario 2.25temos que g(∆) e aberto em R2.

Seja ∆ = (s, t) ∈ R2 | s > 0, 0 < t < 2π e g := g∣∣∆. Vamos mostrar que g possui uma

inversa. Nao e facil resolver explicitamente o sistema

x = cosh s cos t, y = senh s sen t.

Entretanto, vamos verificar o que acontece ao fixarmos s = c. Para cada c > 0, g(c, t) representaa elipse

x2

cosh2 c+

y2

senh2 c= 1.

Note que cada uma dessas elipses possui −e1 e e1 como foco e, alem disso, g(c, 0) = g(c, 2π) =(cosh c)e1.

Se s1 6= s2, entao os pontos de g(s1, t) e g(s2, t) estao em elipses diferentes. Alem disso,g(s, t1) = g(s, t2) implica que t1 = t2. Consequentemente, g(s1, t1) = g(s2, t2) implica ques1 = s2 e t1 = t2 e g e injetora. A imagem de ∆ por g e R2 com a semi-reta no eixo x de −e1a +∞ deletada. A parte do bordo de ∆ no eixo s e aplicada por g na semi-reta de e1 a +∞ ea parte vertical do bordo de ∆ e aplicada por g no segmento que liga −e1 a e1. Note , que, porperiodicidade g(∆) e R2 com o segmento ligando −e1 a e1 removido.

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2.6. O TEOREMA DA FUNCAO INVERSA 29

x

y

s

t

c

g

A seguir daremos um exemplo que mostra que a nao podemos retirar a hipotese de con-tinidade das derivadas no Teorema da Funcao Inversa.

Exemplo 2.27 Dado 0 < α < 1, consideremos a funcao

f(x) =

αx+ x2 sen

1

xse x 6= 0,

0 se x = 0.

Calculando a derivada de f temos que

f ′(x) =

α+ 2x sen

1

x− cos

1

xse x 6= 0,

α 6= 0 se x = 0,

onde a derivada em x = 0 foi calculada diretamente examinando o limite da definicao.

Notemos que f ′ nao e contınua em x = 0, o que implica que a hipotese de continuidadeda derivada do Teorema da Funcao Inversa nao e satisfeita. Vamos mostrar que f nao posuiinversa local em qualquer vizinhanca da origem.

Utilizaremos o seguinte fato: se f ′(x) = 0 e f ′′(x) 6= 0, entao f nao possui inversa localem uma vizinhanca de x. Afirmamos que existem infinitos pontos desta forma em qualquervizinhanca de x = 0. Note que f ′(x) = 0, x 6= 0 se

α+ 2x sen1

x= cos

1

x.

Como 0 < α < 1, analisando o grafico das expressoes em ambos os lados da igualdade acimavemos que f ′ possui infinitos zeros em qualquer vizinhanca de x = 0. Resta mostrarmos quetais zeros de f ′ nao sao zeros de f ′′. Isto e feito por contradicao. Calculamos:

f ′′(x) =(2− 1

x2

)sen

1

x−( 2x

)cos

1

x, x 6= 0.

Se tivessemos f ′(x) = 0 e f ′′(x) = 0 com x 6= 0, deverıamos ter que o sistema

2xS − C = −α(2− 1

x2

)S −

(2x

)C = 0,

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30 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

possui solucao, onde S = sen1

xe C = cos

1

x. Por outro lado, pela Regra de Cramer,

S = α−2x

1 + 2x2,

C = α1 − 2x2

1 + 2x2.

Segue que

1 = S2 + C2 = α2 1 + 4x4

(1 + 2x2)2,

e tomando x pequeno o bastante vemos que o lado direito da igualdade acima e menor que 1,obtendo uma contradicao.

2.7 O Teorema da Funcao Implıcita

Nas disciplinas de Calculo nos deparamos com um “princıpio”, nem sempre cuidadosamenteenunciado, que nos diz que a equacao f(x, y) = 0 determina implicitamente uma das variaveis xou y como funcao da outra. Esta afirmacao e correta em uma vizinhanca U de qualquer ponto

(x0, y0) tal que f(x0, y0) = 0 e sempre que pelo menos uma das derivadas parciais∂f

∂x(x0, y0)

ou∂f

∂y(x0, y0) nao se anule. Este e uma caso especial do Teorema da Funcao Implıcita que

apresentamos nesta secao.

Teorema 2.28 (Teorema da Funcao Implıcita) Seja A ⊂ Rk+n := Rk×Rn um subconjuntoaberto e f : A→ Rn de classe Cr. Denotaremos um ponto de Rk+n por (x, y), significando quex ∈ Rk e y ∈ Rn. Alem disso, denotaremos

Df(x, y) =

[∂f

∂x

∂f

∂y

].

Suponha que (x0, y0) ∈ A satisfazem f(x0, y0) = 0 e

det(∂f∂y

(x0, y0))6= 0.

Entao existe uma vizinhanca B de x0 em Rk e uma unica funcao g : B → Rn tal que g(x0) = y0e

f(x, g(x)) = 0, para qualquer x ∈ B.Alem disso, g e de classe Cr em B.

Demonstracao. Vamos construir uma funcao F que satisfaz as hipoteses do Teorema da FuncaoInversa. Definimos F : A→ Rk+n por

F (x, y) = (x, f(x, y)).

Note que F e de classe Cr em A e

DF =

Ik 0∂f

∂x

∂f

∂y

.

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2.7. O TEOREMA DA FUNCAO IMPLICITA 31

Utilizando desenvolvimento por meio de cofatores para o calculo de determinantes temos que

det(DF ) = det(∂f∂y

). Segue daı que DF e nao singular em (x0, y0).

Observe que F (x0, y0) = (x0, 0). Pelo Teorema da Funcao Inversa aplicado a F concluımosque existe um conjunto aberto U × V ⊂ Rk+n, vizinhanca de (x0, y0) tal que:

1. F aplica U ×V difeomorficamente sobre um conjunto abertoW ⊂ Rk+n, com (x0, 0) ∈W ;

2. a funcao G : W → U × V inversa de F e de classe Cr.

Como F (x, y) = (x, f(x, y)), temos que

(x, y) = G(x, f(x, y)),

ou seja, G deixa fixo as k primeiras coordenadas. Logo, podemos escrever

G(x, z) = (x, h(x, z)),

para alguma h : W → Rn. Ademais, como G e de classe Cr, h deve ser de classe Cr.

Seja B uma vizinhanca conexa de x0 ∈ Rk, escolhida de forma que B×0 ⊂W . Se x ∈ Btemos que

G(x, 0) = (x, h(x, 0)),

e aplicando F em ambos os lados vemos que

(x, 0) = F (x, h(x, 0)) = (x, f(x, h(x, 0))).

Comparando as coordenadas temos que f(x, h(x, 0)) = 0 sempre que x ∈ B. Definimos entaog : B → Rn por g(x) := h(x, 0). Segue que g e de classe Cr e satisfaz f(x, g(x)) = 0 para x ∈ B.Alem disso,

(x0, y0) = G(x0, 0) = (x0, h(x0, 0)) = (x0, g(x0)),

e g(x0) = y0 como desejado.

Resta mostrarmos que g e unica e para isto usaremos que B e conexo.

Seja g0 uma outra funcao que satisfas as conclusoes do teorema. Em particular, g0(x0) =g(x0) = y0. Como g(x0) ∈ V , por continuidade temos que g0(x) ∈ V para todo x ∈ B0, ondeB0 e uma vizinhanca de x0 contida em B. O fato de f(x, g0(x)) = 0 em B0 implica que

F (x, g0(x)) = (x, 0)

e portanto

(x, g0(x)) = G(x, 0) = (x, h(x, 0)) = (x, g(x)).

Assim, g0 e g coincidem em B0. Com isso, o conjunto B1 := x ∈ B | |g0(x)−g(x)| = 0 e abertoem B e, por continuidade, tambem e aberto o conjunto B2 := x ∈ B | |g0(x)− g(x)| > 0. MasB = B1 ∪B2 com B1 6= ∅ e B1 ∩B2 = ∅. Pela conexidade de B segue que B2 = ∅.

O teorema esta provado.

Sexta aula ↓

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32 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

2.8 A forma local das submersoes

Vamos nos concentrar nesta secao no caso de uma funcao diferenciavel onde a dimensao dodomınio e maior que a dimensao da imagem. E razoavel esperarmos que, como a derivada nosfornece o comportamento local da funcao, a situacao mais forte que poderıamos ter nesse caso eque a derivada fosse sobrejetora. Este caso na verdade ja foi tratado essencialmente no Teoremada Funcao Implıcita, mas vamos somente ressaltar um carater mais geral neste secao.

Definicao 2.29 Seja A ⊂ Rk+n um aberto. Uma aplicacao diferenciavel f : A→ Rn e chamadade submersao se, para qualquer x ∈ A, a derivada Df(x) : Rk+n → Rn e sobrejetora.

A submersao canonica e a projecao π : Rk+n → Rn dada por π(x, y) = y. De fato, do pontode vista local, toda submersao se comporta localmente como a projecao.

Teorema 2.30 (Forma Local das Submersoes) Sejam A ⊂ Rk+n um aberto e f : A → Rn

uma funcao de classe Cr, r ≥ 1. Suponha que, no ponto z0 ∈ A, a derivada Df(z0) sejasobrejetora. Consideremos uma decomposicao em soma direta N ⊕ E = Rk+n e escrevemosz0 = (x0, y0) com x0 ∈ N e y0 ∈ E. Escolhemos N e E de forma que Df(z0)

∣∣E

seja umisomorfismo. Entao, existem abertos V,W e Z tais que

x0 ∈ V, V ⊂ N,z0 ∈ Z, Z ⊂ A,f(z0) ∈W, W ⊂ Rn,

e um difeomorfismo de classe Cr h : V ×W → Z tal que f h(x, y) = y.

A

z0

Z

f(z0)

f

x0

y0 W

V

h

W

Demonstracao. Como ja observamos anteriormente, este resultado ja esta essencialmentecontido no Teorema da Funcao Implıcita, e portanto devmos seguir as ideias da demonstracaodaquele teorema.

Lembremos que, dada uma tranformacao linear T : Rk+n → Rn sobrejetora, existe umadecomposicao Rk+n = N ⊕ E, dimN = k e dimE = n, e tal que T

∣∣E

e um isomorfismo. Defato, Te1, . . . , T ek+n geram Rn e assim podemos tomar neste conjunto n vetores linearmenteindependentes.

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2.9. A FORMA LOCAL DAS IMERSOES 33

Podemos supor ainda que N = Rk e E = Rn. De fato, basta usarmos difeomorfismos quepermutam as coordenadas.

Agora procedemos como na demonstracao do Teorema 2.28. Definamos F : A → Rk × Rn

por F (x, y) = (x, f(x, y)). Entao DF (x0, y0) e nao singular e, se f(x0, y0) = c0, podemosaplicar o Teorema da Funcao Inversa para escolhermos uma vizinhanca de (x0, y0) que e aplicadadifeomorficamente em uma vizinhanca V ×W de (x0, c0). Aı definimos

Z = F−1(V ×W ), F−1 : V ×W → Z.

Seja h := F−1. Entao, como F−1(x, f(x, y)) = (x, y), devemos ter h(x, y) = (x, h1(x, y)). Masassim, se (x, y) ∈ V ×W ,

(x, y) = F h(x, y) = F (x, h1(x, y))

= (x, f h(x, y)) =,

isto e, f h(x, y) = y, para qualquer (x, y) ∈ V ×W .

2.9 A forma local das imersoes

Nesta secao consideraremos o caso de uma funcao difereneciavel na qual a dimensao do domınioe menor que a dimensao da imagem. Do ponto de vista da diferenciabilidade, o melhor quepodemos esperar neste caso e que a derivada seja injetora.

Definicao 2.31 Seja A ⊂ Rk um aberto. Uma aplicacao diferenciavel f : A→ Rk+n e chamadade imersao se, para qualquer x ∈ A, a derivada Df(x) : Rk → Rk+n e injetora.

A imersao canonica e a inclusao i : Rk → Rk+n dada por i(x) = (x, 0). De fato, do pontode vista local, toda imersao se comporta localmente como a inclusao.

Teorema 2.32 (Forma Local das Imersoes) Sejam A ⊂ Rk um aberto e f : A→ Rk+n umafuncao de classe Cr, r ≥ 1. Suponha que, no ponto x0 ∈ A, a derivada Df(x0) seja injetora.Entao, existem abertos V,W e Z tais que

f(x0) ∈ Z, Z ⊂ Rk+n,

x0 ∈ V, V ⊂ A ⊂ Rk,

0 ∈W, W ⊂ Rn,

e um difeomorfismo h : Z → V ×W , de classe Cr, tal que h f(x) = (x, 0).

Demonstracao. Seja E = Df(x0)(Rk) e tomemos P qualquer subespaco complementar de E,

isto e, Rk+n = E ⊕ P . Por injetividade e compondo com difeomorfismos que permutam a base,vamos supor que E = Rk e P = Rn. Isto nos permite definir G : A× Rn → Rk+n por

G(x, y) = f(x) + (0, y),

de forma que G e de classe Cr, G(x0, 0) = f(x0) e

Dg(x0, 0) =

[Df(x0) 0

0 In

],

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34 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

ja que permutamos a base de maneira que Df(x0)(Rk) = Rk. Segue que DG(x0, 0) e nao

singular. Pelo Teorema da Funcao Inversa, G e um difeomorfismo de classe Cr de uma vizinhancade (x0, 0), a qual escolheremos da forma V × W ⊂ A × Rn, em uma vizinhanca de f(x0).Definamos Z := G(V ×W ) e h := G−1 : Z → V ×W . Uma vez que G(x, 0) = f(x), temos que

h f(x) = h(G(x, 0)) = G−1(G(x, 0)) = (x, 0),

para qualquer x ∈ V , demonstrando o teorema.

2.10 O Teorema do posto

Definicao 2.33 Seja T : Rk → Rn uma aplicacao linear. O posto de T e dimensao de suaimagem T (Rk).

De Algebra Linear sabemos que oposto de T : Rk → Rn e igual a ρ se, e somente se, a matrizque representa T possui um determinante menor de ordem ρ× ρ nao-nulo e todo determinantemenor de ordem (ρ+ 1)× (ρ+ 1) e nulo.

Definicao 2.34 Sejam A ⊂ Rk aberto e f : A → Rn uma funcao diferenciavel. O posto de fem x ∈ A e o posto de sua derivada Df(x).

Seja f : A ⊂ Rk → Rn diferenciavel no aberto A. Se f e uma submersao, entao o postode f e n em qualquer ponto x ∈ A. Ja no caso em que f e uma imersao, o posto de f e k emqualquer ponto x ∈ A. Por esta razao, as imersoes e submersoes sao chamadas de funcoes deposto maximo.

Lembrando que o determinante e uma funcoes contınua das entradas de uma matriz, vemosque, se f : A ⊂ Rk → Rn e de classe C1 e se o posto de Df(x) e ρ, entao em alguma vizinhancade x o posto de Df(x) sera maior ou igual a ρ. Em geral a desigualdade estrita e possıvel. Defato, definindo f : R2 → R2 por f(x, y) = (x2 + y2, 2xy) teremos

Df(x, y) =

[2x 2y2y 2x

],

cujo o posto e 2 em todo R2, exceto nas retas y = ±x. O posto de Df(x, y) sobre estas retas,exceto no ponto (0, 0), sendo igual a 0 neste ponto.

Sempre que compormos uma funcao diferenciavel f com difeomorfismos teremos que o postodessa composicao sera igual ao posto de f . Isto segue de fatos de Algebra Linear e do fato dedifeomorfismos possuirem derivadas nao singulares.

O teorema que apresentaremos nesta secao nos diz que funcoes de classe C1 que possuemposto constante em um aberto se comportam localmente como uma projecao seguida de umainclusao. Em particular, ele generaliza as formas locais das imersoes e das submseroes.

Antes de enunciarmos o Teorema do Posto, deixe-nos fazer um comentario sobre notacao queutilizaremos no decorrer da sua demonstracao. Dada uma funcao f : A ⊂ Rn → Rm diferenciavel,sejam f1, . . . , fm suas funcoes componentes. A matriz Jacobiana Df e tambem denotada por

Df =∂(f1, . . . , fm)

∂(x1, . . . , xn).

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2.10. O TEOREMA DO POSTO 35

Teorema 2.35 (Teorema do Posto) Sejam A0 ⊂ Rn e B0 ⊂ Rm abertos, f : A0 → B0 umafuncao de classe Cr, e suponhamos que o posto de f seja constante e igual a k em todo A0. Sex0 ∈ A0 e y0 = f(x0), entao existem conjuntos abertos A ⊂ A0 e B ⊂ B0 com x0 ∈ A e y0 ∈ B,e difeomorfismos g : A→ U ⊂ Rn e h : B → V ⊂ Rm, de classe Cr, tais que

h f g−1 : U → V

eh f g−1(x1, . . . , xn) = (x1, . . . , xk, 0, . . . , 0).

Demonstracao. Vamos supor por simplicidade que x0 = 0 ∈ Rn e y0 = 0 ∈ Rm. O caso geralsegue ao considerarmos f(u) = f(u+ x0)− y0. Alem disso, compondo com difeomorfismos quepermutam as bases nos podemos assumir que determinante menor de ordem k × k em Df(x0)que nao se anula e justamente o dado pelas primeiras k colunas e k linhas, isto e,

∂(f1, . . . , fk)

∂(u1, . . . , uk)=

∂f1∂u1

. . . ∂f1∂uk

......

∂fk∂u1

. . . ∂fk∂uk

,

onde f = (f1, . . . , fk, . . . , fm), e omitimos o ponto x0 em que a matriz acima esta sendo avaliada.

Definamos g : A0 → Rn por

g(u) := (f1(u), . . . , fk(u), uk+1, . . . , un), u = (u1, . . . , uk, uk+1, . . . , un).

Segue que g e de classe Cr e que

Dg =

∂f1∂u1

. . . ∂f1∂uk

...... ∗

∂fk∂u1

. . . ∂fk∂uk

0 In−k

,

onde os termos na matriz indicada por ∗ nao nos interessa. Portanto, Dg(x0) e nao-singular e,pelo Teorema da Funcao Inversa, existe um conjunto aberto A1 ⊂ A0 contendo x0, no qual g eum difeomorfismo sobre um conjunto (aberto) U1 = g(A1). Notemos que, pela definicao de g,f g−1(0) = 0 e f g−1(U1) ⊂ B0. Alem disso,

f g−1(x) = (x1, . . . , xk, fk+1(x), . . . , fm(x)),

com fk+i(x) := fk+i g−1(x), i = 1, . . . ,m−k. Utilizando esta expressao calculamos D(f g−1)e encontraremos que, em U1,

D(f g−1) =

Ik 0∂fk+1

∂xk+1. . .

∂fk+1

∂xn

∗ ......

∂fm

∂xk+1. . . ∂fm

∂xn

.

Por outro lado, como Dg−1 e nao-singular em U1 e g−1(U1) = A1 ⊂ A0, temos que o posto deD(f g−1) = Df ·Dg−1 em U1 e constante e igual ao posto de Df em A0, isto e, igual a k. Segue

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36 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

que o determinante menor da matriz D(f g−1) formado pelas k + 1 primeiras linhas e k + 1

primeiras colunas deve ser nulo. Este fato implica que necessariamente devemos ter∂fk+1

∂xk+1= 0

em U1. Raciocinando indutivamente vemos que fk+i, i = 1, . . . ,m− k, dependem somente dasvariaveis x1, . . . , xk.

Vamos agora definir o difeomorfismo h. Seja H uma funcao definida em uma vizinhaca V1de 0 ∈ Rm em B0 e dada pela expressao

H(y) :=(y1, . . . , yk, yk+1 + fk+1(y1, . . . , yk), . . . , ym + fm(y1, . . . , yk)

).

Note que o domınio V1 deve ser escolhido pequeno o suficiente de maneira que, para y ∈ V1, asfuncoes fk+i estejam definidas em y e tal que H(V1) ⊂ B0.

Observemos que H(0) = 0 e que a matriz de DH e nao-singular em todo V1, pois

DH =

[Ik 0∗ Im−k

].

Logo, H e um difeomorfismo de classe Cr de uma vizinhanca V de 0 ∈ V1 sobre uma vizinhancaB ⊂ B1.

Escolhemos agora uma vizinhanca U ⊂ U1 da origem em Rn tal que f g−1(U) ⊂ B e sejaA = g−1(U). Definamos entao h := H−1. Segue que g−1 : U → A, f : A → B e h : B → V saotodas de classe Cr, e g−1 e h sao difeomorfismos. Finalmente,

h f g−1(x) = h(f g−1(x))

= h(x1, . . . , xk, fk+1(x), . . . , fm(x)

)

= h(x1, . . . , xk, fk+1(x1, . . . , xk), . . . , fm(x1, . . . , xk)

)

= H−1(x1, . . . , xk, 0 + fk+1(x1, . . . , xk), . . . , 0 + fm(x1, . . . , xk)

)

= (x1, . . . , xk, 0, . . . , 0),

finalizando a demonstracao.

2.11 Notas sobre as referencias

Com excessao das secoes 2.6, 2.8, 2.9 e 2.10, as demais secoes se baseiam na referencia [9]. Ademonstracao do Teorema da Funcao Inversa que demos nestas notas sao baseadas em [1], e valepara espacos mais gerais que Rn, que sao os espacos de Banach. As formas locais da forma queapresentamos podem ser encontradas em [6] ou [7]. Ja o Teorema do Posto pode ser encontradoem [11] ou [6] e [7]. Para formas mais avancadas do Teorema da Funcao Implıcita, com aplicacoese contexto historico, veja [5].

2.12 Exercıcios do capıtulo

Exercıcio 16 Seja A ⊂ Rn e f : A → Rm. Mostre que, se f ′(x0;u) existe, entao, para α ∈ R,f ′(x0;αu) tambem existe e f ′(x0;αu) = αf ′(x0;u).

Exercıcio 17 Seja A ⊂ Rn um subconjunto aberto e conexo e f : A → Rm diferenciavel emtodo A. Mostre que, se Df(x) = 0 para todo x ∈ A, entao f e constante em A.

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2.12. EXERCICIOS DO CAPITULO 37

Sugestao: dados x, y ∈ A, considere uma poligonal L(p1, p2) ∪ . . . ∪ L(pk−1, pk), tal quep1 = x e pk = y. Aplique o Teorema do Valor Medio em cada trecho dessa poligonal. Apos isso,tome naquele teorema a = f(y)− f(x).

Exercıcio 18 (Formula de Euler) Seja f : Rn → R e p um numero real dado. Dizemos quef e homogenea de grau p se f(tx) = tpf(x), para todo x 6= 0 e qualquer t > 0.

Suponha que f seja diferenciavel em Rn \ 0. Mostre que f e homogenea de grau p se, esomente se,

〈∇f(x), x〉 = Df(x) · x = pf(x)

Sugestao para a parte “⇐”: defina φ(t) := f(tx) e, fixado x, mostre que φ(t)t−p e constante.

Exercıcio 19 Mostre que a funcao f : R2 → R dada por f(x, y) = |xy| e diferenciavel em (0, 0)mas nao e de classe C1 em qualquer vizinhanca de (0, 0).

Exercıcio 20 Seja u = x3f(y/x, z/x), onde f : R2 → R e uma funcao diferenciavel, (x, y, z) ∈R3. Mostre que

x∂u

∂x+ y

∂u

∂y+ z

∂u

∂z= 3u.

Exercıcio 21 Sejam f, g : Ω ⊂ Rn → R funcoes tais que f e contınua em x0 ∈ Ω e g ediferenciavel em x0 com g(x0) = 0. Mostre que o produto fg e diferenciavel em x0.

Exercıcio 22 Seja f : Ω ⊂ Rn → R contınua em Ω aberto, com f de classe C1 em Ω \ x0.Suponha que

Li = limx→x0

fxi(x),

onde fxi=

∂f

∂xi. Prove que f e de classe C1 em todo Ω com

Li = fxi(x0).

Sugestao: aplique o Teorema do Valor Medio para f(x0 + tei)− f(x0).

Exercıcio 23 Seja f : R→ R definida por

f(x) =

xp se x ≥ 0,0 se x ≤ 0,

onde p > 0 esta fixado. Mostre que f e de classe Cq se q < p mas nao e de classe Cq se q > p.

Assim, para todo q > 0 inteiro, existe uma funcao que e de classe Cq mas nao e de classeCq+1.

Sugestao: Exercıcio 22 com x0 = 0.

Exercıcio 24 Seja f : R2 → R definida por

f(x, y) =

x3

x2 + y2se (x, y) 6= (0, 0),

0 se (x, y) = (0, 0).

Mostre que f nao e diferenciavel em (0, 0). Entretanto, mostre que para qualquer curva diferen-ciavel ϕ : (a, b)→ R2 passando pela origem, f ϕ e diferenciavel.

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38 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

Exercıcio 25 Seja r um numero inteiro positivo e f uma funcao definida em um aberto Ω ⊂ Rn

com valores em R, e possuindo derivadas parciais contınuas de ordem s ≤ r. Seja x0 ∈ Ω eh ∈ Rn um vetor. Defina g(t) := f(x0 + th), com t pequeno de forma que x0 + th ∈ Ω. Mostreque

g′(t) =((〈h,∇〉)f

)(x0 + th).

Mais geralmente,g(r)(t) =

((〈h,∇〉)rf

)(x0 + th).

Aqui, (〈h,∇〉)r siginifica composicao dos operadores diferenciais.

Sugestao: use inducao em r.

Exercıcio 26 (Formula de Taylor) Seja f uma funcao definida em um aberto Ω ⊂ Rn pos-suindo derivadas parciais contınuas ate ordem r. Seja x0 ∈ Ω e h ∈ Rn um vetor de forma quex0 + th ∈ Ω, para qualquer t ∈ [0, 1]. Mostre que existe τ ∈ [0, 1] tal que

f(x0 + h) = f(x0) +

((〈h,∇〉)f

)(x0)

1!+ . . .+

((〈h,∇〉)r−1f

)(x0)

(r − 1)!+

((〈h,∇〉)rf

)(x0 + τh)

r!.

Sugestao: use a formula de Taylor em uma variavel para g definida no Exercıcio 25.

Exercıcio 27 Seja f : (a, b)→ R uma funcao de classe Cr, para algum inteiro r ≥ 1. Suponhaque para algum ponto c ∈ (a, b) temos que

f ′(c) = . . . = f (n−1)(c) = 0, mas fn(c) 6= 0.

Mostre que, se n for par, entao f possui maximo local em c se fn(c) < 0 e mınimo local em cse fn(c) > 0. Se n for ımpar, c nao e ponto de mınimo nem de maximo local de f .

Exercıcio 28 Seja f como no Exercıcio 26 e defina o resto na formula de Taylor por

Rr(x) :=

((〈h,∇〉)rf

)(x0 + τh)

r!.

Suponha ainda que todas as derivadas de f de ordem r sejam limitadas, isto e:

∣∣∣ ∂rf

∂xi1 · · · ∂xir(x)

∣∣∣ ≤ C, para qualquer x = x0 + h ∈ Ω.

Mostre que

|Rr(x)| ≤Cnr

r!‖h‖r∞, h = x− x0,

sempre que x ∈ Ω.

Exercıcio 29 Seja f : Rn → R de classe C1. Mostre que

f(x) = f(0) +

∫ 1

0

d

dtf(tx)dt.

Conclua que existem funcoes contınuas g1, . . . , gn tais que

f(x) = f(0) + x1g1(x) + . . . + xngn(x).

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2.12. EXERCICIOS DO CAPITULO 39

Exercıcio 30 Seja f : R2 → R com derivadas parciais ate ordem 2 contınuas. Suponha aindaque f(0, 0) = fx(0, 0) = fy(0, 0) = 0. Mostre que existem funcoes contınuas h1, h2 e h3 tais que

f(x, y) = h1(x, y)x2 + h2(x, y)xy + h3(x, y)y

2.

Sugestao: use o Exercıcio 29.

Exercıcio 31 Mostre que se f : R2 → R e de classe C∞, entao existem funcoes de classe C∞

f11, f12, f22 : R2 → R tais que

f(x, y) = f(0, 0) + fx(0, 0)x + fy(0, 0)y + x2f11(x, y) + xyf12(x, y) + y2f22(x, y).

Exercıcio 32 Seja f : R2 → R de classe C∞ com f(0, 0) = 0. Seja U = (t, u) ∈ R2 | t 6= 0 edefina g : U → R por

g(t, u) =f(t, tu)

t.

Mostre que existe g : R2 → R de classe C∞ com g(t, u) = g(t, u), para qualquer (t, u) ∈ R2, istoe, g pode ser estendida de maneira C∞ a todo R2.

Sugestao: Exercıcio 31.

Exercıcio 33 Uma funcao f : Ω ⊂ Rn → R e chamada analıtica real se f e de classe C∞ e,para x = x0 + h em uma vizinhaca de x0 ∈ Ω,

f(x0 + h) = f(x0) +

((〈h,∇〉)f

)(x0)

1!+ . . .+

((〈h,∇〉)rf

)(x0)

r!+ . . . ,

que e chamada de Serie de Taylor de f .

Seja f ∈ C∞(Ω). Suponha que qualquer x0 ∈ Ω possua uma vizinhanca U tal que aestimativa ∣∣∣ ∂rf

∂xi1 · · · ∂xir(x)

∣∣∣ ≤M r

seja valida em U para alguma constante M e qualquer inteiro positivo r. Mostre que f e analıticareal.

Exercıcio 34 Defina f : R→ R por

f(x) =

e−1/x se x > 0,0 se x ≤ 0.

(i) Mostre por inducao que, para x > 0 e k ≥ 0 inteiro, a k-esma derivada de f e da formap2k(1/x)e

−1/x para algum polinomio p2k(y) de grau 2k em y.

(ii) Mostre que f e de classe C∞ e que f (k)(0) = 0 para todo inteiro k ≥ 0.

(iii) Conclua que f nao pode ser analıtica real em R.

Exercıcio 35 Seja f : R2 → R2 definida por f(x, y) = (x2 − y2, 2xy).

(i) Mostre que f e injetora no conjunto A := (x, y) ∈ R2 | x > 0.Sugestao: se f(x, y) = f(a, b), entao ‖f(x, y)‖ = ‖f(a, b)‖.

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40 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

(ii) Encontre B = f(A).

(iii) Se g e a inversa de f , encontre Dg(0, 1).

Exercıcio 36 Seja f : Rn → Rn dada por f(x) = ‖x‖2 · x. Mostre que f e de classe C∞ eaplica B1(0) em si mesma bijetivamente. Entretanto, mostre que a inversa de f em B1(0) naoe diferenciavel em 0.

Exercıcio 37 Seja f : R2 → R2 dada por f(x, y) = (ex cos y, ex sen y). Mostre que f e local-mente inversıvel em todo ponto de R2 mas nao possui uma inversa definida globalmente.

Exercıcio 38 Seja f : R→ R dada por

f(x) =

x+ 2x2 sen(1/x) se x 6= 0,0 se x = 0.

Mostre que f e diferenciavel mas nao e inversıvel em uma vizinhanca de 0. Qual hipotese doTeorema da Funcao Inversa nao se verifica?

Exercıcio 39 De uma demonstracao alternativa do Teorema da Funcao Implıcita no caso deΦ: Ω ⊂ R2 → R seguindo os passos abaixo. Suponha que Φ seja de classe C1, Φ(x0, y0) = 0 eΦy(x0, y0) > 0.

(i) Mostre que existe ε > 0 tal que Φ(x0, y) < 0 se y0 − ε ≤ y < y0 e Φ(x0, y) > 0 sey0 < y ≤ y0 + ε.

(ii) Mostre que existe δ > 0 tal que Φ(x, y0 − ε) < 0 e Φ(x, y0 + ε) > 0 se |x− x0| < δ.

(iii) Seja I := (x, y) | |x − x0| < δ, |y − y0| < ε. Escolha δ e ε de forma que Φy(x, y) > 0para todo (x, y) ∈ I. Mostre que se |x1 − x0| < δ, entao a equacao Φ(x1, y) = 0 possuiexatamente uma solucao y1 com (x1, y1) ∈ I. Seja y1 = φ(x1), o que define uma funcaode (x0 − δ, x0 + δ) em R.

(iv) Mostre que φ e diferenciavel e que

φ′(x) = −Φx(x, φ(x))

Φy(x, φ(x)).

Exercıcio 40 Lembremo-nos do resultado de existencia de solucoes na teoria de equacoes difer-eneciais devido a Picard.

Teorema de existencia e unicidade de Picard. Seja F : R×RN → R uma funcao contınuaem (t0 − a, t0 + a)×Br(x0) ⊂ R× RN , a > 0. Entao existe uma solucao x(t) da equacao

dx

dt= F (t, x), x(t0) = x0,

definida no intervalo (t0− h, t0 + h), para algum h > 0. Se F e Lipschitz em x, entao a solucaoe unica.

Utilizando este resultado, de uma prova alternativa para a versao abaixo do Teorema daFuncao Implıcita.

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2.12. EXERCICIOS DO CAPITULO 41

Teorema. Suponha que U ⊂ R2 e um aberto e seja f : U → R de classe C1. Se f(t0, x0) = 0,com (t0, x0) ∈ U , e se

∂f

∂x(t0, x0) 6= 0,

entao existe um intervalo aberto (t0−h, t0+h), h > 0, e uma funcao continuamente diferenciavelφ : (t0 − h, t0 + h)→ R tal que φ(t0) = x0 e

f(t, φ(t)) = 0.

Sugestao: Defina F (t, x) = −∂f∂t

(t, x)/∂f∂x

(t, x) e aplique o Teorema de existencia e unici-

dade obtendo uma solucao φ(t) = x(t). Note que f(t0, φ(t0)) = 0 e calculedf

dt(t, φ(t)).

Exercıcio 41 Seja A ⊂ Rn aberto e x0 ∈ A. Suponha que f : A → Rm seja uma aplicacaocontınua em todo A e diferenciavel em x0 (nao necessariamente nos demais pontos de A).Suponha que Df(x0) seja um isomorfismo sobre sua imagem. Mostre que existe uma vizinhancaU ⊂ A de x0 tal que f(x) 6= f(x0) para todo x ∈ U com x 6= x0.

Sugestao: observe que neste caso ‖Df(x0) · v‖ ≥ c‖v‖, para todo v ∈ Rn.

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42 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

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Capıtulo 3

Nocoes de variedades diferenciaveis

e subvariedades

A palavra variedade e usada para descrever um espaco topologico que localmente e como umespaco Rn, para algum inteiro n, que e chamado dimensao da variedade. Por exemplo, o cırculoe localmente como a reta R. Elipsoides e cilindros sao localmente como R2. Ja um cone naoe como R2 proximo de seu vertice. Gostarıamos de tratar as variedades de um ponto de vistamais concreto. Entretanto, iniciaremos com um tratamento mais geral, porem nao completo,das variedades. Faremos desse forma acreditando que, com isso, estaremos preparando o terrenopara o estudo de objetos mais gerais que nao estao necessariamente contidos do espaco Rn.

Setima aula ↓

3.1 Definicao e exemplos

Antes de darmos a definicao de variedade diferenciavel, iniciamos com a definicao de variedadetopologica.

Lembremos que um espaco topologico e de Hausdorff se, dados dois pontos distintos nesteespaco, existem duas vizinhancas abertas disjuntas, cada uma contendo um desses pontos.

Definicao 3.1 Uma variedade topologica M de dimensao n e um espaco topologico de Haus-dorff com base enumeravel de abertos e com a propriedade que cada ponto possui uma vizinhancahomeomorfa a um subconjunto aberto de Rn.

Dada uma variedade topologica M e q um ponto de M , consideremos o par (U,ϕ), onde Ue um aberto de M contendo q e ϕ e um homeomorfismo de U em um subconjunto aberto de Rn.Tal par e chamado de vizinhanca coordenada de q. Notemos que ϕ(q) = (x1(q), . . . , xn(q)) ∈ Rn,onde cada xi, i = 1, . . . , n, e uma funcao coordenada. E possıvel que q pertenca a uma outravizinhanca coordenada (V, ψ) e neste caso ψ(q) = (y1(q), . . . , yn(q)). Em particular, isto ocorrerasempre que (U,ϕ) e (V, ψ) forem vizinhancas coordenadas com U ∩ V 6= ∅. Como ϕ e ψ saohomeomorfismos, este caso nos da um homeomorfismo

ψ ϕ−1 : ϕ(U ∩ V )→ ψ(U ∩ V ).

43

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44 CAPITULO 3. NOCOES DE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS E SUBVARIEDADES

V

U q

ϕψ

ψ(V )

ϕ(U)

ϕ(q)ψ(q)

M

ψ ϕ−1

Figure 3.1: vizinhancas coordenadas e suas interseccoes.

Definicao 3.2 Dizemos que (U,ϕ) e (V, ψ) sao C∞-compatıveis se ψ ϕ−1 e ϕψ−1 sao difeo-morfismos dos conjuntos abertos ϕ(U ∩ V ) e ψ(U ∩ V ), sempre que U ∩ V 6= ∅ (veja a Figura3.1).

Definicao 3.3 Uma estrutura diferenciavel C∞ em uma variedade topologica M e umafamılia U = (Uα, ϕα) de vizinhancas coordenadas tais que

i)⋃Uα =M ;

ii) para quaisquer α, β, (Uα, ϕα) e (Uβ, ϕβ) sao C∞-compatıveis;

iii) qualquer vizinhanca coordenada (V, ψ) que e C∞-compatıvel como todo (Uα, ϕα) ∈ U per-tence a U .

Uma variedadade topologica com uma estrutura diferenciavel C∞ e chamada de variedadediferenciavel.

Na pratica, para verificarmos que uma variedade topologica e uma variedade diferenciavelnao e necessario provar a maximalidade da famılia de vizinhancas coordenada como no item iii)da Definicao 3.3. De fato, o proximo resultado nao sera demonstrado no curso mas usaremosquando for necessario.

Proposicao 3.4 Seja M um espaco topologico de Hausdorff com base enumeravel de abertos.Se (Uα, ϕα) e uma cobertura de M por vizinhancas coordenadas C∞-compatıveis, entao existeuma unica estrutura diferenciavel C∞ sobre M que contem esta famılia.

Passamos a dar alguns exemplos.

Exemplo 3.5 O espaco Rn e uma variedade diferenciavel com uma unica vizinhanca coordenada(Rn, In), onde In e a identidade.

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3.2. FUNCOES DIFERENCIAVEIS E VARIEDADES 45

Exemplo 3.6 Qualquer subconjunto aberto V de uma variedade diferenciavel M e tambemuma variedade diferenciavel (de mesma dimensao). De fato, se (Uα, ϕα) e uma estruturadiferenciavel C∞ para M , entao (Uα ∩V, ϕα

∣∣Uα∩V ) e uma estrutura diferenciavel C∞ para V .

Exemplo 3.7 Seja U ⊂ Rn um aberto e f : U → Rm uma funcao de classe C∞. O grafico de fe o conjunto

G(f) := (x, f(x)) ∈ U × Rm.

A funcao ϕ : G(f)→ U dada por ϕ(x, f(x)) = x e f : U → G(f) dada por f(x) = (x, f(x)) saocontınuas e inversas uma da outra. Logo sao homeomorfismos. Alem disso, tais funcoes sao declasse C∞. Segue que G(f) e uma variedade diferenciavel com estrutura diferenciavel dada poruma unica vizinhanca coordenada (G(f), ϕ). Isto nos diz que as curvas e superfıcies conhecidasdos cursos de calculo sao variedades diferenciaveis.

3.2 Funcoes diferenciaveis e variedades

Definicao 3.8 Sejam W ⊂ M um subconjunto aberto em M e f : W ⊂ M → R uma funcao.Dizemos que f e de classe Cr em W se, para cada q ∈W , existe um uma vizinhanca coordenada(U,ϕ) contendo q tal que f ϕ−1 e de classe Cr em ϕ(U) (veja a Figura 3.2). A funcao f e declasse C∞ se e de classe Cr, para qualquer inteiro positivo r.

f

ϕ

f ϕ−1

q

R

M

Figure 3.2: f : M → R.

Note que a definicao de diferenciabilidade independe da vizinhanca coordenada que es-colhemos. De fato, se (U,ϕ) e (V, ψ) sao vizinhancas coordenadas de um ponto q ∈ M ef : W ⊂M → R, entao

f ψ−1 = (f ϕ−1) (ϕ ψ−1).

Definicao 3.9 Suponha que M e N sejam variedades diferenciaveis e que W ⊂ M e aberto.Seja F : W → N uma aplicacao. Dizemos que F e de classe Cr em W se, para todo q ∈ W ,existem vizinhancas coordenadas (U,ϕ) de q em M e (V, ψ) de F (q) em N , com U ⊂ W eF (U) ⊂ V , tal que

ψ F ϕ−1 : ϕ(U)→ ψ(V )

e de classe Cr. F e de classe C∞ se e de classe Cr, para qualquer inteiro positivo r.

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46 CAPITULO 3. NOCOES DE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS E SUBVARIEDADES

Como no caso de funcoes deM em R, a definicao de diferenciabilidade para aplicacoes entrevariedades nao depende de uma particular escolha de vizinhanca coordenada.

Proposicao 3.10 Sejam M , N e P variedade diferencaveis. Se F : M → N e de classe C∞,entao F e contınua. Se F : M → N e G : N → P sao de classe C∞, entao a composta G F : M → P sera de classe C∞.

Definicao 3.11 Uma aplicacao F : M → N , de classe C∞, entre variedades diferenciaveis echamada de difeomorfismo se ela e um homeomorfismo e F−1 e de classe C∞. Dizemos queM e N sao difeomorfas se existe um difeomorfismo F : M → N .

Esta definicao estende o conceito de difeomorfismo previamente definido para funcoes desubconjunto de Rn.

3.3 Posto de uma aplicacao, imersoes e mergulhos

Definicao 3.12 Sejam M e N variedades diferenciaveis, q ∈ M e F : M → N uma aplicacaodiferenciavel. Suponha que (U,ϕ) e (V, ψ) sao vizinhancas coordenadas de q e F (q) respectiva-mente. O posto de F em q e o posto da funcao

ψ F ϕ−1 : ϕ(U)→ ψ(V ),

no ponto ϕ(p) (Definicao 2.34).

Na Definicao 3.12 precisamos mostrar que o posto e independente da escolha das vizinhancascoordenadas. Este fato nao sera provado, ficando como um exercıcio.

O Teorema 2.35 (Teorema do Posto) pode ser reformulado no caso de variedades da formaabaixo.

Teorema 3.13 SejamM e N variedades diferenciaveis com dimM = m e dimN = n. Suponhaque F : N →M seja de classe C∞ e que o posto de F seja constante e igual a k em todo pontode N . Se q ∈ N , existem vizinhancas coordenadas (U,ϕ) e (V, ψ) de q e de F (q) respectivamentetal que ϕ(q) = 0 ∈ Rn e ψ(F (q)) = 0 ∈ Rm e

ψ F ϕ−1(x) = (x1, . . . , xk, 0, . . . , 0), x = (x1, . . . , xn) ∈ Rn.

Alem disso, podemos assumir que ϕ(U) = Cnε (0) ⊂ Rn e ψ(V ) = Cm

ε (0) ∈⊂ Rm, onde Ckε (0) e

o cubo de centro 0 e raio ε > 0 em Rk.

Note que, pelo Teorema 3.13, uma condicao necessaria para que F : N → M seja umdifeomorsfismo e que dimM = dimN = posto de F .

Definicao 3.14 Uma aplicacao F : N →M de classe C∞ e chamada de imersao se posto de F =dimN em todo ponto de N . F e chamada submersao se posto de F = dimM em todo pontode M .

Suponha que F : N → M seja uma imersao injetora e seja N := F (N). Entao, se (U,ϕ) euma estrutura diferenciavel de classe C∞ em N , teremos que (U , ϕ) sera uma estrutura diferen-ciavel de classe C∞ em N , onde U := F (U) e ϕ := ϕ F−1, sendo F : N → N com F (q) = F (q)(justifique!). Alem disso, F : N → N sera um difeomorfismo.

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3.3. POSTO DE UMA APLICACAO, IMERSOES E MERGULHOS 47

Definicao 3.15 A variedade diferenciavel N e chamada de subvariedade imersa.

Observacao 3.16 Em geral, a topologia e a estrutura C∞ de uma subvariedade imersa Ndependem somente de F e de N , isto e, N nao e necessariamente um subespaco topologico deM . Isto ficara mais claro no exemplos.

Oitava aula ↓

Exemplo 3.17 Seja F : R→ R3 dada por F (t) = (cos 2πt, sen 2πt, t). Note que a imagem F (R)e uma helice que esta contida em um cilindro de raio 1 centrado no eixo z.

Exemplo 3.18 Seja F : R → R2 dada por F (t) = (cos 2πt, sen 2πt). Entao F (R) e o cırculoS1 := (x, y) ∈ R2 | x2 + y2 = 1.

Exemplo 3.19 Seja F : (1,∞) → R2 dada por F (t) =(cos 2πt

t,sen 2πt

t

). Entao ‖F (t)‖2 =

1/t2, para t > 1. A imagem de F sera a curva espiral em torno de (0, 0).

1

Figure 3.3: curva espiral em torno de (0, 0).

Exemplo 3.20 Seja F : (1,∞)→ R2 dada por F (t) =((1 + t) cos 2πt

2t,(1 + t) sen 2πt

2t

). Entao

a imagem de F sera novamente uma curva espiral, porem agora em torno do cırculo de centro(0, 0) e raio 1/2.

1

Figure 3.4: curva espiral.

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48 CAPITULO 3. NOCOES DE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS E SUBVARIEDADES

Exemplo 3.21 Seja F : R → R2 dada por F (t) =(2 cos(t − π/2), sen 2(t − π/2)

). Entao,

quando t varia de 0 ate 2π, a imagem de F faz um circuito completo iniciando na origem comomostramas as setas na Figura 3.22.

Figure 3.5: figura oito.

Exemplo 3.22 Construiremos agora uma funcao cuja imagem e novamente a figura oito, poremcom uma importante diferenca: quando t varia no domınio dessa funcao, passaremos pela origemapenas uma vez (quando t = 1/2). Seja g : R → R uma funcao monotona crescente e de classeC∞ tal que g(0) = π e

limt→−∞

g(t) = 0, limt→+∞

g(t) = 2π.

Definamos G : R→ R2 por G(t) := F (g(t)), seno F a funcao do Exemplo 3.21, isto e,

G(t) = F (g(t)) =(2 cos(g(t) − π/2), sen 2(g(t) − π/2)

).

Figure 3.6: figura oito.

Exemplo 3.23 Seja agora F : (−∞,−1] ∪ [1∞)→ R2 dada por

F (t) =

(1t , senπt

)se 1 < t <∞,

(0, 2 + t) se −∞ < t ≤ −1.

Entao F nos fornece uma curva com um gap como mostrado na Figura 3.23 sem a linha pon-tilhada. Para t ∈ [−1, 1], conectamos os dois pedacoes de curvas suavemente com a curvapontilhada. Isto nos da uma imersao de classe C∞ de R em R2.

Os exemplos que apresentamos nos ajudam a tirar algumas informacoes sobre imersoes.

Notemos que uma imersao nao precisa ser injetora em todo seu domınio, mesmo que elaseja injetora localmente. De fato, isto ocorre no Exemplo 3.18 e no Exemplo 3.21 ja que, se t =0,±2π,±4π, . . . , temos no primeiro caso que F (t) = (0, 1) e no segundo caso que F (t) = (0, 0).

Uma imersao injetora nao e necessariamente um homeomorfismo sobre sua imagem, istoe, se F : N → M e uma imersao injetora, nao e verdade que F e um homeomorfismo de N

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3.4. SUBVARIEDADES 49

(0, 1)

(0,−1)

1

Figure 3.7: Exemplo 3.23.

sobre a subvariedade imersa N , considerada como um subespaco topologico de M . Isto e o quenos mostra o Exemplo 3.22 e o Exemplo 3.23. No primeiro caso temos que N e a figura oito,enquanto N e a reta R, e estes dois espacos nao sao homeomorfos (de uma justificativa rapidapara este fato!). No Exemplo 3.23 temos que N = R novamente e N nao e localmente conexoquando considerado como subespaco de R2. De fato, existem pontos sobre o eixo y (por exemplo(0, 1/2)) para os quais vizinhancas arbitrariamente pequenas nao sao conexas.

Estes fatos nos motiva a dar uma definicao mais restritiva.

Definicao 3.24 Um mergulho e uma imersao F : N → M que e um homeomorfismo de Nsobre sua imagem F (N) = N ⊂ M , quando consideramos N como subespaco topologico de M(isto e, com a topologia relativa). Neste caso dizemos que N e uma subvariedade mergulhada.

Os exemplos 3.17, 3.19 e 3.20 sao de subvariedades mergulhadas.

O proximo resultado nos diz que a diferenca entre uma subvariedade imersa e uma sub-varieadade mergulhada e essencialmente global isto e, a diferenca nao depende da natureza localda aplicacao F .

Teorema 3.25 Seja F : N →M uma imersao. Entao cada ponto q ∈ N possui uma vizinhancaU tal que F

∣∣U

e um mergulho de U em M .

Demonstracao. De acordo com o Teorema 3.13, podemos escolher vizinhancas coordenadas(U,ϕ) de q ∈ N e (V, ψ) de F (q) ∈ M tais que ϕ(U) = Cn

ε (0) ⊂ Rn, ψ(V ) = Cmε (0) ⊂ Rm,

ϕ(q) = 0 e ψ(F (q)) = 0. Ademais,

ψ F ϕ−1(x1, . . . , xn) = (x1, . . . , xn, 0, . . . , 0).

Note que ψ F ϕ−1 e um homeomorfismo de Cnε (0) ⊂ Rn sobre sua imagem contida em

Cmε (0) ⊂ Rm. Como F (U) ⊂ V e V e um subconjunto aberto de M , a topologia de F (U) e

dada pela topologia de V e, consequentemente de M . Segue que F e um homeomorfismo de Uem F (U) com a topologia relativa.

3.4 Subvariedades

Nesta secao vamos discutir com mais detalhes o conceito de subvariedade. Ate agora vimosa definicao mais geral que e a de subvariedade imersa e entao o de subvariedade mergulhada.

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50 CAPITULO 3. NOCOES DE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS E SUBVARIEDADES

Desenvolveremos agora a nocao de subvariedade regular, que e um caso particular das demaisporem mais natural, ja que nesse caso a topologia e a estrutura diferenciavel sao derivadasdiretamente da variedade da qual ela e um subconjunto.

Definicao 3.26 Seja M uma variedade diferenciavel de dimensao m e n um inteiro com 0 ≤n ≤ M . Um subconjunto N ⊂ M possui a propriedade de n-subvariedade se cada q ∈ Npossui uma vizinhanca coordenada (U,ϕ) sobre M com ϕ(p) = (x1(p), . . . , xm(p)), p ∈ M , taisque

i) ϕ(q) = (0, . . . , 0);

ii) ϕ(U) = Cmε (0);

iii) ϕ(U ∩N) = x ∈ Cmε (0) | xn+1 = . . . = xm = 0.

A Figura 3.8 mostra um exemplo de um subconjunto N ⊂ R3 com a propriedade de n-subvariedade (n = 2, m = 3 e M = R3).

M = R3

N

U

U ∩N

ϕ

ϕ(U)

ϕ(U ∩N)

Figure 3.8: Propriedade de n-subvariedade

Notemos que nem sempre uma subvariedade imersa possui a propriedade de n-subvariedade.Tome, por exemplo, q = (0, 0) nos exemplos 3.22 e 3.23.

No lema abaixo, denotemos por π : Rm → Rn, n ≤ m, a projecao soobre as primeiras ncoordenadas.

Lema 3.27 Seja M uma variedade diferenciavel de dimensao m e n um inteiro satisfazendo0 ≤ n ≤ m. Suponha que N ⊂ M satisfaz a propriedade de n-subvariedade. Entao N com atopologia relativa de M e uma variedade topologica de dimensao n. Alem disso, cada vizinhan-ca coordenada (U,ϕ) de M , da forma apresentada na Definicao 3.26, define uma vizinhancacoordenada (V, ϕ) em N , com V = U ∩N e ϕ = π ϕ|V . Estas coordenadas locais determinamuma estrutura diferenciavel C∞ em N na qual a inclusao i : N →M e um mergulho.

Demonstracao. Suponhamos que N ⊂ M possua a topologia relativa de M . Segue queV = U∩N e um conjunto aberto emN e a uniao de vizinhancas dessa forma cobreN . Alem disso,usando o ıtem iii) da Definicao 3.26 temos que ϕ e um homeomorfismo sobre Cn

ε (0) = π(Cnε (0)).

Assim, N e uma variedade topologica de dimensao n.

Sejam (U,ϕ) e (U ′, ψ) vizinhancas coordenadas deM satisfazendo as condicoes da Definicao3.26. Definamos V = U ∩N e V ′ = U ′ ∩N e suponhamos que V ∩ V ′ 6= ∅. Sejam ϕ = π ϕ|V

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3.4. SUBVARIEDADES 51

e ψ = π ψ|V ′ . Segue da primeira parte da demonstracao que (V, ϕ) e (V ′, ψ) sao vizinhancascoordenadas topologicas, isto e, ψ ϕ−1 e ϕ ψ−1 sao homeomorfismos em seus domınios.Queremos mostrar que estas duas composicoes sao diferenciaveis.

Seja θ : Rn → Rm dada por θ(x1, . . . , xn) = (x1, . . . , xn, 0 . . . , 0), de forma que π θ e aidentidade em Rn. Notemos que θ e de classe C∞ em Cn

ε (0). Segue que ϕ−1 = ϕ−1 θ e declasse C∞. Por outro lado, ψ = π ψ e portanto ψ e tambem de classe C∞. Portanto, ψ ϕ−1 ede classe C∞ em seu domınio ϕ(V ∩V ′). Por um raciocınio anlago podemos provar que ϕ ψ−1

e tambem de classe C∞ em ψ(V ∩ V ′).

Finalmente, como a topologia de N e a topologia relativa, a inclusao i : N → M e, pordefinicao, um homeomorfismo sobre sua imagem. Alem disso, se (V, ϕ) e uma vizinhanca coor-denada como na Definicao 3.26, entao

ϕ i ϕ−1(x1, . . . , xn) = (x1, . . . , xn, 0, . . . , 0).

e portanto i e uma imersao.

Definicao 3.28 Uma subvariedade regular de uma variedade diferenciavel M e qualquersubespaco N de M com a propriedade de n-subvariedade e com um a estrutura diferenciavel C∞

dade pela Definicao 3.26.

Pelo Lema 3.27 uma subvariedade regular e uma subvariedade mergulhada.

O metodo mais utilizado para encontrarmos exemplos de subvariedades e dado pelo seguinteteorema.

Teorema 3.29 Sejam N e M variedades diferenciaveis de dimensao n e m respectivamente eF : N →M uma aplicacao de classe C∞. Suponha que F tenha posto constante e igual a k emtodo ponto de N e que q ∈ F (N). Entao F−1(q) e uma subvariedade regular fechada de N dedimensao n− k.

Antes de demonstrarmos o Teorema 3.29 daremos alguns exemplos.

Exemplo 3.30 Seja F : Rn → R definida por

F (x) = ‖x‖2.Entao F possui posto 1 em Rn \ 0. Logo, pelo Teorema 3.29,

F−1(1) = x ∈ Rn | ‖x‖ = 1 = Sn−1

e uma subvariedade regular de Rn.

Exemplo 3.31 Seja U = (x, y, z) ∈ R3 | (x, y) 6= (0, 0). Definamos F : U → R por

F (x, y, z) =(2−

√x2 + y2

)2+ z2.

Entao ∇F (x, y, z) 6= (0, 0, 0) fora do cırculo

S = (x, y, z) ∈ R3 | x2 + y2 = 4, z = 0.Assim, o posto de F e igual a 1 em U \ S. Note que F (S) = 0 ⊂ R. Assim, tomando c > 0,teremos que F−1(c) e uma subvariedade regular de dimensao 2. Em particular, se 0 < c < 4,temos que F−1(c) e o toro gerado pela rotacao do cırculo de raio

√c em torno do eixo z com

centro percorrendo S.

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52 CAPITULO 3. NOCOES DE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS E SUBVARIEDADES

Exemplo 3.32 Seja f : R2 → R dada por F (x, y) = exy. Entao ∇F (x, y) = (xexy, yexy). Segueque fora de (0, 0) a derivada de F possui posto constante e igual a 1. Alem disso, F (0, 0) = 1.Assim, para qualquer c > 0, c 6= 1, F−1(c) e uma subvariedade regular de R2 de dimensao 1.Note que

F−1(c) = (x, y) ∈ R2 | xy = log c,

que sao hiperboles em R2.

Observe ainda que F−1(1) = (x, y) ∈ R2 | xy = 0, ou seja, F−1(1) e a uniao do eixo xcom o eixo y, que nao e localmente igual a nenhum Rn e portanto nao e uma subvariedade.

Nona aula ↓

Demonstracao do Teorema 3.29. Seja A := F−1(q). Como F e contınua e q e fechado emM temos que A e fechado. Vamos mostrar que A possui a propriedade de (n− k)-subvariedade.

Seja p ∈ A. Entao F possui posto constante e igual a k em uma vizinhanca de p. PeloTeorema 3.13 podemos encontrar uma vizinhanca coordenada (U,ϕ) e (V, ψ) de p e F (p) = qrespectivamente tais que:

ϕ(p) = 0 ∈ Rn, ψ(q) = 0 ∈ Rm, ϕ(U) = Cnε (0), ψ(V ) = Cm

ε (0).

Alem disso, a funcao F |U e dada por

ψ F ϕ−1(x1, . . . , xn) = (x1, . . . , xk, 0, . . . , 0).

Assim, se F ϕ−1(x) = q, devemos ter x1 = · · · = xk = 0, pois ψ(q) = 0. Em outras palavras, osunicos pontos de U que sao aplicados em q sao aqueles para os quais as k primeiras coordenadassao nulas. Ou ainda:

A ∩ U = ϕ−1(ϕ F−1ψ−1(0))

= ϕ−1x ∈ Cnε (0) | x1 = · · · = xk = 0.

Mas esta e justamente a propriedade de (n− k)-subvariedade. Segue que A e uma subvariedaderegular de dimensao n− k.

3.5 Espaco tangente a uma subvariedade regular de Rn

Vamos dar a definicao de espaco tangente de uma subvariedade regular de Rn da forma doTeorema 3.29. No caso de variedades diferenciaveis mais gerais, o conceito tambem pode serdefinido, porem nao necessitaremos por enquanto.

Definicao 3.33 Seja F : Rn → Rm uma aplicacao de posto constante e igual a k em todo pontode Rn. Seja q ∈ F (Rn) e M := F−1(q) uma subvariedade regular de dimensao n − k em Rn,como no Teorema 3.29. Em particular M ⊂ Rn. Um vetor v ∈ Rn e dito tangente a Mem p ∈ M se existe uma funcao diferenciavel γ : (−δ, δ) → Rn, δ > 0, tal que γ(−δ, δ) ⊂ M ,γ(0) = p e γ′(0) = v. O conjunto de todos os vetores tangentes a M no ponto p e chamado deespaco tangente a M em p e denotado por TpM .

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3.5. ESPACO TANGENTE A UMA SUBVARIEDADE REGULAR DE RN 53

Teorema 3.34 Seja F : Rn → Rm uma aplicacao de posto constante e igual a k em todo pontode Rn. Seja q ∈ F (Rn) e M := F−1(q) uma subvariedade regular de dimensao n − k em Rn,como no Teorema 3.29. Dado p ∈M , o espaco tangente a M em p e

Tp(M) = ker(DF (p)),

isto e, TpM e o nucleo da trasformacao linear DF (p). A dimensao de TpM e n− k.

Demonstracao. Seja T := DF (p). Precisamos mostrar que v ∈ TpM se, e somente se, Tv = 0.

Seja v ∈ TpM e suponha que γ : (−δ, δ)→M e tal que γ(0) = p e γ′(0) = v. Em particular,F (γ(t)) = q, para qualquer t ∈ (−δ, δ). Segue que

0 = D(F (γ(0))) = DF (γ(0)) · γ′(0) = DF (p) · v = Tv.

Reciprocamente, suponhamos que Tv = 0. Pelo Teorema 3.13, podemos assumir que as kprimeiras colunas de T sao linearmente independentes. Definamos f : U → Rn por

f(x) := (x1, . . . , xn−k, F1(x), . . . , Fk(x)).

Como na demonstracao do Teorema 2.35, existe U ⊂ Rn tal que f e um difeomorfismo de U emf(U).

Como p ∈M ⊂ Rn, podemos escrever p = (p1, . . . , pn). Por outro lado, dado qualquer x ∈Rn, usaremos a notacao (x, 0) = (x1, . . . , xn−k, 0, . . . , 0). Defina ainda R := x | (x, 0) ∈ f(U).Assim, existe δ > 0 tal que p+ tv ∈ R, para todo t ∈ (−δ, δ).

Seja g := (f |U )−1 eγ(t) := g(p + tv).

Segue que γ(t) ∈M para todo t ∈ (−δ, δ) e que γ e de classe C1. Vamos mostrar que γ′(0) = v.

Seja L := Df(p). Entao L−1 = Dg(p, 0) = Dg(f(p)). Portanto,

γ′(0) = Dg(p) · (v, 0) = L−1(v, 0).

Mas, pela definicao de f e pelo fato de v estar no nucleo de T = DF (p), devemos ter L(v) = (v, 0),isto e,

v = L−1(v, 0) = γ′(0).

O resultado segue.

Definicao 3.35 Seja F : Rn → Rm uma aplicacao de posto constante e igual a k em todo pontode Rn. Seja q ∈ F (Rn) e M := F−1(q) uma subvariedade regular de dimensao n − k em Rn.Um vetor w e chamado normal a M em p se 〈w, v〉 = 0, para qualquer v ∈ TpM . Assim, oespaco dos vetores normais a M e o complemento ortogonal de TpM .

Notemos que, nas condicoes da definicao 3.35, o espaco dos vetores normais a M em ppossui dimensao k. Alem disso, pelo Teorema 3.34 devemos ter

〈∇Fi(p), v〉 = 0, para qualquer v ∈ TpM, i = 1, . . . , k.

Como o posto de F e igual a k (constante), obtemos o seguinte resultado que e uma simplesconsequencia do Teorema 3.34 e dessas observacoes:

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54 CAPITULO 3. NOCOES DE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS E SUBVARIEDADES

Proposicao 3.36 Seja F : Rn → Rm uma aplicacao de posto constante e igual a k em todoponto de Rn. Seja q ∈ F (Rn) e M := F−1(q) uma subvariedade regular de dimensao n − k emRn. Entao o conjunto ∇F1(p), . . . ,∇Fk(p) e uma base do espaco normal a M em p.

Definicao 3.37 Seja F : Rn → Rm uma aplicacao de posto constante e igual a k em todo pontode Rn e tomemos q ∈ F (Rn). Seja M := F−1(q) uma subvariedade regular de dimensao n − kem Rn. O plano tangente a M em p e o conjunto

x ∈ Rn | x = p+ v; v ∈ TpM.

Notemos que, pela que fizemos ate agora,

x ∈ Rn | x = p+ v; v ∈ TpM = x ∈ Rn | 〈∇Fi(p), x− p〉 = 0; i = 1, . . . , k.

3.6 Exercıcios do capıtulo

Exercıcio 42 Sejam M e N variedades diferenciaveis de dimensos m e n respectivamente.Entao M×N e uma variedade diferenciavel de dimensao m+n, com estrutura C∞ determinadapelas vizinhancas coordenadas da forma (U × V, (ϕ,ψ)), onde (U,ϕ) e (V, ψ) sao vizinhancascoordenadas de M e N respectivamente.

Exercıcio 43 (Veja [10], pagina 350) Seja Sn := x ∈ Rn+1 | ‖x‖ = 1 e fixemos N =(0, . . . , 0, 1) e S = (0, . . . , 0,−1) os polos norte e sul respectivamente. Definamos UN := Sn\Se US := Sn \ N. Consideremos as funcoes f : UN → Rn e g : US → Rn definidas por

f(x1, . . . , xn+1) =1

1− xn+1(x1, . . . , xn),

g(x1, . . . , xn+1) =1

1 + xn+1(x1, . . . , xn).

Mostre que (UN , f) e (US , g) determinam duas vizinhancas coordenadas de Sn e ainda que(UN , f), (US , g) formam uma estrutura diferenciavel C∞ em Sn. f e g sao as projecoesestereograficas do polo norte e sul respectivamente (veja a Figura 3.9: no caso de f , se conside-rarmos a reta que passa pelo polo norte N e por um ponto x ∈ UN , entao f(x) e justamente oponto de interseccao dessa reta com o plano Rn).

Sugestao: a funcao f(y1, . . . , yn) =(t(y)y1, . . . , t(y)yn, 1− t(y)

), onde t(y) = 2/(1 + ‖y‖2),

e a inversa de f . Qual a expressao para a inversa de g?

Exercıcio 44 Demonstre a Proposicao 3.10.

Exercıcio 45 Mostre que se c 6= 0, entao o hiperboloide x2 + y2 − 4z2 = c e uma subvariedaderegular de dimensao 2. O mesmo acontece quando c = 0?

Exercıcio 46 Seja M = (x, y, z) ∈ R3 | xy = 0, x2 + y2 + z2 = 1, z 6= ±1. Mostre que M euma subvariedade regular de dimensao 1.

Exercıcio 47 Seja M = (x, y) ∈ R2 | xy = yx, x > 0, y > 0, (x, y) 6= (e, e). Mostre que M euma subvariedade regular de dimensao 1.

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3.6. EXERCICIOS DO CAPITULO 55

N

S

x

f(x)

g(x)

Rn

R

Figure 3.9: Projecao estereografica.

Exercıcio 48 Seja f : A → R uma funcao de classe C∞ no aberto A ⊂ R2. Mostre que M =(x, y, f(x, y)) ∈ R3 | (x, y) ∈ A e uma subvariedade regular de dimensao 2.

Exercıcio 49 Considere uma matriz (cij)n×n com posto n e simetrica. Mostre que

M =x ∈ Rn |

n∑

i,j=1

cijxixj = 1

e uma subvariedade regular de dimensao n− 1.

Decima aula: primeira prova

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56 CAPITULO 3. NOCOES DE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS E SUBVARIEDADES

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Capıtulo 4

Integracao

Como sabemos do curso de Calculo I, a integral de uma funcao real sobre um conjunto e ageneralizacao da nocao de soma. Vamos estudar neste capıtulo a integral de Riemann de umafuncao de varias variaveis, a qual nada mais e que a generalizacao da integral vista para funcoesde uma variavel real.

Decima primeira aula ↓

4.1 Integral de Riemann sobre um retangulo de Rn

Um retangulo em Rn e um produto cartesiano de intervalos da forma

Q = [a1, b1]× . . .× [an, bn].

Cada intervalo [ai, bi], i = 1, . . . , n e chamado de intervalo componente de Q. A largura de Q edada pelo valor maxibi − ai | i = 1, . . . , n. O volume de Q e dado pelo produto

v(Q) = (b1 − a1)(b2 − a2) . . . (bn − an).

Definicao 4.1 Dado um intervalo fechado [a, b] ⊂ R, uma particao de [a, b] e uma colecaofinita P de pontos de [a, b], que contem os pontos a e b. Usualmente, indexamos os elementosde P em ordem crescente na forma

a = t0 < t1 < . . . < tk = b.

Cada intervalo [tj−1, tj ], j = 1, . . . , k e chamado de subintervalo determinado por P.

Com o auxılio da Definicao 4.1, definimos particao de um retangulo em Rn.

Definicao 4.2 Dado um retangulo Q = [a1, b1] × . . . × [an, bn] ⊂ Rn, uma particao de Q en-upla P = (P1, . . .Pn), onde cada Pi e uma particao de [ai, bi], i = 1, . . . , n. Se, para cada i,Ii e um dos subintervalos determinado por Pi, entao um retangulo da forma

R = I1 × . . . × In

e chamado de subretangulo (de Q) determinado por P. A largura maxima desses sub-retangulos e chamada de malha de P.

57

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58 CAPITULO 4. INTEGRACAO

Definimos agora as somas superiores e inferiores associadas com uma particao.

Definicao 4.3 Sejam Q ⊂ Rn um retangulo e f : Q → R uma funcao limitada. Dada umaparticao P de Q, para cada subretangulo R determinado por P definimos

mR(f) = inff(x) | x ∈ Q,MR(f) = supf(x) | x ∈ Q.

Com esta notacao, a soma inferior e a soma superior de f em Q sao definidas respectiva-mente por

L(f,P) =∑

R

mR(f)v(R),

U(f,P) =∑

R

MR(f)v(R),

onde a soma percorre todos os subretangulos R de Q determinados por P.

Notemos que a definicao de mR(f) e de MR(f) e possıvel pois f e limitada.

Seja P = (P1, . . . ,Pn) uma particao de um retangulo Q ⊂ Rn. Se P ′′ e uma outra particaode Q obtida de P adicionando-se pontos a algumas das (ou todas as) particoes P1, . . . ,Pn, entaodizemos que P ′′ e um refinamento de P. Dadas duas particoes P e P ′, de Q, a particao

P ′′ = (P1 ∪ P ′1, . . . ,Pn ∪ P ′

n)

e um refinamento tanto de P quanto de P ′, e sera chamada de refinamento comum de P e P ′.

O proximo resultado nos diz que ao refinarmos uma particao cada vez mais, obtemos umafamılia crescente de somas inferiores e uma famılia decrescente de somas superiores.

Lema 4.4 Sejam Q ⊂ Rn um retangulo, f : Q→ R uma funcao limitada e P uma particao deQ. Se P ′′ e um refinamento de P, entao

L(f,P) ≤ L(f,P ′′) e U(f,P ′′) ≤ U(f,P).

Demonstracao. Suponhamos que Q = [a1, b1]×. . .×[an, bn]. Notemos que e suficiente provar olema para o caso em que P ′′ e obtida adicionando-se um unico ponto a particao P = (P1, . . . ,Pn).Alem disso, podemos supor, sem perda de generalidade, que o ponto q sera adicionado a particaoP1. Suponha ainda que P1 consiste dos pontos

a1 = t0 < t1 < . . . < tk = b1,

e que q ∈ (tj−1, tj) para um certo j fixado.

Comparemos L(f,P) e L(f,P ′′). Inicialmente, considere um subretangulo da forma

RS = [tj−1, tj ]× S,

onde S e um subretangulo de [a2, b2] × . . . × [an, bn] determinado por (P2, . . . ,Pn). A menosdos subretangulos da forma RS , os demais subretangulos aparecem em ambas as particoes P e

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4.1. INTEGRAL DE RIEMANN SOBRE UM RETANGULO DE RN 59

R′′

S

R′

S

Q

q

S

Figure 4.1: Ilustracao para a demonstracao do Lema 4.4, n = 2.

P ′′. Assim, ao considerarmos os termos da forma RS da soma inferior L(f,P) desaparecem emL(f,P ′′), dando lugar a subretangulos da forma

R′

S = [tj−1, q]× S e R′′

S = [q, tj ]× S,

que sao determinados por P ′′.

Notemos quemRS

(f) ≤ mR′

S(f) e mRS

(f) ≤ mR′′

S(f)

e tambem que v(RS) = v(R′S) + v(R′′

S). Segue que

mRS(f)v(RS) ≤ mR′

S(f)v(R′

S) +mR′′

S(f)v(R′′

S).

Como a desigualdade acima vale para qualquer subretangulo da forma RS , obtemos que

L(f,P) ≤ L(f,P ′′).

Um raciocınio similar mostra que U(f,P) ≥ L(f,P ′′).

Agora verificaremos que ao refinarmos uma particao, a famılia de somas inferiores obtidasera limitada superiormente, enquanto a famılia de somas superiores sera limitada inferiormente.

Lema 4.5 Sejam Q ⊂ Rn um retangulo e f : Q→ R uma funcao limitada. Se P e P ′ sao duasquaisquer particoes de Q, entao

L(f,P) ≤ U(f,P ′).

Demonstracao. Suponhamos que P = P ′. Entao facilemnte vemos que mR(f) ≤MR(f) paraqualquer subretangulo de Q determinado por P. Multiplicando por v(R) e somando obtemos olema nesse caso particular.

Se P 6= P ′, seja P ′′ o refinamento comum a P e P ′. Pela primeira parte da demonstracaoe pelo Lema 4.4 temos que

L(f,P) ≤ L(f,P ′′) ≤ U(f,P ′′) ≤ U(f,P ′),

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60 CAPITULO 4. INTEGRACAO

e o resultado segue.

Podemos finalmente definir o conceito de integral.

Definicao 4.6 Sejam Q ⊂ Rn um retangulo e f : Q → R uma funcao limitada. Definimos aintegral inferior e a integral superior de f sobre Q respectivamente por

Qf = sup

PL(f,P) e

Qf = inf

PU(f,P).

No caso em que as integrais inferior e superior de f sobre Q coincidem, dizemos que f e(Riemann) integravel em Q e denotamos este valor comum por

Qf (ou

Qf(x)),

que e chamado de integral (de Riemann) de f sobre Q.

4.2 Criterio de Riemann para integrabilidade

Essencialmente da definicao de sup e inf obtemos um primeiro criterio para integrabilidade defuncoes limitadas definidas em um retangulo de Rn.

Teorema 4.7 (Criterio de Riemann) Sejam Q um retangulo e f : Q→ R uma funcao limi-tada. Entao ∫

Qf ≤

Qf.

Alem disso, a igualdade acontece se, e somente se, dado ε > 0, existe uma particao correspon-dente Pε de Q tal que

U(f,Pε)− L(f,Pε) < ε. (4.1)

Demonstracao. Fixemos uma particao P ′ de Q. Temos que

L(f,P) ≤ U(f,P ′),

para toda particao P de Q. Tomando o sup em P obtemos∫

Qf ≤ U(f,P ′).

Como P ′ e arbitraria, podemos tomar o inf sob todas as particoes P ′ obtendo a primeira partedo teorema.

Agora asumimos que as integrais inferior e superior de f coincidem. Dado ε > 0, escolhaP tal que

0 ≤∫

Qf − L(f,P) < ε/2

e escolha P ′ tal que

0 ≤ U(f,P ′)−∫

Qf < ε/2.

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4.2. CRITERIO DE RIEMANN PARA INTEGRABILIDADE 61

Seja P ′′ o refinamento comum de P e P ′. Segue que

L(f,P) ≤ L(f,P ′′) ≤∫

Qf ≤ U(f,P ′′) ≤ U(f,P ′).

Portanto,U(f,P ′′)− L(f,P ′′) ≤ U(f,P ′)− L(f,P) < ε.

Reciprocamente, assuma que as integrais inferior e superior de f nao sao iguais. Pelaprimeira parte do teorema podemos definir

ε :=

Qf −

Qf > 0.

Alem disso, dada qualquer particao P de Q, teremos que

L(f,P) ≤∫

Qf <

Qf ≤ U(f,P).

Logo,U(f,P)− L(f,P) > ε.

Assim, existe ε > 0 tal que, para qualquer particao P de Q, a condicao (4.1) nao e satisfeita, oque conclui a demonstracao do teorema.

Passamos agora a apresentar algumas aplicacoes do Teorema 4.7.

Corolario 4.8 Sejam Q ⊂ Rn um retangulo e f : Q→ R uma funcao constante, isto e, f(x) = cpara qualquer x ∈ Q. Entao f e integravel e

Qf = cv(Q).

Demonstracao. Seja P uma particao de Q e R um subretangulo determinado por P. Como fe constante segue que

mR(f) = c =MR(f).

Portanto,

L(f,P) = c∑

R

v(R) = U(f,P),

e a condicao no criterio de Riemann (Teorema 4.7) vale trivialmente. Alem disso,

L(f,P) ≤∫

Qf ≤ U(f,P),

o que implica que ∫

Qf = c

R

v(R) = cv(Q),

e o resultado segue.

Omitiremos a demonstracao do proximo resultado, a qual pode ser encontrada em [9].

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62 CAPITULO 4. INTEGRACAO

Corolario 4.9 Seja Q um retangulo em Rn e Q1, . . . , Qk uma colecao finita de retangulosque cobrem Q. Entao

v(Q) ≤k∑

i=1

v(Qi).

A seguir daremos um exemplo de uma funcao limitada que nao e integravel em um intervalocompacto.

Exemplo 4.10 Seja f : [0, 1]→ R dada por

f(x) =

0 se x e racional,1 se x e irracional.

Entao, para qualquer particao P de [0, 1] e qualquer subretangulo R determinado por P, teremosque mR(f) = 0 e MR(f) = 1. Segue daı que L(f,P) = 0 e U(f,P) = 1v([0, 1]) = 1. Logo, acondicao 4.1 no Teorema 4.7 nao sera satisfeita para ε > 0 pequeno.

Concluiremos esta secao provando que uma funcao contınua definida em um retangulo eintegravel.

Proposicao 4.11 Se Q ⊂ Rn e um retangulo e f : Q→ R e contınua, entao f e integravel.

Demonstracao. Como f e contınua e Q e compacto, temos que f e uniformemente contınua.Assim, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que, se x, y ∈ Q satisfazem |x− y| < δ, entao |f(x)− f(y)| <ε/v(Q).

Escolha uma particao P de Q com malha menor que δ. Entao, para qualuqer subretanguloR determinado por P e todo x, y ∈ R, segue que |x − y| < δ, e pela condicao de continuidadeuniforme,

MR(f)−mR(f) < ε/v(Q).

Logo,

U(f,P)− L(f,P) =∑

R

(MR(f)−mR(f))v(R) ≤ ε.

Segue do Teorema 4.7 que f e integravel.

4.3 Exercıcios

Exercıcio 50 Sejam Q ⊂ Rn um retangulo e f, g : Q → R duas funcoes limitadas tais quef(x) ≤ g(x) para todo x ∈ Q. Mostre que

Qf ≤

Qg e

Qf ≤

Qg.

Exercıcio 51 Se f, g : [0, 1] → R sao duas funcoes crescentes (e portanto limitadas) e nao-negativas, mostre que h : [0, 1] × [0, 1]→ R definida por h(x, y) = f(x)g(y) e integravel.

Exercıcio 52 Sejam Q um retangulo e f, g : Q→ R duas funcoes integraveis.

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4.3. EXERCICIOS 63

a) Mostre que, para qualquer particao P de Q e qualquer subretangulo R de Q determinadopor P, temos que

mR(f) +mR(g) ≤ mR(f + g) e MR(f + g) ≤MR(f) +MR(g).

Conclua que

L(f,P) + L(g,P) ≤ L(f + g,P) e U(f + g,P) ≤ U(f,P) + U(f,P).

b) Mostre que f + g e integravel e que

Q(f + g) =

Qf +

Qg.

c) Para qualquer constante c ∈ R, mostre que

Qcf = c

Qf.

Exercıcio 53 Sejam Q um retangulo e f : Q→ R integravel. Mostre que |f | e integravel e que

∣∣∣∫

Qf∣∣∣ ≤

Q|f |.

Exercıcio 54 Sejam Q ⊂ Rn um retangulo e f : Q→ R uma funcao limitada. Mostre que f eintegravel em Q se, e somente se, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que U(f,P)−L(f,P) < ε sempreque a particao P possuir malha menos que δ.

Sugestao: veja as sugestoes no Exercıcio 6 da pagina 90 de [9].

Exercıcio 55 Suponha que f : [a, b] → R seja limitada e que f seja descontınua somente emuma quantidade finita de pontos de [a, b]. Mostre que f e integravel em [a, b].

Sugestao: dado ε > 0 e sendo E o conjunto dos pontos de descontinuidade de f , cubra talconjunto com uma quantidade finita de intervalos [cj , dj ] ⊂ [a, b] tais que

∑j(dj − cj) < ε. Seja

K o conjunto compacto obtido ao removermos de [a, b] a uniao de todos os intervalos (cj , dj).Segue que f e uniformemente contınua em K e tome δ > 0 tal que |f(x) − f(y)| < ε sempreque x, y ∈ K e |x − y| < δ. Construa uma particao P que contem todos os pontos cj e dj ,nenhum ponto do interior de [cj , dj ], e tal que, se um subintervalo da particao nao e da forma[cj , dj ], entao o comprimento desse subintervalo nao excede δ. Mostre que esta particao satisfasza condicao do criterio de Riemann.

Exercıcio 56 Seja C o conjunto de Cantor definido no Exercıcio 12. Considere uma funcaof : [0, 1]→ R limitada e contınua em todo ponto de [0, 1] \C. Prove que f e integravel em [0, 1].

Sugestao: cubra C com uma quantidade finita de segmentos cuja soma dos comprimentospode ser tao pequena quanto queiramos e proceda como no Exercıcio 55

Decima segunda aula ↓

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64 CAPITULO 4. INTEGRACAO

4.4 Conjuntos de medida nula e criterio de Lebesgue para inte-

grabilidade

Nesta secao vamos demonstrar um criterio para a existencia da integral de Riemann devido aLebesgue. Necessitamos do conceito de conjuntos de medida nula.

Definicao 4.12 Dizemos que um subconjunto A ⊂ Rn possui medida nula (em Rn) se, dadoε > 0, existe uma quantidade enumeravel de retangulos Q1, Q2, . . . de Rn tais que

A ⊂∞⋃

i=1

Qi e

∞∑

i=1

v(Qi) < ε.

Em Analise e comum dizermos que uma certa propriedade ocorre quase sempre em umsubcojunto Ω ou em quase todo ponto de Ω (abreviadamente q.t.p. em Ω) se tal propriedadeocorre exceto em conjunto de medida nula contido em Ω.

Se um subconjunto A ⊂ Rn possui medida nula e a dimensao do espaco esta clara nocontexto, utilizaremos ainda a notacao |A| = 0.

O proximo resultado reune algumas propriedade basicas de conjuntos de medida nula.

Proposicao 4.13 a) Se B ⊂ A e |A| = 0 em Rn, entao |B| = 0 em Rn.

b) Se A ⊂∞⋃

i=1

Ai e |Ai| = 0 em Rn para cada i = 1, 2, . . ., entao |A| = 0 em Rn.

c) Um subconjunto A ⊂ Rn possui medida nula se, e somente se, para todo ε > 0, existe umaquantidade enumeravel de retangulos abertos IntQ1, IntQ2, . . . de Rn tais que

A ⊂∞⋃

i=1

IntQi e∞∑

i=1

v(Qi) < ε.

d) Se Q ⊂ Rn e um retangulo, entao |∂Q| = 0 em Rn mas Q nao possui medida nula em Rn.

Demonstracao. O item a) segue imediatamente da definicao.

No caso de b), dado ε > 0, para cada ındice i = 1, 2, . . . , cubra Ai por um quantidadeenumeravel de retangulos Qi

1, Qi2, . . . tais que

∞∑

j=1

v(Qij) <

ε

2i.

Segue que a colecao Qij cobre A e a soma dos volumes de cada retangulo Qi

j satisfaz

∞∑

i=1

ε

2i= ε.

Para provar c), suponhamos que os retangulos IntQ1, IntQ2, . . . cobrem A. E claro que osretangulos fechados Q1, Q2, . . . tambem cobrirao A. Assim, a condicao dada implicara que A

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4.4. MEDIDA NULA E CRITERIO DE LEBESGUE 65

possui medida nula. Reciprocamente, suponha que A possua medida nula e, dado ε > 0, cubra-ocom uma quantidade enumeravel de retangulos Q

1, Q′

2, . . . tais que

∞∑

i=1

v(Q′

i) <ε

2.

Agora, para cada i = 1, 2, . . ., escolha um retangulo Qi tal que tal que

Q′

i ⊂ IntQi e v(Qi) ≤ 2v(Q′

i).

(Tente justificar a existencia de tais retangulos). Segue que os retangulos abertos IntQ1, IntQ2, . . .cobrem A e satisfazem

∞∑

i=1

v(Qi) < ε.

Na prova de d) escrevemos

Q = [a1, b1]× . . .× [an, bn].

Aı notamos que ∂Q e a uniao das faces de Q, que sao da forma

[a1, b1]× . . .× ai × . . . × [an, bn] e [a1, b1]× . . .× bi × . . .× [an, bn].

Cada subconjunto da forma acima pode ser coberto por um unico retangulo em Rn da forma

[a1, b1]× . . .× [ai, ai + δ] × . . .× [an, bn] ou [a1, b1]× . . . × [bi − δ, bi]× . . .× [an, bn],

que possui volume tao pequeno quanto desejarmos fazendo δ → 0. Logo, as faces possuemmedida nula em Rn e portanto |∂Q| = 0 em Rn pelo item b).

Agora vamos supor que |Q| = 0 em Rn e chegarmos a uma contradicao. Seja ε > 0 tal queε < v(Q). Pelo item c), podemos cobrir Q por retangulos abertos IntQ1, IntQ2, . . . satisfazendo

∞∑

i=1

v(Qi) < ε.

Pela compacidade de Q, existe uma quantidade finita destes retangulos IntQ1, . . . , IntQk queainda cobrem Q. Assim,

ε < v(Q) ≤k∑

i=1

v(Qi) < ε,

o que e uma contradicao.

Proposicao 4.14 Sejam Q ⊂ Rn um retangulo e f : Q → R uma funcao integravel em Q. Sef se anula exceto em um conjunto de medida nula, entao

Qf = 0.

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66 CAPITULO 4. INTEGRACAO

Demonstracao. Seja E := x ∈ Q | f(x) 6= 0 e suponhamos que |E| = 0 em Rn. Fixemos Puma particao de Q. Se R e um subretangulo determinado por P, entao R nao pode estar contidoem E pela Proposicao 4.13. Segue que f se anula em um ponto de R. Portanto, mR(f) ≤ 0 eMR(f) ≥ 0. Segue que L(f,P) ≤ 0 e U(f,P) ≥ 0. Como isso vale para qualquer particao Ptemos ∫

Qf =

Qf ≤ 0 ≤

Qf =

Qf,

o que demonstra a resultado.

Como vimos na Proposicao 4.11, uma funcao contınua definida em um retangulo fechado e(Riemann) integravel. Entretanto, podemos encontrar facilmente exemplos que nos mostram quea continuidade nao e uma condicao necessaria para integrabilidade. O que o Criterio de Lebesguenos diz e qual a quantidade de pontos de discontinuidade uma funcao pode ser para ainda serintegravel. Tal resultado, como o sugere a nomenclatura, foi demonstrado por Lebesgue. A ideiapor tras da prova e examinar a condicao de Riemann para integrabilidade para ver que tipo derestricao podemos colocar nos pontos de descontinuidade da funcao. Notemos que a diferencaentre a soma superior e a soma inferior de uma funcao f para uma dada particao e

R

(MR(f)−mR(f))v(R),

e f sera integravel se, e somente se, existem somas dessa forma arbitrariamente pequenas.Dividindo os retangulos dessa soma como R1 ∪R2, onde R1 possui somente subretangulos ondef e contınua e R2 contem os subretangulos restantes. Em R1 os termos da soma podem sertomados pequenos pela continuidade de f . Em R2, entretanto, a soma nao precisa ser pequena,porem e limitada por

C∑

R∈R2

v(R),

e a soma sera pequena se a soma dos volumes dos retangulos que contem os pontos de de-scontinuidade de f e pequena. Consequentemente, a soma sera arbitrariamente pequena se oconjunto dos pontos de descontinuidade de f possui medida nula.

Para controlarmos as somas inferior e superior nos pontos de continuidade utilizaremosainda o conceito de oscilacao.

Definicao 4.15 Sejam Ω ⊂ Rn, f : Ω→ R uma funcao e x0 ∈ Ω. Dado δ > 0, seja

Aδ := f(x) | x ∈ Ω; |x− x0| < δ.

Defina ainda Mδ(f) := supAδ e mδ(f) := inf Aδ. A oscilacao de f em x0 e definida por

ν(f ;x0) := infδ>0

(Mδ(f)−mδ(f)).

Lema 4.16 Sejam Ω ⊂ Rn e f : Ω → R uma funcao. Entao f e contınua em x0 ∈ Ω se, esomente se, ν(f ;x0) = 0.

Demonstracao. Notemos que sempre temos ν(f ;x0) ≥ 0. Suponha que ν(f ;x0) = 0. Portanto,dado ε > 0, existe δ > 0 tal que

Mδ(f)−mδ(f) < ε.

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4.4. MEDIDA NULA E CRITERIO DE LEBESGUE 67

Logo, se x ∈ Ω e |x− x0| < δ, entao

mδ(f) ≤ f(x) ≤Mδ(f).

Obviamente que o proprio x0 satisfaz tal propriedade, isto e,

mδ(f) ≤ f(x0) ≤Mδ(f).

Segue que

|f(x)− f(x0)| < ε.

Reciprocamente, suponhamos que f seja contınua em x0. Entao, dado ε > 0 escolhemosδ > 0 de maneira que |f(x)− f(x0)| < ε sempre que x ∈ Ω satisfaz |x− x0| < δ. Logo,

Mδ(f) ≤ f(x0) + ε e mδ(f) ≥ f(x0)− ε.

Consequentemente, ν(f ;x0) ≤ 2ε. Fazendo ε→ 0 temos que ν(f ;x0) = 0.

Teorema 4.17 (Criterio de Lebesgue) Sejam Q ⊂ Rn um retangulo e f : Q → R umafuncao limitada. Entao f e integravel em Q se, e somente se, o conjunto dos pontos de descon-tinuidade de f possui medida nula em Rn, isto e, se f e contınua q.t.p. em Q.

Demonstracao. Seja M > 0 tal que |f(x)| ≤M em Q e definamos

D := x ∈ Q | f e descontınua em x.

Suponhamos que |D| = 0 em Rn e, dado ε > 0, vamos encontrar uma particao P tal queU(f,P)− L(f,P) < ε.

Pimeiramente, cobrimosD com uma quantidade enumeravel de retangulos abertos IntQ1, IntQ2, . . .tais que

∞∑

i=1

v(Qi) < ε′,

onde ε′ > 0 sera fixado mais tarde dependendo de ε. Para cada y ∈ Q \ D, escolhemos umretangulo aberto IntQy contendo y e tal que

|f(x)− f(y)| < ε′ para x ∈ Qy ∩Q.

Entao o conjunto IntQi∞i=1 ∪ IntQyy∈Q\D formam uma cobertura berta de Q. Pela com-pacidade, escolhemos uma quantidade finita destes retangulos

IntQ1, . . . , IntQk, IntQy1 , . . . , IntQyl ,

que ainda cobrem Q. Notemos que os retangulos IntQ1, . . . , IntQk podem nao cobrirD, mas issonao fara diferenca. Para facilitar, utilizaremos a notacao Qyj = Q

j . Alem disso, sem mudanca

na notacao, vamos trocar os retagulos Qi, i = 1, . . . , k, e Q′

j, j = 1, . . . , l, pela suas interseccoescom Q. Estes retangulos ainda cobrem Q e satisfazem

k∑

i=1

v(Qi) < ε′, (4.2)

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68 CAPITULO 4. INTEGRACAO

e|f(x)− f(z)| ≤ 2ε′, para x, z ∈ Q′

j , j = 1, . . . , l. (4.3)

Agora definimos uma particao P de Q usando os pontos extremos de cada intervalo componentede cada retangulo Q1, . . . , Qk, Q

1, . . . , Q′

l. Note que, dessa forma, cada retangulo Qi e Q′

j euniao de subretangulos determinados por P. Para encontrarmos as somas inferior e superior def relativas a P, dividiremos a colecao de todos os subretangulos determinados por P na uniaodisjunta R1 ∪ R2, onde cada retangulo R ∈ R1 esta contido em algum retangulo Qi e cadaretangulo R ∈ R2 esta contido em algum retangulo Q

i. Observemos que

R∈R1

(MR(f)−mR(f))v(R) ≤ 2M∑

R∈R1

v(R) ≤ 2Mk∑

i=1

R⊂Qi

v(R)

= 2M

k∑

i=1

v(Qi) < 2Mε′.

e que∑

R∈R2

(MR(f)−mR(f))v(R) ≤ 2ε′∑

R∈R2

v(R) ≤ 2ε′v(Q).

Assim,U(f,P)− L(f,P) < 2Mε′ + 2v(Q)ε′,

e a integrabilidade segue ao escolhermos ε′ = ε/(2M + 2v(Q)).

Decima terceira aula ↓

Continuemos com a demonstracao do Criterio de Lebesgue (Teorema 4.17). Assumiremosagora que f : Q→ R e integravel em Q e vamos mostrar que o conjunto dos pontos de descon-tinuidade de f (denotado por D) possui medida nula em Rn.

Para cada m ∈ Z+ (inteiro positivo), seja

Dm := y ∈ Q | ν(f ; y) ≥ 1

m.

Pelo Lema 4.16, sabemos que D = ∪∞m=1Dm. Mostraremos que cada Dm possui medida nula, eo resultado seguira da Proposicao 4.13.

Fixemos m ∈ Z+. Dado ε > 0, seja P uma particao de Q tal que U(f,P) − L(f,P) <ε/m. Seja D

m o conjunto dos pontos de Dm que pertencem a ∂R, para algum subretanguloR determinado por P e seja D

′′

m o conjunto que contem os demais pontos de Dm. Segue daProposicao 4.13 que D

m possui medida nula, pois |∂R| = 0. Resta-nos entao mostrar que|D′′

m| = 0.

Sejam R1, . . . , Rk os retangulos determinados por P que contem pontos de D′′

m. Dadoi = 1, . . . , k, o retangulo Ri possui um ponto y ∈ D′′

m. Como y 6∈ ∂Ri, existe δ > 0 tal que Ri

possui uma vizinhanca cubica de raio δ e centrada em y. Com isso,

1

m≤ ν(f ; y) ≤Mδ(f)−mδ(f) ≤MRi

(f)−mRi(f).

Multiplicando por v(Ri) e somando obtemos

1

m

m∑

i=1

v(Ri) ≤ U(f,P)− L(f,P) < ε

m,

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4.5. EXERCICIOS 69

ou seja, D′′

m pode ser coberto por retangulos cuja a soma dos volumes e menor que ε. Como εe arbitrario, finalizamos a demonstracao do teorema.

Como uma aplicacao do Teorema 4.17 demonstraremos a recıproca da Proposicao

Corolario 4.18 Sejam Q ⊂ Rn um retangulo e f : Q → R uma funcao integravel em Q. Sef(x) ≥ 0 para qualquer x ∈ Q e se ∫

Qf = 0,

entao f se anula exceto em um conjunto de medida nula em Rn.

Demonstracao. Vamos mostrar que se f e contınua em y e satisfaz as hipoteses do corolario,entao f(y) = 0. Assim, se f(x) 6= 0 entao f nao pode ser contınua em x. Segue entao do Criteriode Lebesgue (Teorema 4.17) que este conjunto possui medida nula.

Suponhamos que f seja contınua em y e que f(y) > 0. Dado ε > 0, seja δ > 0 tal quef(x) > ε, sempre que x ∈ Q e |x− y| < δ.

Consideremos uma particao P de Q com malha menor que δ. Se Ry e um retangulodeterminado por P que contem y, entao mRy(f) ≥ ε. Por outro lado, como f e nao-negativa,mR(f) ≥ 0 para qualquer outro retangulo determinado por P. Segue que

0 =

Qf ≥ L(f,P) =

R

mR(f) ≥ εv(Ry) > 0,

e temos uma contradicao.

4.5 Exercıcios

Exercıcio 57 Mostre que se A possui medida nula em Rn, os conjuntos A e ∂A nao necessa-riamente possuem medida nula.

Exercıcio 58 Mostre que qualquer subconjunto de Rn−1 × 0 possui medida nula em Rn.

Exercıcio 59 Seja f : [a, b]→ R uma funcao contınua. Mostre que o grafico de f , definido por

Gf := (x, f(x)) ∈ R2 | x ∈ [a, b],

possui medida nula em R2.

Sugestao: f e uniformemente contınua.

Exercıcio 60 Sejam Q ⊂ Rn um retangulo e f : Q→ R uma funcao limitada. Mostre que se fse anula exceto em um conjunto fechado B de medida nula, entao f e integravel e

Qf = 0.

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70 CAPITULO 4. INTEGRACAO

4.6 Calculo de integrais multiplas por integrais iteradas: o Teo-

rema de Fubini

Nas disciplinas de Calculo elementar aprendemos a calcular integrais multiplas (duplas outriplas) integrando-se sucessivamente com respeito a cada variavel separadamente. Por exemplo,se f : Q → R e uma funcao contınua definida no retangulo Q = [a, b] × [c, d] ⊂ R2, entao, paracada y ∈ [c, d], a funcao F (x) = f(x, y) sera contınua, e portanto integravel, em [a, b]. O valorda integral depende de y e, portanto, define uma nova funcao

G(y) =

∫ b

af(x, y)dx.

Verifica-se facilmente que G e contınua em [c, d], e consequentemente integravel neste intervalo.O fato e que ∫

Qf =

∫ d

cG(y)dy =

∫ d

c

∫ b

af(x, y)dxdy,

formula que sera obtida como consequencia do Teorema de Fubini. A questao que surge e quandouma formula similar e valida no caso em que f e meramente integravel em Q. Por exemplo,suponha que, para algum y0 ∈ [c, d] fixado, f(x, y0) nao seja contınua em ponto algum de [a, b],isto e, f e descontınua em todo ponto do segmento y = y0, c ≤ y ≤ d. Como este segmentopossui medida nula em R2, a descontinuidade de f neste conjunto nao afeta sua integrabilidadeem Q. Em casos dessa forma, precisamos utlizar integrais inferiores e superiores para umageneralizacao da formula de integrais iteradas. Este e o conteudo do Teorema de Fubini.

Teorema 4.19 (Teorema de Fubini) Seja Q = A×B, onde A ⊂ Rk e B ⊂ Rn sao retangulos.Suponha que f : Q→ R seja uma funcao limitada e escreva f(x, y) para representar o valor def em x ∈ A e y ∈ B. Para cada x ∈ A, definamos

I(x) :=

y∈Bf(x, y) e I(x) :=

y∈Bf(x, y).

Se f e integravel em Q, entao I e I sao integraveis em A e

Qf =

A

y∈Bf(x, y) =

A

y∈Bf(x, y).

Demonstracao. Verifiquemos inicialmente como podemos comparar as somas inferiores e su-periores de f , I e I para uma dada particao de Q.

Seja P uma particao de Q. Entao temos que P = (PA,PB), onde PA e uma particao de Ae PB e uma particao de B. Similarmente, um subretangulo R de P e da forma RA ×RB , ondeRA e um subretangulo de PA e RB e um subretangulo de PB .

Passo 1: Como I(x) ≤ I(x) para qualquer x ∈ A, temos que

L(I,PA) ≤ L(I,PA) e U(I,PA) ≤ U(I,PA).

Passo 2: Mostraremos agora que

L(f,P) ≤ L(I,PA).

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4.6. O TEOREMA DE FUBINI 71

Dado um subretangulo geral RA ×RB determinado por P temos que

mRA×RB(f) ≤ f(x, y), para qualquer (x, y) ∈ RA ×RB .

Portanto, fixado x0 ∈ RA e tomando o ınfimo sob os valores de f(x0, y) obtemos

mRA×RB(f) ≤ mRB

(f(x0, ·)).

Multiplicando por v(RB) e somando sob todos os subretangulos de PB teremos

RB

mRA×RB(f)v(RB) ≤ L(f(x0, ·),PB) ≤

y∈Bf(x0, y) = I(x0).

Como x0 ∈ A e qualquer, temos que∑

RB

mRA×RB(f)v(RB) ≤ mRA

(I).

Multiplicando por v(RA), somando e usando o fato que v(RA)v(RB) = v(RA ×RB), segue que

L(f,P) ≤ L(I,PA).

Passo 3: De maneira similar e possıvel mostrar que

U(f,P) ≥ U(I,PA).

Passo 4: Reunindo todas as comparacoes das somas inferiores e superiores para f , I e I obtemos

L(f,P) ≤ L(I,PA) ≤ U(I,PA) ≤ U(I,PA) ≤ U(f,P) (4.4)

eL(f,P) ≤ L(I,PA) ≤ L(I,PA) ≤ U(I,PA) ≤ U(f,P), (4.5)

e estas desigualdades independem da escolha da particao P = (PA,PB).

Passo 5: Como f e integravel em Q, dado ε > 0, existe uma particao P = (PA,PB) tal que

U(f,P)− L(f,P) < ε.

Segue de (4.4) e (4.5) que

U(I,PA)− L(I,PA) < ε e U(I,PA)− L(I,PA) < ε,

de onde segue a integrabilidade de I e I em A. Alem disso, os valores∫

AI,

AI e

Qf

estao todos entre os extremos U(f,P) e L(f,P). Comos estes dois ultimos estao a uma distanciaε um do outro e ε e arbitrario, devemos ter

AI =

AI =

Qf,

o que finaliza a demonstracao.

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72 CAPITULO 4. INTEGRACAO

Corolario 4.20 Seja Q = A × B, onde A ⊂ Rk e B ⊂ Rn sao retangulos. Suponha quef : Q→ R seja uma funcao limitada. Se f e integravel em Q e se

y∈Bf(x, y)

existe para qualquer x ∈ A, entao∫

Qf =

A

Bf(x, y).

4.7 Exercıcios

Exercıcio 61 Seja A ⊂ R2 um aberto e f : A→ R de classe C2. Use o Teorema de Fubini paramostrar que D2D1f(x) = D1D2f(x), para todo x ∈ A.

Sugestao: se D2D1f(x0) −D1D2f(x0) > 0 para algum x0 ∈ A, entao existe um retangulocontendo x tal que D2D1f(x)−D1D2f(x) > 0 em todo este retangulo.

Exercıcio 62 Defina Q = [0, 1] × [0, 1] e f : Q→ R por

f(x, y) =

1 se x e racional,2y se x e irracional.

a) Mostre que

∫ t

0f(x, y)dy existe para qualquer t ∈ [0, 1] e que

∫ 1

0

(∫ t

0f(x, y)dy

)dx = t2 e

∫ 1

0

(∫ t

0f(x, y)dy

)dx = t.

Conclua que

∫ 1

0

( ∫ 1

0f(x, y)dy

)dx existe que e igual a 1.

b) Mostre que

∫ 1

0

(∫ 1

0f(x, y)dx

)dy existe e encontre seu valor.

c) Prove que a integral

Qf nao existe.

Exercıcio 63 Sendo pk o k-esimo numero primo, defina

S(pk) :=( n

pk,m

pk

)| n = 1, . . . , pk − 1,m = 1, . . . , pk − 1

,

e S := ∪∞k=1S(pk) e seja Q = [0, 1] × [0, 1].

a) Mostre que S e denso em Q mas que qualquer reta paralela aos eixos coordenados contem,no maximo, um subconjunto finito de S.

b) Defina f : Q→ R por

f(x, y) =

0 se (x, y) ∈ S,1 se (x, y) ∈ Q \ S.

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4.8. A INTEGRAL DE RIEMANN SOBRE UM CONJUNTO LIMITADO 73

Mostre que ∫ 1

0

(∫ 1

0f(x, y)dy

)dx =

∫ 1

0

( ∫ 1

0f(x, y)dx

)dy = 1

mas que a integral ∫

Qf

nao existe.

Decima quarta aula ↓

4.8 A integral de Riemann sobre um conjunto limitado

Ate o momento a integral de Riemann esta definida somente para retangulos em Rn, o que emuito restritivo para as aplicacoes. Vamos nesta secao generalizar o conceito para subconjuntoslimitados.

Definicao 4.21 Seja S ⊂ Rn um subconjunto limitado e f : S → R uma funcao limitada.Definamos fS : R

n → R por

fS(x) :=

f(x) se x ∈ S,0 caso contrario .

Seja Q ⊂ Rn um retangulo que contem S. A integral de f em S e entao definida por

Sf :=

QfS,

quando esta ultima existe.

Precisamos verificar que esta definicao nao depende da escolha de um particular retanguloQ que contem S.

Proposicao 4.22 Sejam Q e Q′ dois retangulos em Rn e f : Rn → R uma funcao limitada quese anula em Rn \Q ∩Q′. Entao a restricao de f a Q e integravel se, e somente se, a restricaode f a Q′ e integravel e, neste caso, ∫

Qf =

Q′

f.

Demonstracao. Suponhamos inicialmente que Q ⊂ Q′. Seja E o conjunto dos pontos de Qnos quais f e descontınua. Como fse anula em Rn \Q′, temos que f e contınua neste conjunto.Assim, usando um abuso de notacao, f : Q→ R e f : Q′ → R sao contınuas exceto nos pontos de

E e possivelmente nos pontos de ∂Q. Com isso, tanto

Qf quanto

Q′

f existem se, e somente

se, E possui medida nula. Assim, a existencia de uma implica na existencia da segunda.

Agora suponhamos que ambas as integrais existem e vamos mostrar que sao iguais. SejaP uma particao de Q′ e seja P ′′ o refinamento de P construido adicionando-se os pontos dos

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74 CAPITULO 4. INTEGRACAO

extremos dos intervalos componentes de Q. Se R e um subretangulo determinado por P ′′ quenao esta em Q, entao f se anula em algum ponto de R e portanto mR(f) ≤ 0. Segue que

L(f,P) ≤ L(f,P ′′) =∑

R

mR(f)v(R) ≤∑

R⊂Q

mR(f)v(R) ≤∫

Qf.

Um argumento similar mostra que

U(f,P) ≥∫

Qf.

Como P e uma particao arbitraria de Q′, segue que∫

Qf =

Q′

f.

No caso em que Q ou Q′ nao estao necessariamente contidos um em outro, consideramosum terceiro retangulo Q′′ que contem ambos e pelo que ja provamos, como Q ⊂ Q′′ e Q′ ⊂ Q′′

Qf =

Q′′

f =

Q′

f,

o que finaliza a demonstracao da proposicao.

O proximo resultado lista as principais propriedades da integral de Riemann. A demons-tracao pode ser encontrada em [9], Lema 13.2 e Teorema 13.3.

Teorema 4.23 Seja S ⊂ Rn um subconjunto limitado e f, g : S → R funcoes limitadas.

a) Se f e g sao integraveis em S, entao αf+βg tambem sera integravel em S, para quaisquerα, β ∈ R e ∫

S(αf + βg) = α

Sf + β

Sg.

b) Se f e g sao integraveis em S e f(x) ≤ g(x) para qualquer x ∈ S, entao∫

Sf ≤

Sg.

c) Se f e integravel em S entao |f | tambem sera integravel em S e

∣∣∣∫

Sf∣∣∣ ≤

S|f |.

d) Se T ⊂ S, f e nao-negativa e integravel em T e em S entao

Tf ≤

Sf.

e) Se S = S1 ∪ S2 e f e integravel em S1 e em S2 entao f sera integravel em S e

Sf =

S1

f +

S2

f −∫

S1∩S2

f.

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4.8. A INTEGRAL DE RIEMANN SOBRE UM CONJUNTO LIMITADO 75

Vejamos agora algumas condicoes que implicam na existencia da integral de uma funcaoem um subconjunto limitado S.

Teorema 4.24 Seja S ⊂ Rn um subconjunto limitado e f : S → R uma funcao contınua elimitada. Defina

E := y ∈ ∂S | limx→y

f(x) 6= 0.

Se |E| = 0 entao f sera integravel em S.

Demonstracao. Seja y ∈ Rn \E. Vamos provar que fS e contınua em y. Com isso, o conjuntodos pontos de descontinuidade de fS estara contido em E. Se supormos que |E| = 0, entao oresultado seguira do Criterio de Lebesgue.

Se y ∈ IntS, entao f e fS coincidem em uma vizinhanca de y e, sendo f contınua nesseconjunto, fS tambem sera. Se y ∈ ExtS entao fS se anula em uma vizinhanca de y e portantosera contınua e y. Assim, nos resta analisar fS em y ∈ ∂S. Neste caso y pode pertencer ou naoa S. Mas como y 6∈ E temos que

limx→y

f(x) = 0.

Em particular, fS(x)→ 0 quando x se aproxima de y por pontos de S. Mas fS(x)→ 0 quandox se aproxima de y por pontos de Rn \ S pela propria definicao de fs. Como fS(x) = 0 oufS(x) = f(x), devemos ter

limx→y

fS(x) = 0.

Assim, a continuidade de fS em y segue se fS(y) = 0. Mas se y 6∈ S isto segue da definicao, ese x ∈ S entao fS(y) = f(y) que e igual a zero por continuidade de f .

Teorema 4.25 Seja S ⊂ Rn um conjunto limitado e f : S → R uma funcao contınua e limitada.Se A = IntS e f e integravel em S, entao f sera integravel em A e

Sf =

Af.

Demonstracao. Notemos que se fS e contınua em y entao fA tambem sera contınua em y efS(y) = fA(y). De fato, usto e facil de ver se y ∈ IntS ou se y ∈ ExtS. Suponha que y ∈ ∂S.Entao a continuidade de fS em y implica que fS(x) → fS(y) quando x → y. Como y ∈ ∂S,devemos ter fS(y) = 0, pois fS(x) = 0 se x 6∈ S. Mas note que fA(x) = 0 ou fA(x) = fS(x) e aafirmacao segue.

Agora suponhamos que f seja integravel em S. Segue que, dado um retangulo Q quecontem S, o conjunto dos pontos de descontinuidade de fS possui medida nula. Mas daı ospontos de descontinuidade de fA tambem tera medida nula para afirmacao que acabamos deprovar e assim fA tambem sera integravel. Note ainda que fS − fA se anula somente em pontode descontinuidade de fS e fA, que possui medida nula. Portanto

Q(fS − fA) = 0,

e o resultado segue pela linearidade da integral.

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76 CAPITULO 4. INTEGRACAO

4.9 Exercıcios

Exercıcio 64 Sejam f, g : S → R funcoes integraveis no subconjunto limitado S ⊂ Rn. Mostreque se f e g sao iguais em quaso todo ponto de S, entao

Sf =

Sg.

Reciprocamente, se as integrais de f e de g em S coincidem e f(x) ≤ g(x) para todo x ∈ S,entao f e g sao iguais exceto em um conjunto de medida nula.

Exercıcio 65 Sejam A ⊂ Rk e B ⊂ Rn retangulos e Q = A× B. Se f : Q → R e uma funcaointegravel em Q, mostre que ∫

y∈Bf(x, y)

existe para x ∈ A \D, onde |D| = 0 em Rk.

4.10 Conjuntos retificaveis ou Jordan mensuraveis

Vamos agora estender o conceito de volume para subconjuntos de Rn mais gerais que os retangulos.

Dado S ⊂ Rn, a funcao caracterıstica de S e χS : Rn → R definida por

χS(x) :=

1 se x ∈ S,0 se x ∈ Rn \ S.

Definicao 4.26 Seja S ⊂ Rn um subconjunto limitado. Dizemos que S e retificavel, ou aindaJordan mensuravel se a funcao caractrıstica χS for integravel. Neste caso, o volume ou oconteudo (de Jordan) de S e dado por

v(S) :=

SχS =

S1.

Observe que, se S for um retangulo, esta definicao de volume coincide com a definicaoprevia que demos.

Seja S ⊂ Rn tal que v(S) = 0. Entao, dado um retangulo Q contendo S e ε > 0, existe umaparticao P de Q tal que U(χS ,P) < ε. Note que esta particao nos da uma cobertura finita deS cuja soma total dos volumes e menor que ε, diferentemente do caso em que S possui medidazero, onde procuramos uma cobertura enumeravel de S com a propriedade de que a soma totaldos volumes seja menor que ε > 0 dado.

Teorema 4.27 Um subconjunto S ⊂ Rn e retificavel se, e somente se, S e limitado e ∂S possuimedida nula em Rn.

Demonstracao. Note que a funcao χS e descontınua em x se, e somente se, x ∈ ∂S. Assim,pelo criterio de Lebesgue, χS sera integravel em um retangulo contendo S se, e somente se,|∂S| = 0 em Rn.

Utilizando as propriedades de integrais que ja vimos nao e difıcil demonstrar a proposicaoabaixo.

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4.10. CONJUNTOS RETIFICAVEIS OU JORDAN MENSURAVEIS 77

Proposicao 4.28 a) Se S e retificavel, entao v(S) ≥ 0.

b) Se S1 e S2 forem retificaveis e S1 ⊂ S2, entao v(S1) ≤ v(S2).

c) Se S1 e S2 forem retificaveis, entao S1 ∪ S2 tambem sera retificavel e

v(S1 ∪ S2) = v(S1) + v(S2)− v(S1 ∩ S2).

d) Se S e retificavel, entao v(S) = 0 se, e somente se, S possui medida nula.

e) Se S e retificavel, entao IntS tamem sera retificavel e v(S) = v(IntS).

f) Se S e retificavel e f : S → R e limitada e contınua, entao f sera integravel em S.

O Teorema 4.27 e a Proposicao 4.28 nos ajudam a construir varios exemplos de conjuntosretificaveis. Daremos a seguir um exemplo de um conjunto que nao e retificavel.

Exemplo 4.29 Como o conjunto Q ∩ (0, 1) e enumeravel, podemos escrever

Q ∩ (0, 1) = q1, q2, . . ..

Fixemos a ∈ (0, 1) e, para cada inteiro positivo i, escolhemos um intervalo (ai, bi) ⊂ (0, 1) quecontem qi e possua comprimento menor que a/2i. Definimos

A := (a1, b1) ∪ (a2, b2) ∪ . . . .

Suponhamos que ∂A possui medida nula. Notemos que [0, 1] = A = A∪∂A. Tomando ε = 1−a,cobrimos ∂A com uma quantidade enumeravel de retangulos cuja soma dos volumes seja menorque ε. Esta cobertura de ∂A juntamente com os subconjuntos (ai, bi) nos fornece uma coberturade [0, 1]. Mas a soma total dos volumes dos subconjuntos dessa cobertura e ε mais a soma dosvolumes dos intervalos (ai, bi). Pela compacidade de [0, 1] obtemos

1 < ε+

∞∑

i=1

a

2i= ε+ a.

Assim, temos uma contradicao e A nao e retificavel pelo Teorema 4.27.

Finalizamos esta secao com um resultado que nos sera util no estudo de integrais improprias.

Teorema 4.30 (Exaustao) Dado um subconjunto aberto A ⊂ Rn, existe uma sequencia C1, C2, . . .de subconjuntos de A que sao compactos e retificaveis e satisfazem

A =

∞⋃

N=1

CN e CN ⊂ IntCN+1 para cada N.

Demonstracao. Denote por d(x,B) a distancia de um ponto x ∈ Rn a um subconjunto B ⊂ Rn

como definido na demonstracao do Teorema 1.24.

Tomando B := Rn \ A, para cada N inteiro estritamente positivo definimos o conjunto

DN := x ∈ Rn | d(x,B) ≥ 1

Ne d(x, 0) ≤ N.

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78 CAPITULO 4. INTEGRACAO

A

DN+1

DN

Figure 4.2: construcao da exaustao de um aberto.

Notemos que cada DN e um subconjunto fechado de Rn ja que a funcao distancia e contınua.Como DN esta contido no cubo fechado de centro 0 e raio N , temos que DN e compacto. Alemdisso, para cada N , DN ⊂ A. Tambem temos o seguinte: se x ∈ A entao d(x,B) > 0, que nospermite escolher N tal que d(x,B) ≥ N e d(x, 0) ≤ N , ou seja, x ∈ DN para algum N e a uniaodestes conjuntos cobrem A.

Considere agora, para cada N , o conjunto

DN+1 := x ∈ Rn | d(x,B) >1

N + 1e d(x, 0) < N + 1.

Entao cada DN+1 e aberto, esta contido em DN+1 e contem DN . Segue que DN ⊂ IntDN+1.

A sequencia DN ainda nao e a procurada ja que nao sabemos que estes subconcjuntossao retificaveis. Porem utilizaremos estes subconjuntos para construir a sequencia CN decompactos retificaveis. Fixemos N e, para cada x ∈ DN , escolha um cubo fechado centrado emx e contido em IntDN+1. O interior destes cubos cobrem DN e escolhemos uma quantidadefinita deles que ainda cobrem DN e seja CN a uniao desta quantidade finita de cubos. ComoCN e uma uniao finita de retangulos, ele sera compacto e retificavel (veja o Exercıcio 66). Noteque, como cada CN contem DN , a uniao dos CN ’s cobrem A. Alem disso,

CN ⊂ IntDN+1 ⊂ IntCN+1,

o que demonstra o resultado.

4.11 Exercıcios

Exercıcio 66 Mostre que a uniao finita de conjuntos retificaveis e retificavel. A uniao enu-meravel de conjuntos retificaveis e retificavel?

Exercıcio 67 Mostre que se S1 e S2 sao retificaveis entao S1 \ S2 tambem sera e

v(S1 \ S2) = v(S1)− v(S1 ∩ S2).

Exercıcio 68 Suponha que um subconjunto limitado S de Rn possua no maximo uma quanti-dade finita de pontos de acumulacao. Mostre que S e retificavel e que v(S) = 0.

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4.12. INTEGRAIS IMPROPRIAS 79

Exercıcio 69 Seja S ⊂ Rn limitado. Mostre que se S e retificavel entao S tambem sera ev(S) = v(S). De um exemplo de um conjunto nao retificavel S tal que S e IntS sao retificaveis.

Decima quinta aula ↓

4.12 Integrais improprias

Nesta secao estenderemos a definicao de integrais para o caso de funcoes f : S → R nao neces-sariamente limitadas definidas em um conjunto que pode tambem nao ser limitado. Tal integrale conhecida como integral impropria, a qual definiremos no caso em que o domınio e um abertode Rn.

Definicao 4.31 Seja A ⊂ Rn um aberto e f : A → R uma funcao contınua. Suponha quef(x) ≥ 0 para todo x ∈ A. A integral (estendida) de f sobre A e definida por

Af := sup

Df | D ⊂ A, D e compacto e retificavel,

desde que o sup exista. Neste caso diremos que f e integravel em A (no sentido estendido).

Mais geralmente, se nao supormos que f e nao-negativa, definimos, para cada x ∈ A

f+(x) := maxf(x), 0 e f−(x) := −f(x), 0.

Diremos neste caso que f e integravel em A se as funcoes nao negativas f+ e f− foremintegraveis, e definimos ∫

Af :=

Af+ −

Af−.

Observacao 4.32 Quando for necessario distinguir a integral ordinaria com a integral esten-dida utilizaremos a notacao ∫ ∗

Af

para denotar a integral estendida de f : A→ R.

Notemos que, no caso em que A ⊂ Rn e aberto e limitado, temos duas definicoes de integralde uma funcao contınua neste conjunto. Verifiquemos que neste caso as definicoes coincidem.

Proposicao 4.33 Suponhamos que A ⊂ Rn e aberto e retificavel e seja f : A → R contınua.Se f for integravel em A no sentido ordinario (Definicao 4.21), entao f e integravel no sentidoestendido e ∫ ∗

Af =

Af.

Demonstracao. Suponhamos que f(x) ≥ 0 para todo x ∈ A. Seja D ⊂ A um compactoretificavel. Entao ∫

Df ≤

Af.

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80 CAPITULO 4. INTEGRACAO

Tomando o sup sob todos os compactos retificaveis de A obtemos que a integral estendida existee que ∫ ∗

Af ≤

Af.

Vamos demonstrar a desigualdade inversa, que e um pouco mais delicada. Para tanto, sejaQ ⊂ Rn um retangulo tal que A ⊂ IntQ e seja fA a extensao por zero de f para fora de A. Peladefinicao de integral em subconjuntos limitados temos que

Af =

QfA.

Seja P uma particao de Q. Sejam R1, . . . , Rk os subretangulos da particao P que estao contidosem A. Se R e um subretangulo de P que nao esta contido em A, entao existe x ∈ R tal quefA(x) = 0, o que implica que mR(fA) = 0. Segue que

L(fA,P) =k∑

i=1

mRi(fA)v(Ri).

Seja

D :=

k⋃

i=1

Ri.

Como fA e integravel em cada Ri e D e um compacto retificavel devemos ter

L(fA,P) =k∑

i=1

mRi(fA)v(Ri) ≤

k∑

i=1

Ri

fA

=

DfA =

Df ≤

∫ ∗

Af.

Como isto vale para qualquer particao, devemos ter

Af =

AfA ≤

∫ ∗

Af,

o que finaliza a demonstracao no caso em que f e nao-negativa.

No caso geral, escrevemos f = f+ − f−. Sendo f integravel em A temos que

Af =

Af+ −

Af−

=

∫ ∗

Af+ −

∫ ∗

Af− =

∫ ∗

Af,

onde usamos a linearidade da integral ordinaria e a primeira parte da demonstracao.

Utilizando a exaustao de um aberto A ⊂ Rn dada pelo Teorema 4.30 podemos dar umaformulacao alternativa para a definicao da integral estendida.

Teorema 4.34 Seja A ⊂ Rn um subconjunto aberto e f : A→ R uma funcao contınua. Escolhauma sequencia CN de subconjuntos de A que sao compactos e retificaveis que cobrem A e

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4.12. INTEGRAIS IMPROPRIAS 81

satifazem CN ⊂ IntCN+1 para cada N . Entao f e integravel em A (no sentido estendido) se, esomente se, a sequencia de numeros reais

CN

|f |

e limitada. Neste caso ∫

Af = lim

N→∞

CN

f.

Demonstracao. Suponhamos inicialmente que f e nao-negativa, o que implica que f = |f |.Como a sequencia

CN

f e crescente, temos que ela converge se, e somente se, e limitada.

Suponhamos que f seja integravel em A. Como CN e um compacto retificavel e esta contidoem A temos que

CN

f ≤ sup∫

Df | D ⊂ A e compacto e retificavel

=

Af.

Segue que a sequencia

CN

f e limitada e

limN→∞

CN

f ≤∫

Af.

Reciprocamente, suponhamos que a sequencia

CN

f seja limitada. Seja D ⊂ A um com-

pacto retificavel. Entao D pode ser coberto pelos conjuntos abertos

IntC1 ⊂ IntC2 ⊂ . . . .

Consequentemente, sera coberto por uma quantidade finita destes aberto pela compacidade, ouseja, por apenas um deles, digamos IntCM . Assim,

Df ≤

CM

f ≤ limN→∞

CN

f.

Sendo D arbitrario, tomando o sup sob todos os compactos retificaveis de A segue que f eintegravel e que ∫

Af ≤ lim

N→∞

CN

f.

O caso geral em que f nao precisa ser nao-negativa segue se nos lembrarmos que 0 ≤ f+ ≤|f | e 0 ≤ f− ≤ |f | e que |f | = f+ + f−.

A seguir listamos algumas propriedades analogas aquelas do caso ordinario. A demonstracaopode ser encontrada em [9], Teorema 15.3.

Teorema 4.35 Seja A ⊂ Rn um subconjunto aberto e f, g : A→ R funcoes contınuas.

a) Se f e g sao integraveis em A, entao αf+βg tambem sera integravel em A, para quaisquerα, β ∈ R e ∫

A(αf + βg) = α

Af + β

Ag.

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82 CAPITULO 4. INTEGRACAO

b) Se f e g sao integraveis em A e f(x) ≤ g(x) para qualquer x ∈ A, entao∫

Sf ≤

Sg.

Em particular, ∣∣∣∫

Af∣∣∣ ≤

A|f |.

c) Seja B ⊂ Rn aberto com B ⊂ A. Se f e nao-negativa e integravel em A entao f eintegravel em B e ∫

Bf ≤

Af.

d) Seja B ⊂ Rn aberto e f : A ∪ B → R contınua. Se f e integravel em A e em B entao fsera integravel em A ∪B e em A ∩B com

A∪Bf =

Af +

Bf −

A∩Bf.

4.13 Exercıcios

Exercıcio 70 Seja f : R→ R dada por f(x) = x. Mostre que, dado λ ∈ R, existe uma sequenciaCN de compactos retificaveis que cobre R, satisfazem CN ⊂ IntCN+1 para cada N e

limN→∞

CN

f = λ.

A integral estendida de f em R existe?

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Capıtulo 5

O Teorema de Mudanca de

Variaveis para integrais de Riemann

Para integrais de funcoes de uma variavel sabemos que vale o resultado conhecido como mudancade variaveis: ∫ g(b)

g(a)f(x)dx =

∫ b

af(g(t))g′(t)dt,

sempre que g′(t) 6= 0 para t ∈ [a, b] (na verdade veremos que esta condicao pode ser relaxada).Pretendemos neste capıtulo apresentar uma demonstracao deste resultado para o caso geral deuma funcao f definida em um subconjunto aberto de Rn.

A demonstracao que daremos do Teorema de Mudanca de Variaveis utiliza a nocao departicoes da unidade, a qual sera utilizada para reformular a definicao da integral de uma funcaosobre um subconjunto aberto. Alem disso, necessitaremos de algumas informacoes fundamentaissobre difeomorfismos em Rn.

5.1 Particoes da unidade

A existencia de uma particao da unidade e uma ferramenta importante especialemte em Analisee Topologia Diferencial. A grosso modo, ela nos permite “colar” resultados que foram obtidoslocalmente para se obter resultados globais. Nossa tarefa nesta secao sera definir as particoesda unidade, demonstrar um resultado de existencia e aplicar particoes da unidade em umareformulacao da definicao de integral estendida.

Necessitaremos de dois lemas tecnicos.

Lema 5.1 Seja Q ⊂ Rn um retangulo. Entao existe uma funcao φ : Rn → R de classe C∞ talque φ(x) > 0 para x ∈ IntQ e φ(x) = 0 caso contrario.

Demonstracao. Definimos f : R→ R por

f(t) :=

e−1/t se t > 0,0 caso contrario .

Entao f e de classe C∞ (veja o Exercıcio 34). Defina entao

g(t) := f(t)f(1− t).

83

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84 CAPITULO 5. O TEOREMA DE MUDANCA DE VARIAVEIS

Entao g e de classe C∞, e positiva em (0, 1) e e identicamente nula caso contrario. Finalmente,se

Q = [a1, b1]× [an, bn],

definimos

φ(x) := g(x1 − a1b1 − a1

). . . g

(xn − anbn − an

),

a qual possui as propriedades desejadas.

Lema 5.2 Seja A uma colecao de subconjuntos abertos em Rn e seja A a uniao desses sub-conjuntos. Entao existe uma sequencia de retangulos Q1, Q2, . . ., todos eles contidos em A, taisque:

a) os conjuntos IntQ1, IntQ2, . . . cobrem A;

b) cada Qi esta contido inteiramente em um elemento de A;

c) cada ponto de A possui uma vizinhanca que intercepta somente uma quantidade finita deretangulos Qi’s.

Observacao 5.3 Se uma cobertura de um subconjunto A satisfaz a propriedade do item c),dizemos que ela e localmente finita.

Demonstracao do Lema 5.2 Seja D1,D2, . . . uma sequencia de subconjuntos compactos queestao contidos em A cuja a uniao e A (nao e necessario que sejam retificaveis) e tais que Di ⊂IntDi+1 para cada i. Para conveniencia na notacao, definimos Di = ∅ se i ≤ 0.

x

Cx

Di

Di−1

Di−2

Bi

Figure 5.1: construcao dos retangulos da demonstracao de Lema 5.2.

Para cada i, seja Bi := Di \ IntDi−1. Entao cada Bi e um subconjunto fechado, pois ea interseccao de Di com Rn \ IntDi−1. Como obviamente eles sao limitados, temos que Bi ecompacto. Note ainda que Bi ∩Di−2 = ∅, ja que Di−2 ⊂ IntDi−1.

Para cada x ∈ Bi, escolhemos um cubo fechado Cx, centrado em x, contido em A e disjuntode Di−2. Alem disso, escolha Cx pequeno de forma que esteja contido em algum elemento de A.

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5.1. PARTICOES DA UNIDADE 85

Como os interiores dos cubos Cx cobrem Bi, podemos escolher uma quantidade finita destescubos cujos interiores ainda cobrem Bi. Defina Ci a colecao finita destes cubos que cobrem Bi e

C := C1 ∪ C2 ∪ . . . .

Segue que C e uma colecao enumeravel de retangulos (cubos), os quais mostraremos que satis-fazem as propriedades que necessitamos.

Por construcao, cada elemento de C esta contido em um elemento de A e segue o item b).

Dado x ∈ A, seja i o menor inteiro tal que x ∈ IntDi. Entao x ∈ Di mas x 6∈ IntDi−i, eportanto x ∈ Bi. Como os interiores dos cubos cobrem Bi, temos que x pertence a alguns dessesinteriores e segue o item a).

Seja x ∈ A. Entao x ∈ IntDi, para algum i. Cada cubo de Ci+2, C1+3, . . . e disjunto de Di,por construcao. Segue que o conjunto IntDi pode interceptar somente os cubos de C1, . . . , Ci+1,ou seja, uma quantidade finita de cubos.

Decima sexta aula ↓

Definicao 5.4 Dada φ : Rn → R, o suporte de φ e definido por

suppφ := x ∈ Rn | φ(x) 6= 0,

isto e, o fech do conjunto onde φ e diferente de zero.

Notemos ainda que suppφ pode ser caracterizado pela propriedade que se x 6∈ suppφ, entaoexiste uma vizinhanca de x na qual φ e identicamente nula.

Teorema 5.5 Seja A uma colecao de conjuntos abertos em Rn e seja A a uniao desses abertos.Existe uma sequencia φ1, φ2, . . . de funcoes contınuas φi : R

n → R tais que:

a) φi(x) ≥ 0 para todo x ∈ Rn e cada i;

b) para cada i, o conjunto Si := suppφi esta contido em A;

c) cada ponto de A possui uma vizinhanca que intercepta somente uma quantidade finita deconjuntos Si;

d)

∞∑

i=1

φi(x) = 1 para todo x ∈ A;

e) cada φi e de classe C∞;

f) para cada i, o conjunto Si e compacto;

g) para cada i, o conjunto Si esta inteiramente contido em um elemento de A.

Definicao 5.6 Uma colecao de funcoes φi satisfazendo as condicoes a)–d) do Teorema 5.5e chamada de particao da unidade. Se satisfaz e), dizemos que a particao da unidade e declasse C∞. Satisfazendo f), ela e dita com suporte compacto e no caso de satisfazer g), elae dita subordinada a colecao (ou dominada pela colecao) A.

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86 CAPITULO 5. O TEOREMA DE MUDANCA DE VARIAVEIS

Demonstracao do Teorema 5.5 Dada a colecao A, seja Q1, Q2, . . . a sequencia de retangulosdada pelo Lema 5.2. Para cada i, seja ψi : R

n → R uma funcao de classe C∞ que e estritamentepositiva em IntQi e zero caso contrario. Assim, ψi(x) ≥ 0 para todo x ∈ Rn. Alem disso,observe que suppψi = Qi, o qual e um subconjunto compacto de A que esta contido em umelemento de A. Finalmente, cada x ∈ A possui uma vizinhanca que intercepta somente umaquantidade finita de conjuntos Qi. Segue que a sequencia ψi satisfaz todas as propriedadeslistadas no teorema exceto d).

Pela condicao c), para cada x ∈ A, a serie

λ(x) :=

∞∑

i=1

ψi(x)

converge, ja que somente uma quantidade finita de parcelas e nao-nula. Por este mesmo motivo,para cada x, λ e soma finita de funcoes de classe C∞, e portanto e de classe C∞. Finalmente,λ(x) > 0 para todo x ∈ A ja que cada x pertence ao interior de um retangulo Qi, onde ψi(x) > 0.Definamos entao

φi(x) :=ψi(x)

λ(x).

A sequencia φi satisfaz todas as propriedades listadas no teorema.

Queremos explorar a conexao entre particoes da unidade e integrais estendidas. Necessita-mos ainda de outro lema tecnico.

Lema 5.7 Seja A ⊂ Rn um aberto e f : A → R uma funcao contınua. Se f se anula fora deum conjunto de subconjunto compacto C ⊂ A, entao f e integravel em A e em C e

Af =

Cf.

Demonstracao. A funcao contınua f se anulando fora de C e sendo contınua em A, temos quefC sera contınua e limitada em Rn, e portanto sera integravel em qualqyer retangulo contendoC, ou seja, f e integravel em C.

Seja Ci uma sequencia de compactos retificaveis cuja uniao e A e tais que Ci ⊂ IntCi+1

para cada i. Segue que C pode ser coberto por uma quantidade finita de conjuntos IntCi, eportanto apenas por um destes conjuntos, digamos IntCM . Como f se anula fora de C, temosque ∫

Cf =

CM

f =

CN

f,

para todo N ≥M . Logo, aplicando este fato a |f | temos que a sequencia

CN

|f |

e limitada, o que implica que f e integravel em A e que∫

Af = lim

N→∞

CN

f =

CM

f =

Cf,

o que demonstra o lema.

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5.1. PARTICOES DA UNIDADE 87

Teorema 5.8 Seja A ⊂ Rn um aberto e f : A → R uma funcao contınua. Seja φi umaparticao da unidade em A possuindo suporte compacto. Entao f e integravel em A se, e somentese, a serie

∞∑

i=1

( ∫

Aφi|f |

)

converge, e neste caso, ∫

Af =

∞∑

i=1

(∫

Aφif

).

Demonstracao. Passo 1: suponhamos inicialmente que f e nao-negativa em A.

Suponha que a serie∞∑

i=1

(∫

Aφi|f |

)convirja. Seja D um subconjunto compacto retificavel

de A. Cubra D por vizinhancas de pontos de D que interceptam somente uma quantidade finitade conjuntos suppφi. Por compacidade, existe uma quantidade finita destas vizinhancas queainda cobrem D e portanto existeM > 0 tal que, para i ≥M , a funcao φi se anula identicamentefora de D. Segue que

f(x) =

∞∑

i=1

φi(x)f(x) =

M∑

i=1

φi(x)f(x),

para todo x ∈ D. Sendo Si := suppφi, obtemos por linearidade e monotonicidade que

Df =

M∑

i=1

Dφif ≤

M∑

i=1

D∪Si

φif.

Como φif se anula fora do compacto D ∪ Si ⊂ A, obtemos pelo Lema 5.7 que

Df ≤

M∑

i=1

D∪Si

φif =

M∑

i=1

Aφif ≤

∞∑

i=1

Aφif.

Como D e qualquer subconjunto compacto retificavel de A, tomando o sup para termos adefinicao de integral estendida obtemos que

Af ≤

∞∑

i=1

Aφif.

Agora suponhamos que f seja integravel em A. Notemos que f(x) ≥∑∞i=1 φi(x)f(x) para

todo x ∈ A. Segue que, dado um inteiro nao-negativo N , por comparacao e linearidade daintegral,

N∑

i=1

(∫

Aφif

)=

A

( N∑

i=1

φif)≤

Af.

Segue que a serie∞∑

i=1

( ∫

Aφif

)

converge, pois suas somas parciais sao limitadas e

∞∑

i=1

( ∫

Aφif

)≤

Af.

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88 CAPITULO 5. O TEOREMA DE MUDANCA DE VARIAVEIS

Isto finaliza a demonstracao do teorema no caso em que f e nao-negativa.

Passo 2: No caso em que f nao e necessariamente nao-negativa, consideremos |f |. Pelo Passo1, |f | e integravel em A se, e somente se, a serie

∞∑

i=1

( ∫

Aφi|f |

)

converge. Mas, pelo Teorema 4.34, f e integravel em A se, e somente se, |f | e integravel em A,o que demonstra uma parte do resultado.

Por outro lado, se f e integravel em A, pela propria definicao e pelo Passo 1 temos que

Af =

Af+ −

Af− =

∞∑

i=1

( ∫

Aφif+

)−

∞∑

i=1

( ∫

Aφif−

)=

∞∑

i=1

( ∫

Aφif

),

onde na ultima igualdade usamos que uma serie convergente pode ser adicionada termo a termo.Isto finaliza a demonstracao do Teorema.

5.2 Exercıcios

Exercıcio 71 Seja f : R→ R definida por

f(x) :=

1 + cos x

2se − π ≤ x ≤ π,

0 caso contrario .

Para cada inteiro m ≥ 0, defina φ2m+1(x) = f(x − mπ) e, para cada inteiro m ≥ 1, definaφ2m(x) = f(x+mπ). Mostre que φi e uma particao da unidade em R.

Exercıcio 72 Seja S ⊂ Rn um subconjunto arbitrario e x0 ∈ S. Dizemos que f : S → R ede classe Cr em x0 se existe uma funcao g : U → R de classe Cr, definida em uma vizinhancaU ⊂ Rn de x0, tal que g coincide com f em U ∩ S. Mostre que se φ : Rn → R e uma funcao declasse Cr cujo suporte esta contido em U , entao a funcao

h(x) :=

φ(x)g(x) se x ∈ U,0 se x 6∈ suppφ,

esta bem definida e e de classe Cr em Rn. Utilize isto para provar o seguinte resultado: sef : S → R e de classe Cr em cada ponto x ∈ S, entao f pode ser estendida a uma funcao declasse h : A→ R de classe Cr, definida em um subconjunto aberto A ⊂ Rn que contem S.

Sugestao: cubra S por vizinhancas apropriadas e seja A a uniao dessas vizinhancas. Tomeuma particao da unidade subordinada a esta cobertura.

Exercıcio 73 Sejam A,B ⊂ Rn abertos e g : A → B um difeomorfismo. Suponha que Vα euma cobertura de B e seja φi uma particao da unidade em B com suporte compacto e dominadapor Vα. Mostre que φi g e uma particao da unidade em A com suporte compacto.

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5.3. PROPRIEDADES DE DIFEOMORFISMOS EM RN 89

Definicao 5.9 Seja E um espaco topologico. Dizemos que E e paracompacto se qualquercobertura de E por conjuntos abertos Vαα∈I possui uma subcobertura localmente finitae maisfina Ωαα∈J . Localmente finita significa que qualquer ponto possui uma vizinhanca W tal queW ∩ Ωα 6= ∅ somente para uma quantidade finita de ındices α ∈ J . Mais fina significa queΩα ⊂ Vα (com esta notacao, algum Ωα pode ser o conjunto vazio). O espaco topologico E edito enumeravel no infinito se existe uma sequencia de conjuntos compactos Kii∈N tais queKi ⊂ IntKi+1 para cada i e E =

⋃∞i=1Ki.

Exercıcio 74 Mostre que uma variedade topologica conexa e paracompacta e enumeravel noinfinito.

Exercıcio 75 Mostre que toda variedade diferenciavel de classe Cr paracompacta M possui umaparticao da unidade dominada por uma dada cobertura de M .

Observacao: uma particao da unidade de uma variedade M e definida como no caso de Rn,trocando-se o aberto A da Definicao 5.6 por M .

5.3 Propriedades de difeomorfismos em Rn

Vamos obter nesta secao algumas propriedades fundamentais dos difeomorfismos.

Lema 5.10 Seja A ⊂ Rn um aberto e g : A→ Rn uma funcao de classe C1. Se um subconjuntoE ⊂ A possui medida nula em Rn, entao g(E) tambem possuira medida nula em Rn.

Demonstracao. O lema sera demonstrado apos provarmos duas afirmacoes.

Afirmacao 1: sejam ε, δ > 0. Se S possui medida nula em Rn, entao S pode ser coberto poruma quantidade enumeravel de cubos fechados, cada um dos quais possuindo largura menor queδ e com soma total dos volumes menor que ε.

Para provarmos esta afirmacao e suficiente mostrar que se Q e o retangulo

Q = [a1, b1]× . . . [an, bn]

em Rn, entao Q pode ser coberto por uma quantidade finita de cubos, cada um tendo larguramenor que δ, e com soma total dos volumes menor que 2v(Q). Isto sera suficiente pois, seS possui medida nula em Rn, entao cobrimos S com retangulos que possuem soma total dosvolumes menor que ε/2.

Vamos supor ainda que, para cada i = 1, . . . , n, temos ai > 0. Caso contrario, bastatransladarmos o retangulo Q por Q+ p, onde p ∈ Rn e um ponto escolhido idealmente.

Seja λ > 0 tal que o retangulo

Qλ := [a1 − λ, b1 + λ]× . . .× [an − λ, bn + λ]

possua volume menor que 2v(Q).

Seja N um inteiro positivo tal que

0 <1

N< minδ, λ.

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90 CAPITULO 5. O TEOREMA DE MUDANCA DE VARIAVEIS

COnsideremos todos os racionais da formam

N, onde m e um inteiro arbitrario. Fixado i, seja

ci o maior racional da formam

Ntal que ci ≤ ai e seja di o menor racional da forma

m

Ntal que

di ≥ bi. Entao:[ai, bi] ⊂ [ci, di] ⊂ [ai − λ, bi + λ].

Segue que, se definirmos Q′ por

Q′ = [c1, d1]× . . .× [cn, dn],

entao Q ⊂ Q′ ⊂ Qλ e v(Q′) < 2v(Q). Agora notemos que cada intervalo componente [ci, di] de

Q′ pode ser particionado por pontos da formam

Nem subintervalos de comprimento

1

N. Segue

que Q′ esta particionado em subretangulos que sao cubos de largura1

N< δ. Tais subretangulos

cobrem Q e a soma total de seus volumes e justamente v(Q′) < 2v(Q).

Afirmacao 2: seja C ⊂ A um cubo fechado. Suponha que |Dg(x)| ≤ M , para todo x ∈ C. Sea largura de C for ω, entao g(C) estara contido em um cubo de largura (nM)ω.

De fato, seja x0 o centro do cubo C, de forma que,

C = x ∈ Rn | |x− x0| ≤ω

2.

Suponha que g(x) = (g1(x), . . . , gn(x)), x ∈ A. Pelo Teorema do Valor Medio, fixado i =1, . . . , n, existe ci tal que

gi(x)− gi(x0) = 〈∇gi(ci), (x− x0)〉.Segue que

|gi(x)− gi(x0)| ≤ ‖∇g(ci)‖‖x − x0‖≤ n|∇gi(ci)||x− x0|≤ nMω

2.

Usando a definicao da norma do sup em Rn temos que, se x ∈ C, entao

|g(x) − g(x0)| ≤ (nM)ω

2,

isto e, g(x) pertence ao cubo de centro g(x0) e largura (nM)ω.

Agora finalmente provaremos o lema. Suponha entao que E ⊂ Rn possua medida nula emRn. Seja Ck uma sequencia de compactos de A com Ck ⊂ IntCk+1 para cada k e A =

⋃∞k=1Ck.

Definamos Ek := Ck∩E. Lembremos que e suficiente demonstrar que cada g(Ek) possui medidanula em Rn, ja que estes conjuntos cobrem g(E).

Como Ck ⊂ IntCk+1 e Ck e compacto, escolhemos δ > 0 tal que a δ-vizinhanca de Ck (nametrica do sup), esta contida em IntCk+1. Sejam M tal que

|Dg(x)| ≤M, para todo x ∈ Ck+1.

Podemos ainda cobrir Ek com uma quantidade enumeravel de cubos fechados, cada uma deles

com largura menor que δ e com soma total dos volumes menor que ε′ =ε

(nM)n.

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5.3. PROPRIEDADES DE DIFEOMORFISMOS EM RN 91

Seja Di a sequencia de tais cubos. Como a largura da cada Di e menor que δ, temos queDi ⊂ Ck+1. Segue que |Dg(x)| ≤M para todo x ∈ Di, de forma que g(Di) esta contido em umcubo D

i com largura dada por (nm)L, onde L e a largura de Di. Note ainda que o cubo D′

i

possui volume dado porv(D

i) = (nM)n(L)n = (nM)nv(Di).

Assim,∞∑

i=1

v(D′

i) = (nM)nε′ = ε.

Como a sequencia D′

i cobre g(Ek), o resultado segue.

Decima setima aula ↓

Teorema 5.11 Sejam A,B ⊂ Rn subconjuntos abertos e g : A→ B um difeomorfismo de classeCr. Seja D ⊂ A um subconjunto compacto e E := g(D).

a) Temos g(IntD) = IntE e g(∂D) = ∂E.

b) Se D e retificavel, entao E tambem sera.

Demonstracao. Seja U ⊂ A um aberto. Como g e im difeomorfismo, temos que g(U) e abertode B. Assim, g(IntD) e aberto de B e esta contido em g(D) = E, isto e,

g(IntD) ⊂ IntE, (5.1)

e por simetria

g−1(IntE) ⊂ IntD. (5.2)

Combinando (5.1) e (5.2) obtemos que g(IntD) = IntE.

Por outro lado, g((ExtD) ∩ A) e um subconjunto aberto de B. Pela injetividade de g,g((ExtD) ∩A) ∩ g(D) = ∅. E como g(D) = E,

g((ExtD) ∩A) ⊂ ExtE. (5.3)

Mostremos que (5.3) implica em

∂E ⊂ g(∂D). (5.4)

De fato, seja y ∈ ∂E. Sendo E compacto, temos E fechado. Logo y ∈ ∂E e, em particular,y ∈ B. Seja x ∈ A tal que g(x) = y. Notemos que x 6∈ IntD por (5.1) e x 6∈ ExtD por (5.3).Segue que x ∈ ∂D e assim y ∈ g(∂D).

Por simetria,

∂D ⊂ g−1(∂E). (5.5)

Por (5.4) e (5.5) temos g(∂D) = ∂E. Isto conclui a demonstracao do item a).

Para verificarmos o item b) lembremos que, se D e retificavel, entao a medida de ∂D e nulaem Rn. Mas daı o Lema 5.10 implica que g(∂D) = ∂E tambem possui medida nula em Rn, ouseja, E e retificavel.

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92 CAPITULO 5. O TEOREMA DE MUDANCA DE VARIAVEIS

Nosso proximo resultado nos diz que um difeomorfismo pode, localmente, ser decompostocomo produto de difeomorfismos de certos tipos especiais. Este resultado tecino de certa formageneraliza um resultado de Algebra Linear que afirma que toda matriz nao-singular e produtode matrizes elementares.

Definicao 5.12 Sejam A,B ⊂ Rn abertos, n ≥ 2, e h : A→ B um difeomorfismo escrito como

h(x) = (h1(x), . . . , hn(x)), x ∈ A.

Fixado i, dizemos que h preserva a i-esima coordenada se hi(x) = xi para todo x ∈ A.No caso em que h preserva a i-esima coordenada para algum i, dizemos que h e um difeo-

morfismo primitivo.

Teorema 5.13 Sejam A,B ⊂ Rn subconjuntos abertos com n ≥ 2 e g : A → B um difeomor-fismo. Dado x0 ∈ A, existe uma vizinhanca U0 ⊂ A de x0 e uma sequencia de difeomorfismosde abertos de Rn

U0h1→ U1

h2→ U2 → . . .hk→ Uk,

onde cada hi e primitivo e hk . . . h2 h1 = g∣∣U0.

Demonstracao. O teorema sera demonstrado para casos particulares inicialmente e assimdividiremos a prova em 4 passos.

Passo 1. Seja T : Rn → Rn uma transformacao linear inversıvel, isto e, T (x) = Cx, onde C euma matriz nao-singular. Mostremos que T se fatora como produto de transformacoes linearesinversıveis e primitivas.

Sabemos que cada matriz nao-singular e decomposta como produto de matrizes elementares.Tais matrizes sao obtidas da matriz identidade atraves de 3 operacoes fundamentais:

1- trocar a i-esima linha (coluna) pela j-esima linha (coluna);

2- trocar a i-esima linha (coluna) pela i-esima linha (coluna) somada com j-esima linha(coluna) multiplicada por um escalar;

3- multiplicar a i-esima linha (coluna) por um escalar nao-nulo.

Notemos que as matrizes elementares obtidas da matriz identidade pelas operacoes 2- e3- dao origem a transformacoes lineares primitivas. Vamos verificar que a operacao 1- podeser obtida como composicao das operacoes 2- e 3-. Assim, matrizes elementares obtidas daidentidade pela operacao 1- dao origem a tranformacoes lineares que sao escritas como produtode transformacoes lineares primitivas. Este resultado segue observando a seguinte tabela:

linha i linha jestado inicial A Btroque linha i por linha i – linha j A−B Btroque linha j por linha j + linha i A−B Atroque linha i por linha i – linha j −B Amultiplique linha i por −1 B A

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5.3. PROPRIEDADES DE DIFEOMORFISMOS EM RN 93

Passo 2. Vamos supor agora que o difeomorfismo e uma translacao. Assim, seja t : Rn → Rn

dada por t(x) = x+ c, onde c ∈ Rn e um ponto fixado. Entao t = t1 t2, ondet1(x) = x+ (0, c2, . . . , cn) e t2(x) = x+ (c1, 0, . . . , 0),

e obviamente t1 e t2 sao primitivos.

Passo 3. Suponhamos agora que g : A → B e um difeomorfismo com x0 = 0, g(0) = 0 eDg(0) = In. Escrevemos ainda

g(x) = (g1(x), . . . , gn(x)) = (g1(x1, . . . , xn), . . . , gn(x1, . . . , xn)).

Definamos h : A→ Rn porh(x) = (g1(x), . . . , gn−1(x), xn).

Segue que h(0) = 0 e

Dh(x) =

∂g1∂x1

. . .∂g1∂xn

......

...∂gn−1

∂x1. . .

∂gn−1

∂xn0 . . . 1

.

Como as primeiras n−1 linha de Dh(x) sao iguais as primeiras n−1 linhas de Dg(x), temos queDh(0) = In. Segue do Teorema da Funcao Inversa que h e um difeomorfismo de uma vizinhancaV0 de 0 com um aberto V1 ⊂ Rn.

Seja k : V1 → Rn dada por

k(y) = (y1, . . . , yn−1, gn(h−1(y))).

Notemos que k(0) = (0, . . . , 0, gn(0)) = 0. Alem disso,

Dh(y) =

[In−1 0

D(gn h−1)(y)

].

Notemos ainda que

D(gn h−1)(0) = Dgn(h−1(0)) ·Dh−1(0)

= Dgn(0) · (Dh(0))−1

= (0 . . . 0 1).

Segue que Dk(0) = In e k e um difeomorfismo de uma vizinhaca W1 de 0 em um aberto W2 deRn.

Seja W0 = h−1(W1). Temos entao a seguinte sequencia de difeomorfismos:

W0h→W1

k→W2.

Obviamente h e k sao difeomorfismos primitivos. Resta-nos mostrar que k h = g∣∣W0

: Sex ∈W0, entao:

k h(x) = k(g1(x), . . . , gn−1(x), xn)

=(g1(x), . . . , gn−1(x), gn

(h−1(g1(x), . . . , gn(x))

))

= (g1(x), . . . , gn−1(x), gn(x)) = g(x).

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94 CAPITULO 5. O TEOREMA DE MUDANCA DE VARIAVEIS

Passo 4. Consideremos agora o caso geral enunciado no teorema. Dado g : A → B e fixadox0 ∈ A, seja C = Dg(x0). Definamos as translacoes t1, t2, T : Rn → Rn por

t1(x) = x+ x0, t2(x) = x− g(x0) e T (x) = C−1x.

Seja g := T t2 g t1. Entao g e um difeomorsfimo do conjunto aberto t−11 (A) ⊂ Rn no aberto

T (t2(B)) ⊂ Rn. Alem disso, pela regra da cadeia:

g(0) = 0 e Dg(0) = In.

O resultado segue escrevendo g = t−12 T−1 g t−1

1 e aplicando os passos 1, 2 e 3 aos difeomor-fismos do lado direito.

5.4 Exercıcios

Exercıcio 76 Mostre que se f : R2 → R e de classe C1, entao f nao pode ser injetora.

Sugestao: se Df(x) = 0 para todo x, entao f e constante; caso contrario aplique o Teoremada Funcao Implıcita.

Exercıcio 77 Mostre que se f : R → R2 e de classe C1, entao f nao pode ser sobrejetora. Defato, mostre que f(R) nao contem subconjunto aberto de R2.

Exercıcio 78 Prove uma generalizacao do Teorema 5.13 no qual a afirmacao cada hi e primitivoe trocada por cada hi preserva todas a menos de uma coordenada.

Sugestao: suponha x0 = 0, g(x0) = 0 e Dg(0) = In. Entao g pode ser fatorada comog = k h, onde

h(x) = (g1(x), . . . , gi−1(x), xi, gi+1(x), . . . , gn(x)),

e k preserva todas a menos da i-esima coordenada e, alem disso, h(0) = k(0) = 0 e Dh(0) =Dk(0) = In.

Exercıcio 79 Seja A ⊂ Rn um aberto e g : A → Rn uma funcao localmente Lipschitz. Mostreque se E ⊂ A possui medida nula em Rn, entao g(E) tambem possui medida nula em Rn.

Exercıcio 80 Sejam A,B ⊂ Rn abertos e g : A→ B bijetora.

a) Mostre que o item a) do Teorema 5.11 vale somente sob a hipotese de que g e g−1 saocontınuas.

b) Mostre que o item b) do Teorema 5.11 vale somente sob a hipotese de que g e localmenteLipschitz e g−1 e contınua.

5.5 O Teorema de Mudanca de Variaveis

Decima oitava aula ↓

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5.5. O TEOREMA DE MUDANCA DE VARIAVEIS 95

Finalmente nesta secao demonstraremos o Teorema de Mudanca de Variaveis, que e um dosresultados mais importantes na teoria de integracao multipla. Iniciamos com uma versao emdimensao n = 1 normalmente utilizada nos cursos de Calculo com a nomenclatura regra dasubstituicao.

Teorema 5.14 Sejam g : [c, d] → R uma funcao de classe C1 e f : g([c, d]) → R contınua.Definamos

F (x) :=

∫ x

g(c)f(t)dt, x ∈ g([c, d]).

Entao, para cada x ∈ [c, d] a funcao (f g)g′ e integravel em [c, x] e∫ x

cf(g(t))g′(t)dt = F (g(x)).

Em particular, ∫ g(d)

g(c)f(x)dx =

∫ d

cf(g(t))g′(t)dt.

Demonstracao. Como g′ e f g sao contınuas no compacto [c, d], temos que a integral emquestao existe. Definamos entao

G(x) :=

∫ x

cf(g(t))g′(t)dt.

Queremos concluir que G(x) = F (g(x)). Notemos pelo Teorema Fundamental do Calculo que

G′(x) = f(g(x))g′(x),

e pela Regra da Cadeia que

(F (g(x)))′ = F ′(g(x))g′(x) = f(g(x))g′(x).

Com isso G(x) − F (g(x)) e constante. Mas, para x = 0, temos G(c) = F (g(c)) = 0, ou seja,F (g(x)) = G(x) para todo x ∈ [c, d]. Em particular, quando x = d, G(d) = F (g(d)), que eprecisamente a segunda identidade.

E interessante observar que a maioria dos livros demonstram o Teorema 5.14 no caso emque g′(x) 6= 0 em [c, d], o que nao e necessario. Uma demonstracao ainda mais geral pode serencontrada em [4], a qual nao requer nem mesmo a continuidade de f e de g′.

Consideremos por um momento o caso especial do Teorema 5.14 em que g′ nao se anulaem J = [c, d]. Com isso, g e estritamente crescente ou estritamente decrescente em J . Suponhaque g′(x) > 0 em J . Segue que g(c) < g(d) e assim g(J) = [g(c), g(d)] pelo Teorema do ValorIntermediario. A formula de mudanca de varaveis pode entao ser escrita como

g(J)f(x)dx =

Jf(g(t))g′(t)dt. (5.6)

Por outro lado, se g′(x) < 0 em J , teremos g(c) > g(d) e assim g(J) = [g(d), g(c)]. Com issopodemos escrever ∫

g(J)f(x)dx = −

Jf(g(t))g′(t)dt. (5.7)

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96 CAPITULO 5. O TEOREMA DE MUDANCA DE VARIAVEIS

Ambas as igualdades (5.6) e (5.7) estao incluidas na formula geral

g(J)f(x)dx =

Jf(g(t))|g′(t)|dt.

Esta ultima formula e interessantes pois ela esta no estilo em que enunciaremos a foma geral doTeorema de Mudanca de Variaveis, o qual apresentamos loga a seguir.

Teorema 5.15 (Teorema de Mudanca de variaveis) Sejam A,B ⊂ Rn abertos e g : A →B um difeomorfismo. Suponha que f : B → R seja uma funcao contınua. Se f e integravel emB, entao a funcao (f g)|detDg| e integravel em A, e neste caso

Bf =

A(f g)|detDg|.

Notemos que o Teorema 5.15, mesmo quando n = 1, e mais geral que o Teorema 5.14, jaque agora estamos incluindo o caso de integrais improprias.

Demonstracao do Teorema 5.15. Suponhamos inicialmente que a funcao contınua f : B → R

e integravel. A demonstracao de que (f g)|detDg| e integravel e da validade da formulasera feita em varios passos. A estrategia e demonstrar que o resultado vale localmente paradifeomorfismos primitivos, decompor um difeomorfismo qualquer localmente como no Teorema5.13 e usar particao da unidade para provar o resultado globalmente. Entretanto, alem dessesdois passos, algumas lacunas devem ser preenchidas.

Passo 1. Sejam U, V,W ⊂ Rn abertos e suponha que existem difeomorfismos g : U → V eh : V →W . Suponha que o resultado vale para g e para h, isto e, suponha que se f1 : V → R ef2 : W → R sao integraveis, entao (f1 g)|detDg| e (f2 h)|detDh| sao integraveis em U e emV respectivamentee ainda vale a formula sugerida. Com estas hipoteses, entao o resultado valepara h g.

Passamos a demonstracao do Passo 1. Dada f : W → R contınua e integravel, segue porhipotese que

Wf =

V(f h)|detDh| =

U(f h) g|detDh| g|detDg|, (5.8)

onde usamos f2 = f e f1 = (f h)|detDh|, que sao contınuas e integraveis. Por outro lado,usando a Regra da Cadeia obtemos que

D(h g)(x) = Dh(g(x)) ·Dg(x), para qualquer x ∈ U,

e pelas propriedade da funcao determinante segue que

detD(h g)(x) = det(Dh(g(x))) det(Dg(x)). (5.9)

Substituindo (5.9) em (5.8) obtemos

Wf =

Uf (h g)|detD(h g)|,

ou seja, o resultado vale para h g.

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5.5. O TEOREMA DE MUDANCA DE VARIAVEIS 97

Passo 2. Suponhamos que cada x ∈ A possua uma vizinhanca U ⊂ A tal que o resultadovale para o difeomorfismo g : U → V , onde V = g(U), e para toda funcao contınua f : V → R

que possui suporte compacto contido em V . Entao mostraremos que o resultadoo vale parag : A→ B e toda funcao contınua f : B → R (estamos usando um abuso de notacao e denotandopor tambem por g a restricao g

∣∣U).

Nesta parte da demonstracao usaremos particao da unidade. Inicialmente, cubrimos Acom uma colecao de abertos Uα ⊂ Rn tais que, se Vα = g(Uα), entao o resultado vale para odifeomorfismo g : Uα → Vα e toda funcao contınua f : Vα → R tal que supp f ⊂⊂ Vα.1 Notemosque B e coberto pelos abertos Vα. Escolhemos uma particao da unidade φi em B com suportecompacto dominada pela colecao Vα. Pelo Exercıcio 73 a colecao φi g e uma particao daunidade em A com suporte compacto dominada por Uα.

Seja f : B → R contınua e integravel em B. Pelo Teorema 5.8 temos que

Bf =

∞∑

i=1

(∫

Bφif

).

Dado i, escolhemos α tal que suppφi ⊂⊂ Vα. A funcao φif e contınua em B e se anula fora docompacto suppφi. Pelo Lema 5.7

Bφif =

suppφi

φif =

φif.

A hipotese neste passo implica que

φif =

(φi g)(f g)|detDg|.

Usando novamente o Lema 5.7 e o fato que φi g se anula fora do compacto suppφi g obtemos

Bφif =

A(φi g)(f g)|detDg|.

Somando em i segue que

Bf =

∞∑

i=1

(∫

A(φi g)(f g)|detDg|

). (5.10)

Como |f | e integravel em B, a igualdade (5.10) vale com |f | no lugar de f . Como φi g e umaparticao da unidade em A, temos pelo Teorema 5.8 que (f g)|detDg| e integravel em A. Daıaplicamos (5.10) a f para conluirmos que

Bf =

A(f g)|detDg|.

Passo 3. Agora faremos a demonstracao no caso n = 1. Se g : A→ B e um difeomorfismo, dadox ∈ A, tomamos um intervalo compacto I que contem x e J = g(I). Entao g(Int I) = IntJ .Pelo Passo 2, necessitamos provar o resultado para g : Int I → IntJ e f : Int J → R contınua,

1A notacao supp f ⊂⊂ Vα siginifica que supp f e um compacto contido no aberto Vα.

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98 CAPITULO 5. O TEOREMA DE MUDANCA DE VARIAVEIS

integravel e com suporte compacto. Mas para isso, basta estender f a J fazendo f(x) = 0 sex ∈ ∂J e usar o Teorema 5.14.

Passo 4. Para n > 1, mostremos que se o resultado vale para um difeomorfismo primitivoh : U → V , com U, V ⊂ Rn abertos, entao ele vale para um difeomorfismo qualquer g : A→ B.

De fato, se g : A→ B e um difeomorfismo qualquer, entao fixamos x ∈ A e uma vizinhancaU0 de x na qual g

∣∣U0

se escreve como composicao de difemorfismos primitivos como no Teorema5.13. Supondo que o resultado vale para cada um desses difeomorfismos, entao o Passo 1 implicaque ele vale para g

∣∣U0. Mas aı o Passo 2 implica que o resultado vale para g, ja que x ∈ A e

arbitrario.

Passo 5. Agora mostramos que se o resultado vale em dimensao n − 1, entao ele vale paran. Mas pelo Passo 4, basta provarmos este fato para um difeomorfismo primitivo h : U → V ,U, V ⊂ Rn abertos. Podemos assumir, sem perda de generalidade, que h preserva a ultimacoordenada.

Seja x0 ∈ U e y0 = h(x0). Tomemos um retangulo Q contido em V cujo interior contem y0e definamos S := h−1(Q). Segue que h : IntS → IntQ e tambem um difeomorfismo. Como x0 earbitrario, basta demonstrarmos pelo Passo 2 que o resultado vale para h : IntS → IntQ e paraqualquer funcao contınua f : IntQ→ R cujo suporte e um subconjunto compacto de IntQ.

Como a funcao (f h)|detDh| se anula fora de um compacto de IntS, precisamos demon-strar que ∫

IntQf =

IntS(f h)|detDh|.

Estendemos f em todo Rn definindo-a como sendo 0 fora de IntQ. Defina ainda F : Rn → R

como sendo a extensao de (f h)|detDh| como sendo 0 fora de IntS. Ambas, f e F sao contınuase desejamos provar que ∫

Qf =

SF.

Podemos escrever o retangulo Q na forma Q = D× I, onde D e um retangulo em Rn−1 e Ie um intervalo fechado em R. Como S e compacto, sua projecao sobre Rn−1×0 e tambem umcompacto e esta contido em um subconjunto da forma E × 0, como E ⊂ Rn−1 um retangulo.Como h preserva a ultima coordenada, o conjunto S esta contido no retangulo E × I.

Como F se anula fora de S, basta provarmos que∫

Qf =

E×IF.

Mas usando o Teorema de Fubini (Teorema 4.19), esta ultima igualdade entre integrais e equi-valente a seguinte: ∫

t∈I

y∈Df(y, t) =

t∈I

x∈EF (y, t).

Mas alem disso, basta mostrarmos que as integrais internas sao iguais.

Fixado t, a interseccao de U e de V com Rn−1 × t sao conjuntos da forma Ut × t eVt × t. Como F se anula fora de S, segue que a igualdade que devemos provar e a seguinte:

y∈Vt

f(y, t) =

x∈Ut

F (y, t).

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5.5. O TEOREMA DE MUDANCA DE VARIAVEIS 99

UV

h

S QUt × t Vt × t

Figure 5.2: Construcao dos abertos envolvidos na demonstracao.

Esta e uma equacao em Rn−1, onde a hipotese de inducao vale.

O difeomorfismo h : U → V possui a forma

h(x, t) = (k(x, t), t),

onde k : U → Rn−1 e alguma funcao de classe C1. A derivada de h e da forma

Dh =

[∂k

∂x

∂k

∂x0 . . . 0 1

],

e pelas propriedades de determinates temos que detDh = det∂k

∂x. Assim, para t fixado, k(x, t)

e nao-singular. Alem disso, ela aplica Ut em Vt bijetivamente e e de classe C1. O Teorema daFuncao Inversa implica que k(·, t) e um difeomorfismo de abertos de Rn−1.

Aplicando a hipotese de inducao temos que, para t fixado:∫

y∈Vt

f(y, t) =

x∈Vt

f(k(x, t), t)∣∣∣ det ∂k

∂x

∣∣∣

=

x∈Vt

f(h(x, t))|detDh|

=

x∈Vt

F (x, t).

Finalmente o resultado segue usando inducao.

A recıproca do Teorema 5.15 segue usando o difeomorfismo inverso g−1 : B → A.

Corolario 5.16 Seja g : A → B um difeomorfismo entre os abertos A,B ⊂ Rn e f : B → R

uma funcao contınua. Se (f g)|detDg| for integravel em A entao f e integravel em B.

Demonstracao. Basta aplicarmos o Teorema 5.15 ao difeomorfismo g−1 : B → A e a aplicacaoF = (f g)|detDg|, a qual e contınua em A. Os detalhes serao omitidos e deixados comoexercıcio.

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100 CAPITULO 5. O TEOREMA DE MUDANCA DE VARIAVEIS

5.6 Exercıcios

Exercıcio 81 Refaca com detalhes os exemplos 1, 2, 3, 4 e 5 da Secao 17 e o exemplo 1 daSecao 19 da referencia [9].

Exercıcio 82 Mostre que a integral ∫

R2

e−(x2+y2)

existe e que ∫

R2

e−(x2+y2)dxdy =( ∫

R

e−x2dx

)2

Definicao 5.17 Seja πk : Rn → R a funcao projecao dada por πk(x) = xk. Seja S ⊂ Rn um

conjunto retificavel com volume nao-nulo. O centroide de S e definido como sendo o pontoc(S) ∈ Rn cuja k-esima coordenada, para cada k, e dada por

ck(S) :=1

v(S)

sπk.

Exercıcio 83 Dizemos que um conjuntos S ⊂ Rn, retificavel e simetrico com relacao aosubespaco xk = 0 de Rn se a transformacao

h(x) = (x1, . . . , xk−1,−xk, xk+1, . . . , xn)

aplica S em si mesmo. Mostre neste caso que ck(S) = 0.

Exercıcio 84 Seja A ⊂ Rn−1 um aberto retificavel. Dado um ponto P ∈ Rn com Pn > 0, sejaS ⊂ Rn o subconjunto definido por

S := x | x = (1− t)Q+ tP onde Q ∈ A× 0 e 0 < t < 1.

O conjunto S e chamado de cone com base A× 0 e vertice P .

a) Descreva com um exmeplo em R3 um conjunto S.

b) Defina um difeomorfismo entre A× (0, 1) e S.

c) Encontre v(S) em termos de v(A).

d) Mostre que o centroide c(S) do cone S pertence ao segmento que une c(A) e P . Expressec(S) em termos de c(A) e de P .

Exercıcio 85 Seja Bnr a bolsa fechada de centro 0 e raio r em Rn.

a) Mostre que

v(Bnr ) = λnr

n,

onde λn = v(Bn1 ).

b) Encontre λ1 e λ2.

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5.6. EXERCICIOS 101

c) Supondo n ≥ 3, obtenha a formula:

λn = λn−2

∫ 2π

0

∫ 1

0(1− r2)n/2−1rdrdθ = λn−2

n

d) Deduzir que

λn =πn/2

Γ(1 + n/2),

onde

Γ(y) =

∫ ∞

0e−xxy−1dx.

Observacao: talvez seja util o fato Γ(y + 1) = yΓ(y).

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102 CAPITULO 5. O TEOREMA DE MUDANCA DE VARIAVEIS

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Capıtulo 6

Formas diferenciais

Neste capıtulo introduziremos o conceito de formas diferenciais, as quais serao utilizadas paratratarmos de uma versao generalizada do Teorema de Stokes em Rn. Este caso geral que tratare-mos necessita de conceitos mais poderosos que aqueles provindos da Algebra Linear e do Calculode Varias Variaveis. Necessitaremos assim desenvolver ferramentas provindas da Algebra Mul-tilinear. Nas proximas primeiras secoes desenvolveremos entao conceitos puramente algebricos,os quais serao usados para estudar as forma diferenciais.

6.1 Tensores e produtos tensoriais

Decima nona aula ↓

Dado um espaco vetorial (real) V , denotemos por V k = V × . . .× V o produto Cartesianode k-copias de V . Denotemos um elemento de V k por uma k-upla (v1, . . . , vk), onde cada vi eum elemento de V . Uma funcao f : V k → R e dita linear na i-esima variavel se, fixados vetoresvj, j 6= i, a aplicacao T : V → R dada por

T (v) := f(v1, . . . , vi−1, v, vi+1, . . . , vk)

e linear.

Dizemos que f : V k → R e multilinear (ou k-linear) se ela e linear na i-esima coordenadapara cada i = 1, . . . , k.

Definicao 6.1 Um tensor de ordem k ou um k-tensor e uma funcao multilinear f : V k → R.O conjunto de todos os tensores de ordem k em V sera denotado por Lk(V ).

Podemos citar dois exemplos simples: para k = 1, L1(V ) = V ∗, o dual de V ; para k = 2,temos que L2(V ) e o conjunto de todas as aplicacoes bilineares de V .

Sendo um k-tensor uma funcao multilinear que associa a cada k-upla de vetores em V umnumero real, dois k-tensors podem ser somados e multiplicados por escalares (elementos de R).Com a definicao natural de soma pontual e multiplicacao por escalares temos que Lk(V ) e umespaco vetorial. Deixemos este fato documentado em forma de teorema.

Teorema 6.2 O conjunto de todos os k-tensores em V constitui um espaco vetorial sobre R sedefinirmos a soma de k-tensores e produto por um escalar respectivamente por

(f + g)(v1, . . . , vk) = f(v1, . . . , vk) + g(v1, . . . , vk) e (αf)(v1, . . . , vk) = αf(v1, . . . , vk).

103

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104 CAPITULO 6. FORMAS DIFERENCIAIS

Como no caso de transformacoes lineares, um tensor fica completamente determinado peloseu valor nos elementos da base do espaco vetorial em questao.

Dado um conjunto 1, 2, . . . , n, uma k-lista de inteiros deste conjunto e uma k-upla I =(i1, . . . , ik), onde i1, . . . , ik sao elementos de 1, 2, . . . , n.

Lema 6.3 Seja e1, . . . , en uma base do espaco vetorial (de dimensao finita) V . Se f, g : V k →R sao dois k-tensores em V que satisfazem

f(ei1 , . . . , eik) = g(ei1 , . . . , eik)

para toda k-lista I = (i1, . . . , ik) de inteiros do conjunto 1, . . . , n, entao f = g.

Demonstracao. Seja (v1, . . . , vk) ∈ V k. Expressamos cada vi como soma dos elementos dabase de V da forma:

vi =

n∑

j=1

αijej .

Usando que f e g sao multilineares e inducao em k obtemos

f(v1, . . . , vk) =n∑

j1,...,jk=1

α1j1 . . . αkjkf(ej1 , . . . , ejk)

=

n∑

j1,...,jk=1

α1j1 . . . αkjkg(ej1 , . . . , ejk)

= g(v1, . . . , vk).

Como (v1, . . . , vk) ∈ V k e qualquer, segue que f = g.

Usando o Lema 6.3 podemos encontrar uma base para Lk(V ).

Teorema 6.4 Sejam V um espaco vetorial com base e1, . . . , en e fixemos uma k-lista I =(i1, . . . , ik) de inteiros do conjunto 1, . . . , n. Dada uma outra k-lista J = (j1, . . . , jk) deinteiros de 1, . . . , n, existe um unico k-tensor φI em V que satisfaz:

φI(ej1 , . . . , ejk) =

0 se I 6= J,1 se I = J.

Os tensores da forma φI , quando I percorre todas as k-listas de inteiros de 1, . . . , n, forma umabase de Lk(V ) e sao chamados de k-tensores elementares. Em particular, dimLk(V ) = nk.

Demonstracao. Consideremos inicialmente o caso k = 1. Como sabemos da Algebra Linear,podemos determinar um funcional linear φi : V → R apenas especificando seu valor nos elementosde uma base de V . Definamos entao

φi(ej) =

0 se i 6= j,1 se i = j.

Estes 1-tensores possuem todas as propriedades desejadas.

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6.1. TENSORES E PRODUTOS TENSORIAIS 105

No caso k > 1, definimos φI por

φI(v1, . . . , vk) := φi1(v1)φ12(v2) . . . φ1k(vk).

E imediato verificar que φI e multilinear e satisfaz as propriedades desejadas. Verifiquemos queos k-tensores φI formam uma base de Lk(V ) quando I percorre todas as k-listas de inteiros1, . . . , n. Seja f ∈ Lk(V ). Para cada I = (i1, . . . , ik) defina o escalar dI por

dI := f(ei1 , . . . , eik).

Vamos mostrar que f se escreve como combinacao linear dos k-tensores φI e que os coeficientesescalares dessa combinacao sao justamante dI . De fato, seja

g :=∑

J

dJφJ ,

onde a soma se estende sob todas as k-listas de elementos de 1, . . . , n. Entao

g(ei1 , . . . , eik) = dI = f(ei1 , . . . , eik)

para qualquer k-lista I = (i1, . . . , ik). Segue do Lema 6.3 que f = g.

A unicidade tambem segue do Lema 6.3.

Exemplo 6.5 Seja V = Rn e e1, . . . , en sua base canonica. Entao uma base de L1(V ) e dadapor φ1, . . . , φn, onde cada φi esta definida em v = x1e1 + . . .+ xnen por

φi(v) = xi.

Assim, dada uma k-lista de inteiros I = (i1, . . . , ik), definimos φI por

φI(v1, . . . , vk) = φi1(v1) . . . φik(vk) = xi11 . . . xikk,

onde

vj = x1je1 + . . . + xnjen.

Logo, uma base de Lk(V ) pode ser dada pelos monomios nas componentes do vetor v nabase e1, . . . , en. Em particular, se f : V → R e um 1-tensor, entao f e da forma

f(v) = d1x1 + . . .+ dnxn = 〈(d1, . . . , dn), v〉,

para alguma n-upla (d1, . . . , dn). Um 2-tensor em Rn e da forma

g(v, u) =n∑

i,j=1

dijxiyj,

onde v = x1e1 + . . . xnen e u = y1e1 + . . . ynen e dij sao escalares.

Vamos agora introduzir uma operacao que podemos efetuar entre tensores em V de ordensdiferentes.

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106 CAPITULO 6. FORMAS DIFERENCIAIS

Definicao 6.6 Seja V um espaco vetorial e tomemos f ∈ Lk(V ) e g ∈ Ll(V ). Definimos oproduto tensorial entre f e g como sendo o (k + l)-tensor f ⊗ g dado por

f ⊗ g(v1, . . . , vk, vk+1, . . . , vk+l) := f(v1, . . . , vk)g(vk+1, . . . , vk+l).

Nao e difıcil verificar que f⊗g e realmente multilinear. Sera deixado tambem como exercıcioa demonstracao do proximo resultado, que lista algumas propriedades do produto tensorial.

Teorema 6.7 Sejam f, g, h tensores em V . Temos as seguintes propriedades:

1) f ⊗ (g ⊗ h) = (f ⊗ g) ⊗ h;

2) (αf)⊗ g = α(f ⊗ g) = f ⊗ (αg), para qualquer α ∈ R;

3) se f e g possuem a mesma ordem, entao

(f + g)⊗ h = f ⊗ h+ g ⊗ h,h⊗ (f + g) = h⊗ f + h⊗ g; (6.1)

4) dada uma base e1, . . . , en de V , os vetors elementares correspondentes satisfazem

φI = φi1 ⊗ . . .⊗ φik ,

onde I = (i1, . . . , ik).

Notemos que em geral nao vale a comutatividade no produto tensorial.

Verifiquemos agora como as transformacoes lineares sobre V agem em Lk(V ).

Definicao 6.8 Seja T : V → W uma transformacao linear entre os espacos vetoriais V e W .A transformacao dual de T e a aplicacao

T ∗ : Lk(W )→ Lk(V )

definida como segue: se f ∈ Lk(W ) e se v1, . . . , vk sao vetores de V , entao

(T ∗f)(v1, . . . , vk) = f(T (v1), . . . , T (vk)).

O elemento T ∗f ∈ Lk(V ) e chamado de pullback de f (por T ).

E imedito da definicao que T ∗f e realmente multilinear. Alem disso, T ∗ : Lk(W )→ Lk(V )e tambem uma transformacao linear.

Teorema 6.9 Seja T : V → W uma transformacao linear e T ∗ : Lk(W ) → Lk(V ) sua trans-formacao dual. Entao:

1) T ∗ e linear;

2) T ∗(f ⊗ g) = T ∗f ⊗ T ∗g;

3) se S : W → X e uma transformacao linear, entao (S T )∗f = T ∗(S∗f).

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6.2. EXERCICIOS 107

6.2 Exercıcios

Exercıcio 86 Demonstre o Teorema 6.2.

Exercıcio 87 Demonstre o Teorema 6.7.

Exercıcio 88 Demonstre o Teorema 6.9.

Exercıcio 89 Sejam f e g tensores em R4 definidos por

f(v1, v2, v3) = 2x1y2z2 − x2y3z1,g = φ2,1 − 5φ3,1.

a) Expresse f ⊗ g como combinacao linear de 5-tensores elementares.

b) Expresse uma formula para f ⊗ g(v1, v2, v3, v4, v5).

Exercıcio 90 Sejam V e W dois espacos vetoriais com bases e1, . . . , en e f1, . . . , fm res-pectivamente e T : V → W uma transformacao linear. Dado f ∈ Lk(W ), encontre T ∗f emfuncao dos coeficientes de f e de Tei na base de W .

Exercıcio 91 Seja e1, e2 a base canonica de R2 e φ1, φ2 a base dual. Definamos f =−2φ1 ⊗ φ2 e consideremos T : R3 → R2 a transformacao linear dada pela matriz

A =

(1 0 20 −1 1

).

Compute T ∗f em termos da nase canonica de R3.

6.3 Tensores alternados

Nesta secao introduziremos os principais tipos de tensores nos quais estamos interessados eestudaremos algumas de suas proprieades. Antes porem necessitamos de alguns preliminaressobre o grupo de permutacoes de um conjunto finito.

Dado um conjunto finito Ak = 1, 2, . . . , k, uma permutacao deste conjunto e uma funcaobijetora σ : Ak → Ak. O conjunto de todas as permutacoes de Ak e denotado por Sk. Notemosque Sk contem exatamente k! elementos. O produto de duas permutacoes σ e τ e na verdade acomposicao dessas permutacoes, que e necessariamente uma permutacao, a qual sera denotadapor σ τ = στ .

Uma notacao comumente usada para uma permutacao σ ∈ Sk e a seguinte:

σ =

(1 2 . . . k

σ(1) σ(2) . . . σ(k)

).

Se denomina transposicao uma permutacao σ ∈ Sk para a qual existem dois inteiros distintosi e j tais que

σ(i) = j, σ(j) = i e σ(l) = l se l 6= i, l 6= j.

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108 CAPITULO 6. FORMAS DIFERENCIAIS

Assim, uma trasposicao permuta dois inteiros distintos e deixa os demais fixados. Note que nestecaso σ2 e a identidade. Uma transposicao elementar e uma transposicao que permuta somentedois numeros consecutivos e deixa os demais fixados. E possıvel provar o seguinte fato:

Fato 1: toda permutacao σ ∈ Sk se escreve como produto de transposicoes elementares.

Uma outra informacao importante e que, qualquer que seja a maneira que escrevemos umapermutacao σ como produto de transposicoes elementares, a quantidade destes fatores nuncamuda. Assim, podemos definir a funcao sinal de uma permutacao sgn: Sk → 1,−1 porsgn(σ) = 1 se σ se escreve como produto de um numero par de transposicoes elementares esgn(σ) = −1 se σ se escreve como produto de um numero ımpar de transposicoes elementares.Sendo assim, temos o seguinte:

Fato 2: a aplicacao sgn: Sk → 1,−1 define um homomorfismo do grupo multiplicativo Sk nogrupo multiplicativo com dois elementos 1,−1; alem disso, se σ e uma transposicao, entaosgn(σ) = −1.

Vigesima aula ↓

Consideremos agora dois conjuntos quaisquer E e F e uma aplicacao f : Ek → F . Paraσ ∈ Sk, definimos σf : Ek → F pela equacao

(σf)(v1, . . . , vk) := f(vσ(1), . . . , vσ(k)).

Assim, σf se deduz de f mediante uma permutacao das variaveis. Observemos que se σ e aidentidade, entao σf = f . Ademais, se σ, τ ∈ Sk, entao

(τσ)f = τ(σf).

De fato, seja σf = g. Temos por um lado que

τg(v1, . . . , vk) = g(vτ(1), . . . , vτ(k)),

e por outro ladog(w1, . . . , wk) = f(wσ(1), . . . , wσ(k)).

Tomando wi = vτ(i), temos wσ(i) = vτ(σ(i)). Assim,

τ(σf)(v1, . . . , vk) = g(vτ(1), . . . , vτ(k)) = f(vτ(σ(1)), . . . , vτ(σ(k))) = (τσ)f(v1, . . . , vk).

O que acabamos de verificar nos diz, em outras palavras, que o grupo Sk opera a esquerdano conjunto das funcoes de Ek em F .

Vamos introduzir agora o importante subespaco Ak(V ) de Lk(V ).

Definicao 6.10 Seja V um espaco vetorial (sobre R). Um k-tensor f ∈ Lk(V ) e chamadoalternado se f(v1, . . . , vk) = 0 sempre que vi = vi+1 para pelo menos um ındice i, 1 ≤ i < k.Convencionaremos que, quando k = 1, todo 1-tensor f ∈ L1(V ) e alternado. Denotaremos oconjunto dos k-tensores alternados em V por Ak(V ).

Proposicao 6.11 Seja f ∈ Lk(V ). Entao f e um k-tensor alternado se, e somente se, paraqualquer permutacao σ ∈ Sk, tem-se que

f(vσ(1), . . . , vσ(k)) = sgn(σ)f(v1, . . . , vk). (6.2)

Se f e um k-tensor alternado e se existirem dois ındices distintos i e j tais que vi = vj ,entao f(v1, . . . , vk) = 0.

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6.3. TENSORES ALTERNADOS 109

Demonstracao. Suponhamos que f ∈ Ak(V ). Vamos demonstrar a primeira parte da propo-sicao inicialmente para uma trabsposicao elementar. Assim, consideremos a transposicao quepermuta dois ındices consecutivs i e i+ 1, a qual possui sinal −1. Precisamos provar que

f(vi+1, vi) = −f(vi, vi+1),

onde escrevemos, para simplificar,

f(vi, vi+1) = f(v1, . . . , vi, vi+1, . . . , vk).

Como f e multilinear e alternada, temos

0 = f(vi + vi+1, vi + vi+1)

= f(vi, vi) + f(vi+1, vi+1) + f(vi, vi+1) + f(vi+1, vi)

= f(vi, vi+1) + f(vi+1, vi).

Agora notemos que, se σ, τ ∈ Sk, entao (στ)f = σ(τf) e que sgn(στ) = sgn(σ) sgn(τ).Segue que se a igualadade (6.2) vale para σ e para τ , entao vale para α = στ . Como qualquerpermutacao e produto de um numero finito de transposicoes elementares, para as quais vale arelacao (6.2), temos que esta igualdade vale para qualquer σ ∈ Sk.

Reciprocamente, suponhamos que f ∈ Lk(V ) satisfaca (6.2) para qualquer permutacaoσ ∈ Sk. Em particular, quando σ e uma transposicao elementar que permuta dois ındicesconsecutivos quaisquer i e i+ 1, entao

f(v1, . . . , vk) = −f(v1, . . . , vk),de onde segue que

2f(v1, . . . , vk) = 0,

e assim f(v1, . . . , vk) = 0.

Para finalizar, suponhamos que f ∈ Ak(V ) e que vi = vj para dois ındices i 6= j. Considereuma permutacao σ ∈ Sk tal que σ(1) = i e σ(2) = j. Sendo f alternada, temos pela primeiraparte que

±f(v1, . . . , vk) = σf(v1, . . . , vk) = 0,

ou seja, f(v1, . . . , vk) = 0.

Evidentemente o conjuntoAk(V ) e um subespaco vetorial de Lk(V ). Vamos agora encontraruma base para este espaco vetorial. Observemos que, se k = 1, entao nada temos a fazer ja queA1(V ) = L1(V ) = V ∗. Alem disso, no caso em que k > n = dimV , devemos ter Ak(V ) o espacotrivial. De fato, qualquer k-tensor f fica unicamente determinado pelo seus valore nas k-uplasde elementos da base de V ; mas quando k > n, necessariamente um elemento da base deverase repetir na k-upla; daı se f for alternado, ele deve se anular em toda k-upla de elementos dabase de V pela Proposicao 6.11. Falta entao analisar o caso em que 1 < k ≤ n.

Dado um conjunto 1, 2, . . . , n, uma k-lista ascendente I = (i1, . . . , ik) deste conjunto euma k-lista que satisfaz

i1 < i2 < . . . < ik.

Lema 6.12 Seja e1, . . . , en uma base de V . Se f, g ∈ Ak(V ) satisfazem

f(ei1 , . . . , eik) = g(ei1 , . . . , eik)

para toda k-upla ascendente I = (i1, . . . , ik) do conjunto 1, 2, . . . , n, entao f = g.

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110 CAPITULO 6. FORMAS DIFERENCIAIS

Demonstracao. Pelo Lema 6.3 e suficiente mostrar que f e g possuem o mesmo valor emuma k-upla arbitraria (ej1 , . . . , ejk) de elementos da base de V . Seja J = (j1, . . . , jk). Caso umdos elementos jq e jp sejam iguais, entao tanto f quanto g serao zero nesta k-upla. Suponhaentao que a k-lista J seja formada por elementos distintos. Seja σ ∈ Sk tal que a k-listaI = (jσ(1), . . . , jσ(k)) seja ascendente. Entao

g(ejσ(1), . . . , ejσ(k)

) = f(ejσ(1), . . . , ejσ(k)

).

Mas

f(ejσ(1), . . . , ejσ(k)

) = σf(ej1 , . . . , ejk) = sgn(σ)f(ej1 , . . . , ejk).

Uma similar igualdade vale para g.

Teorema 6.13 Sejam V um espaco vetorial com base e1, . . . , en e fixemos uma k-lista as-cendente I = (i1, . . . , ik) de inteiros do conjunto 1, . . . , n. Dada uma outra k-lista ascendenteJ = (j1, . . . , jk) de inteiros de 1, . . . , n, existe um unico k-tensor alternado ψI em V quesatisfaz:

ψI(ej1 , . . . , ejk) =

0 se I 6= J,1 se I = J.

Os tensores da forma ψI , quando I percorre todas as k-listas ascendentes de inteiros de 1, . . . , n,forma uma base de Ak(V ) e sao chamados de k-tensores alternados elementares. Tais ten-sores satisfazem a formula

ψI =∑

σ∈Sk

sgn(σ)σφI .

Demonstracao. Mostremos que ψI dado pela formula do teorema e um k-tensor alternado. Seτ ∈ Sk, temos

τψI =∑

σ∈Sk

sgn(σ)τ(σφI)

=∑

σ∈Sk

sgn(σ)(τσ)φI

= (sgn(τ))∑

σ∈Sk

sgn(τσ)(τσ)φI

= sgn(τ)ψI ,

ja que a aplicacao σ 7→ τσ e bijetora de Sk em Sk.

O restante da demonstracao segue como no Teorema 6.4 usando-se o Lema 6.12.

Observemos que, se dimV = n, a dimensao do espaco Ak(V ) no caso em que 1 < k ≤ n e

dimAk(V ) =

(nk

)=

n!

k!(n − k)! .

Finalizaremos esta secao estabelecendo uma relacao entre os tensores alternados em V = Rn

e o determinante de uma matriz.

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6.4. EXERCICIOS 111

Teorema 6.14 Seja ψI um k-tensor alternado elementar em Rn correspondente a base canonicade Rn, onde I = (i1, . . . , ik) e uma k-upla ascendente de inteiros de 1, 2, . . . , n. Dada umak-upla de vetores v1, . . . , vk em Rn, que podem ser escritos na forma

vi = (x1i, . . . , xni), i = 1, . . . , k,

consideramos a matriz n× k

X =

x11 . . . x1k...

. . ....

xn1 . . . xnk

Entao

ψI(v1, . . . , vk) = detXI ,

onde XI e a matriz cujas linhas sao sucessivamente as linhas i1, . . . , ik de X.

Demonstracao. Usando a definicao e o Exemplo 6.5 calculamos:

ψI(v1, . . . , vk) =∑

σ∈Sk

(sgnσ)φI(vσ(1), . . . , vσ(k))

=∑

σ∈Sk

(sgnσ)xi1,σ(1) . . . xik,σ(k),

que e justamente a expressao que define o determinante da matriz XI .

Exemplo 6.15 Consideremos o espaco A3(R4). Sejam

u = (x1, x2, x3, x4),

v = (y1, y2, y3, y4),

w = (z1, z2, z3, z4).

Entao

ψijk(u, v, w) = det

xi yi zixj yj zjxk yk zk

,

onde (i, j, k) = (1, 2, 3) ou (i, j, k) = (1, 2, 4) ou (i, j, k) = (1, 3, 4) ou (i, j, k) = (2, 3, 4).

6.4 Exercıcios

Exercıcio 92 Sejam V e W espacos vetorias de dimensao finita sobre R e T : V → W umatransformacao linear. Mostre que se f ∈ Ak(W ), entao T ∗f ∈ Ak(V ).

Vigesima primeira aula: segunda prova

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112 CAPITULO 6. FORMAS DIFERENCIAIS

6.5 Produto exterior

Vigesima segunda aula ↓

Dados dois tensores alternados f e g sobre um espaco vetorial real V , gostarıamos deencontrar um produto entre f e g de forma que o tensor resultante tambem seja alternado.

Sejam f ∈ Ak(V ) e g ∈ Al(V ). Denotemos o produto tensorial f ⊗ g por h. Assim,h : V k+l → R e um k + l-tensor, a saber

h(v1, . . . , vk+l) = f(v1, . . . , vk)g(vk+1, . . . , vk+l). (6.3)

Notemos que h nao necessariamente e alternada. Entretanto, ela pertence a um subespaco deLk+l(V ), formado pelos k + l-tensores que sao alternados na k primeiras variaveis v1, . . . , vk enas l ultimas variaveis vk+1, . . . , vk+l. Denotemos espaco dos k + l-tensores definidos como em(6.3) por Ak,l(V ).

Indicaremos um procedimento canonico para associar a cada elemento h ∈ Ak,l(V ) umelemento h ∈ Ak+l(V ). Mais precisamente, vamos definir uma aplicacao

ϕk,l : Ak,l(V )→ Ak+l(V ).

Dada h como em (6.3), definimos ϕ(h) = h, onde

h =∑

σ∈Sk,l

sgn(σ)σh. (6.4)

Aqui, Sk,l denota o subconjunto de Sk+l formado pelas permutacoes σ tais que

σ(1) < . . . < σ(k) e σ(k + 1) < . . . < σ(k + l). (6.5)

Intuitivamente uma permutacao σ ∈ Sk,l e obtida da seguinte forma: considere dois macos decartas de um baralho, o primeiro com k cartas e o segundo com l cartas; enumere as cartas doprimeiro maco de 1 ate k e do segundo maco de k + 1 ate k + l; se embaralharmos estes doismacos uma unica vez deslizando o segundo maco sobre o primeiro, as cartas se encontrarao emuma ordem tal que a relacao de ordem induzida sobre cada um dos macos iniciais continua amesma. Assim a acao de embaralhar definiu uma permutacao σ que satisfaz (6.5). Observeainda que o numero das permutacoes σ ∈ Sk+l que satisfazem (6.5) e

(k + l)!

k!l!.

Devemos efetivamente mostrar que h definida em (6.4) e um k + l-tensor alternado. Supo-nhamos que v1, . . . , vk+l seja uma k+ l-upla de vetores em V tais que dois vetores consecutivossejam iguais, isto e, vi = vi+1 para algum 1 ≤ i < k + l. Queremos provar que

σ∈Sk,l

sgn(σ)h(vσ(1) , . . . , vσ(k+l)) = 0.

Para tanto, vamos classificar as permutacoes σ ∈ Sk,l em duas categorias:

• considere as permutacoes σ ∈ Sk,l tais que σ−1(i) e σ−1(i+1) sao ambas menores ou iguaisa k ou ambas maiores ou iguais a k + 1. No primeiro caso, temos que vi e vi+1 figuramambos entre os primeiros k lugares na parcela sgn(σ)h(vσ(1), . . . , vσ(k+l)); logo, tal parcelase anula sendo h alternada nas k-primeiras variaveis. No segundo caso a parcela tambeme nula por uma razao analoga.

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6.5. PRODUTO EXTERIOR 113

• considere agora as permutacoes σ ∈ Sk,l tais que σ−1(i) ≤ k e σ−1(i + 1) ≥ k + 1 e asσ ∈ Sk,l tais que σ−1(i) ≥ k + 1 e σ−1(i + 1) ≤ k. Seja τ a transposicao elementarque permuta i e i + 1. Se σ esta na primeira subcategoria, entao τσ esta na segunda ereciprocamente. Assim, podmeos agrupar em dois a dois os termos restantes da definicaode h. Por exemplo, para cada σ tal que σ−1(i) ≤ k e σ−1(i+ 1) ≥ k + 1, tomaremos

sgn(σ)h(vσ(1) , . . . , vσ(k+l))− sgn(σ)h(vτσ(1) , . . . , vτσ(k+l)),

e observamos que esta expressao e nula, pois a sequencia τσ(1), . . . , τσ(k + l) e obtida deσ(1), . . . , σ(k + l) trocando-se i e i+ 1. Como vi = vi+1, nada se altera ao calcularmos hnas respectivas k-uplas de vetores.

Segue que a aplicacao ϕk,l : Ak,l(V ) → Ak+l(V ) esta bem definida. Podemos entao definiro produto que nos interessa.

Definicao 6.16 Dadas f ∈ Ak(V ) e g ∈ Al(V ), o produto exterior de f com g e definidocomo sendo o elemento ϕk,l(h) e denotado por f ∧ g. Em outras palavras,

f ∧ g(v1, . . . , vk+l) =∑

σ∈Sk,l

sgn(σ)f(vσ(1), . . . , vσ(k))g(vσ(k+1), . . . , vσ(k+l)).

Exemplo 6.17 Tomemos o caso em que k = l = 1 e sejam f, g ∈ L1(V ). Entao

f ∧ g(v1, v2) = f(v1)g(v2)− f(v2)g(v1) = det

(f(v1) f(v2)g(v1) g(v2)

)

Observe que se v1 = v2, entao o lado direito da igualdade acima e nulo.

Com maior generalidade, suponhamos que k = 1 e l ≥ 1 e sejam f ∈ A1(V ) e g ∈ Al(V ).Entao

f ∧ g(v0, v1, . . . , vl) =l∑

i=0

(−1)if(vi)g(v0, . . . , vi−1, vi+1, . . . , vl).

Passamos agora a apresentar as principais propriedades do produto exterior.

Observemos que a aplicacao (f, g) 7→ f ∧ g e bilinear, o que e facil de verificar pela propriadefinicao.

Proposicao 6.18 Sejam f ∈ Ak(V ) e g ∈ Al(V ). Entao

g ∧ f = (−1)klf ∧ g.

Demonstracao. Temos pela definicao que

g ∧ f(v1, . . . , vk+l) =∑

τ∈Sl,k

sgn(τ)g(vτ(1), . . . , vτ(l))f(vτ(l+1), . . . , vτ(l+k)),

Seja α ∈ Sk+l a seguinte permutacao:

α =

(1 . . . k k + 1 . . . k + l

l + 1 . . . l + k 1 . . . l

)

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114 CAPITULO 6. FORMAS DIFERENCIAIS

Notemos que, para 1 ≤ i ≤ l, τ(i) = τα(k + i), e para l + 1 ≤ j ≤ l + k, τ(j) = τα(j − l).Definindo τα = σ, obtemos que, se τ ∈ Sl,k, entao σ ∈ Sk,l. Reciprocamente, se σ ∈ Sk,l eτ = σα−1, entao τ ∈ Sl,k. Ademais, sgn(τ) = sgn(σ) sgn(α), e sgn(α) = (−1)kl. De fato, paraobtermos α e necessario permutar sucessivamente 1, . . . , l com l+ 1, . . . , l+ k, o que totaliza lktransposicoes elementares. Segue que

g ∧ f(v1, . . . , vk+l) = (−1)kl∑

σ∈Sk,l

sgn(σ)g(vσ(k+1) , . . . , vσ(k+l))f(vσ(1), . . . , vσ(k)).

Usando a comutatividade da multiplicacao obtemos

g ∧ f(v1, . . . , vk+l) = (−1)klf ∧ g(v1, . . . , vk+l),

o que demonstra o resultado.

Corolario 6.19 Se f ∈ Ak(V ) e k for ımpar, entao f ∧ f = 0.

Nosso proximo passo sera demonstrar que o produto exterior de tensores alternados eassociativo. Entretanto, necessitamos ainda de um lema preliminar.

Dados k, l,m tres numeros inteiros, denotaremos por Ak,l,m(V ) o subespaco de Lk+l+m(V )formado pelas aplicacoes que sao alternadas com relacao as k primeiras varaveis, alternadas comrelacao as l seguintes variaveis e alternadas com relacao as m ultimas variaveis.

Consideremos o seguinte diagrama:

Ak,l,m(V )ϕk,l //

ϕl,m

Ak+l,m(V )

ϕk+l,m

Ak,l+m(V )

ϕk,l+m// Ak+l+m(V ).

(6.6)

A aplicacao ϕk,l transforma um elemento u ∈ Ak,l,m(V ) em um elemento u alternado com relacaoas k + l primeiras variaveis (sem afetar as ultimas), a saber:

u(v1, . . . , vk+l+m) =∑

σ

u(vσ(1), . . . , vσ(k+l+m)),

onde o somatorio percorre todas as permutacoes σ ∈ Sk+l+m que (com um abuso de notacao)tambem pertencem a Sk,l e deixam fixos os ındices k + l + 1, . . . , k + l + m. Analogamantedefinimos a aplicacao ϕl,m.

Lema 6.20 O diagrama (6.6) e comutativo, isto e,

ϕk+l,m ϕk,l = ϕk,l+m ϕl,m.

Demonstracao. Sera deixada como exercıcio (Exercıcio 94).

Proposicao 6.21 Se f ∈ Ak(V ), g ∈ Al(V ) e h ∈ Am(V ), entao

(f ∧ g) ∧ h = f ∧ (g ∧ h).

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6.6. EXERCICIOS 115

Demonstracao. Como a multiplicacao por escalares e associativa, podemos definir

u(v1, . . . , vk+l+m) = f(v1, . . . , vk)g(vk+1, . . . , vk+l)h(vk+l+1, . . . , vk+l+m).

Segue que u ∈ Ak,l,m(V ) e

ϕk+l,m ϕk,l(u) = (f ∧ g) ∧ h,ϕk,l+m ϕl,m(u) = f ∧ (g ∧ h).

A associatividade agora segue do Lema 6.20.

Sendo o produto exterior associativo, podemos considerar qualquer produto exterior finitode tensores alternados f1 ∧ f2 ∧ . . . ∧ fp. No caso particular de funcionais lineares vemos que oproduto exterior esta intimanet ligado com o calculo de determinantes.

Proposicao 6.22 Sejam f1, . . . , fp ∈ A1(V ) = L1(V ). Entao

f1 ∧ . . . ∧ fp(v1, . . . , vp) =∑

σ∈Sp

sgn(σ)f1(vσ(1)) . . . fp(vσ(p)) = det(fi(vj)).

Demonstracao. Basta usar a definicao de produto exterior e inducao em p. Alem disso, noteque a expressao que surge no segundo termo da igualdade do enunciado e justamente a definicaodo determinante da matriz de entradas fi(vj).

Proposicao 6.23 Dada uma base e1, . . . , en do espaco vetorial V , seja φ1, . . . , φn sua basedual. Se I = (i1, . . . , ik) for uma k-lista ascendente de inteiros de 1, . . . , n e ψI for o tensoralternado elementar correspondente, entao

ψI = φi1 ∧ . . . ∧ φik .

6.6 Exercıcios

Exercıcio 93 Sejam f1, . . . , fn ∈ L1(V ), onde V e um espaco vetorial. Mostre que, para queestes vetores sejam linearmente dependentes, e necessario e suficiente que f1 ∧ . . . ∧ fn = 0.

Exercıcio 94 Demonstre o Lema 6.20.

Exercıcio 95 Seja V um espaco vetorial. Para a, b ∈ R, f ∈ Ak(V ) e g ∈ Al(V ), mostre que

(af) ∧ (bg) = (ab)f ∧ g.

Exercıcio 96 Se t : V →W for uma tranformacao linear e se f e g forem tensores alternadosem W , mostre que

T ∗(f ∧ g) = T ∗f ∧ T ∗g.

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116 CAPITULO 6. FORMAS DIFERENCIAIS

Exercıcio 97 Suponha que sejam dados dois subconjuntos ω1, . . . , ωk e α1, . . . , αk de L1(V )onde V e um espaco vetorial. Suponha ainda que os elementos deste conjunto estejam relaciona-dos por

ωi =

k∑

j=1

aijαj , i = 1, . . . , k.

Mostre que se A = (aij)k×k, entao

ω1 ∧ . . . ∧ ωk = (detA)α1 ∧ . . . ∧ αk.

Exercıcio 98 Sejam α1, . . . , αk, k ≤ n, elementos linearmente independentes de L1(Rn). Mostreque um elemento α ∈ L1(Rn) satisfaz

α ∧ α1 ∧ . . . ∧ αk = 0

se, e somente se, α pertence ao subespaco gerado por α1, . . . , αk. Neste caso mostre que, seα 6= 0, entao existe um k − 1-tensor alternado β tal que

α1 ∧ . . . ∧ αk = α ∧ β.

Vigesima terceira aula ↓

6.7 Formas diferenciais

Definicao 6.24 Se denomina uma forma diferencial de grau k ,ou uma k-forma diferen-cial, definida em um aberto U ⊂ Rn, uma aplicacao

ω : U → Ak(Rn).

Observemos que uma forma diferencial de grau 0 nada mais e que uma funcao ω : U → R.Ja uma forma diferencial de grau 1 e uma aplicacao ω : U → L(Rn).

Seja ω : U → Ak(Rn) uma k-forma diferencial. Entao podemos escrever

ω(x) =∑

I

aI(x)φi1 ∧ . . . ∧ φik ,

onde cada aI : U → R e uma funcao. Diremos que ω e de classe Cr se cada aI for de classe Cr

em U . Como estamos mais interessados em k-formas diferenciais de classe C∞, para simplificarchamaremos as k-formas diferenciais de classe C∞ somente de k-forma diferenciais.

Utilizaremos a notacao Ωk(U) para denotar as k-formas diferenciais (de classe C∞) definidasno aberto U ⊂ Rn. Dado um elemento ω ∈ Ω(U) e vetores ξ1, . . . , ξk ∈ Rn, esceveremos

ω(x)(ξ1, . . . , ξk) =: ω(x; ξ1, . . . , ξk).

Notemos agora que, se α ∈ Ωk(U) e β ∈ Ωl(U) sao duas formas diferenciais, entao paracada x ∈ U podemos considerar o produto α(x) ∧ β(x), que e um elemento de Ωk+l(U). Emparticular, o produto exterior de formas diferenciais possui todas as propriedades do produtoexterior de tensores alternados.

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6.8. O OPERADOR DIFERENCIAL E SUAS PROPRIEDADES 117

Seja f : U → R uma funcao suave e ω ∈ Ωk(U) uma k-forma diferencial. Entao o produtof ∧ ω sera denotado simplesmente por fω, e e a forma diferencial:

(fω)(x; ξ1, . . . ξk) = f(x)ω(x; ξ1, . . . ξk).

Consideremos o espaco vetorial⊕k≥0Ω

k(U),

que e a soma direta dos espacos Ωk(U) para todos os valores inteiros positivos de k. O produtoexterior

Ωk(U)× Ωl(U)→ Ωk+l(U)

se estende por linearidade faz de

Ω(U) := ⊕k≥0Ωk(U),

uma Algebra, chamada de Algebra graduada. Notemos que esta Algebra e anticomutativa eassociativa.

6.8 O operador diferencial e suas propriedades

Nesta secao estudaremos um operador que transforma uma k-forma diferencial em uma k + 1-forma diferencial. Para construirmo este operador, iniciamos escrevendo uma k-forma diferencialω ∈ Ωk(U) da seguinte maneira:

ω(x) =∑

I

aI(x)φi1 ∧ . . . ∧ φik .

Sendo ω suave, cada funcao aI e suave e sua derivada DaI(x) : Rn → R e um elemento de

L1(Rn). Assim, a aplicacao derivada DaI : U → L1(Rn) e uma 1-forma diferencial. Definamosω′ : U → L1(Rn,Ak(Rn)), x 7→ ω′(x), dada por

ω′(x)(ξ0) =∑

I

[DaI(x) · ξ0]φi1 ∧ . . . ∧ φik .

Notemos que ω′(x) pode ser vista como uma funcao de (Rn)k+1 em R. Alem disso, ω′(x)e uma funcao multilinear de ξ0, ξ1, . . . , ξk e uma funcao alternada de ξ1, . . . , ξk. Em outraspalavras, ω′(x) ∈ A1,k(Rn). Lembrando-se da definicao da aplicacao ϕ1,k : A1,k(Rn)→ Ak+1(Rn)podemos definir o operador que associa ω a uma k + 1-forma.

Definicao 6.25 A diferencial exterior da k-forma ω ∈ Ωk(U) e definida pela composta,

Uω′

→ A1,k(Rn)ϕ1,k→ Ak+1(Rn),

e denotada por dω. Explicitamente:

dω(x; ξ0, ξ1, . . . , ξk) :=

k∑

i=0

(−1)i(ω′(x)(ξi))(ξ0, . . . , ξi, . . . , ξk),

onde usamos a notacao (ξ0, . . . , ξi, . . . , ξk) significando que o vetor ξi foi suprimido da k-upla(ξ0, . . . , ξi, . . . , ξk).

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118 CAPITULO 6. FORMAS DIFERENCIAIS

Exemplo 6.26 Seja f : U → R de classe C∞ com U ⊂ Rn um aberto. Logo f ∈ Ω0(U) e

df(x; ξ) = Df(x) · ξ, para qualquer ξ ∈ Rn.

Exemplo 6.27 Seja ω ∈ Ω1(U) com U ⊂ Rn um aberto. Entao temos

dω(x; ξ1, ξ2) = (ω′(x)(ξ1)) · ξ2 − (ω′(x)(ξ2)) · ξ1.

O proximo resultado segue do Exemplo 6.27.

Proposicao 6.28 Seja ω ∈ Ω1(U), com U ⊂ Rn um aberto. Entao dω = 0 se, e somente se, aaplicacao bilinear

(ξ1, ξ2) 7→ (ω′(x)(ξ1)) · ξ2e simetrica para todo x ∈ U .

Proposicao 6.29 Sejam U ⊂ Rn um aberto, f : U → R de classe C∞ e ω ∈ Ωk(U). Entao

d(fω) = (df) ∧ ω + fdω.

Demonstracao. Usando a regra do produto para derivacao temos que

(fω)′(x)(ξ) = (Df(x) · ξ)ω(x) + f(x)(ω′(x)(ξ)).

Por linearidade temos entao que

d(fω)(x; ξ0, ξ1, . . . , ξk) =

k∑

i=1

(−1)i(Df(x) · ξi)ω(ξ0, . . . , ξi, . . . , ξk)

+k∑

i=1

(−1)if(x)(ω′(x)(ξi))(ξ0, . . . , ξi, . . . , ξk)

= (df) ∧ ω(ξ0, . . . , ξk) + fdω(ξ0, . . . , ξk).

Isto demonstra a primeira propriedade do operador diferencial.

Vigesima quarta aula ↓

Para continuarmos com as propriedades do operador diferencial, vamos estabelecer algumasnotacoes.

Seja φi ∈ L1(Rn) a i-esima funcao coordenada e denotemos por xi a restricao de φi a umaberto U ⊂ Rn. Segue que a diferencial de xi conincide com a diferencial de φi. O seguinte lemasegue entao da linearidade de φi.

Lema 6.30 A diferencial dxi da funcao xi e a aplicacao constante U → L1(Rn) cujo valor e oelemento φi ∈ L1(Rn).

Com esta notacao, podemos escrever uma k-forma diferencial de uma maneira canonica.

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6.8. O OPERADOR DIFERENCIAL E SUAS PROPRIEDADES 119

Proposicao 6.31 Sejam U ⊂ Rn um aberto e ω ∈ Ωk(U). Entao ω se escreve de uma maneiraunica

ω(x) =∑

I

aI(x)dxi1 ∧ . . . ∧ dxik ,

onde o somatorio percorre todos as k-listas ascendentes I = (i1, . . . , ik) do conjunto 1, 2, . . . , ne as funcoes coeficientes aI sao de classe C∞ em U .

Um caso particular simples da notacao canonica e apresentado no proximo resultado.

Proposicao 6.32 Sejam U ⊂ Rn um aberto e f : U → R uma funcao de classe C∞. Entao

df =n∑

i=1

∂f

∂xidxi.

Demonstracao. Lembremos que df : U → L1(Rn) e precisamente a derivada Df . Mas

Df(x) · ξ =n∑

i=1

∂f

∂xiξi, onde ξ = (ξ1, . . . , ξn).

Assim,

df(x; ξ) =n∑

i=1

∂f

∂xiξi =

n∑

i=1

∂f

∂xidxi(ξ),

gracas ao Lema 6.30.

Exemplo 6.33 Em R3 a notacao canonica para uma 1-forma diferencial e

ω = Pdx+Qdy +Rdz,

onde P , Q e R sao funcoes suaves de tres variaveis. Assim, temos que

dω = dP ∧ dx+ dQ ∧ dy + dR ∧ dz,

formula esta que ainda pode ser escrita, utilizando a Proposicao 6.32, como

dω =(∂R∂y− ∂Q

∂z

)dy ∧ dz +

(∂P∂z− ∂R

∂x

)dz ∧ dx+

(∂Q∂x− ∂P

∂y

)dx ∧ dy.

Proposicao 6.34 Sejam α ∈ Ωk(U) e β ∈ Ωl(U). Entao:

d(α ∧ β) = dα ∧ β + (−1)kα ∧ dβ. (6.7)

Demonstracao. Como ambos os lados de (6.7) sao lineares em α e β, e suficiente provar aigualdade quando α = fdxi1 ∧ . . . ∧ dxik e β = gdxj1 ∧ . . . ∧ dxjl . Lembremo-nos do Exercıcio95 quem implica no seguinte:

α ∧ β = fgdxi1 ∧ . . . ∧ dxik ∧ dxj1 ∧ . . . ∧ dxjl

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120 CAPITULO 6. FORMAS DIFERENCIAIS

Dessa forma temos:

d(α ∧ β) = d(fgdxi1 ∧ . . . ∧ dxik ∧ dxj1 ∧ . . . ∧ dxjl)

=( n∑

i=1

∂(fg)

∂xidxi

)∧ dxi1 ∧ . . . ∧ dxik ∧ dxj1 ∧ . . . ∧ dxjl

=n∑

i=1

∂f

∂xigdxi ∧ dxi1 ∧ . . . ∧ dxik ∧ dxj1 ∧ . . . ∧ dxjl

+

n∑

i=1

∂g

∂xifdxi ∧ dxi1 ∧ . . . ∧ dxik ∧ dxj1 ∧ . . . ∧ dxjl .

(6.8)

Sendo g uma 0-forma, utilizando a Proposicao 6.18 obtemos que

n∑

i=1

∂f

∂xigdxi ∧ dxi1 ∧ . . . ∧ dxik ∧ dxj1 ∧ . . . ∧ dxjl

=n∑

i=1

∂f

∂xidxi ∧ dxi1 ∧ . . . ∧ dxik ∧ (gdxj1 ∧ . . . ∧ dxjl)

= dα ∧ β.

(6.9)

Por outro lado, na segunda soma de (6.8), movendo k posicoes a direita o termo ∂g∂xidxi por

dxi1 ∧ . . . ∧ dxik resulta da Proposicao 6.18 que

n∑

i=1

∂g

∂xifdxi ∧ dxi1 ∧ . . . ∧ dxik ∧ dxj1 ∧ . . . ∧ dxjl

= (−1)kfdxi1 ∧ . . . ∧ dxik ∧( n∑

i=1

∂g

∂xidxi

)∧ dxj1 ∧ . . . ∧ dxjl

= (−1)kα ∧ dβ

(6.10)

O resultado segue ao substituirmos (6.9) e (6.10) em (6.8).

O proximo resultado e fundamental no estudo das formas diferenciais e nos diz que ooperador diferencial satisfaz d2 = 0.

Proposicao 6.35 Sejam U ⊂ Rn um aberto e ω ∈ Ωk(U). Entao

d(dω) = 0.

Demonstracao. Utilizando novamente a linearidade do operador d e suficiente provar o fatopara o caso em que ω = fdxi1 ∧ . . . ∧ dxik . Calculando temos

d(d(fdxi1 ∧ . . . ∧ dxik)

)= d

( n∑

i=1

∂f

∂xidxi ∧ dxi1 ∧ . . . ∧ dxik

)

=

n∑

i=1

n∑

j=1

∂2f

∂xj∂xidxj ∧ dxi ∧ dxi1 ∧ . . . ∧ dxik

=∑

i<j

( ∂2f

∂xi∂xjdxi ∧ dxj +

∂2f

∂xj∂xidxj ∧ dxi

)∧ dxi1 ∧ . . . ∧ dxik .

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6.9. CONEXOES COM CALCULO EM R3 121

Aqui usamos que dxi ∧ dxi = 0. Sendo f suave, podemos usar o Teorema de Clairaut-Schwarze o fato que dxi ∧ dxj = −dxj ∧ dxi para concluir a demonstracao.

Definicao 6.36 Seja U ⊂ Rn um aberto. Uma k-forma diferencial ω e chamada fechada sedω = 0 e e chamada exata se existe uma (k − 1)-forma diferencial τ tal que ω = dτ .

Pela Proposicao 6.35 toda forma diferencial exata e fechada.

Exemplo 6.37 Defina em R2 \ 0 uma 1-forma ω por

ω =1

x2 + y2(−ydx+ xdy).

Entao ω e fechada.

Para qualquer subconjunto aberto U ⊂ Rn, o operador diferencial define uma sequencia daforma

Ω0(U)d→ Ω1(U)

d→ Ω2(U)d→ . . . .,

na qual as formas fechadas sao precisamente os elementos do nucleo de d e as formas exatas saoos elementos da imagem de d. Esta sequencia e chamada de complexo de de Rham de U .

6.9 Conexoes com Calculo em R3

Nesta secao daremos uma ideia de como a teoria de formas diferenciais pode ser utilizada paraunificar os teoremas em Calculo Vetorial em R3.

Fixado um aberto U ⊂ R3, denotemos por X(U) o conjunto dos campos vetoriais em U , istoe, das funcoes em U de classe C∞ que assumem valores em R3. Assim, um campo F : U → R3

pode ser escrito na forma

F (x, y, z) = (P (x, y, z), Q(x, y, z), R(x, y, z)).

Definimos o rotacional de um campo F ∈ X(U) por

rotF = rot(P,Q,R) =(∂R∂y− ∂Q

∂z,−∂R

∂x+∂P

∂z,∂Q

∂x− ∂P

∂y

).

O divergente de um campo F ∈ X(U) e dado por

divF = div(P,Q,R) =∂P

∂x+∂Q

∂y+∂R

∂z.

Lembremos ainda que, dada f ∈ C∞(U), definimos seu gradiente por

∇f =(∂f∂x,∂f

∂y,∂f

∂z

),

que e um elemento de X(U).

Com isso obtemos uma sequencia

C∞(U)∇−→ X(U)

rot−→ X(U)div−→ C∞(U).

Recordemos ainda de tres fatos importantes.

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122 CAPITULO 6. FORMAS DIFERENCIAIS

Proposicao 6.38 Se f ∈ C∞(U) entao rot(∇f) = (0, 0, 0).

Proposicao 6.39 Se F = (P,Q,R) ∈ X(U) entao div(rot(P,Q,R)) = 0.

Proposicao 6.40 Se U = R3, entao um campo F ∈ X(U) e o gradiente de alguma funcaoescalar f se, e somente se, rotF = 0.

Como toda 1-forma em U ⊂ R3 e uma combinacao linear como funcoes coeficientes de dx,dy e dz, podemos identificar 1-formas com campos vetoriais em U via

Pdx+Qdy +Rdz ←→ (P,Q,R).

Similarmente, as 2-formas diferenciais em U ⊂ R3 podem ser identificadas com campos devetores em U da forma

Pdy ∧ dz +Qdz ∧ dx+Rdx ∧ dy ←→ (P,Q,R).

Em termos destas identificacoes, temos que a diferencial de uma 0-forma f ∈ C∞(U) e

df =∂f

∂xdx+

∂f

∂ydy +

∂f

∂zdz ←→

(∂f∂x,∂f

∂y,∂f

∂z

)= ∇f.

Ja a diferencial de uma 1-forma e

d(Pdx+Qdy +Rdz) =(∂R∂y− ∂Q

∂z

)dy ∧ dz +

(∂P∂z− ∂R

∂x

)dz ∧ dx+

(∂Q∂x− ∂P

∂y

)dx ∧ dy,

que corresponde arot(P,Q,R).

Um calculo simples mostra ainda que a diferencial de uma 2-forma geral e

d(Pdy ∧ dz +Qdz ∧ dx+Rdx ∧ dy) =(∂P∂x

+∂Q

∂y+∂R

∂z

)dx ∧ dy ∧ dz,

que corresponde a

div(P,Q,R) =∂P

∂x+∂Q

∂y+∂R

∂z.

Assim, apos todas estas apropriadas identificacoes, o operador diferencial d de 0-formas, 1-formase 2-formas sao simplesmente os tres operadores gradiente, rotacional e divergente. Em resumo,em um subconjunto aberto U ⊂ R3 temos as identificacoes

Ω0(U)d //

∼=

Ω1(U)

∼=

d // Ω2(U)

∼=

d // Ω3(U)

∼=

C∞(U)∇ // X(U)

rot // X(U)div // C∞(U).

As Proposicoes 6.38 e 6.39 expressam o fato que d2 = 0.

Um campo vetorial em U = R3 e o gradiente de uma funcao escalar f de classe C∞ se, esomente se, a 1-forma correspondente Pdx+Qdy+Rdz e df . Assim, a Proposicao 6.40 expressao fato que uma 1-forma em R3 e exata se, e somente se, e fechada.

A Proposicao 6.40 nao e necessariamente verdade em outros abertos diferentes de R3, comomostra o proximo exemplo, que e conhecido de todos e encontrado nos livros de Calculo Vetorial.

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6.10. A ACAO DE UMA APLICACAO DIFERENCIAVEL 123

Exemplo 6.41 Sejam U = (x, y, z) ∈ R3 | x2 + y2 6= 0 e F ∈ X(U) dada por

F (x, y, z) =( −yx2 + y2

,x

x2 + y2, 0).

Entao rotF = (0, 0, 0) mas F nao e gradiente de nenhuma funcao escalar em U . A razao e quese F fosse o gradiente de uma funcao de classe C∞ em U , entao pelo Teorema Fundamentalpara integrais de linha terıamos que a integral

C

−yx2 + y2

dx+x

x2 + y2dy

sobre qualquer curva fechada C deveria ser zero. Entretanto, se C e o cırculo unitario comx = cos t e y = sen t, 0 ≤ t ≤ 2π, temos que

C

−yx2 + y2

dx+x

x2 + y2dy =

∫ 2π

0− sen t cos t+ cos t sen tdt = 2π.

O fato da Proposicao 6.40 ser verdadeira ou nao em um aberto U depende essencialembtede sua topologia. Assim, se torna importante estudar o quociente

Hk(U) :=k-formas fechadas em Uk-formas exatas em U ,

que e chamado k-esima cohomologia de de Rham de U .

A generalizacao da Proposicao 6.40 para qualquer forma diferencial em Rn e chamado deLema de Poincare: para k ≥ 1, toda k-forma fechada em Rn e exata. Claramente este fato eequivalente ao anulamento da k-esima cohomologia de de Rham Hk(Rn) para k ≥ 1.

Vigesima quinta aula ↓

6.10 A acao de uma aplicacao diferenciavel

Sejam U ⊂ Rn um aberto e ω ∈ Ωk(U). Suponhamos dada uma aplicacao f : V → U de classeC∞, onde V ⊂ Rm e um aberto. Entao f e ω induzem uma k-forma diferencial em V , denotadapor f∗ω, definida da seguinte maneira:

f∗ω(x; v1, . . . , vk) := ω(f(x);Df(x) · v1, . . . ,Df(x) · vk), v1, . . . , vk ∈ Rm.

Convencionaremos que, se g for uma 0-forma, entao

f∗g := g f.

Passamos a apresentar algumas propriedades de f∗.

Proposicao 6.42 Sejam U ⊂ Rn, V ⊂ Rm abertos, f : V → U de classe C∞, ω, η ∈ Ωk(U) eg ∈ Ω0(U). Entao:

a) f∗(ω + η) = f∗ω + f∗η;

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124 CAPITULO 6. FORMAS DIFERENCIAIS

b) f∗(gω) = f∗gf∗ω;

c) se ω1, . . . , ωk ∈ Ω1(U), entao

f∗(ω1 ∧ . . . ∧ ωk) = f∗ω1 ∧ . . . ∧ f∗ωk.

Demonstracao. Sejam x ∈ V e v1, . . . , vk ∈ Rm. Entao

f∗(ω + η)(x; v1, . . . , vk) = (ω + η)(f(x);Df(x) · v1, . . . ,Df(x) · vk)= f∗ω(x; v1, . . . , vk) + f∗η(x; v1, . . . , vk)

= (f∗ω + f∗η)(x; v1, . . . , vk),

o que prova o item a). No caso do item b) temos:

f∗(gω)(x; v1, . . . , vk) = (gω)(f(x);Df(x) · v1, . . . ,Df(x) · vk)= (g f)(x)f∗ω(x; v1, . . . , vk)= f∗g(x)f∗(x; v1, . . . , vk).

Para o item c) calculamos:

f∗(ω1 ∧ . . . ∧ ωk)(x; v1, . . . , vk) = (ω1 ∧ . . . ∧ ωk)(f(x);Df(x) · v1, . . . ,Df(x) · vk)= det(ωi(f(x);Df(x) · vj))= det(f∗ωi(x; vj))

= f∗ω1 ∧ . . . ∧ f∗ωk(x; v1, . . . , vk),

finalizando a demonstracao.

Denotemos por (x1, . . . , xm) um ponto de Rm e por (y1, . . . , yn) um ponto de Rn. Entaouma aplicacao f : V ⊂ Rm → Rn pode ser escrita com as coordenadas como

y1 = f1(x1, . . . , xm), . . . , yn = fn(x1, . . . , xm).

Seja agora ω =∑

I aIdyi1 ∧ . . . ∧ dyik uma k-forma em Rn. Com as propriedades de f∗ quedemonstramos temos que

f∗ω =∑

I

(aI f)f∗dyi1 ∧ . . . ∧ f∗dyik .

Se v ∈ Rm, temos que

f∗dyi(x; v) = dyi(Df(x) · v) = D(yi f)(x) · v = Dfi(x) · v.

Assim,

f∗ω =∑

I

(aI f)dfi1 ∧ . . . ∧ dfik .

Exemplo 6.43 Seja ω a 1-forma em R2 \ (0, 0) dada por

ω =−y

x2 + y2dx+

x

x2 + y2dy.

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6.11. EXERCICIOS 125

DefinamosV = (r, θ) | r > 0, 0 < θ < 2π

e seja f : N → R2 dada porf(r, θ) = (r cos θ, r sen θ).

Comodx = cos θdr − r sen θdθ e dy = sen θdr + r cos θdθ,

temos que

f∗ω =−r sen θr2

(cos θdr − r sen θdθ) + r cos θ

r2(sen θdr + r cos θdθ) = dθ.

Proposicao 6.44 Sejam U ⊂ Rn, V ⊂ Rm abertos, f : V → U de classe C∞. Entao:

a) f∗(ω ∧ η) = f∗ω ∧ f∗η para quaisquer duas forma em U ;

b) (f g)∗ω = g∗(f∗ω), onde g : W ⊂ Rl → Rm e de classe C∞ com g(W ) ⊂ V .

Demonstracao. Ficara para os exercıcios.

6.11 Exercıcios

Exercıcio 99 Seja f : U ⊂ Rm → Rn uma aplicacao de classe C∞. Assuma que m < n e queω seja uma k-forma em Rn com k > m. Mostre que f∗ω = 0.

Exercıcio 100 Seja ω a 2-forma em R2n dada por

ω = dx1 ∧ dx2 + dx3 ∧ dx4 + . . . + dx2n−1 ∧ dx2n.

Calcule o produto exterior de n copias de ω.

Exercıcio 101 Sejam U = Rn \ 0 e m um inteiro positivo fixado. Considere a seguinten− 1-forma em U :

η =n∑

i=1

(−1)i−1fidx1 ∧ . . . ∧ dxi ∧ . . . dxn,

onde fi(x) = xi/‖x‖ e o sımbolo dxi siginifica que o fator dxi esta omitido.

a) Calcule dη.

b) Para quais valores de m temos que dη = 0?

Exercıcio 102 Sejam f : Rn → Rn uma aplicacao de classe C∞ dada por

f(x1, . . . , xn) = (y1, . . . , yn)

e ω = dy1 ∧ . . . ∧ dyn. Mostre que

f∗ω = det(Df)dx1 ∧ . . . ∧ dxn.

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126 CAPITULO 6. FORMAS DIFERENCIAIS

Exercıcio 103 Seja ν a n-forma em Rn dada por

ν(e1, . . . , en) = 1,

onde e1, . . . , en e a base canonica de Rn.

a) Mostre que se vi =∑n

j=1 aijej entao

ν(v1, . . . , vn) = det(aij).

Observe que, no caso n = 3, entao ν(v1, v2, v3) e justamente o produto misto destes tresvetores, ou seja, ν(v1, v2, v3) = vol(v1, v2, v3). Por este fato, ν e chamada de elementode volume em Rm.

b) Mostre que ν = dx1 ∧ . . . ∧ dxn.

Exercıcio 104 Considere a forma diferencial

ω = adx+ bdy + cdz,

onde as funcoes a, b, c : R3 → R sao homogeneas de grau k e de maneira que dω = 0. Mostreque ω = df , onde

f =xa+ yb+ zc

k + 1.

Sugestao: note que se dω = 0, entao

∂b

∂x=∂a

∂y,

∂c

∂x=∂a

∂z,

∂b

∂z=∂c

∂y,

e aı aplique a Formula de Euler (Exercıcio 18).

Exercıcio 105 Considere a forma diferencial

α = ady ∧ dz + bdz ∧ dx+ cdx ∧ dy,

onde as funcoes a, b, c : R3 → R sao homogeneas de grau k e de maneira que dα = 0. Mostreque α = dγ, onde

γ =(zb− yc)dx+ (xc− za)dy + (ya− xb)dz

k + 2.

Exercıcio 106 Demonstre a Proposicao 6.44.

Exercıcio 107 Seja α a 1-forma diferencial em R3 dada por

α = ydx− xdy + dz.

a) Que condicoes devem satisfazer as funcoes u, v : R3 → R, ambas de classe C∞, para que aforma diferencial α− vdu seja fechada? Mostre que u e v sao independentes de z.

b) E possıvel tomar v = V (x, y) arbitraria?

c) Demonstrar que se u e v satisfazem as condicoes do item a), entao as tres formas dife-renciais du, dv e α− vdu sao linearmente independentes em cada ponto.

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6.11. EXERCICIOS 127

Exercıcio 108 Sejaω = ady ∧ dz + bdz ∧ dx+ cdx ∧ dy

uma forma diferencial em R3 e P0 ∈ R3 um ponto no qual ω nao se anula. Seja f uma funcaodefinida em uma vizinhanca de P0 de classe C∞.

a) Mostre que ω se escreve em uma vizinhanca de P0 na forma α∧ df , sendo α uma 1-formaem uma vizinhanca de P0, se , e somente se, df nao se anula em P0 e f satisfaz uma certaequacao diferencial parcial que devera ser determinada.

b) Seja α = λdx+ µdy+ νdz. Expresse λ, µ e ν em termos de a, b, c, ∂f∂x ,

∂f∂y e ∂f

∂z de formaque α ∧ df = ω.

Exercıcio 109 Seja f uma funcao de classe C∞ em uma vizinhanca aberta de um ponto x0 ∈Rn com valores em R. Defina ui(x) :=

∂f∂xi

(x) e seja ϕ(x) := (u1(x), . . . , un(x)).

Sob quais condicoes existe uma vizinhana aberta V de x0 tal que ϕ seja um difeomorfismode V sobre ϕ(V )?

Suponhemos que esta condicoes seja satisfeita e escrevamos x = ϕ−1(u), onde u ∈ ϕ(V ).Demonstre que a forma diferencial

ω =n∑

i=1

xidui

e fechada. Deduza que existe, em uma vizinhanca V de u0 = ϕ(x0), uma funcao g de classe C∞

tal que xi =∂g∂ui

.

Demonstre ainda que se f e uma funcao homogenea de grau p 6= 1, entao tem-se que, emϕ−1,

g ϕ = (p − 1)f + k,

para alguma constante k, e demosntre que g pode ser tomada homogenea de grau p/(p− 1).

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128 CAPITULO 6. FORMAS DIFERENCIAIS

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Capıtulo 7

Voltando as variedades

Neste capıtulo apresentaremos mais resultados sobre variedades diferenciaveis. Nosso objetivo egeneralizar para variedades os resultados sobre as formas diferenciais e tambem estudar integraisde formas diferenciais em variedades. Iniciamos com uma definicao mais refinada de espacotangente que sera tambem util em estudos mais avancados. Apos isso, daremos a definicao devariedades com bordo e de variedades orientaveis.

7.1 Espaco tangente a um ponto em Rn

Continuacao da vigesima quinta aula ↓

Iniciamos com a definicao de espaco tangente a Rn em um ponto.

Definicao 7.1 Seja p ∈ Rn um ponto fixado. O espaco tangente a Rn em p e o conjunto dosvetores v − p ∈ Rn, isto e, a translacao da origem de Rn para p. O espaco tangente a Rn emp e denotado por TpR

n. E comum tambem denotarmos um elemento v − p de TpRn por (p, v).

Assim,TpR

n = (p, v) | v ∈ Rn.

Identificamos o espaco tangente TpRn com Rn via a aplicacao J : TpR

n → Rn dada porJ(p, v) = v. Via este isomorfismo, TpR

n e um espaco vetorial.

Seja U ⊂ Rn um aberto e f : U → Rm de classe C1. Fixemos p ∈ U e definamos q = f(p).Ja definimos a aplicacao derivada Df(p) : Rn → Rm. Definimos a aplicacao dfp : TpR

n → TqRm

de acordo com o seguinte diagrama:

TpRn dfp //

∼=

TqRm

Rn Df(p) // Rm.

∼=OO

Assim,dfp(p, v) = J−1 Df(p) J(p, v) = J−1(Df(p)(v)) = (q,Df(p) · v).

Seja e1, . . . , en uma base de Rn. Definamos vi := (p, ei) ∈ Tp ∈ Rn, i = 1, . . . , n. Entaov1, . . . , vn e uma base de TpR

n. Notemos que, se U ⊂ Rn e um aberto e f ∈ C1(U), entao

dfp(vi) ∼= Df(p) · ei =∂f

∂xi(p).

129

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130 CAPITULO 7. VOLTANDO AS VARIEDADES

Em particular, sendo xi : U → R a i-esima funcao coordenada, temos

(dxi)p(vj) =∂xi∂xj

0 se i 6= j,1 se i = j.

Logo, (dx1)p, . . . , (dxn)p e uma base de T ∗pR

n := (TpRn)∗. Observemos que, se f ∈ C1(U),

entao,

dfp(vj) =∂f

∂xj(p) =

∂f

∂xj(p)(dxj)p(vj) =

( n∑

i=1

∂f

∂xi(p)(dxi)p

)(vj).

Segue que

df =n∑

i=1

∂f

∂xidxi.

Com isso, a aplicacao df nada mais e que a diferencial de f vista como uma 0-forma.

Observacao 7.2 Dada ω ∈ Ak(Rn), temos que, via a identificacao de Rn com TpRn, ω define

um k-tensor alternado ω ∈ Ak(TpRn), a qual e dada por

ω((p, v1), . . . , (p, vk)

):= ω(v1, . . . , vk).

Doravante, identificaremos ω e ω.

7.2 Espaco tangente a um ponto em uma variedade

Seja M uma subvariedade (regular) de dimensao n de Rn+k e p ∈M . Lembremos que um vetorv ∈ Rn+k e tangente a M em p se existe uma curva γ : [−δ, δ] →M tal que γ(0) = p e γ′(0) = v.Note que o vetor γ′(0) esta bem definido desde que podemos olhar γ(t) como uma curva emRn+k. O espaco de vetores tangentes a M em p ∈ M e um subespaco vetorial de Rn+k dedimensao n e e referido como o espaco tangente a M em p. Denotamos este espaco por TpM .

Por analogia, vamos construir o espaco tangente a um ponto em uma variedade abstrata.O problema aqui e, dada uma curva em M , a derivada desta curva nao necessariamente estacontido em algum espaco Rn+k.

Definicao 7.3 Seja M uma variedade diferenciavel de dimensao n e p ∈ M . Definimos oconjunto TpM como sendo o conjunto das classes de equivalencia de curvas γ : I → M , com0 ∈ I e γ(0) = p, segundo a seguinte relacao de equivalencia: γ ∼ α se, e somente se, em umsistema de vizinhanca coordenada (Ω, ϕ) de p, (ϕ γ)′(0) = (ϕ α)′(0).

E possıvel verificar que as classes de equivalencia da Definicao 7.3 nao depende da vizinhancacoordenada. O conjunto TpM possui uma estrutura natural de espaco vetorial de dimensao nque vem da estrutura de espaco tangente a Rn em ϕ(p) atraves da vizinhanca coordenada (Ω, ϕ).Esta estrutura tambem nao depende da escolha da vizinhaca coordenada, ja que as mudancasde coordenadas sao difeomorfismos.

Definicao 7.4 Seja M uma variedade diferenciavel de dimensao n e p ∈ M . Consideremos oespaco vetorial Fp das funcoes f : M → R que sao diferenciaveis em p e seja Np o subconjuntode Fp consistindo das funcoes f tais que

D(f ϕ−1)(ϕ(p)) = 0

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7.2. ESPACO TANGENTE A UM PONTO EM UMA VARIEDADE 131

para toda vizinhanca coordenada (Ω, ϕ) de p. Dizemos que X e um vetor tangente a M emp se X e um funcional linear X : Fp → R que se anula em Np. O espaco tangente TpM e oconjunto dos vetores tangentes a M em p.

Observacao 7.5 Sejam f, g : M → R com f, g ∈ Fpe X ∈ TpM , com p ∈M fixado. Entao

X(fg) = f(p)X(g) + g(p)X(f).

Provemos este fato. Temos

X(fg) = X((f − f(p) + f(p))(g − g(p) + g(p))

)

= X((f − f(p))(g − g(p))

)+ f(p)X(g) + g(p)X(f),

pois uma funcao constante pertence a Np. Por outro lado, se a e b se anulam em p, entao

D((ab) ϕ−1)(ϕ(p)) = D((a ϕ−1)(b ϕ−1))(ϕ(p)).

Segue que X((f − f(p))(g − g(p))

)= 0, pois f − f(p) e g − g(p) se anulam em p.

Vigesima sexta aula ↓

Com a soma e produto de funcionais lineares o espaco TpM e naturalmente um espacovetorial. Vamos exibir uma base para este espaco. Dada uma vizinhanca coordenada (Ω, ϕ),denotemos por (x1, . . . , xn) as coordenadas neste sistema. Definimos o vetor ∂

∂xi(p) por

∂xi(p)(f) :=

∂(f ϕ−1)

∂xi(ϕ(p)).

Notemos que

∂xi(p)(xj) =

∂(xj ϕ−1)

∂xi(ϕ(p)) = δij (δ de Kronecker).

Segue que os vetores ∂∂xi

(p), i = 1, . . . , n, e um conjunto linearmente independente. Vamos

verificar que, para qualquer X ∈ TpM , existem escalares Xi, i = 1, . . . , n, tais que

X =n∑

i=1

Xi ∂

∂xi(p).

Seja f ∈ Fp. Vamos verificar que

X(f) =n∑

i=1

Xi ∂

∂xi(p)(f).

Consideremos a funcao

f −n∑

i=1

αixi,

com αi =∂∂xi

(p)(f) ∈ Rn. Note que f −∑ni=1 αixi ∈ Np. Segue que

X(f) =

n∑

i=1

αiX(xi) =

n∑

i=1

∂xi(p)(f)X(xi),

e escolhemos Xi = X(xi).

Podemos agora demonstrar que TpM e TpM sao essencialmente iguais.

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132 CAPITULO 7. VOLTANDO AS VARIEDADES

Proposicao 7.6 Seja M uma variedade diferenciavel e p ∈ M . Os espacos TpM e TpM saoisomorfos.

Demonstracao. Definamos a aplicacao Ψ: TpM → TpM da seguinte maneira: se γ e umelemento na classe γ ∈ TpM , entao Ψ(γ) = X, onde

X(f) :=∂(f γ)∂t

(0).

Observemos que esta definicao faz sentido, pois se γ ∼ α, entao∂(f γ)∂t

(0) =∂(f α)

∂t(0),

pois, neste caso,(f γ)′ = (f ϕ−1 ϕ γ)′ = (f ϕ−1)′ (ϕ γ)′

e, por definicao, (ϕ γ)′(0) = (ϕ α)′(0). Notemos que X ∈ TpM . De fato, que X e linear e um

fato obvio; e tambem, se f ∈ Np, entao∂(fγ)

∂t (0) = 0, ja que D(f ϕ−1)(ϕ(p)) = 0.

Verifiquemos que Ψ e bijetora.

Seja X ∈ TpM com

X =

n∑

i=1

Xi ∂

∂xi(p).

Seja γ : [−δ, δ] → M dada por γ(t) = pt ∈ M , onde ϕ(pt) = (tX1, . . . , tXn), onde estamossupondo ϕ(p) = 0. Entao:

∂(f γ)∂t

(0) =n∑

i=1

∂(f ϕ−1)

∂xi

∂(tXi)

∂t= X(f).

Segue que Ψ e sobrejetora. Alem disso, se γ nao e equivalente a α, entao (ϕγ)′(0) 6= (ϕα)′(0)e e possıvel exibir uma funcao f tal que

(f γ)′(0) 6= (f α)′(0).

Segue que Ψ e tambem injetora. Logo Ψ e um isomorfismo.

Agora definimos o fibrado tangente de uma variedade.

Definicao 7.7 Seja M uma variedade de dimensao n. O fibrado tangente de M , denotadopor TM , e a uniao disjunta dos espacos tangentes TpM a M em p, para todo p ∈M , isto e,

TM =⋃

p∈MTpM.

Seja U uma estrutura diferenciavel em M (dimM = n) e (Ω, ϕ) um sistema de vizinhancascoordenadas de U . Definimos

Φ:⋃

p∈ΩTpM → ϕ(Ω)× Rn

porΦ(p,X) := (x1, . . . , xn,X

1, . . . ,Xn),

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7.3. FORMAS DIFERENCIAIS EM VARIEDADES 133

onde p ∈ Ω e X ∈ TpM , sendo que ϕ(p) = (x1, . . . , xn) e X1, . . . ,Xn sao os coeficientes deX na base natural de TpM . Os pares da forma (∪p∈ΩTpM,Φ), com (Ω, ϕ) em U formam umaestrutura diferenciavel para TM , o qual se torna uma variedade diferenciavel de dimensao 2n.

A projecao canonica de TM e M e a aplicacao π : TM →M que associa a cada X ∈ TM ,temos que X ∈ TpM para algum p ∈M e π(X) := p. Temos que π e uma submersao.

7.3 Formas diferenciais em variedades

Seja Ak(TpM) o conjunto dos k-tensores alternados em TpM . Definamos

Ak(M) :=⋃

p∈MAk(TpM).

O conjunto Ak(M) possui uma estrutura de variedade diferenciavel de dimensao n +

(nk

)

herdada de M .

Uma forma diferencial de grau k, ou uma k-forma diferencial em M e uma aplicacaoω : M → Ak(M) tal que π ω = Id, onde π e a projecao de Ak(M) em M . Como no caso deRn, denotaremos por Ωk(M) o conjunto das k-formas diferenciais em M .

A definicao do produto exterior e do operador diferencial de formas diferenciais e definido demaneira analoga ao caso de Rn, e mantem todas a propriedades. Alem disso, podemos definir aacao de uma aplicacao diferenciavel f entre variedades em Ωk(M), a qual tambem sera denotadapor f∗. Em particular, se (Ω, ϕ) e um sistema de vizinhancas coordenadas com ϕ = (x1, . . . , xn)sendo as coordenadas locais neste sistema. Seja ∂

∂xi(p) (i = 1, . . . , n) uma base de TpM e

dxi sua base dual. Entao qualquer forma ω ∈ Ak(M) se escreve como

ω(p) =∑

I

aI(p)dxi1 ∧ . . . ∧ dxik ,

onde a soma percorre todos as k-uplas ascendentes de 1, . . . , n.

Vigesima setima aula ↓

Veja o Capıtulo 2 de [2].

Vigesima oitava aula ↓

7.4 Variedades orientaveis

Consideremos um espaco vetorial V de dimensao n sendo e1, . . . , en e f1, . . . , fn duas basesde V . Em Algebra Linear, diz-se que estas duas bases tem a mesma orientacao se o determinanteda matriz de mudanca de base e positivo, isto e, se det(aij) > 0, onde

fi =n∑

j=1

aijej , i = 1, . . . , n.

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134 CAPITULO 7. VOLTANDO AS VARIEDADES

Nao e difıcil verificar que ter a mesma orientacao define uma relacao de equivalencia no conjuntodas bases de V e que existem exatamente duas classes de equivalencia. A escolha de uma dessasclasses e chamada de uma orientacao de V .

Este conceito esta relacionado com a escolha de uma base g ∈ An(V ) (lembre-se quedim(An(V )) = 1, de forma que qualquer elemento nao nulo forma uma base deste espaco).

Lema 7.8 Seja g ∈ An(V ) e e1, . . . , en uma base de V . Entao, para qualquer conjunto devetores v1, . . . , vn com

vi =

n∑

j=1

aijej , i = 1, . . . , n,

temos que

g(v1, . . . , vn) = det(aij)g(e1, . . . , en).

Demonstracao. Sera deixada como exercıcio (veja o Exercıcio 103).

Corolario 7.9 Se g ∈ An(V ) com g 6= 0, entao g possui o mesmo sinal em duas bases se estasbases possuem mesma orientacao. Assim, uma escolha de g ∈ An(V ), g 6= 0, determina umaorientacao de V .

A grosso modo, para estender o conceito de orientacao para uma variedadeM deve-se tentarorientar cada um dos espacos tangentes TpM de forma que a orientacao de espacos tangentesde pontos proximos coincidam.

Definicao 7.10 Uma variedade diferenciavel M de dimensao n e dita orientavel se ela possuiuma estrutura diferenciavel U = Uα, ϕα na qual todas as mudancas de coordenadas ϕα ϕ−1

β

possuem determinante Jacobiano positivo. Neste caso dizemos que U orienta M .

Daremos uma caracterizacao em termos de forma diferenciais para a orientabilidade de umavariedade. Antes porem necessitamos de um resultado tecnico.

Exercıcio 110 Seja M uma variedade de dimensao n e consideremos uma vizinhanca coorde-nada (U,ϕ) de um ponto p ∈ M . Sejam f1, . . . , fn funcoes suaves em U e ϕ = (x1, . . . , xn)funcoes coordenadas em U . Prove que

df1 ∧ . . . ∧ dfn = det( ∂fi∂xj

)dx1 ∧ . . . ∧ dxn.

(Compare com o Exercıcio 102).

Teorema 7.11 Uma variedade diferenciavel M de dimensao n e orientavel se, e somente se,ela possui uma n-forma diferencial que nunca se anula.

Demonstracao. Suponhamos queM e orientavel e seja (Uα, ϕα) uma estrutura diferenciavelde M na qual todo determinante Jacobiano das mudnacas de coordendas e positivo. Consider-emos ρα uma particao da unidade (C∞) subordinada a Uα. Definamos

ω =∑

ραdx1α ∧ . . . ∧ dxnα,

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7.4. VARIEDADES ORIENTAVEIS 135

onde x1α, . . . , xnα sao as funcoes coordenadas de ϕα. Para todo p ∈ M , existe uma vizinhanca

aberta Up de p que intercepta somente um numero de conjuntos suppρα. Segue que ω e umasoma finita em Up e portanto suave em todo ponto p ∈M .

Fixemos agora uma vizinhanca coordenada (U,ϕ) de um ponto p da estrutura diferenciavelque orienta M , onde ϕ = (x1, . . . , xn), e consideremos U ∩ Uα. Pelo Exercıcio 110 temos que

dx1α ∧ . . . ∧ dxnα = det(∂xiα∂xj

)dx1 ∧ . . . ∧ dxn,

onde det(∂xi

α

∂xj

)> 0, pois M e orientavel. Segue que

ω =∑

ραdx1α ∧ . . . ∧ dxnα =

[∑ρα det

(∂xiα∂xj

)]dx1 ∧ . . . ∧ dxn.

Como ρα(p) > 0 para algum α, temos que

ω(p) = k(p)dx1 ∧ . . . ∧ dxn,

para algum k > 0. Como p e arbitrario, obtemos que ω nunca se anula em M .

Suponhamos agora que ω e uma n-forma diferencial em M que nunca se anula. Dadauma estrutura diferenciavel em M , vamos usar ω para modifica-la de forma que o determinanteJacobiano de cada mudanca coordenada seja positivo.

Seja (U,ϕ) uma vizinhanca coordenada com ϕ = (x1, . . . , xn). Entao

ω = fdx1 ∧ . . . ∧ dxn

para alguma funcao f de classe C∞. Como ω nunca se anula e f e contınua, temos que f > 0ou f < 0 em U . Se f > 0, deixe o sistema de coordenadas como ele esta; se f < 0 trocamoso sistema de vizinhanca coordenada (U,ϕ) por (U, ϕ), onde ϕ = (−x1, x2 . . . , xn). Apos todasestas mudancas (quando necessarias), podemos assumir que, em qualquer vizinhanca coordenada(V, ψ), com ψ = (y1, . . . , yn), temos

ω = hdy1 ∧ . . . ∧ dyn,

com h > 0. Esta e uma estrutura diferenciavel na qual toda mudanca de coordenadas possuideterminante Jacobiano positivo. De fato, se (U,ϕ) e (V, ψ) sao tais que ϕ = (x1, . . . , xn) eψ = (y1, . . . , yn), entao

ω = fdx1 ∧ . . . ∧ dxn = hdy1 ∧ . . . ∧ dyn,

ou sejaf

hdx1 ∧ . . . ∧ dxn = dy1 ∧ . . . ∧ dyn.

Pelo Exercıcio 110 temos que

det( ∂yi∂xj

)=f

h> 0 em U ∩ V.

Isto finaliza a demonstracao.

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136 CAPITULO 7. VOLTANDO AS VARIEDADES

7.5 Exercıcios

Exercıcio 111 Seja f : R3 → R de classe C∞ e assuma que M = f−1(0) seja uma subvariedaderegular de R3 de dimensao 2. Mostre que as igualdades

dx ∧ dyfz

=dy ∧ dzfx

=dz ∧ dxfy

valem em M sempre que fizerem sentido. Em particular, mostre que M possui uma 2-forma quenunca se anula em M sendo assim orientavel.

Exercıcio 112 Mostre que o fibrado tangente TM de qualquer variedade diferenciavel M coma estrutura diferenciavel herdade de M e sempre orientavel (mesmo que M nao seja).

7.6 Variedades com bordo

A teoria de integracao em variedades que desenvolveremos torna necessaria a introducao danocao de bordo de uma variedade, que definiremos nesta secao.

Alem da teoria de integracao, variedades com bordo sao importantes em outros estudos. Porexemplo, para estudar deformacoes diferenciaveis de aplicacoes diferenciaveis de uma variedadeM em uma variedade N , necessitamos definir aplicacoes de M × I em N . Entretanto, M × Ie uma variedade com bordo. Assim, precisamos estender a nocao de aplicacoes diferenciaveis,espaco tangente, etc, para estes objetos um pouco mais gerais.

Seja Hn := x = (x1, . . . , xn) | xn ≥ 0 com a topologia relativa de Rn e denotemos por∂Hn o subespaco definido por ∂Hn := x ∈ H | xn = 0. Entao ∂Hn e o mesmo espaco quandoconsiderado como um subespaco de Rn ou de Hn, e e chamado de bordo de Hn. Os pontosde ∂Hn sao chamados de pontos de bordo. Os pontos x ∈ Hn tais que xn > 0 sao os pontosinteriores.

Lembremos que, se S ⊂ Rn e um subconjunto arbitrario, entao uma aplicacao f : S → Rm ediferenciavel em x ∈ S se existe uma vizinhanca U de x e uma funcao diferenciavel f : U → Rm

tal que f = f em U ∩ S.Assim, faz sentido falarmos que um subconjunto arbitrario S ⊂ Rn e difeomorfo a um

subconjunto T ⊂ Rm: isto acontecera se, e somente se, existirem aplicacoes diferenciaveis f : S →T e g : T → S inversas uma da outra.

Proposicao 7.12 Sejam U ⊂ Rn um aberto, S ⊂ Rn arbitrario e f : U → S um difeomorfismo.Entao S e aberto em Rn.

Demonstracao. Seja x ∈ U . Como f : U → S e um difeomorfismo, existe um conjunto abertoV ⊂ Rn, S ⊂ V , e uma funcao g : V → Rn de classe C∞ tal que g

∣∣S= f−1. Assim, a composta

g f → U → U satisfaz g f = Id∣∣U. Pela Regra da Cadeia e pelo Teorema da Funcao Inversa,

f e localmente inversıvel em x ∈ U . Segue que existe uma vizinhanca aberta Ux de x e Vf(x) def(x) em V tal que f : Ux → Vf(x) e um difeomorfismo entre abertos. Assim, Vf(x) ⊂ f(U) = Se S e aberto em Rn.

Proposicao 7.13 Sejam U, V ⊂ Hn abertos e f : U → V um difeomorfismo. Entao f aplicapontos interiores em pontos interiores e pontos de bordo em pontos de bordo.

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7.6. VARIEDADES COM BORDO 137

Demonstracao. Seja p ∈ U com p ∈ Int(Hn). Entao existe um aberto B em Rn com p ∈ B ⊂Hn. Segue que f(B) e aberto em Rn. Assim, f(p) ∈ f(B) ⊂ V ⊂ Hn e f(p) e um ponto interior.

Se p ∈ ∂Hn, entao f−1(f(p)) = p ∈ ∂Hn. Como f−1 : V → U ’e um difeomorfismo, f(p)nao pode ser interior, ou seja, f(p) ∈ ∂Hn.

Definicao 7.14 Uma variedade diferenciavel com bordo de classe C∞ e um espaco topologicode Hausdorff M com base enumeravel de conjuntos abertos e uma estrutura diferenciavel U noseguinte sentido generalizado: U = (Uα, ϕα) consiste de uma famılia de subconjuntos abertosUα de M , cada um com um homeomorfismo ϕα sobre um subconjunto aberto de Hn (com atopologia de subespaco de Rn) tais que

1) os conjuntos Uα cobrem M ;

2) se (Uα, ϕα) e (Uβ, ϕβ) sao elementos de U , entao as mudancas de coordenadas ϕβ ϕ−1α e

ϕα ϕ−1β sao difeomorfimos de ϕα(Uα ∩ Uβ) e ϕβ(Uα ∩ Uβ), subconjuntos abertos de Hn;

3) U e maximal com respeito as propriedades 1) e 2).

Seja p ∈M e (U,ϕ) uma vizinhanca coordenada de p. Pela Proposicao 7.13, se ϕ(p) ∈ ∂Hn,entao ψ(p) ∈ ∂Hn para qualquer vizinhanca coordenada (V, ψ) de p. O conjunto dos pontosp ∈ M para os quais ϕ(p) ∈ ∂Hn para algum (U,ϕ) e chamado de bordo de M . Tal conjunto edenotado por ∂M . Temos que M \ ∂M e uma variedade no sentido usual. Se ∂M = ∅, dizemosque M e uma variedade sem bordo.

Teorema 7.15 SeM e uma variedade diferenciavel de dimensao n com bordo, entao a estruturadiferenciavel de M determina em ∂M uma estrutura diferenciavel com a qual este subconjunto euma variedade diferenciavel sem bordo de dimensao n− 1. Alem disso, a inclusao i : ∂M →Me um mergulho.

Os detalhes da demonstracao serao deixados para os exercıcios. A estrutura diferenciavel Uem ∂M e determinada pelas vizinhancas coordenadas (U , ϕ), onde U = U ∩ ∂M e ϕ = ϕ

∣∣U∩∂M

para qualquer vizinhanca coordenada (U,ϕ) do sistema U de M que contem pontos de ∂M .

Aplicacoes diferenciaveis, posto, espacos tangentes, etc, podem agora serem definidos exa-tamente como anteriormente.

Vigesima nona aula ↓

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138 CAPITULO 7. VOLTANDO AS VARIEDADES

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